DENOMINAÇÃO SOCIAL
MARCA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
DECISÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário

- A relação entre a denominação social e a marca em termos de apresentação ao público segue ditames idênticos ao da comparação de marcas;
- Uma denominação social não pode ser de tal modo semelhante ou invocativa de uma marca de molde a se confundir com esta;
- O elemento preponderante na determinação da confundabilidade é a imagem global do sinal;
- A decomposição dos elementos do sinal ou denominação é um segundo passo da decisão a proferir sobre confundabilidade;
- “A notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que uma marca notória deixa na memória do público consumidor uma lembrança persistente e tentadora”.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem a Secção de Propriedade Industrial, Concorrência, Supervisão e Regulação do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório
Inconformada com o decidido pelo 2º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual em 17.04.2018 no âmbito do processo 429/17.5YHLSB, veio recorrer a este Tribunal Dietimport S.A. concluindo, após motivações, que:
A) O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos autos da Acção de Processo Comum interposta por Dietimport, S.A. contra a Celeiro da Saúde, Unipessoal, Lda., na qual a Autora veio pedir a anulação da denominação social da Ré, bem como o cancelamento da respectiva matrícula, inscrições e registos na Conservatória do Registo Comercial/Registo Nacional de Pessoas Colectivas, assim como em quaisquer outros serviços ou entidades nos quais o correspondente registo se encontre lavrado; a proibição da Ré utilizar, na atividade comercial, a referida denominação social e a condenação da mesma no pagamento das custas e procuradoria condigna; 
B) Como ficou provado, a Apelante dedica-se há mais de 30 anos à comercialização de produtos naturais, dietéticos e suplementos alimentares, possuindo uma rede de lojas no território nacional, designadas, desde 2012, por CELEIRO e antes por "Celeiro-Dieta", na década de 70, por "Celeiro Drogaria";
C) Por seu lado, a Apelada, constituída em 18.11.2013, tem por denominação social CELEIRO DA SAÚDE, UNIPESSOAL, LDA. e como objecto social o comércio a retalho de produtos alimentares;
D) Também ficou provado que a Apelante é titular, entre outros, dos seguintes registos, todos registados antes da data de constituição da Apelada (2013):
- Logótipo N.º 14296 CELEIRO (sinal verbal)

- Marca nacional N.º 439285 CELEIRO (sinal verbal);
E) Como resulta da matéria de facto dada como provada, quer a Apelante, quer a Apelada usam no comércio a palavra "CELEIRO";
F) O objecto do presente litígio consiste, em suma, em saber se a denominação social da Apelada, Celeiro da Saúde, Unipessoal, Lda., viola os direitos de propriedade industrial prioritários da Apelante;
G) Importa determinar se existe ou não risco de confusão (que inclui o risco de associação) entre os sinais distintivos prioritários da Apelante e a denominação social da Apelada;
H) Partindo do pressuposto - a nosso ver, totalmente infundado - que o vocábulo CELEIRO tem fraca capacidade distintiva e que, por esse motivo, o seu registo como marca ou logótipo não confere à Apelante um exclusivo sobre o uso desse mesmo vocábulo, o Tribunal a quo entendeu que não existe possibilidade de confusão ou de associação entre as entidades e os seus produtos e serviços;
I) Estará em causa a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 222.º e 223.º do CPI, in casu, o artigo 223.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código. Nos termos deste artigo: "Não satisfazem as condições do artigo anterior (nos termos do qual "uma marca pode ser constituída por (...) palavras (...), desde que sejam adequadas a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas"), as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo".
J) De referir que o disposto nesse artigo aplica-se mutatis mutandis aos logótipos por força do artigo 304.º-H, n.º 1, alínea b) do CPI, que estipula a recusa do registo de logótipos quando sejam constituídos por sinais desprovidos de qualquer carácter distintivo;
K) Uma vez que "celeiro" não corresponde ao nome dos produtos nem ao nome dos serviços ou actividades que a marca e logótipos da Apelante assinalam, a palavra "celeiro" não pode, nem deve, desde logo, ser considerada uma denominação genérica;
L) Por outro lado, a palavra "celeiro" também não informa o consumidor sobre quaisquer características ou qualidades dos produtos alimentares ou dos serviços ou actividades a que se destinam a marca e logótipos da Apelante. Assim, a palavra "celeiro" também não pode ser considerada uma denominação descritiva;
M) Portanto, a palavra "celeiro" não pode ser considerada genérica nem descritiva para identificar produtos naturais, dietéticos e suplementos alimentares, ou entidades e serviços associados à comercialização dos mesmos;
N) Não se entende que, do ponto de vista jurídico, o vocábulo "celeiro", neste contexto, possa ser considerado como destituído de carácter distintivo ou mesmo com fraca capacidade distintiva.
O) Acresce que, na avaliação do carácter distintivo de um sinal há que ponderar as particularidades do caso concreto e a sua apreciação deve ser feita "por um lado, relativamente aos produtos e serviços a que se destina e, por outro, em relação à percepção que dela tem o público relevante, que é constituído pelo consumidor médio desses produtos ou serviços, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido" (Carlos Olavo, "Propriedade Industrial", 2005, pág. 82);
P) Como ficou provado nestes autos, a Recorrente tem anteriormente registados, a seu favor, marca e logótipos para a palavra CELEIRO, de sinal verbal e de sinal misto. A marca assinala produtos nas Classes 5, 29, 30, 31 e 32 da Classificação Internacional (Acordo de Nice) e os logótipos assinalam a actividade de comércio por grosso de produtos alimentares, importação e distribuição de produtos dietéticos, naturais e alimentares;
Q) Se os sinais CELEIRO da Apelante forem apreciados em relação aos produtos ou aos serviços que protegem, não se vislumbra como podem ser considerados com fraca característica distintiva e, muito menos, sem carácter distintivo!
R) E se os mesmos sinais forem ainda apreciados em relação à percepção que deles tem o público pertinente, também não se vê como podem ser considerados com fraca característica distintiva e, muito menos, sem carácter distintivo!
S) Nenhum destes critérios foi referido pelo Tribunal a quo;
T) O consumidor sabe que quando vai a uma loja CELEIRO não vai a um celeiro, no sentido literal ou dicionarizado da palavra, mas sim a uma loja cujo nome de fantasia é CELEIRO;
U) É inquestionável que os sinais CELEIRO da Apelante são entendidos pelos consumidores como sinais distintivos da proveniência empresarial dos produtos e serviços que assinalam, ou das entidades que os distribuem ou prestam esses serviços;
V) Por conseguinte, o Tribunal a quo errou ao partir do pressuposto que o sinal CELEIRO registado a favor da Apelante, é uma designação com fraca capacidade distintiva;
W) Apesar de estarem em causa produtos relacionados com a alimentação, não se compreende com que fundamento se pode dizer que o vocábulo CELEIRO tem fraco ou até nenhum carácter distintivo relativamente aos produtos e serviços ou às entidades assinaladas. Nem que, apenas por estar em relação com o sector alimentar, não pode ser do uso exclusivo da Apelante!;
X) Em apoio do alegado, a Apelante vem agora juntar o Parecer do Exmo. Senhor Professor Dr. Manuel Oehen Mendes que, relativamente à matéria sub judice, conclui como segue:
"1Q - A expressão "CELEIRO" e os sinais distintivos (marcas e logótipos registados) da DIETIMPORT, SA que a usam na sua composição, ou que são exclusivamente constituídos por ela, não são denominações genéricas, nem designações descritivas, quando utilizados para assinalar produtos naturais, dietéticos e suplementos alimentares, serviços relacionados ou entidades que prosseguem o objecto da sua distribuição ou comercialização;
2Q - Uma expressão usada por mais do que um agente económico na composição das respectivas marcas, dentro do mesmo âmbito merceológico, não é necessariamente uma expressão que se tenha tornado usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, para efeitos do disposto na alínea d) do nº 1 do art.º 223º CPI, ou do art.º 7º, nº 1, alínea d) do Regulamento sobre a Marca da União Europeia. Para tanto, a referida expressão ter-se-ia de ter convertido numa denominação genérica de segundo nível dos produtos ou serviços que assinala, o que não é manifestamente o caso da expressão em apreço.
3Q - "Celeiro" é, sem dúvida, uma expressão arbitrária e de fantasia, utilizada pela DIETIMPORT, SA, com prioridade, nos seus sinais distintivos registados (marcas e logótipos), em relação à qual não se verifica qualquer "Freihaltebedürfnis" dos seus concorrentes para poderem ter êxito no mercado. O facto de a dita expressão poder trazer consigo alguma carga sugestiva do carácter natural ou biológico dos produtos ou serviços que assinala enquanto marca, em nada altera a conclusão a que chegámos.
4Q - Mesmo que assim não fosse, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, como é óbvio, as marcas e logótipos da DIETIMPORT, SA, segundo o que consta da matéria dada como provada nos autos supra citados, há mais de 30 anos que são percepcionadas como tal pelos consumidores deste tipo de produtos em todo o país, isto é, como indicação da procedência empresarial dos mesmos. Razão pela qual têm de possuir, necessariamente, capacidade distintiva, quer ela seja originária, quer tenha sido adquirida pelo uso intenso e prolongado no comércio dos sinais distintivos em causa.";
Y) Não se entende porque motivo o Tribunal a quo afirma ser um facto em si notório que as marcas CELEIRO da A. são conhecidas pela maioria do público consumidor de produtos naturais e, no entanto, conclui que não têm o estatuto especial que a lei atribui às marcas notórias;
Z) Sendo as marcas CELEIRO da Autora, ora Apelante, conhecidas pela maioria do público consumidor de produtos naturais, a conclusão a retirar seria que SÃO notórias e, consequentemente, TÊM capacidade distintiva;
AA) Nestas circunstâncias, coloca-se a questão de saber se entre os sinais distintivos prioritários CELEIRO da Apelante e a denominação social da Apelada que contem a expressão CELEIRO DA SAÚDE, no mesmo sector de actividade económica, existe ou não risco de confusão para os consumidores (que inclui também o risco de associação);
BB) A sentença recorrida aponta claramente situações de confusão por parte de consumidores, já verificadas, contudo conclui que "Do facto de existirem algumas situações de confusão entre clientes - como alegado pela A. - não pode concluir-se pelo preenchimento da previsão do art.º 33º do RRNPC";
CC) Se é reconhecido pelo próprio Tribunal que se verificaram situações de confusão por parte dos consumidores, como se pode concluir, como o fez a sentença recorrida, que não se verifica uma susceptibilidade objectiva de o consumidor médio ser induzido em confusão?!
DD) Os consumidores são facilmente levados a pensar que o CELEIRO DA SAÚDE é mais uma loja CELEIRO, verificando-se uma óbvia confusão entre os sinais, nos termos do art.º 245.º e art.º 239.º do Código da Propriedade Industrial (CPI);
EE) Há confusão real entre concorrentes no mercado e evidente associação entre eles, como foi afirmado na sentença recorrida que, infelizmente, não retirou dessa afirmação uma correcta ilação;
FF) A marca registada N.º 439285 (sinal verbal) e o logótipo 14296 (sinal verbal), acima referidos, são unicamente compostos pela palavra "CELEIRO" pelo que a comparação entre os sinais em conflito deverá ter em atenção os elementos verbais;
GG) A Apelante é titular de uma família de sinais distintivos prioritários, todos caracterizados por terem em comum o substantivo "CELEIRO";
HH) A adição dos elementos verbais "DA SAÚDE" na denominação social da Apelada não poderá ser entendida como sendo suficiente para distinguir os sinais em conflito, tanto mais que os produtos que a Apelada vende nas suas lojas são produtos para a saúde, limitando-se tais elementos a identificar ou informar sobre o tipo de produtos à venda;
II) Sendo certo que a Apelante estabelece ocasionalmente acordos comerciais com terceiras entidades sobre o uso do sinal CELEIRO, a verdade é que a marca CELEIRO não está vulgarizada, nem é banal para os produtos, serviços ou para actividades assinaladas pelos direitos da Apelante;
JJ) "O exercício do jus prohibendi atribuído ao titular do direito de marca ou logótipo é, naturalmente, uma faculdade deste e não uma obrigação cujo "incumprimento” lhe acarrete consequências negativas, podendo ser exercido selectivamente, como se torna evidente pela relevância do consentimento, que está implícita, por exemplo, na licença de marca, e que não pode ser invocada por mais ninguém que não seja o seu beneficiário directo. O facto de a DIETIMPORT, SA, na gestão da sua propriedade industrial, não ter reagido ainda contra determinados registos, provavelmente por não terem qualquer expressão económica no mercado, não a impede - nem limita - de fazer valer o seu direito de exclusivo contra todos os demais" - como se pode ler no Parecer aqui junto;
KK) A factualidade descrita revela ainda estarmos perante um exemplo qualificado de concorrência desleal, na modalidade prevista nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 317.º do CPI, que proíbem "os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue", bem como "as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios” ;
LL) A situação é ainda mais gravosa uma vez que o sinal da Apelante é notório por ser conhecido pela maioria do público consumidor de produtos naturais, merecendo, portanto, uma protecção jurídica acrescida;
MM) Deve, portanto, ser anulada a denominação social da Ré, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do CPI e, consequentemente, decretada a proibição da sua utilização no comércio.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, considerados procedentes os pedidos da Autora, ora Apelante, para todos os efeitos legais, como se afigura de Direito e de Justiça!
O recurso foi admitido e a ele respondeu a Celeiro da Saúde, Unipessoal S.A., concluindo que:
A) A Apelante não tem o exclusivo da palavra "celeiro";
B) Há outros direitos privativos de propriedade industrial, que não são titulados pela Apelante, que incluem a palavra "celeiro";
C) Há várias denominações sociais que contêm a expressão "celeiro";
D) A Apelante afirma-se gratuitamente como sendo detentora de marcas notórias sem apresentação provas; 
E) Não se verifica o risco de o homem médio confundir Apelante e Apelada;
F) Não pode a Apelada ser proibida de utilizar, na sua vida comercial, a sua denominação social.
Defende a improcedência do recurso.
Este subiu a este Tribunal da Relação em 17.09.2018 e, após vicissitudes várias que para o caso não relevam, foram os autos a vistos e à conferência para julgamento.
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II – Do âmbito do recurso e da matéria de facto
Como é consabido são as conclusões que definem o âmbito do recurso.
A recorrente começa por referir que recorre de facto e de Direito. Contudo, lidas e relidas as conclusões do mesmo em momento algum a recorrente põe em crise (seja por erro, excesso ou omissão) a seriação factual levada a cabo na 1ª instância.
Assim, os factos têm-se por assentes.
São os mesmos os seguintes (transcrição).
1. A A. dedica-se há mais de 30 anos á comercialização de produtos naturais, dietéticos e suplementos alimentares, possuindo uma rede de lojas no território nacional designadas, desde 2012, por CELEIRO e antes por “Celeiro - Dieta”, na década de 70, e por “Celeiro Drogaria”;
2. É titular, entre outros, dos seguintes registos, todos concedidos antes de 2013:


- marca nacional n.º 439285 CELEIRO (sinal verbal), assinalando produtos nas classes 5, 29, 30, 31 e 32 da classificação internacional de Nice;
3. Tem um site na internet, no endereço https://www.celeiro.pt/ onde disponibiliza informações e aconselhamentos sobre questões relacionadas com produtos alimentares que vende e com cuidados de saúde, constando da página uma ligação para uma secção de esclarecimentos de dúvidas com o seguinte texto: Esclareça as suas dúvidas. Sabia que pode deixar questões relacionadas com saúde para serem respondidas pelo Celeiro? A nossa equipa é constituída por um médico e quatro nutricionistas para que a informação a que tenha acesso seja a mais adequada, personalizada e segura;
4. Tem uma página da rede social facebook, no endereço https://www.facebook.com/celeiro.pt/;
5. A R. foi constituída em 18.11.2013, tem por denominação social CELEIRO DA SAÚDE, UNIPESSOAL, LDA. e como objecto social o comércio a retalho de produtos alimentares;
6. Tem uma página na internet no endereço https://www.celeirodasaude.pt/ (e na rede social facebook, em https://www.facebook.com/celeirodasaudelda/) de que nomeadamente consta a informação: As lojas Celeiro da Saúde, nasceram dia 12 de Julho de 2012 (sexta feira dia 13). A primeira foi na cidade da Guarda, e neste momento somos 9 lojas, para nós o mais importante é o bem estar do cliente e a sua saúde! A sede é na Covilhã, fazemos das nossas lojas um lugar familiar onde todos se sintam bem!
7. Mostram-se registadas as seguintes marcas, não tituladas pela A. ou pela R.:
- Marca nacional 414068 concedida a 03.07.2008, assinalando na classe 29 da classificação internacional de Nice, carne, peixe, aves e caça; extractos de carne; produtos de charcutaria; frutas e legumes em conserva, secos e cozidos; geleias, doces, compotas; ovos; leite e produtos lácteos; óleos e gorduras comestíveis; azeites; flocos de batata, batata frita, e na classe 30, café, cacau, chocolate, sucedâneos de café, chá; açúcar; arroz; massas alimentícias; farinhas e preparações feitas de cereais; pão; pastelaria e confeitaria; gelados comestíveis; mel e xarope de melaço; levedura e fermento em pó; sal; mostarda; vinagre; molhos (condimentos); especiarias; gelo para refrescar; tapioca; sagú.
- Marca nacional n.º 470153 , concedido em 9.10.2010, assinalando nas classes 29, 30 e 33, compotas, biscoitos e licores;
- Marca nacional 464600 concedido em 23.06.2010, assinalando na classe 29 azeite comestível; azeitonas em conserva; queijos; charcutaria; chouriços de sangue [charcutaria]; compotas; legumes secos; presuntos e, na classe 33, aguardentes; bebidas alcoólicas que contêm frutos; alcoólicas (bebidas -) [com excepção das cervejas]; digestivos [vinhos e licores]; vinhos.
. marca nacional n.º 560981 CELEIRO DO CONVENTO (sinal verbal), concedido em 11.07.2016, assinalando na classe 29, marmeladas; compotas; geleias.
8. Mostram-se admitidas as seguintes denominações sociais: Celeiro da Cidade II - Dietética de Santarém, Lda. (NIF 503 913 030) e Celeiro Integral-Centro Dietético Unipessoal Lda. (NIF 506 406 768).”
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III - Do Direito
São estes os factos e a questão a tratar nestes autos, como se salienta na decisão recorrida, consiste em apreciar se a denominação social da R., Celeiro da Saúde, Unipessoal, Lda, viola os direitos de propriedade industrial prioritários da A. decorrentes do registo da marca e dos logotipos referidos no ponto 2 da fundamentação de facto.
A firma ou denominação social é a forma de identificação da sociedade, encontrando-se sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade, nos termos do artigo 3.º do Regime Jurídico do RNPC - Registo Nacional de Pessoas Colectivas (estabelecido pelo DL n.º 129/98, de 13 de Maio, sucessivamente alterado, pela última vez pela Lei n.º 89/2017 de 21.08).
Dispõe o art.º 33.º desse diploma, sob a epígrafe Princípio da novidade:
1 - As firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.
2 - Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas.
3 - Não são admitidas denominações constituídas exclusivamente por vocábulos de uso corrente que permitam identificar ou se relacionem com actividade, técnica ou produto, bem como topónimos e qualquer indicação de proveniência geográfica.
4- A incorporação na firma ou denominação de sinais distintivos registados está sujeita à prova do seu uso legítimo.
5 - Nos juízos a que se refere o n.º 2 deve ainda ser considerada a existência de marcas e logótipos já concedidos que sejam de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos.
6 - Para que possam prevalecer do disposto no número anterior, os titulares das marcas ou logótipos devem ter efectuado anteriormente prova do seu direito junto do RNPC. 
Resulta claro que nos termos do preceito citado, mormente no seu número 5, que deve ser recusada uma firma ou denominação social que seja de tal forma semelhante a marcas ou logótipos previamente registados que possa induzir em erro sobre a titularidade dessas marcas ou logótipos.
A decisão recorrida começa por desmontar as marcas e logotipo e a denominação para, justamente, concluir que o que existe de comum entre todos é precisamente o vocábulo “Celeiro” e que este vocábulo não possui capacidade distintiva suficiente. Considerou-se “Um celeiro é uma construção onde são guardados os cereais, o produto da colheita. Isoladamente, como sinal verbal distintivo do comércio, tem fraca capacidade distintiva, não conferindo o seu registo como marca ou logótipo um exclusivo sobre o uso do vocábulo (que pode ser usado por outros interessados na composição dos seus sinais).”
Com o devido respeito e concedendo que a situação é de fronteira temos que considerar que a recorrente tem, além do mais, registada a seu favor a marca “Celeiro”. Apenas “Celeiro”. E registou-a para determinadas classes, as classes 29, 30, 31 e 32 da classificação internacional de Nice, precisamente, em traços largos, a área da saúde reclamada pela denominação da recorrida (Celeiro da Saúde). Se o recorrente tem a marca tem a protecção que a mesma oferece.
É óbvio quanto a nós que se a recorrida se dedicasse, por exemplo, ao comércio de ferramentas não haveria qualquer possibilidade de confusão.
Como se reconhece na decisão recorrida. “É um facto em si notório que as marcas Celeiro da A. são conhecidas pela maioria do público consumidor de produtos naturais.”
O que acontece é que quem ouvir “Celeiro da Saúde” e “Celeiro” ou “Celeiro Dieta” não vai pensar que são a mesma coisa mas vai, seguramente e dentro de uma normalidade sã (que é a que se pretende de um consumidor médio: vide por todos Acórdão do TJUE de 16-07-1998, proferido no processo C-210/9), pensar que se tratam de empresas/sociedade, símbolos ou “nomes” de uma entidade comum.
Contudo não deixamos de ter a noção que a Celeiro da Saúde estará a vender sub-produtos da Celeiro.
Mas a existência de confusão – alguma confusão – é algo inevitável no mundo dos negócios até porque a língua Portuguesa, embora rica é finita.
É verdade, como se refere no parecer junto pela recorrente que “(…) a palavra “celeiro”, apesar de utilizada na composição de outras (poucas) marcas registadas para produtos alimentares naturais e dietéticos, não constitui uma “designação de segundo grau” deste género de produtos ou de uma certa espécie dentro deste tipo de produtos, aos olhos dos respectivos consumidores, em resultado do uso dessa expressão na linguagem ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
“Celeiro” não é nem nunca foi, que saibamos, em qualquer linguagem ou circunstância, sinónimo de produto natural dietético ou de uma certa categoria de suplementos alimentares, nem nunca foi um termo utilizado por quem quer que seja, ou em que circunstâncias fosse, para designar quaisquer produtos ou serviços desta natureza.”
No entanto, não ser registável por ter um significado secundário é diferente de não ter capacidade distintiva.
Como se diz no referido parecer “O tema da presente controvérsia residirá, portanto, em determinar se entre os sinais distintivos prioritários da DIETIMPORT, SA e os sinais distintivos e a denominação social (posteriores) da CELEIRO DA SAÚDE, UNIPESSOAL, LDA. existe ou não um risco de confusão, no qual se compreende o risco de associação. Ou se estes eventuais actos de confusão poderão ou não configurar uma situação de concorrência desleal. Questões que ultrapassam o objecto do parecer solicitado e sobre as quais, por essa razão, não nos iremos pronunciar. “
Contudo, este Tribunal não se pode dar a tal luxo pois a sua função é decidir (ainda que lamentavelmente não o haja feito atempadamente).
Existe ou não um risco de confusão, no qual se compreende o risco de associação entre a denominação e as marcas? Sim.
E essa confusão é suficiente para induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos (Art.º 33 do RJPC)?
Sim. A marca Celeiro é uma marca notória e de prestígio (marca notória é aquela que é geralmente conhecida e reconhecida por todos aqueles que estão mais em contacto com o produto por ela assinalado. Marca de prestígio é aquela que goza de elevado grau de notoriedade no conjunto da população do país conforme se salienta no Ac. desta Relação de 06.05.2003, proc. 342/2003-7, Desembargador Proença Fouto, acessível em www.dgsi.pt)
Como se salienta neste aresto chamando à colação o Ac. S.T.J. de 04.02.00 in BMJ 496 “a notoriedade da marca agrava o risco de confusão, uma vez que uma marca notória deixa na memória do público consumidor uma lembrança persistente e tentadora”.
Assim, o público em geral acreditará sempre que a Celeiro da Saúde, cujo objecto são produtos dietéticos, pertence ao universo “Celeiro”. Está, inapelavelmente, estabelecida a confusão em termos não legalmente admissíveis.
Procede, sem necessidade de ulteriores considerações, o recurso
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IV - Dispositivo
Por todo o exposto, acorda-se nesta Secção de Propriedade Industrial, Concorrência, Supervisão e Regulação do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar provido o recurso interposto e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que anula a denominação social da Ré, ordena o cancelamento da respectiva matrícula, inscrições e registos na Conservatória do Registo Comercial/Registo Nacional de Pessoas Colectivas, assim como em quaisquer outros serviços ou entidades nos quais o correspondente registo se encontre lavrado e que proíbe a Ré de utilizar, na actividade comercial, a referida denominação social.
Custas pela recorrida.
Notifique

Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pelos Venerandos Juízes Adjuntos

Lisboa e Tribunal da Relação, 26 de Maio de 2020
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
Carlos M.G. de Melo Marinho
Ana Isabel Pessoa