PER
OPORTUNIDADE DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS
INADMISSIBILIDADE DE APRESENTAR PER
CONTROLO DOS PRESSUPOSTOS MATERIAIS À POSTERIORI
Sumário


1. O PER é um processo por uma forte componente extrajudicial, com a intervenção do juiz circunscrita a alguns momentos processuais decisivos, mormente no controlo inicial, na decisão de impugnação de créditos, no cômputo dos votos e na decisão de homologação ou não homologação e para a eventual declaração de insolvência.
2. Ainda que o tribunal recorrido tenha admitido liminarmente o requerimento de apresentação a PER e nomeado administrador judicial provisório, pode o controlo dos pressupostos materiais ser feito posteriormente (no despacho de homologação, ou em momento anterior, se o administrador judicial provisório suscitar a questão perante o juiz.
3. Tendo a requerente do PER alegado que a interposição do processo deriva de fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente alheia à empresa, vindo um credor a apresentar requerimento alegando a inadmissibilidade do PER por suposta inobservância do hiato de 2 anos, não deve o tribunal recorrido deferir tal pretensão em momento anterior ao despacho de homologação, sob pena de não se dar a possibilidade de os credores se pronunciarem sobre um plano de recuperação, aprovando-o ou rejeitando-o, e sem que o administrador judicial provisório haja apresentado o subsequente parecer fundamentado sobre se tais alterações supervenientes por razões alheias à empresa se verificaram, e se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.

Texto Integral


 Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Em 18 de janeiro de 2023 foi proferido o seguinte despacho, referência citius ...17:
“E... Unipessoal, Lda.” veio intentar o presente processo especial de revitalização.
Alegou estar em situação económica difícil, reunindo, porém, as condições necessárias para a sua recuperação.
Foi proferido despacho a admitir o presente processo especial de revitalização e a nomear o administrador(a) judicial provisório(a), nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A... S.L. veio, por requerimento apresentado em 18-11-2022 (refª ...12), dizer que tomou conhecimento, através da plataforma eletrónica Citius de publicidade de processos especiais de revitalização, que a Requerida apresentou um requerimento a manifestar de vontade de se apresentar ao Processo Especial de Revitalização, nos termos e para os efeitos do artigo 17.º- C, n.º1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Em primeiro lugar, a Requerida apresentou-se, a 26.04.2019, a um Processo de Especial de Revitalização, o processo seguiu os seus trâmites, tendo o processo transitado em julgado, quando o Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação apresentada pela Requerida, tendo notificado as partes dessa decisão a 07.02.2022.
Na sequência dessa decisão e do parecer do administrador judicial competente, a 21.04.2022, foi proferido despacho a decidir pelo encerramento do processo, sendo que a decisão desse processo foi determinada pela alínea b) do Artigo 17.º-J do CIRE.
Ora, tendo o processo sido encerrado sem aprovação ou homologação do plano de recuperação e tendo sido cumprido os trâmites previstos no artigo 17.º-G do CIRE, nos termos e para os efeitos do n.º 8 do referido artigo, a Requerida encontra-se impedida de recorrer ao processo especial de revitalização pelo prazo de 2 anos.
Isso significa que, cumprindo os termos da lei, a Requerida só tinha o direito de requerer a abertura de um novo processo de especial e revitalização a 22.04.2024.
Conclui que se julgue o Requerimento apresentado pela Requerida totalmente improcedente, declarando extinto o presente Processo Especial de Revitalização.
Respondendo, veio a devedora dizer que no âmbito do anterior processo de revitalização requerido pela Devedora, correspondente ao nº...9..., que correu termos neste tribunal, no Juízo de Comércio - Juiz ..., o plano de recuperação apresentado pela devedora foi aprovado por 82,41% dos votos emitidos, ou seja, por larga maioria dos votos dos credores. Contudo, o plano de recuperação veio a ser objeto de sentença de recusa de homologação, por violação do princípio da igualdade. No entanto, é facto inatacável que a devedora não se encontra em situação de insolvência, tendo a Sra. Administradora Judicial e o Tribunal se pronunciado no sentido da não situação de insolvência da devedora.
A devedora encontra-se em situação económica difícil, mas suscetível de recuperação, o que motiva a apresentação do presente processo especial de revitalização (art.º 17º-A, n.º 1, do CIRE).
Continua dizendo que estando reunidos os demais requisitos legalmente previstos, nenhum obstáculo se levanta a que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no citado n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE (aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação), conforme sufragado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26-09-2016, proferido no âmbito do processo nº5200/15.6T8OAZ-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. (refª 13835148, de 02-12-2022).

Vejamos.

Resulta dos autos e do processo nº 2543/19.... que:
1. Em 12-04-2019, a devedora requereu processo de revitalização, que correu termos sob o nº 2543/19...., neste Juízo de Comércio - Juiz ....
2. O plano de recuperação apresentado pela devedora foi aprovado por 82,41% dos votos emitidos.
3. As credoras “A..., SL” e “A..., Unipessoal, Lda.”, requereram a não homologação do plano.
4. O plano foi homologado por sentença de 11-10-2019.
5. As credoras A... SL e A... Lda. recorreram, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que revogou a decisão da 1ª instância, recusando a homologação do plano de recuperação.
6. A “E... Unipessoal, Lda.” interpôs recurso de revista ‘excecional’ ao abrigo do disposto no artigo 14º, n.º 1, do CIRE, a qual não foi admitida.
7. Foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que foi julgado improcedente.
8. Em 21-04-2022. ao abrigo do disposto no art.º 17 J,1b) CIRE, foi declarado encerrado o presente processo.
Apreciando.
Defende a devedora que nada impede o presente PER sem que esteja decorrido o prazo inibitório de dois anos estabelecido no nº 6 do art. 17º-G do CIRE, porquanto, segundo defende, tal prazo apenas se aplica às estritas hipóteses expressamente previstas no dito art. 17º-G, e não às hipóteses - como é o caso do anterior PER que havia suscitado (processo nº 2543/19....) - previstas no art. 17º-F do mesmo CIRE, em que chegou a ser aprovado um plano de recuperação não homologado.
Dispõe o artigo 17.º-G - Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação:
1 - Caso a empresa ou alguma das maiorias dos credores previstas nas alíneas a) a c) do n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 7 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível por meios eletrónicos, e publicá-lo no portal Citius.
2 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada.
3 - Compete ao administrador judicial provisório, na comunicação a que se refere o n.º 1 ou após ter conhecimento da comunicação da empresa a que se refere o n.º 2, mediante a informação de que disponha e após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência.
4 - Quando o administrador judicial provisório concluir que a empresa ainda não se encontra em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
5 - Quando o administrador judicial provisório concluir pela insolvência da empresa, a secretaria do tribunal notifica a empresa para, em cinco dias, se opor, por mero requerimento.
6 - Caso a empresa se oponha, o juiz determina o encerramento e arquivamento do processo, que acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
7 - Caso a empresa não se oponha, a insolvência deve ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
8 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
9 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo declarada a insolvência da empresa por aplicação do disposto no n.º 7, os credores constantes daquela lista não necessitam de reclamar os créditos ali relacionados nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º
Assim, no que aqui interessa, nos termos do nº 8 da norma do citado art. 17º-G, do CIRE, «o termo do processo de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos:”
É verdade que a limitação temporal em questão apenas existia para os casos de conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano, no entanto, com a redação dada ao n.º 9 do art. 17º E, pela DL nº 79/2017, de 30.6, tal também se estendeu aos casos em que o juiz não homologue o acordo.
Na verdade, aquele diploma alterou parcialmente o enquadramento jurídico do processo especial de revitalização.
E assim, se antes desta alteração a impossibilidade temporária (dois anos) de recurso a novo PER só estava expressamente prevista para o caso de conclusão do processo negocial sem aprovação de plano de recuperação (art. 17º-G, nº 8 do CIRE), agora está também expressamente prevista essa impossibilidade em caso de conclusão das negociações com a aprovação de plano que o juiz não homologue (art. 17º-F, nº 9, por remissão para o nº 8 do art. 17º-G).
Não pode, por isso, prosseguir este PER, pois, nunca poderá ser homologado, mesmo que viesse a ser aprovado.
Termos em que indefiro o PER, determinando a extinção dos autos.
Custas pela revitalizanda.
Fixo à ação o valor de € 30.000,01 – art. 301º do CIRE.
Notifique.

Inconformada com a decisão, a requerente apelou, formulando as seguintes conclusões:

DA CONTRADIÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA

1 - Analisando a sentença recorrida, concluiu-se desde logo que enferma de contradição entre os fundamentos e a decisão, nomeadamente relativamente ao preceito legal invocado.
2 - Invoca o Tribunal o preceito nº 9 do art. 17º E, pela DL nº 79/2017, de 30.6, contudo, a regulamentação deste artigo, na redação do referido diploma, nada tem a ver a decisão proferida, porquanto, disciplina ali vertida não tem aplicabilidade ao caso concreto, pelo que, a sua invocação, enquanto fundamento de direito, por parte do Tribunal a quo enferma de lapso, tornando a sentença contraditória nos seus fundamentos.
3- A sentença ora recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, devendo ser ordenada a sua revogação, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC.

DA VIOLAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO (ARTIGO 628º CPC):
4 - A presente sentença de indeferimento do PER é inesperada e uma decisão-surpresa, inadmissível, porquanto, não advém de qualquer facto superveniente ou novo ao requerimento inicial apresentado pela Recorrente, na verdade, o requerimento inicial de petição do PER continha todos os factos, documentos e elementos para que o Tribunal se pronunciasse pela admissão ou não admissão do PER, face ao enquadramento legal invocado pelo Tribunal na sentença ora recorrida.
5 - Escalpelizando o requerimento inicial apresentado pela Recorrente, é possível constatar (ao Venerando Tribunal e ao Tribunal a quo) que a Recorrente já havia recorrido a processo especial de revitalização em março de 2019, que correu termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., Proc. nº 2543/19...., que culminou com a aprovação de um plano de recuperação, com os votos favoráveis de 82.41% dos credores, homologado por sentença de 25/09/2013.
6 - Tendo a Recorrente começado a pagar aos credores nos termos do plano que tinha sido aprovado, mesmo sem o trânsito em julgado, juntando para o efeito a cópia da sentença proferida no dia 11.10.2019 como documento nº....
7 -Em virtude do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, por dois credores – A... SL e A... Unipessoal Lda., foi revogado a aprovação do plano, que viria a ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Constitucional, tendo a Recorrente junto aos autos como documento nº... a cópia da Decisão Sumária nº687/2021, proferido pela ... Secção do Tribunal Constitucional no âmbito do processo nº...21.
8 - O despacho de admissão de PER e nomeação de AJP foi publicado no portal Citius em 09.11.2022, tendo a Recorrente notificado os credores, nos quais se incluiu a A..., para participar nas negociações para apresentação de plano conducente à revitalização da Recorrente.
9 - Da decisão de admissão do PER e nomeação do administrador judicial provisório, proferido no dia 08.11.2022, e publicado em Citius no dia 09.11.2022, não coube recurso, nem mesmo da credora A..., pelo que, o despacho transitou em julgado no dia 25.11.2022, tendo sido iniciadas as negociações com os credores e demais efeitos previstos no artigo 17º-E do CIRE..
10 - A credora A... não veio invocar factos novos nem juntar documentos que o Tribunal já não tivesse conhecimento previamente, nomeadamente, por constarem ipsis verbis da petição inicial da Recorrente apresentada a 03.11.2022.
11 - Na sua petição inicial a Recorrente referiu ao Tribunal que já havia recorrido a um primeiro processo especial de revitalização, nomeadamente, aquando artigos 16º e 17º do articulado, sobre qual recaiu decisão de homologação do Plano em 1ª instância e que foi revogada em sede de recurso, tendo a decisão transitado em julgado, juntando cópia do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional.
12 - O Tribunal a quo, munido de todos os elementos em sede de apreciação da petição inicial apresentada pela Recorrente, os quais, repise-se, são exatamente os mesmos que foram invocados pelo credor A... após publicidade do PER, entendeu, e bem, existir condições de procedência do PER, motivo pelo qual, determinou a sua admissão e nomeação administradora judicial provisória nos termos do artigo 17.º-C, n.º 4 do CIRE, e determinado a aplicação dos efeitos do artigo 17º-E do CIRE.
13 - O requerimento apresentado pela credora A... em 18.11.2022 não constituiu pedido de reforma do despacho proferido e publicado a 09.11.2022 nem constituiu recurso nos termos do artigo 14º do CIRE, sendo que, no presente caso, o despacho em causa não é de mero expediente nem emana de mero poder discricionário (artigo 152º, nº4 do CPC ex vi artigo 17º do CIRE, pois não se limita a prover ao andamento regular do processo, na verdade, repercute-se e afeta interesses divergentes de credores nem está confiado somente ao prudente arbítrio.
14 - A recorribilidade do despacho de admissão do PER e nomeação do administrador judicial provisório, não estaria vedada por efeito do artº 630°, CPC, antes possibilitada pelos artºs 627° e 629º e demais normas aplicáveis, ex vi artigo 17º do CIRE, contudo, a credora A... não reclamou nem recorreu, antes conformou-se com a decisão de admissão do PER e nomeação de AJP.
15 - O despacho que admite o PER e determina a nomeação de AJP produz efeitos jurídicos extremamente relevantes na esfera jurídica do devedor, credores e demais interessados, criando segurança jurídica e expetativas legítimas para que seja iniciado, com seriedade, a fase de negociações com os credores.
16 - Há toda uma atividade extrajudicial, gerada, desenvolvida e porventura concluída fora dele, decorrente do despacho proferido no dia 08.11.2022 de aceitação do PER e nomeação de administrador, projetada na pessoa da devedora, da administradora judicial nomeada e dos credores, por estes protagonizada e materializada nas reclamações de créditos e nas negociações já encetadas e em curso com vista à aprovação de um Plano de Recuperação da empresa.
17 - O juiz “a quo” ao proferir o despacho que nomeia o administrador judicial provisório e dá continuidade ao processo está também a fazer uma apreciação sobre os requisitos de admissibilidade do PER e a sancionar — mal ou bem — a sua verificação, o que no caso concreto ocorreu, tendo o Tribunal a quo decidido que se existam condições para a procedência do PER.
18- No caso em apreço, salvo melhor entendimento, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de reclamação (art. 628.º CPC, ex vi 17º do CIRE), e o prazo de reclamação é de dez dias (art. 149.º, CPC) ou quinze dias (artigo 638º, nº1 do CPC).
19 - A sentença ora proferida conduz a uma violação grave e intolerável do trânsito em julgado da decisão anteriormente proferida de admissão do PER e nomeação da AJP, colidindo frontalmente com a noção de trânsito em julgado consagrada no artigo 628º CPC.
20 - Pelo que se pode retirar de tudo o supra exposto que sentença recorrida manifestamente viola várias disposições e princípios legais, entre eles, confiança, segurança jurídica, caso julgado, não podendo permanecer na ordem jurídica.

DA INAPLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO TEMPORAL DO ARTIGO 17º-G, Nº8 AO CASO CONCRETO / DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 17º-F, Nº14 DO CIRE

21 - A Recorrente não acolhe os fundamentos aduzidos pelo Tribunal a quo, contrariam a linha da argumentação jurídica apresentada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/05/2018, nº312/18.7T8STR.E1, disponível em www.dgsi.pt, que escalpeliza a regulamentação prevista no artigo 17-G e 17-F, do CIRE, sufragando uma posição que integralmente concordamos e data vénia transcrevemos: “Caso o plano de recuperação tenha sido aprovado pela maioria dos seus credores nos termos previstos no artigo 17º-F, nºs 1 a 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sempre que o processo venha a ser encerrado devido a uma decisão de não homologação, desde que se mostrem verificados os requisitos legais exigidos para o efeito, o requerente pode apresentar-se a novo processo de revitalização na hipótese de se encontrar em situação económica difícil ou de insolvência iminente sem necessidade de aguardar o prazo de dois anos consignado no nº 6 do artigo 17º-G do diploma em apreciação.”
22- O legislador, quis colocar e colocou o atual nº9 e o nº 14 no art.º 17 F do CIRE sob a epígrafe “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa”, ou seja, quis colocar estas normas nos casos em que se obtém a aprovação de um plano de recuperação.
23 - A alteração preconizada neste artigo 17-F do CIRE, e sobretudo a inclusão do seu atual nº 14º, respeita o que foi pretendido pelo legislador no sentido em que pretendeu de facto criar uma “válvula de escape” a situações excecionais, permitindo ao devedor, dentro de certas condicionantes, o benefício do prazo.
24 - Neste plano de exceção, condicionante da realidade empresarial como um todo, coloca-se a questão se é lícito coartar ao tecido empresarial a possibilidade de justificadamente, demonstrar a necessidade de um novo PER, com base num contexto absolutamente diferente do anterior e ao qual é estranho.
25 - A Recorrente entende que a letra da lei é clara, não sendo aqui necessária fazer qualquer interpretação extensiva ao atual nº 14 do art.º 17 F do CIRE, o qual se enquadra num regime excecional, como foi a situação da pandemia, da guerra na Ucrânia, a crise na produção têxtil e na obtenção de mercadorias, a dificuldade de acesso à banca e em especial, atendendo à circunstância excecional de ter deflagrado em 18.07.2020 um incêndio nas instalações da Ré, sitas na Zona Industrial ..., ..., que obrigou à cessação de toda a atividade laboral no local, uma vez que o incêndio destruiu quase a totalidade das instalações onde estava instalado o processo produtivo da Recorrente.
26 - Pelo que, era de todo impossível todos estes excecionais eventos, alteraram todos os sectores da sociedade, particularmente da Recorrente (mais gravoso ainda devido ao incêndio que deflagrou) e as condições incluídas em todo e qualquer Plano aprovado, quer seja homologado ou não homologado.
27 - Contudo, a sentença ora recorrida não efetuou uma correção interpretação da norma prevista no artigo 17-F, nº9 do CIRE e desconsiderou, por completo, a norma prevista no nº14 do mesmo artigo, cuja aplicabilidade se impunha no presente caso.
28 - Entende a Recorrente que o legislador, no atual nº14 do art.º17-F do CIRE, veio, através do atual nº9 do mesmo artigo, dizer em que momento é que se faz a contagem do prazo de dois anos – remetendo para o nº 7 – para planos homologados e não homologados e abre um regime excecional para duas situações em concreto: “(1) exceto se a empresa demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o plano ou (2) que o requerimento de novo processo especial de revitalização é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia à empresa”.
29 - O nº 14 do art.º 17º-F do CIRE não colide com o nº9, do mesmo artigo, gera complementaridade e que se aplica as exceções ali contidas a todos os casos de aprovação (com ou sem homologação), esta tese é reforçada, pelo próprio texto da lei, quando manda, no atual nº 14 do art.º 17-F, contar dois anos da decisão de HOMOLOGAÇÃO OU DE NÃO HOMOLOGAÇÃO, sinal inequívoco de que aquele número se aplica, também, às duas situações.
30 - Entende a Recorrente que o legislador com a sua alteração pelo Decreto – Lei 79/2017, de 30 de junho, não quis estabelecer um regime que prejudicasse as empresas e as encaminhasse para a insolvência, mesmo não preenchendo os requisitos do pedido de insolvência, como é que presente caso.
31 - A Recorrente almejou demonstrar que o recurso a um novo PER antes decorridos 2 anos assenta e justifica em causas absolutamente excecionais da conjetura nacional e internacional e ainda do incêndio que destruiu as suas instalações, o que consubstancia uma alteração superveniente das circunstâncias que estivaram envolvidas no primeiro PER, conforme fez questão de demonstrar nos artigos 7º a 26º do Requerimento inicial, bem como respetivos documentos (v.g. doc.5 da petição inicial, correspondente ao Relatório do incêndio emitido pela ANPC de 04.08.2020).
32 – O Tribunal a quo dispunha de todos os elementos para decidir diferentemente, caso tivesse apreciado, como devia, os argumentos aduzidos pela Recorrente, não se limitando a restringir, sem mais, o direito da Recorrente à sua revitalização, caso essa não foi a intenção do legislador!
33- O recurso a esta possibilidade, de cariz absolutamente excecional, não se confunde com os fundamentos que subjazem à limitação temporal de 2 anos, a qual foi criada e pensada, para circunstâncias normais e com uma finalidade preventiva que se aceita como perfeitamente compreensível.
34 - Nada disso colide com a exceção em apreço, antes a reforça e se compatibiliza com os princípios que levam a considerar, como é exemplo no caso de um plano aprovado mas não homologado, merece, dentro de certas circunstâncias, uma nova oportunidade.
35 - Tudo ponderado, atento os argumentos aduzidos, nos termos do disposto no art.º 17-F, n.º 14 do CIRE, é forçoso concluir que deve ser concedida a possibilidade à Recorrente cujo plano anterior, apesar de aprovado, não foi homologado, o recurso a um novo procedimento especial de revitalização antes de decorridos dois anos desde que seja capaz de demonstrar que “é motivado por fatores alheios ao próprio plano e alteração superveniente é alheia à empresa”.
36 - O prazo para a conclusão das negociações ainda não decorreu e atenta a decisão proferida pelo Tribunal a quo e o efeito suspensivo requerido, deverá o ainda o presente recurso determinar que o período de negociações seja prorrogado e retomado logo que seja proferida decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que dê razão à aqui Recorrente, a fim de evitar a criação de situações de desequilíbrio e desvio dos propósitos do PER.
37 - Em face de tudo quanto exposto, a sentença recorrida viola várias disposições e principio legais, nomeadamente, confiança, segurança jurídica, caso julgado, princípios orientadores do PER, direito acesso do direito e à justiça, pelo que, ao indeferir o PER apresentado pela Recorrente, a decisão recorrida violou o nº14 do artigo 17º-F do CIRE, artigo 20º da CRP, artigo 628º do CPC, e preconizou uma interpretação e aplicação errónea dos artigos 17º-F, nº9 e 17º-F, nº8, artigo 17.º-C, n.º 4 e 17º-E todos do CIRE, não podendo permanecer na ordem jurídica em face da sua ilegalidade.
Pelo exposto, com os fundamentos indicados e com os demais que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que se revogue a sentença de indeferimento do PER, ordenando a prossecução dos autos do PER até à prolação da sentença homologatória do plano de recuperação que vier a ser apresentado. Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis, uma vez mais, a fazer A ACOSTUMADA JUSTIÇA!
            Foram intempestivamente apresentadas contra-alegações, nessa sequência não admitidas.
            Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.
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II – Questões a decidir:
Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
            As questões a decidir são, assim, apurar se o tribunal recorrido podia ter prolatado o despacho recorrido em momento anterior ao despacho de homologação ou não homologação previsto no artº 17º-F, nº7, do CIRE; se é aplicável o disposto no artº 17º-F, nº14 ou o artº 17º-G do CIRE.
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III – Fundamentação:
A. Fundamentos de facto:
Os factos provados com relevância para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório.
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B. Fundamentos de direito. 
A recorrente arguiu a nulidade do despacho recorrido prevista no artº 615º, nº1, alínea c), do CPC, defendendo haver contradição entre a decisão e os fundamentos, concretamente pelo facto de o tribunal ter invocado o artigo 17º-E, nº 9, do CIRE que nada tem a ver com a decisão.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 4ª edição, página 736, referem que “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Como decorre facilmente da leitura do despacho recorrido, e depois foi devidamente esclarecido no despacho de 26 de maio p.p., prolatado nos termos e para os efeitos do artigo 617º, nº1, do CPC, houve um lapso de escrita manifesto, percetível do contexto, pois a intenção do tribunal era fazer referência ao artigo 17º-F, nº 9.
Não houve, assim, qualquer nulidade, quando muito poderia ter havido erro de julgamento.
Improcede, assim, a arguida nulidade.
A recorrente arguiu depois a violação do trânsito em julgado, porquanto não advém de qualquer facto superveniente ao requerimento inicial do PER, que continha todos os elementos para que o tribunal se pronunciasse. Do mesmo já constava que a recorrente havia recorrido a PER em março de 2019, sobre o qual recaiu decisão de homologação do Plano em 1ª instância e que foi revogada em sede de recurso. O requerimento apresentado pela credora A... não constituiu pedido de reforma do despacho proferido e publicado a 9 de novembro de 2022 nem constituiu recurso. Ora, alega a recorrente, a citada credora não recorreu nem reclamou do referido despacho de nomeação do PER e de nomeação de Administrador Judicial Provisório. Ao prolatar o despacho recorrido o tribunal recorrido violou o trânsito em julgado da decisão anteriormente prolatada.
Vejamos se assim é, seguindo de perto o processo nº 2363/21...., de 21 de outubro de 2021, relatado pelo aqui relator, e em que interveio como adjunto o aqui 1º adjunto.
Desde logo, contrariamente ao referido pela recorrente, não consideramos decisiva a alegada desconsideração pelo tribunal recorrido dos elementos constantes do requerimento inicial de PER.
Constitui vexata quaestio saber se impende sobre o juiz um poder-dever de controlar, em cada caso concreto, e quando confrontado com um pedido nesse sentido, a verificação dos pressupostos de que depende o acesso ao PER e até se é admissível o indeferimento liminar de tal pedido.
Quer doutrinal quer jurisprudencialmente as soluções não têm sido unívocas.

Nuno Gundar da Cruz[1] refere que “Muito se tem discutido na doutrina e na jurisprudência sobre se, aquando da prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, o juiz deve assegurar-se de que estão reunidos os requisitos materiais e formais de que depende o recurso ao PER – entendendo-se aqui como requisitos materiais que o devedor se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação (artigo 17º-A, nº1), e como requisitos formais a junção dos documentos mencionados nos artigos 17º-A, nº2, e 17º-C, nºs 1 e 3, b) – e se, no caso de não preenchimento desses requisitos, deve o juiz indeferir o requerimento inicial apresentado pelo devedor, não nomeando administrador judicial provisório. (…)
No campo da doutrina é possível identificar duas correntes de opinião distintas: uma que se pode considerar como maioritária e que é propugnada por Catarina Serra, Alexandre de Soveral Martins, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Fátima Reis Silva, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, Luís M. Martins, Paulo de Tarso Domingues, João Aveiro Pereira, Rui Dias da Silva e Maria do Rosário Epifânio -, a qual defende, ainda que com base em diferentes argumentos, que embora não haja um controlo pelo juiz do preenchimento dos requisitos materiais de que depende o uso do PER, em situações específicas, o tribunal não pode deixar de indeferir o pedido de acesso ao PER; e outra – minoritária, preconizada por Susana Azevedo Duarte, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Cristina Bogado Menezes e Paulo Valério e Pedro Ferreira Malaquias e Miguel Rodrigues Leal – segundo o qual não há controlo pelo juiz dos requisitos materiais e formais de acesso ao PER, pelo que não está prevista a hipótese de indeferimento do requerimento inicial. (…)
Fátima Reis Silva[2] assinala que, à partida, o juiz não tem forma de apreciar se a situação do devedor corresponde a insolvência atual, a insolvência meramente iminente ou a situação económica difícil, O devedor tem o dever de atestar que se encontra em situação difícil ou insolvência iminente, e em condições de se recuperar, e, a final, em caso de não ser obtido ou não ser homologado o acordo, o administrador judicial provisório é que ajuizará, disso informando o tribunal. Para justificar esta posição, escreve Fátima Reis Silva que o juiz não tem a possibilidade, no curto prazo que a lei lhe comete para proferir o despacho inicial, de aferir, pela consulta dos documentos previstos no artigo 24º, se a situação do devedor é, efetivamente, de insolvência iminente ou de situação económica difícil ou, pelo contrário, de insolvência atual, até porque se trata de um juízo técnico complexo que o juiz faz em processo de insolvência rodeado de contraditório, de meios de prova, alguns vinculados, de um sistema de presunções e de várias regras legais. Serão, por isso, os credores e o mercado a fazer o juízo decisivo, aprovando o plano, caso em que, maioritariamente, estarão de acordo pela recuperabilidade, ou rejeitando o mesmo, caso em que tal ónus passa para o administrador judicial provisório a quem competirá avaliar e transmitir aos autos a situação. Isto não significa, contudo, que não exista um nível mínimo de controlo, sendo, na verdade, possível o indeferimento liminar do requerimento inicial, desde logo, em caso de insolvência atual comprovada e declarada do devedor. De igual modo, quando o devedor não junte aos autos os elementos considerados indispensáveis à decisão de nomeação do administrador judicial provisório (nomeadamente, a declaração de recuperabilidade emitida pelo devedor e a declaração conjunta com o credor a assumir a vontade de encetar negociações), previstos nos artigos 17º -A e 17º - C, ou não especifique se a sua situação é de insolvência iminente ou uma situação económica difícil, não obstante a concessão de prazo para o efeito pelo juiz, deve este indeferir liminarmente o requerimento de PER. Por fim, segundo Fátima Reis Silva, aquando da prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, o juiz não faz qualquer juízo de valor, sendo nesta aceção um despacho vinculado[3]. (…)” 
A nossa posição é a de que, perante um requerimento de apresentação a PER, não incumbe ao juiz realizar qualquer atividade tendente à verificação dos requisitos que não seja o controlo da existência da alegação dos requisitos materiais, e da junção dos documentos, ou seja, dos requisitos formais referidos nos artigos 17º-A, nº1), e 17º-A, nº2, e 17º-C, nºs 1 e 3, b), do CIRE. Ou seja, a menos que seja inequívoca a inexistência de um dos requisitos dos quais a lei faz depender a legitimidade ativa para a dedução do pedido, não há que realizar diligências prévias tendentes a fundamentar um indeferimento liminar ou o prosseguimento do processo.
Concordamos e subscrevemos no essencial a opinião supra expressa de Fátima Reis Silva, com os fundamentos ali aduzidos.
Aliás, impor ao juiz que realizasse outras averiguações tendentes ao apuramento da verificação do preenchimento efetivo dos pressupostos materiais de recurso ao PER seria, em sede da prossecução dos fins visados com este instituto, completamente autofágico. Entre diligências, notificações e cumprimento do princípio do contraditório, a inevitável dilação sempre transformaria uma pressuposta insolvência iminente numa insolvência efetiva. Ficaria este instituto completamente esvaziado de efeito útil e, arriscamos a dizer, raros seriam os processos que ultrapassassem a fase liminar.
Há até autores (Salazar Casanova e Sequeira Dinis[4]) que defendem a irrecorribilidade do despacho liminar de admissão por parte dos credores ou outros interessados, pois não são ainda sujeitos processuais no PER, nem, por maioria de razão, podem deduzir embargos.
Todavia, tomando em consideração que na redação do Anteprojeto em discussão pública pelo governo estava expressamente prevista a irrecorribilidade do despacho (artº 17º-C, nº4), e que a mesma não ficou consagrada, cremos ter-se tratado de opção legislativa expressa.
Por outro lado, nem por isso os alegados credores ficam desprotegidos ante a inexistência de um despacho de indeferimento liminar. Maria do Rosário Epifânio[5] refere que “Trata-se de um processo urgente (a expressão “de imediato” confere-lhe um caráter urgentíssimo), pelo que o controlo dos pressupostos materiais será feito posteriormente (no despacho de homologação, ou em momento anterior, se o administrador judicial provisório suscitar a questão perante o juiz).
Ora, face à alegação da recorrente, decorre do exposto que, de facto, o despacho liminar de admissão do PER era recorrível, e o credor dele não recorreu. Todavia, nem por isso ocorreu caso julgado formal obstativo do conhecimento ulterior pelo juiz da (in)existência de pressupostos materiais. É consabido que “O PER é um processo híbrido, composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em momentos chave, máxime no controlo inicial, na decisão de impugnação de créditos, no cômputo dos votos e na decisão de homologação e, para alguns, na declaração de insolvência[6]
A questão que então, e nessa sequência, e em tese, se coloca, é a de saber se tendo a questão sido colocada por um credor, que não recorreu, ainda assim é lícito o conhecimento pelo tribunal recorrido em momento anterior ao despacho de homologação ou não homologação, e se essa decisão não consubstanciou uma decisão surpresa.
Desde logo, não é indiferente o requerimento ser feito pelo administrador judicial ou por um credor. Este último tem um interesse circunscrito ao seu crédito e ao objetivo de satisfação do mesmo; o administrador judicial provisório tem uma visão alargada do conjunto de credores, da situação económica da recuperanda e da respetiva (in)viabilidade da empresa.
Propendemos, assim, para considerar não ser possível o conhecimento pelo juiz, em momento anterior ao despacho de homologação, e caso não o haja feito em sede de despacho liminar, de quaisquer alegadas causas obstativas do prosseguimento do processo na sequência de simples requerimento de um credor, também pelas razões que exporemos mais abaixo e que entendemos intimamente conexionadas com este ponto.
Por outro lado, e quanto à alegação pela recorrente de decisão surpresa, cremos que a solução do caso tem de ser buscada noutra sede.
Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido antecipada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever.
Ora, o requerimento do credor a levantar a questão da alegada inadmissibilidade de apresentação a PER, referência citius ...43, datado de 18 de novembro de 2022, foi devidamente notificado à requerente, que sobre o mesmo se pronunciou em 2 de dezembro de 2022, referência citius ...19. Por tais factos, complementados com o que anteriormente expusemos, não se pode falar de qualquer decisão surpresa.
Por último, a recorrente alega a inaplicabilidade da limitação temporal do artigo 17º-G, nº8 ao caso concreto, defendendo ser antes aplicável o nº 14 do artigo 17º-F, do CIRE. E é esta a questão que entendemos estar indissociavelmente ligada à impossibilidade de o juiz, no caso concreto, conhecer da questão em momento anterior ao despacho de homologação (ou de não homologação), nos termos que parcialmente supra expusemos e que agora complementamos.
Como referimos, o PER é um processo composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em momentos chave. Ora, a aplicação ao caso concreto do disposto no artº 14º-F ou 14º-G depende de ter ou não sido aprovado plano de recuperação, que no presente processo inexiste. No processo anterior do PER, para efeitos da contagem do prazo de 2 anos só releva o momento da homologação ou não homologação. Daí que, também por aqui, tenhamos de considerar extemporânea a decisão do tribunal recorrido.
Aliás, no seu requerimento de apresentação a PER, concretamente nos nºs 7 a 15, a ora recorrente alegou um conjunto de factos que, em tese, consubstanciarão exceção ao hiato de 2 anos necessário para recurso a novo PER, designadamente por preencherem o requisito de alteração superveniente e alheia à empresa. Destacamos aqui apenas 3, quais sejam o incêndio sofrido nas instalações da requerente, a pandemia de Covid 19 e a guerra na Ucrânia.
É evidente que o recurso a este instituto, e em tese, pode prestar-se (e presta-se muitas vezes) a aproveitamentos abusivos, com fins dilatórios, em prejuízo dos credores. Mas sempre tais comportamentos são passíveis de sanção, se vier inequivocamente a provar-se tal abuso, desde logo nos termos previstos no artº 17º-D, nº12, do CIRE, mas também em sede de litigância de má-fé, ou até a jusante, se a insolvência vier a ser declarada, em sede de incidente de qualificação de insolvência.
Todavia, e no caso vertente, essa apreciação por parte do tribunal recorrido sem que haja sido dada a possibilidade de os credores se pronunciarem sobre um plano de recuperação, aprovando-o ou rejeitando-o, e sem que o administrador judicial provisório se haja pronunciado sobre as alegadas alterações supervenientes e alheias à empresa requerente e sem que haja apresentado o subsequente parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, afigura-se-nos extemporâneo. Mais tarde até poderá vir a ser prolatado despacho de não homologação (ou de homologação), mas nesta altura a decisão do tribunal recorrido foi prematura. Só depois se pode colocar a questão de qual a disposição legal aplicável (artº 17º-F ou 17º-G). Daí que não haja de fazer considerações neste recurso sobre uma hipotética aplicabilidade do artº 17º F, nº14, do CIRE em caso de conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, a que se refere o artº 17º-G do CIRE. Inexiste plano.
Por último, entendemos que numa matéria como a presente não devemos ser reféns de teses excessivamente formalistas, sob pena de não haver empresas que resistam e de os objetivos programáticos do PER serem completamente postergados.
Há, assim, que considerar procedente o recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido e retomando o processo os seus termos.

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V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento dos autos.
Sem custas (seriam pelo recorrente, que tirou proveito da ação, mas que não as paga por delas estar isento - artº 527º, nº1, parte final, do CPC, e artº 4º, nº1, alínea u), do RCP).
Notifique.
Guimarães, 14 de setembro de 2023.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1º Adjunto: Pedro Maurício.
2º Adjunto: José Carlos Duarte.


[1] Processo Especial de Revitalização – Estudo Sobre os Poderes do Juiz, Petrony, 2016, pág. 28-43.
[2] Processo Especial de Revitalização – Notas práticas e jurisprudência recente, Porto Editora, 2014, págs. 18-26.
[3] Paulo Ramos de Faria, Regime processual civil experimental – A gestão processual no processo declarativo comum experimental, Cejur, 2009, pág. 48, diz que o poder é vinculado quando o juiz deve pronunciar-se no único momento determinado por lei, no único sentido por esta admitido e com as exatas formalidades por ela prescritas.
[4] PER – O Processo Especial de Revitalização. Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, 2014, pág. 41-42.
[5] O Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2016, pág. 24.
[6] Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização – Notas práticas e jurisprudência recente, Porto Editora, 2014, pág. 17 apud Maria do Rosário Epifânio, op. cit., pág. 413.