CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
DENÚNCIA PARA HABITAÇÃO DO SENHORIO
OBRAS NO ARRENDADO
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
Sumário

I - Com a última redação dada ao artigo 1102º do CC, no direito de denúncia do senhorio para habitação própria ou dos seus descendentes em 1º grau, deixou de ser exigível o requisito que constava do nº 2, entretanto revogado, que era o de o senhorio só poder denunciar o contrato de arrendamento mais recente, no caso de ter mais de um prédio arrendado adequado às suas necessidades.
II - Assim, o senhorio que tenha mais de um prédio arrendado pode agora optar livremente pela denúncia de qualquer dos arrendamentos para a sua habitação própria ou dos seus descendentes em 1º grau.
III - Não se tendo provado a oposição do senhorio às obras realizadas pelo arrendatário no locado, mesmo na ausência de autorização escrita, podem estas ser consideradas lícitas, dado que, de acordo com os princípios da boa fé, as mesmas devem ter-se por aceites.
IV - Sendo lícitas as obras realizadas no arrendado, o arrendatário é equiparado ao possuidor de boa-fé, tendo direito a indemnização com base no enriquecimento sem causa, desde que se tratem de benfeitorias úteis ou necessárias, face ao disposto nos artigos 1273°, nº 2 e 479º do CC.

Texto Integral

Processo: 4477/21.2T8MAI.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

AA demandou BB, residente na Rua ..., ..., Maia, pedindo que:
Se declare a cessação do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos, por denúncia, com fundamento na necessidade do locado para habitação do seu filho, operada por comunicação datada de 17.02.2020, com efeitos em 30.06.2021
Se condene o Réu na entrega do locado, livre de pessoas e bens, com recebimento da indemnização devida, bem como no pagamento das rendas que se vençam após trânsito em julgado da sentença que ordene a restituição, elevadas ao dobro.
O Réu contestou e deduziu pedido reconvencional, para o caso de procedência da ação, peticionando a condenação da Autora no pagamento da quantia de 12.850,00 €, a título de indemnização por benfeitorias, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
A autora apresentou resposta.

A SEU TEMPO FOI PROFERIDA SENTENÇA QUE DECIDIU:

Declaro a cessação do contrato de arrendamento por denúncia, com fundamento na necessidade do locado para habitação do filho da Autora, operada por comunicação datada de 17.02.2020, com efeitos em 30.06.2021, mediante o pagamento da indemnização de 1.912,94 €, e condeno o Réu na entrega do locado, livre de pessoas e bens, no primeiro dia útil após 30 dias do trânsito em julgado da presente decisão, bem como no pagamento das rendas, elevadas ao dobro, em caso de mora na entrega do locado.
Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e em consequência condeno a Autora/Reconvinda no pagamento ao Réu/Reconvinte da quantia de 4.955,00 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 1.12.2021 até efetivo e integral pagamento.
A SENTENÇA CONSIDEROU PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de casa de habitação, sito na Rua ..., ..., ..., concelho da Maia, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da União de Freguesias ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ..., da freguesia ..., aí constando como causa de aquisição “partilha extrajudicial”.
2. À data da aquisição, o imóvel encontrava-se arrendado a CC, locatário originário, sendo que foi a transmissão de locador devidamente notificada.
3. Aquele contrato de arrendamento, destinado a habitação do arrendatário, foi celebrado a 1 de Janeiro de 1968 entre o referido CC (pai do Réu) e DD (pai da Autora).
4. Em meados do mês de Junho de 2017, a Autora rececionou em sua casa uma missiva remetida pela Associação ..., que, declarando-se representantes do associado BB, comunicaram o óbito de EE, ocorrido a 23.03.2017, a residência no locado pelo seu representado há mais de 12 anos e o facto de ser portador de deficiência igual ou superior a 60%.
5. O Réu adquiriu a posição de inquilino por transmissão do arrendamento por óbito de sua mãe. 6. O valor das rendas, por força das atualizações, ascende a 22,50 €.
7. Em 17 de Fevereiro de 2020, a Autora remeteu, ao Réu, comunicação de denúncia do contrato de arrendamento, invocando a necessidade do imóvel para habitação pelo seu filho.
8. Findo o prazo de 6 meses após a receção da comunicação de denúncia, em 14 de Setembro de 2020, a Autora enviou comunicação ao Réu para entrega do imóvel, anexando a caderneta predial, e disponibilizando o montante indemnizatório de 1.912,94 € (mil novecentos e doze euros e noventa e quatro cêntimos).
9. Fruto da legislação especial Covid os efeitos da denúncia do contrato de arrendamento foram sendo sucessivamente suspensos e só em 30 de Junho de 2021 é que a comunicação da Autora de denúncia do contrato de arrendamento para habitação por descendente produziu efeitos.
10. Em 1 de Julho de 2021, a Autora enviou nova comunicação ao Réu para entrega do imóvel, disponibilizando o montante indemnizatório de 1.912,94 € (mil novecentos e doze euros e noventa e quatro cêntimos).
11. O valor patrimonial do imóvel arrendado é de 28.694,05 €.
12. Correu termos por este juízo local os autos de ação comum sob o nº 1037/18.9T8MAI em que é Autora a ora Autora e Réu o ora Réu e no qual a mesma invocou a caducidade do contrato de arrendamento por óbito do locatário e a sua não transmissão para o Réu e peticionou a sua condenação na entrega do locado.
13. Nos referidos autos foi proferida decisão, datada de 4.09.2018, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.12.2018, que julgou a ação parcialmente procedente, reconhecendo a Autora como única e legítima proprietária do locado e absolveu o Réu do demais peticionado por reconhecer a transmissão do arrendamento para o Réu.
14. FF, nascido a .../.../1979, é filho da Autora.
15. FF reside com a Autora e quer fixar residência no imóvel arrendado e aí instalar o seu lar e constituir família.
16. O FF não tem imóveis de sua propriedade no concelho da Maia.
17. A Autora não tem qualquer outro imóvel, disponível, no concelho da Maia que satisfaça as necessidades de habitação do seu filho.
18. A casa onde a Autora reside com o filho, FF, é uma casa agrícola.
19. FF gere a exploração agrícola na qual existe um centro hípico, com boxes arrendadas a particulares.
20. O locado situa-se a 4/5 Km de distância do local onde a Autora reside com o filho.
21. O locado, tem a área de 62 m2, a casa de banho situa-se no exterior da casa, não tem água de fornecimento público, os quartos são de reduzida dimensão, não tem garagem.
22. A rua onde o locado se situa é estreita e muito movimentada e não permite o estacionamento.
23. A Autora herdou 7 casas situadas no mesmo local e com exceção do locado e da casa ... todas as demais foram vendidas.
24. A casa nº ..., sita no nº ..., da mesma rua, encontra-se arrendada e em melhores condições de habitabilidade pois foi objeto de obras.
25. O Réu, nasceu em .../.../1971, e tem uma incapacidade permanente global definitiva, atestada em 23.06.2017, de 68%.
26. Os tacos que constituíam o piso da casa estavam podres.
27. A porta de acesso ao locado estava podre e deixava entrar água e ar. 28. A casa nunca tinha sido pintada e o cimento estava degradado.
29. O sistema de eletricidade não aguentava a corrente. 30. A tubagem da cozinha estava obstruída com ferrugem. 31. O Réu procedeu a obras no locado, mormente:
a) substituiu o piso de tacos para tijoleira, no valor de 1.230,00 €;
b) substituiu a porta da frente por uma de alumínio no valor de 120,00 €; c) Pintou a casa por fora, no valor de mão de obra e tinta de 1.000,00 €; d) mudou todo o sistema de eletricidade, no valor de 850,00 €;
f) substituiu toda a tubagem de água fria e quente, na cozinha, e colocou um cilindro, no valor de 1.005,00 €;
g) colocou de azulejos na cozinha, no valor de 420,00 €;
h) construiu uma casa de banho nova, tubagens e peças de loiça com bidé, lavatório e "poliban", no valor de 240,00 €
i) colocou de janelas e persianas, no valor de 90,00 €. 32. A tijoleira não pode ser levantada sem ser destruída. 33. A porta de acesso ao locado só serve para o mesmo.
34. O sistema de eletricidade e a tubagem da água não podem ser retirados. 35. Os azulejos da cozinha e casa de banho não podem ser retirados.
36. As janelas e persianas não podem ser retiradas. B) Não resultaram provados os seguintes factos:
1. A casa onde a Autora reside tem muitos quartos, salas, zonas de lazer, casa de banho, que permite viver de forma independente.
2. Os cavalos existentes na exploração agrícola exigem a presença permanente do filho da Autora. 3. A casa de banho não tinha peças sanitárias.
4. As obras foram executadas com o conhecimento e consentimento do senhorio que se recusou a faze-las.
5. O Réu nunca comunicou a necessidade de realização de obras nem as obras realizadas.

DESTA SENTENÇA APELOU O RÉU QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
II -Deve o valor das benfeitorias ser fixado nos 6.800,00 €, ou, pelo menos, em 6.313,00 €, que é o que resulta da perícia efetuada no processo
III -Pelo que, face ao relatório e esclarecimentos do Sr. Perito, o valor dos itens 26 a 36, tem de ser alterado para o valor indicado.
IV -Deve ser anulada a resposta ao quesito 15, por ser conclusiva e conter matéria de direito.
V -Querer fixar residência e instalar o seu lar é um fim que tem de ser provado por factos que tenham sido alegados e que permitam chegar a essa conclusão.
VI -"Constituir família" é um conceito de direito – teriam de ser invocados factos concretos que pudessem alicerçar esse conceito, e nada consta dos autos.
VII -Depois, a lei (..) não deixa ao livre arbítrio do senhorio a escolha da casa que sirva esse desiderato.
VIII -Tem de haver um critério racional, sob pena de haver abuso de direito.
IX -Abuso de direito existe quando tendo duas casas, uma delas em muito bom estado e outra sem qualquer comodidade e escolher-se denunciar a do inquilino que paga uma renda mais baixa.
X -Se é a própria A. a dizer que vive numa casa com 4 quartos, ela serve perfeitamente e com condições normais para albergar com dignidade o seu filho FF e se constituir família, e ter um filho.
XI -Nunca pode ser critério de escolha de denúncia a renda mais baixa que paga um inquilino, quando se está perante casas que têm as mesmas divisão interiores, embora uma delas até com melhores condições porque sofreu obras de recuperação.
XII -Ao escolher-se a casa que tem a renda mais baixa, deixa de ter-se em consideração a eventual necessidade de habitação dum filho, para se nortear, somente, por um critério especulativo de poder aumentar o rendimento do contrato de arrendamento denunciado.
XIII -Que é um fim que a equidade e a justiça não consente, pois visa fins reprováveis e censuráveis.
XIV -É considerada uma casa grande a que tem 3 quartos, 2 casas de banho, uma cozinha com despensa e uma sala onde só vive a A., divorciada, e poderá viver um filho – FF, com uma mulher e filho que eventualmente nasça.
XV -Destarte, com base nos depoimentos invocados do depoimento de parte, das testemunhas GG e do Irmão HH, deve ser alterado para provado o item 1 dos factos não provados, ou seja, que a casa onde a A. reside tem muitos quartos, salas, zonas de lazer, casa de banho, que permite viver de forma independente.
XVI -Se existe um centro hípico com 30 boxes e outros tantos cavalos, tem de estar sempre alguém por perto, não sendo possível que o único vigilante e responsável viva a 4 / 5 Km do local, pois não atende a qualquer situação de necessidade, devendo por isso, ser alterado para provado o item 2 dos factos não provados.
XVII - É manifesta a contradição entre os itens 17 e 24 dos factos provados.
XVIII - Não pode dar-se provado o item 17 que a A. não tem outra casa disponível no Concelho da Maia, quando no item 24, já se dá como provado que tem outra casa na mesma Rua, arrendada como a dos autos e em melhores condições de habitabilidade, devendo pois ser anulado o quesito 17 por manifesta contradição com a resposta do item 24.
(…)
XXI -Tanto mais que o Réu provou que fica com grande fragilidade económica, quando está reformado por inavalidez com IPP de 68% e com uma reforma de 494,19 €.
Termos em que devem ser alteradas as respostas aos quesitos indicados com base na prova gravada, deve anular-se a resposta ao quesito 15 por conter matéria conclusiva e de direito, devem ser levados à matéria dos factos provados os itens 1 e 2 dos factos não provados e, por contradição deve ser revogada a resposta ao quesito 17º em confronto com o quesito 24, tudo por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 334, 1102 1 al. b) e nº 3, ambos do C.C. e devendo a Sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente.
Se assim se não entender, então tem a Reconvenção de ser julgada provada por procedente com a indemnização das benfeitorias por 6.800,00 €, com o que tudo se fará a sempre esperada JUSTIÇA. Nas contra alegações, a autora sustentou o acerto da sentença.

FOI APRESENTADO RECURSO SUBORDINADO TENDO NESTE ELABORADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1º - O presente recurso advém da Sentença proferida nos autos, na parte em que julga parcialmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, decide condenar a Autora / Reconvinda no pagamento ao Réu / Reconvinte da quantia de € 4.955,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 01/12/2021 até efetivo e integral pagamento.
2º - Pelo presente se impugna quer a matéria de facto, pretendendo a reapreciação da prova gravada, quer a matéria de direito desta parte da decisão recorrida.
3º - A Meritíssima Juiz a quo julgou como não provado que: “O Réu nunca comunicou a necessidade de realização de obras, nem as obras realizadas” – Ponto 5 dos Factos Não Provados.
4º - Da análise da prova produzida em Audiência de Julgamento retêm-se factos que determinam conclusão diversa da vertida na decisão a quo.
5º - Há, em nosso entender, erro na apreciação das provas.
7º - Tal prova resulta inequivocamente do depoimento de parte da Autora e do depoimento da Testemunha HH.
8º - Consta da Fundamentação de Facto da decisão a quo que “Quanto às benfeitorias resultou do depoimento da testemunha HH, que nunca foi solicitada a execução de obras pelo que estas nunca foram realizadas pelo senhorio.”
9º - Sob pena de existir grave contradição entre a fundamentação e a decisão, outra não poderá ser a conclusão quanto ao ponto 5 dos Factos Não Provados que não seja o considerar-se como provado.
10º - Deverá ser julgado provado que o Réu nunca comunicou a necessidade de realização de obras, nem as obras realizadas.
Posto isto,
11º - Há factos indubitavelmente provados que determinam aplicação do direito de modo totalmente oposto ao decidido pelo Tribunal a quo.
12º - O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1273º a 1275º do Código Civil, desatendendo ao disposto nos artigos 1036º e 1046º do Código Civil.
13º - O Réu e seus antecessores nunca comunicaram a necessidade de realizar qualquer obra. Nunca solicitaram qualquer intervenção. Nunca despoletaram o mecanismo legal previsto para a necessidade de obras nos prédios arrendados. Nunca comunicaram que iriam realizar ou que realizaram qualquer obra no arrendado.
14º - As obras invocadas, a terem sido efetuadas, foram sem autorização da Recorrente / Autora /Reconvinda ou dos seus antecessores.
15º - Nos termos da lei, só o possuidor de boa-fé que tenha efetuado obras que o senhorio se recusou a fazer e que eram urgentes e indispensáveis à conservação do arrendado tem direito a benfeitorias.
16º - De acordo com o estipulado pelo artigo 29º do NRAU, “a cessação do contrato dá ao arrendatário direito a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé.”
17º - Mas tão só pelas obras licitamente feitas e nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé, na conjugação do estipulado nos artigos 1036º e 1046º do Código Civil.
18º - Ou seja, apenas pelas obras que o senhorio se recusou a fazer e que eram urgentes e indispensáveis à conservação do espaço arrendado.
22º - Pelo que o Réu / Reconvinte não pode ser equiparado a possuidor de boa-fé.
23º - O regime legal previsto nos artigos 1273º a 1275º do Código Civil não tem aplicação ao caso concreto. Pois, no âmbito do contrato de arrendamento, quanto a benfeitorias, aplica-se o regime especial previsto no artigo 29º do NRAU e artigos 1036º e 1046º do Código Civil.
24º - Portanto, na estrita aplicação da lei, mormente do disposto no artigo 29º do NRAU e nos artigos 1036º e 1046 do Código Civil, deverá ser julgado que o Réu / Reconvinte não tem direito a qualquer indemnização por obras.
25º - E, consequentemente, deverá a Recorrente / Autora / Reconvinda ser absolvida do pedido reconvencional.
SUBSIDIARIAMENTE,
26º - A decisão a quo fez também errada interpretação e aplicação do artigo 805º do Código Civil, relativo ao momento da constituição em mora do devedor.
27º - O Tribunal a quo decidiu condenar a Recorrente / Autora / Reconvinda no pagamento ao Réu / Reconvinte da quantia de € 4.955,00 acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 01/12/2021 até efetivo e integral pagamento.
28º - Pensamos querer dizer 10/12/2021, pois esta data corresponde à notificação da Contestação com pedido Reconvencional.
29º - In casu não estamos perante matéria de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco.
30º - Só após o julgamento e consequente decisão se tornou líquido o valor das benfeitorias realizadas. 31º - Razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 805º, n.º 3 do Código Civil, o momento da constituição em mora deverá ser fixado na data de trânsito em julgado da decisão e não da notificação do pedido.
Acresce que,
32º - Há na postura do Réu / Recorrido fortes indícios de estar a agir de má-fé: O Réu / Recorrido interpôs Recurso sem qualquer fundamento válido.
33º - Com o seu Recurso, o Réu visa, única e exclusivamente, protelar o trânsito em julgado da decisão e, consequentemente, adiar a entrega do locado.
34º - O Réu faz uso reprovável dos meios processuais com fim de conseguir objetivo ilegal de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
35º - Razão pela qual deve ser considerado procedente o pedido de condenação do Réu, como litigante de má-fé, devendo ser, consequentemente, condenado em multa e indemnização.
Termos em que deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão da primeira instância na parte da decisão do pedido reconvencional e, em consequência, ABSOLVER-SE a Recorrente, conforme o acima exposto.
Subsidiariamente,
a haver condenação da Recorrente no pagamento de valor de benfeitorias ao Réu, deverá ser julgado que a tal valor deverão acrescer os juros que se vencerem só após a data de trânsito em julgado da decisão e até efetivo e integral pagamento.
Mais,
deverá ser julgado procedente o pedido de condenação do Réu, como litigante de má-fé, sendo, consequentemente, condenado em multa e indemnização.
Foram juntas contra-alegações. Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Em consonância e quanto ao recurso principal, atentas as conclusões do recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
Quanto ao Recurso do Réu
1- Conhecer da impugnação da matéria de facto
2- Reapreciar o direito da autora nomeadamente à luz do abuso de direito

Quanto ao recurso subordinado
3- Conhecer da impugnação da matéria de facto
4- Reapreciar o direito do Réu à indemnização por benfeitorias realizadas no locado
5- Reapreciar o momento da constituição em mora para efeitos de condenação em juros.
6- Litigância de má fé.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

FUNDAMENTAÇÃO JURIDICA:

O RECURSO DO RÉU:

IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
I Pretende o Recorrente a alteração dos factos provados 26 a 36, no sentido de ser fixado ao valor global das obras o montante de € 6.800,00, em face do teor do relatório pericial e consequente alteração do item 3 dos factos não provados para provados.
A recorrida sustenta que, na sentença, não foram atendidos os valores constantes do relatório pericial atinentes aos armários de cozinha e ao pavimento exterior, porque se trata de obras cujo valor não foi reclamado.
A fundamentação da sentença: o relatório pericial e esclarecimentos prestados ao mesmo. O teor dos factos impugnados:
26. Os tacos que constituíam o piso da casa estavam podres.
27. A porta de acesso ao locado estava podre e deixava entrar água e ar. 28. A casa nunca tinha sido pintada e o cimento estava degradado.
29. O sistema de eletricidade não aguentava a corrente. 30. A tubagem da cozinha estava obstruída com ferrugem. 31. O Réu procedeu a obras no locado, mormente:
a) substituiu o piso de tacos para tijoleira, no valor de 1.230,00 €;
b) substituiu a porta da frente por uma de alumínio, no valor de 120,00 €; c) Pintou a casa por fora, no valor de mão de obra e tinta de 1.000,00 €; d) mudou todo o sistema de eletricidade, no valor de 850,00 €;
f) substituiu toda a tubagem de água fria e quente, na cozinha, e colocou um cilindro, no valor de 1.005,00 €;
g) colocou de azulejos na cozinha, no valor de 420,00 €;
h) construiu uma casa de banho nova, tubagens e peças de loiça com bidé, lavatório e "poliban", no valor de 240,00 €
i) colocou de janelas e persianas, no valor de 90,00 €. 32. A tijoleira não pode ser levantada sem ser destruída. 33. A porta de acesso ao locado só serve para o mesmo.
34. O sistema de eletricidade e a tubagem da água não podem ser retirados. 35. Os azulejos da cozinha e casa de banho não podem ser retirados.
36. As janelas e persianas não podem ser retiradas.
O facto não provado nº 3: A casa de banho não tinha peças sanitárias. DECIDINDO:
I-a
O Recorrente impugna o valor fixado na sentença para as obras efetuadas. Este valor é o que consta do ponto 31 da matéria de facto. Nenhuma causa ou relação de utilidade, portanto, no que respeita ao mesmo facto: “valor” em relação aos demais pontos impugnados, pois.
Isto posto, conforme decorre do alegado em 36º da contestação as obras cujo pagamento se requer são as elencadas no artigo 31º da fundamentação de facto.
Na perícia realizada, tais obras estão valorizadas de acordo com o que consta da sentença e no custo que nesta está fixado.
O diverso montante global encontrado na perícia deve-se ao facto de terem sido consideradas no relatório outras obras que estão fora do objeto do processo por não terem sido peticionadas, e, que por isso mesmo, também não têm nem devem ter assento na fundamentação de facto, o que decorre se mais não fora do princípio do dispositivo e do ónus de alegação de todos os factos que constituem a causa de pedir que sobre o titular do direito impende (artigo 552º do Código de Processo Civil).
I-b
No que respeita ao facto não provado no ponto 3, não se vislumbrando sequer a sua utilidade para a decisão, também é certo que nenhuma prova concludente a tal respeito resulta do relatório pericial, já que o perito no que a esta matéria diz respeito esclareceu que apenas quis dizer que “as louças eram novas à data da sua colocação”
Não se atende por consequência a este segmento do recurso.
II Requer ainda o apelante a revogação da resposta dada ao ponto 17 da matéria de facto por contradição com o facto 24.
A Recorrida vem sustentar que não existe qualquer contradição por se tratar de facto que deve ser aferido em relação à pessoa do filho.
O teor do ponto 17: “A Autora não tem qualquer outro imóvel, disponível, no concelho da Maia que satisfaça as necessidades de habitação do seu filho”
O teor do ponto 24: “A casa nº ..., sita no nº ..., da mesma rua, encontra-se arrendada e em melhores condições de habitabilidade pois foi objeto de obras”.
DECIDINDO:
Em tese, para haver contradição entre dois ou mais factos é necessário que os mesmos traduzam realidades antagónicas e excludentes entre si, isto é, a existência de um implique que o outro não possa existir, ou o contrário.
No que respeita aos factos em análise, a contradição entre ambos está afastada pelo facto de a casa referida no ponto 24 estar arrendada, o que equivale à falta de casa. Ver neste sentido o CC anotado, Ana Prata e outros, 2º vol., Almedina 2021, p. 1405.
Não se acolhe, por consequência, também aqui o recurso.

III Pretende ainda o recorrente que seja alterada de não provado para provado os pontos 1 e 2 dos factos não provados.
Têm estes a seguinte formulação:
1. A casa onde a Autora reside tem muitos quartos, salas, zonas de lazer, casa de banho, que permite viver de forma independente.
2. Os cavalos existentes na exploração agrícola exigem a presença permanente do filho da Autora. Vejamos.
No que respeita ao ponto 1 dos factos não provados, trata-se de uma formulação conclusiva “tem muitos quartos” e permite viver de forma independente”.
Donde que devendo o julgamento de facto incidir apenas sobre factos concludentes não é sequer de reapreciar este segmento da impugnação de facto.:
No que respeita ao ponto 2, sendo este também uma afirmação conclusiva “permanente”, no sentido de se ignorar se asserção significa 24 horas ininterruptas ou outro horário e em que termos, acresce que não se vê a utilidade da apreciação deste ponto da matéria de facto, pois, da mesma asserção, não pode extrair-se sequer se existe necessidade de residir na exploração.
Como escreve Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, “a Relação deve (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.”
É este também o entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores, neste sentido, por todos, AC STJ de 17.05.2017, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator MOREIRA do CARMO, AC RP de 19.05.2014, relator CARLOS GIL, AC RP de 7.05.2012, relator ANABELA CALAFATE e AC RC de 24.04.2012, relator A. BEÇA PEREIRA, TRG de 9.04.2015 (ANA CRISTINA DUARTE), 4649/11.8TBBRG.G; e deste Tribunal da Relação de 24-02-2022 (deste Coletivo de Juízes) 276/20.7T8AVR-A.P1, e 15.12.2021 (JORGE SEABRA) pr 1442/20.0T8VNG.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt
Não se conhece, por consequência, também aqui do recurso por se tratar de ato inútil. (artigo 130º do Código de Processo Civil)

IV Pretende ainda o Recorrente ver eliminado o ponto 15 da fundamentação de facto invocando tratar-se de asserção conclusiva.
Este ponto de facto tem a seguinte formulação: FF reside com a Autora e quer fixar residência no imóvel arrendado e aí instalar o seu lar e constituir família.
Vejamos.
Esta asserção factual pode decompor-se em 3 a saber: (i) fixar residência, (ii) instalar o lar e (iii) constituir família.
Fixar residência é simplesmente factual. Instalar o lar e constituir família, embora imperfeitamente expresso, não deixa de ser concludente, no caso em concreto em que se percebe bem que se pretende afirmar o agregado decorrente de relações a estabelecer, pois, como é sabido, o lar é a residência da família e esta constitui-se pelo casamento (ou relações equiparadas).
Donde que, apesar de haver reparo, não concordamos com o Recorrente. Pelo que também aqui se não reconhece razão ao Recorrente.
V Intocada a matéria de facto fixada na sentença vejamos o direito:
Não está em discussão que o senhorio goza do direito de denúncia justificada do arrendamento nos casos previstos no artigo 1101º alínea a) do CC, que é a norma fundamento da presente ação.
Os factos provados conduzem à verificação dos requisitos constantes do artigo 1102º do CC (redação da lei n.º 31/2012, de 14-08), necessários à procedência da ação, isto é, ao reconhecimento de que a autora tem o direito de denúncia do arrendamento dos autos para habitação do seu filho.
O Recorrente vem invocar o abuso de direito sustentado no facto alegado de que a Autora tem outra casa com melhores condições para albergar o filho e terá optado pela denúncia da casa do Réu, por se tratar de arrendamento com renda muito baixa.
Sucede que o direito de denúncia do senhorio, em casos como o dos autos, está sujeito aos requisitos previstos no artigo 1102º, nº 1, alínea a) e b) e 3 do CC e que “com a última redação deste artigo, deixou de ser requisito o que constava do nº 2, entretanto revogado, que era o de o senhorio só poder denunciar o contrato de arrendamento mais recente, no caso de ter mais de um prédio arrendado adequado às suas necessidades. Assim, nestas situações, pode hoje o senhorio optar livremente pela denúncia de qualquer dos arrendamentos”.
Acresce que, com a lei 6/2006 de 27.02, deixaram de existir limitações ao direito de denúncia, no caso de o inquilino ter idade avançada, sofrer de invalidez ou se manter no locado há mais de 30 anos. Daqui que o exercício pela autora do direito acionado nos autos é legítimo em face dos normativos legais em vigor e não se pode qualificar como abusivo.
Efetivamente, a consagração legal do abuso do direito consta do artigo 334º do Código Civil que prescreve: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Na interpretação deste normativo, Menezes Cordeiro, in portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/ antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star, deve entender-se que o legislador pretendeu dizer “é ilícito” ou “não é permitido” com a asserção “ilegítimo”; e, bem assim, deve fazer-se adequação do conceito “manifestamente” a uma realidade definida em termos objetivos; e, bem assim, que “limites impostos pela boa fé” têm em vista a boa fé objetiva.
Aparentemente, lidamos com a mesma realidade presente noutros preceitos, com relevo para os artigos 227.º/1, 239.º, 437.º/1 e 762.º/2 (princípios mediantes: “a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente)”. (…) o “fim social ou económico do direito” apela a uma interpretação que dê valor à dimensão teleológica. Já a locução “direito” surge, aqui, numa aceção muito ampla, de modo a abranger o exercício de quaisquer posições jurídicas”.
Isto posto, “O abuso do direito apresenta-se, afinal, como uma constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma atuação que, em princípio, se apresentaria como legítima”. Ibidem
Como supra se afirmou, a tutela jurídica da situação reclamada para o filho da autora de obter para si uma casa onde possa vir a residir é legítima e prefere na ordem jurídica ao direito do réu em permanecer no locado, não configurando, em concreto, excesso ou violação dos limites impostos pela boa fé.
Pelo que, também aqui, se não reconhece razão apelante.

O RECURSO SUBORDINADO:
VI Pretende a recorrente a alteração do ponto 5 dos factos não provados para facto provado.
Tem a seguinte formulação este facto: “O Réu nunca comunicou a necessidade de realização de obras, nem as obras realizadas”.
Sustenta que, quer a Autora nas declarações de parte, quer o filho desta, a testemunha HH, declararam que nunca “nos foram solicitadas obras nenhumas” e o filho desta ainda que “nunca houve qualquer relação com os inquilinos desta casa desde o tempo dos seus avós”.
Ora,
A factualidade levada à fundamentação de facto pela negativa é irrelevante, já que o facto relevante é a autorização do senhorio à realização de obras e, em contrário, a oposição do senhorio às obras realizadas, oposição essa que, enquanto facto positivo, não consta do acervo da fundamentação de facto.
É que, no que à autorização do senhorio para realização de obras no arrendado respeita, a lei n.º 13/2019, na redação dada ao artigo 1074º nº 5 do CC, dispõe que: “salvo estipulação em contrário, a cessação do contrato dá ao arrendatário direito a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé,” redação esta que já constava do artigo 29.º da lei 6/2006 de 27.02.
Donde que, em face da lei, há que apurar: (i) Se as obras realizadas pelo Réu são lícitas; (ii) Se o Réu agiu de boa fé; (iii) A integração das obras no regime das benfeitorias.
São lícitas as obras executadas com autorização escrita do senhorio, ou as reparações urgentes previstas e as decorrentes de execução administrativa (cfra artigo 1036.º CC e nº 2 e 3 do artigo 1074º do CC).
Não estamos na presença de reparações urgentes ou de obras decorrentes de execução administrativa. Pelo que se trata aqui de obras que carecem de autorização do senhorio, como resulta claramente do nº 2 do artigo 1074 CC: «o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando esteja autorizado, por escrito, pelo senhorio».
E certo que não resulta dos autos que os AA tenham dado autorização escrita à execução das obras, todavia, a doutrina costuma distinguir duas espécies de formalidades: formalidades ad substantiam, cuja falta tem a pena de nulidade do negócio. São formalidades absolutamente insubstituíveis por qualquer outro género de prova e as formalidades simplesmente ad probationem impostas apenas para a prova do negócio, estas que são formalidades cuja falta pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir – Vde. Manuel de Andrade Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 3.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1972:145)
É no artigo 220.º do CC que encontramos a consagração desta distinção (“quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei’’) depois retomada no artigo 364.º (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005:434).
Nem sempre é fácil determinar o sentido da lei quanto à exigência do documento, isto é, se este apenas se requer para prova da declaração. Um exemplo nítido é, porém, o do presente caso, em que a forma escrita para o consentimento do senhorio corresponde apenas a uma exigência de prova da declaração, para proteção do arrendatário (cfr. Ac RE, de 25.02.99, www.dgsi.pt).”
VII Os AA não alegaram oposição às obras realizadas, o que, no concreto domínio e circunstancialismo provado em que a relação contratual se desenvolveu, importa, naturalmente, e de acordo com os princípios da boa fé, a sua aceitação. Neste sentido, o acórdão do TRL de 7/2/2019 (da mesma Relatora), processo 389.11.6TBVPV.L2-.8, in Dgsi, que aqui seguimos de perto.
Esta conclusão torna inútil, por prejudicada, pois, a reapreciação do citado ponto 5 da matéria de facto, nos termos propostos pela Recorrente, de que, por isso mesmo, se não conhece com os fundamentos já aduzidos supra e que aqui se dão por reproduzidos por comodidade de escrita.
VIII Quanto à natureza das obras realizadas pelo Réu é assim de concluir que estamos na presença de obras lícitas e, como tal, à míngua de estipulação em contrário é o mesmo equiparado a possuidor de boa fé. Cfrº art 1074 e 1046 à contrário ambos do CC.
Importa, pois, enquadrar as obras no regime legal das benfeitorias.
A compensação pelas benfeitorias é regida em termos gerais pelos arts. 1273º e 1275º CC.
Segundo o art 216º/1 CC, constitui benfeitoria toda a despesa feita para conservar ou melhorar a coisa. Quando essa «despesa» tenha por fim evitar ou a perda da coisa, ou a sua destruição, ou a sua deterioração, o possuidor tem sempre direito a ser indemnizado, esteja de boa ou de má fé – art 216º/3 e 1273º/1 CC.
Quando a despesa não é indispensável para a conservação da coisa, evitando o seu detrimento, mas lhe aumenta o valor, ou potencialidade de gozo, o possuidor tem direito, em primeiro lugar, ao levantamento da benfeitoria; mas, quando esse levantamento não possa ter lugar sem detrimento da coisa, assiste-lhe o direito ao valor da benfeitoria, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa - arts 216º/3 e 1273 /1 e 2 do CC.
Quando a benfeitoria serve apenas para deleite ou recreio, só o possuidor de boa fé tem direito ao seu levantamento, se tal não resultar em detrimento da coisa. Caso contrário, ou caso o possuidor esteja de má fé, não assiste ao possuidor nenhum direito – art 216º/3 e 1275º/2 CC.
Havendo lugar a compensação devida por benfeitorias realizadas no locado, pelo locatário (artigo 1273º do Cód. Civil), esta deve ser apreciada segundo o regime do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473º a 482º do CC, independentemente da sua qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis (quando estas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa);
O princípio indemnizatório é o de que a ninguém é lícito locupletar-se à custa de outrem. Nos autos provou-se que as obras realizadas foram de melhoramento da habitação. Trata-se de benfeitorias necessárias, pelo que assiste ao Réu o direito a ser indemnizado.
A compensação deve ser aferida tendo em conta as regras alusivas ao enriquecimento sem causa – nos mesmos termos em que o são as benfeitorias úteis que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa, como já ficou dito, e se entendeu nomeadamente no acórdão do STJ de 17-11-2015, in dgsi, “não estamos aqui perante uma situação de reparação de um dano em decorrência de um ato gerador de responsabilidade civil (seja delitual, contratual, pelo risco ou por facto lícito), mas sim perante uma situação em que se visa obviar a um locupletamento injusto”.
“Com efeito, a obrigação de restituir pressupõe, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento - cfr. artigo 473.° do CC.
E este enriquecimento é apurado com base em dois pressupostos: o valor à data da realização das obras e o valor atual, posto que só há obrigação de restituir no que se haja efetivamente enriquecido, e os bens podem, entretanto, ter diminuído de valor ou sofrido deterioração.
No quadro factual que emerge dos factos provados apenas resulta o dispêndio de 4.955,00 euros e consequente melhoramento do imóvel, valendo este valor como critério para o enriquecimento e, como tal, para a medida do ressarcimento.
Neste sentido, convoca-se Luís Manuel Teles de Meneses Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2000, Almedina, Coimbra, pp. 386-387, nota 885. “O atual regime da restituição de benfeitorias necessárias e úteis ao possuidor, no âmbito do artigo 1273º do Código Civil, tem integralmente por fonte o enriquecimento sem causa, cuja aplicação não resulta apenas da remissão que é efetuada no artigo 1273º, nº2. Efetivamente, em se tratando de benfeitorias necessárias, uma vez que o proprietário teria sempre que as realizar, ele fica enriquecido pela poupança da despesa correspondente, pelo que se justifica que restitua o seu montante, quer ao possuidor de boa fé, quer ao possuidor de má fé.
Ainda na jurisprudência, “Tratando-se de benfeitorias úteis, o enriquecimento não consiste na poupança da despesa pelo proprietário (pois este poderia não a realizar), mas antes no correspondente incremento do valor da coisa, que pode ser restituído através ius tollendi (que corresponde à restituição em espécie, nos termos do artigo 479º, nº1) ou através da restituição do valor correspondente, em caso de impossibilidade (artigo 1273º, nº2 e artigo 479º); cfr. Ac. TRL 30/1/92 em CJ 17 (1992),1,pp. 150-152)”. Pelo que, mercê dos princípios consagrados nos supra mencionados artigos 1273.°, 1275.° e 479º, todos do CC, não se acolhe neste segmento o recurso subordinado.
Vem ainda a apelante recorrer da sentença na parte em que fixou juros sobre o valor indemnizatório contados desde 1.12.2021, data em que foi a mesma notificada do pedido reconvencional.
No que aos juros diz respeito, concedemos que a Recorrente tem razão.

Se, por um lado, a indemnização fixada a favor do Réu não resulta de facto ilícito imputável à autora, por outro lado, a mesma só se torna líquida com o trânsito da decisão final (artigo 805º nº 1 e 3 1ª parte do CC).
Em conformidade, neste segmento vai alterada a sentença.

IX A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ:
No que respeita à litigância de má-fé, convocamos o Acórdão do TRL 16/12/2021 NELSON BORGES CARNEIRO (12367/19.2T8LSB.L2-2), no sítio do ITIJ, cujo sumário segue: “I – É corrente distinguir má fé material e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. II – Preencherá o ilícito típico da al. a), do art. 542º, nº 2, a parte que tenha consciência da falta de fundamento da sua pretensão, ou aquela que, embora não a tendo, devê-la-ia ter se houvesse cumprido os deveres de cuidado que lhe eram impostos. III – Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido objetivo, litigará de má fé se, não obstante conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse. IV – Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. V – Também ao nível da responsabilidade processual, o grau de diligência exigível ao litigante deverá partir da diligência do bom pai de família, ou seja, da diligência que um homem medianamente prudente e cuidadoso teria empregado previamente à propositura de uma ação judicial. VI – O grau de culpabilidade do agente será tanto maior quanto mais intenso o dever de ter agido de outro modo, podendo, em consequência, a negligência com que atua ser considerada simples ou grave”, por outro lado, como consignou o Acórdão do STJ de 29-04-2010 (SEBASTIÃO PÓVOAS) 46/10-OYFLSB, também no ITIJ (…) “exige-se a má-fé (dolo ou culpa grosseira) em sentido psicológico, que não apenas má-fé em sentido ético (leviandade ou mera imprudência)”,
Ora, o comportamento do Réu/Recorrente , espelhado nos autos, não constitui a prática de atos contrários àqueles deveres referidos, antes traduz a sustentação de uma posição que não logrou obter vencimento por falência do recurso de impugnação da matéria de facto e não acolhimento da sua posição quanto ao direito sustentado no recurso que é um meio legítimo de reação à sentença proferida e de que se socorreu também de forma legítima o mesmo Réu, sem violação dos deveres de probidade e lealdade processual. Logo, não assume a sua conduta natureza de má-fé processual.

SEGUE DELIBERAÇÃO:
Não provido o recurso do réu. Provido parcialmente o recurso subordinado. Alterada a sentença, fixando-se que, sobre o montante de 4955,00 euros, são devidos juros legais a partir do trânsito do presente acórdão.
Custas por ambos os Recorrentes na proporção do decaimento.

Porto, 12 de Julho de 2023
Isoleta de Almeida Costa
Ana Vieira
Carlos Portela