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EMBARGOS DE TERCEIRO
TRAMITAÇÃO
Sumário
I - Os embargos de terceiro tal como se encontram figurados na lei processual civil têm uma tramitação própria, desdobrando-se em duas fases: uma introdutória e outra contraditória. II - É na fase introdutória que é proferido um despacho liminar com sindicância oficiosa ao caso de caducidade do direito de embargar por fora do prazo do art.º 353º n.º 2 do CPC. III - Não é de aplicar, na fase processual introdutória, o entendimento de que é o embargado que tem de invocar e provar que os embargantes tiveram conhecimento do arresto, há mais de 30 dias, relativamente à data da dedução dos embargos. (elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
1.1. Nos autos de embargos de terceiro de sentença de arresto deduzidos pelos terceiros embargantes P_________ e J___________, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 1, veio a ser proferido despacho a indeferir liminarmente a petição de embargos de terceiro interposta pelos aqui recorrentes, julgando-a intempestiva, de harmonia com o preceituado no nº 2 do art.º 344º do Código de Processo Civil.
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1.2. Inconformado com essa decisão dela recorreu os terceiros embargantes P__________ e J___________.
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1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso concluindo pela improcedência do recurso, dizendo: 1. A decisão recorrida não merece qualquer censura porquanto ao ter julgado intempestivos os embargos deduzidos pelos recorrentes, o Tribunal a quo fê-lo em cumprimento de um dever de conhecimento oficioso. 2. Tal entendimento é de resto sufragado pela jurisprudência mais recente, de que são exemplo os Acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa, datado de 14.05.2015, e de Guimarães datado de 16.02.2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
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1.5. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de se dar cumprimento ao disposto no art.º 652º do CPC.
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1.6. Em 15.05.2020 foi proferida decisão sumária a rejeitar o recurso por omissão de conclusões.
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1.7. Notificados da decisão sumária vieram os embargantes P__________e J___________ esclarecer que no requerimento de recurso remetido ao tribunal por carta registada de 08/01/2020) constam 3 conclusões, e consequentemente vêm requerer a correção de tal erro material por simples despacho, nos termos do artigo 614º ex vi artigo 666º, ambos do CPC, determinando-se a admissão do recurso subjudice e a subsequente apreciação, nos termos já requeridos.
Subsidiariamente, considerando que o recurso contem conclusões, pedem a sua admissão e apreciação em conferência.
Apreciemos:
Aplicam-se a estes embargos as regras legais do processo civil do actual Código de Processo Civil, tal como dita o art.º 7, nº 2, por argumento a contrario, da Lei n.º 41/2013 de 26/6, direito transitório especial aplicável.
Compulsados os autos confirma-se efetivamente que o recurso interposto pelos terceiros embargantes têm as seguintes conclusões:
“1ª A tempestividade ou intempestividade dos embargos de terceiro, por força do decurso do prazo de caducidade fixado pelo n. º 2, do artigo 344º, do CPC, não é de conhecimento oficioso, tendo de ser alegada e provada pelo exequente/Embargado; 2ª O ónus de provar que o conhecimento pelos ora recorrentes do acto lesivo do seu direito, in casu, o arresto, sucedeu há mais de 30 dias é do embargado, cabendo a este alegá-lo, de forma a tornar incerta a data daquele conhecimento, impendendo, então e ainda assim, sobre o embargado, o ónus da respectiva prova, nos termos do nº 2, do artigo 343 do CPC; 3ª Termos em que deverá ser alterada a decisão recorrida, no sentido de serem admitidos liminarmente os embargos de terceiro, restituindo-se, imediata e provisoriamente, a posse do imóvel aos Embargantes, conforme requerido, sendo, depois, notificadas as partes primitivas para, querendo, contestar, seguindo-se os ulteriores termos até final.”.
Por manifesto lapso foi disponibilizado o recurso interposto em formato digital com omissão da folha sob o número 5 o que determinou o erro manifesto constante na decisão proferida.
Face a esse lapso urge proceder à reparação com as devidas consequências.
E a reparação só pode ser no sentido de se considerar cumprido o disposto no artigo 639º do CPC não existindo fundamento para a rejeição do recurso nos termos do disposto no art.º 641º, nº 2 b) do mesmo diploma legal.
Nestes termos, este tribunal ad quem pode e deve corrigir o que de imperfeito a decisão contem, concretamente o lapso cometido, com fundamento na previsão do art.º 613.º nº 2 e 614.º do CPC.
Este lapso, como referido, corresponde à patente inexatidão da decisão sumária consubstanciada na discrepância com os dados verdadeiros constantes do processo físico (formato de papel), evidenciando uma divergência entre a decisão que teria de ser tomada e a que ficou escrita.
Pelo exposto, dá-se sem efeito a decisão proferida quanto à rejeição do recurso interposto por omissão de conclusões, e considerando agora a sua admissão e corridos os vistos é submetido à conferência para apreciação.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O despacho recorrido tem o seguinte teor: Face ao disposto no art.º 344º nº 2 C.P.C., haverá que entender que os presentes embargos são intempestivos. Com efeito, mostram-se decorridos mais de 30 dias sobre o registo do arresto ordenado nos autos respetivos (cfr. Fls. 101). Por outro lado, os embargantes não demonstram (nem alegam) a data em que do mesmo registo tiveram conhecimento – referindo que foram “agora” surpreendidos com tal averbamento. Termos em que, por intempestivos, se indeferem liminarmente os presentes embargos de terceiro. Custas pelos embargantes, com o mínimo de taxa de justiça.
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III. O DIREITO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.).
Decorre da leitura das conclusões que os recorrentes (terceiros embargantes) suscitam a questão da tempestividade do recurso não poder ser conhecida oficiosamente, considerando que é o embargado que tem o respetivo ónus de invocar e provar que o arresto sucedeu há mais de 30 dias.
Assim os terceiros embargantes P__________ e J___________, argumentam que a decisão proferida no Apenso D pelo Tribunal a quo, - que indeferiu liminarmente a petição de embargos de terceiro por intempestiva, de harmonia com o preceituado no nº2 do art.º 344º do Código de Processo Civil - deve ser revogada e substituída por outra que, julgando a petição tempestiva, admita liminarmente os embargos de terceiro. Para tal fundamenta-se no facto de que o tribunal recorrido não pode conhecer oficiosamente da sua tempestividade, por só na sequência do impulso do embargado poder decidir tal questão. Por outras palavras, importa saber se pode o juiz oficiosamente indagar e conhecer da tempestividade ou não dos embargos de terceiro, e se se exige para tal conhecimento que haja a alegação e prova pelo embargado da sua extemporaneidade.
Preceitua o artigo 342º do Código de Processo Penal: 1 - Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. 2 - Não é admitida a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada no processo de insolvência.
Por sua vez, o artigo 344.º (art.º 353.º CPC 1961) do mesmo diploma legal refere: 1 - Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante. 2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.
Ora, desde já, diremos que não obstante o esforço argumentativo dos recorrentes o entendimento prevalente neste tribunal é o contrário ao que protagonizam.
Sobre esta matéria importa considerar o expendido pelo Salvador da Costa quando entende que por força do art.º 354º do CPC a petição de embargos deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, sendo o seu conhecimento oficioso, dado que se está perante uma exceção do direito de ação, constituindo uma exceção à regra do n.º 2 do art.º 330º do CC.[1]
Também, nesta linha de entendimento o Ac. R. Porto de 17-02-2000[2], fixa que instaurados os embargos de terceiro depois de decorridos 30 dias após o conhecimento da penhora, os mesmos devem ser indeferidos liminarmente, por intempestivos, sendo tal facto de conhecimento oficioso.
Da mesma forma é de relevar a jurisprudência referida pelo MP na resposta ao recurso. Concretamente, os Acórdãos dos Tribunais da Relação de Lisboa, datado de 14.05.2015, processo nº 18365/10.4YYLSBB, L 1-2, Relator: Exma. Senhora Juiz Desembargadora Teresa Albuquerque, e de Guimarães, datado de 16.02.2017, processo nº 1464/16.6T8BCL-E.G1, Relator: Exma. Senhora Juiz Desembargadora Maria João Marques Pinto de Matos.[3]
Neste mesmo sentido, confronte-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto[4]: “I - Na fase introdutória dos embargos de terceiro o juiz pode conhecer oficiosamente da tempestividade da sua apresentação em juízo, devendo rejeitá-los se analisada a prova, se convencer que foram deduzidos mais de 30 dias após o conhecimento pelo embargante do acto lesivo. Nos termos deste mesmo acórdão, e na linha da argumentação dos recorrentes, mas correspondente a uma fase processual que não tem correspondência com os autos, é referido que: II - Admitidos liminarmente, na fase posterior será o embargado que tem o ónus de alegar e provar que os embargos foram deduzidos fora de tempo.”.
Ou seja, a argumentação dos recorrentes só tem fundamento quando a questão se coloca em fase contraditória de embargos de terceiro e não introdutória. E o despacho recorrido foi proferido na fase introdutória.
Na verdade, atente-se que os embargos de terceiro tal como se encontram figurados na lei processual têm uma tramitação própria, desdobrando-se em duas fases:
a) uma introdutória que exige um juízo sumário da sua admissibilidade, devendo o embargante oferecer prova sumária e indicar a data do conhecimento da penhora e oferecer logo as provas – art.º 344, nº 2 do NCPC;
b) uma fase contraditória com a notificação ao embargado para contestar – art.º 348º do NCPC-, seguindo-se os termos do processo comum.
Nesta primeira fase, fase introdutória, verificamos que, anterior à audição da parte contrária, existe um despacho liminar que se deve limitar ao caso de caducidade do direito de embargar por fora do prazo do art.º 353º n.º 2, falta de legitimidade do art.º 351º n.º 1 ou de manifesta improcedência do pedido do art.º 234º-A n.º 1 e após a prova, sumária, um despacho, de recebimento ou rejeição dos embargos, com emissão de um juízo de probabilidade, em que dirá se existirá ou não a probabilidade séria da existência do direito invocado[5].
Assim, não é de aplicar, na fase processual em que se insere o despacho recorrido, o entendimento de que é o embargado que tem de invocar e provar que os embargantes tiveram conhecimento do arresto, há mais de 30 dias, relativamente à data da dedução dos embargos. Pois, como referido, na fase introdutória dos embargos de terceiro cabe ao embargante o ónus de alegação da tempestividade dos embargos deduzidos, ao contrário do que sucederá na subsequente fase contraditória, em que caberá ao embargado o ónus de alegar e provar que o prazo foi excedido[6]
Em suma, ao contrário do defendido nos autos pelos Embargantes, o Tribunal a quo podia conhecer oficiosamente da caducidade dos embargos de terceiro deduzidos nos termos em que o conheceu.
Tendo aquele Tribunal a quo considerado que o prazo de 30 dias para a dedução dos embargos já se encontrava integralmente decorrido, não só podia, como devia declará-lo, rejeitando-os, por intempestivos.
Mostra-se, assim, infundado o recurso de apelação interposto, devendo manter-se o despacho proferido pelo Tribunal a quo que rejeitou os embargos de terceiro, por alegada intempestividade.
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IV- DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Terceiros Embargantes (P__________e J___________) e, em consequência manter o despacho proferido pelo Tribunal a quo que rejeitou os embargos de terceiro por alegada intempestividade.
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Custas pelos Embargantes (art.º 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Tribunal da Relação de Lisboa, aos 3 de junho de 2020 Processado e revisto pelo relator Alfredo Costa Vasco Freitas Conceição Gonçalves
_______________________________________________________ [1] Incidentes da Instância, pág. 195 [2] Sumários de Acórdãos do TRP, n.º 9, 979, [3] Publicitados in www.dgsi.pt [4] Nº 0756898 de 14 de janeiro de 2008, in https://tribunal-relacao.vlex.pt/vid/-35364040 ou www.dgsi.pt [5] Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 1º, pág. 622 e Remédio Marques, Curso e Processo Executivo Comum, pág. 294 [6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º Coimbra Editora, setembro de 2014, p. 669