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DESPEDIMENTO ILÍCITO
TRABALHADORA LACTANTE
PARECER
CRITE
Sumário
1 – O despedimento de trabalhadora lactante deve ser precedido de parecer da autoridade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. 2 – Para o efeito a trabalhadora deve ter tal característica no momento da prática dos factos que lhe são imputados e que constituem o fundamento da decisão de despedir ou no momento em que é instaurado o procedimento disciplinar. 3 – A circunstância de a trabalhadora deixar de ser lactante durante o procedimento disciplinar, ou deixar de fazer prova desse facto enquanto corre tal procedimento, não iliba a empregadora da obrigação de se munir do parecer. 4 – É ilícito o despedimento de trabalhadora que, à data de instauração do procedimento disciplinar e depois dela, está a amamentar, ainda que quando seja proferia nota de culpa já não haja prova de que o esteja. (Pela relatora)
Texto Integral
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
AAA, Autora nos autos em epígrafe, residente na (…) não se conformando com o teor da douta sentença, a qual julgou a ação de impugnação de despedimento por si proposta improcedente, vem dela interpor RECURSO.
Pede que a sentença seja revogada e substituída por outra nos termos que expõe.
Funda-se nas seguintes conclusões:
I. Vem a Apelante, AAA através do presente Recurso de Apelação, impugnar o julgamento de facto e o julgamento de direito do tribunal a quo, patente na douta sentença, que decidiu julgar a ação de impugnação de despedimento improcedente, bem como a reconvenção deduzida, absolvendo a BBB, dos pedidos, condenando-a a pagar apenas à Apelante os créditos salariais vencidos à data do despedimento.
II. Mal andou o tribunal a quo na análise crítica das posições assumidas pelas partes no procedimento disciplinar junto aos autos, contestação e resposta, bem como da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência.
III. Foram juntos aos autos atestados médicos que comprovam a amamentação, perfeitamente válidos e eficazes, bem como uma declaração médica e os horários de trabalho praticados pela Apelante.
IV. É trabalhadora lactante a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico. - art.º 36.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho.
V. Face à prova documental junta aos autos, bem como as declarações da Autora e depoimento do seu marido (…), apoiar-se em meros dados estatísticos, para dar como não provado o facto de a Autora se encontrar a amamentar, o ato de amamentar se trata de algo que não é frequentemente, nem tem de o ser, realizado “à vista de todos”, mas sim muitas vezes apenas na presença da mãe e da criança, não se intelige[1] qual o meio de prova que poderia a Autora produzir para prova de tal facto, para além das suas declarações e depoimento do seu marido.
VI. O tribunal deu como não provada a al. a) dos factos não provados, factualidade que não foi colocada em causa pela Ré, pois a trabalhadora Apelante amamentava a sua filha aquando da prática dos factos de que foi acusada.
VII. O despedimento por facto imputável a trabalhadora lactante, aqui Apelante, carecia de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, in casu, a Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego dos Açores (abreviadamente CRITE).
VIII. O tribunal, ao decidir de forma como o fez, violou o disposto nos arts. 63.º e 381.º do CT, dando assim cobertura a situações de discriminação e assédio.
IX. Pelos fundamentos supra aduzidos, deverá assim, este Venerando Tribunal, revogar a decisão proferida e substituí-la por outra que altere a resposta dada ao facto não provado na alínea a), dando por provado que:
«À data dos factos a trabalhadora encontrava-se a amamentar a sua filha».
X. O despedimento por facto imputável a trabalhadora lactante, aqui Apelante, carecia de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, in casu, a Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego dos Açores (abreviadamente CRITE).
XI. A Apelada só poderia despedir a Apelante, após parecer favorável da referida entidade ou após decisão judicial que reconhecesse a existência de motivo justificativo, devendo para tanto, intentar ação nos 30 dias subsequentes, caso o parecer fosse desfavorável. – Cfr. art.º 63.º, n.º 6 do CT.
XII. Com tal conduta, a Apelada violou a obrigação que sobre si impendia de solicitar o respetivo parecer à CRITE e só após o mesmo, proferir decisão.
XIII. A Apelada preteriu formalidades legais essenciais que contendem com a proteção constitucional das mães trabalhadoras, o que inquina todo o procedimento disciplinar, determinando a ilicitude do mesmo, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 381.º, d) do Cód. do Trabalho.
XIV. Para efeitos do cumprimento do disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 63.º do CT, o que releva é que os “factos imputados” à trabalhadora, fundamento do despedimento, tenham ocorrido no período em que a trabalhadora era uma trabalhadora lactante.
XV. No momento da instauração do procedimento disciplinar e no momento da ocorrência dos factos que lhe são imputados e que fundamentaram o despedimento, era a Apelante trabalhadora lactante, conforme bem sabia e não podia deixar de saber a Apelada.
XVI. Resulta evidente o erro de julgamento quer quanto à matéria de facto dada por provada, e bem assim erro na aplicação do direito e violação do disposto nos art.ºs 381.º, al. d) e 63.º, n.º 3, al. a), ambos do CT, concluindo-se pela ilicitude do despedimento, com as consequências legais.
XVII. Nos termos do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 389.º do CT, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar a trabalhadora por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
XVIII. Os danos não patrimoniais que assumem gravidade bastante, merecem a tutela do direito, devendo ser atribuída à Autora uma indemnização a título de danos não patrimoniais, não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), nos termos e para efeitos do disposto nos art.º 483.º e 496.º 1 e 3, do Código Civil.
XIX. Sendo o despedimento ilícito, nos termos do art.º 391.º, n.º 1 do CT, deve ainda a Ré ser condenada no pagamento de uma indemnização, a qual, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude da Ré sempre será correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades (€602,91) por cada ano completo ou fração de antiguidade – 21 anos e 4 meses - o que perfaz o montante de €19.293,12 (dezanove mil, duzentos e noventa e três euros e doze cêntimos).
XX. Como ainda no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento – 21.09.2018 - até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, conforme estipulado no art.º 390.º do CT.
XXI. Padece a douta sentença de erro de julgamento quer quanto à matéria de facto dada por provada, e bem assim erro na aplicação do direito e violação do disposto nos art.ºs 381.º, al. d) e 63.º, n.º 3, al. a), ambos do CT.
BBB, com sede na (…), respondeu ao recurso interposto pugnando pela manutenção da decisão.
O MINISTÉRIO PÚBLICO entende que a sentença deve ser confirmada.
Exaramos, infra, um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
AAA operadora de caixa, veio impugnar judicialmente o despedimento promovido por BBB.
Realizada audiência de partes, não foi possível alcançar o acordo, pelo que a ré veio motivar a decisão de despedimento da autora.
Alegou, em síntese, que instaurou procedimento disciplinar com vista ao despedimento porquanto havia queixas de clientes de que a Trabalhadora dava o troco errado, sempre a menos. Constatou-se que ela se enganava nos trocos dos clientes, mas não no dinheiro em caixa. Na sequência das averiguações conclui-se que a mesma retirava dinheiro que era da caixa, prejudicando a imagem da R. e minando a confiança que os clientes têm na empresa.
A Trabalhadora respondeu deduzindo reconvenção. Alega que era lactante à data e que a Empregadora não impulsionou o mecanismo com vista a obter parecer da CRITE. Mais aduz a nulidade do procedimento por falta de circunstanciação dos factos e, bem assim, a caducidade do mesmo. Nega factos que lhe são imputados e afirma ter sofrido danos de natureza não patrimonial. Conclui a reconvenção com o seguinte pedido:
Deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência ser:
a) O despedimento da Autora declarado ilícito, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 381.º, d) do Cód. do Trabalho;
b) O despedimento da Autora declarado ilícito, nos termos e para efeitos do disposto nos art.º 351.º e 381.º, al. b) do CT;
c) A Ré condenada a título de indemnização por danos não patrimoniais, no pagamento à Autora de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora desde a notificação da presente contestação, até efetivo e integral pagamento;
d) A Ré condenada no pagamento das retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento, no montante total de €3.427,38 (três mil, quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e oito cêntimos), acrescida das que entretanto se vencerem, até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 390.º, n.º 1 do CT, bem como de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos seus vencimentos, até efetivo e integral pagamento.
e) A Ré condenada a reintegrar a trabalhadora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em substituição, no pagamento de uma indemnização em montante não inferior a € 19.293,12 (dezanove mil, duzentos e noventa e três euros e doze cêntimos), nos termos do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 389.º do CT e art.º 391.º, n.º 1 do CT.
A Empregadora respondeu afirmando que desconhece a situação de amamentação e que a nota de culpa descreve os factos, concretizando-os no tempo, tendo a decisão final aderido a esta, pelo que o procedimento disciplinar não padece do vício de nulidade. Nega a caducidade e impugna a factualidade que fundamenta a reconvenção.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu:
a) Julgar improcedente a presente impugnação de despedimento apresentada por AAA (bem como a reconvenção deduzida) e, em conformidade, absolver a ré BBB. dos pedidos;
b) Condenar a BBB. a pagar à trabalhadora a quantia de 1773,63 EUR, correspondente a créditos vencidos à data do despedimento.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – O despedimento é ilícito?
Consequências. FUNDAMENTAÇÃO: DE FACTO:
A 1ª questão que urge enfrentar é o invocado erro de julgamento da matéria de facto, erro esse apontado à alínea a) do elenco de factos não provados onde se consignou:
- À data dos factos a trabalhadora encontrava-se a amamentar a sua filha.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“…no que respeita à alínea a) deve referir-se que não foi produzida qualquer prova de que a trabalhadora ainda estava a amamentar, não se tendo por suficientes as declarações médicas que apresentava junto da entidade patronal. Na verdade, como é do conhecimento geral, estas declarações são emitidas sem que necessariamente as mães amamentem os filhos perante os médicos, baseando-se estes apenas nas declarações das próprias. Ora, sabe-se que os níveis de amamentação em Portugal são muito baixos (ainda que tenham vindo a aumentar nos últimos anos). Segundo análise da UNICEF aos dados estatísticos portugueses apenas 56% das mães amamentavam aos 3 meses (em 2014), descendo esse valor para 30% aos 6 meses (pese embora as recomendações internacionais nesse sentido). Ora, à data dos factos a filha da autora já tinha cerca de 1 ano e 3 meses. Tendo em conta a referida progressão, a percentagem de mães que amamentam aos 15/16 meses rondaria os 3% ou 4%. Ou seja, a probabilidade de a trabalhadora ainda manter a amamentação nesta fase é de 1/25 sensivelmente, o que associado à falta de prova clara dessa prática (sendo certo que o ónus impendia sobre a própria) determinou a resposta negativa.”
Pretende a Apelante que foram juntos aos autos atestados médicos que comprovam a amamentação, perfeitamente válidos e eficazes, bem como uma declaração médica e os horários de trabalho praticados pela Apelante. Refere ainda as suas declarações e depoimento do seu marido. Ao mesmo tempo que alega que a factualidade que não foi colocada em causa pela Ré.
Pretende que se dê por provado que: «À data dos factos a trabalhadora encontrava-se a amamentar a sua filha».
Comecemos pelo fim, ou seja, por verificar se a factualidade não foi posta em causa pela R..
O facto em causa foi alegado pela Trabalhadora no Art.º 4º da sua contestação e mereceu resposta da Empregadora nos Art.º 9º e ss. do respetivo articulado.
Alega-se aqui que uma vez completado o 1.º ano de vida do filho (em 24.04.2018), a A. apresentou à R. três atestados médicos, um datado de 27.04.2018, pelo período de 30 dias; outro datado de 28.05.2018, pelo período de 30 dias e um último datado de 29.06.2018, pelo período de 30 dias. Em face disso conclui que dali resulta que desconhece – sem que tenha o dever de o conhecer, dado que tal facto não lhe ter sido comunicado – se, após a data final do período de 30 dias abrangido pelo último atestado acima mencionado (terminou em 29.07.2018), a A. continuou a amamentar, sendo certo que era sobre esta que recaía o dever de apresentar ao seu empregador atestado que comprovasse tal facto, caso o mesmo se verificasse ainda após a data de 29.07.2018.
Considerando que os factos reportam, por um lado, a 10/07/2018 e, por outro, aos dois meses que antecedem a nota de culpa (notificada à Trabalhadora em 9/08/2018), tem que concluir-se que a factualidade em questão se não pode ter como impugnada – a Empregadora expressamente aceita ter conhecimento da situação de amamentação até, pelo menos, 29/07/2018.
Detenhamo-nos, ainda assim, sobre as provas cuja reapreciação se pretende.
Em primeiro lugar os três mencionados atestados médicos e o documento nº 1 junto com a contestação. Em segundo, as declarações e depoimento referidos.
Das declarações da Apelante decorre que, à data em que estava a prestá-las em audiência de julgamento (30/05/2019), ainda estava a amamentar, esclarecendo ainda que depois da suspensão preventiva deixou de apresentar atestados. Ainda pediu à médica atestados, caso fosse preciso. Mais esclareceu que em Julho (quando ocorreram os factos) estava a fazer horário reduzido por causa da amamentação (3h e meia em vez das 5h do part-time).
E do depoimento de (…) (marido), prestado em 18/09/2019, decorre que ela amamentou durante 2 anos e uns meses, tendo parado há uns meses atrás por problemas de saúde.
Relativamente aos invocados documentos, para além dos três atestados médicos com datas de 27/04, 28/05 e 29/06/2019, atestando períodos de amamentação previsíveis de 30 dias, mostra-se junta a mencionada declaração (datada de 4/01/2019), emitida pela mesma médica que subscreve os atestados, ali se dando conta que emitiu atestados de amamentação à Trabalhadora desde 27/04/2018 até 31/08/2018 (data de termo).
Relativamente a esta matéria contrapõe a Apelada apenas que o Tribunal decidiu bem.
Em presença dos atestados médicos, da declaração subscrita pela médica e, quer das declarações da Trabalhadora, quer do depoimento da testemunha, considerando que resulta dos autos que o nascimento da filha de ambos ocorreu em 24/04/2017 (ponto 71), não vemos como sufragar a resposta de não provado.
Tal resposta desconsiderou a prova apresentada tendo por base elementos estatísticos e um invocado conhecimento geral que não vemos como sustentar. Não se nos afigura curial a afirmação segundo a qual não foi efetuada qualquer prova, porque foi apresentada prova. E, por outro lado, não vemos como pode a prova produzida ser abalada pelos referidos elementos estatísticos.
A prova apresentada é suficiente para que se conclua que a Trabalhadora amamentou até meados de 2019.
Em conformidade com o exposto, e reportando os factos a 2018, modificar-se-á a resposta em sintonia com o pedido efetuado, ou seja, nos seguintes termos:
- Provado que à data dos factos a trabalhadora encontrava-se a amamentar a sua filha.
Ainda no âmbito da decisão de facto, e considerando que, na elaboração do acórdão, se observam, na parte aplicável, as disposições contidas nos Art.º 607º a 612º do CPC, conforme estatuído no Art.º 663º/2, constatando-se que o elenco fático vem preenchido com alguma matéria conclusiva, quando apenas os factos o devem, enformar – Art.º 607º/4 – expurgar-se-á tal elenco das conclusões nele detetadas.
Estão nestas circunstâncias os pontos 48, 1ª parte[2], 52[3], 53[4], 58[5] e 63, 2ª parte[6].
*
Consideram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. A trabalhadora tinha a categoria profissional de caixa (comércio) e exercia as funções respetivas na loja (…) de Angra do Heroísmo, sita ao (…), freguesia de S. (…), concelho de Angra do Heroísmo, propriedade da ré e por esta explorada.
2. A trabalhadora foi admitida ao serviço da ré em 3 de Maio de 1997.
3. Desde data não concretamente apurada, mas situada dentro dos últimos dois meses anteriores à nota de culpa, a supervisora (…) começou a aperceber-se da ocorrência de muitas situações de clientes atendidos pela trabalhadora que se queixavam de a mesma lhes dar o troco errado, ou seja, dava troco a menos aos clientes que pagavam em dinheiro as suas compras.
4. Houve mesmo uma situação em que a (…) substituiu a trabalhadora na caixa para que esta fosse à casa de banho, tendo sido abordada por duas clientes da caixa a queixarem-se de que a trabalhadora, por quem tinham sido atendidas havia pouco tempo, lhes tinha dado troco a menos do que deviam ter recebido.
5. A (…) pediu às pessoas em causa que esperassem um pouco pelo regresso da trabalhadora que tinha ido à casa de banho, o que estas fizeram.
6. Após o regresso da trabalhadora, a (…) informou-a de que as clientes estavam ali à espera porque diziam que ela lhes tinha dado troco a menos, o que a trabalhadora aceitou de modo muito pacífico, não se mostrando admirada e dizendo que era capaz de ter acontecido e deu-lhes o dinheiro que elas disseram ter ficado em falta no troco.
7. Estas situações, repetidas com bastante frequência durante o período acima mencionado, chamaram a atenção à (…) porque não são habituais, nem nas outras operadoras, nem mesmo na trabalhadora anteriormente.
8. Só muito esporadicamente isso acontece com uma operadora e com a trabalhadora começaram a ser várias vezes nesse período de tempo.
9. Além de que a trabalhadora passou a enganar-se muitas vezes a fazer os trocos para os clientes, mas nunca se enganava no dinheiro de caixa.
10. Durante o mesmo período de tempo, a trabalhadora, contrariamente às regras e instruções de serviço e segurança, que sempre observou até aí (como as restantes operadoras de caixa fazem – estando todas obrigadas a fazê-lo), não se dirigia diretamente da sua caixa para a caixa central para aí entregar o dinheiro da sua caixa, antes ia primeiro ao quarto existente junto à caixa central.
11. No dia 3 de Julho, na hora de saída da trabalhadora, a (…) estava de serviço na caixa central, quando a autora entrou novamente no quarto existente junto à caixa central, para onde dá acesso a respetiva porta, com o saco de dinheiro da caixa onde tinha estado de serviço.
12. Como a autora estava a demorar aí um pouco, a (…) dirigiu-se a esse quarto.
13. Quando esta supervisora entrou no referido quarto, onde a autora não tinha nenhum motivo para se ter dirigido antes de entregar o dinheiro na caixa central (nem o deveria sequer ter feito), deparou-se com a autora em frente a um armário que estava com as portas entreabertas, estando ela meio escondida entre as portas, tendo uma perna dobrada, e estava a empurrar qualquer objeto para o interior do sapato respetivo, não tendo contudo conseguido ver o que esta colocou no sapato.
14. A autora não tinha nenhum motivo para ir a esse armário: a primeira tarefa que esta tinha a fazer, após terminar o seu turno, era entregar de imediato o saco com o dinheiro da caixa à supervisora para conferência, sem desvios de caminho entre a caixa que havia estado a operar e a caixa central.
15. Com efeito, no final dos seus turnos, as únicas coisas que as operadoras de caixa trazem da caixa são o saco com o dinheiro da mesma (designado de sangria) e os triplicados das faturas, que colocam no quarto em questão, mas não no armário referido (as que aí estão já foram conferidas pelas supervisoras), antes presas numas molas existentes noutra parede lateral, onde ficam até serem conferidas pelas supervisoras.
16. No dia 10 de Julho de 2018, durante o horário de trabalho da autora, que decorreu no período da tarde e terminou pelas 20 horas, esta, enquanto desempenhava as suas funções de operadora de caixa numa das caixas da loja onde trabalha, e em virtude dessas funções, apropriou-se, fazendo-as suas, de pequenas quantias em dinheiro pertencentes a vários clientes da loja por si atendidos, totalizando o montante de 5 EUR.
17. Com efeito, ao longo da sua jornada de trabalho desse dia, e em número de vezes não concretamente apurado, ao dar o troco a vários clientes por si atendidos na caixa por si operada, quando estes aí efetuaram o pagamento em dinheiro das compras por si efetuadas, a autora, voluntaria e intencionalmente, retirou do troco que lhes era devido e que a mesma lhes deu, dando-lhes assim dinheiro a menos.
18. De cada vez que fez isso, ao contar as quantias em dinheiro que tinha de dar a cada um desses clientes, a autora retirou uma ou mais moedas desse dinheiro (troco devido ao cliente) e colocou-a dentro da gaveta da caixa, mas numa divisória da mesma separada das restantes moedas, que se encontravam em outras divisórias.
19. A autora levou a cabo tais atos, em número de vezes que não foi possível apurar concretamente, e relativamente a um número de clientes que também não se logrou apurar, mas sempre do mesmo modo acima descrito e no mesmo circunstancialismo de lugar e tempo.
20. Próximo do final da sua jornada de trabalho, que terminou pelas 20 horas, em momento situado após as 19.30 horas e antes das 20 horas, quando atendia os últimos dois clientes na caixa por si operada, após as moedas por si retiradas dos trocos que deu aos clientes atingirem a quantia total de cinco euros, a autora trocou tais moedas por uma nota de 5 EUR.
21. Para o efeito, a autora colocou tais moedas junto com as restantes existentes na gaveta da caixa registadora, retirando-as da divisória onde as tinha colocado sozinhas, separadas das restantes, e colocando-as nas divisórias onde se encontravam estas outras.
22. E retirou uma nota de 5 EUR de junto das restantes notas, colocando-a sozinha e à parte destas, noutra divisória da gaveta da caixa onde não existia nenhuma outra nota.
23. Posteriormente, logo depois de ter atendido o último cliente que efetuou o pagamento na caixa por si operada, mantendo a gaveta da caixa aberta após o referido pagamento – contrariamente às regras e instruções de segurança e de serviço de que a autora tem perfeito conhecimento, como de resto todas as operadoras de caixa –, a trabalhadora retirou de forma rápida com uma das mãos a mencionada nota de 5 EUR da gaveta da caixa.
24. Após o que fechou a gaveta e se dirigiu rapidamente para a casa de banho situada em frente à linha de caixas da loja, junto à tesouraria, também designada de caixa central, levando a referida nota dobrada numa mão, debaixo de um pequeno embrulho contendo bolachas, que a autora retirou do casaco de malha da sua farda de serviço e que tinha guardado debaixo da caixa registadora.
25. De seguida, a vigilante da empresa de segurança «(…)», que presta serviço de segurança na loja da ré, (…), tendo-se apercebido dos atos praticados pela trabalhadora, foi ter com esta à entrada da casa de banho, tendo-a abordado enquanto esta aguardava para que a casa de banho ficasse desocupada.
26. A (…) pediu então à trabalhadora que a acompanhasse à caixa central, tendo esta perguntado se era por causa das bolachas, ao que a vigilante lhe respondeu que não era por causa das bolachas, mas sim por causa do dinheiro que tinha por baixo das bolachas, novamente pedindo (…) que a acompanhasse.
27. Perante isto, a trabalhadora acompanhou então a (…) à caixa central, dizendo pelo caminho que o dinheiro era para trocar.
28. Uma vez chegadas as duas à caixa central, a trabalhadora, na presença da (…) e da supervisora (…), colocou em cima da mesa aí existente a nota de 5 EUR que tinha na sua mão e que tinha antes retirado da gaveta da caixa.
29. Pouco depois, já após ter sido dado conhecimento dos factos praticados pela autora à diretora de loja, (…), à chefe de caixas, (…), e à funcionária que assegurava a designada permanência da loja, (…), estas reuniram-se com a autora no gabinete da diretora de loja.
30. Tendo sido confrontada pela diretora com o facto de ter sido detetada com a nota de 5 EUR, a autora começou por responder «dizer o quê? Se já sabem de tudo, não precisam de mim para nada».
31. Depois disso a trabalhadora começou a apresentar várias possíveis explicações/hipóteses, mas nunca dizendo o motivo concreto de ter o dinheiro consigo, ou a proveniência do mesmo, ou o fim a que este se destinava. Pelo contrário, limitou-se a colocar hipóteses que poderiam justificar o dinheiro: disse que aquele dinheiro podia ser para comprar papas grossas; disse que poderia ser para pagar uma caderneta de cromos para o sobrinho, etc.
32. Porém, a diretora perguntou-lhe se era efetivamente alguma dessas situações, isto é, se o dinheiro era realmente para pagar papas grossas, ou para a caderneta referida, o que nunca foi confirmado pela trabalhadora.
33. Por sua vez, a (…) acrescentou que não tinham cadernetas havia já muito tempo, como (…) bem sabia.
34. A trabalhadora disse que podia ser para pagar à caixa central as moedas que lhe tinham trocado durante o turno, dizendo à (…) que esta sabia que isso acontecia por vezes.
35. Contudo, a (…) logo lhe retorquiu que isso não era verdade porque já tinham contado o dinheiro da caixa dela e este estava certo, não faltando nada, pelo que aquela nota não estava em falta nesse dinheiro (como estaria se fosse verdade o que a trabalhadora estava a dizer).
36. Com efeito, entre o conhecimento dos factos pela (…) e a diretora e o início da reunião, a (…) e a operadora de caixa (…) tinham procedido à contagem e conferência do dinheiro de caixa da trabalhadora e tinham verificado que o mesmo estava certo.
37. Perante este facto a trabalhadora disse então se não podiam perdoar a uma funcionária de 20 anos (referindo-se à antiguidade na empresa), perguntando se os anos já não contavam nada.
38. Tendo a diretora dito à trabalhadora que ela andava a tirar dinheiro aos clientes havia já uns 2 meses, esta logo replicou «eram só 5 EUR e não era há meses» como a diretora dizia.
39. A diretora disse-lhe se ela já tinha imaginado o que seria se cada funcionário levasse 5 EUR por dia. Porém, a trabalhadora continuou a dizer que «aquilo não acontecia há muito tempo» e que «nunca tinha tirado mais do que 5 EUR» e que «houve um dia que até tinha sido só 1 EUR».
40. A trabalhadora virou-se a dada altura para a (…) e perguntou-lhe o que ela achava, ao que esta lhe disse que o que ela tinha feito era muito grave, porque ela estava a roubar aquele dinheiro aos clientes.
41. A trabalhadora continuou, contudo, a desvalorizar sempre o seu comportamento, por ter tirado sempre pequenas quantias de dinheiro, tendo a mesma dito que era muito antiga na empresa e precisava de trabalho, que aquilo era uma falta de respeito por si, que estavam a dar demasiado valor aos 5 EUR.
42. Por fim, a autora colocou a hipótese de ser transferida para outro posto onde não precisasse de lidar com dinheiro, sugerindo que a (…) até podia «dar-lhe um raspanete» e que ela se arrependia do que tinha feito e não voltava a fazê-lo.
43. A diretora disse ainda à trabalhadora que, perante aqueles factos, não podia mais ter confiança nela, nem para lidar com dinheiro, nem com outros bens da empresa, comunicando-lhe que iria iniciar-se um processo disciplinar e ela ficaria suspensa do trabalho durante o mesmo.
44. No dia seguinte, 11 de Julho, cerca das 16.30 horas, quando chegou à loja para iniciar a sua jornada de trabalho, a trabalhadora foi informada pela (…) e pela diretora de loja, na presença da também funcionária (…), de que deveria considerar-se suspensa do trabalho a partir daquele momento, tendo-lhe sido entregue em mão um exemplar da notificação em papel da suspensão preventiva que se encontra junta aos autos de processo disciplinar.
45. Tendo a trabalhadora recusado assinar o exemplar que se encontra junto aos autos, atestando em como tinha recebido a notificação, levou da mesma forma consigo o exemplar que lhe foi entregue, foi-se embora e não mais trabalhou até ao presente, mantendo-se suspensa preventivamente até ao momento em que foi despedida com invocação de justa causa.
46. Antes de se ir embora a trabalhadora ainda começou novamente a colocar outras hipóteses para justificar os factos do dia anterior, tendo dito que o dinheiro era para dar a uma pessoa que estava ao serviço, mas que «não queria trazer o nome dela ao barulho».
47. Por fim acrescentou ainda que a (…) (uma colega que foi despedida na loja (…)) tinha ganhado o seu processo contra a entidade patronal, pelo que podia ser que também ganhasse e a empresa ainda tivesse de lhe pagar alguma coisa.
48. As operadoras de caixa deixam qualquer dinheiro que tenham nos seus cacifos antes de iniciarem o serviço.
49. Todo o dinheiro da caixa tem que estar dentro da gaveta da mesma, que só abre para aí ser depositado o dinheiro de um pagamento feito por um cliente, quando este é feito em numerário, e eventualmente para ser dado troco a este, bem como no final do turno de serviço de cada operadora, neste caso para retirarem o dinheiro da sangria, que logo colocam dentro de um saco de plástico transparente, que imediatamente levam para a caixa central.
50. A abertura das gavetas nessas ocasiões acontece da seguinte forma: com o pagamento do cliente, a gaveta só abre porque e quando a operadora introduz no sistema o pagamento; quando se trata do fecho de caixa, a operadora carrega na tecla «saída». A gaveta não abre fora destas ocasiões, pelo menos as operadoras não a podem abrir, só as supervisoras com um cartão a isso destinado.
51. Mal esta situação foi detetada, de imediato foi completamente perdida toda a confiança na trabalhadora para continuar a desempenhar as suas funções, tanto por parte dos seus superiores hierárquicos diretos, como por parte da entidade patronal.
52. Eliminado
53. Eliminado
54. A trabalhadora sabia que estava violando consciente e intencionalmente as regras e instruções de trabalho e de segurança ao não cumprir o seu dever de uma vez efetuado o fecho de caixa, levar de imediato e sem desvios de caminho o dinheiro da mesma diretamente para a caixa central, onde o deve entregar à supervisora de serviço.
55. A trabalhadora sabia igualmente que estava violando consciente e intencionalmente os deveres que sobre si impendiam ao retirar quantias em dinheiro do troco devido aos clientes, ficando assim com dinheiro que a estes pertencia, enganando-os e apropriando-se desse dinheiro e fazendo-o seu, contra a vontade e sem autorização e conhecimento dos mesmos, assim tirando para si um benefício pecuniário à custa dos referidos clientes da ré a que sabia não ter qualquer direito e ser ilegítimo; além de saber que não lhe é permitido ficar com qualquer quantia ou valor pertencente aos clientes ou à ré.
56. A trabalhadora sabia que ao agir deste modo causava aos clientes em questão o prejuízo correspondente aos valores de que se apropriou.
57. Além de saber que ao praticar tais atos prejudicava gravemente a imagem da sua entidade patronal e das próprias colegas de trabalho junto dos clientes e do público em geral, caso tal comportamento se torne público e conhecido, pois as pessoas começarão inevitavelmente a duvidar da honestidade e probidade das restantes operadoras de caixa e, pelo menos indiretamente, da própria ré, podendo levar a que deixem de ser clientes desta, passando a fazer as suas compras em empresas concorrentes, o que prejudicará a ré.
58. Eliminado
59. Com base em participação disciplinar lavrada por superior hierárquica de (…), a ora ré instaurou procedimento disciplinar contra esta, com vista ao seu despedimento, invocando justa causa, nomeando instrutor, a quem conferiu poderes para suspender preventivamente a trabalhadora.
60. Por não ter na altura ainda sido possível a elaboração da nota de culpa e o completo apuramento dos factos relevantes para o efeito, a entidade patronal entendeu ser inconveniente a presença da trabalhadora na empresa, tanto para a cabal averiguação dos factos, como por recear que esta pudesse praticar factos idênticos, foi determinada a sua suspensão preventiva, em 11 de Julho de 2018, do que lhe foi dado conhecimento através de notificação escrita que lhe foi entregue e o seu conteúdo explicado, na mesma data, tendo tal entrega e explicação sido efetuada por superior hierárquica direta, na presença de testemunhas.
61. Foram juntos ao processo disciplinar os seguintes documentos com relevância para a cabal instrução do mesmo: a) ficha de funcionário da trabalhadora; b) cópia da notificação entregue à trabalhadora a comunicar-lhe a suspensão preventiva durante o decurso do processo disciplinar, datada de 11 de Julho de 2018.
62. Também para cabal instrução do processo disciplinar e apuramento dos factos com relevância para o mesmo, foram pelo instrutor disciplinar inquiridas diversas pessoas, quase todas trabalhadoras da ora ré, com exceção da vigilante da empresa (…), cujos depoimentos escritos, datados e assinados pelos respetivos declarantes e pelo instrutor se encontram juntos ao processo disciplinar.
63. Foi deduzida nota de culpa escrita contra a trabalhadora.
64. Para tanto foi enviada à trabalhadora a notificação escrita, sob registo postal e com aviso de receção, por esta recebida, a comunicar-lhe a instauração do processo disciplinar, com intenção de despedimento por justa causa, bem como que se mantinha a suspensão preventiva aplicada, acompanhada da respetiva nota de culpa.
65. Dentro do prazo de defesa de que dispunha a trabalhadora apresentou resposta escrita à nota de culpa, por si assinada, na qual negou a generalidade dos factos que lhe eram imputados e louvou o seu comportamento como trabalhadora, não tendo arrolado qualquer testemunha ou requerido qualquer outra diligência de prova, embora tenha solicitado que lhe fosse permitido prestar esclarecimentos perante o instrutor disciplinar sobre os factos que lhe eram imputados.
66. O instrutor disciplinar do processo disponibilizou-se para tomar declarações presencialmente à trabalhadora, conforme vontade manifestada por esta na sua defesa, para o que foi a mesma contactada telefonicamente e foi-lhe comunicada a data e hora para o efeito, no escritório do instrutor, porém a trabalhadora não compareceu em tal data, pelo que não chegou a ser ouvida.
67. A instrução do processo foi declarada encerrada no dia 4 de Setembro de 2018.
68. Pelo instrutor disciplinar foi elaborado relatório final com proposta de decisão, no qual:
a) Foram descritos todos os passos e diligências efetuadas no processo disciplinar;
b) Foram elencados todos os elementos probatórios existentes no processo disciplinar, nomeadamente, documentos e autos de declarações de testemunhas inquiridas;
c) Foram elencados todos os elementos documentais demonstrativos do cumprimento de prazos e requisitos legais por parte da entidade patronal;
d) Foi apreciada a resposta à nota de culpa;
e) Foram elencados os factos provados e não provados, o que foi feito por remissão para a nota de culpa;
f) Foi exposta a fundamentação de toda a factualidade provada.
g) Foi apreciada a relevância disciplinar da factualidade apurada, ponderando-se as circunstâncias da situação concreta, e a adequação do despedimento à culpabilidade da autora.
h) Foi proposta a sanção entendida como adequada e proporcional à gravidade do comportamento da trabalhadora, sua culpa e consequências do mesmo, no caso, a sanção de despedimento com justa causa.
69. Foi proferida decisão pela entidade patronal que, aderindo integralmente aos motivos constantes do relatório final do instrutor e à sua proposta de decisão, aplicou a sanção disciplinar de despedimento por justa causa à trabalhadora.
70. O relatório final com a respetiva proposta de decisão e a própria decisão proferida pela entidade patronal foram notificados à trabalhadora através de correio registado e com AR, que foi recebido em 21 de Setembro de 2018.
71. A autora foi mãe em 24 de Abril de 2017.
72. Exceto no período em causa, a trabalhadora sempre desempenhou com zelo e diligência o trabalho, sempre foi cumpridora dos deveres a que se encontrava adstrita enquanto trabalhadora e sempre acatou com obediência as ordens e instruções que lhe foram dadas pelos seus superiores, não registando quaisquer antecedentes disciplinares.
73. Como consequência da suspensão preventiva da autora e instauração do procedimento disciplinar, a trabalhadora passou de uma pessoa alegre e tranquila a uma pessoa ansiosa, triste e muito preocupada pelo seu futuro e da sua família.
74. Sentimentos que se agravaram com a comunicação da decisão do seu despedimento, o que determinou, desde logo, a alteração do seu estilo de vida, pois a trabalhadora desde há 21 anos adquiriu hábitos e rotinas de uma pessoa ativa e trabalhadora, passando a ficar todos os dias em casa, sentindo-se só e isolada, o que despoletou sentimentos de grande injustiça e revolta.
75. Mercê do despedimento, a trabalhadora ficou numa situação de impossibilidade de contribuir para o seu sustento e comparticipação nas despesas do seu agregado familiar, pois deixou inesperadamente de auferir um vencimento com o qual contava.
76. A trabalhadora tem duas filhas menores, uma com 11 anos e a mais nova com 2 anos de idade, subsistindo o agregado familiar apenas com os rendimentos do trabalho do marido, o qual aufere a retribuição mínima mensal garantida, acrescida de subsídio de refeição, num valor mensal em média de 654,85 EUR.
77. Estes factos provocaram e provocam na Autora grande angústia, ansiedade, inquietação e preocupação pelo seu futuro.
78. Completado o primeiro ano de vida da filha (em 24 de Abril de 2018), a trabalhadora apresentou à entidade patronal os seguintes atestados médicos:
- Atestado datado de 27 de Abril de 2018, pelo período de 30 dias;
- Atestado datado de 28 de Maio de 2018, pelo período de 30 dias;
- Atestado datado de 29 de Junho de 2018, pelo período de 30 dias.
79. A nota de culpa foi notificada à trabalhadora em data posterior ao fim do último período de amamentação contemplado no último atestado médico que foi entregue à entidade patronal, uma vez que tal notificação ocorreu a 9 de Agosto de 2018.
80. Apenas a 11 de Julho de 2018 a administração da entidade patronal teve conhecimento dos factos aqui imputados à trabalhadora, sendo que apenas aquela tem competência disciplinar.
81. A entidade patronal interpelou a trabalhadora para ir à loja receber o montante de 1773,63 EUR de «créditos vencidos», bem como para aí proceder à entrega das fardas do trabalho e cartão de identificação da empresa, propriedade daquela, que ainda tem em seu poder, primeiro telefonicamente e através da funcionária responsável pela secção de recursos humanos da mesma loja, no dia 4 de Outubro de 2018.
82. Posteriormente, por escrito, através de carta registada e com AR, datada de 3 de Janeiro de 2019 e recebida a 8 de Janeiro de 2019.
83. Apesar disso, nunca até hoje a trabalhadora foi levantar o valor em questão ou devolver as fardas ou o cartão da empresa.
84. No dia 10 de Julho, quando se encontrava a prestar trabalho na caixa do estabelecimento comercial da ré, uma amiga da trabalhadora, residente no Canadá, mas que se encontrava temporariamente de férias nesta ilha, dirigiu-se à caixa onde a autora se encontrava, para a cumprimentar, tendo ainda questionado a mesma se ainda se encontravam disponíveis para venda o álbum «(…)», isto é, uma caderneta de cromos, exclusiva das lojas (…) e, lançada em virtude do Mundial de Futebol realizado na Rússia, porquanto pretendia adquirir uma.
85. Ao que a autora respondeu que tais cadernetas já haviam esgotado há algum tempo e que não sabia se e quando voltariam a comercializá-las, sendo que caso voltassem a estar disponíveis para venda, se comprometia a adquirir uma.
86. À data dos factos a trabalhadora encontrava-se a amamentar a sua filha. O DIREITO:
Centremo-nos agora na ilicitude do despedimento.
Decorre das conclusões da Apelante que o seu despedimento, porque a mesma tinha a qualidade de lactante à data da prática dos factos, carecia de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, in casu, a Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego dos Açores (abreviadamente CRITE). Só após a obtenção de parecer favorável da referida entidade ou após decisão judicial que reconhecesse a existência de motivo justificativo, a Apelada a poderia despedir validamente. Tendo sido preteridas formalidades legais essenciais que contendem com a proteção constitucional das mães trabalhadoras, o procedimento disciplinar fica inquinado, determinando a ilicitude do despedimento nos termos e para efeitos do disposto no art.º 381.º, d) do Cód. do Trabalho.
Contrapõe a Apelada que estabelece o Art.º 36.º, n.º 1, al. c), do CT, que é lactante “a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico”, acrescentando-se no n.º 2 do mesmo normativo: “O regime de proteção na parentalidade é ainda aplicável desde que o empregador tenha conhecimento da situação ou do facto relevante.”.De acordo com o art.º 48.º, n.º 1, do CT, caso a dispensa para amamentação,previamente comunicada pela trabalhadora ao empregador, se prolongue para além do 1.ºano de vida do filho, deve aquela apresentar atestado médico com vista a comprovar tal facto. No caso concreto dos autos, uma vez completado o 1.º ano de vida do filho (em 24.04.2018), a recorrente apresentou à sua entidade patronal, ora recorrida três atestados médicos, o último dos quais em 29/06/2018 (por 30 dias). Daqui resulta que a recorrida desconhecia – sem que tivesse o dever de conhecer, dado que tal facto não lhe foi comunicado – se, após a data final do período de 30 dias abrangido pelo último atestado, que terminou em 29.07.2018, a Apelante continuou a amamentar, sendo certo que era sobre esta que recaía o dever de apresentar ao seu empregador atestado que comprovasse tal facto, caso o mesmo se verificasse ainda após a data de 29.07.2018.
Mais defende que como se pode verificar pela consulta do procedimento disciplinar junto aos autos e pelos factos provados, aquele iniciou-se com o despacho da Administração da ora recorrida, então arguente, a determinar a sua instauração e a nomear instrutor disciplinar para o conduzir, datado de 12.07.2018; a nota de culpa foi deduzida em 01.08.2018 e recebida pela trabalhadora arguida em 09.08.2018; esta exerceu o seu direito de defesa, respondendo à nota de culpa em 21.08.2018 (resposta recebida pelo instrutor em 27.08.2018); a fase da instrução do processo foi declarada encerrada em 04.09.2018; o relatório final e a decisão são datados de 18.09.2018, tendo sido notificados à trabalhadora ora recorrente em 21.09.2018, data da assinatura do AR. É assim por demais evidente que a própria nota de culpa foi notificada à trabalhadora arguida, ora recorrente, em data posterior ao fim do último período de amamentação contemplado no último atestado médico que foi entregue à ora recorrida, pois este é datado de 29.06.2018, tendo terminado em 29.07.2018, ao passo que a nota de culpa foi deduzida em 01.08.2018 e notificada à trabalhadora em 09.08.2018. Logo, o prazo de defesa de que esta dispôs decorreu integralmente fora desse período de amamentação e, por maioria de razão, o fim das diligências a que se reporta o art.º 356.º, n.º 1, do CT (que ocorreu em 04.09.2018), encontra-se muito para além de tal data; como para além de tal data estão, naturalmente, a elaboração do relatório final e decisão do processo, bem com a sua notificação à trabalhadora.
Discorrendo sobre a temática consignou-se na sentença:
“No acórdão de 19 de Setembro de 2013, o Tribunal de Justiça explicitou que a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante se encontra numa situação específica de vulnerabilidade e que a licença de maternidade se destina a assegurar, por um lado, a proteção da condição biológica da mulher durante e após a sua gravidez e, por outro, a proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente à gravidez e ao parto, evitando que essas relações sejam perturbadas pela acumulação de encargos resultantes do exercício simultâneo de uma atividade profissional. Ainda acompanhando o douto acórdão supra identificado (reportando a uma licença parental de um pai, mas aqui aplicável mutatis mutandis), dir-se-á que um aspeto que importa sobremaneira ter presente é que a lei exige o parecer prévio relativamente a trabalhadores que sejam despedidos durante a gravidez (ou licença parental ou amamentação), sendo que, como referimos, a ilicitude do despedimento por falta do pedido de parecer prévio da CITE só ocorre se o trabalhador for despedido durante o gozo desses períodos. Acresce, como se refere também no acórdão, que importa ter presente que quando seja legalmente necessário solicitar o parecer à CITE, tal parecer deve ser solicitado, de acordo com a lei, depois das diligências probatórias referidas no nº 1 do artigo 356º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador (alínea a) do nº 3 do artigo 63º). O legislador poderia simplesmente ter estabelecido que o pedido teria que ser realizado antes da tomada de decisão, mas esclareceu que, no despedimento por motivo disciplinar, o momento procedimentalmente adequado para pedir o parecer é o momento em que estão concluídas as diligências probatórias (designadamente também as solicitadas pelo próprio trabalhador). Tal corrobora que o legislador foi sensível, outrossim, à especial vulnerabilidade em que o trabalhador se encontra no próprio procedimento disciplinar, por se encontrar no gozo da licença (ou no período de gravidez ou amamentação), vulnerabilidade que se reflete sobretudo na fase da defesa do trabalhador. O gozo da licença nessa fase implica que o trabalhador está ocupado e empenhado em outras funções sociais de enorme relevância, o que pode perturbar a sua disponibilidade e capacidade para uma defesa adequada no próprio procedimento disciplinar. A intervenção da CITE, que analisará a motivação aduzida, mas também a prova produzida, para verificar se existe um risco de que, por detrás das alegações apresentadas pelo empregador na nota de culpa, se esconda uma verdadeira intenção de prejudicar o trabalhador pelo exercício dos direitos que a lei lhe atribui em matéria de parentalidade, justifica-se por aquela especial vulnerabilidade em que se encontra o trabalhador que pode prejudicar a qualidade da sua defesa. Consequentemente, o que deve ser decisivo é saber se o trabalhador esteve ou não na condição de grávida (ou a amamentar ou em licença parental) até ao momento em que se concluem as diligências probatórias[7], momento em que legalmente se deve pedir o referido parecer à CITE. Se estas condições (gravidez, amamentação, licença) são posteriores à fase da instrução tal parecer não é necessário – o trabalhador não foi em nada prejudicado no exercício da sua defesa por aqueles factos e beneficiará da tutela que a lei concede aos trabalhadores que sejam alvo de um procedimento disciplinar. Não se desconhece a existência de jurisprudência de sentido divergente. É o caso, nomeadamente, do recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 17 de Julho de 2019 e ainda do acórdão, deste mesmo Tribunal da Relação, datado de 19 de Março de 2018. No entanto não perfilhamos este entendimento. E não o fazemos porquanto se nos afigura que a antecipação para a data da prática dos alegados factos constitui uma extensão não querida pelo legislador. Na verdade, a norma reporta-se ao «despedimento de mulher grávida, puérpera ou lactante», o que inculca que o momento juridicamente relevante seria o do próprio despedimento. No entanto, a norma fixa um momento anterior, compreensível[8], correspondente ao fim das diligências probatórias referidas no nº1 do art.º 356º[9]. Na verdade, o que se tem por essencial é que o trabalhador ou a trabalhadora estejam em condições ótimas (o que nem sempre é possível nestes períodos associados ao exercício da parentalidade) quando têm de exercer os seus direitos de defesa. De qualquer forma, sempre se dirá que, neste caso, o concreto entendimento do Tribunal é relativamente irrelevante porquanto não resultou provado que a autora ainda amamentasse a filha aquando da prática dos factos e, por maioria de razão avança-se, aquando do processo disciplinar.”
Como decidir?
A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes, tendo os trabalhadores direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua ação em relação ao exercício da parentalidade (Art.º 33º do CT).
A proteção da parentalidade, ou melhor dizendo, da maternidade, concretiza-se, nomeadamente, através da atribuição de dispensa para amamentação ou aleitação (Art.º 35º/1-i)).
É trabalhadora lactante aquela que amamente o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico (Art.º 36º/1-c), bastando, contudo, que o empregador tenha conhecimento da situação (nº 2).
Dispõe o Art.º 381º/ d) do CT que o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito (…) em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Por sua vez, o Art.º 63º do CT dispõe:
1. O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
2. O despedimento por facto imputável a trabalhador que se encontre em qualquer das situações referidas no número anterior presume-se feito sem justa causa.
3. Para efeitos do número anterior, o empregador deve remeter cópia do processo à entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres:
a. Depois das diligências probatórias referidas no nº 1 do art.º 356º, no despedimento por facto imputável ao trabalhador (…).
No caso concreto, tal como foi alegado e provado, à data dos factos a Trabalhadora estava a amamentar a sua filha, facto este conhecido da Empregadora que recebera o atestado médico que o comprovava.
Mais resulta dos autos que até 29/07/2018 a situação se mantinha e que a Empregadora conhecia esta situação (ponto 78).
Do elenco fático não constam as datas de abertura do procedimento e as da realização das diversas diligências e atos que o integram. Porém, a simples consulta dos autos revela-nos que o procedimento disciplinar se iniciou em 11/07/2018 com a comunicação entregue em mão à Trabalhadora onde lhe é comunicada quer a suspensão, quer a abertura do procedimento. A última diligência probatória data de 24/07/2018 (todas elas efetuadas antes da nota de culpa), a nota de culpa de 1/08/2018 e a decisão de 18/09/2018. Em 21/08/2018 a Trabalhadora apresentou resposta (recebida em 27/08/2018) onde requereu a sua própria audição que foi agendada para 4/09/2018 sem que aquela tivesse comparecido.
Ou seja, à data da prática dos factos a Trabalhadora era lactante e, pelo menos, na data de realização da última diligência probatória também o era. Já não o seria[10] quando foi elaborada a nota de culpa e, por maioria de razão, daí em diante.
Defende a Apelante que para efeitos do cumprimento do disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 63.º do CT, o que releva é que os “factos imputados” à trabalhadora, fundamento do despedimento, tenham ocorrido no período em que a trabalhadora era uma trabalhadora lactante.
Contrapõe a Apelada, concordando com a sentença recorrida, que o momento juridicamente relevante corresponde ao fim das diligências probatórias referidas no nº1 do art.º 356º, porquanto o que se tem por essencial é que o trabalhador ou a trabalhadora estejam em condições ótimas (o que nem sempre é possível nestes períodos associados ao exercício da parentalidade) quando têm de exercer os seus direitos de defesa.
A resposta a esta questão terá de equacionar-se a partir da filosofia que está subjacente à proteção conferida a esta classe de trabalhadoras, sempre no pressuposto de que o regime da exigência do parecer constitui uma projeção do valor da maternidade e da paternidade.
Os trabalhadores com responsabilidades familiares encontram, tanto na Constituição da República Portuguesa, como na lei, um especial regime de proteção, regime esse ancorado quer na proteção da dignidade da pessoa humana, quer mais especificamente na proteção da conciliação entre a vida profissional e a familiar.
Tal proteção reflete-se, também, ao nível da cessação do contrato de trabalho e daí a exigência plasmada no CT de, findas as diligências instrutórias que ocorram no âmbito do procedimento disciplinar com vista ao despedimento de trabalhadora lactante, se exigir um parecer da autoridade com competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Esta especial tutela contra o despedimento por motivos ligados à maternidade cessará se, durante o procedimento disciplinar, a trabalhadora deixar de amamentar? Ou, melhor dizendo, se a situação de amamentação deixar de ser comprovada depois de iniciado o procedimento e, muito concretamente, antes da nota de culpa, quando é certo que na data em que ocorreram os factos que constituem matéria disciplinar e depois desse momento a trabalhadora era lactante?
Antes de avançarmos na resposta, uma palavra para afirmar que nunca a condição de lactante se deverá ter que verificar na data do despedimento porquanto este é, necessariamente, precedido de um procedimento no âmbito do qual a entidade administrativa é chamada a pronunciar-se.
Isto posto, vejamos as teses em confronto.
A proteção dispensada a esta categoria de trabalhadoras radica numa específica vulnerabilidade associada a esse especial período da vida da mulher mãe, pretendendo-se evitar perturbação da relação que se está a estabelecer com o filho.
Do Art.º 63º/3-a) do CT decorre que findas as diligências probatórias referidas no Art.º 356º/1- ou seja, as que ocorram na sequência da resposta à nota de culpa- compete ao Empregador remeter cópia do processo à entidade com competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, no caso, a CRITE.
A única diligência probatória requerida pela Trabalhadora foi a sua própria audição, agendada para 4/09/2018. Porém, não realizada por falta de comparência da mesma.
No momento em que ocorreu a resposta à nota de culpa a Empregadora não dispunha de comprovativo de amamentação.
Na sentença considerou-se que o que é relevante é saber se a trabalhadora está a amamentar até se concluírem as diligências probatórias e não se o estava no momento da prática dos factos.
Do nosso ponto de vista, afigura-se-nos que o legislador não estabeleceu como marco para a intervenção da entidade administrativa a situação de amamentação na data em que finalizam as diligências probatórias. Esta data é apenas aquela em que o processo lhe deve ser remetido, o que bem se compreende, pois, necessitará de conhecer do respetivo teor para que possa formular a sua conclusão.
O que é relevante é que a Trabalhadora quando pratica os factos alvo de investigação ou quando se inicia o procedimento disciplinar esteja na situação de lactante.
O que subjaz a esta necessidade é a de evitar despedimentos abusivos, fundados no motivo não anunciado de gozo de direitos aliados à maternidade, ou seja, nalguma discriminação decorrente dessa situação, pretendendo-se conferir uma especial proteção às trabalhadoras que estejam nessas circunstâncias.
Logo, se á data em que se instaura o procedimento a Trabalhadora tem essa qualidade, é obrigação da Empregadora, providenciar pelo parecer. O mesmo ocorrendo se a tinha quando praticou os factos que lhe são imputados.
Relembra-se que a necessidade de atestado médico nos casos em que a amamentação se prolongue – como no caso – para além do primeiro ano de vida do filho é pressuposto de concessão da dispensa para amamentação (Art.º 48º/1 do CT). E apenas isso.
No caso, a Trabalhadora fora suspensa da prestação de trabalho, pelo que não faz sentido exigir-se-lhe que apresente atestado para o efeito em causa.
Assim, sendo uma evidência que, quer quando praticou os factos que lhe são imputados como infração disciplinar, quer quando se iniciou o procedimento, a Trabalhadora tinha a qualidade de lactante, constituía obrigação da Empregadora velar pela obtenção do referido parecer. É irrelevante que tivesse, eventualmente, deixado de ter tal qualidade ou que, tendo-a, não tivesse providenciado pelo atestado comprovativo.
Neste sentido, para além do Ac. RLx de 13/09/2017 (sobre situação não totalmente coincidente e de que infra daremos nota), Proc.º 26175/15.6T8LSB, também os Ac. RP de 17/07/2019, Proc.º 4188/18.6T8VFR e 19/03/2018, Proc.º 3707/16.7T8VFR.
A Apelada esgrime, contudo, com o Ac. do STJ datado de 6/06/2018, Procº 26175/16.6T8LSB (que se debruçou sobre o supra citado Ac. da RLx.).
Contudo, neste aresto a situação é distinta.
Apreciou-se aqui um despedimento de trabalhador ocorrido depois do gozo de uma licença parental, cuja decisão foi tomada quando o mesmo estava no gozo da segunda parte da licença.
O STJ considerou ali que existe uma diferença entre os estados de gravidez, puerpério e amamentação e as situações de gozo de licença por parte do pai. Enquanto aquelas são contínuas, estas podem ser interrompidas, conforme havia sucedido nos autos. E vem a concluir que o trabalhador pai que tenha terminado o gozo de licença parental e tenha regressado ao serviço não goza da especial tutela do Art.º 63º do CT.
Resulta do acórdão que o que está subjacente à proteção é o combate ao risco de discriminação e a especial vulnerabilidade em que o trabalhador se encontra durante o gozo da licença e o que deve ser decisivo é saber se o trabalhador esteve ou não no gozo da licença até ao momento em que se concluem as diligências probatórias, momento em que legalmente se deve pedir o referido parecer. Se o gozo da licença é posterior à fase de instrução tal parecer não é necessário.
Mas, muito importante para o caso que nos ocupa, é que o STJ claramente ponderou que aquele trabalhador despedido não estava a gozar a licença parental quando o procedimento disciplinar teve início.
Assim, não só a concreta situação objeto da apreciação do STJ é absolutamente distinta, como o Tribunal releva a circunstância de no início do procedimento disciplinar se poder verificar a situação especial que motiva o pedido de parecer. Que é exatamente a situação com que nos deparamos – não há qualquer dúvida de que quando foi iniciado o procedimento disciplinar a Apelante estava a amamentar. Razão suficiente para que a Empregadora se munisse do dito parecer.
Conclui-se, deste modo, pela ilicitude do despedimento nos termos do disposto no Art.º 381º/d) do CT.
*
Conforme decorre do que dispõe o Art.º 387º/4 do CT em casos de apreciação judicial do despedimento por facto imputável ao trabalhador, sem prejuízo da apreciação de vícios formais, o tribunal deve sempre pronunciar-se sobre a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.
No caso concreto, a 1ª instância apreciou tais fundamentos, tendo-os considerado procedentes, sem que a Apelante se insurja contra a decisão nessa parte.
Limitar-nos-emos, pois, a sufraga-la, porquanto, em presença dos factos reportados no acervo factual acima exarado, não há como não concluir pelo bem fundado da decisão de despedir que, contudo, não subsiste apenas devido à preterição de formalidade essencial.
*
Cumpre, agora, retirar consequências da ilicitude.
As consequências da ilicitude do despedimento vêm plasmadas nos Art.º 389º/1 e 390º do CT.
Conforme emerge das Conclusões XVII e ss. vem reclamada indemnização por danos de natureza não patrimonial, indemnização de antiguidade e salários intercalares.
O pedido assim formulado tem, contudo, que compatibilizar-se com o pedido formulado ab initio.
Na petição inicial foi formulado, no que tange a esta matéria (de ilicitude do despedimento) o seguinte pedido:
- Condenação a título de indemnização por danos não patrimoniais, no pagamento à Autora de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora desde a notificação da presente contestação, até efetivo e integral pagamento;
- Condenação no pagamento das retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento, no montante total de €3.427,38 (três mil, quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e oito cêntimos), acrescida das que entretanto se vencerem, até ao trânsito em julgado da decisão, bem como de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos seus vencimentos, até efetivo e integral pagamento.
- Condenação a reintegrar a trabalhadora no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, em substituição, no pagamento de uma indemnização em montante não inferior a €19.293,12 (dezanove mil, duzentos e noventa e três euros e doze cêntimos).
Percorrido o processo não vemos que a Trabalhadora tenha vindo optar pela indemnização de antiguidade, substitutiva da reintegração.
Nestes termos, e atento o disposto no Art.º 389º/1-b) do CT (conjugado com o Art.º 391º/1), assiste-lhe direito à reintegração, o que lhe será concedido.
Por força do disposto no Art.º 390º do CT procede também o pedido de retribuições deixadas de auferir desde a data do despedimento.
O despedimento concretizou-se em 21/09/2018 (ponto 70) e a impugnação deu entrada em 7/11/2018.
Logo, as retribuições são devidas desde 7/10/2018 (Art.º 390º/2-a) do CT) até à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude.
Não tendo sido disponibilizados factos que permitam a respetiva quantificação, relega-se o apuramento para liquidação subsequente, liquidação onde se apurarão também as deduções legais atinentes ao subsídio de desemprego (Art.º 390º/2-c)).
Resta o pedido de indemnização por danos de natureza não patrimonial – 5.000,00€.
O Art.º 389º/1-a) dispõe que sendo o despedimento declarado ilícito o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
Provou-se que como consequência da suspensão preventiva da autora e instauração do procedimento disciplinar, a trabalhadora passou de uma pessoa alegre e tranquila a uma pessoa ansiosa, triste e muito preocupada pelo seu futuro e da sua família. Sentimentos que se agravaram com a comunicação da decisão do seu despedimento, o que determinou, desde logo, a alteração do seu estilo de vida, pois a trabalhadora desde há 21 anos adquiriu hábitos e rotinas de uma pessoa ativa e trabalhadora, passando a ficar todos os dias em casa, sentindo-se só e isolada, o que despoletou sentimentos de grande injustiça e revolta.
Para além disso, mercê do despedimento, a trabalhadora ficou numa situação de impossibilidade de contribuir para o seu sustento e comparticipação nas despesas do seu agregado familiar, pois deixou inesperadamente de auferir um vencimento com o qual contava. A trabalhadora tem duas filhas menores, uma com 11 anos e a mais nova com 2 anos de idade, subsistindo o agregado familiar apenas com os rendimentos do trabalho do marido, o qual aufere a retribuição mínima mensal garantida, acrescida de subsídio de refeição, num valor mensal em média de 654,85 EUR. Estes factos provocaram e provocam na Autora grande angústia, ansiedade, inquietação e preocupação pelo seu futuro.
O despedimento foi considerado ilícito em função da preterição de formalidade essencial, tendo-se declarado justificada a causa para despedir.
A suspensão ocorreu em 11/07/2018 e o despedimento concretizou-se em 21/09/2018.
Entre os danos cuja reparabilidade está assegurada encontram-se os de natureza não patrimonial que, segundo o disposto no Art.º 496º/1 do CC, são atendíveis desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Entende-se que esta tutela é dispensada ao dano que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade, que espelha a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sofrimento moral que, em presença das regras da experiência, torna inexigível que a pessoa se resigne.
Estão nestas circunstâncias os danos acima relatados.
O montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo-se em atenção, conforme emana de quanto dispõe o Art.º 496º/3 do CC, as circunstâncias referidas no Art.º 494º, ou seja, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Relativamente à culpa do lesante, a mesma revela-se diminuta, porquanto o despedimento era justificado, apenas tendo deixado de se diligenciar no sentido da obtenção de um elemento que, em face da lei, é essencial. Tal ausência de diligência não se configura, sequer, como premeditada, antes parece assentar numa errada interpretação da lei.
Em termos de situação económica, considerando a empresa em presença, não se verifica qualquer atenuante. O mesmo já não se podendo dizer da situação da lesada que passou a contar apenas com a quantia mensal de 654,85€ para fazer face às despesas do agregado familiar.
Não poderemos, contudo, deixar de ponderar todas as circunstâncias que rodeiam o caso, nomeadamente o contributo da Apelante para a decisão de despedir.
A indemnização pelo dano de natureza não patrimonial não tem como efeito eliminar o dano sofrido. Antes, de alguma forma compensa o sofrimento, sancionando o lesante e permitindo ao lesado aceder a bens de ordem material e espiritual que o confortem.
O quantum indemnizatório há-de, pois, refletir adequada compensação capaz de satisfazer tais objetivos, tendo presentes as circunstâncias concretas e, bem assim, o grau de culpa do agente.
Assim, em presença dos danos cuja prova se obteve, ponderadas todas as circunstâncias acima relatadas, entendemos adequada a compensação no valor de 750,00€.
Aos valores em dívida acrescem juros de mora, à taxa anual de 4%, conforme peticionado.
Ambas as partes saem vencidas do presente recurso – a Apelada porque vê revogada a sentença e a Apelante porque decai na questão da indemnização por danos não patrimoniais e de antiguidade.
Entendemos, assim, que as custas devem ser suportadas por ambas as partes na proporção de 1/5 para a Apelante e 4/5 para a Apelada (Art.º 527º/1 do CPC).
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Alterar o acervo fático conforme sobredito;
b) Declarar ilícito o despedimento e
c) Condenar a Apelada:
- A reintegrar a Apelante no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
- A pagar à Apelante as retribuições que deixou de auferir desde 7/10/2018 até ao trânsito em julgado desta decisão, com as deduções acima mencionadas, bem como de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos seus vencimentos, até efetivo e integral pagamento;
- A pagar à Apelante, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de setecentos e cinquenta euros (750,00€), acrescida de juros de mora desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento.
Custas por ambas as partes na proporção de 1/5 para a Apelante e 4/5 para a Apelada.
Notifique.
Nota da Relatora:
O presente acórdão tem voto de conformidade dos Exmos. Desembargadores Dr. Sérgio Almeida e Dr.ª Francisca Mendes que não assinam por não estarem presentes (Art.º 15ºA do DL 20/2020 de 1/05).
_______________________________________________________ [1] Expressão da Recrte. [2] As operadoras de caixa não podem nem devem ter qualquer quantia consigo quando vão para as caixas iniciar o seu horário de trabalho [3] A confiança na trabalhadora foi irremediavelmente quebrada, tanto para lidar com dinheiros, como para quaisquer outras funções, porque tem sempre de lidar com dinheiro ou bens da empresa ou de clientes. [4] O comportamento da trabalhadora foi muito grave, porque esta prejudicou os clientes tirando-lhes dinheiro; além disso esse comportamento, uma vez conhecido do público, prejudica gravemente a imagem da ré, da loja onde a trabalhadora exercia funções e das colegas de trabalho desta, as restantes operadoras de caixa que desempenham as suas funções de forma profissional, correta e séria, minando a confiança que os clientes têm na empresa e nos seus funcionários. [5] Uma organização empresarial como a da ré, com a dimensão que assume e o elevador número de trabalhadores, depende de modo muito especial do cumprimento dos respetivos deveres por parte de todos os seus trabalhadores, que devem cumprir integralmente as regras e normas internas e as instruções de trabalho, mas também cumprir escrupulosamente os seus deveres, mormente o de guardar lealdade ao seu empregador e o de tratar os clientes com respeito e probidade. [6] …contendo a descrição circunstanciada dos factos que lhe eram imputados. [7] Sublinhado nosso [8] Sublinhado nosso [9] Idem [10] Não foi alegado que o fosse