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CONDUÇÃO COM ÁLCOOL
PENA ACESSÓRIA
ADMOESTAÇÃO
Sumário
A substituição da pena acessória de inibição de conduzir por pena de admoestação mostra-se legalmente inadmissível. A aplicação das penas está sujeita ao princípio da legalidade e de exigência constitucional. A pena acessória de proibição de conduzir emergente da prática de um crime, não é contemplada, no âmbito do C. Penal vigente, pela possibilidade de ser substituída por outra pena ou medida alternativa, nem de ser suspensa na sua execução, nem de ser especialmente atenuada. Todas estas possibilidades se mostram consagradas relativamente a penas de natureza diversa – designadamente, a penas de prisão ou de multa.
Texto Integral
Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – relatório
1. O arguido P____________ foi condenado, por sentença de 3 de Fevereiro de 2020:
a) Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo a quantia total de 300,00 euros (trezentos euros);
b) Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses.
2. O arguido veio apresentar recurso de tal condenação, alegando, em síntese, que a pena acessória imposta se mostra desadequada às características do caso.
Termina pedindo que a medida da pena acessória seja reduzida para o seu limite mínimo ou mera admoestação.
3. O recurso foi admitido.
4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso.
5. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
II – questões a decidir.
Alteração da pena acessória de inibição de condução.
iii – fundamentação.
1. Alega o arguido o seguinte, em sede conclusiva: I. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art.º 69º, nº 1, al. c), do CP II. O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena acessória de três meses de proibição de conduzir veículos motorizados. III. De acordo com o princípio do carácter não automático dos efeitos das penas, expressamente consagrado no art.º 65º, nº 1, do CP, “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”, IV. Assim, para que se justifique a aplicação de uma pena acessória é necessário que o juiz comprove um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação da pena acessória. V. No caso concreto e uma vez que o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido foram moderados não existe justificação para a pena acessória aplicada. VI. Na verdade, o arguido, no momento da prática dos factos que lhe foram imputados, encontrava-se extremamente ansioso c nervoso, uma vez que tinha sido vítima de um acidente de viação. VII. O arguido não tem antecedentes criminais por crimes graves sendo que os crimes que lhe foram imputados consubstanciam episódios únicos na sua vida. VIII O arguido nunca cometeu nenhuma contra-ordenação grave ou muito grave, sendo, por isso, um condutor exemplar. IX. O arguido está inserido profissional e socialmente. X. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, entre outros, os art.ºs 65º, 69º e 71º, todos do CP.
2. Apreciando.
i. O crime que apreciamos tem a natureza de crime de perigo abstracto (condução sob a influência do álcool), pois reporta-se à censura de uma actuação, independentemente de da mesma ter ou não resultado algum dano efectivo, algum resultado concreto.
O escopo da censura e consequente proibição e punição deste tipo de condutas é, precisamente, o de acautelar os riscos que acrescem a uma actividade já de si perigosa (o exercício da condução de um veículo automóvel), quando o agente que tripula tal viatura tem as suas capacidades psíquicas e motoras afectadas pela ingestão de bebidas alcoólicas.
Este comportamento ilícito é punido a título principal, com uma pena cuja moldura se mostra variável e que vai de um mês a 1 ano de prisão.
ii. Por seu turno, como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232, a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação.
A pena acessória tem assim uma natureza e função, em que predomina o elemento de prevenção especial, pois a conduta arriscada do agente impõe um período de reflexão, com afastamento efectivo da actividade que gerou o perigo, a título cautelar.
iii. Assim, e ao inverso do que o recorrente afirma, a imposição de tal pena acessória não depende de um raciocínio de adequação, de discricionariedade judicial, antes sendo determinada por vontade legislativa expressa – isto é, verificando-se o preenchimento dos elementos constantes na previsão normativa (art.º 69 do C. Penal), o sancionamento do comportamento criminal de um agente determinará que lhe tenha de ser imposta uma pena acessória, cumulativamente com a pena principal.
iv. Neste mesmo sentido se pronunciou, entre muitos outros, o acórdão do TRC, processo 1662/16.2PBVIS.C1, de 22-11-2017 (in www.dgsi.pt): I - Pela redacção introduzida no artigo 69.º, n.º 1, do CP, pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, o legislador fez desaparecer as menções referentes a qualquer pressuposto material que ultrapassasse a objectiva condenação por qualquer um dos crimes. II - O que revela claramente o seu entendimento de que nos casos referenciados naquele normativo, a condenação em pena acessória não depende da verificação de quaisquer especiais circunstâncias que justifiquem a necessidade da sua aplicação, mas unicamente do cometimento de um dos crimes enumerados e sempre cumulando com a pena principal (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 53/2011[ ], acessível em www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Setembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt).
v. De igual modo, é há muito jurisprudência pacífica (inclusive em sede de TC), que a imposição de tal pena acessória não ofende qualquer norma constitucional, mormente o disposto no art.º 34 nº4 da CRP, (vide ac. do TC 139/2012), assim como não ofende o direito ao trabalho (vide, neste sentido, ac. do TRP de 3/3/2010, proc.1418/09.9PTPRT.P1, in www.dgsi.pt: A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art.º 69º, 1 do C. Penal, não viola o art.º 58º, n.º 1 da CRP, segundo o qual “todos têm direito ao trabalho”. Com efeito, o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil que só colateralmente atinge o direito ao trabalho. Este, no entanto, na vertente do direito à segurança no emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que se mostre justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais.
vi. No caso que ora nos ocupa, mostrando-se preenchidos os requisitos constantes no art.º 69 nº1 al. c) do C. Penal, a imposição de pena acessória, pelo juiz, mostra-se obrigatoriamente determinada por lei, à semelhança, aliás, do que sucede a título de pena principal, pois a sua aplicação depende, de igual modo, do mero preenchimento dos elementos constitutivos do ilícito.
Tal pena acessória será então graduada, pelo juiz, entre os limites fixados na lei, em função dos factos, das circunstâncias, da culpa do arguido e das exigências de prevenção, nos termos do art.º 71º C. Penal.
3. A pena de inibição a impor deve mostrar-se proporcional à pena principal, atendendo-se à diversa moldura penal prevista para cada uma destas sanções (até 1 ano de prisão, no caso da pena principal e 3 meses a 3 anos quanto à pena acessória).
i. No caso dos autos, a pena aplicada a título principal é de 60 dias de multa, situando-se assim muito próxima do limite mínimo da moldura penal estabelecida para a pena principal para o crime cometido. Por seu turno, a pena acessória imposta reconduz-se, precisamente, ao limite mínimo da previsão normativa (3 meses), como decorre da mera leitura do art.º 69.º nº1 do C. Penal, pois a moldura penal aí consignada situa-se entre três meses e três anos.
ii. Assim, não só a pena acessória imposta se mostra de acordo com as regras legais e os critérios supra enunciados, como se mostra incompreensível um dos pedidos que o recorrente formula, que seria a sua diminuição para o limite mínimo legal, uma vez que a pena acessória determinada pelo tribunal “a quo” se reconduz, precisamente, à sua fixação nesse limite mínimo…
Constata-se, pois, que um dos pedidos que o recorrente formula se mostra de liminar rejeição, como aliás refere o Mº Pº na sua resposta.
4. Finalmente, e no que se refere à peticionada substituição da pena acessória de inibição de conduzir por pena de admoestação, esse pedido mostra-se legalmente inadmissível.
Na verdade – como é igualmente jurisprudência pacífica - a aplicação das penas está sujeita ao princípio da legalidade e de exigência constitucional. Ora, a pena acessória de proibição de conduzir emergente da prática de um crime, não é contemplada, no âmbito do C. Penal vigente, pela possibilidade de ser substituída por outra pena ou medida alternativa, nem de ser suspensa na sua execução, nem de ser especialmente atenuada.
Todas estas possibilidades se mostram consagradas relativamente a penas de natureza diversa – designadamente, a penas de prisão ou de multa.
Assim, não havendo previsão legal que possibilite a aplicação de tais institutos substitutivos ou suspensivos, não é legalmente admissível a sua determinação por via jurisdicional.
5. Resta, pois, concluir que as pretensões do recorrente, por falta de fundamento que as sustente, terão de soçobrar.
iv – decisão.
Face ao exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido P____________.
Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 2 UC.
Lisboa, 27 de Maio de 2020
Margarida Ramos de Almeida
Ana Paramés