DISCRIMINAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DOCUMENTOS
PARTE CONTRÁRIA
Sumário

I. O ónus da prova pressupõe o da alegação: a junção de documentos em poder da parte contrária não visa suprir a falta de concretização dos factos em que o requerente sustenta a sua pretensão, mas apenas fazer prova de factos concretos previamente alegados (art.º 429.º, n.º 1 do CPC).
II. Ao juiz cabe controlar a idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus e por isso o requerente deve identificar o documento e especificar os factos que com ele quer provar (norma citada).
III. Por isso, só faz sentido pretender-se provar que o autor foi discriminado pelo empregador face a outros trabalhadores com a mesma categoria, mas diferente retribuição, se tal tiver identificado, (já que cabe ao empregador alegar e provar que o diferente tratamento não é discriminatório: art.º 24.º, n.º 5 do CT).
(Pelo relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
AAA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BBB, na qual, além do mais, requereu que ré procedesse à junção aos autos de diversos documentos que teria em seu poder, o que, no despacho saneador, foi indeferido pela Mmª. Juiz do Tribunal a quo.
Irresignado, o autor recorreu desse segmento do despacho saneador, pedindo que nessa parte seja revogado e substituído por decisão que defira os meios probatórios requeridos, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1.ª O presente recurso vem interposto da decisão a quo de indeferir os meios probatórios requeridos pelo A., aqui Recorrente, e a serem fornecidos pela Ré /Recorrida que os tem em seu poder, para prova dos factos alegados nos art.ºs 16.º, 17.º e 18.º da p.i., documentos esses similares ao doc. n.º 4 junto com o articulado inicial, relativamente a todos os Tripulantes que desde 2011 e até 2019 usufruíram dias de férias, preferenciais ou não, nos períodos pretendidos pelo A. e referidos no art.º 9.º da mesma peça processual; e ainda os que sustentam a pontuação que em cada um desses anos era detida quer pelo A. quer por aqueles colegas.
2.ª Com vénia, entende o Recorrente que o indeferimento em apreço viola o disposto nos art.ºs 6.º, 7.º, 410.º, 411.º e 429.º, todos do Código do Processo Civil, bem como os art.ºs 24.º e 25.º do Código do Trabalho, o n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil e o art.º 20.º da Constituição da República
Portuguesa, pelas razões seguidamente expostas:
3.ª Em síntese, a Mmª. Julgadora a quo vem sustentar tal indeferimento numa insuficiência de alegação de matéria factual, quer na petição inicial, quer na resposta ao convite de aperfeiçoamento, invocando que 'o mecanismo de junção de documentos em poder da parte contrária, previsto no art.º 429.º, n.º 1, parte final do Código de Processo Civil, não visa suprir a falta de concretização dos factos em que o requerente sustenta a sua pretensão, mas apenas fazer prova, mediante documentos que se encontram em poder da parte contrária, de factos concretos previamente alegado'.
4.ª Todavia, e como melhor se explanou no corpo do presente recurso, pelo A. foi alegada e concretizada factualidade bastante, quer na p.i. (art.ºs 8.º a 11.º, 17.ºe 18.º), quer na resposta ao convite de aperfeiçoamento (art.ºs 1.º a 7.º,9.º, 10.º e 11.º), que permite instruir a causa de pedir em que o A. sustenta o pedido que formula contra a Ré, sendo ainda certo que, além dos factos articulados pelas partes, terão ainda de ser considerados pelo juiz, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (art.º 5.º do CPC).
5.ª Acresce que, como se conclui no douto Ac. do STJ, proferido no Proc. 4521/13.7TTLSB.L1.S1 de 14-12-2016:
'Instaurada acção com fundamento em algum dos factores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 24.º do Código do Trabalho em vigor, o trabalhador que se sente discriminado tem de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles factores característicos da discriminação. Nessas situações o trabalhador não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, actua a presunção prevista no n.º 5 do artigo 25.º do mesmo código…, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal o ónus da prova.'
6.ª Quer isto significar que, em harmonia com a norma do n.º 5 do art.º 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do factor de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objectivos e não decorre do factor de discriminação invocado.
7.ª Como se referiu, acontece que o Recorrente só pode indicar concretamente os Colegas que o preteriram e as respectivas pontuações, desde 2011 e até 2018, se lhe forem facultados os documentos que concretamente especificou no seu articulado, os quais se encontram na posse da Recorrida e aos quais não tem acesso. E, nesse pressuposto requereu ao abrigo da faculdade consagrada no art.º 429.º do CPC, que a Ré lhos facultasse.
8.ª A este propósito, refere Lebre de Freitas (com Montalvão Machado e Rui Pinto), no seu Código de Processo Civil anotado, em anotação ao artigo 528.º, actual art.º 429.º, que se trata de uma 'manifestação do princípio geral da cooperação material no campo da instrução do processo, o preceito tem em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento, que por isso é notificado, a requerimento da parte contrária para o apresentar (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume IV, página 40).'
9.ª Ora, no caso em apreço, a falta de acesso aos elementos probatórios que permitirão ao mesmo comprovar que a BBB Ré o está a discriminar e a prejudicar culposamente no exercício do seu direito a férias preferenciais, permite-nos ainda concluir que estamos perante uma das situações previstas no n.º 2 do mencionado art.º 344.º, tornando-se impossível ou extremamente dificultosa a prova pela parte onerada pelo que sempre se verificará a inversão do ónus da prova.
10.ª E por isso ficou prejudicada a resposta ou concretização da factualidade a que se reporta a segunda das questões colocadas no despacho de aperfeiçoamento, ou seja: qual a pontuação detida pelos tripulantes que gozaram ferias em Julho e a que era detida pelo A. em cada um dos anos a que se reporta na petição inicial.
11.ª Concluindo-se ainda que os documentos requeridos se destinam a fazer prova de factos relevantes controvertidos ou necessitados de prova (artigo 410.º do C PC) e que, ao indeferir a sua junção, está-se inequivocamente a vedar ao A. o direito à tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual implica o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la.
 12.ª Como se refere no douto acórdão do TC n.º 646/2006: 'O direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o direito à produção de prova'.
13.ª Assim sendo, poderá afirmar-se que devem ser admitidos os meios de prova requeridos pelo Requerente por se apresentarem como de relevância essencial para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, sendo que os mesmos foram inequivocamente identificados e o A. especificou os factos que com eles queria provar.
Seja como for,
14.ª Destinando-se os documentos a fazer prova de factos relevantes controvertidos ou necessitados de prova, o pedido que foi feito pelo A. sempre deveria ser apreciado no âmbito do regime da requisição de documentos no uso do seu poder-dever do Julgador consignado no mencionado art.º 429.º do CPC, devendo ser deferido em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.
Mais ainda.
15.ª Verificado o interesse que as informações solicitadas revestem para a boa decisão da causa e para o esclarecimento da verdade, incumbia ao tribunal, por sua iniciativa requisitá-las, no âmbito do dever de gestão processual que está consagrado no art.º 6.º do CPC.
16.ª E, também por força do princípio do inquisitório (411.º do CPC) está o Juiz adstrito ao poder-dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências que considere necessárias ao apuramento da verdade e á justa composição do litígio.
17.ª Pelo que deveria a Mmª. Juíza ter ordenado a realização da diligência em causa".

Contra-alegou a ré, sustentando a manutenção do despacho recorrido.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa o relator proferiu despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao seu conhecimento[1] e determinou que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito, tendo nessa sequência o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido de se conceder provimento à apelação.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Redistribuído o processo por virtude do relator inicialmente designado ter sido promovido e colhidos que foram novamente os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, a questão a resolver é a de saber se
• deveria ter sido admitida a requerida junção de documentos em poder da apelada.
***
II - Fundamentos.
1. O despacho recorrido:
"(…)
V. Requerimentos probatórios
(…)
c) Uma vez que o autor, não obstante convidado a fazê-lo, não identificou os colegas relativamente aos quais existirá a alegada discriminação, e sendo seu o ónus alegatório nessa parte (cfr. art.º 25.º, n.º 5 do Código do Trabalho), conclui-se que a petição inicial não contém quaisquer factos concretos a esse respeito, susceptíveis de serem provados através da junção de prova documental em poder da parte contrária requerida na parte final da petição inicial. Como se adiantou no despacho de convite ao aperfeiçoamento, o mecanismo de junção de documentos em poder da parte contrária, previsto no art.º 429.º, n.º 1, parte final do Código de Processo Civil, não visa suprir a falta de concretização dos factos em que o requerente sustenta a sua pretensão, mas apenas fazer prova, mediante documentos que se encontram em poder da parte contrária, de factos concretos previamente alegados. A junção de documentos obtida através deste mecanismo constitui um meio de prova de factos e não uma forma de obter informação relativamente a algo que se pretendia alegar de forma mais concretizada. Tanto mais que existem meios legais de obter, previamente à propositura da acção, documentação em poder da parte contrária ou de terceiros, conforme art.º 1045.º e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista o posterior exercício de direitos. Ou seja, não é na acção em curso em que o direito é exercido que o autor vai recolher documentação para sustentar factual mente a sua pretensão, pois que a instrução da causa visa a prova de factos previamente alegados e não a investigação de factualidade que integrará a causa de pedir.
Por tais razões, indefere-se o pedido de junção de documentos relativos a todos os tripulantes entre 2011 e 2019 e bem assim de documentos que sustentem a respectiva pontuação, por os mesmos não serem idóneos à prova do alegado genericamente nos artigos 16 a 18 da petição inicial".

2. O direito.
O apelante requereu na petição inicial, no que interessa ao caso sub iudicio, que:
"(…)
- junção, pela Ré, e para prova da factualidade que vem invocada, mormente nos art.ºs 16.º, 17.º e 18.º da presente, os documentos que estão no poder da Empresa, ao abrigo do disposto no art.º 72.º ( Princípio da cooperação) e no art.º 429.º (Documentos em poder da parte contrária), ambos do CPC.
Tais documentos serão os similares ao doc. n.º 4 ora junto, relativamente a todos os Tripulantes que desde 2011 e até 2019 usufruíram dias de férias, preferenciais ou não, nos períodos pretendidos pelo A. e referidos no art.º 9.º da presente e ainda os que sustentem a pontuação que em cada um desses anos era detida quer pelo A. quer por aqueles colegas.
(…)".

Sendo que antes alegara nesse articulado o seguinte:
"16.º
Ou seja, afirma-se que «não existe uma pontuação 'mínima' ou 'máxima' para atribuir férias em Julho» e que «depende sempre do pedido e de existirem colegas com melhor pontuação que tenham pedido o mesmo período», mas a verdade é que não foi o A esclarecido em que elementos assentou a sua pontuação de '16', sendo que,
17.º
Tem o A. conhecimento que existem Colegas com pontuação menos negativa a quem a Empresa Ré atribuiu férias nos períodos por ele pretendidos, e outros que nem sequer formularam esses períodos e que a Ré lhos atribuiu, até repetitivamente em anos seguidos...
18.º
O que nos leva a concluir que a Ré tem vindo a obstruir, voluntária e conscientemente, o direito a férias preferenciais a que o A. tem direito por força dos normativos do AE aplicável".

Por outro lado e como bem se depreende do despacho recorrido, antes de proferir o despacho saneador a Mm.ª Juiz a quo convidou o autor ora apelante a alegar os factos que pretende provar com a junção dos documentos alegadamente em poder da parte contrária, sendo, no que ora importa, "quais os colegas a que faz referência". E fundamentou essa decisão afirmando, inter alia, "… que o mecanismo de junção de documentos em poder da parte contrária, formulado nos termos do art.º 429.º, n.º 1, parte final do Código de Processo Civil, não visa suprir a falta de concretização dos factos em que o requerente sustenta a sua pretensão, mas apenas fazer prova, mediante documentos que se encontram em poder da parte contrária, de factos concretos previamente alegados. Com efeito, a junção de documentos obtida através deste mecanismo constitui um meio de prova de factos e não uma forma de obter informação relativamente a algo que se pretendia alegar de forma mais concretizada. Tanto mais que existem meios legais de obter, previamente à propositura da acção, documentação em poder da parte contrária ou de terceiros, conforme art.º 1045.º e seguintes do Código de Processo Civil, tendo em vista o posterior exercício de direitos. (…) Incumbe, portanto, ao autor a observação do chamado ónus da substanciação, articulando os factos de onde deriva a sua pretensão, que formam o objecto do processo e integram a causa de pedir do pedido formulado. 'Supõe, portanto, a alegação dos factos essenciais que se inserem na previsão da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil (ABRANTES GERALDES, «Temas da Reforma do Processo Civil», I Volume, 28 Edição, Almedina, pág. 193)".

Por sua vez, e no que ao segmento atrás particularizado respeita, o apelante não deu cumprimento a tal convite.

Conhecendo da questão atrás enunciada, adiantamos desde já que a decisão sindicada é irrepreensível.

Com efeito, é incontestado que os ónus da alegação e da prova correspondem a institutos diferentes, ainda que em espelho: àquele se refere o art.º 552.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e a este o art.º 342.º do Código Civil. De resto, já Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil anotado, volume III, 1985, 4.ª edição, Coimbra Editora, página 271 ensinava que "o ónus da prova pressupõe um outro ónus: o da alegação".

Vem em linha com isto a afirmação de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil, Anotado, 2017, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, volume 2.º, página 247 de que "ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus (…), razão por que o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar".

O ónus da prova e a prova não têm, portanto, vida própria, dependem, sempre, do ónus da alegação e da alegação: só faz sentido provar-se o que foi alegado.

Revertendo ao caso sub iudicio, só fazia sentido provar-se que o apelante foi discriminado pela apelante face a outros trabalhadores se os tivesse identificado, pois que a discriminação laboral não é uma realidade abstracta mas concreta.
 
É certo que o apelante contrapõe agora que "só pode indicar concretamente os Colegas que o preteriram e as respectivas pontuações, desde 2011 e até 2018, se lhe forem facultados os documentos que concretamente especificou no seu articulado, os quais se encontram na posse da Recorrida e aos quais não tem acesso", mas isso, como está bem de ver, desde logo colide de frente com aquilo que alegara no art.º 17.º da petição inicial, visto que ali dissera que "Tem o A. conhecimento que existem Colegas …". É que se o próprio apelante diz que tem conhecimento de Colegas que se encontrariam naquela situação de facto, então bastar-lhe-ia alegar quem eram para depois adequadamente requerer que a apelada juntasse os documentos que tal demonstrassem. Nesse sentido, nem se pode dizer que a exigência de alegação dos factos fosse impossível ou sequer razoavelmente difícil à partida de ser concretizada pelo apelante, pelo que sempre resulta deslocada a invocação por ele da regra contida no n.º 2 do art.º 344.º do Código Civil; é que essa norma actua no domínio do ónus da prova dos factos e não no da sua alegação.
Por outro lado, também não se afigura de grande préstimo para a solução pretendida pelo apelante a invocação por ele do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-12-2016, no processo n.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1 (que não refere mas vimos ter sido publicado em http://www.dgsi.pt), podendo até dizer-se que prova o contrário disso.

Com efeito, referiu-se no citado aresto, com realçado nosso:
"… a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles factores, pois que o juízo sobre a discriminação pressupõe que «em razão de um factor de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável». 

Alegado e demonstrado um desses factores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao factor invocado, mas sim, a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto. 

Assim, por exemplo, invocada a discriminação em função da filiação sindical, cabe ao autor alegar e provar, além da retribuição por si auferida e da que aufere o trabalhador, de idêntica categoria profissional, pretensamente beneficiado, os sindicatos em que cada um deles está filiado, incumbindo, nesse caso, ao empregador alegar e provar que a diferença salarial não resulta da diferente filiação sindical". 

Ou seja, para o citado aresto a alegação (para subsequente prova, eventualmente documental) da discriminação parte do pressuposto básico de que existem trabalhadores da mesma categoria com diferente tratamento por parte da entidade patronal e esses, naturalmente, têm que ser nomeados. O que o aresto diz que o trabalhador alegadamente discriminado não tem que alegar é coisa diferente, porque coberta por uma presunção legal, mas daquele pressuposto não abdica. Veja-se o que o Supremo refere no dito acórdão, sendo ainda nosso o realçado:
"Em tal caso, como nos demais em que a acção tem por fundamento algum dos factores característicos da discriminação, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, actua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova — artigos 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, 35.º da Lei n.º 35/2004, 25.º, n.ºs 5 e 6, do Código do Trabalho de 2009, 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil".

De resto, o citado aresto foi prolatado com essa questão resolvida, conforme resulta da matéria de facto ali julgada provada e se constata deste passo dele colhido:
"Se atentarmos nos factos provados dos mesmos decorre que as remunerações base dos demais colegas do Autor, que exercem também eles funções de nível 4, são as seguintes:
- Os trabalhadores BB e DD foram nomeados Chefes de Equipa de nível 4 com efeitos a 25 de Setembro de 2006 (cfr. Doc. 8 da Contestação).
- A trabalhadora CC foi nomeada Chefe de Equipa de nível 4 em 21 de Junho de 2001 (cfr. Doc. 9 da Contestação).
- O trabalhador EE foi nomeado Chefe de Equipa de nível 4, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001, nos transportes, e com efeitos a 25 de Setembro de 2006 no tratamento (cfr. Docs. 8 e 10 juntos com a Contestação)".[5]

Neste sentido vai também a jurisprudência, como nos seguintes arestos (que realçámos a negrito):
"2. Em qualquer caso, porém, o documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1.ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção (ou da defesa), e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente – articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1.ª instância (art.ºs 588.º, n.º 1, e 611.º, n.º 1, do NCPC) –, e não a facto novo somente alegado em recurso".
Acórdão da Relação de Coimbra, de 15-09-2015, no processo n.º 889/10.5TBFIG.C1, publicado em http://www.dgsi.pt

"I – Para viabilizar o efectivo controlo judicial da pretensa idoneidade do documento em poder da parte contrária para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, é necessário que o requerente identifique tanto quanto possível o documento e especifique os factos que com ele quer provar.
II – O dever de cooperação das partes na instrução encontra como limite o princípio dispositivo, incidindo sobre os factos essenciais alegados e podendo ainda reportar-se a factos instrumentais não alegados.
III – Compete ao trabalhador alegar e provar os factos que permitam concluir pela violação da coerência disciplinar da empresa.
IV – O dever de colaboração da parte contrária que se concretiza na apresentação de documentos destinados a demonstrar factos que lhe são desfavoráveis não se alarga a factos que a parte a quem aproveitam não alegou, a despeito da sua essencialidade para a demonstração de uma incoerência disciplinar que apenas no próprio requerimento probatório (já fora da alegação de factos e da própria formulação do pedido reconvencional), diz poder ter-se verificado, sem alegar quaisquer factos que o fundamentem".
Acórdão da Relação do Porto, de 05-10-2015, no processo n.º 12128/14.5T8PRT-A.P1, publicado em http://www.dgsi.pt

"I - A exigência de especificação dos factos que se pretende provar com a pretendida junção de documento, imposta à parte que pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária (art.º 429.º /1/ parte final) destina-se, em primeiro lugar a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento, formulando o juízo sobre o interesse dos mesmos para a decisão da causa (n.º 2).
II - Os factos com interesse para a decisão da causa são, por princípio, os factos que cabe às partes alegar, ou seja, 'os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas' [art.º 5.º 1, do CPC]".
Acórdão da Relação do Porto, de 09-09-2019, no processo n.º 10830/17.9T8PRT-A.P2, publicado em http://www.dgsi.pt

Diremos, por fim, que nada disto contradiz o direito constitucionalmente garantido aos cidadãos de acederem à justiça (art.º 20.º da Constituição da República) e, consequentemente, de produzirem em juízo as provas dos direitos ajuizados: é que, como vimos atrás, esse direito não plana por si mesmo, mas nas asas do ónus da alegação das situações de facto que consubstanciam os direitos demonstrandos.

Em conclusão diremos, pois, que a apelação não pode ser provida antes confirmado o despacho sindicado.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
*
Lisboa, 27-05-2020
António José Alves Duarte
Maria José Costa Pinto
Manuela Bento Fialho
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[1] Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2] Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3] Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4] Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5] Embora seja facto de todos conhecido, sempre se dirá que as letras ali referidas (por exemplo "BB"), são substitutivas dos efectivos nomes de pessoas, dali retirados por necessidade de salvaguarda dos respectivos dados pessoais.