EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ASSERÇÕES DE CARIZ JURÍDICO-CONCLUSIVO
MATÉRIA DE FACTO
OBSCURIDADE
LOCAÇÃO FINANCEIRA
ALUGUER OPERACIONAL
CLÁUSULAS GERAIS
COMUNICAÇÃO
INFORMAÇÃO
Sumário


I – A invocação, pelos embargantes de que determinadas cláusulas dos contratos não foram negociadas, nem lhes foram comunicadas e informadas e são nulas à luz do art.º 19º, alíneas c) e d) da LCCG, constituem questões essenciais que o juiz deve apreciar concretamente e não meros argumentos.
II – A sentença que conclui que “Em face do predito, entende-se que não se verifica qualquer nulidade das cláusulas dos contratos subjacentes à emissão de cada uma das livranças…”, mas sem apreciar, de forma concreta, jurídica e facticamente, as referidas questões, é nula por omissão de pronúncia, à luz da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.
III – Uma vez que face ao n.º 4 do art.º 607º do CPC, na fundamentação de facto da sentença, só devem constar asserções factos, deve, à luz do mesmo normativo, expurgar-se dessa fundamentação, a matéria de direito e/ou juízos conclusivos.
IV – Constatada a existência de obscuridades da matéria de facto, impõe-se à Relação, como tribunal de instância, o dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquela patologia.
V - O contrato de locação financeira é definido no art.º 1º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, como sendo o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.
VI – Este contrato não se confunde com o contrato de “aluguer operacional” ou “locação operacional, porquanto, neste, a locadora obriga-se a ceder o gozo de um bem, nomeadamente um veículo ou outro equipamento de elevada incorporação tecnológica e a prestar um conjunto de serviços mediante uma remuneração, sem que o locatário tenha, no fim do prazo, o direito de adquirir o bem locado.
VII - As cláusulas contratuais gerais estão elaboradas de antemão e são objecto de simples subscrição ou aceitação pela parte a quem são propostas.
VIII - Para que se verifique a efectiva inclusão no contrato singular, a lei prescreve diversas cautelas tendentes a possibilitar o seu efectivo conhecimento pela parte que se limita a subscrevê-las e a defendê-la da sua irreflexão, as quais constam dos artigos 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, onde se faz recair sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, e o dever de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
IX – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
X – Disponibilizado o documento em que se encontram inscritas as cláusulas contratuais gerais, com a necessária e adequada antecedência, face à importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas, impõe-se à contraparte fazer uso da comum diligência para tomar conhecimento efectivo do seu conteúdo.
XI – Se o destinatário nada fizer para as conhecer, como lhe cabe, nomeadamente, mas não só, recebendo e lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato.
XII – Não deve ser atribuída qualquer relevância a uma declaração / cláusula em que o aderente declara terem-lhe sido comunicadas e informadas todas as cláusulas do contrato, por eliminar as exigências legais de comunicação, informação e esclarecimento e o ónus da prova do cumprimento das mesmas, que recaem sobre o utilizador, para que tais cláusulas integrem efectivamente o contrato.
XIII - O dever de informação tem em vista proporcionar a compreensão da mensagem subjacente à ou às cláusulas, a sua eficaz apreensão, o conhecimento efectivo da mesma e recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, o facto de haver ou não relações anteriores, o aderente ser uma empresa ou um consumidor final, a formação académica e experiência de contratação do aderente, a possibilidade de um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste compreender, por si, a cláusula ou cláusulas.
XIV – O corpo do art.º 19º da LCCG, ao determinar que o juízo valorativo seja alcançado tendo em consideração o quadro negocial padronizado, implica uma análise da cláusula no conjunto do clausulado de que faz parte e afasta a consideração de eventuais circunstâncias particulares do negócio em concreto.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
           
1. Relatório

V...  - Sucursal Em Portugal intentou acção executiva com processo ordinário contra BB e S... Unipessoal Lda. para pagamento da quantia de € 204 757,31 €.

Invocou para tanto que celebrou com a S... Unipessoal Lda. dois contratos de locação financeira – um com o n.º ...40 e outro com o n.º ...47.

O primeiro teve por objecto o veículo automóvel da marca ..., modelo ... 18.46..., com a matrícula ..-VH-.., pelo prazo de 38 meses, tendo o seu início a 28/09/2018 e termo a 28/12/2021, e a renda mensal de € 1.309,08; para garantia do integral pagamento do valor contratado foi subscrita pela executada S... e avalizada pela executada BB, em branco e entregue à Exequente, uma livrança; em consequência da falta de pagamento das rendas, a 14.08.2020, enviou aos Executados, para a morada contratual, uma carta a comunicar o incumprimento do contrato, para que procedessem ao pagamento da quantia em mora; não foram efectuados pagamentos; em consequência da continuada falta de pagamento das rendas acordadas, a 19.01.2021 procedeu à resolução do contrato; foram os Executados interpelados para proceder ao pagamento do valor em dívida, com a apresentação da livrança a pagamento, sob pena de a mesma ser acionada judicialmente; não foi regularizado qualquer montante; procedeu ao preenchimento da livrança dada em garantia por via do incumprimento do contrato e que constitui título executivo; encontra-se em dívida o montante de € 102.240,21, discriminado da seguinte forma: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas; d) € 257,66, a título de outros valores vencidos e não pagos; e)  € 13.741,58 a título de montante indemnizatório; f) € 72.382,04 a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 985,92 a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança; àquele valor acrescem os juros de mora, calculados à taxa legal em vigor desde a data de vencimento da livrança (26.11.2021) até integral e efetivo pagamento; acresce ainda o valor de imposto de selo, no montante de € 511,20.

O segundo teve por objecto o veículo automóvel da marca ..., modelo ... 18.46..., com a matrícula ..-VH-.., pelo prazo de 38 meses, tendo o seu início em 05/11/2018 e termo em 05/02/2022, pela renda mensal de € 1.309,08; para garantia do integral pagamento do valor contratado foi subscrita pela executada S... e avalizada pela executada BB, em branco e entregue à Exequente, uma livrança; em consequência da falta de pagamento das rendas, a 14.08.2020, enviou aos Executados, para a morada contratual, uma carta a comunicar o incumprimento do contrato, para que procedessem ao pagamento da quantia em mora; não foram efetuados pagamentos;  em consequência da continuada falta de pagamento das rendas acordadas, procedeu, no dia 19.01.2021, à resolução do contrato; foram os Executados interpelados para proceder ao pagamento do valor em dívida, com a apresentação da livrança a pagamento, sob pena de a mesma ser acionada judicialmente; não foi regularizado qualquer montante; procedeu ao preenchimento da livrança dada em garantia por via do incumprimento do contrato e que constitui título executivo; encontra-se em dívida o montante de € 102.517,10, discriminado da seguinte forma: a) € 14.353,69, a título de alugueres vencidos e não pagos; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre alugueres vencidos e não pagos; c) € 494,76, a título de comissões por alugueres devolvidos; d) € 276,39, a título de outros valores vencidos e não pagos; e) € 14.000,91 a título de montante indemnizatório; f) € 72.401,07 a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança; a este valor acrescem juros de mora, calculados à taxa legal em vigor desde a data de vencimento da livrança (26.11.2021) até integral e efetivo pagamento; acresce ainda o valor de imposto de selo, no montante de € 512,59.

Foi ordenada a citação das executadas para, no prazo de vinte dias, pagarem ou oporem-se à execução, nos termos do disposto no artigo 726.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

As executadas deduziram embargos de executado aceitando os valores relativos às rendas vencidas e não pagas e juros de mora; relativamente aos restantes valores, impugnam-nos invocando não terem suporte documental, não terem consentido no pagamento dos mesmos, desconhecerem a que título se imputam e, concomitantemente, corresponderem a cláusulas nulas; impugnam ainda os juros de mora relativos à livrança, por os valores reclamados e apostos na livrança serem impugnados e considerados nulos.

Mais alegam que aquando da contratualização dos contratos de locação financeira, apenas lhe foi comunicado o prazo de vigência, a obrigatoriedade de devolução dos veículos aquando do termo do contrato, uma vez que não estava contemplada a hipótese de aquisição dos mesmos no final do contrato; o clausulado proposto pela exequente já se encontrava pré-determinado, não tendo sido permitida a alteração de qualquer uma das suas cláusulas, tanto que se encontra explícito na documentação junta com o requerimento executivo, que se tratam de  “condições gerais” e, portanto, comuns a todos os contratos celebrados entre a exequente e os seus clientes; de entre o clausulado destacam as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4; além de não terem sido negociadas as cláusulas constantes das Condições Gerais, as mesmas não foram comunicadas e informadas às embargantes; em virtude da celebração dos contratos de locação financeira sobre a executada S... recaíam duas obrigações principais: o pagamento do valor mensal estipulado; a entrega dos bens locados após a cessação da locação.

Depois de enunciarem, novamente, as cláusulas 14.3. e 15.4 dos contratos e alegarem que, com fundamento em tais cláusulas, são peticionados os valores indicados nas alíneas c) - comissões por alugueres devolvidos; d) - outros valores vencidos e não pagos; e) - montante indemnizatório; f) - comissões, despesas ou encargos, alegam que surge a dificuldade em determinar quais “as comissões, valores vencidos e não pagos, montantes indemnizatórios, comissões despesas ou encargos”, a que a exequente se refere; no requerimento executivo nada é referido a que concreto título os valores são imputados, mas tão só aquelas expressões genéricas; por serem indeterminadas, não documentadas, não expressamente delimitadas e porque pressupõem uma aceitação prévia e incondicional da executada, são (aquelas cláusulas) nulas  nos termos dos art.ºs 15º, 16 e 19º, d) da LCCG.

Depois de enunciarem, novamente, a cláusula 12.5. dos contratos e de referirem que nos valores peticionados pela exequente não surgirem discriminados quaisquer valores com base em tal cláusula, à cautela invocam a nulidade da mesma à luz do art.º 19º, n.º 1, alínea c) da LCCG.

Alegam também que tanto no requerimento executivo, como no campo da liquidação da obrigação, não se compreende a que título se peticionam os valores, sendo mencionada, apenas, uma descrição genérica e sem qualquer tipo de comprovativo, datas de vencimento, taxas de juro e fórmulas de cálculo, sendo os mesmos nulos; verifica-se uma situação de inexequibilidade da obrigação, pois os valores peticionados a título de “montante indemnizatório”, “comissões por alugueres devolvidos”, “outros valores vencidos e não pagos” e “comissões, despesas ou encargos”, não dependem de simples cálculo aritmético, pelo que carecem de liquidação e, sobretudo, de explicitação e fundamentação documental; não se pode considerar existir uma obrigação exequenda líquida, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 716º, 4 do CPC.

Mais adiante e em sede de “Direito” alegam que a cláusula 14.3 impõe a ficção da vontade negocial das executadas com base em factos para tal insuficientes – nulidade prevista no art.º 19º, c, da LCCG; por ser estipulada uma cláusula penal abusiva, por excessiva – nulidade prevista no art.º 19º, d) da LCCG;  nas cláusulas 12.5 e 15.4, a locadora, que já estipula prestações com uma margem de lucro, através da cláusula penal, pretende ainda adicionar o pagamento de uma percentagem do valor residual do veículo, quando esta dispõe do mesmo, podendo aliená-lo e ainda prevê a possibilidade de receber rendas vincendas, beneficiando de quantias quando já tem o direito de reter as rendas vencidas e pagas, bem como a dispor do bem; as cláusulas 12.5 e 15.4 seriam de considerar abusivas, por desproporcionais; impõe-se a sua redução, com recurso à equidade; nos termos do art.º 724º, n.º 1, alíneas f) e h), do CPC, cumpre ao exequente formular o pedido e liquidar a obrigação; a liquidação não está em conformidade com o disposto nos art.ºs 713º e 716º do CPC, encontrando-se por determinar qual a data de vencimento, a taxa de juro, aplicada, quais as concretas comissões, despesas ou encargos, comissões por alugueres devolvidos, outros valores vencidos e não pagos e fundamentos indemnizatórios para as quantias reclamadas; o objecto da obrigação deve estar determinado.

Terminaram pedindo que a oposição à execução seja julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Ser declarada a falta de comunicação e de informação do clausulado, por parte da Exequente, e, por consequência, serem as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 excluídas, nos termos dos artigos 5.º, 6.º e 8.º/a) e b) da LCCG, reduzindo o valor da execução apenas ao valor dos alugueres vencidos e não pagos e dos respetivos juros, no valor total de 28.720,58€ (vinte e oito mil, setecentos e vinte euros e cinquenta e oito cêntimos);
b) Ser a oposição considerada procedente por incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda com fundamento nos artigos 729.º/e) e 731.º do CPC.
Em caso de improcedência do pedido supra, subsidiariamente:
c) Serem as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 declaradas nulas nos termos expostos supra, com fundamento na ficção da vontade negocial, proibida pelo artigo 19.º/d) da LCCG, por serem cláusulas penais desproporcionais, proibidas pelo artigo 19.º/c) da LCCG e, ainda, sempre serão nulas por contrárias aos valores fundamentais do direito e contrárias à boa-fé ex vi artigos 15.º e 16.º da LCCG;
d) Com efeito, deve a oposição à execução ser considerada procedente, sendo a quantia exequenda reduzida até ao valor total de 28.720,58€ (vinte e oito mil, setecentos e vinte euros e cinquenta e oito cêntimos).
Ainda, se assim não considerar, subsidiariamente:
e) Devem as cláusulas ser reduzidas com recurso à equidade prevista no artigo 812.º do Código Civil.

Foi ordenada a notificação da exequente para contestar, o que a mesma fez, dizendo, em síntese, para além do que constitui repetição do que consta do requerimento executivo, que os valores indicados nas alíneas c) - comissões por alugueres devolvidos -, são despesas com a devolução das 11 prestações, discriminando os valores; os montantes indicados nas alíneas e) -  montante indemnizatório – são devidos nos termos da cláusula penal constante da cláusula 15.4 e corresponde a 30% dos alugueres vincendos; relativamente ao montante constante da alínea f), no montante de € 72.382,04, subdivide-se em quatro rúbricas: (i) € 3.321,72, relativamente a despesas de recuperação de créditos, despesas com mandatários judiciais, calculado nos termos do ponto 9 do preçário e da cláusula 15.4 já junto como doc. n.º ...; (ii) € 357,00, devidos pelos montantes despendidos para taxa de justiça no âmbito da providência cautelar (€ 306,00) e a presente ação executiva (€ 51,00); (iii) € 1.845,00, devido a título de comissão por entrada de contencioso calculados nos termos do ponto 9 do preçário, que se junta como doc. ...; (iv) € 66.858,32, devido a título de cláusula penal nos termos da cláusula 12.5 das “Condições Gerais”.

Mais alegou que a livrança foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento que junta, designadamente na cláusula 17ª, cláusula essa que foi devidamente explicada aos embargantes.

Alega também que os contratos celebrados entre as partes não são contratos de adesão, susceptíveis de serem abrangidos pela LCCG; as partes celebraram contratos mistos de locação e de prestação de serviços, que revestem a forma escrita, nos termos do disposto no DL 354/86, de 23 de Outubro; a embargada tem no seu portefólio um conjunto de “versões” tipo de contratos, que apresenta aos clientes, consoantes as necessidades que estes lhe reportam, apresentando a proposta que entende melhor adequar-se ao caso concreto; as propostas não são fechadas a negociações, modificações e até recusas, existindo várias versões e, dentro das mesmas, as que apresentam mais alterações à versão inicial, são as referentes a empresas, como é o caso da embargante; as embargantes leram e analisaram todo o clausulado dos contratos que lhe foram propostos e puderam sugerir alterações; todos os deveres de informação pré-contratuais e contratuais foram cumpridos pela embargada; a sociedade embargante tem como objecto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem, através de veículos pesados de mercadorias; as embargantes estão ligadas ao sector dos transportes e têm amplos conhecimentos sobre o âmbito e conteúdo do clausulado dos Contratos de Aluguer Operacional de Viaturas, contratos esses que as embargantes celebram amiúde e cujo conhecimento do seu clausulado é detalhado e profundo; a sócia gerente da sociedade embargante é amplamente versada na celebração de contratos como aquele que está na génese da presente “acção”; consta do contrato a declaração da embargante de que lhe foram comunicadas e informadas todas as cláusulas; as cláusulas 14.3. e 15.4, foram comunicadas às embargantes; tais cláusulas não são indeterminadas, sendo o seu computo possível de ser aferido através do preçário da V... consultável na sua página da internet; a remissão da aplicação de custos para o preçário é aplicável por todas as locadoras e caucionado pelo Banco de Portugal; a embargada comunicou a cláusula 12.5., a qual se refere à mora na entrega do veículo, que visa ressarcir o locador  da desvalorização do bem e com base na mesma foram peticionados os montantes constantes das alíneas f).

Foi proferido despacho saneador que consignou:
- o Objeto do litígio - A validade do(s) título(s) executivo(s) oferecido(s) nos autos principais de execução.
- os Temas de Prova:
1) Apurar da falta de informação e comunicação das cláusulas contratuais que constam nos contratos subjacentes às livranças oferecidas nos autos principais como título executivo.
2) Nulidades das cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 insertas nos contratos em causa nos autos.
3) Apurar da alegada falta de liquidez da obrigação exequenda.
4) Apurar se ocorreu preenchimento abusivo das livranças.

Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor:
Face ao exposto, decide-se julgar improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, consequentemente, deverá a execução prosseguir a sua normal tramitação para cobrança coerciva da dívida exequenda.
Custas a cargo das Executadas/Embargantes.

Interpuseram as embargantes recurso, pedindo que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra:

a) que venha aditar:
- aos factos provados, que as cláusulas contratuais 12.5, 14.3 e 15.4, nunca foram negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, ónus que sobre esta ultima impendia, devendo considerar-se excluídas dos contratos.
- aos não provados, que a Embargada ora recorrida tenha cumprido como dever de informar o concreto teor das cláusulas contratuais 12.5, 14.3 e 15.4.
b) que julgue os embargos parcialmente procedentes, reconhecendo-se a violação pela Embargada do dever de informação/comunicação à Embargante das cláusulas contratuais 12.5, 14.3 e 15.4, ónus que impendia sobre a Embargada,
c) que ordene o prosseguimento dos autos principais de execução pelo montante de € 28.720,58,

e, subsidiariamente, para a hipótese de assim não se entender,
d) que seja a sentença declarada nula, por omissão de pronúncia, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões :
I. O presente recurso é interposto da douta decisão proferida nos presentes autos pela Meritíssima Juiz A quo, a qual, julgou os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e em consequência decidiu pelo prosseguimento normal da execução para cobrança coerciva da dívida exequenda.
II. Essa é a decisão com que a Recorrente não se conforma e pretende ver submetida à prudente apreciação desse Tribunal.
III. Assim o presente recurso assenta essencialmente na reapreciação da prova gravada recorrendo-se da matéria de facto e ainda da omissão de pronúncia do Tribunal A Quo sobre factos e questões juridicamente relevantes.
IV. Impõe-se, e explicaremos porquê, uma alteração à matéria de facto, a fim de se aditar:
i. Aos factos provados que As cláusulas contratuais 12.5, 14.3, e 15.4, nunca foram negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, ónus que sobre esta última impendia devendo considerar-se excluídas dos contratos.
ii. E não provado que a Embargada ora recorrida tenha cumprido com o dever de  informar o concreto teor das cláusulas contratuais 12.5, 14.3, e 15.4.
V. A recorrida peticiona nos autos com fundamento nas cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 do clausulado das condições gerais dos contratos n.º ...40 e n.º ...47 as seguintes quantias:
a) contrato n.º ...40: 509,61€ (alínea c)), 257,66€ (alínea d)), 13.741,58€ (alínea e)) e 72.382,04 (alínea f)), todos do ponto 13 do requerimento executivo, num total de 86.890,89€;
b) Contrato n.º ...47: 494,76€ (alínea c)), 276,39€ (alínea d)), 14.000,91€ (alínea e)) e 72.401,07 (alínea f)), todos do ponto 29 do requerimento executivo, num total de 87.173,13€.
VI. Estando os contratos celebrados pelas partes e seu clausulado, em análise nos autos, subsumíveis ao regime legal preconizado pelo DL n.º 446/85, de 25/10 (Conforme determinam os n.ºs 1 e 2 do art. 6.º da LCCG) sucede que impendia sobre a Recorrida, antes de mais, o ónus da prova de demonstrar que fez a adequada comunicação das cláusulas gerais do contrato à contraparte, neste caso à ora recorrente (342.º e 344 do Código Civil).
VII. Entendeu o tribunal A quo neste âmbito que “A testemunha CC, funcionária do Exequente, confirmou que os contratos são negociados entre as partes (concessionária e os clientes, no caso as Embargantes), designadamente o valor das rendas, o número das prestações, o prazo dos contratos, os juros e as garantias associadas, mormente as livranças, acrescentando que as Embargantes assinaram os contratos, sendo a assinatura reconhecida perante advogado.
VIII. Das suas declarações resultam que a recorrida/embargada não negoceia os contratos com os clientes porque quem o faz é a concessionária, e neste caso a quem o fez foi a M.... Perguntado pelo ora subscritor há quanto tempo trabalha na aqui recorrida afirma a testemunha… há 3 anos (desde 2019) (minuto 25 a 25.45 da gravação áudio-ficheiro 20221103105347_1438720_2871891).
IX. Facto que é atendível e que significa que aquando da contratação que se reporta a 2018 a dita testemunha nem exercia funções na embargada.
X. Tendo em igual momento afirmado que apenas tomou conhecimento desta situação aquando da resolução dos contratos (19-01-2021 - Ponto S da fundamentação de Facto).
XI. Portanto não seria exigível e expectável sequer que a testemunha soubesse em que termos é que as cláusulas 12.5, 14.3, e 15.4 dos contratos foram explicados à recorrente, ou se o foram.
XII. Aliás, menciona a dita testemunha não saber, neste caso específico, que informações foram prestadas ao cliente (minuto 27 a 27.25 a da gravação áudio-ficheiro 20221103105347_1438720_2871891).
XIII. Perguntado pelo ora subscritor quem presta esses esclarecimentos contratuais e quem cumpre esse dever de informação (minuto 27.25 a 27.45 da gravação áudio-ficheiro 20221103105347_1438720_2871891) menciona a dita testemunha que por vezes pode ser alguém do banco ou alguém da concessão (referindo-se ao vendedor de automóveis).
XIV. Acrescenta ainda que não tem conhecimento de terem sido explicadas as cláusulas dos contratos. (minuto 28.40 a 29.15 da gravação áudio-ficheiro 20221103105347_1438720_2871891)
XV. No geral afirma também ainda acontecer que os bancos explicam as cláusulas dos contratos às concessionárias e os funcionários das concessionárias (vendedores de carros sem formação na área-conclusão nossa) explicam por sua vez aos clientes (minuto 30.40 a 31.30 da gravação áudio-ficheiro 20221103105347_1438720_2871891).
XVI. Mas repare-se que o ónus de cumprir o dever de informação é da embargada e não de um qualquer terceiro.
XVII. Em face ao depoimento da testemunha DD não se compreende, que o tribunal conclua que “foram tidas conversas sobre as possibilidades que existiam para a empresa no final do contrato (em ficar com os veículos pagando o valor residual) estando o mesmo cumprido, mais teriam havido informações sobre quais as consequências para as ora Executadas em caso de incumprimento pois essas perguntas são aquelas que qualquer pessoa avisada, prudente e que anda no meio empresarial, fará para saber as obrigações e as responsabilidades que podem advir para a empresa (…)”
XVIII. Mal andou o Tribunal A quo pois como veremos infra ou não se pronunciou ou decidiu em sentido inverso à prova produzida.
XIX. Acresce que resulta da prova produzida que os contratos foram entregues à legal representante da aqui recorrente para reconhecer as assinaturas e os devolver no imediato, facto que só reforça o incumprimento do dever que sobre a recorrida/embargada impendia de comunicar,       explicar e informar convenientemente a Recorrente do clausulado contratual.
XX. Refere neste âmbito a legal representante da Recorrente – BB - que a única pessoa que se deslocou às suas instalações foi o comercial/vendedor da M... (minuto 1.30 a 2.32 da gravação áudio-ficheiro 20221103094839_1438720_2871891)
XXI. Refere que o vendedor da M... (Sr. AA) se deslocou a ..., trouxe os contratos e foi dito que teria de ir (a legal representante da empresa aqui recorrente) rapidamente assinar os contratos porque o vendedor iria a aguardar em ... para levar os contratos assinados nesse mesmo dia, foi dito tratar-se de um contrato normal e que teria as 38 rendas para pagar entre os 1.200€ a 1.300€.
XXII. Refere ter-se deslocado a um advogado Dr. EE, assinou na presença dele, ele reconheceu as assinaturas e voltou rapidamente para o escritório entregar os contratos ao Sr. AA da M... (minuto 2.40 a 4.00 da gravação áudio-ficheiro 20221103094839_1438720_2871891).
XXIII.   Refere que inexistiram contactos com a aqui recorrida, nem alguma vez explicaram o clausulado contratual. (minuto 4.00 a 4.30 da gravação áudio-ficheiro 20221103094839_1438720_2871891).
XXIV.  Perguntado pelo ora subscritor se conhece os conceitos de cláusulas penais, taxas de juro, comissões, indemnizações, compensações e se sabe o que significam, responde dizendo que nunca foi explicado. Apenas foi transmitido que teriam de pagar as 38 rendas, o valor de cada renda mensal e no final poderiam ficar com os carros mediante o pagamento de um valor residual. (minuto 6.35 a 7.50 da gravação áudio-ficheiro 20221103094839_1438720_2871891)
XXV. Admite não ter qualquer experiência na área (referindo-se à negociação e celebração dos contratos). (minuto 7.50 a 8.10 da gravação áudio-ficheiro 20221103094839_1438720_2871891)
XXVI.  Factos também corroborados pela testemunha FF porquanto refere ter acompanhado a negociação dos contratos dos autos com o Sr. AA da M... (minuto 3.00 a 4.05 da gravação áudio-ficheiro 20221103101656_1438720_2871891).
XXVII. Adianta dizendo que os contratos foram entregues pelo Sr. AA da M... que por sua vez os recebera num envelope tendo-os trazido para assinar. (minuto 5.14 a 5.35 da gravação áudio-ficheiro 20221103101656_1438720_2871891).
XXVIII. Refere ainda que o dito vendedor trouxe os envelopes rápido, foi-se rápido ao Advogado reconhecer as assinaturas a BB assinou e ele levou os envelopes assim. Foi tudo à base da confiança (minuto 5.40 a 6.20 da gravação áudio-ficheiro 20221103101656_1438720_2871891).
XXIX. Dúvidas não temos que a embargada além de incumprir com o dever de informação constantes nos artigos 5.º e 6.º do RCCG, também esta incumpriu em sede de Audiência de Julgamento com o ónus de provar que o fez, mas já lá iremos.
XXX. E disso não estava a embargada eximida,
XXXI. Entenderam os Colendos Conselheiros, num caso em todo semelhante aos dos autos, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc.º 1262/14.1T8VCT- B.G1.S1 datado de 13-09-2016 que agora trazemos à colação, o seguinte: “É certo que as exigências especiais da promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efetivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efetivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efetivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos. Uma tal conceção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.”
XXXII. A Recorrida, não deu assim cumprimento ao ónus que sobre a mesma impendia de provar que comunicou concretamente as cláusulas 12.5, 14.3, 15.4 das condições gerais relativas aos contratos de locação financeira dos presentes autos, incorrendo em manifesta violação dos deveres de comunicação e informação constantes nos artigos 5.º e 6.º do RCCG.
XXXIII. Ora, a embargada, não tendo produzido a prova que lhe incumbia, só deveria o tribunal ter decidido em seu desfavor, concluindo assim de que as sobreditas cláusulas (12.5, 14.3, 15.4) não são passíveis de serem invocadas, considerando-se excluídas dos contratos em apreço nos autos.
XXXIV. E consequentemente, a embargante/recorrida absolvida do pagamento das quantias exigidas em sede de requerimento executivo com base nas sobreditas cláusulas.
XXXV. Subsistindo apenas o valor das rendas vencidas e não pagas e os juros de mora já confessados pela Recorrente, tudo no valor total de 28.720,58€, prosseguindo a execução apenas por aqueles valores.
XXXVI. Subsidiariamente,
XXXVII. O Douto Tribunal não se pronunciou sobre questões/factos com relevância para a decisão            de mérito e que inclusivamente foram suscitadas pela embargante/recorrente na sua oposição à execução mediante embargos.
XXXVIII.E que questões são essas:
XXXIX. Primus: Se as cláusulas contratuais 12.5, 14.3, e 15.4, foram ou não negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, ónus que sobre esta última impendia, e ainda associado a este ponto, se a embargada/recorrida logrou produzir prova (cumprindo o ónus da prova neste âmbito) suficiente que convencesse o tribunal ou ao invés se a embargada/recorrida violou com a sua inércia os Artigos 5.º, 6.º n.ºs 1 e 2, 8.º/a) e b) da LCCG (DLn.º446/85, de 25/10 e sucessivas alterações). (Vejam-se os concretos pontos 16.º, 17.º, 19.º,35.º, 36.º, 42.º,43.º,44.º, 47.º, 49.º da oposição execução mediante embargos)
XL. Secundus: Não se pronunciou o Tribunal A quo quanto à nulidade da cláusula contratual 14.3.
a. Primeiro por impor a ficção da vontade negocial da Recorrente com base em factos para tal insuficientes – nulidade prevista no artigo 19.º/c) da LCCG;
b. Segundo se a sobredita cláusula penal é abusiva, excessiva, e em consequência nula nos termos do artigo 19.º/d) da LCCG. (vejam-se os concretos pontos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 51.º a 56.º da oposição execução mediante embargos)
XLI. Tertius, o Douto Tribunal A Quo também omitiu qualquer pronuncio quanto à alegação da Recorrente no que tange à desproporcionalidade e natureza abusiva das cláusulas 12.5 e 15.4. (vejam-se pontos, 33.º, 34.º 57.º a 61.º da oposição execução mediante embargos)
XLII. Omissões essas que são geradoras de nulidade da sentença por violação dos Arts. 608.º, n.º 2, 1.ª parte e 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC. o que expressamente se invoca.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) A decisão do tribunal a quo não merece reparo e deverá manter-se, atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos.
b) O recurso instruído pelas Recorrentes limita-se a um âmbito específico: requerer a alteração da matéria de facto, ao pretender aditar aos factos provados, que as cláusulas contratuais 12.5.ª, 14.3.ª, e 15.4.ª, nunca foram negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, e aos não provados, que a Embargada ora recorrida tenha cumprido com o dever de informar o concreto teor das cláusulas contratuais 12.5.ª, 14.3.ª, e 15.4.ª sendo que, posteriormente, em matéria silogística, não é sequer pedido que sejam retirados quaisquer dos factos que o tribunal a quo deu, e bem, como provados, designadamente os factos O); Z); AA); BB); CC); DD); EE); FF); GG) algo que não se afigura possível, tendo em conta que tal pretensão geraria uma potencial contradição insanável.
c) Contrariamente ao propugnado pelas Recorrentes não se vislumbra a necessidade de qualquer aditamento à matéria de facto, porquanto os factos dados como assentes, designadamente, os O); Z); AA); BB); CC); DD); EE); FF); GG) retratam o conhecimento da Recorrente por si ou através do seu ex marido (trabalhador/representante de facto/gestor de negócios da empresa), quem tratava das negociações, quanto ao conteúdo e alcance das cláusulas 12.5.ª, 14.3.ª, e 15.4 que preveem as situações de incumprimento.
d) As Recorrentes tinham conhecimento do clausulado dos contratos que livremente celebraram com o aqui Recorrido, conforme valorado o depoimento da gestora GG (gravado na audiência no dia 03.11.2022 em file 20221103094839_1438720_ 2871891) ao desconstruir as teses de iliquidez da obrigação exequenda e de falta de comunicação das cláusulas já melhor identificadas supra.
e) Resulta provado que os contratos em apreço foram negociados por FF (trabalhador/representante de facto/gestor de negócios da empresa) com a concordância da legal representante, aqui Recorrente, alguém ligado ao setor dos transportes, com um vasto conhecimento nesta área de atuação, sendo a própria contraente (S...) uma pessoa coletiva, qualificada, pela sua natureza comercial, como sociedade por quotas, de responsabilidade limitada ao passo que o  Recorrido é de natureza unipessoal, pelo que nem se poderá falar de uma diferença entre ambas que redunde num desequilíbrio de forças negociais, nem sequer sendo o Recorrido a única entidade de mercado a locar veículos e a administrar os serviços inerentes.
f) Nos contratos celebrados consta expressamente a bold que: “O Cliente declara que lhe foram comunicadas e informadas todas as Cláusulas e que leu, entendeu e aceitou os termos do Contrato que vai assinar”, sendo que ao apor a sua assinatura por baixo desta declaração, a Recorrente conformou-se com o seu conteúdo e assume a sua paternidade.
g) Com efeito, ficou demonstrado o conhecimento sobre o conteúdo e alcance de todas as cláusulas inseridas nos contratos, não se verificando qualquer incumprimento do dever de informação (nos termos do art. 6.º do DL 446/85, de 25 de outubro) que pudesse gerar a nulidade das mesmas e, por conseguinte, a sua exclusão.
h) Termos em que terá de improceder a pretensão de aditamento à matéria de facto propugnado pelas aqui Recorrentes, uma vez que, da conjugação dos elementos probatórios, que resultou na seleção da matéria de facto assente pelo tribunal, é comprovado o conhecimento das Recorrentes por si ou através do seu ex marido, FF (trabalhador/representante de facto/gestor de negócios da empresa) nas questões das negociações e tal matéria já consta dos factos dados como provados.
i) Atenta a justeza da decisão as Recorrentes não pretendem retirar nenhum dos factos dados como provados, o que só demonstra que os alegados factos que pretendem indevidamente aditar estariam em contradição insanável com aqueles dados como provados: O); Z); AA); BB); CC); DD); EE); FF); GG).
j) Por sua vez, terá igualmente, de improceder o pedido subsidiário de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronuncia, uma vez que, da leitura do dispositivo da sentença o tribunal pronunciou-se especificamente quanto ao conteúdo das cláusulas e quanto ao seu conhecimento, bastará atentar-se aos factos O); Z); AA); BB); CC); DD); EE); FF); GG).
k) Face ao exposto, deverá manter-se a decisão recorrida in totum.

A Sraª Juiz a quo pronunciou-se quanto à nulidade invocada, indeferindo-a.

2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida,

O Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida).
 
Vejamos

Nos recursos também funciona, em regra, o princípio do dispositivo.

Mas tal princípio não pode ir ao ponto de postergar a precedência lógica que se impõe na apreciação das questões de direito.

Vem isto a significar que a primeira questão que se impõe apreciar é a de saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

Num segundo momento, enunciada a fundamentação de facto da sentença recorrida, cumpre apreciar a questão de saber se a decisão de facto é deficiente, devendo ser aditado:
- aos factos provados, que as cláusulas contratuais 12.5, 14.3, e 15.4, nunca foram negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, ónus que sobre esta última impendia, devendo considerar-se excluídas dos contratos.
            - aos não provados, que a Embargada ora recorrida tenha cumprido como dever de informar o concreto teor das cláusulas contratuais 12.5, 14.3, e 15.4.
           
Mas neste âmbito e em face da análise da fundamentação de facto da sentença, impõe-se desde já afirmar que se vislumbra que a mesma contém outras patologias – asserções de cariz jurídico/conclusivo, asserções deficientes e obscuras e ausência de factos relevantes – o que, sendo de conhecimento oficioso do tribunal, se impõe analisar.

E, sem prejuízo do que resultar da apreciação da invocada nulidade, a terceira questão que cumpre apreciar é a de saber se os embargos de executado devem ser julgados parcialmente procedentes, reconhecendo-se a violação pela Embargada do dever de informação/comunicação à Embargante das cláusulas contratuais 12.5, 14.3 e 15.4, ordenando-se o prosseguimento da execução pelo montante de € 28.720,58.

3. Da nulidade da sentença
3.1. Enquadramento jurídico

Dispõe a alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”

A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.

As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual).

A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

A primeira está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”

O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.

As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).

Por outro lado, o facto de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto aos factos alegados, não constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.

É que as questões essenciais que a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC impõe que o juiz conheça, também não se confundem com “factos”.

Como refere Alberto dos Reis, in CPC Anotado, 1984, pág. 145: “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.”

E como decidido pelo Ac. do STJ de 23/07/2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido”: são situações que “não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, antes se tratando de situações que se reconduzem “a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC”.

Destarte e quando muito, estar-se-á perante uma deficiência da matéria de facto, patologia a suprir nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.

3.2. Em concreto
Como resulta do Relatório supra, as embargantes alegaram na petição de embargos que as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 não foram negociadas, nem lhes foram comunicadas e informadas.

Alegaram, também, que a cláusula 14.3. impõe a ficção da vontade negocial das executadas com base em factos para tal insuficientes – nulidade prevista no art.º 19º, c, da LCCG (podemos desde já dizer que há lapso na indicação da alínea do art.º 19º, pois a nulidade referida consta da alínea d)); por ser estipulada uma cláusula penal abusiva, por excessiva – nulidade prevista no art.º 19º, d) da LCCG (podemos desde já dizer que há lapso na indicação da alínea do art.º 19º, pois a nulidade referida consta da alínea c)).

 Finalmente alegaram que as cláusulas 12.5 e 15.4, seriam de considerar abusivas, por desproporcionais, à luz do art.º 19º, alínea c) da LCCG.

Desde já se impõe afirmar que, ao contrário do que parece resultar do despacho da Sra. Juiz a quo em que se pronuncia sobre a nulidade, não estamos perante argumentos, mas perante verdadeiras questões.

Depois de apreciar a questão do preenchimento abusivo, consta da sentença  recorrida:
Alegam as Embargantes que os contratos em causa nos autos têm de qualificar-se como contratos de adesão e que não foram informadas de algumas das cláusulas que neles constam, designadamente, as cláusulas que estabelecem penalidades em caso de incumprimento dos mesmos nem tais cláusulas lhe foram explicadas.
Importa neste ponto registar, que todo o contrato está envolvido pela problemática das cláusulas contratuais gerais, face ao modo de contratar caracterizado, num primeiro momento, pela prévia estipulação, por parte da empresa locadora, em forma geral e abstrata, das cláusulas ou "condições contratuais", com vista à sua futura incorporação no conteúdo dos contratos do "tipo" em alusão. Subsequentemente, a conclusão de cada um desses singulares contratos, a aplicação uniforme dessas mesmas cláusulas ou condições é assegurada através da recusa do seu predisponente em negociá-las, colocando, assim, a contraparte, perante a alternativa de se sujeitar às condições prefixadas ou de desistir do contrato, renunciando à pretendida prestação. Optando pela sujeição (como foi o caso), passará a "dar vida a um contrato cujo processo formativo não reproduz a sua imagem ideal" (Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, Coimbra, 1990, pag. 39).
Nesse sentido tais "cláusulas" ou "condições" contratuais obedecem às características essenciais da definição legal de cláusulas contratuais gerais constante do art. 1º, nº 1, DL 446/85, de 25 de Outubro (na redação que lhe foi dada pelo art. 1º, do DL 220/95, de 31 de Agosto): - pré-elaboração (predisposição unilateral), - rigidez e - indeterminação (generalidade). Tal definição ajusta-se a qualquer expressão ou modalidade de cláusulas contratuais que se enquadrem na materialidade das suas notas essenciais, sendo que se presume que as mesmas convenções contratuais não resultaram de negociação prévia entre as partes - cfr., arts. 1º, nº 2 e 2º, ambos do citado DL 446/85 (aquele primeiro na redação que lhe foi dada pelo art. 1º, DL 220/95, de 31/8). Neste domínio, vd. os desenvolvimentos de Almeida Costa-Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais - Anotação, Almedina, 1986, pags. 17-20 ; Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, AAFDL, 1987/89, II, pags. 220 e seguintes ; Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1983/85, III, pag. 375 ; AA Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, II, Almedina, 1992, pag. 877-896 ; e Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais ..., op. cit., 173 e seguintes; Rubén Stiglitz, Contratos-Teoría General, I, Depalma, 1994, pag. 259).
Produzida a prova apurou-se que:
__ No “Pacto de preenchimento da livrança” as embargantes declaram: (i) Autorizar o preenchimento da livrança apondo-lhe as importâncias devidas nos termos do contrato celebrado; (ii) Ter pleno conhecimento dos termos do contrato celebrado e das obrigações que assumiram.
__ Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos foram negociados por FF com a concordância de HH e foram entregues às Executadas, que os tiveram na sua posse e os levaram a um advogado de ... para reconhecimento de assinaturas, o qual foi efetuado em conformidade com o solicitado.
__ As Embargantes não propuseram alterações aos contratos, nem sugeriram outra redação ou solicitaram qualquer aditamento porque nem sequer o chegaram a ler.
__ A sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias.
__ As Embargantes estão ligada ao setor dos transportes e têm conhecimentos sobre o âmbito e conteúdo do clausulado dos Contratos de Aluguer Operacional de Veículos até porque já outorgaram outros contratos de leasing com outras entidades.
__ Dos contratos celebrados entre as Partes consta expressamente a bold que “O Cliente declara que lhe foram comunicadas e informadas todas as Cláusulas e que leu, entendeu e aceitou os termos do Contrato que vai assinar”.
Da factualidade supra dada como provada e atento o princípio da literalidade dos títulos de crédito e atendendo ainda à existência de autorização de preenchimento, nada mais era necessário para que a Exequente procedesse ao preenchimento das livranças nos termos em que o fez.
A ora Embargante BB subscreveu os contratos obrigando-se na qualidade de legal representante da sociedade locatária e como avalista, com solidariedade entre si, de pagar ao Exequente os montantes que fossem devidos na sequência do incumprimento dos aludidos contratos.
As cláusulas que supra foram dadas como provadas e que constam, para além de outras, dos contratos em apreço revestem a modalidade compensatória, uma vez que as mesmas foram estipuladas para serem peticionadas no caso de incumprimento dos contratos o que veio, efetivamente, a suceder como abundantemente ficou provado.
As ditas cláusulas insertas nos contratos em causa nos autos visam essencialmente evitar que o cliente incumpra antecipadamente o contrato e outorgar uma indemnização ao locador por ver gorada a sua expetativa de ver o contrato cumprido até ao fim.
Assim, para nós e, no mínimo, incompreensível e inaceitável que as Embargantes nada tendo pago durante dois anos, com utilização efetiva, durante esse tempo, das viaturas locadas e pertença do Exequente, pretendam pagar apenas os alugueres vencidos e não pagos no montante que se encontra consolidado aquando do envio das cartas de resolução pois tal significaria que estaria encontrada a forma de legitimar a utilização gratuita de bens alheios por um período temporal indeterminado (no caso ora em apreço, mais de 2 anos).
Em face do predito, entende-se que não se verifica qualquer nulidade das cláusulas dos contratos subjacentes à emissão de cada uma das livranças improcedendo, nesta parte, a presente oposição, através de embargos de executado.

De referir que subsequentemente a sentença recorrida apreciou a questão da iliquidez da obrigação.

A sentença recorrida concluiu que:
“Em face do predito, entende-se que não se verifica qualquer nulidade das cláusulas dos contratos subjacentes à emissão de cada uma das livranças…”.

Porém, tal conclusão não é acompanhada, na antecedente fundamentação, da apreciação concreta de nenhuma das referidas questões.

Ou seja: não há, na fundamentação da mesma, qualquer apreciação da concreta questão de saber se as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 foram negociadas ou foram comunicadas e informadas às embargantes, sendo certo que, a verificar-se a violação dos deveres de comunicação ou informação, a consequência não é a nulidade, mas a exclusão de tais cláusulas dos contratos singulares, como dita o art.º 8º, alíneas a) e b) da LCCG.
A sentença recorrida limita-se a enunciar que essa questão é suscitada pelas recorrentes, não constado da mesma qualquer discussão fáctico-jurídica da mesma.

Como não há qualquer apreciação da concreta questão da nulidade da cláusula 14.3., nem qualquer referência aos normativos com base nos quais a mesma é invocada, nem qualquer discussão quanto à questão de saber se a mesma impõe a ficção da vontade negocial das executadas com base em factos para tal insuficientes, se a mesma é abusiva, por excessiva.

Como não há qualquer apreciação da concreta questão de saber se as cláusulas 12.5 e 15.4, são abusivas, por desproporcionais, à luz do art.º 19º, alínea c) da LCCG.

Em face do exposto, não resta senão concluir que se verifica a omissão de pronúncia quanto às questões supra enunciadas e em consequência, julgar verificada a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, o que se decide.

O n.º 1 do art.º 665º do CPC dispõe que, ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

Significa tal preceito que não há lugar à anulação da decisão e remessa dos autos à 1ª instância, mas sim a pronúncia quanto à questão não conhecida, desde que os autos contenham os elementos fácticos necessários a tal conhecimento.

4. Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provado que:

A) Entre o Embargado e as Embargantes foram celebrados 2 contratos de locação financeira (leasing).
B) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal celebrou com a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de locatária, e com BB, na qualidade de avalista, um contrato de locação financeira (leasing) com nº...40, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
C) Nos termos do contrato melhor identificados no artigo supra, ficou convencionado que o Embargado V... daria de aluguer à empresa S... UNIPESSOAL LDA, um veículo automóvel, de marca ..., modelo ...8..., com a matrícula ..-VH-...
D) O contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses entre o período compreendido de 28/09/2018 a 28/12/2021.
E) Ficou ainda contratualmente estipulado que o valor mensal de cada renda se cifrava na quantia de € 1.309,08 (mil, trezentos e nove euros e oito cêntimos) já com IVA incluído.
F) Ainda no exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal celebrou com a sociedade S... UNIPESSOAL LDA, na qualidade de locatária, e com BB, na qualidade de avalista, um contrato de locação financeira (leasing) com nº...47, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá por aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G) Nos termos do contrato melhor identificados no artigo supra, ficou convencionado que o Embargado V... daria de aluguer à empresa S... UNIPESSOAL LDA. um veículo automóvel, de marca ..., modelo ... 18.46..., com a matrícula ..-VH-...
H) O contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses entre o período compreendido de 05/11/2018 a 05/02/2022.
I) Ficou ainda contratualmente estipulado que o valor mensal de cada renda se cifrava na quantia de € 1.309,08 (mil, trezentos e nove euros e oito cêntimos) já com IVA incluído.
J) No art.3.º do artigo inicial de embargos de executado, as Embargantes confessam-se devedores ao Embargado dos valores vencidos e não pagos, acrescidos de juros, o que totaliza o montante de € 28.720,58.
K) Até à data em que foi deduzida contestação aos presentes embargos não foram entregues ao Exequente as viaturas locadas, objeto dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução, o que veio apenas a acontecer já no decurso do presente ano de 2022.
L) As Embargantes utilizaram as viaturas locadas, as quais não são da sua propriedade, sem que tenham efetuado qualquer pagamento desde 2020.
M) Os contratos supra referidos encontram-se resolvidos desde janeiro de 2021, sendo que, já na data de resolução tinham 13 alugueres vencidos.
N) As Embargantes não devolveram, por sua iniciativa, as viaturas locadas, motivo pelo qual o Exequente/Embargado instaurou uma providência cautelar que correu termos sob o n.º 153/22...., no Tribunal da Comarca ... – Juízo Central Cível ..., Juiz ..., na qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada pelo ora Embargado.
O) As partes convencionaram que em caso de incumprimento dos contratos por parte da empresa locatária de quaisquer obrigações que para si decorressem dos mesmos, o Embargado poderia proceder à resolução dos contratos e apresentar as livranças a pagamento para acionamento judicial dos créditos.
P) A empresa locatária e a avalista, ora Embargantes, deixaram de liquidar as rendas nas datas infra indicadas: • Contrato n.º ...20; • Contrato n.º ...20.
Q) Por esse motivo, o ora Embargado enviou para as Embargantes, para a morada contratual, previamente ao envio da carta de resolução, duas cartas a comunicar o incumprimento dos contratos, datadas de 14-08-2020, para que procedessem ao pagamento da quantia em mora, no prazo de 15 dias.
R) As missivas foram enviadas para a morada contratual e recebidas pelas Embargantes, todavia, mesmo após as cartas de interpelação, o incumprimento persistiu.
S) Em consequência da falta do pagamento dos alugueres, o ora Embargado, procedeu ao envio das cartas de resolução: • contrato n.º ...40 – resolvido em 19-01-2021; • Contrato n.º ...47 – resolvido em 19-01-2021.
T) Nas cartas de resolução, datadas de 19/01/2021, foram discriminados os valores em dívida.
U) Referente ao contrato n.º ...40, as Embargantes devem os seguintes valores: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas; d) € 257,66, a título de outros valores vencidos e não pagos (acrescidos de juros e despesas); e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório; f) € 72.382,04, a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.
V) Referente ao contrato n.º ...47, as Embargantes devem os seguintes valores: a) € 14.353,69, a título de alugueres vencidos e não pagos; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre alugueres vencidos e não pagos; c) € 494,76, a título de comissões por alugueres devolvidos; d) € 276,39, a título de outros valores vencidos e não pagos (acrescidos de juros e despesas); e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório; f) € 72.401,07, a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.
W) Por não ter sido regularizado o pagamento das quantias supra elencadas, não restou outra alternativa ao Exequente/Embargado que não o preenchimento das livranças oferecidas nos auto principais de execução como título executivo de acordo com o pacto de preenchimento devidamente assinado pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e por si avalizada.
X) Na cláusula contratual geral n.º17.ª com a epígrafe “Garantias”, consta que a empresa Embargante na qualidade de locatária autoriza expressamente o V... na qualidade de locador a preencher a livrança entregue, designadamente, através da aposição da data de vencimento, local de pagamento e  montante devido, constituindo-se o avalista no garante solidário de todas as obrigações que venham a emergir daquele titulo cambiário – livrança.
Y) No “Pacto de preenchimento da livrança” as embargantes declaram: (i) Autorizar o preenchimento da livrança apondo-lhe as importâncias devidas nos termos do contrato celebrado; (ii) Ter pleno conhecimento dos termos do contrato celebrado e das obrigações que assumiram.
Z) Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos foram negociados por FF com a concordância de HH e foram entregues às Executadas, que os tiveram na sua posse e os levaram a um advogado de ... para reconhecimento de assinaturas, o qual foi efetuado em conformidade com o solicitado.
AA) As Embargantes não propuseram alterações aos contratos, nem sugeriram outra redação ou solicitaram qualquer aditamento porque nem sequer o chegaram a ler.
BB) A sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias.
CC) As Embargantes estão ligada ao setor dos transportes e têm conhecimentos sobre o âmbito e conteúdo do clausulado dos Contratos de Aluguer Operacional de Veículos até porque já outorgaram outros contratos de leasing com outras entidades.
DD) Dos contratos celebrados entre as Partes consta expressamente a bold que “O Cliente declara que lhe foram comunicadas e informadas todas as Cláusulas e que leu, entendeu e aceitou os termos do Contrato que vai assinar”.
EE) Dispõe a cláusula 14.3 do Contrato de Locação Financeira celebrado entre as Partes que: “14.3 - O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato, das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços, quando aplicável, segundo a ordem referida. Encontrando-se em atraso prestações de natureza diversa, o locador afetará os pagamentos realizados pelo locatário, pela ordem descrita no presente número”, acrescentando o n.º4 da cláusula 14.º que “Caso o locatário não exerça a opção de compra do veículo e não o devolva imediatamente no fim do prazo da locação ou em caso de cessação do presente contrato, qualquer que seja o seu fundamento, incluindo resolução pelo locador, este terá direito, a título de cláusula penal pela mora na devolução de veículo a receber uma quantia diária correspondente ao dobro daquela que teria direito se o contrato continuasse em vigor por um período de tempo igual ao da mora do locatário e sem prejuízo da faculdade de o locador recuperar a posse do veículo nos termos das disposições legais aplicáveis”.
FF) Dispõe a Cláusula “15.4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de resolução do Contrato pelo locador, este terá o direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com valor residual quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato ou de um montante indemnizatório igual a 20% quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.”
GG) Dispõe a cláusula 12.5 do Contrato de Locação Financeira celebrado entre as Partes que: “Na data da devolução, o locador promoverá a realização de uma inspeção ao veículo para verificação do cumprimento do disposto no presente Contrato, sendo lavrado auto de devolução a assinar por ambas as Partes, considerando-se, para todos os efeitos contratuais e legais, que o veículo foi entregue apenas na data da assinatura do referido auto de devolução. Verificando-se que o locatário incumpriu o estipulado na Cláusula 8ª, alíneas j) e o), o locatário obriga-se a indemnizar o locador no montante correspondente a 10% (dez por cento) do Valor Residual, a título de cláusula penal, ao qual acrescerá o montante das penalizações que o locatário tem a obrigação de pagar em caso de resolução do Contrato pelo locador, nos termos da Cláusula 15ª, número 4 do presente Contrato.”
HH) As Embargantes nem pagaram alugueres, nem entregaram os veículos desde o incumprimento dos contratos (que remontam ao início do ano 2020) pelo menos, até ao início do corrente ano de 2022, causando prejuízos ao Embargado, pois os bens estão a desvalorizar-se a cada dia que passa.

5. Decisão de facto – Patologias
Como já se deixou referido, a apreciação do recurso quanto à fundamentação de facto abrange diversas questões, pelo que se impõe se deixem aqui consignadas algumas notas de enquadramento jurídico, tendo por objeto dois temas:
- Matéria de facto / Matéria de direito e conclusiva;
- Decisão de facto deficiente, obscura ou contraditória.

5.1. Matéria de facto / Matéria de direito e conclusiva
O n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe:
“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados….”

Assim e em primeiro lugar, na parte citada, este normativo dirige um comando ao juiz cujo primeiro sentido é este: na fundamentação (de facto) da sentença, só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões ou generalidades.

Ou seja: resulta claro deste normativo que na fundamentação de facto apenas cabem asserções de facto e não asserções conclusivas, genéricas, matéria de direito.

É objecto de discussão a distinção entre matéria de facto e de direito.

Tal discussão não tem aqui cabimento.

Apenas se impõe notar que: i) só casuisticamente se poderá afirmar o que é facto e o que é Direito; ii) em traços gerais podemos assentar que: a) é matéria de facto tudo o que respeita às ocorrências da vida real, todos os acontecimentos concretos da vida, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sejam eles realidades do mundo exterior, como realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo; b) é matéria de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei e dos negócios jurídicos.

Não é apenas a lei que define os direitos e deveres das partes; os negócios jurídicos, o concretamente acordado entre as partes, “dentro dos limites da lei”, são a primeira fonte desses direitos e deveres (cfr. art.ºs 398º n.º 1 do CC e 405º n.º1, ambos do CC).

Os negócios jurídicos visam a produção na esfera jurídica das partes (ou de terceiros, nos casos em que a lei o admita, máxime contrato a favor de terceiro) de determinados efeitos jurídicos. Esses efeitos jurídicos traduzem-se em direitos e deveres.

Assim, constitui matéria de facto as declarações de vontade consubstanciadoras do negócio jurídico; constitui matéria de direito apurar, através da interpretação e integração dessas declarações de vontade – tarefa subordinada às regras jurídicas que constam dos art.ºs 236º a 239º do CC – quais os efeitos jurídicos dele decorrentes, ou seja, os direitos e deveres que dele emergem para as partes (ou para terceiros, nos casos em que a lei o admita).

Retomando a sequência, a este respeito, refere Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 19-22, sobre a  linguagem dos enunciados de facto ( a expressão é do autor citado), que deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de excessos de adjetivação.

E também Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 350-351, refere:
“A decisão de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação parcial do julgamento.
(…)
Outro vício que pode detetar-se (...), pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito (…).
(…)
Por isso, a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito.”

Contendo a sentença juízos conclusivos ou matéria de direito, coloca-se a questão de saber como o resolver.

Hoje não existe nenhum normativo idêntico ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado, que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
           
Mas o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu, como tem vindo a decidir a jurisprudência.

Assim:
- no Ac. do STJ de 28/09/2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
 “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”.

- no Ac. desta RG de 20.09.2018, proc. 778/16.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg em cuja fundamentação consta:
“O Código do Processo Civil de 2013 eliminou o citado preceito [646º n.º 4 do CPC de 1961], no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta.

- no Ac. desta RG de 11.10.2018, proc. 616/16.3T8VNF-D.G1, consultável no mesmo sítio do anterior, onde consta:
“ De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), (…) que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.

- no Ac. do STJ de 19/01/2023, processo 15229/18.7T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj consta do respetivo texto que “por imperativo do estatuído no artigo 607º nº 4 do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos.”
Este mesmo Ac. refere ainda que “saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida.”

5.2. Decisão de facto deficiente e obscura
Nos termos do n.º 2 do art.º 662º, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
(…)”

A este respeito, Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 19-22, ainda sobre a  “linguagem dos enunciados de facto” (a expressão é do autor citado), refere:
“ Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica. A adequação dos enunciados de facto deve pautar-se pela exigência de evitar que esses enunciados se apresentem obscuros (de sentido vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.”

Quanto à deficiência da decisão de facto, impõe-se distingui-la da respectiva ampliação.

Actualmente poderá afirmar-se que haverá deficiência quando o tribunal não se pronuncie sobre algum facto integrante dos temas da prova; será caso de ampliação da matéria de facto, quando tiver sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 357).

Quer a deficiência, quer a ampliação convoca o tema da seleção dos factos a enunciar, podendo afirmar-se que a mesma tem por objecto os factos relevantes para a boa decisão da causa.

E são relevantes (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, ob. cit., pág. 14, que seguiremos de perto):
- os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do ónus da prova; 
- os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso.

De entre os factos essenciais, há que destacar os que respeitam a factualismos complexos tendentes a preencher conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais (culpa, necessidade do locado para habitação, justa causa, abuso de direito, boa fé, alteração normal das circunstâncias, posse, sinais visíveis e permanentes para efeitos de servidão de passagem, etc.).
Nesse tipo de factualidade, o facto essencial não é consubstanciado num núcleo definido e cerrado, mas irradia-se numa multiplicidade de circunstâncias moleculares que, na sua aglutinação, preenchem o conceito indeterminado ou a cláusula genérica da facti species normativa. É sobretudo no âmbito deste tipo de factos complexos que podem ocorrer concretizações ou complementaridades dimanadas da produção da prova em audiência, suscetíveis de levar ao ajustamento do contexto narrativo dos articulados ao contexto histórico do litígio.
Tais concretizações ou complementaridades fácticas podem ser introduzidas no objeto da prova, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC (…)”

Mais adiante, pág. 15, acrescenta que:
“A aferição da relevância dos factos para a resolução do caso deverá ser feita em função de três vectores confluentes:
(i) Em primeiro lugar, o referencial normativo traçado na facti species legal, simples, complexa ou concorrente, em que se inscreve a pretensão deduzida ou a exceção perentória em causa, atentas as regras, gerais ou especiais, de distribuição do ónus da prova, numa perspetiva aberta do quadro de soluções de direito plausíveis que o tribunal possa vir, a final, a considerar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPC; 
(ii) Em segundo plano, o contexto factológico narrativo alegado pelas partes (…)
(iii) Por fim, o contexto histórico ou real do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova.
Os três vectores referidos – o referencial normativo, o contexto factológico narrativo e o contexto factual histórico – representam um esquema de base, triangular, fundamental para delinear tanto o objeto da prova a submeter a instrução na audiência final como para administrar as provas, no sentido de apurar tudo o que se revele necessário e útil para a decisão da causa. 
Com efeito, o referencial normativo indica o quadro das soluções de direito plausíveis, incluindo a repartição do ónus da prova, para que melhor se possa divisar o alcance jurídico de cada facto submetido a prova e o coeficiente de esforço probatório exigido a cada uma das partes.  
Por sua vez, o contexto factológico narrativo permite situar dada espécie factual no universo de cada uma das versões apresentadas pelos litigantes, de modo a ter presente o sentido que ali lhe é dado e a sua coerência como os restantes segmentos fácticos em causa. Tal perspetiva integrada evitará sobreposições, aporias ou mesmo contradições entre os juízos probatórios e proporcionará maior economia na própria atividade instrutória. 
Por fim, o contexto histórico do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova, permite pôr em linha o contexto narrativo das partes com a sua matriz factológica, no sentido de um maior apego à dimensão real dos factos, possibilitando, consequentemente, uma concretização ou complementação dos juízos probatórios, quando tal se afigura útil para a subsequente análise jurídica.”

E no mesmo sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª Edição, Almedina, pág. 704, anotação ao art.º 607º referem:
“A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas processuais, sejam de normas de direito material”.

Recorrendo a Alberto dos Reis, CPC Anotado, IV, pág. 553, a decisão de facto será obscura quando o seu significado não puder ser apreendido com certeza e segurança.

A forma de resolver estas patologias está inscrita na já citada alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.

Este normativo confere à Relação poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância… “).

Tem sido entendido que o citado poder de anulação “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia” (cfr. Abrantes Geraldes, ob cit. pág. 354).

Ou seja, entende-se que o poder rescisório ou cassatório é subsidiário dos poderes de reexame da prova, pois só haverá lugar à anulação se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração (refere o preceito “quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto“).

A consequência desta posição é, no limite e uma vez constatada a existência de deficiências, obscuridades ou contradições da matéria de facto, a imposição à Relação, como tribunal de instância, do dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquelas patologias.

5.4. Em concreto
5.4.1. Consta das alíneas A), B), C), D), E), F), G) e H):
- A) “Entre o Embargado e as Embargantes foram celebrados 2 contratos de locação financeira (leasing).”
- B) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal celebrou com a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de locatária, e com BB, na qualidade de avalista, um contrato de locação financeira (leasing) com nº...40 constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
- C) Nos termos do contrato melhor identificados no artigo supra, ficou convencionado que o Embargado V... daria de aluguer à empresa S... UNIPESSOAL LDA, um veículo automóvel, de marca ..., modelo ...8..., com a matrícula ..-VH-...
- D)  contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses entre o período compreendido de 28/09/2018 a 28/12/2021.
- F) Ainda no exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal celebrou com a sociedade S... UNIPESSOAL LDA, na qualidade de locatária, e com BB, na qualidade de avalista, um contrato de locação financeira (leasing) com nº...47, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá por aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- G) Nos termos do contrato melhor identificados no artigo supra, ficou convencionado que o Embargado V... daria de aluguer à empresa S... UNIPESSOAL LDA. um veículo automóvel, de marca ..., modelo ... 18.46..., com a matrícula ..-VH-...
- H) O contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses entre o período compreendido de 05/11/2018 a 05/02/2022.”

Com a contestação aos embargos de executado, a aqui embargada juntou dois documentos, denominados, respectivamente, “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” e “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, nos quais se mostram apostas assinaturas, da aqui embargada e das embargantes, que não foram impugnadas.

Dispõe o art.º 374º, nº 1 do CC que a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeira, quando não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado.

E o art.º 376.º n.º 1 do CC dispõe que o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
Por sua vez o n.º 2 do mesmo normativo dispõe que os factos compreendidos na declaração, consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

Resulta destes normativos que, não tendo as embargantes impugnado a assinatura aposta nos citados documentos, os mesmos fazem prova plena do seu conteúdo.

Dito isto, o que constitui “facto” é o teor dos documentos, pelo que o que se impunha dar como provado era o exacto teor dos mesmos, sendo em função dele e na parte relativa ao Direito, que se realizam as qualificações jurídicas.

Neste contexto, a alínea A) dos factos provados deve ser eliminada por traduzir uma pura e simples qualificação jurídica.

Relativamente à alínea B), face aos documentos referidos, o que é possível dar como provado é que:
 B) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal, na qualidade de “locador”, a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de “locatária” e BB, na qualidade de “avalista”, subscreveram o documento junto com  contestação aos embargos de executado, sob n.º 1, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
 
O mesmo sucede com a alínea F), que deve passar a ter o seguinte teor:
F) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal, na qualidade de “locador”, a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de “locatária” e BB, na qualidade de “avalista”, subscreveram o documento junto com  contestação aos embargos de executado, sob o n.º 2, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.

Relativamente às alíneas C) e G), as mesmas não reproduzem com exactidão o teor dos documentos.

Assim, o que consta das “Condições Particulares”, é, respectivamente:
a) no documento denominado Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-.. “
b) no documento denominado Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-... “

E na cláusula 4.1. consta:
“O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respetivo gozo ao locatário e, bem assim, a conceder-lhe a opção de compra sobre o mesmo pelo valor residual previsto nas Condições Particulares, nos termos do presente contrato.”

Destarte, impõe-se alterar as alíneas C) e G), as quais passam a ter a seguinte redacção:
C) Nas “Condições Particulares” do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” ficou a constar:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-.. “

G) Nas “Condições Particulares” do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” ficou a constar:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-..”.

Quanto à cláusula 4.1 será considerada adiante.

Finalmente e ainda neste âmbito verifica-se que nas alíneas D) e H) consignou-se: “O contrato de aluguer operacional de veículos foi celebrado…”

Mais uma vez se utiliza uma qualificação jurídica.

Verifica-se, entretanto, que a fundamentação de facto omite cláusulas dos contratos essenciais para essa qualificação.

Assim, quer no documento referido na alínea B), quer no documento referido na alínea F), consta, logo na cláusula 1.2.:
“ O locatário declara expressamente ter escolhido o veículo objecto do presente contrato (…), bem como o respectivo fornecedor, com o qual acordou directamente todos os aspectos constantes das Condições particulares relativos ao veículo, nomeadamente as suas características, preço e condições de pagamento, bem como a data e local de entrega, sem que o locador tenha tido qualquer intervenção em tais acordos.”

E na cláusula 4.1. consta:
“O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respetivo gozo ao locatário e, bem assim, a conceder-lhe a opção de compra sobre o mesmo pelo valor residual previsto nas Condições Particulares, nos termos do presente contrato.”

E sob a cláusula 12.1.:
“No final do prazo do presente contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador quaisquer montantes devidos ao abrigo do mesmo, o locatário poderá proceder á aquisição do veículo mediante o pagamento do valor residual acrescido de despesas e encargos, ficando a transferência da propriedade sobre o veículo condicionada ao efectivo pagamento daqueles valores.”

E nas condições particulares do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” consta:
“18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,50 €”

E nas condições particulares do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” consta:
“18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,48 €”

Além disso e como contraponto negativo, nas condições particulares e no campo destinado a “13. Serviços contratados (…) Contrato de manutenção “ dos documentos dos autos, não está inscrito qualquer valor, significando isso que não foi acordada a prestação de serviços.

Em face de tudo o exposto impõe-se:

i) alterar a redacção das alíneas D) e H), eliminando a qualificação jurídica que delas consta e adequando-as ao teor dos documentos referidos em B) e F), passando as mesmas a ter a seguinte redacção:
D) O acordo referido em B) foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses, entre o período compreendido de 28/09/2018 a 28/12/2021.

H) O acordo referido em F) foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses, entre o período compreendido de 05/11/2018 a 05/02/2022.

ii) porque se trata de matéria relevante para a qualificação dos acordos firmados, aditar à fundamentação de facto as alíneas I 1), I 2) e I 4), com o seguinte teor:
I 1) Quer no documento referido em B), quer no documento referido em F), está consignado:
- sob a cláusula 1.2.:
“ O locatário declara expressamente ter escolhido o veículo objecto do presente contrato (…), bem como o respectivo fornecedor, com o qual acordou directamente todos os aspectos constantes das Condições particulares relativos ao veículo, nomeadamente as suas características, preço e condições de pagamento, bem como a data e local de entrega, sem que o locador tenha tido qualquer intervenção em tais acordos.”
- sob a cláusula 4.1.:
“O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respetivo gozo ao locatário e, bem assim, a conceder-lhe a opção de compra sobre o mesmo pelo valor residual previsto nas Condições Particulares, nos termos do presente contrato.”
- sob a cláusula 12.1.:
No final do prazo do presente contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador quaisquer montantes devidos ao abrigo do mesmo, o locatário poderá proceder á aquisição do veículo mediante o pagamento do valor residual acrescido de despesas e encargos, ficando a transferência da propriedade sobre o veículo condicionada ao efectivo pagamento daqueles valores.”
I 2) Nas condições particulares do documento referido na alínea B) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,50 €”
I 3) Nas condições particulares do documento referido na alínea F) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,48 €”

5.4.2. Consta das alíneas U), V) e W):
U) Referente ao contrato n.º ...40, as Embargantes devem os seguintes valores: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas; d) € 257,66, a título de outros valores vencidos e não pagos (acrescidos de juros e despesas); e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório; f) € 72.382,04, a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.
V) Referente ao contrato n.º ...47, as Embargantes devem os seguintes valores: a) € 14.353,69, a título de alugueres vencidos e não pagos; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre alugueres vencidos e não pagos; c) € 494,76, a título de comissões por alugueres devolvidos; d) € 276,39, a título de outros valores vencidos e não pagos (acrescidos de juros e despesas); e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório; f) € 72.401,07, a título de comissões, despesas ou encargos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.
W) Por não ter sido regularizado o pagamento das quantias supra elencadas, não restou outra alternativa ao Exequente/Embargado que não o preenchimento das livranças oferecidas nos auto principais de execução como título executivo de acordo com o pacto de preenchimento devidamente assinado pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e por si avalizada.

A afirmação constante das alíneas U) e V) de que as embargantes “devem” os valores identificados é, manifestamente, uma asserção jurídico-conclusiva.

Além disso, verifica-se que as alíneas U) e V) retratam, apenas e tão só, os valores e respectivas realidades, indicados no requerimento executivo.

Sucede que nos seus embargos as embargantes aceitam os valores inscritos nas alíneas a) e b) – rendas e juros -, mas colocam em crise os outros valores invocando  o carácter genérico das denominações utlizadas no requerimento executivo para expressar a realidade a que respeitam e, além disso, que os mesmos são baseados em cláusulas dos contratos que padecem de vícios (cfr. a síntese nos art.ºs 48º e 49º dos embargos), os quais devem ser declarados e, em consequência, a exequente não podia preencher a livrança com tais valores.

Sucede, ainda, que embargada, na contestação aos embargos, procedeu à explicitação dos valores indicados sob as alíneas c), e) e f) - cfr. art.ºs 27º a 31º e 33º a 37º.

Em face de tudo o exposto, é relevante para a boa decisão da causa saber, se possível, a que concretas realidades se reportam os valores parcelares a que se referem as alíneas c), e) e f), única e exclusivamente tendo em vista aferir se tais valores respeitam às cláusulas que são impugnadas.

E isto porque, caso se conclua que os valores ali referidos não dizem respeito às cláusulas impugnadas, a apreciação dos vícios apontados constitui um acto inútil, porque ainda que tais vícios sejam julgados procedentes, nunca colocariam em causa a eficácia “exequenda” do título executivo quanto a tais valores.

Não foi objecto dos temas da prova saber a que realidades respeitam os valores inscritos nas livranças.

E também não consta da fundamentação de facto.

Estamos assim perante a necessidade de ampliar a matéria de facto.

Mas não é caso de anulação, porque foi produzida prova quanto a esta matéria, tendo a embargada junto, com a contestação, um documento n.º ..., denominado “Preçário” e tendo sido ouvida a testemunha CC, trabalhadora da embargada, que explicou os valores que estão na base do valor inscrito nas livranças que foram dadas à execução e o documento n.º ... junto com a contestação, denominado “Preçário”.

Assim e referida testemunha explicou que o montante inscrito nas alíneas c) diz respeito à comissão de 4% sobre as rendas devolvidas, à luz da cláusula 14.3..

Na contestação aos embargos não foi dada qualquer explicitação para os valores inscritos nas alíneas d) “outros valores vencidos e não pagos (acrescidos de juros e despesas)”.

Mas a testemunha referiu-se a eles como sendo a comissão de entrada em contencioso, estando prevista no “Preçário” e na cláusula 14.3.

Nos termos da alínea b) do disposto no n.º 2, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

Factos complementares ou concretizadores de factos essenciais relevam em factualismos complexos, com previsões normativas em que há conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais e completam os factos essenciais ou concretizam-nos, resultando no preenchimento da fattispecie normativa geradora do reconhecimento do direito ou do preenchimento da excepção (Paulo Pimenta, ónus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal, in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, Almedina, 2016, pá. 95 e Miguel Teixeira de Sousa, in CPC Online, Blog do IPPC,  https://drive.google.com/file/d/1Qrkj7KpwR-oC3n4DzvYQlkEbJoQcst0B/view)

Destarte e em principio, o facto em referência resultou da instrução da causa.

Porém, o mesmo não pode ser considerado por esta Relação

A este respeito afirma-se no Ac. da RL de 30/05/2023, processo 84365/20.6YIPRT.L1-7, consultável in www.dsi.pt/jtrl (sublinhados nossos):
Os factos complementares “só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, sob pena de proferir uma decisão-surpresa (cf. também: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2017, Pinto de Almeida, 1758/10, de 6.9.2022, Graça Amaral, 3714/15, de 30.11.2022, Barateiro Martins, 23994/16; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de  11.12.2018, Moreira do Carmo, 2053/14, de 13.9.2022, Moreira do Carmo, 3713/16; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2019, Castelo Branco, 11605/18). Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares – cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 32.
Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal, está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art.º 5º (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 860) ou, segundo Alberto dos Reis, ocorreria erro de julgamento por a sentença/acórdão se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp.. 145-146). Note-se que a ampliação da matéria de facto (Artigo 662º, nº 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade alegada, tempestivamente, pelas partes, não constituindo um sucedâneo do mecanismo sucedâneo do Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil).

Concorda-se com este entendimento.

Assim, muito embora se esteja perante um facto complementar e, em princípio, resulte da instrução da causa, não pode a Relação considerá-lo provado na medida em que nenhuma das partes manifestou intenção de o aproveitar, nem a 1ª instância o considerou oficiosamente, não o podendo ser agora pela Relação.

Destarte, impõe-se afirmar que os valores inscritos nas alíneas d) foram inscritas a título não concretamente apurado.

Relativamente aos valores inscritos nas alíneas e), a testemunha referiu que se trata de uma indemnização de 20% sobre o total das rendas vincendas pela “terminação” do contrato, prevista na cláusula 15.4.

Finalmente e quanto aos valores constantes das alíneas f), referiu que uma parte respeita à mora pela entrega da viatura desde que haja resolução, com base na cláusula 14.4., que é no valor de € 66.858,32, tendo explicado que esta cláusula prevê uma penalização correspondente ao dobro do valor diário da renda, que era de € 41,86.

Referiu depois que nesta alínea f) também está contemplada uma comissão de honorários por recuperação de valores, contemplada na cláusula 14.3. e no ponto 9 do “Preçário” – “Comissão - Honorários de Advogados para Processos judiciais ou extrajudiciais” - e que é de 10% do valor vencido e uma Comissão de recuperação viatura - € 250,00.

Finalmente referiu que os valores das alíneas f) incluem a taxa de justiça da providência cautelar e juros de mora, sendo que o suporte contratual quanto a estes é a cláusula 14.3.

A testemunha depôs quanto aos valores relativos ao contrato de locação n.º ...40. Mas o seu depoimento é replicável quanto ao contrato n.º ...47.

A testemunha referiu-se ao “Preçário”, que constitui o documento n.º ... junto com a contestação e onde estão previstas um conjunto de “comissões” – por ex. “ 5. Comissões relativas a cobrança de valores em dívida” que inclui duas realidades: “ Comissão pela recuperação de valores em dívida (<=50.000€); Comissão pela recuperação de valores em dívida (>50.000€)”; (…); 9. Comissão por Incumprimento Definitivo “, que inclui várias realidades: “Comissão pela Abertura de Processo de Contencioso judicial ou extrajudicial”; “Comissão - Honorários de Advogados para Processos judiciais ou extrajudicias”; “Comissão por retoma de veículos recuperados”; “Comissão - Honorários de Advogados para recuperação de veículo em providência cautelar”; “Comissão por transporte/reboque de veículos recuperado”; “Comissão por Parque de Veículos Recuperados”.

Este “Preçário” não está anexo aos contratos juntos aos autos.

Em face do exposto o que se pode afirmar é que:
- relativamente ao contrato n.º ...40, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...37 apresentado como título executivo, pelo valor  de € 102.240,21 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre as rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 257,66, a título não concretamente apurado; e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.858,32 a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.523,72 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança, ao abrigo da cláusula 14.3.
- relativamente ao contrato n.º ...47, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...29, apresentado como título executivo, pelo valor  de € 102.517,10 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.353,69, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre as rendas vencidas e não pagas; c) € 494,76, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 276,39, a título não concretamente apurado; e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.851,64, a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.549,43 a título de comissões, despesas ou encargos a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.

Quanto à alínea W), a “Por não ter sido regularizado o pagamento das quantias supra elencadas….”, está inquinada por se impor a eliminação da expressão “devem” constante das alíneas U) e V).

Não consta da decisão de facto o valor constante das livranças dadas à execução, o que se traduz em deficiência da decisão de facto e que é possível colmatar por os títulos estarem juntos à execução.

A afirmação de que a embargada procedeu ao “preenchimento das livranças oferecidas nos auto principais de execução como título executivo de acordo com o pacto de preenchimento…” constitui, manifestamente, uma asserção jurídico-conclusiva.

Não está colocado em causa que as livranças apresentadas como titulo executivo foram subscritas pela S... Unipessoal Lda. e avalizadas por BB.

Articulando tudo o que ficou referido quanto às alíneas U), V) e W), é possível incluir nas alíneas U) e V) a factualidade que constava da alínea W) - e que era apenas que a embargada procedeu ao preenchimento das livranças oferecidas nos auto principais de execução como título executivo, assinadas pela Embargante BB, na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e na qualidade de avalista – eliminando-a.

Em face de tudo o exposto:
- as alíneas U) e V) passam a ter a seguinte redacção:
U) Relativamente ao contrato n.º ...40, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...37 apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.240,21 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 257,66, a título não concretamente apurado; e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.858,32 a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.523,72 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança, ao abrigo da cláusula 14.3.
V) Relativamente ao contrato n.º ...47, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...29, apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.517,10 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.353,69, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre s rendas vencidas e não pagas; c) € 494,76, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 276,39, a título não concretamente apurado; e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.851,64, a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.549,43 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.

- elimina-se a alínea W.

5.4.3. A alínea Z) tem o seguinte teor:
Z) Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos foram negociados por FF com a concordância de HH e foram entregues às Executadas, que os tiveram na sua posse e os levaram a um advogado de ... para reconhecimento de assinaturas, o qual foi efetuado em conformidade com o solicitado.

No âmbito do Direito, a sentença recorrida considerou (sublinhados nossos):
Importa neste ponto registar, que todo o contrato está envolvido pela problemática das cláusulas contratuais gerais, face ao modo de contratar caracterizado, num primeiro momento, pela prévia estipulação, por parte da empresa locadora, em forma geral e abstrata, das cláusulas ou "condições contratuais", com vista à sua futura incorporação no conteúdo dos contratos do "tipo" em alusão. Subsequentemente, a conclusão de cada um desses singulares contratos, a aplicação uniforme dessas mesmas cláusulas ou condições é assegurada através da recusa do seu predisponente em negociá-las, colocando, assim, a contraparte, perante a alternativa de se sujeitar às condições prefixadas ou de desistir do contrato, renunciando à pretendida prestação. Optando pela sujeição (como foi o caso), passará a "dar vida a um contrato cujo processo formativo não reproduz a sua imagem ideal" (Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e o Paradigma do Contrato, Coimbra, 1990, pag. 39).
Nesse sentido tais "cláusulas" ou "condições" contratuais obedecem às características essenciais da definição legal de cláusulas contratuais gerais constante do art. 1º, nº 1, DL 446/85, de 25 de Outubro (na redação que lhe foi dada pelo art. 1º, do DL 220/95, de 31 de Agosto): - pré-elaboração (predisposição unilateral), - rigidez e - indeterminação (generalidade). Tal definição ajusta-se a qualquer expressão ou modalidade de cláusulas contratuais que se enquadrem na materialidade das suas notas essenciais, sendo que se presume que as mesmas convenções contratuais não resultaram de negociação prévia entre as partes - cfr., arts. 1º, nº 2 e 2º, ambos do citado DL 446/85 (aquele primeiro na redação que lhe foi dada pelo art. 1º, DL 220/95, de 31/8). (…)

A recorrida invocou, na sua contestação, que os contratos dos autos não se traduziam em cláusulas contratuais gerais.
Como resulta do citado excerto da decisão recorrida, a mesma considerou que os contratos dos autos eram constituídos por cláusulas contratuais gerais.
A recorrida não requereu a ampliação do recurso.
Destarte, considera-se que os contratos dos autos se traduzem em cláusulas contratuais gerais.

Além disso, acompanha-se a decisão recorrida quando considera que as cláusulas contratuais gerais se caracterizam pela sua pré-elaboração (predisposição unilateral), rigidez e indeterminação (generalidade).

Se uma ou mais cláusulas de um contrato tiver sido objecto de uma concreta negociação, as mesmas estão excluídas do âmbito de aplicação da LCCG, como decorre do n.º 1 do art.º 1º da mesma, sendo ainda certo que nos termos do art.º 7º da LCCG, as cláusulas negociadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes.

Tendo em consideração todo este contexto, tendo em consideração que a embargada não alegou que os contratos de locação financeira subjacentes às livranças, e, muito menos as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 , tenham sido objecto de uma negociação concreta, alegando apenas que as embargantes tiveram  a possibilidade de sugerir alterações e considerando ainda que a sentença recorrida não se pronuncia quanto à questão de saber se as cláusulas supra referidas foram comunicadas às embargantes, impõe-se afirmar que a alínea Z), ao afirmar que “Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos foram negociados por FF…” surge como obscura, pois, dado seu carácter amplo e genérico, não é seguro nem certo o seu significado.

Quer significar-se que apenas os contactos e conversas ou outras eventuais diligências tendentes à celebração dos contratos subjacentes às livranças, foram realizadas pelo citado FF ? Ou quer significar-se que além disso, todo o conteúdo dos contratos, incluindo o seu clausulado e, portanto, também e concretamente, as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 dos contratos de locação financeira subjacentes às livranças, foi efectivamente negociado ?

Por outro lado, verifica-se também que a afirmação de que as executadas tiveram na sua posse os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos se mostra obscura.

Ou seja, não são seguros nem certos os exatos termos em que as embargantes tiveram os documentos na sua posse, isto é, como chegaram à sua posse, com que finalidade, quando chegaram à sua posse, durante quanto tempo estiveram na sua posse.

Estamos assim perante a necessidade de clarificar este ponto de facto.

Mais uma vez não é caso de anulação, porque, como resulta da audição de toda a prova gravada, foi produzida prova quanto a esta matéria.

Assim:

A embargante BB prestou declarações de parte, tendo declarado que não acompanhou as negociações dos contratos dos autos, as quais foram feitas entre o Sr. FF ( que, mais adiante, declarou ser seu ex-marido) e o Sr. AA, da M..., não tendo a declarante estado presente em tais negociações.
O contacto que teve com o Sr. AA, foi quando o mesmo se deslocou às instalações da embargada S..., em ..., levando consigo os contratos, comunicando à declarante para rapidamente os assinar, que ele ia aguardar em ... para os levar assinados nesse mesmo dia, tendo-lhe sido dito, então, que eram 38 rendas, no valor que rondava, cada uma, os € 1.200,00, € 1.300,00.
Contactou um Advogado para proceder ao reconhecimento da assinatura, tendo-se deslocado rapidamente ao escritório do mesmo, o que foi feito e regressou ao escritório para entregar os contratos assinados ao Sr. AA, que os levou consigo.
Não teve qualquer contacto com a financeira, tudo tendo sido tratado com o Sr. AA da M....
Em 2020 e em virtude do Covid a empresa deixou de realizar transportes, não tinham possibilidades de continuar a suportar a despesa, quiseram entregar os veículos, para o que contactaram a M..., tendo-se sido dito que a questão era com a financeira e que para entregar as viaturas tinham de pagar cerca de € 70.000,00 por cada viatura, o que até à data desconheciam, não lhes tendo sido explicado a razão de tais valores.
O Sr. AA limitou-se a dizer que tinham de pagar 38 rendas, o valor de cada uma e que no final das 38 rendas podiam ficar com as viaturas mediante o pagamento de um valor residual.
Reconheceu ainda que, de facto, quem gere o negócio é o seu ex-marido, sendo a mesma, apenas uma gestora de “direito” e que as negociações dos contratos dos autos foram feitas pelo mesmo “em nome” da empresa que representa.
Esclareceu que o único momento em que teve os contratos na sua posse, foi quando os levou ao Advogado para reconhecimento da assinatura, não tendo tido a preocupação de os ler dada a relação de confiança com o Sr. AA da M....
Perguntada se antes dos contratos dos autos, já havia celebrado outros contratos semelhantes, declarou não recordar.

A testemunha FF, ex-marido da embargante BB declarou (num depoimento atravessado por incidências que aqui não cabe relatar) que relativamente aos contratos dos autos falou como Sr. AA da M..., que conhece há muito tempo, que ele “vendeu” [percebeu-se, ao longo do depoimento e isso mesmo foi dito pela testemunha, que quando a mesma usava a expressão “ vendeu um produto”, tinha o sentido de “negociado”] uns “carros” que não eram da empresa, eram da renting, que quando já não precisassem deles, era só entregar, foi apenas ele que negociou com o Sr. AA; perguntado se lhe tinha sido explicado o clausulado, declarou que não, que havia uma relação de confiança de muitos anos com o Sr. AA e com quem já tinha feito outros negócios; deram a conhecer ao Sr. AA o que se estava a passar, tendo o mesmo dito que é um mero funcionário, que lhe entregaram os documentos num envelope, que trouxe à testemunha para assinar e “agora não é o que ele “vendeu”; esclareceu que quem assinou foi a BB;  ele trouxe o envelope, rápido, “foi-se rápido ao advogado” reconhecer, foi reconhecido e ele levou o envelope; não leram os documentos; foi tudo com base na confiança; trouxe o envelope, levou-se ao Dr., “rápido, foi tudo muito rápido”; o que lhe foi explicado foi que pagava 1.300 e tal euros por mês; as revisões era com “eles “ [querendo significar  que era com a M...], durante 2 anos; o Sr. AA declarou que não tinha riscos para a empresa, só tinha de pagar os 1.300,00, não tinha gastos com manutenções, havia trabalho e aproveitaram; o que estavam a fazer era um “aluguer” do equipamento porque tinham de o entregar [o que foi repetindo, sucessivamente, ao longo do seu depoimento, tendo dito, mesmo, que estava convencido que o que estava a contratara era um aluguer]; ninguém lhe explicou as penalizações em caso de incumprimento, juros, fórmulas de cálculo, taxas de indemnização, nomeadamente o Sr. AA, nunca tendo tido qualquer contacto com a aqui embargada; em virtude da crise e da Covid a actividade parou; quando não conseguiram continuar a pagar [as rendas] falaram com o Sr. AA para entregar os camiões tendo o mesmo  dito que já não era com ele; só depois pretender entregar os camiões é que ficaram a saber que tinham de pagar valores; perguntado se tinha feito ouros contratos idênticos “ respondeu “comprei, paguei com cheques”, o que repetiu mais adiante, tendo esclarecido, que tal negócio foi com o Sr. AA e acrescentado que pagou e não ficou a dever nada; no final do seu depoimento [e depois de diversas chamadas de atenção por parte da Srª Juiz a quo] foi-lhe perguntado quantos contratos de leasing a empresa havia feito, declarou não saber.

Finalmente a testemunha CC, trabalhadora da embargada, pronunciou-se quanto aos contratos, ao seu incumprimento e resolução e explicou os valores que estão na base do valor inscrito nas livranças que foram dadas à execução; perguntada se os referidos valores foram informados ao cliente, declarou que não estava na altura do contrato, tendo afirmado que o procedimento normal era aquele; mais adiante esclareceu que na data da sua celebração ainda não era trabalhadora da embargada e que não sabe que informação é que foi transmitida ao cliente, não tendo conhecimento que as cláusulas do contrato tenham sido explicadas ao cliente; perguntada se os contratos em causa eram passíveis de negociação, respondeu que não.

Finalmente e face ao consta dos documentos juntos aos autos com a contestação da embargada, ambos os contratos estão datados de 03/09/2018 e em ambos o reconhecimento da assinatura da legal representante da embargada S... foi efectuado por Advogado às 14:45 do dia 06/09/2018.

Vejamos agora em concreto.

Relativamente ao primeiro segmento da alínea Z) - “Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos foram negociados por FF com a concordância de HH…” -, face às declarações de parte da legal representante da embargada S... e ao depoimento da testemunha FF, que nenhum outro elemento probatório permite colocar em crise, a expressão “… foram negociados… “ deve ser entendida como significando, apenas e tão só, que os contactos e conversas, tendo em vista a celebração dos contratos subjacentes às livranças que constituem título executivo, foram efectuados, pelo lado da S..., por FF, com a concordância de BB e não que o clausulado geral dos contratos foi efectivamente negociado.

Aliás, a testemunha CC, trabalhadora da embargada, declarou que os contratos dos autos, leia-se o clausulado geral dos contratos, não era passível de negociações.

Destarte impõe-se alterar a 1ª parte da alínea Z) passando a constar da mesma que:
Z) Os contactos e conversas tendo em vista a celebração dos contratos subjacentes às livranças que constituem título executivo, foram efectuados, pelo lado da S..., por FF, com a concordância de BB.

Relativamente ao segundo segmento da alínea Z): “Os contratos subjacentes às livranças em causa nos autos (…) foram entregues às Executadas, que os tiveram na sua posse e os levaram a um advogado de ... para reconhecimento de assinaturas, o qual foi efetuado em conformidade com o solicitado.”, está provado documentalmente que o reconhecimento da assinatura da legal representante da S... foi efectuado no dia 06/09/2018, pelas 14:45.

Por outro, tendo a legal representante da embargada S... BB declarado que o Sr. AA, da M..., entregou os documentos, para serem assinados rapidamente e que iria aguardar em ... para recolher os mesmos, foi contactado o advogado tendo em vista o reconhecimento, os documentos foram levados ao advogado para  reconhecimento, regressaram às instalações da embargada S... e foram devolvidos e levados pelo já referido sr. AA, o que genericamente foi corroborado pela testemunha FF e nada havendo, intrínseca ou extrinsecamente, que coloque em crise tais declarações e depoimento, pode afirmar-se que a entrega dos documentos, o pedido de reconhecimento endereçado ao Sr. Advogado, o reconhecimento e a devolução dos documentos ao Sr. AA ocorrem no mesmo dia.

Assim e quanto à questão de saber em que termos é que as embargantes tiverem os contratos “na sua posse”, o que resulta da prova produzida é que: a) os documentos que consubstanciam os contratos foram entregues pelo colaborador da M... às embargantes, no dia 06/09/2018, para que a assinatura da legal representante da embargante S... fosse reconhecida rapidamente, ficando aquele a aguardar em ... a devolução daqueles, devidamente reconhecidos; b) no mesmo dia tais documentos transitaram para o escritório de Advogado, para se proceder ao reconhecimento da assinatura, que ocorreu às 14:45 desse dia, em ambos os casos; c) no mesmo dia tais documentos transitaram do escritório daquele Advogado, para as instalações da embargada, onde, também no mesmo dia, foram devolvidos, já assinados e reconhecidos, ao colaborador da M..., que os levou consigo.

Uma vez que estamos perante uma matéria diferente da que consta da alínea Z), opta-se por aditar uma alínea Z 1), com o seguinte teor:
“ Z1) a) Os documentos que consubstanciam os contratos foram entregues pelo colaborador da M... às embargantes, no dia 06/09/2018, para que a legal representante da embargante S... os assinasse e a respectiva assinatura fosse reconhecida, tudo rapidamente, ficando aquele a aguardar em ... a devolução daqueles, devidamente assinados e reconhecidos; b) No mesmo dia tais documentos transitaram para o escritório de Advogado, para se proceder ao reconhecimento da assinatura, que ocorreu às 14:45 desse dia, em ambos os casos; c) No mesmo dia tais documentos transitaram do escritório daquele Advogado, para as instalações da embargada, onde, também no mesmo dia, foram devolvidos, já assinados e reconhecidos, ao colaborador da M..., que os levou consigo.

5.4.4. Consta da alínea HH):
HH) As Embargantes nem pagaram alugueres, nem entregaram os veículos desde o incumprimento dos contratos (que remontam ao início do ano 2020) pelo menos, até ao início do corrente ano de 2022, causando prejuízos ao Embargado, pois os bens estão a desvalorizar-se a cada dia que passa.

A expressão “causando prejuízos” é, além de patentemente genérica, uma asserção jurídico-conclusiva.

Assim, impõe-se alterar a redacção da alínea HH), eliminando a asserção jurídico-conclusiva, a qual passa a ter o seguinte teor:
HH) As Embargantes nem pagaram alugueres, nem entregaram os veículos desde o incumprimento dos contratos (que remontam ao início do ano 2020) pelo menos, até ao início do corrente ano de 2022, veículos que estão a desvalorizar-se a cada dia que passa.

5.5.5. Deficiência da decisão de facto suscitada pelas embargantes
Não existem dúvidas que as embargantes invocaram que as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 dos contratos de locação financeira subjacentes às livranças não foram comunicadas e que a embargada invocou, de forma genérica, que tais cláusulas foram comunicadas e explicadas às embargantes.

Vejamos

As embargantes pretendem que seja aditado:
- aos factos provados, que as cláusulas contratuais 12.5,14.3 e 15.4, nunca foram negociadas, comunicadas e explicadas à Embargante pela Embargada, ónus que sobre esta ultima impendia, devendo considerar-se excluídas dos contratos.
- aos não provados, que a Embargada ora recorrida tenha cumprido como dever de informar o concreto teor das cláusulas contratuais 12.5, 14.3 e 15.4.

Resulta do n.º 3 do art.º 5º que cabe à embargada, enquanto predisponente das cláusulas, o ónus de alegar e provar a factualidade concreta que permita concluir pela comunicação adequada e efectiva de cláusulas contratuais gerais.

A matéria que as embargantes invocam é insusceptível de integrar a factualidade provada uma vez que é pura e simplesmente conclusiva.

Improcede, assim, a invocada deficiência da decisão de facto.

6. Factualidade provada consolidada

A) (Eliminada)
B) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal, na qualidade de “locador”, a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de “locatária” e BB, na qualidade de “avalista”, subscreveram o documento junto com  contestação aos embargos de executado, sob n.º 1, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
C) Nas “Condições Particulares” do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” ficou a constar:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-.. “
D) O acordo referido em B) foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses, entre o período compreendido de 28/09/2018 a 28/12/2021.
E) Ficou ainda contratualmente estipulado que o valor mensal de cada renda se cifrava na quantia de € 1.309,08 (mil, trezentos e nove euros e oito cêntimos) já com IVA incluído.
F) No exercício da sua atividade comercial, o ora Embargado V...  - Sucursal em Portugal, na qualidade de “locador”, a sociedade S... UNIPESSOAL LDA., na qualidade de “locatária” e BB, na qualidade de “avalista”, subscreveram o documento junto com  contestação aos embargos de executado, sob o n.º 2, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais.
G) Nas “Condições Particulares” do documento denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...” ficou a constar:
“1. Veículo objecto do presente contrato
Marca: M...; ... 18.46...; Versão: (…); Chassis: (…); Matrícula: ..-VH-..”.
H) O acordo referido em F) foi celebrado pelo prazo de 38 (trinta e oito) meses, entre o período compreendido de 05/11/2018 a 05/02/2022.
I) Ficou ainda contratualmente estipulado que o valor mensal de cada renda se cifrava na quantia de € 1.309,08 (mil, trezentos e nove euros e oito cêntimos) já com IVA incluído.
I 1) Quer no documento referido em B), quer no documento referido em F), está consignado:
- sob a cláusula 1.2.:
“ O locatário declara expressamente ter escolhido o veículo objecto do presente contrato (…), bem como o respectivo fornecedor, com o qual acordou directamente todos os aspectos constantes das Condições particulares relativos ao veículo, nomeadamente as suas características, preço e condições de pagamento, bem como a data e local de entrega, sem que o locador tenha tido qualquer intervenção em tais acordos.”
- sob a cláusula 4.1.:
“O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respetivo gozo ao locatário e, bem assim, a conceder-lhe a opção de compra sobre o mesmo pelo valor residual previsto nas Condições Particulares, nos termos do presente contrato.”
- sob a cláusula 12.1.:
“No final do prazo do presente contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador quaisquer montantes devidos ao abrigo do mesmo, o locatário poderá proceder á aquisição do veículo mediante o pagamento do valor residual acrescido de despesas e encargos, ficando a transferência da propriedade sobre o veículo condicionada ao efectivo pagamento daqueles valores.”
I 2) Nas condições particulares do documento referido na alínea B) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,50 €”
I 3) Nas condições particulares do documento referido na alínea F) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,48 €”
J) No art. 3.º do artigo inicial de embargos de executado, as Embargantes confessam-se devedores ao Embargado dos valores vencidos e não pagos, acrescidos de juros, o que totaliza o montante de € 28.720,58.
K) Até à data em que foi deduzida contestação aos presentes embargos não foram entregues ao Exequente as viaturas locadas, objeto dos contratos subjacentes às livranças dadas à execução, o que veio apenas a acontecer já no decurso do presente ano de 2022.
L) As Embargantes utilizaram as viaturas locadas, as quais não são da sua propriedade, sem que tenham efetuado qualquer pagamento desde 2020.
M) Os contratos supra referidos encontram-se resolvidos desde janeiro de 2021, sendo que, já na data de resolução tinham 13 alugueres vencidos.
N) As Embargantes não devolveram, por sua iniciativa, as viaturas locadas, motivo pelo qual o Exequente/Embargado instaurou uma providência cautelar que correu termos sob o n.º 153/22...., no Tribunal da Comarca ... – Juízo Central Cível ..., Juiz ..., na qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada pelo ora Embargado.
O) As partes convencionaram que em caso de incumprimento dos contratos por parte da empresa locatária de quaisquer obrigações que para si decorressem dos mesmos, o Embargado poderia proceder à resolução dos contratos e apresentar as livranças a pagamento para acionamento judicial dos créditos.
P) A empresa locatária e a avalista, ora Embargantes, deixaram de liquidar as rendas nas datas infra indicadas: • Contrato n.º ...20; • Contrato n.º ...20.
Q) Por esse motivo, o ora Embargado enviou para as Embargantes, para a morada contratual, previamente ao envio da carta de resolução, duas cartas a comunicar o incumprimento dos contratos, datadas de 14-08-2020, para que procedessem ao pagamento da quantia em mora, no prazo de 15 dias.
R) As missivas foram enviadas para a morada contratual e recebidas pelas Embargantes, todavia, mesmo após as cartas de interpelação, o incumprimento persistiu.
S) Em consequência da falta do pagamento dos alugueres, o ora Embargado, procedeu ao envio das cartas de resolução: • contrato n.º ...40 – resolvido em 19-01-2021; • Contrato n.º ...47 – resolvido em 19-01-2021.
T) Nas cartas de resolução, datadas de 19/01/2021, foram discriminados os valores em dívida.
U) Relativamente ao contrato n.º ...40, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...37 apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.240,21 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 257,66, a título não concretamente apurado; e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.858,32 a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.523,72 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança, ao abrigo da cláusula 14.3.
V) Relativamente ao contrato n.º ...47, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...29, apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.517,10 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.353,69, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre s rendas vencidas e não pagas; c) € 494,76, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 276,39, a título não concretamente apurado; e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.851,64, a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.549,43 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.
W) (Eliminada)
X) Na cláusula contratual geral n.º17.ª com a epígrafe “Garantias”, consta que a empresa Embargante na qualidade de locatária autoriza expressamente o V... na qualidade de locador a preencher a livrança entregue, designadamente, através da aposição da data de vencimento, local de pagamento e  montante devido, constituindo-se o avalista no garante solidário de todas as obrigações que venham a emergir daquele titulo cambiário – livrança.
Y) No “Pacto de preenchimento da livrança” as embargantes declaram: (i) Autorizar o preenchimento da livrança apondo-lhe as importâncias devidas nos termos do contrato celebrado; (ii) Ter pleno conhecimento dos termos do contrato celebrado e das obrigações que assumiram.
Z) Os contactos e conversas tendo em vista a celebração dos contratos subjacentes às livranças que constituem título executivo, foram efectuados, pelo lado da S..., por FF, com a concordância de BB.
Z1) a) Os documentos que consubstanciam os contratos foram entregues pelo colaborador da M... às embargantes, no dia 06/09/2018, para que a legal representante da embargante S... os assinasse e a respectiva assinatura fosse reconhecida, tudo rapidamente, ficando aquele a aguardar em ... a devolução daqueles, devidamente assinados e reconhecidos; b) No mesmo dia tais documentos transitaram para o escritório de Advogado, para se proceder ao reconhecimento da assinatura, que ocorreu às 14:45 desse dia, em ambos os casos; c) No mesmo dia tais documentos transitaram do escritório daquele Advogado, para as instalações da embargada, onde, também no mesmo dia, foram devolvidos, já assinados e reconhecidos, ao colaborador da M..., que os levou consigo.
AA) As Embargantes não propuseram alterações aos contratos, nem sugeriram outra redação ou solicitaram qualquer aditamento porque nem sequer o chegaram a ler.
BB) A sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias.
CC) As Embargantes estão ligada ao setor dos transportes e têm conhecimentos sobre o âmbito e conteúdo do clausulado dos Contratos de Aluguer Operacional de Veículos até porque já outorgaram outros contratos de leasing com outras entidades.
DD) Dos contratos celebrados entre as Partes consta expressamente a bold que “O Cliente declara que lhe foram comunicadas e informadas todas as Cláusulas e que leu, entendeu e aceitou os termos do Contrato que vai assinar”.
EE) Dispõe a cláusula 14.3 do Contrato de Locação Financeira celebrado entre as Partes que: “14.3 - O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato, das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços, quando aplicável, segundo a ordem referida. Encontrando-se em atraso prestações de natureza diversa, o locador afetará os pagamentos realizados pelo locatário, pela ordem descrita no presente número”, acrescentando o n.º4 da cláusula 14.º que “Caso o locatário não exerça a opção de compra do veículo e não o devolva imediatamente no fim do prazo da locação ou em caso de cessação do presente contrato, qualquer que seja o seu fundamento, incluindo resolução pelo locador, este terá direito, a título de cláusula penal pela mora na devolução de veículo a receber uma quantia diária correspondente ao dobro daquela que teria direito se o contrato continuasse em vigor por um período de tempo igual ao da mora do locatário e sem prejuízo da faculdade de o locador recuperar a posse do veículo nos termos das disposições legais aplicáveis”.
FF) Dispõe a Cláusula “15.4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de resolução do Contrato pelo locador, este terá o direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com valor residual quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato ou de um montante indemnizatório igual a 20% quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.”
GG) Dispõe a cláusula 12.5 do Contrato de Locação Financeira celebrado entre as Partes que: “Na data da devolução, o locador promoverá a realização de uma inspeção ao veículo para verificação do cumprimento do disposto no presente Contrato, sendo lavrado auto de devolução a assinar por ambas as Partes, considerando-se, para todos os efeitos contratuais e legais, que o veículo foi entregue apenas na data da assinatura do referido auto de devolução. Verificando-se que o locatário incumpriu o estipulado na Cláusula 8ª, alíneas j) e o), o locatário obriga-se a indemnizar o locador no montante correspondente a 10% (dez por cento) do Valor Residual, a título de cláusula penal, ao qual acrescerá o montante das penalizações que o locatário tem a obrigação de pagar em caso de resolução do
Contrato pelo locador, nos termos da Cláusula 15ª, número 4 do presente Contrato.”
HH) As Embargantes nem pagaram alugueres, nem entregaram os veículos desde o incumprimento dos contratos (que remontam ao início do ano 2020) pelo menos, até ao início do corrente ano de 2022, veículos que estão a desvalorizar-se a cada dia que passa.

7. Direito
Procedente que foi a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, impõe-se, à luz do disposto no art.º 665º n.º 1 do CPC, conhecer das questões não conhecidas, ou seja:
- as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 não foram negociadas, nem foram comunicadas e informadas às embargantes;
- a cláusula 14.3. impõe a ficção da vontade negocial das executadas com base em factos para tal insuficientes; por ser estipulada uma cláusula penal abusiva, por excessiva;
- as cláusulas 12.5 e 15.4, são de considerar abusivas, por desproporcionais;

E isto para saber se os embargos de executado devem ser julgados parcialmente procedentes, ordenando-se o prosseguimento da execução apenas pelo montante de € 28.720,58.

Impõe-se, no entanto, enquadrar tais questões.

- Da execução
A aqui embargada intentou uma execução para pagamento de quantia certa contra as aqui embargantes, para pagamento da quantia de € 204 757,31 €, com base em duas livranças, subscritas pela S... Unipessoal Lda. e avalizadas por BB, entregues para garantir do cumprimento de dois contratos de locação financeira, os quais foram incumpridos e resolvidos, tendo ficado em dívida, em relação a cada um os contratos, determinados valores, por cujo total a embargada preencheu as livranças.

Vejamos, em breve análise, os contratos de locação financeira, o seu incumprimento e resolução, o acordo de preenchimento das livranças dadas à execução e os valores porque as mesmas foram preenchidas.

- Os contratos subjacentes às livranças dadas à execução
Resulta da factualidade provada que a embargada V...  - Sucursal Em Portugal, na qualidade de “locador” e a embargante S... Unipessoal, Ldª, na qualidade de “locatária”, subscreveram:
- o documento junto com a contestação aos embargos de executado, sob n.º 1, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. ( cfr. alínea B) da fundamentação de facto), tendo por objecto o veículo identificado na alínea C), pelo prazo de 38 meses, (cfr. a alínea D), sendo o valor mensal de cada renda de € 1.309,08 já com IVA incluído (cfr. alínea E);
- o documento junto com a contestação aos embargos de executado, sob o n.º 2, denominado “Contrato de Locação Financeira (Leasing) de Veículo Automóvel Pesado n.º ...”, constituído por “condições gerais” e “condições particulares”, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. (cfr. alínea F) da fundamentação de facto, tendo por objecto o veículo identificado na alínea G), pelo prazo de 38 meses (cfr. alínea H)), sendo o valor mensal de cada renda de  € 1.309,08 já com IVA incluído. (cfr. alínea I).

O contrato de locação financeira é definido no art.º 1º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho, como sendo o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

Este contrato não se confunde com o contrato de “aluguer operacional” ou “locação operacional, porquanto, neste, a locadora obriga-se a ceder o gozo de um bem, nomeadamente um veículo ou outro equipamento de elevada incorporação tecnológica e a prestar um conjunto de serviços mediante uma remuneração, sem que o locatário tenha, no fim do prazo, o direito de adquirir o bem locado (qualificando este contrato como “locação operacional” cfr., na doutrina, Carlos Ferreira de Almeida, in Contratos II, pág. 219 e Fernando Gravato de Morais, Manual de Locação Financeira, Almedina, 2ª edição, pág. 62-64 e na jurisprudência e a titulo meramente exemplificativo, Ac. da RL de 26.06.2008., proc. 3513/2008-6, Ac. da RL de 23.11.2010., proc. 2357/08.6TJLSB.L1-1 e também da RL de 14.12.2010, proc.  198/09.2TVLSB.L1-7, todos consultáveis in www.dgsi.pt/jtrl).

Para além da qualificação jurídica dada pelas partes, resulta da factualidade provada que, quer no documento referido em B), quer no documento referido em F), está consignado:
- sob a cláusula 1.2.:
O locatário declara expressamente ter escolhido o veículo objecto do presente contrato (…), bem como o respectivo fornecedor, com o qual acordou directamente todos os aspectos constantes das Condições particulares relativos ao veículo, nomeadamente as suas características, preço e condições de pagamento, bem como a data e local de entrega, sem que o locador tenha tido qualquer intervenção em tais acordos.”
- sob a cláusula 4.1.:
O locador, de acordo com as instruções do locatário, compromete-se a adquirir o veículo ao fornecedor, a conceder o respetivo gozo ao locatário e, bem assim, a conceder-lhe a opção de compra sobre o mesmo pelo valor residual previsto nas Condições Particulares, nos termos do presente contrato.”
- sob a cláusula 12.1.:
“No final do prazo do presente contrato e desde que nessa data não estejam por liquidar ao locador quaisquer montantes devidos ao abrigo do mesmo, o locatário poderá proceder á aquisição do veículo mediante o pagamento do valor residual acrescido de despesas e encargos, ficando a transferência da propriedade sobre o veículo condicionada ao efectivo pagamento daqueles valores.” (cfr. alínea I 1)).

Além disso, ficou ainda provado que:
- nas condições particulares do documento referido na alínea B) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,50 €” ( cfr. alínea I 2);

- nas condições particulares do documento referido na alínea F) consta:
“13. Serviços contratados (…) [sem qualquer inscrição]
(…)
18. Valor residual
Valor residual: 53,47 %; 54.427,48 €” ( cfr. alínea I 3)).

Como resulta das condições particulares e gerais dos instrumentos dos autos, a embargada obrigou-se, mediante retribuição, a ceder à embargante S... o gozo temporário de dois veículos, adquiridos por indicação da última, estando prevista a possibilidade a mesma, decorrido os 38 meses, adquirir os veículos pelo preço fixado nas condições particulares.

Como contraponto negativo, não está previsto que a aqui embargada ficasse obrigada a prestar serviços mediante uma remuneração e está previsto que a embargante S... tinha a possibilidade, no fim do prazo, de adquirir o bem locado.

Destarte conclui-se que entre as partes foram celebrados dois contratos de locação financeira.

- Incumprimento e resolução dos contratos
Está provado – alínea P) – que a empresa locatária e a avalista, ora Embargantes, deixaram de liquidar as rendas nas [seguintes datas]: • Contrato n.º ...20; • Contrato n.º ...20.

Está também provado – alínea Q) – que [p]or esse motivo, o ora Embargado enviou para as Embargantes, para a morada contratual, (…) duas cartas a comunicar o incumprimento dos contratos, datadas de 14-08-2020, para que procedessem ao pagamento da quantia em mora, no prazo de 15 dias, cartas essas que foram recebidas pelas Embargantes (alínea R)).

Porém, o incumprimento persistiu. (alínea R)).

Está plasmado na alínea O) que as partes convencionaram que em caso de incumprimento dos contratos por parte da empresa locatária de quaisquer obrigações que para si decorressem dos mesmos, o Embargado poderia proceder à resolução dos contratos e apresentar as livranças a pagamento para acionamento judicial dos créditos.

A embargada procedeu ao envio das cartas de resolução: • contrato n.º ...40 – resolvido em 19-01-2021; • Contrato n.º ...47 – resolvido em 19-01-2021. (alíneas S) e T)).

- Acordo de preenchimento das livranças
O contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, tempo de vencimento, a sede de pagamento, a estipulação de juros, etc. – Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 6ª Edição

Está provado – alínea X) – que na cláusula contratual geral n.º 17.ª com a epígrafe “Garantias”, consta que a empresa Embargante na qualidade de locatária autoriza expressamente o V... na qualidade de locador a preencher a livrança entregue, designadamente, através da aposição da data de vencimento, local de pagamento e montante devido, constituindo-se o avalista no garante solidário de todas as obrigações que venham a emergir daquele titulo cambiário – livrança.

E está também provada a concreta existência de um “Pacto de preenchimento”, pois conata da alínea Y):
No “Pacto de preenchimento da livrança” as embargantes declaram: (i) Autorizar o preenchimento da livrança apondo-lhe as importâncias devidas nos termos do contrato celebrado; (ii) Ter pleno conhecimento dos termos do contrato celebrado e das obrigações que assumiram.

O preenchimento do título cambiário em violação do acordado, isto é, com aposição, por exemplo, de um valor que não seja devido à luz do contrato subjacente àquele, é comumente qualificado como “preenchimento abusivo”, o qual pode ser invocado, inclusive, pelo avalista, que seja parte no “Pacto de preenchimento”, como sucede in casu.

- Valores porque foram preenchidas as livranças.
Está provado – alínea U) – que relativamente ao contrato n.º ...40, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...37 apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.240,21 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.359,45, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,95, a título de juros de mora sobre rendas vencidas e não pagas; c) € 509,61, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 257,66, a título não concretamente apurado; e) € 13.741,58, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.858,32 a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.523,72 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 985,92, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança, ao abrigo da cláusula 14.3.

Está provado – alínea V) - que relativamente ao contrato n.º ...47, a Exequente/Embargada procedeu ao preenchimento da livrança n.º ...29, apresentado como título executivo, livrança essa assinada pela Embargante BB na qualidade de representante legal da empresa S... Unipessoal Lda. e de avalista, pelo valor  de € 102.517,10 e que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares: a) € 14.353,69, a título de rendas vencidas e não pagas; b) € 3,49, a título de juros de mora sobre s rendas vencidas e não pagas; c) € 494,76, a título de comissões por rendas devolvidas, com fundamento na cláusula 14.3.; d) € 276,39, a título não concretamente apurado; e) € 14.000,91, a título de montante indemnizatório, com fundamento na cláusula 15.4; f) € 66.851,64, a título de indemnização com base na cláusula 14.4. e € 5.549,43 a título de comissões, despesas ou encargos, ao abrigo da cláusula 14.3, sendo as comissões, ainda, ao abrigo do ponto 9 do “Preçário”, que não está anexo aos contratos; g) € 986,79, a título de juros desde a carta de resolução até ao preenchimento da livrança.

- Dos embargos de executado
Os embargos de executado são uma das formas de oposição à execução, pela qual se visa a extinção, total ou parcial, da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência (total ou parcial) do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, especifico ou geral da acção executiva (com a concomitante declaração da sua inadmissibilidade) – Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 7ª Edição, pág. 195.
Os embargos de executado têm vista obstar à produção dos efeitos do título executivo e ou da acção em que ele se baseia.
Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal – autor e ob. cit. pág. 215.
Quando a oposição por embargos tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade – autor e ob. cit. pág. 215-216.

As embargantes deduziram embargos de executado, não colocando em causa dever as quantias a título de rendas vencidas e não pagas e a título de juros de mora sobre as mesmas inscritas nas alíneas a) e b) das alíneas U) e V) da fundamentação de facto. Aliás confessam-se devedoras de tais quantias (cfr. alínea J)).

Mas colocam em causa dever todas as outras quantias, invocando, para tanto, que:
- as cláusulas 12.5, 14.3 e 15.4 não foram negociadas, nem foram comunicadas e informadas às embargantes;
- a cláusula 14.3. impõe a ficção da vontade negocial das executadas com base em factos para tal insuficientes; por ser estipulada uma cláusula penal abusiva, por excessiva;
- as cláusulas 12.5 e 15.4, são de considerar abusivas, por desproporcionais;
- as quantias impugnadas, são peticionadas pela exequente com base nas referidas cláusulas.

Ou seja: as embargantes pretendem obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo quanto aquelas quantias, admitindo o seu prosseguimento, apenas, quanto às quantias referidas inscritas nas alíneas a) e b) das alíneas U) e V) da fundamentação de facto, alegando para tanto que tais quantias são peticionadas com base em cláusulas dos contratos que padecem dos vícios referidos (cfr. art.ºs 48º e 49º dos embargos), os quais devem ser declarados pelo que, em consequência, a exequente não podia preencher a livrança com tais valores.

Vejamos

A – As quantias impugnadas são peticionadas pela exequente com base nas cláusulas 12.5, 14.3. e 15.4 ?

Vejamos as cláusulas impugnadas:

12.5. Na data da devolução, o locador promoverá a realização de uma inspeção ao veículo para verificação do cumprimento do disposto no presente Contrato, sendo lavrado auto de devolução a assinar por ambas as Partes, considerando-se, para todos os efeitos contratuais e legais, que o veículo foi entregue apenas na data da assinatura do referido auto de devolução. Verificando-se que o locatário incumpriu o estipulado na Cláusula 8ª, alíneas j) e o), o locatário obriga-se a indemnizar o locador no montante correspondente a 10% (dez por cento) do Valor Residual, a título de cláusula penal, ao qual acrescerá o montante das penalizações que o locatário tem a obrigação de pagar em caso de resolução do Contrato pelo locador, nos termos da Cláusula 15ª, número 4 do presente Contrato.” (cfr. alínea GG))

“14.3 O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato, das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços, quando aplicável, segundo a ordem referida. Encontrando-se em atraso prestações de natureza diversa, o locador afetará os pagamentos realizados pelo locatário, pela ordem descrita no presente número.”  (cfr. alínea EE))

 “15.4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de resolução do Contrato pelo locador, este terá o direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com valor residual quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato ou de um montante indemnizatório igual a 20% quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.” (cfr. alínea FF)).

Relativamente às quantias inscritas nas alíneas c) – “comissões por alugueres devolvidos” -, está expressamente prevista na cláusula 14.1. 2ª parte, cláusula relativamente à qual não foi invocada causa de exclusão ou de nulidade e que, assim, não pode aqui ser apreciada, sob pena de se apreciar uma questão nova, pelo que não é possível considerar que o preenchimento das livranças com tais quantias é abusivo.

Relativamente às quantias inscritas nas alíneas d), desconhece-se a que realidade se referem, pelo que não é possível integrá-las em alguma das cláusulas impugnadas, o que significa que, mesmo que fossem todas excluídas, não seria possível considerar que o preenchimento das livranças com tais quantias é abusivo.

Relativamente às quantias inscritas nas alíneas e), foram inscritas tendo por suporte a cláusula 15.4.

As alíneas f) comportam duas realidades:
- um montante indemnizatório inscrito com base na cláusula 14.4., cláusula relativamente à qual não foi invocada causa de exclusão ou de nulidade, e que, assim, não pode aqui ser apreciada, sob pena de se apreciar uma questão nova, pelo que não é possível considerar que o preenchimento das livranças com tais quantias é abusivo;
- um montante relativo a comissões, despesas ou encargos, para os quais não se encontra previsão específica em nenhuma das cláusulas citadas. No entanto a cláusula 14.3 consta que “O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros… decorrentes do presente Contrato...”

Finalmente e quanto às inscritas nas alíneas g), também não encontram previsão específica em nenhuma das cláusulas citadas. No entanto na cláusula 14.3 consta que “O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros… decorrentes do presente Contrato...”

De tudo o exposto, resulta que nenhuma das quantias parcelares, que integram a quantia global inscrita nas livranças, tem qualquer relação com a cláusula 12.5., pelo que nenhum sentido existe em considerar a mesma como integrando o âmbito das questões suscitadas, o que se traduziria na prática de um acto inútil proibido por lei (art.º 130º do CPC).
 
Destarte, apenas cumpre prosseguir a análise no que respeita às cláusulas 14.3 e 15.4.
 
B – Cláusulas contratuais gerais
Como já ficou referido supra, a recorrida invocou, na sua contestação, que os contratos dos autos não se traduziam em cláusulas contratuais gerais; e, como igualmente já ficou referido supra, na sentença recorrida considerou-se o contrário, isto é, que os contratos dos autos eram constituídos por cláusulas contratuais gerais.

A recorrida, única com legitimidade para impugnar tal questão, não requereu a ampliação do recurso.

Destarte, considera-se que os contratos dos autos se traduzem em cláusulas contratuais gerais.

B 1 - Dever de comunicação, informação e esclarecimento das cláusulas contratuais gerais
Nos termos do disposto no art.º 4º do DL n.º 446/95, de 25 de Outubro – diploma que, diga-se, não se aplica apenas às relações de consumo -, as cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares incluem-se nos mesmos, para todos os efeitos, pela aceitação.

Ou seja, as cláusulas contratuais gerais, pese embora a sua especificidade, não deixam de ser estipulações jurídico negociais; mas a sua incorporação no contrato singular e vigência pressupõe a sua aceitação, ninguém podendo considerar-se vinculado relativamente ao que não conhece ou conhece deficientemente.

Uma vez que as cláusulas contratuais gerais não são fruto da livre negociação desenvolvida entre as partes, já que estão elaboradas de antemão e são objecto de simples subscrição ou aceitação pela parte a quem são propostas, para que se verifique a efectiva inclusão no contrato singular, a lei prescreve diversas cautelas tendentes a assegurar o seu efectivo conhecimento pela parte que se limita a subscrevê-las e a defendê-la da sua irreflexão, natural em tais circunstâncias (controlo de inclusão), as quais constam dos artigos 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro, onde se faz recair sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, o dever de informação sobre os aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, e o dever de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Assim, dispõe o art.º 5º:
1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.
2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

E dispõe o art.º 6º:
1 – O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

O dever de comunicação tem duas vertentes:
- por um lado, o proponente deve comunicar na íntegra à outra parte as cláusulas contratuais gerais de que se sirva – art.º 5º n.º 1;
- por outro lado, ao fazer esta comunicação, deve realizá-la de modo adequado, idóneo e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (a necessidade de proporcionar à contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo – Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição, 2005, pág. 234 ) – art.º 5º n.º 2.

Querendo-se estimular o proponente a bem cumprir esse dever, o n.º 3 desse artigo faz recair sobre ele o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva.

A comunicação não só deverá ser completa, como deverá ser idónea à produção de um certo resultado: tornar possível o efectivo conhecimento das cláusulas pela contraparte (cfr. Almeno de Sá, ob cit., pág. 60).

É neste sentido que se afirma – Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 25 – que o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável.

Neste ponto refira-se o n.º 2 do art.º 5º: a idoneidade, adequação ou razoabilidade da forma de comunicação depende da importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas.

Ou seja, o utilizador, para além de ter de se preocupar em dar conhecimento das cláusulas, há-de preocupar-se também com o modo como dá cumprimento a essa exigência (Almeno de Sá, ob. cit. pág. 60), ou seja, deve a transmissão das cláusulas ser concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do aderente. Não basta, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada transmissão (aut. e ob. cit. pág. 234).

E, como refere José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, pág. 61, as características da comunicação referidas no n.º 2 do art.º 5º actuam em bloco, ou seja, é “da ponderação conjunta de todas elas que, em determinado caso concreto, se concluirá estar ou não cumprido o dever de comunicação adequado.”, concluindo (pág. 62) que “só uma ponderação casuística, que englobe todos os aspectos supra apontados, cumpre o critério finalisticamente plasmado. “

Refere Ana Prata, in Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2ª edição, 2021, pág. 243, “O conteúdo concreto da obrigação de comunicação depende do tipo de contrato, das circunstâncias da conclusão dele, do seu objecto e conteúdo, da natureza e preparação das partes que nele intervêm. Trata-se de obrigação de extensão e intensidade variáveis, em função da condição relativa das partes, da complexidade (quer jurídica, quer técnica) do conteúdo contratual, bem como de outras circunstâncias da concreta situação em que o contrato é concluído.”.

Relativamente ao contrato, como medida do concreto dever de comunicação, avultam circunstâncias como o facto de estarem em causa cláusulas que estabelecem prestações pecuniárias de valor elevado, a duração do vínculo, a extensão e complexidade, jurídica ou técnica, das cláusulas, devendo ser salientadas as cláusulas de maior gravidade para o aderente.

Circunstâncias que poderão levar a considerar que o dever de comunicação pode ser colocado em grau mínimo, está o facto de as partes já terem celebrado contratos semelhantes e a contraparte ter adquirido, em momento anterior, inequívoco conhecimento do respectivo clausulado.

Inversamente, quando as partes não celebraram, antes, qualquer contrato semelhante, o dever de comunicação assume um grau elevado.

Como refere Almeno de Sá, in ob. cit., pág. 61, “a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta afere-se por um critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.”

Ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento efectivo das cláusulas contratuais gerais, em termos tais que aquela não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência.

No que respeita à disponibilização do documento em que se encontram inscritas as cláusulas contratuais gerais, importa ter em consideração que grande parte dos contratos que contêm CCG são extensos e complexos, pelo que se impõe que tal disponibilização seja feita, de tal modo e com tal antecedência, que abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento pela contraparte, isto é, que seja possível à contraparte, não usando mais do que a “comum diligência”, tomar efectivo conhecimento das cláusulas.

Destarte, disponibilizado, com a necessária e adequada antecedência, face à importância do contrato e da extensão e complexidade das cláusulas, impõe-se à contraparte fazer uso da comum diligência para tomar conhecimento efectivo do seu conteúdo.

Mas não constitui requisito da integração num contrato concreto o conhecimento completo e efectivo das cláusulas. Se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária e o destinatário nada fizer para as conhecer, como lhe cabe, nomeadamente, mas não só, recebendo e lendo o documento que lhe é apresentado, estas integram o contrato (cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 6ª edição, pág. 127).

Daqui decorre que se as cláusulas forem comunicadas de modo adequado e com a antecedência necessária, o aderente não pode invocar a sua falta de diligência em obter o conhecimento efectivo.

Neste sentido o Ac. da RP de 23/09/2010, proc. 1582/07.1TBAMT-B.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp afirma-se que “apesar de a lei impor ao contraente que impõe as cláusulas o ónus de as comunicar ao outro contraente, exige-se também que este adopte um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo dessas cláusulas

E o Ac. da RL de 24/04/2018, proc. 4/17.4T8PDL-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta:
– A imposição ao utilizador do ónus de comunicação das ccg tem como correlativo, do lado do aderente, a necessidade de adoção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível, a qual se afere à luz do critério abstrato da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.

Neste ponto importa ter em consideração a situação das sociedades.
Só pelo facto de o aderente ser uma sociedade, não é possível qualquer presunção de que a mesma dispõe de experiência e prática negocial e melhores meios de estudo e análise dos contratos que celebra.
É uma presunção que as regras da experiência não permitem sustentar.
O que as regras da experiência ditam é que cada caso é um caso.
Desde logo e quanto à experiência e prática negocial, a mesma não pode ser vista em abstracto, pois existem muitos tipos de contratos, podendo, assim, obter-se um resultado enviesado e, a final, injusto.
Destarte essa experiência e prática negocial só pode ser aferida em relação a contratos com clausulado semelhante àquele que estiver em causa.

Em segundo lugar haverá sociedades relativamente às quais é possível concluir que dispõem de meios de estudo e análise dos contratos que celebram, por disporem de gabinete jurídico ou advogado avençado ou, até, um jurista, nos seus quadros.
Mas não só isso não será, certamente, o caso da grande maioria das sociedades em Portugal, como, naturalmente, depende de alegação e prova.

E em relação aos legais representantes, também não é possível configurar uma presunção de que detêm conhecimentos e qualificações para analisar um contrato como aquele que estiver em causa no caso concreto.
Só em concreto poderá ser aferido se tal legal representante tem conhecimentos, aptidões, instrumentos de apoio, para analisar um contrato que estiver em causa.

Destarte e se for caso disso e consoante as circunstâncias do caso concreto, caberá ao predisponente das cláusulas, a alegação e prova de que a sociedade tinha experiência e prática negocial com clausulado semelhante àquele que estiver em causa e meios de estudo e análise dos contratos que celebra ou que os seus legais representantes detinham conhecimentos e qualificações para analisar os contratos.

A comunicação, enquanto pressuposto da incorporação, há-de logicamente ser feita na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente e há-de ser feita ao aderente concreto.

De referir que eventuais anexos, para que os contratos remetam, mas que não integrem os contratos e não estejam assinados pelos contraentes, devem considerar-se excluídos dos mesmos, à luz do art.º 8º, alínea d) da LCCG.

Uma questão que se coloca é a da relevância das cláusulas / menções do aderente de que tomou conhecimento de todas as cláusulas que constam do contrato, usualmente designadas de “cláusulas confirmatórias”.

Segundo Almeno de Sá, ob. cit. pág. 246, trata-se de uma cláusula “através da qual se atesta que a contraparte do utilizador concorda com a inclusão no contrato de determinadas condições gerais, sem atender minimamente aos requisitos de incorporação legalmente exigidos”, cláusula que elimina “as exigências legais que recaem sobre o utilizador para que a celebração de determinado contrato implique simultaneamente a vigência das condições gerais por ele visadas.”

E quanto ao seu valor refere in ob. cit. pág. 246-247 que “não basta a existência de uma declaração de concordância ou aceitação do cliente; é ainda necessário, desde logo, que o utilizador lhe tenha comunicado as condições gerais e lhe tenha proporcionado a possibilidade de um conhecimento real do respectivo conteúdo. Deste modo, [uma tal cláusula] infringe, logo por aqui, as normas imperativas contidas nos art.ºs 4º e seguintes da lei das cláusulas contratuais gerais, atinentes à incorporação das condições no contrato singular.
De resto, para lá da própria contrariedade às imposições da referida lei, [uma tal cláusula] está, in nuce, destituída de qualquer relevância jurídica, não podendo aspirar a produzir efeitos práticos, pois isso só poderia suceder depois da efectiva conclusão do contrato singular com inclusão das (…) condições gerais – inclusão que pressup[õe], logicamente a observância dos preceitos contidos nos art.ºs 4º e seguintes.
Por outro lado, uma cláusula deste tipo (…) não pode certamente “eliminar” a regra que faz recair sobre o [utilizador] o ónus da prova da comunicação adequada e efctiva (cfr. art.º 5º, n.º 3). (…) Não é pois, possível reconhecer-lhe eficácia constitutiva, susceptível de a fazer funcionar como substituto da condordância da contraparte com a vigência das condições gerais tidas em vista pelo utilizador ou como sucedâneo da verificação dos pressupostos legais de incorporação no contrato singular.

A José Manuel Araújo Barros, ob cit., pág. 68:
“Por ser de comum utilização, convém alertar para pretenso sucedâneo da obrigação de comunicação das cláusulas. Reportamo-nos à inclusão em um contrato da menção de que o aderente tomou conhecimento de todas as cláusulas dele constantes. Típica situação de gato escondido com rabo de fora. Desde logo, porque se impõe demonstrar que mesmo essa anotação foi comunicada. Depois, porque ainda que o aderente tenha tomado conhecimento desta, tal não significa que lhe tenham sido comunicadas as restantes cláusulas. […] A consciência da subscrição dessa menção, que também vale como um alerta, deverá seguramente ser valorado nos termos do n.º 2 do art.º 5, podendo constituir um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente. Mas nada mais do que isso. […]”

E mais à frente:
“Outra [questão] será a questão da sua [de tal cláusula] validade, que contende com o saber se a mesma não será proibida, nos termos do art. 21-e, por atestar conhecimentos das partes relativas aos contratos […], Mesmo que se entenda que tal cláusula é nula, como parece ser […]” [volta a referir a questão em anotação art. 21-e, pág. 314]

Ana Prata, in ob. cit., pág. 256 também afirma a irrelevância de uma cláusula como a referida.

Jorge Morais de Carvalho, in ob. cit. pág. 128 afirma que não é “suficiente que o aderente assine um documento previamente elaborado em que ele admita  terem sido cumpridas as exigências legais no que respeita à comunicação e ao esclarecimento das cláusulas…”

Também a jurisprudência, ainda que de forma não unânime, vem colocando em causa o referido tipo de declaração / cláusula.

Assim o Ac. da RL de 28/06/2012, proc. 2527/10.7TBPBL.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos:   
II – A cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais ccg serão excluídas também por força do art. 8/d) da LCCG.

Também o Ac. da RL de 14/09/2017, proc. 9065/15.0T8LSB.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos:
I– As cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova.

No Ac. da RE de 22/10/2020, proc. 641/08.8TBPSR-A.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos:   
4. A mera cláusula geral afirmando que “se tomou conhecimento” do contrato não substitui [os deveres de comunicação] e é absolutamente proibida nas relações com consumidores finais.

No Ac. da RL de 27/05/2021, proc. 12753/19.7YIPRT.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos:   
2.–As cláusulas que dizem que os aderentes tiveram conhecimento e aceitaram as CCG (cláusulas confirmatórias ou de confirmação) têm, quando muito e observada que seja uma série de exigências, um valor de princípio de prova da comunicação dessas CCG, que teria de ser corroborado por outros meios de prova.
3.– A simples existência de uma cláusula de confirmação, aposta no rosto assinado do documento, não é sequer prova da comunicação da existência das CCG existentes no verso do documento.

No Ac. do STJ de 04/05/2017, proc. 1961/13.5TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj sumariou-se a decisão quanto à questão em referência nos seguintes termos:   
VI. A inserção no documento de confirmação do contrato de permuta de taxa de juro, antes da respectiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente , no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação não pode  ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art. 5º do DL446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias.

Finalmente importa não olvidar que o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Ac. de 18/12/2014, proc. C‑449/13, consultável no sitio do TJUE, concluiu:
1) As disposições da Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho, devem ser interpretadas no sentido de que:
– por um lado, se opõem a uma legislação nacional segundo a qual o ónus da prova da não execução das obrigações previstas nos artigos 5.° e 8.° da Diretiva 2008/48 recai sobre o consumidor e,
– por outro, se opõem a que, em razão de uma cláusulatipo, o julgador deva considerar que o consumidor reconheceu a plena e correta execução das obrigações précontratuais que incumbem ao mutuante, uma vez que assim tal cláusula implica uma inversão do ónus da prova da execução das referidas obrigações suscetível de comprometer a efetividade dos direitos reconhecidos pela Diretiva 2008/48.

Passados em revista estes contributos, podemos concluir que não deve ser atribuída qualquer relevância a uma declaração / cláusula confirmatória sinteticamente pelos seguintes fundamentos.

Em primeiro estando em causa uma declaração, tratar-se-á de uma declaração de ciência, que apenas se prova a si mesma, mas não prova a realidade do conteúdo, sendo certo que em tal declaração / cláusula participa do perigo de desconhecimento que está na base da LCCG.

Em segundo lugar, seja declaração ou cláusula, a sua admissibilidade tornaria completamente inútil o art.º 5º n.º 1 da LCCG - o qual, repita-se, não se aplica apenas às relações de consumo – e, dessa forma, todo o programa jurídico, económico e social subjacente à LCCG.

Em terceiro lugar seja declaração ou cláusula, a sua admissibilidade determinaria uma inversão do ónus da prova e, dessa forma, anularia o art.º 5º n.º 3 da LCCG, que se tem como norma imperativa (note-se que se o art.º 344º n.º 1 do CC admite a inversão do ónus da prova mediante “convenção (…) nesse sentido”, exige que essa convenção seja “válida”, o que não se pode ter como verificado in casu por violação de norma que se tem por imperativa).

De referir que o legislador, para além do enunciado genérico do art.º 5º e que, depois, tem tradução, na alínea a) do art.º 8º (Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º), concretizou nas alíneas c) e d) do art.º 8º duas situações às quais está subjacente a violação do dever de comunicação:
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.

A remissão para documentos não assinados pelos contraentes deve ter o regime da alínea d) do art.º 8º.

Quanto ao dever de informação (que complementa o dever de comunicação), já resultava do principio geral da boa fé plasmado no art.º 227º do CC que, durante a fase pré-contratual, fossem prestados os esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada.

Esse dever surge enfatizado no art.º 6º da LCCG, impondo que quem as utiliza deve, além de comunicar as cláusulas, informar o aderente do seu significado e implicações, sendo a intensidade e o modo de executar esse dever função do caso concreto, tendo em consideração as necessidades do homem médio, colocado na situação concreta.

O dever de informação tem em vista proporcionar a compreensão da mensagem subjacente à ou às cláusulas, a sua eficaz apreensão, o conhecimento efectivo da mesma e recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, o facto de haver ou não relações anteriores, o aderente ser uma empresa ou um consumidor final, a formação académica e experiência de contratação do aderente, a possibilidade de um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste compreender por si a cláusula.

Ao contrário do que sucede com o dever de comunicação, a LCCG não comete o ónus da prova do dever de informação ao predisponente das mesmas.

Mas, uma vez que nos termos do art.º 8º alínea b) se consideram excluídas do contrato as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo, deve entender-se que também cabe ao predisponente aquele ónus (no sentido o exposto e com recensão de jurisprudência em sentido idêntico, José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, pág. 94-95).

C – Em concreto
Resulta da factualidade provada – alínea Z 1) que os documentos que consubstanciam os contratos foram entregues pelo colaborador da M... às embargantes, no dia 06/09/2018, para que a legal representante da embargante S... os assinasse e a sua assinatura fosse reconhecida rapidamente, já que aquele colaborador da M..., ficou a aguardar em ... a devolução daqueles, devidamente assinados reconhecidos.

Além disso, no mesmo dia tais documentos transitaram para o escritório de Advogado, para se proceder ao reconhecimento da assinatura, que ocorreu às 14:45 desse dia, em ambos os casos.

E ainda no mesmo dia, tais documentos transitaram do escritório daquele Advogado, para as instalações da embargada, onde, também no mesmo dia, foram devolvidos, já assinados e reconhecidos, ao colaborador da M..., que os levou consigo.

Ficou ainda provado – alínea AA) – que as embargantes não leram os contratos.

Face à factualidade provada e nomeadamente face ao último facto – as embargantes não leram os contratos -, impõe-se concluir que as embargantes não tomaram conhecimento efectivo do respectivo clausulado antes da sua assinatura (não foi feita prova desse conhecimento efectivo).

Mas, como ficou referido, o dever de comunicação não visa o conhecimento efectivo, mas possibilitar esse conhecimento.

Perante a factualidade provada impõe-se concluir que a comunicação do clausulado contratual foi efectuada de modo adequado pois não há dúvidas que os documentos que consubstanciam os contratos foram entregues às embargantes, que os tiveram na sua posse, podendo, assim, proceder à sua leitura.

Quanto à antecedência, estão em causa dois contratos de locação financeira de dois veículos pesados (o que se conclui tendo em consideração o valor dos contratos, o modelo indicado – cfr. alíneas C) e G), a consulta na internet e o objecto social da embargada S... – cfr. alínea BB) ), cada um deles pelo prazo de 38 meses, sendo o valor mensal de cada renda de cerca de € 1.300,00, já com IVA incluído, o que implica um pagamento de cerca de € 50.000,00 por cada contrato, num total de mais de € 100.000,00, ou seja, estamos perante contratos certamente importantes.

E muito embora não tenha ficado provado que as embargantes tinham conhecimento de clausulado semelhante aos dos contratos dos autos, não deixa de relevar o facto de ter ficado provado - alínea BB) - que a sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias e - alínea CC) - que as Embargantes (…) já outorgaram outros contratos de leasing com outras entidades.

Por outro lado, cada um dos documentos (e bastava ler um, tendo em consideração que o seu clausulado é idêntico) tem 8 páginas e 26 cláusulas - ainda que algumas delas tenham vários números -, não sendo de difícil leitura, bastando um par de horas para tal (havendo no mercado clausulados contratuais gerais muito mais extensos e com elevada complexidade).

Destarte, o facto de a entrega dos documentos e a devolução dos mesmos se ter processado no mesmo dia, não era impedimento à leitura do documento.

Note-se, aliás, que as embargantes nada invocaram que a tal obstasse, sendo manifestamente insuficiente o facto de ter sido pedido que a assinatura e reconhecimento se processassem rapidamente, pois, como se disse, não só bastaria um par de horas para ler o documento – note-se que o reconhecimento teve lugar às 14:45 do dia 06/09/2018 -, como, caso fosse necessário mais tempo para ler ou caso se suscitassem dúvidas quanto a alguma cláusula, nada obstava – nada foi alegado nesse sentido – a que se sustasse a assinatura, como, além disso, tendo o documento transitado para um Sr. Advogado, a fim de proceder ao reconhecimento da assinatura, nada obstava – nada foi alegado nesse sentido – a que tivesse sido solicitado ao mesmo os esclarecimentos pertinentes.

Neste circunstancialismo, conclui-se que o clausulado foi comunicado de modo adequado e com a antecedência necessária para que as embargantes, fazendo uso da comum diligência, pudessem tomar conhecimento do seu clausulado, pelo que se tem por cumprido o dever de comunicação.

E também neste contexto deve ter-se por cumprido o dever de informação, pois, uma vez entregues os documentos, seria possível a um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação das embargantes – refira-se, mais uma vez, ter ficado provado (alínea BB)) que a “sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias” e que (alínea CC) as “Embargantes estão ligadas ao setor dos transportes e (…) já outorgaram outros contratos de leasing com outras entidades.” -, que procedesse à sua leitura (bastaria a leitura de apenas um deles, já que são idênticos) e, assim, compreender a mensagem subjacente às cláusulas impugnadas.

Assim e concretamente que:
- a cláusula 12.5. prevê, em primeiro lugar, que aquando da restituição do veículo locado, a locadora procederá a uma inspeção ao veículo, para verificação do cumprimento do disposto no Contrato e seja lavrado um Auto de devolução; em segundo lugar que, caso se verifique que o locatário não deu cumprimento ao previsto Cláusula 8ª, alíneas j) e o) – esta cláusula estipula as obrigações do locatário e prevê, na alínea j) a obrigação de submeter o veículo às inspecções periódicas e a inspeções (revisões) segundo os intervalos e instruções de manutenção preconizadas pela marca, utilizando peças originais da respectiva marca, líquidos, lubrificantes e óleos autorizados e homologados pela marca do veículo e na alínea o) a obrigação de manutenção, conservação e reparação, normal  e extraordinária, do veículo, nas oficinas da marca (o que não pode ter nada de estranho para as embargantes, atenta a sua posição de locatário, que deve preservar a coisa cujo gozo lhe foi concedido e a sua actividade e conhecimentos) - o locatário obriga-se a indemnizar o locador no montante correspondente a 10% (dez por cento) do Valor Residual, a título de cláusula penal, sem prejuízo da indemnização prevista no ponto 15.4.
- a cláusula 14.3 constitui, na primeira parte, uma confissão de divida do que for devido nos termos do contrato e na segunda parte, estipula-se a ordem por que as prestações que estiverem em divida serão pagas pelas quantias entregues pelo locatário;
- a cláusula 15.4. prevê que em caso de resolução do Contrato pelo locador, terá três direitos: i) o direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas; ii) o direito a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros; iii) e ainda a um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com valor residual quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato ou de um montante indemnizatório igual a 20% (da soma das rendas vincendas com valor residual) quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.

Impõe-se, aliás, referir que as embargantes não alegaram quais os aspectos compreendidos nas cláusulas impugnadas cuja aclaração se justificava, podendo, portanto, presumir-se, que já depois de as terem lido, as mesmas não lhes suscitam dúvidas de compreensão.

D –  Cláusulas relativamente proibidas
Dispõe o art.º 17º da LCCG que nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção e da anterior.

Tendo em consideração que estão em causa nos autos dois contratos de locação financeira de dois veículos pesados e que - alínea BB) - a sociedade Embargante tem como objeto social o transporte rodoviário, nacional e internacional, de mercadorias por conta de outrem e através de veículos pesados de mercadorias, temos que os contratos dos autos tiveram como intervenientes dois empresários, no âmbito da sua actividade específica.

E nos termos do art.º 19º da LCCG são (relativamente) proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que:
(…)
c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes;
(…)

Atentemos no corpo da norma e na expressão “quadro negocial padronizado“.

Referem Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 46, que “o juízo valorativo não se realiza tomando como referência os vários contratos uti singuli, mas a partir das cláusulas – em si próprias e encaradas no respectivo conjunto – para eles abstractamente predispostas.”

E Almeno de Sá, in ob. cit. pág. 259 refere:
“Quanto ao concreto horizonte de referência, remete-nos a lei para o “quadro negocial padronizado”, a significar que a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto.”

Assim, o juízo valorativo a que alude cada uma das alíneas do art.º 19º, afere-se analisando, não apenas uma cláusula em si mesma, mas essa cláusula no conjunto do clausulado de que faz parte e tendo em consideração a actividade a que ele se reporta.

Neste contexto, uma cláusula pode ser nula num determinado contrato e válida em outro.

Ao determinar que o juízo valorativo seja alcançado tendo em consideração o quadro negocial padronizado, a lei afasta a consideração de eventuais circunstâncias particulares do negócio concreto.

Entrando agora na análise da alínea c), coloca-se desde logo a questão do âmbito de aplicação da norma, no que respeita à expressão “cláusula penal”.

Em termos gerais o art.º 810º, n.º 1 do CC dispõe que «as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal».

A cláusula penal é, assim, a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível ao devedor que não cumpre, como sanção pela falta de cumprimento.

Como refere Galvão Teles - in Direito das Obrigações, 7ª edição, p. 437 a 440 - a cláusula penal insere-se na categoria, mais geral, que a doutrina tem denominado de «cláusulas reguladoras da responsabilidade» e consiste na «convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer em caso de eventual inexecução do contrato. Trata-se de liquidação convencional antecipada dos prejuízos, tomando o termo liquidação no sentido técnico de determinação do montante de uma obrigação de quantitativo incerto. A liquidação é feita, aqui, «à forfait», visto não se saber ainda qual o valor real  dos prejuízos nem mesmo eles se virão a produzir-se...  A cláusula penal, destinando-se a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, é exigível nos mesmos casos em que essa indemnização poderia ser reclamada. Supõe, portanto, nos termos gerais, a inexecução da obrigação e culpa da parte do devedor, isto é, só pode ser efectivada se este culposamente não tiver cumprido o contrato».

Também Calvão da Silva - in Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória, 1995, p. 247 e 248 -  define a cláusula penal como «a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária».

Mas a cláusula penal pode exercer uma dupla função.

Pode efectivamente ser estipulada para facilitar o cálculo de indemnização exigível. Prevê-se, de forma fixa e invariável, pondo-se de lado a convenção prevista no art. 811º/2 do C.Civil, quais as consequências indemnizatórias do incumprimento imputável ao devedor e, por via disso, proporciona ao credor uma previsão segura e expedita da reparação a que terá direito, pondo-o ao abrigo das dificuldades e incertezas ligadas à prova do dano e ao apuramento do seu montante. A cláusula penal constitui, deste modo, um óbvio factor de programação e de uniformização e, em especial através da «contenção da litigiosidade», de economia de meios e simplificação de processos - neste sentido, Joaquim de Sousa Ribeiro, in Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, 1992, p. 45.

Mas também pode ser estipulada para constituir um reforço/agravamento da indemnização devida pelo obrigado faltoso (isto é, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei) para o estimular de modo especial ao cumprimento (sendo um plus à indemnização normal  para que o devedor, com receio da sua aplicação, seja menos tentado a faltar ao cumprimento) e, por via disso, nestes casos, a cláusula penal extravasa a ideia de “reparação”, que está subjacente ao instituto da responsabilidade civil, aproximando-se de uma ideia cominatória, repressiva ou punitiva (própria do direito criminal - daí a palavra «penal»).

Neste quadro, afirma-se que a cláusula penal tem em regra uma dupla função: indemnizatória, pela prévia fixação da indemnização devida ao credor; e coerciva ou compulsória, pela pressão que é susceptível de causar no sentido do cumprimento da obrigação.

Nas palavras de Calvão da Silva – ob. cit. pág. 248 - «dada a sua simplicidade e comodidade, a cláusula penal moratória é instrumento de fixação antecipada, em principio "ne varietur", da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, e pode ser eficaz meio de pressão ao próprio cumprimento da obrigação. Queremos com isto dizer que, na prática a cláusula penal desempenha uma dupla função: a função ressarcidora e a função coercitiva. No que concerne à primeira destas funções, a cláusula penal prevê antecipadamente um "forfait" que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto. Incidindo sobre o momento ressarcitório da dinâmica contratual, através dela as partes pré-avaliam o dano e liquidam-no de uma maneira " forfaitaire" (invariável ) e preventiva. O que significa que o devedor, vinculado à cláusula penal, não será obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor com o seu incumprimento ou cumprimento não pontual, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente e negocialmente através daquela, sempre que não tenha sido pactuada a ressarcibilidade do dano excedente (art. 811º/2). Determinação "forfaitaire" e preventiva do dano devido, a cláusula penal simplifica a fase ressarcidora - ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz, para esse efeito, a alegação e prova do dano concreto - e é sempre exigível, desde que o inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação principal seja imputável ao devedor. Por conseguinte, mesmo que o devedor prove não ter resultado nenhum dano do seu incumprimento ou retardado cumprimento a pena negocial é devida... Ela funciona, também, como poderoso meio de pressão de que o credor se serve para determinar o seu devedor a cumprir a obrigação, desde que o montante da pena seja fixada numa cifra elevada, relativamente ao dano efectivo. O caracter elevado da pena constrange indirectamente o devedor a cumprir as suas obrigações, visto desencorajá-lo ao não cumprimento, pois este implica para si uma prestação mais onerosa do que a realização, nos termos devidos, da originária prestação a que se encontra adstrito. Esta maior onerosidade do incumprimento é de natureza a incitar o devedor a realizar a prestação devida, dada a ameaça de sanção que si recai em caso de inadimplemento, e, assim, reforça e garante realmente a obrigação principal, exercendo pressão sobre o devedor no sentido do seu cumprimento».

A cláusula penal pode ser estipulada para tanto para o caso de incumprimento definitivo (não cumprimento) do contrato como para o caso da simples mora (atraso no cumprimento): no primeiro chama-se cláusula penal compensatória; no segundo caso chama-se cláusula penal moratória - cfr. art. 811º do C.Civil - neste sentido, Galvão Teles, in obra citada, p. 444 e 445; Calvão da Silva, in obra citada, p. 248; Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ªedição, p. 137.

Tendo em consideração a literalidade da norma - cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir -, está certamente abrangido no seu âmbito de aplicação as cláusulas penais estipuladas para facilitar o cálculo de indemnização exigível, mas também o das cláusulas penais que tenham uma dupla função: indemnizatória, pela prévia fixação da indemnização devida ao credor; e coerciva ou compulsória, pela pressão que é susceptível de causar no sentido do cumprimento da obrigação, uma vez que dificilmente será possível distinguir a medida de cada uma das funções.

Em terceiro lugar e relativamente à expressão “desproporcionadas”, importa assinalar que se prevê um critério valorativo diferente do previsto no art.º 812º do CC, quando prevê que a “cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva,…”.

Assim e no caso da norma em apreço, não é necessário que a desproporção seja “manifestamente excessiva”, bastando que seja simplesmente desproporcionada.

E isto porque, como refere José Manuel Araújo de Barros, in ob. cit. pág. 236, “é ainda por referência à razão de ser do regime das cláusulas contratuais gerais, na medida em que intenta a correção de uma desigualdade e a prevenção de abuso contratual, que deve haver uma menor tolerância de cláusulas favoráveis ao predisponente, relativamente á admitida no regime geral, concernente a contratos negociados. O que impõe que o juízo de valor sobre o carácter abusivo de determinada cláusula favorável ao predisponente seja mais exigente do que aquele que incidiria sobre a mesma, caso esta tivesse resultado de negociação.”

A cláusula será desproporcionada se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, ou seja, tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder à medida do equilíbrio pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio em detrimento da contraparte do utilizador. (cfr. Almeno de Sá, in ob. cit., pág. 262).

Em quarto lugar e quanto à expressão “danos a ressarcir”, “os prejuízos a considerar não são os efectivamente suportados, no caso concreto, pelo contraente singular, antes porém os que normal e tipicamente resultam dentro do quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, da insatisfação do credor. Ou seja, no cômputo  dos danos deverá seguir-se critérios objectivos, numa avaliação prospectiva guiada por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta os factores que em casos daqueles género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos.” (cfr. Sousa Ribeiro, in Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais», in Direito dos Contratos, pág. 138 a 142).

Dever-se-ão, assim, considerar os danos típica e previsivelmente a ressarcir, não sendo correcto considerar as vicissitudes o contrato em que se integra a cláusula a apreciar (idem Sousa Ribeiro, in ob. cit., pág. 139)

Relativamente à alínea d), visa “retirar valor declarativo ao silêncio, quando ele lhe tenha sido atribuído convencionalmente” (Ana Prata, ob. cit. pág. 472).

José Manuel Araújo de Barros, in ob cit., pág. 286, refere que esta norma se inspirou nos n.ºs 5 e 6 do § 10º da AGB-Gesetz alemã (ora constante do BGB, sob os n.ºs 5 e 6 do § 308) e que o n.º 5 restringe o recurso o recurso a cláusulas que considerem como emitida ou não emitida uma declaração do parceiro contratual do predisponente com base na prática ou omissão por ele, de determinado acto, a não ser que lhe tenha sido concedido prazo adequado para emitir declaração expressa ou que se chame expressamente a atenção para o significado desse acto. O n.º 6 reporta-se a cláusulas que prevejam que declarações relevantes do predisponente sejam consideradas, sem mais, como tendo chegado ao poder do outro contraente.

Esta alínea d) tem sido suscitada, essencialmente, perante cláusulas como as seguintes: que permitiam a um banco alterar unilateralmente as cláusulas do contrato e considerar aceites aquelas que, comunicadas à contraparte, não merecessem desta qualquer reacção em 15 dias; que fixava em 15 dias o prazo para aceitação ou rejeição da alteração negocial; que estipulava que o extracto seria enviado para a morada do titular indicada na proposta de adesão e se considerava a dívida reconhecida se não houver reclamação no prazo de 7 dias seguido, contados da data da recepção do extracto na referida morada; que estipulava que se o titular não aceder ou receber  um extracto até ao dia 10 de um determinado mês devia informar o Banco até dia 17 desse mesmo mês, sob pena de aquele presumir o acesso ou a recepção do extracto ( cfr. Ana Prata, ob cit. pág. 472-478); que estipula que o extracto de conta enviado pelo banco ao titular do cartão de crédito se considerará exacto se não for recebida nenhuma comunicação, po escrito, em contrário, em determinado prazo (José Manuel Araújo de Barros, in ob. cit., pág. 287).

No Ac. do STJ de 16/10/2014, proc. 2476/10.9YXLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj , estava uma causa com o seguinte teor:
K) A cláusula 3., sob a epígrafe "Confissão de Dívida", das "Condições Gerais - Crédito Auto", estipula o seguinte:
«O Cliente desde já se confessa devedor ao AA V... da totalidade da quantia mutuada, juros e demais encargos previstos nas presentes Condições Gerais e nas Condições Particulares».

O STJ no citado Acórdão considerou que a referida cláusula não padecia de nulidade à luz da alínea d) do art.º 19º, tendo ponderado o seguinte:
Desde logo – e como parece admitir o acórdão recorrido - não suscita particular reserva a circunstância de, num contrato de mútuo, o mutuário se considerar expressamente devedor do capital mutuado e dos respectivos juros, legal ou contratualmente devidos: na verdade, tal representa um efeito normal e inelutável do tipo ou espécie contratual em causa, carecendo de efeito inovatório tal acto recognitivo de um débito que já decorria claramente da natureza do contrato celebrado e das cláusulas que o integravam, não implicando tal reconhecimento explícito do débito, inserido em cláusula do próprio contrato, qualquer particular agravamento da posição do mutuário.

O mesmo se verifica., aliás, referentemente ao reconhecimento da responsabilidade pelos encargos – naturalmente apenas os encargos especificadamente previstos nas condições gerais e particulares: trata-se, apenas e tão somente, de reconhecer a responsabilidade pelo pagamento de débitos acessórios e eventuais, decorrentes nomeadamente de certas vicissitudes da relação contratual, não parecendo que possa fundar-se na cláusula do próprio contrato que contém tal acto recognitivo do débito qualquer inversão às regras atinentes à normal repartição do ónus da prova, podendo naturalmente o mutuário questionar, nos termos gerais de direito, quer a responsabilidade pelos encargos que, porventura, lhe sejam exigidos, quer os respectivos montantes.

E – Em concreto
E-1 – Análise à luz da alínea c) do art.º 19º
Como já ficou referido supra, não resulta que alguma das quantias que integram a quantia global inscrita nas livranças, tenha qualquer relação com a cláusula 12.5., pelo que nenhum sentido existe em considerar a mesma como integrado o âmbito das questões suscitadas, o que se traduziria na prática de um acto inútil proibido por lei ( art.º 130º do CPC).

Recorde-se o teor da cláusula 14.3:
14.3 - O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato, das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços, quando aplicável, segundo a ordem referida. Encontrando-se em atraso prestações de natureza diversa, o locador afetará os pagamentos realizados pelo locatário, pela ordem descrita no presente número.

É manifesto que esta cláusula não estabelece qualquer cláusula penal, já que não prevê qualquer indemnização, pelo que, não tendo tal objecto, não pode a mesma ser confrontada com a alínea c) do art.º 19º.

A cláusula 15.4 tem o seguinte teor:
15.4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de resolução do Contrato pelo locador, este terá o direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, e ainda a um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com o valor residual quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato ou de um montante indemnizatório igual a 20% quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato, sem prejuízo do direito do locador de exigir a reparação integral dos seus prejuízos.”

Esta cláusula prevê uma indemnização em caso de resolução, distinguindo duas situações: a) um montante indemnizatório igual a 30% da soma das rendas vincendas com o valor residual, quando a resolução ocorra no primeiro ano do Contrato; b) um montante indemnizatório igual a 20%, quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato.

Neste ponto importa considerar que a apreciação judicial da nulidade de uma cláusula contratual geral à luz do disposto na alínea c) do art.º 19º, no âmbito de uns autos como os presentes – embargos de executado –, em que se visa obstar à produção dos efeitos do título executivo, impedindo que o título valha pelo valor nele inscrito, deve ser efectuada tendo em consideração a dimensão em que a mesma foi aplicada no caso concreto, pois só assim aquela apreciação terá sentido útil e assim se dará cumprimento ao dever dos tribunais resolverem litígios concretos.

Tendo em consideração que o contrato n.º ...40, só vigorava a partir de 28/09/2018 (cfr. alínea D) dos factos provados) e o contrato n.º ...47, só vigorava a partir de 05/11/2018 (cfr. alínea H) dos factos provados) e que as cartas de resolução foram enviadas a 19/01/2021 (cfr. alínea S) dos factos provados), temos que a resolução ocorreu após o primeiro ano de vigência do contrato.

Por outro lado, está provado que cada um dos contratos foi celebrado por 38 meses, sendo que o contrato n.º ...40 teria o seu termo a 28/12/2021 e o contrato n.º ...47 teria o seu termo a 05/02/2022 (cfr. alíneas D) e H)) e o valor unitário de cada renda era, em ambos os contratos, de € 1.309,08 ( cfr. alíneas E) e I)).

Está também provado que o valor residual era quase idêntico: no contrato n.º ...40 era de 54.427,50 € e no contrato n.º ...47 era de 54.427,48 €” (cfr. alíneas I 2) e I 3)).

Resulta da alínea S) que os contratos foram resolvidos por cartas de 19-01-2021.

O valor indemnizatório que tem suporte na cláusula 15.4, constante da alínea e) da alínea U), relativa ao contrato n.º ...40 é de € 13.741,58 e o constante da alínea V), relativa ao contrato n.º ...47 é de € 14.000,91.

Conjugando todos os referidos elementos impõe-se concluir que os referidos montantes indemnizatórios foram calculados aplicando a cláusula em apreço na dimensão que prevê: “… e ainda (…) um montante indemnizatório igual a 20% quando a resolução ocorra após o primeiro ano de Contrato…”,

De referir que muito embora a estipulação não indique expressamente sobre que realidade se há-de calcular os referidos 20%, deve entender-se que se aplica a realidade indicada para os 30% - “da soma das rendas vincendas com o valor residual”, que, assim, não se repetiu por inutilidade.

É, portanto, esta dimensão que para o caso dos autos interessa apreciar.

Como assinala José Manuel Araújo de Barros, in ob cit. pág. 249, uma cláusula idêntica à referida tem sido submetida ao crivo judicial, havendo decisões que a têm considerado válida e decisões que a têm considerado inválida (cfr. pág.s 253 a 289).

Dada a extensão da recensão ali realizada, para ali remetemos, sem prejuízo de se considerar, desde já, que a maioria dos acórdãos tem considerado que uma cláusula idêntica à que aqui cumpre apreciar, não viola o disposto na alínea c) do art.º 19º da LCCG (vd a título meramente exemplificativo os Ac.s do STJ de 03/10/2002, processo 02B1499, de consultável in www.dgsi.pt/jstj, de 03/06/2003, processo 02A2973).          

Em primeiro lugar impõe-se observar que a cláusula em referência se afigura como tendo a dupla função supra assinalada: fixação antecipada da indemnização e coercitiva, ou seja, quis-se prefixar a indemnização pela resolução por incumprimento, mas também que essa indemnização funcionasse como meio de pressão com vista ao seu cumprimento, como um desmotivador do seu incumprimento.

Em segundo não se vislumbram razões que permitam concluir que a cláusula que permite à embargada exigir dos embargantes 20% do resultado da soma das rendas vincendas com o valor residual seja desproporcionada.

E isto porque com a resolução dos contratos, o simples recebimento das prestações vencidas até à resolução do contrato não indemniza completamente a locadora, que não só não obtêm a remuneração do capital investido na aquisição do bem, para a hipótese de os contratos serem integralmente cumpridos, como corre o risco de não recuperar o capital investido na aquisição dos bens (incluído nas rendas vincendas e no valor residual, que também o visam amortizar), já que, mesmo obtendo a restituição dos bens locados, os mesmos são restituídos usados e desvalorizados – é da experiência comum -, o que torna mais difícil ou mesmo impossível um qualquer novo acordo quando à cedência do respetivo gozo ou a transmissão por um preço que, associado pagamentos recebidos, lhe permita aquela recuperação.

Neste contexto, a cláusula em apreço está ajustada à natureza do contrato, dela não resultando desproporção que afecte o equilíbrio do contrato, pelo que a mesma não é nula à luz do disposto na alínea c) do art.º 19º da LCCG.

E – 2 - Análise à luz da alínea d) do art.º 19º
Como já ficou referido supra, não resulta que alguma das quantias que integram a quantia global inscrita nas livranças, tenha qualquer relação com a cláusula 12.5., pelo que nenhum sentido existe em considerar a mesma como integrado o âmbito das questões suscitadas, o que se traduziria na prática de um acto inútil proibido por lei (art.º 130º do CPC).

E o mesmo se aplica à cláusula 15.4., cujo sentido é de estabelecer uma cláusula penal.

Destarte, apenas cumpre analisar a cláusula 14.3, a qual tem o seguinte teor:
14.3 - O locatário confessa-se devedor ao locador das comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações decorrentes do presente Contrato, das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços, quando aplicável, segundo a ordem referida. Encontrando-se em atraso prestações de natureza diversa, o locador afetará os pagamentos realizados pelo locatário, pela ordem descrita no presente número.

Na primeira parte da cláusula consta uma declaração confessória expressa de dívida.
Porém, a sua eficácia está sujeita a uma condição que é de as “comissões, despesas, encargos, juros, de quaisquer indemnizações ou compensações” serem “decorrentes do presente Contrato” e “das rendas e das prestações correspondentes a seguros e serviços”, “quando aplicável”, ou seja, em função do contrato.

Sendo este o sentido da referida cláusula, não se vislumbra qualquer elemento que permita afirmar que a mesma atribui algum valor ao silêncio e concretamente que a mesma considere emitida uma declaração do aderente, com base na omissão por ele, de determinado acto; que considere aceite, pelo locatário, sem mais, de forma incondicional,  todas e quaisquer quantias que sejam liquidadas a título de “comissões, despesas, encargos, juros, (…) indemnizações ou compensações” e “rendas e (…) prestações correspondentes a seguros e serviços”; que preveja que alguma declaração da locadora seja considerada, sem mais, como tendo chegado ao poder do outro contraente; que preveja qualquer presunção de aceitação.

Além disso, não há qualquer obstáculo a que o locatário invoque a inexigibilidade de quaisquer quantias peticionadas a título de “comissões, despesas, encargos, juros, (…) indemnizações ou compensações” e “rendas e (…) prestações correspondentes a seguros e serviços”, invocando, não só que não têm suporte no contrato, como não estão correctamente liquidadas.

Por isso, não se vislumbra um particular agravamento da posição do mutuário.

Na segunda parte da cláusula consta uma cláusula de imputação de pagamentos, matéria regulada supletivamente nos art.ºs 783º a 785º do CC e que nenhum elemento permite colocar em crise à luz da alínea d) do art.º 19º

Conclusão
Improcedentes que foram todas as questões suscitadas, impõe-se concluir que o recurso deve ser julgado improcedente.

8. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar o recurso totalmente improcedente.

Custas da apelação pelas reclamantes – art.º 527º n.º 1 do CPC

Notifique-se

14/09/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)