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CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
INTERESSE EM AGIR
PENHORA DE ACÇÕES
NULIDADE DA VENDA
Sumário
I- No âmbito de incidente de consignação em depósito, a parte requerente que viu ser declarada extinta a instância por inutilidade da lide, na sequência de despacho que indeferira a anulação da venda e adjudicação de bens ao exequente, não transitado, tem não só legitimidade processual para a interposição de recurso como interesse em agir, consistente na utilidade prática que retirará com a revogação do despacho, uma vez que esta revogação permitirá a prossecução dos autos e efectivação do depósito pretendido.
II- Sendo arguida a nulidade da sentença/despacho, é exigido que a violação da lei processual por parte do juiz, ao proferir alguma decisão, preencha um dos casos agora contemplados no nº 1 do art.º 615 do C.P.C., nomeadamente quando o juiz aprecie uma determinada questão sem respeito pelo princípio do contraditório, quando não fundamente a sua decisão ou, quando fundamentando-a, os fundamentos estejam em contradição com esta e ainda quando omita pronúncia sobre questão de que tenha de conhecer ou ultrapasse os limites do pedido que lhe é formulado.
III- Não enferma de nulidade a decisão proferida em sede de incidente de consignação em depósito, que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento em despacho proferido na execução que indefira a requerida anulação da venda, despacho este notificado ao executado e requerente neste incidente e constando deste não só os fundamentos pelos quais se considerava ocorrer a inutilidade do incidente, como a sua fundamentação jurídica.
IV- O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida quando ocorram duas circunstâncias: quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor; quando existir mora do credor (art.º 841 do C.P.C.)
V- Neste caso, o devedor que pretende exonerar-se de prestação que, sem culpa sua, não foi satisfeita, deve recorrer ao processo especial de consignação em depósito previsto nos artºs 916 e segs. do C.P.C., requerendo o depósito da coisa devida, incluindo outros encargos para além do capital, se devidos e declarando o motivo por que pede o depósito, que se terá de adequar ao previsto no regime substantivo supra citado.
VI- Penhorados bens consistentes em acções e alienadas as mesmas, não pode o executado recorrer ao incidente de consignação em depósito, ainda que tenha invocado a nulidade da venda, pois que se não verificam os pressupostos consistentes na mora do credor, ou obstáculo ao oportuno cumprimento do crédito.
VII- Neste caso, a pretensão do requerente de depósito da quantia devida não perde utilidade pela decisão proferida quanto à pretendida anulação da venda das acções e sua adjudicação ao exequente, mas era já causa de impossibilidade originária da lide pela satisfação do direito do credor por via da adjudicação das referidas acções, ocorrida em momento prévio à pretendida consignação em depósito.
Texto Integral
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
J….. intentou, por apenso a acção executiva contra si movida pelo Banco Comercial Português S.A. na qual invocou a nulidade da venda de bens, incidente de consignação em depósito, peticionando que: seja declarada a mora do credor e consequente cessação do vencimento de juros com a citação do Exequente para este incidente; seja ordenado o depósito judicial da quantia de 529.375,00€ e juros, devida pelo Executado J…. ao Exequente no dia em que esse montante for depositado na conta daquele pela entidade gestora do Fundo Lynx Asset Managers, S.A., ao momento da venda do imóvel sito na Rua das (…) em Lisboa, valor este, sob a forma de capital, que sairá precípuo dos dividendos futuros que caberá ao Executado, proporcional às suas unidades de participação no Fundo DOMUS CAPITAL; seja notificada a entidade gestora do Fundo Lynx Asset Managers, S.A, para informar os Autos do dia em que o depósito dos dividendos na conta do Executado será efetuada, para que, nos termos do artigo 924º do Código de Processo Civil, se considere esse o dia para o qual o credor será notificado para receber a prestação em dívida; seja declarada a interrupção da contagem de juros a partir da data de notificação do Exequente e extinta por esse meio a obrigação do Executado ao Exequente através do pagamento.
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Por despacho de 04/11/19 foi o requerente convidado a “esclarecer se está em condições de proceder ao depósito imediato da quantia que considera devida, agendando-se desde já uma data para esse efeito, nos termos do art.º 924.º, n.º 1 do CPC, ou se apenas configura essa hipótese se e quando vier a receber da entidade gestora do Fundo Lynx Asset Managers, S.A.”
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Em resposta a este despacho, veio o requerente afirmar que está em condições de proceder ao depósito do valor que considera ser devido no dia 6 de Janeiro de 2020, requerendo que o Exequente seja notificado para receber a totalidade da quantia que o Executado considera devida nesse mesmo dia 6 de Janeiro de 2020.
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Após, foi proferido despacho em 10/12/19 que designou “para o recebimento da quantia oferecida pelo executado o próximo dia 08/01/2020, pelas 10,30 horas, na secretaria - art. 924.º, n.º 1 do CPC.”
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Notificado veio o requerido, exequente nos autos de execução de que este é apenso, invocar que se mostra já ressarcido da quantia pretendida depositar por compra das acções do executado, estando dispensado do depósito do preço e que, a assim não ser considerado devido às questões suscitadas pelo executado quanto à validade da venda, seja suspensa “a decisão a proferir no presente incidente até que seja proferida decisão definitiva sobre o pedido de anulação da venda executiva formulado pelo Executado, o qual a ser julgado improcedente conforme se espera, determinará sempre, e em qualquer caso, a inutilidade superveniente da pretendida consignação em depósito.”
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De seguida, foi proferida a seguinte decisão:
“Depois de proferidos nestes autos os anteriores despachos de 04/11/2019 e 10/12/2019, foi apresentada a despacho a execução para apreciação das reclamações do executado de 10/09/2019 e 08/10/2019.
Em face da decisão hoje proferida quanto a tais reclamações nos autos principais, mostra-se prejudicado o prosseguimento do presente incidente de consignação em depósito, na medida em que a venda executiva se mostra realizada, permitindo o ressarcimento da exequente.
Face ao exposto, julga-se extinto o presente incidente de consignação em depósito, por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º, al. e] do CPC).
Custas pelo executado (art.º 536.º, n.º 3 do CPC).
Notifique.
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Dá-se ainda sem efeito a data designada para o recebimento da quantia oferecida pelo executado.”
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Não conformado com esta decisão,pelo Requerente foi interposto recurso, contendo as respectivas alegações e delas constando as seguintes conclusões:
“1. A Sentença Recorrida coloca em causa o princípio da proteção das expectativas do aqui Recorrente, pois, após ter sido proferido Despacho liminar no âmbito dos presentes Autos, juntamente com a falta de decisão no âmbito dos Autos principais, gerou a confiança na esfera jurídica do aqui Recorrente que, ao depositar o valor devido ao Exequente, livrar-se-ia da prestação devida, confiança essa não só gerada pelo deferimento vertido no Despacho Liminar de 04 de novembro de 2019, como também incrementada através do Despacho de 10 de dezembro de 2019, que fixa a data de 08 de janeiro de 2020 para se proceder ao depósito do valor devido, conjuntamente com a falta de decisão sobre as reclamações ainda pendentes no âmbito dos Autos principais, a que se cumula o facto de o ora Recorrente ter tido o cuidado de alertar o Tribunal Recorrido desta realidade que colocava em causa o ato de venda executiva.
2. A Sentença Recorrida é nula, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º nº1 alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que, sendo o Incidente de Consignação em Depósito um incidente de natureza declarativa que constitui, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à dinâmica da ação executiva, porquanto se pretende por este incidente que, por um lado, o devedor se desobrigue da sua prestação e, por outro lado, o credor se considere satisfeito pelo pagamento, evitando-se a via coerciva típica da via executiva, como meio de o devedor se libertar da sua obrigação, não pode a Sentença proferida no âmbito dos presentes Autos se resumir à mera indicação de factos ocorridos nos Autos principais para a sua extinção por inutilidade superveniente da lide.
3. É nula a Sentença Recorrida, nos termos do artigo do artigo 615º nº1 alínea c) do Código de Processo Civil porquanto encontrando-se o Tribunal Recorrido na posse da mesma informação que o levou à pronunciação da Sentença que ora se coloca em causa ao momento em que se pronuncia pelo Deferimento Liminar do presente Incidente, para além de se encontrar para esse ponto expressamente alertado pelo ora Recorrente, ao abrigo do princípio da cooperação, e proferindo duas decisões distintas com base no mesmo acervo factual, verifica-se a ocorrência de uma deficiência que invalida o silogismo judiciário, por o mesmo juízo levar a duas decisões distintas, originando ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível.
4. Existindo a obrigação legal de o Tribunal Recorrido se pronunciar sobre a questão da cessação da obrigação de juros, sendo este um dos efeitos do Incidente de Consignação em depósito, conforme suscitado pelo ora Recorrente no seu requerimento inicial, e não o fazendo, uma vez que o Tribunal a quo se encontra este obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sem prejuízo daqueles que se revelem de conhecimento oficioso, é nula a Sentença Recorrida por omissão de pronúncia.
5. Na medida em que a Sentença Recorrida fundamenta a sua decisão em matéria subtraída à análise da parte e ao devido contraditório, encontra-se a violar o princípio do contraditório e igualdade das partes de tal modo que influi na decisão da causa, de onde decorre a sua nulidade, devendo por isso ser o mesmo revogado, pois deveria ter sido concedida a oportunidade de o ora Recorrente se pronunciar sobre o valor a depositar perante o Exequente e sobre a alegada absoluta impossibilidade de consignação em depósito por este suscitada e vertida na Sentença Recorrida.
Sem prescindir,
6. Não se encontrando transitada em julgado a decisão sobre a anulação da venda nos autos principais e tendo sido aceite o presente incidente, cujos efeitos se reconduzem à figura do caso julgado formal, pode ser efetuado o pagamento pelo aqui Recorrente do valor devido ao Exequente, devido ao facto de existir utilidade para findar, definitivamente, o presente processo.
7. Existindo assim esta álea relativa à apreciação pelo Tribunal ad quem dos últimos atos praticados pelo Tribunal Recorrido nos Autos principais, cujo Acórdão poderá implicar a revogação da decisão recorrida, o facto em que se traduz o pagamento não pode ser enquadrável como absolutamente inútil, mesmo sendo esta utilidade mínima ou pouco provável6, não havendo lugar à exceção de inutilidade superveniente da lide nos presentes Autos.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão julgar o presente Recurso procedente por provado e, consequentemente, substituir a decisão Recorrida por outra que aprecie as conclusões formuladas pelo Recorrente e decida em conformidade com as mesmas,
Assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”
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Pelo banco requerido foram por sua vez interpostas contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
“(i) Não deve ser admitido o presente Recurso, por falta do pressuposto processual do interesse em agir por parte do Recorrente;
Caso assim não se entenda, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem, contudo, conceder,
(ii) Deve o Recurso ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, a douta Sentença a quo ser integralmente mantida.
Assim decidindo farão Vossas Excelências
JUSTIÇA!”
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar: a) Se o recurso em apreço é inadmissível por falta de interesse em agir do recorrente; b) se a decisão ora recorrida enferma de nulidade decorrente de: - preterição do contraditório; - falta de fundamentação; - contradição entre os fundamentos e a decisão; - omissão de pronúncia; c) Se, não sendo esta decisão nula, se verifica a inutilidade superveniente da consignação em depósito.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto a considerar para efeitos de apreciação deste recurso, para além da acima elencada:
-O Banco comercial Português S.A., interpôs acção executiva contra o requerente J… em 29/08/11, indicando como título executivo “contrato” e no requerimento executivo, os seguintes factos:
“1. Em 29.08.2008, o Executado J…. e o Exequente Banco Comercial Português, S.A., celebraram um contrato de empréstimo com penhor de unidades de participação, pelo qual o Exequente emprestou ao Executado a quantia de €910.000,00 de que este se declarou desde logo devedor, para financiar a subscrição pelo Executado de unidades de participação de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado denominado Domus Capital (Doc. nº 1). 2. O referido contrato de empréstimo foi, nos termos da sua cláusula 3ª, celebrado pelo prazo de um ano, com início em 29.08.2008 e termo em 29.08.2009, data em que o Executado teria de proceder ao reembolso integral do capital mutuado, respectivos juros e demais encargos. 3. Em cumprimento do disposto na cláusula 5ª do referido contrato, em 30.09.2008 o Executado amortizou antecipadamente o empréstimo no montante de €380.625,00, reduzindo o capital mutuado de €910.000,00 para €529.375,00 (Doc. nº 2). 4. Para garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigaçõs pecuniárias assumidas ou a assumir no âmbito do mencionado contrato, o ora Executado constituiu a favor do ora Exequente, nos termos da cláusula 8ª, penhor sobre 9.100 unidades de participação do Fundo Domus Capital. 5. Em 29.08.2009 e em aditamento ao contrato de empréstimo celebrado em 29.08.2008, o Executado e o Exequente acordaram alterar o contrato de empréstimo, designadamente a cláusula 3ª, respeitante ao prazo, reembolso de capital e pagamento de juros, tendo acordado que o contrato de empréstimo teria a duração de 549 dias, com início em 29.08.2008 e termo em 01.03.2010, data em que o Executado devia ter procedido ao reembolso integral do capital mutuado, juros e demais encargos previsto no contrato (Doc. nº 3). 6. Em 01.03.2010, data em que se venceram todas as obrigações emergentes do contrato de empréstimo, o Executado não procedeu ao respectivo pagamento. 7. Sobre o capital em dívida no montante de €529.375,00 venceram-se, nos termos da cláusula 6ª do contrato, juros remuneratórios calculados à taxa anual de 7,643% desde 29.08.2008 até 29.08.2009 e à taxa anual de 3,662% desde 29.08.2009 até 01.03.2010, no montante total de € 53.516,21 a que acresce o respectivo imposto do selo, no montante de €2.140,64. 8. Sobre o capital em dívida de €529.375,00 venceram-se também, nos termos da cláusula 9ª do contrato, juros moratórios, calculados à taxa anual de 3,662% acrescida da sobretaxa de 4%, totalizando os vencidos entre 01.03.2010 e 29.08.2011, o montante de €61.517,08, sobre os quais incide o respectivo imposto do selo, no montante de €2.460,68. 9. Não obstante as obrigações do contrato de empréstimo se encontrarem vencidas desde 01.03.2010, por carta de 04.11.2010 o ora Exequente inerpelou o ora Executado para que procedesse, no prazo de oito dias úteis a contar da recepção da referida carta, ao pagamento das dívidas emergentes do contrato de empréstimo (Doc. nº 4). 10. Apesar de se terem vencido as obrigações emergentes do contrato de empréstimo e de ter sido interpelado para o efeito por carta de 04.11.2010, até este data o Executado não procedeu ao pagamento das mesmas, encontrando-se em dívida em 29.08.2011: a) €529,375,00 de capital; b) €53.516,21 de juros remuneratórios, valor a que acresce o respectivo imposto do selo, no montante de €2.140,64; c) €61.517,08 de juros moratórios vencidos entre 01.03.2010 e 29.08.2011, calculados à taxa anual de 3,662% acrescida da sobretaxa de 4%, sobre os quais incide o respectivo imposto do selo, no montante de €2.460,68. Valor da Execução: 649.009,61€ (Seiscentos e Quarenta e Nove Mil e Nove Euros e Sessenta e Um Cêntimos) a) € 529.375,00 de capital; b) € 53.516,21 de juros remuneratórios, valor a que acresce o respectivo imposto do selo, no montante de €2.140,64; c) €61.517,08 de juros moratórios vencidos entre 01.03.2010 e 29.08.2011, calculados à taxa anual de 3,662% acrescida da sobretaxa de 4%, sobre os quais incide o respectivo imposto do selo, no montante de € 2.460,68. 11. Em suma, o Executado deve ao Exequente, nesta data, o montante total de €649.009,61. 12. Sobre o capital em dívida acrescem ainda juros de mora vincendos, calculados à taxa anual de 3,662%, acrescida da sobretaxa de 4%, desde 29.08.2011 até efectivo e integral pagamento.”
2- Citado, em 03/10/11 o executado veio deduzir oposição à execução, tendo sido proferida sentença em 03/07/17, transitada em julgado por dela não ter sido admitido recurso, que julgou improcedente a referida oposição à execução.
3- No âmbito dos autos de execução, foram penhorados com data de 24/02/12 “6.916 unidades de participação do Fundo denominado DOMUS CAPITAL – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado depositadas no BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS SA e registadas na conta de valores mobiliários n.º 45350021031”
4- Com data de 15/03/12 veio o executado deduzir oposição à penhora invocando ser esta excessiva face ao valor da dívida, peticionando o levantamento da “penhora de 1264 unidades de participação.”
5- Por decisão proferida em 12/02/13, foi indeferida a oposição à penhora, por se considerar não ser esta excessiva.
6- Após, notificados exequente e executado para se pronunciarem sobre o valor e modalidade da venda e vindo ambos a arguir nulidades de notificação e o executado a requerer a suspensão do processo e da venda e reclamar dos actos da agente de execução, veio a ser proferido despacho em 21/11/18, nos seguintes termos:
“I – Fls. 127/129 (req.º de 26/10/2018): A exequente veio arguir a nulidade da notificação feita pela Sra. AE para se pronunciar sobre a modalidade da venda e o valor base a atribuir aos bens penhorados, nos termos do art. 812.º, n.º 1 do CPC, alegando que a notificação foi dirigida a uma Advogada que já não a representava. Compulsados os autos, verifica-se que a Sra. AE repetiu, em 11/11/2017, a notificação aos Il. Mandatários da exequente e do executado para se pronunciarem sobre a modalidade da venda e valor base. A exequente veio pronunciar-se, por requerimento de 21/11/2017 pela venda em leilão electrónico, considerando como valor mínimo para efeito da fixação do valor da venda o valor actual de cada unidade de participação, publicitado pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que à data era € 82,9964 (disponível em www.cmvm.pt). Face ao exposto, julga-se prejudicada a arguição de nulidade. Sem custas. II – Fls. 133 e seguintes (req.º do executado de 15/01/2018): a) O executado, notificado da decisão sobre a modalidade da venda e valor base, veio arguir nulidade processual, alegando que não recebeu qualquer notificação para se pronunciar sobre essa matéria, anteriormente à tomada de decisão pela Sra. AE. Como já se referiu, os autos documentam a notificação pela Sra. AE ao Il. Mandatário do executado, em 11/11/2017 (refª 16892802) – e já anteriormente, em 10/07/2017 - para se pronunciar quanto ao valor base e modalidade da venda. Por outro lado, após a decisão da Sra. AE, o executado foi igualmente notificado, ficando ressalvada a possibilidade de reclamar para o juiz, ao abrigo do art.º 812.º, n.º 7 do CPC. Assim sendo, indefere-se a arguição de nulidade. Custas incidentais pelo executado, fixando-se em ½ (meia) UC a taxa de justiça. b) O executado requereu igualmente a suspensão da venda até à decisão da arguição de nulidade da notificação da Sra. AE para os termos do art.º 812.º, n.º 1 do CPC ou ao trânsito em julgado da decisão proferida no apenso de oposição à execução. Os pedidos de suspensão da venda não têm qualquer apoio na lei processual. Por outro lado, o Tribunal já se pronunciou sobre a arguição de nulidade, sendo certo que no regime ao abrigo do qual foi instaurada a execução, o recebimento da oposição à execução não suspendia o andamento daquela, sem a prestação de caução (cfr. o art.º 818.º, n.º 1 do CPC/1961). O recurso da decisão proferida no âmbito da oposição teria efeito meramente devolutivo, sendo certo que foi desentranhada a alegação do opoente (cfr. fls. 691 e seguintes do apenso A). Não existe acordo das partes na suspensão da instância, nem se verifica outro motivo justificado (art.º 272.º do NCPC). Face ao exposto, indefere-se a suspensão do processo e da venda. c) O alegado quanto à alteração anormal das circunstâncias traduz matéria que apenas poderia ser invocada como fundamento de oposição à execução, não podendo dela conhecer-se fora desse âmbito. Assim, indefere-se a suspensão do processo e da venda, com esse fundamento, bem como tudo o mais requerido a esse propósito, nomeadamente a inquirição de testemunhas e a junção dos documentos apresentados sob os números 1, 2 e 3, cujo desentranhamento se determina. Custas incidentais pelo executado, fixando-se em ½ (meia) UC a taxa de justiça. d) O executado veio ainda reclamar da decisão da Sra. AE quanto à venda de 26/12/2017, trazendo à colação o desenrolar processual da execução n.º 3189/11.0TBVNG contra outro executado, para concluir que a venda só pode realizar-se em mercado regulamentado, nos termos do art. 830.º do CPC. Mais refere que a exequente não pode adquirir os títulos na execução. Propugnou ainda pela fixação do valor base às unidades de participação de acordo com a cotação mais recente no site da CMVM, por forma a atender à valorização do Fundo. A exequente respondeu (cfr. fls. 178 e seguintes, req.º de 29/01/2018). Cumpre apreciar. Quanto ao processado dos autos n.º 3189/11.0TBVNG, o mesmo é absolutamente estranho à presente execução, não tendo os requerimentos e decisões aí proferidos qualquer efeito que não seja circunscrito ao próprio processo. Assim sendo, por absolutamente irrelevantes, determina-se o desentranhamento dos documentos apresentados pelo executado sob os números 4 a 8. Quanto ao fundo da questão, o art.º 830.º do CPC dispõe que são vendidos em mercado regulamentado os instrumentos financeiros que nele tenham cotação. No caso dos autos, estão em causa unidades de participação num fundo de investimento imobiliário fechado, que não têm cotação em mercado regulamentado, tal como resulta de informação prestada pela CMVM e do próprio regulamento de gestão do Fundo (cfr. fls. 200, req.º de 08/02/2018). Está, pois, afastada a aplicação do art.º 830.º do CPC. Aliás, por requerimento de 11/11/2013, dirigido à Sra. AE, o executado pronunciou- se pela venda através de propostas em carta fechada, que à época era o regime regra. Deste modo, a venda deve processar-se de acordo com o regime regra, que é a venda em leilão electrónico (art.º 837.º do CPC). d) Quanto ao valor base, tendo em conta o disposto nos art.ºs 30.º e 143.º da Lei n.º 16/2015, de 24/02, haverá que tomar em conta o valor de mercado publicitado no site da CMVM. Já nesse sentido se pronunciou o executado no citado requerimento de 11/11/2013. Admite-se, no entanto, face à data em que foi tomada a decisão sobre a venda, que esta possa estar desactualizada, não reflectindo a evolução do mercado. Face ao exposto, notifique-se o Sr. AE para apresentar a cotação mais recente das unidades de participação no Fundo, publicitada no site da CMVM, concluindo-se os autos de seguida. Após apreciar-se-ão as demais questões pendentes.”
7- Após informação do AE sobre a cotação das referidas participações, com data de 21/12/18, foi proferido o seguinte despacho:
“I - Fls. 236: Na sequência do determinado na última alínea do despacho de 21/11/2018 (por lapso repetida como alínea d]), fixa-se o valor base de cada unidade de participação em €138,6193. Notifique, devendo a Sra. AE proceder à venda pela modalidade já definida no mencionado despacho de 21/11/2018, alínea d).”
8- Com data de 12/03/19 pelo AE foi decidido proceder à venda por meio de leilão electrónico, tendo o executado vindo arguir a nulidade deste requerimento e reclamar do despacho proferido em 21/12/18, alegando ter interposto recurso do despacho proferido em 21/11/18.
9- Após, foi proferido despacho em 23/05/19 que admitindo o recurso interposto do despacho proferido em 21/11/18, mais decidiu o seguinte:
“II – Fls. 289/292 e 295: O executado veio reclamar do despacho de 21/12/2018 (fls. 237). A arguição é intempestiva e o executado não apresenta qualquer prova da existência de justo impedimento do seu Il. Mandatário. Acresce que o recurso apresentado não tem efeito suspensivo do processo, pelo que não interfere com a marcha do processo. Face ao exposto, indefere-se a arguição de nulidade. Custas incidentais pelo executado, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça. Notifique. III – Fls. 324/340 e 345/349: Aproveitando a junção de comprovativo de pagamento de DUC, veio o executado comunicar que requereu à administração da Lynx Assets Managers a alteração do regulamento de gestão do FEII do Domus Capital, no sentido de ser permitida a sua negociação e venda em mercado regulamentado. A modalidade da venda e valor base encontram-se fixadas por despachos de 21/11/2018 e 13/12/2018. As decisões constantes de tais despachos são obrigatórias - 613.º, n.º 1 e 3 do CPC. Nada existe, pois, a ordenar quanto a esta matéria. O mesmo se diga quanto ao expediente da acção n.º 79/19.1BELSB do TAC de Lisboa, que é inócuo, visto que já se indeferiu o pedido de suspensão da instância por prejudicialidade, decisão que é também obrigatória (cfr. despacho de 18/02/2019, ponto II, a fls. 321). Face ao exposto, indefere-se a junção dos documentos apresentados com o requerimento, com excepção do DUC, determinando-se o seu desentranhamento. Custas incidentais pelo executado, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de justiça.”
10- Por acórdão de 19/06/19, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo executado do despacho proferido em 21/11/18.
11- Com data de 10/09/19 veio o executado reclamar novamente de acto da AE, requerendo que seja “revogada de imediato a decisão de colocação em venda em leilão eletrónico por parte da Agente de Execução, com a consequente retirada da proposta por esta colocada online e a sustação da presente execução, dando-se cumprimento ao normativo processualmente omitido.”
12- Com data de 20/09/19 foi junta aos autos decisão do AE nos seguintes termos:
“O leilão electrónico da venda das 6916 unidades de participação penhoradas nos autos terminou no dia 18 de Setembro de 2019, conforme certidão de encerramento do leilão, que se anexa. Foi apresentada proposta pelo Exequente Banco Comercial Português no valor de 992.850,42 euros (novecentos e noventa e dois mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta e dois cêntimos). Assim sendo profere-se a seguinte: DECISÃO Porque o valor da adjudicação apresentada é de montante legalmente superior ao estabelecido para a presente venda, e não tendo sido apresentadas outras propostas, aceita-se o preço oferecido pelo Exequente. Ao abrigo do disposto no artigo 815.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, vai o Exequente dispensado do depósito do preço na parte que exceda o valor das custas devidas a juízo e despesas e honorários da Agente de Execução.”
13- Com data de 23/09/19 pelo exequente foi junto aos autos documento comprovativo do pagamento da nota discriminativa de despesas e honorários do Agente de Execução, tendo em 01/10/19, sido emitido e remetido à exequente, título de transmissão das unidades de participação da Domus Capital para registo e averbamento.
14- Em 08/10/09 foi requerida pelo executado, a anulação dos actos praticados no âmbito da venda pelo AE.
15- Em 20/12/19 foi proferido despacho que indeferiu as reclamações do executado e a peticionada anulação da venda executiva, tendo sido interposto recurso deste despacho, que foi admitido com efeito devolutivo e que se encontra ainda pendente para decisão neste tribunal.
*** QUESTÃO PRÉVIA
Vem a recorrida requerer a não admissão do recurso, invocando a sua inadmissibilidade por falta do pressuposto processual de interesse em agir do recorrente.
Decidindo
O interesse em agir consiste, em termos gerais, na necessidade de fazer uso do processo, de instaurar ou fazer prosseguir uma determinada acção, com, vista a obter uma decisão sobre um direito que se afigura controvertido ou duvidoso[1], uma vez que nos termos do disposto no artº 2 do C.P.C. a toda o direito deve corresponder uma dada acção.
Constitui este um pressuposto essencial à admissão e conhecimento de recurso interposto, que se não confunde com a legitimidade processual, prevista esta no artº 631 do C.P.C., embora o interesse em agir pressuponha a legitimidade para a interposição do recurso.
Já o inverso não é verdadeiro. Apenas pode interpor recurso quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido ou, quem, não sendo parte na causa, ou sendo apenas parte acessória, tenha ficado directa e efectivamente prejudicada pela decisão, mas é ainda necessário que a parte que tem legitimidade para a interposição de recurso tenha interesse na sua efectiva decisão.
Conforme elucida Abrantes Geraldes[2], “a legitimidade afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente (…) Já o interesse em agir (…) está ligado à utilidade prática que emana da utilização de meios jurisdicionais e, concretamente, em sede de recursos, aos efeitos que decorrem da intervenção do Tribunal Superior, o que permite excluir casos em que, apesar da parte ter ficado objectivamente vencida, nenhuma vantagem pode extrair da eventual revogação, alteração ou anulação da decisão”. Indica como exemplo o versado no Ac.. do STJ de 08/04/03 (CJSTJ, Tomo II, pág. 23), no qual se considerou inexistir interesse em agir por parte de recorrente que invocava a indevida representação em juízo do réu com fundamento em que não ficara prejudicado pela decisão e que nenhuma utilidade poderia retirar da sua alteração.
Volvendo ao caso em apreço, o recorrente tem legitimidade processual para o presente recurso e tem igualmente interesse em agir, consistente na utilidade prática que retirará com a revogação do despacho que neste incidente de consignação em depósito, declarou extinta a instância por inutilidade da lide decorrente de facto ocorrido nos autos de execução, uma vez que a revogação deste despacho permitirá a prossecução dos autos e efectivação do depósito pretendido.
Com efeito, uma coisa é saber se o recorrente mantém interesse em ver apreciado e decidido o incidente de consignação em depósito que interpôs com fundamento na impugnação da venda executiva e anulação peticionada da mesma e outra admitidoque foi o referido incidente e sendo designado dia e hora para o exequente receber a quantia em causa, é saber se existe causa de inutilidade da lide originária ou superveniente.
Nesta medida, improcede a arguição de falta de interesse em agir do recorrente.
Custas pelo recorrido que se fixam no mínimo legal.
***
DA ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA DECISÃO RECORRIDA
O recorrente, previamente à impugnação do mérito do recurso, vem invocar diversas nulidades à decisão recorrida, nomeadamente a preterição do contraditório, a falta de fundamentação da decisão recorrida, a contradição entre os fundamentos e a decisão e a omissão de pronúncia, previstos estes no artº 3 nº3 e artº 615 nº1 alíneas b) e c) do C.P.C.
- Da admissibilidade de arguição de nulidades em sede de recurso.
Diz-nos o artigo 195º, nº1 do Código de Processo Civil que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quanto a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
A este respeito, já o insigne processualista Alberto dos Reis afirmava que «Praticando-se um ato que a lei não admite, omitindo-se um ato ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infração, mas nem sempre esta infração é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos:
a) quando a lei expressamente a decreta;
b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
No segundo caso — continua o mesmo Autor — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».[3]
A omissão do ato ou da formalidade prescrita influem no exame ou na decisão da causa quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento[4].
Posto isto, é regra assente que dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se, pelo que, conforme explicava ainda Alberto dos Reis «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.»[5][6]
Sendo arguida a nulidade da sentença, é exigido que a violação da lei processual por parte do juiz, ao proferir alguma decisão, preencha um dos casos agora contemplados no nº1 do artº 615 do C.P.C., nomeadamente quando o juiz aprecie uma determinada questão sem respeito pelo princípio do contraditório, quando não fundamente a sua decisão ou, quando fundamentando-a, os fundamentos estejam em contradição com esta e ainda quando omita pronúncia sobre questão de que tenha de conhecer ou ultrapasse os limites do pedido que lhe é formulado.[7]
Constituem todos estes casos de nulidade da decisão que apenas podem ser invocados em sede de recurso.
Posto isto, invoca o recorrente a preterição do contraditório na decisão proferida, por não lhe ter sido concedido o direito a pronunciar-se sobre o requerido pelo exequente, em momento prévio à prolação de decisão que julgou extinta a instância por inutilidade da lide.
- da violação do princípio do contraditório previsto no art.º 3 nº3 do C.P.C.
O direito ao contraditório constitui um princípio com assento constitucional, integrado no âmbito das garantias de um processo justo e equitativo, cfr. o exige o art.º 20 nº 1 e 4 da Constituição, o artº 6 e 13º da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros “o conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta, prima facie, que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes do tribunal decidir questões que lhe digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de uma e de outras”.[8]
Assim o prevê o artº 20 da nossa Constituição, ao dispor sobre o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, assegurando a todos o direito a um processo equitativo e assim tem entendido a jurisprudência do tribunal constitucional, consignando que “O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras” (cf. o Acórdão n.º 86/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 741 e segs.).
A razão para esta exigência, conforme se refere sublinhou-se no Acórdão n.º 358/98 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Julho de 1998), decorre de, a existência de um estado de direito, impor e ser indissociável de um processo equitativo e leal “um due process of law”, no qual cada parte tem do direito de ser ouvido e de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que "a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos". No Acórdão n.º 62/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 18.º vol., pp. 153 e segs.) - depois de se sublinhar que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório "possuem dignidade constitucional, por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de direito" - acrescentou-se que, por outro lado, esses princípios constituem "directas emanações do princípio da igualdade". As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "em prazo razoável" e "mediante um processo equitativo" (cf. o n.º 4 do citado artigo 20.º).”
Este princípio do contraditório encontrava já acolhimento no Código de Processo Civil de 1961 (constando do seu artº 3 que “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.”, não podendo tomar “providências contra determinada pessoa sem que esta seja prèviamente ouvida.”)
Com a reforma do Código de Processo Civil, operada pelo D.L. nº 329-A/95 de 12 de Dezembro, procedeu-se à alteração do artº 3, fazendo consignar no seu nº3 que “ O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem.”
Consagrava-se assim de forma expressa a defesa do princípio do contraditório como um dos princípios estruturantes do processo civil.
Este nº 3, foi depois objecto de alteração, embora de natureza não substancial pelo D.L. 180/96 de 25/09, passando a dele constar que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Conforme consta do preâmbulo deste diploma, “substituiu-se, no n.º 3 do artigo 3.º, e no que se refere à prévia audição das partes para as precaver contra decisões surpresa, o critério fundado na «diligência devida» pelo da «manifesta desnecessidade» da audição, em consonância com o que, em sede de nulidades, já resulta do n.º 1 do artigo 207.º do Código de Processo Civil.”
Por sua vez com a entrada em vigor do N.C.P.C., aprovado pela Lei 41/2013, manteve-se a redacção deste nº3 do artº 3, ou seja, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” (reproduzindo preceito idêntico no anterior C.P.C.).
Teve o legislador o cuidado de, de forma expressa, fazer constar ao longo das diversas alterações da legislação processual civil, o princípio constitucional da proibição da indefesa, associado à regra do contraditório, não devendo nem podendo ser proferida qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferida às partes, a possibilidade de sobre ela se pronunciar[9].
Assim, princípio fundamental do nosso sistema jurídico é que seja conferida a possibilidade a cada uma das partes de ser chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de uma e outra.[10].
Teixeira de Sousa[11], afirma que este princípio do contraditório “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e, portanto, um direito à audição prévia antes de contra ela ser tomada qualquer decisão ou providência (…)”.
O direito a um processo equitativo, efectiva-se mediante a observância de uma estrita igualdade entre as partes, observada ao longo do processo, e ainda mediante a observância do princípio do contraditório, exigindo-se que, conforme referido ainda no acordão acima citado, o juiz não possa “em regra, tomar qualquer providência contra determinada pessoa sem que ela seja previamente ouvida. Excepcionalmente, porém, pode o juiz diferir a audição do requerido para momento ulterior ao decretamento da providência peticionada. Necessário é, contudo, que o diferimento da audição se possa justificar materialmente por razões de eficácia e de celeridade e não limite ou restrinja, de forma intolerável, o direito de defesa.”
Só assim não será se as partes, “agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica”[12]
É o princípio da auto-responsabilização das partes, constituindo decisão surpresa, apenas aquela que seja “baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes”.[13]
Sendo este um princípio fundamental, a invocação pelo recorrente de que fora preterido este princípio, não tem razão de ser, tendo em conta que o despacho recorrido se não pronunciou sobre o alegado no referido requerimento, mas considerou a ocorrência de um facto (decisão que indeferira a anulação da venda) como causa de inutilização da instância, sendo certo que, por proferida na acção executiva e por dele ter sido notificado, se tratava de decisão de que o executado tinha conhecimento, proferida em questão invocada aliás, como fundamento da pretendida consignação em depósito.
Não existiu assim qualquer preterição do contraditório, como causa de nulidade da decisão proferida.
- nulidade por falta de fundamentação do despacho recorrido
A este respeito, dispõe o art.º 615 nº 1 do C.P.C. que esta enferma de nulidade, no que ao caso importa, quando:
“b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
Invocando o recorrente que a decisão recorrida não especifica os fundamentos que a justificam, esta não especificação apenas é causa de nulidade quando exista absoluta falta de fundamentação, seja de facto ou de direito e já não ocorre quando a fundamentação esta seja medíocre, deficiente, quiçá errada.
Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 nº 3 e 4, aplicável ex-vi do disposto no art.º 295 do C.P.C., de forma a que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários.
Não cumpre esta norma, existindo falta absoluta de motivação, quando exista ausência total de fundamentos de direito e de facto. [14]
Já Teixeira de Sousa[15] referia que: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”, pelo que “a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»[16]
Volvendo ao despacho recorrido, este não enferma de falta de fundamentação, embora a mesma se possa considerar deficiente. Indica o referido despacho como causa de inutilidade da lide a decisão proferida na execução, que indeferira a reclamação e arguição de nulidade da venda executiva e, com base neste facto, considerou inútil o prosseguimento do incidente, pois que o exequente estava ressarcido do seu crédito.
Improcede assim este fundamento de nulidade.
- nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Constitui igualmente entendimento pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no art.º 615º, nº. 1, al. c) do CPC só se verifica quando os fundamentos invocados na sentença ou despacho, devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente[17], sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
Realidade distinta desta, é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos.[18]
Posto isto, o facto de o juiz ter admitido este incidente e designado data para o exequente se apresentar a receber a quantia em causa, não releva nem impede decisão proferida posteriormente que, com fundamento num facto ocorrido após este despacho, considera inútil o peticionado. Decorre aliás da tramitação deste incidente que o juiz de primeira instância, embora mal, considerou como causa justificativa deste incidente, o facto de o executado ter peticionado a anulação da venda e, decidida esta, considerou inútil o mesmo.
Mas, ainda que assim não fosse, não se estaria perante uma nulidade da decisão por violação do disposto no art.º 615 nº1 c) do C.P.C., mas antes de violação de eventual caso julgado formal.
Por outro lado, a decisão recorrida não é ambígua ou obscura, no sentido de que se “preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.»[19], sendo perfeitamente perceptível as razões pelas quais o juiz julgou verificada a inutilidade da lide.
Improcede assim também este segmento de recurso.
- da nulidade por omissão de pronúncia
Invoca ainda o recorrente que o juiz de primeira instância não fixou a data de cessação da obrigação de juros a que estava obrigado no âmbito deste incidente, o que constitui nulidade nos termos previstos no art.º 615 nº1 d) do C.P.C.
Trata-se este de um vício formal que respeita aos limites da sentença/decisão e cuja verificação afecta a sua validade.
A nulidade invocada está directamente relacionada com o artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Ou, como refere ainda ALBERTO DOS REIS[20]: “O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, Não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes.
(...)
Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).»
Quer isto dizer que o juiz está limitado pelo efeito jurídico que o requerente visa alcançar com a acção, ou conforme refere Ac. do S.T.J. de 07/04/16 [21] “o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado.”[22]
Volvendo ao caso em apreço, a decisão que considerou extinta a instância, por inutilidade, não tinha que se pronunciar sobre qualquer das questões colocadas pelo recorrente, pois que estas, alegadamente, se tornaram inúteis com o facto verificado na execução.
Se assim não fosse, não ocorreria a inutilidade da lide.
Improcede também este último fundamento de nulidade.
Conclui-se assim que a decisão em apreço, não enferma das apontadas nulidades.
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DO DIREITO
Decididas as nulidades invocadas pelo recorrente, alega este como fundamento do seu recurso o facto de não se encontrar “transitada em julgado a decisão sobre a anulação da venda nos autos principais e tendo sido aceite o presente incidente, cujos efeitos se reconduzem à figura do caso julgado formal, pode ser efetuado o pagamento pelo aqui Recorrente do valor devido ao Exequente, devido ao facto de existir utilidade para findar, definitivamente, o presente processo.”
É este o cerne da questão. É necessário apurar se a decisão proferida que indeferiu a anulação da venda das participações sociais, constitui causa superveniente de inutilidade da consignação em depósito da quantia peticionada em sede executiva.
Decidindo
Dispõe o art.º 841 do C.C. que o devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida quando ocorram duas circunstâncias:
- quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;[23]
- quando existir mora do credor[24];
A consignação em depósito constitui assim o meio de o devedor se exonerar da obrigação mediante o seu pagamento, quando o não pode fazer extrajudicialmente, por motivo que se prenda com a pessoa do credor ou por mora do credor, neste caso, forçando-o a receber o pagamento, uma vez que, conforme refere Alberto dos Reis, [25]“ O devedor tem não só o dever jurídico, mas até o direito, de pagar a dívida. O processo de consignação em depósito destina-se a permitir ao devedor que exerça o direito de se libertar da dívida mediante o pagamento, quando encontre obstáculos para se exonerar extrajudicialmente”.
Por esta razão, efectuado o depósito, prevê o art.º 846 do C.C. que se o depósito for aceite pelo credor ou se for declarado válido por decisão judicial, libera o devedor, considerando-se o pagamento feito na data do depósito, com a correspondente cessação dos juros e demais encargos que recaíssem sobre a coisa.
Assim, o devedor que pretende exonerar-se de prestação que, sem culpa sua, não foi satisfeita, deve recorrer ao processo especial de consignação em depósito previsto nos artºs 916 e segs. do C.P.C., requerendo o depósito da coisa devida, incluindo outros encargos para além do capital, se devidos e declarando o motivo por que pede o depósito, que se terá de adequar ao previsto no regime substantivo supra citado.
Quer isto dizer, que o processo especial de consignação em depósito não constitui uma forma de pagamento, nem pode ser utilizado fora dos casos previstos, que constituam impedimento ao pagamento extrajudicial. Efectivamente “a lei não consente que o devedor use, sem necessidade, do processo de consignação em depósito; se depositar a coisa devida, sem motivo justificado (…) a acção de consignação em depósito improcede”[26].
Constitui assim requisito essencial para o recurso a este procedimento especial, não só que a dívida exista, mas também que o devedor querendo, dela se não tenha podido exonerar, por algum dos motivos previstos no artº 841 do C.C.
Só nesse caso, pode o devedor requerer a consignação em depósito, como processo autónomo (previsto este nos artºs 916 a 922 do C.P.C.), como acto preparatório de futura acção (previsto este no artº 923 do C.P.C.), ou como incidente de acção ou execução que se encontre já pendente (previsto no artº 924 do C.P.C.).
Sendo intentada como incidente prevê o art.º 924 nº 1 do C.P.C. que: a) Se o credor receber sem reserva alguma, o processo finda; o credor é advertido desse efeito no ato do pagamento, consignando-se no termo a advertência feita; b) Se receber com a declaração de que se julga com direito a maior quantidade, a causa continua, mas o valor dela fica reduzido ao montante em litígio, devendo seguir-se, quanto possível, os termos do processo correspondente a esse valor; c) Não se apresentando o credor a receber, a obrigação tem-se por extinta a contar da data do depósito, se a final vier a julgar-se que o credor só tinha direito à quantia ou coisa depositada; se vier a julgar-se o contrário, segue-se o disposto n.º 2 do artigo 921.º.
Destes normativos decorre que o fim da consignação consiste na extinção da dívida que, sem culpa do devedor, não pode ser extinta pelo pagamento extrajudicial.
Tendo em conta os pressupostos acima referidos, as razões invocadas pelo requerente para a consignação em depósito, coincidentes com as já invocadas em sede de oposição à execução julgada improcedente, não constituem fundamento para o pedido de consignação em depósito. Nem este pode servir ou ter como finalidade a substituição de bens penhorados ou de bens já adjudicados ao credor no âmbito da execução.
No entanto, tendo sido admitido liminarmente e designada data para o exequente receber este montante, apesar de à data lhe terem sido já adjudicadas as acções penhoradas e emitido título de transmissão das mesmas, poderia este incidente prosseguir, após decisão que indeferiu o pedido de anulação da venda destas acções, ou constituía causa de inutilidade da lide, conforme o considerou a decisão recorrida?
A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide verifica-se, conforme nos ensina Lebre de Freitas[27] quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pedida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixou de interessar –além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.”
Assim a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causa de extinção da instância, terá sempre de resultar de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada (Ac. do STJ nº 1/14, Diário da República n.º 39/2014, Série I de 2014-02-25).
Dito isto, a pretensão do requerente de depósito da quantia devida não perde utilidade pela decisão proferida quanto à pretendida anulação da venda das acções e sua adjudicação ao exequente, mas era já causa de impossibilidade originária da lide pela satisfação do direito do credor por via da adjudicação das referidas acções, ocorrida em momento prévio à pretendida consignação em depósito.
E esta satisfação do direito do credor (a que acresce ainda a falta de verificação dos requisitos previstos no art.º 841 do C.C.), não é abalada pela requerida anulação da venda, uma vez que este depósito não visa nem tem por finalidade a substituição de bens penhorados ou vendidos na acção executiva.
Seria sempre impossível originariamente o pretendido pelo requerente, impossibilidade originária que determina a extinção desta lide, mas que nunca constituiria causa de extinção da obrigação exequenda.
Improcede, pois, o recurso interposto.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acórdão os juízes desta relação em julgar totalmente improcedente a apelação, embora por fundamentos não totalmente coincidentes com o da decisão recorrida.
Custas pelo apelante (art.º 527 do C.P.C.)
Lisboa 18/06/2020
Cristina Isabel Santos Coelho Ferreira Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
_______________________________________________________ [1] Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª edição, pág. 179 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, 1º vol., 2ª edição revista e ampliada, pág. 264 [2]Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ªedição, Almedina 2017, pág. 78. [3]Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., pág. 484 (em comentário ao artigo 201 do C.P.C. de 1995) [4] cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 3ª Ed., 2014, p. 381. [5] Ob.cit. pág. 507. [6] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 372. [7] Neste sentido vide FERREIRA, Fernando Amâncio, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8º edição, pág. 52 e Abrantes Geraldes, ob.cit. pág. 26 [8]Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, p. 194. [9] LOPES DO REGO, Carlos. in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2004, págs 835 e segs. [10] ANDRADE, Manuel, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 379. [11] Ob.cit., págs. 46/47. [12] PEREIRA BATISTA, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, pág. 39. [13] LEBRE DE FREITAS, José ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 9. [14] neste sentido LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669, Ac. do T.R.Lisboa desta 6ª secção, de 19/10/06, Proc. nº 6814/2006-6, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, relator Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, relatora Fernanda Isabel Pereira, Proc. nº 781/11, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, relator Gilberto Jorge, Proc. nº 91/09, Ac. do T.R.P. de 29/09/2014, Proc. nº 2494/14.8TBVNG.P1, disponíveis in www.dgsi.pt [15] “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221. [16] Tomé Gomes, Da Sentença Cível, pág. 39. [17] cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. nº 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt [18] Cfr. LEBRE DE FREITAS, José, A Ação Declarativa Comum, 2000, pg. 298. [19] Ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., pág. 151. [20] Ibidem pág. 67/68 [21] Ac. do S.T.J. de 07/04/16, relator Lopes do Rego, proferido no proc. nº 842/10.9TBPNF.P2.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt [22] A este respeito vidé ainda os exemplos apresentados no Ac. de 5/11/09, proferido pelo STJ no P. 308/1999.C1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt [23] Óbito do credor sendo desconhecidos os herdeiros, cessão de créditos impugnada judicialmente (tendo em conta o disposto no artº 769 e 770 do C.C.), pendência de acção de insolvência do credor, etc. [24] Abrangendo os casos previstos no art.º 813 e segs, do C.C. [25] ALBERTO DOS REIS, José, Processos Especiais, Vol I, Coimbra, 1982, pág. 341. [26] Ainda REIS, Alberto, Processos Especiais, Vol. I, Coimbra, 1982, pág. 341. [27] LEBRE DE FREITAS, José, ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, 2018, pág. 561.