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LIBERDADE CONDICIONAL
DIREITO DE DEFESA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
INTERIORIZAÇÃO DA CONDUTA
Sumário
A decisão que aprecia a liberdade condicional é formal e substancialmente distinta e situa-se em momento processual posterior ao despacho que previamente decidiu relegar essa apreciação para momento posterior e, por isso, os seus fundamentos são diferentes, por ponderarem elementos novos decorrentes dos pareceres posteriormente juntos, reunião do Conselho Técnico e audição do recluso. O procedimento legal oferece todas as garantias de defesa e de exercício do contraditório, sem necessidade de audição do recluso antes da elaboração dos pareceres, porquanto não estão em causa diligências de produção de prova, é garantida a possibilidade de consulta dos pareceres (art. 146° nº 2 do CEP) e a última palavra antes da prolação da decisão é do recluso, nos termos do art. 176º do CEP, que prevê a obrigatoriedade da sua audição, a presença de defensor na audição e a possibilidade de juntar elementos relevantes para a decisão. A ausência de assunção e interiorização da culpa e arrependimento não são automaticamente excludentes da liberdade condicional, ou seja, não são – não podem ser – condição sine qua non da concessão da liberdade condicional. Porém, são desejáveis e valoráveis e a sua ausência pode ser ponderada negativamente, na medida em que pode comportar a existência do perigo de cometimento de novos crimes. A prevenção especial positiva ou de socialização é o fim específico da liberdade condicional. Depende, porém, de um juízo de prognose favorável dentro de limites aceitáveis de risco com claro paralelismo com o raciocínio subjacente à aplicação de penas de substituição, mas sempre sem olvidar as exigências de tutela do ordenamento jurídico.
Texto Integral
Acordam em conferência na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Por despacho proferido em 28.4.2023 foi negada a liberdade condicional ao recluso JT .
Inconformado, interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal de Execução de Penas na qual foi o Arguido, aqui Recorrente, informado da recusa da concessão da liberdade condicional, em virtude de alegadamente não ter interiorizado a sua conduta criminal, não revelar juízo crítico quanto ao seu comportamento e por não reunir garantias suficientes que permitam concluir pela sua reinserção social.
B. O Arguido já antes havia recorrido para o Tribunal da Relação de Lisboa, em 14.02.2022, da decisão do Tribunal de Execução das Penas que recusou dar início ao legalmente obrigatório processo de liberdade condicional, apelando a uma ilegal fundamentação baseada na existência de “processos pendentes” contra o Arguido.
C. Pronunciando-se sobre o Recurso interposto pelo Arguido, o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão proferido em 26.01.2023, considerando que o entendimento do Tribunal de Execução das Penas “prejudica o Arguido” e “não tem acolhimento legal”, veio ordenar a abertura do processo.
D. Obrigado a cumprir a Lei e a abrir o processo de apreciação da liberdade condicional, e conhecendo a improcedência do fundamento inicialmente invocado para negar a abertura do processo, veio agora o Tribunal a quo, sem ter novos elementos de facto ou de direito, invocar novos fundamentos, legalmente inadmissíveis, para continuar a recusar a libertação antecipada que é devida ao Arguido.
E. A contraditoriedade à Lei da decisão aqui recorrida decorre, por um lado, da circunstância de o Tribunal recorrido se ter afastado da análise dos pressupostos simplificados de que depende, nesta altura, verificado o cumprimento de 2/3 da pena, a liberdade condicional, e, por outro lado, do facto de mencionar expressamente um conjunto de fatores que, a terem sido devidamente ponderados, sempre deveriam ter determinado a concessão da liberdade condicional, porquanto são em si suficientes para o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 61.°, n.° 2, alínea a), do CP.
O arrependimento do Arguido e a sua exteriorização através de comportamentos que revelam uma conformidade normativa
F. Fundamentou o Tribunal de Execução das Penas a decisão de não concessão da liberdade condicional ao aqui Arguido, essencialmente na circunstância de este “[d]emonstra[r] muito pouca consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado” e numa suposta “fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, sendo fraco o seu juízo crítico e, consequentemente, a sua motivação para a mudança (...)”.
G. O Tribunal de Execução das Penas suportou, assim, a sua recusa em libertar condicionalmente o Arguido na suposta inexistência de arrependimento, valorando a alegada ausência de interiorização da conduta criminal em sentido desfavorável aos requisitos de prevenção especial que a lei impõe.
H. Este argumento invocado pela Decisão recorrida para recusar a concessão da liberdade condicional, baseado na não demonstração de uma “interiorização da conduta criminal”, vem substituir o fundamento utilizado previamente pelo Tribunal a quo para rejeitar o pedido de apreciação da liberdade condicional, com base na existência de outros processos pendentes contra o aqui Recorrente (substituição que surgiu, claro, após esse Venerando Tribunal, no anterior acórdão proferido neste processo, ter exprimido fundadas dúvidas sobre a legitimidade desse argumento).
I. Porém, a nova fundamentação é improcedente, desde logo, porque decorre abundantemente dos autos que o Arguido interiorizou a conduta e as suas consequências, revelando por comportamentos e declarações o seu arrependimento, bastando recordar, como se lê na Sentença recorrida e no Relatório da DGRSP, de 13.02.2023, que o Arguido “assume a prática dos crimes”.
J. Perante a incompreensível desconsideração destes factos pelo Tribunal, afirmar que não há arrependimento só pode significar que o Tribunal de Execução das Penas, por razões que não revela (porque a Lei certamente não acolheria), quer negar a liberdade do Arguido.
K. Além de contrariar o relatório da DGRSP, o Tribunal recorrido vem ainda afirmar a ausência de arrependimento do Arguido quando é inequívoco que este tem adotado uma conduta de conformidade normativa e fidelização do Direito.
L. O próprio Tribunal a quo reconhece que o Arguido investiu na formação e educação durante o período de execução da pena que lhe foi aplicada, não tendo registado infrações disciplinares, e que tem uma posição clara sobre as consequências negativas que a prática dos crimes (e a pena a que foi sujeito) gerou na sua esfera familiar.
M. Lê-se, inclusive, na Sentença a quo que o Condenado tenciona contactar a Autoridade Tributária para liquidar as dívidas, pagar eventuais multas ou indemnizações a que venha ser condenado.
N. Não há, por isso, suporte para afirmar que o Arguido não se arrependeu e que não quer mudar de vida, pelo contrário, existindo elementos (em abundância) que permitem visualizar arrependimento e proatividade na reformulação do projeto de vida, só se pode considerar que o juiz a quo proferiu uma decisão contrária aos factos que constam dos autos.
O arrependimento (que ocorreu in casu) não é requisito legal para a concessão da liberdade condicional
O. A utilização de expressões como “interiorização da conduta criminal”, “sendo fraco o seu juízo crítico”, evidenciam que a fundamentação do Tribunal recorrido para rejeitar a concessão da liberdade condicional reside na circunstância de o Arguido não ter alegadamente demonstrado arrependimento.
P. Sucede, porém, que o artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do CP, não exige o arrependimento do Arguido como requisito da concessão da liberdade condicional, pelo que não basta para lhe negar a liberdade.
Q. Competia ao Tribunal de Execução das Penas tão só averiguar se a concessão da liberdade condicional é adequada à realização das necessidades de prevenção especial, nada mais.
R. Porém, ao focar-se em impressões sobre a vida interior e o arrependimento do Arguido, ainda para mais sem elementos de facto próximos da tomada de decisão que permitissem chegar a essa conclusão, acabou o Tribunal a quo por proferir uma decisão justificada à luz de razões que não têm relação com o critério imposto pela lei e pela jurisprudência dos Tribunais Superiores em matéria de liberdade condicional (uma vez atingido o marco temporal dos 2/3 da pena).
S. Nesse sentido, desde logo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.02.2019, Proc. n.° 1407/11.3TXPRT-P.1, refere expressamente que “o arrependimento não é um requisito necessário para a concessão da liberdade condicional” (cf. no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10.12.2012, Proc. n.° 1796/10.7TXCBR-H.P1).
T. Assim, o juiz a quo, não só proferiu uma decisão contrária aos factos e às provas dos autos, mas também, em qualquer caso, uma decisão arrimada num fundamento contrário à Lei.
A verificação dos requisitos do artigo 61.°, n.° 2, alínea a), do CP, para decidir pela Liberdade Condicional
U. Cabia ao Tribunal a quo avaliar, nos termos do artigo 61.°, n.° 2, alínea a), como pressupostos materiais da concessão da liberdade condicional, (i) as circunstâncias do caso, (ii) os antecedentes do agente e (iii) e a evolução da sua personalidade.
V. São estes os vetores essenciais que têm de servir de base ao juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado em liberdade condicional, à luz de um exercício de aferição das razões de prevenção especial. O que não sucedeu, caso contrário, o Arguido estaria já em liberdade.
W. Pode ter tido influência na Sentença agora em crise a existência de pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional. No entanto, tais pareceres também não podem colher relevância, porque, por um lado, não analisam questões essenciais ao juízo de prevenção especial que se impõe, e, por outro lado, porque foram proferidos sem que previamente tenha sido ouvido o Arguido, num caso em que o objetivo principal é reunir informação referente à evolução daquele durante o período de reclusão.
X. Um parecer assim proferido incorre em invalidade, até porque a interpretação, isolada ou conjunta, dos artigos 174.º, 175.º, 176.º e 177.º do Código de Execução de Penas, no sentido de que não é necessária a audição do Arguido em momento prévio à emissão dos Pareceres que se pronunciam sobre o mérito da decisão que concede ou rejeita a liberdade condicional, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação, entre o mais, dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 27.º e 30.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
a) As circunstâncias do caso
Y. Versando a análise das circunstâncias do caso sobre a relação do recluso com o caso, verifica-se que são múltiplos os elementos que mostram que as exigências preventivas do caso estão já extintas, o que deflui da consciência crítica sobre os factos que o Arguido vem revelando. Em especial, no Relatório da DGRSP, de 13.02.2023, refere-se que (i) o Arguido “assume a prática do crime”, (ii) “não se revê nos anteriores comportamentos, demonstrando vergonha/arrependimento pelos ilícitos por si cometidos” e (iii) “reconhece as consequências dos seus atos”.
Z. Ademais, o facto de o Recluso “sobrevalorizar os efeitos nefastos da reclusão”, nas palavras daquele Relatório, deve ser valorado positivamente, porquanto uma sobrevalorização desses efeitos, ao contrário do que se lê na Sentença, constitui um incentivo forte a não reincidir.
AA. Por outro lado, deve também relevar, como decorre do texto da própria Sentença, a circunstância de o condenado referir que tenciona contactar a Autoridade Tributária para liquidar as dívidas, pagar eventuais multas ou indemnizações a que venha a ser condenado, assim como o facto de ter vindo a adotar uma atitude colaborante durante o seu percurso prisional, não registando sequer infrações disciplinares e tendo, inclusive, concluído o 12.º ano de escolaridade e o Programa de “Desenvolvimento Moral e Ética”.
BB. Também o entorno sociofamiliar de reinserção em liberdade afigura-se adequado a exigências de conformidade normativa e estimulante no que respeita à assunção de valores que auxiliem na reinserção social, designadamente, a preocupação que revela em estar com as filhas e com os pais deve relevar para efeitos de avaliar se o Condenado consegue conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
CC. Em especial, a sua presença junto das filhas é fundamental, uma vez que, encontrando-se as mesmas intervencionadas pela CPCJ das Caldas da Rainha (cf. ponto 11 dos factos da Decisão recorrida), veio o Relatório Social daquela CPCJ, de 12.04.2023, referir que “[h]avendo a possibilidade do progenitor – JT , assumir as Responsabilidades Parentais das filhas, com o apoio da progenitora e avó paterna seria a alternativa ao Acolhimento Residencial, evitando assim que as crianças saíssem do seu meio natural de vida, o que desde já se propõe”.
b) A vida anterior do agente
DD. Os elementos recolhidos apontam todos no sentido de o Arguido ser uma pessoa renovada após o cumprimento da pena, pessoal, profissional e familiarmente, pelo que não há como antecipar um risco de reincidência.
EE. A existência de factos antecedentes ao cumprimento da pena, tal como processos ainda hoje pendentes sobre factos anteriores ao cumprimento da pena, nada dizem sobre o homem que o Arguido hoje é, revelando apenas o que o Arguido vem mostrando ao longo da execução da pena vertente e, sobretudo, à data de hoje.
FF. Destarte, também relativamente a este vetor, atinente aos antecedentes do Arguido, se deve concluir por um juízo favorável quanto à concessão de liberdade condicional.
c) A evolução da personalidade do Arguido
GG. Ao contrário do que o Tribunal a quo pretendeu dar a entender, e confrontando os relatórios, na parte em que têm conteúdo inovador, torna-se evidente uma evolução da personalidade do Arguido, designadamente, da perspetiva da interiorização da culpa e da demonstração de arrependimento, com expressão no plano fático.
HH. No relatório da DGRSP, de 13.02.2023, diz-se mesmo que o Arguido “apresenta uma evolução na capacidade crítica face à ilicitude dos factos, considerando ainda que a pena de prisão terá sido proporcional ao seu comportamento criminal”.
II. A Decisão recorrida destaca ainda o comportamento prisional do Arguido durante a reclusão, tendo obtido equivalência ao 12.º ano, com aproveitamento, encontrando-se integrado no contexto laboral (faxina), sendo um recluso cumpridor, exemplar, respeita os guardas e os outros reclusos, não averbando no seu registo disciplinar qualquer infração e manifestando intenções de contactar a Autoridade Tributária para liquidar as dívidas mediante plano de pagamento faseado.
JJ. É de notar, assim, a existência de uma evolução positiva em ambiente prisional, adequação normativo-institucional, empenho em atividades laborais, discentes, formativas e culturais, o que evidencia um esforço de valorização pessoal meritório, digno de relevo. O que é manifestamente incompatível com afirmações posteriores da Decisão recorrida como “[o] recluso revela uma personalidade impreparada para respeitar os comandos jurídico criminais que a vida da sociedade impõe”.
KK. Não se compreende como é que pode o Tribunal a quo, em detrimento dos elementos que evidenciam materialmente a evolução daquela personalidade, valorar preferencialmente considerações puramente abstratas, quando neste caso abundam indícios e factos positivos sobre a personalidade, o sucesso da prevenção e a ausência de perigosidade futura.
LL. Conclui-se, assim, que, encontrando-se a fundamentação do Tribunal a quo ferida de ilegalidade, deverão V. Exas. determinar que o Tribunal de Execução das Penas reformule a sua decisão, no sentido de determinar a libertação antecipada do Recorrente, para que este tenha oportunidade de melhor demonstrar que já consolidou os valores necessários à convivência em sociedade.
Em suma: As razões para ser concedida a liberdade condicional
MM. Compulsada a Lei, os factos e as provas constantes dos autos, é inequívoco que a decisão recorrida errou, tanto na decisão de facto, como na articulação que fez entre esses factos e os requisitos do artigo 61.º, n.º 2, alínea a), do CP.
NN. Errou, por um lado, porque falhou em reconhecer o arrependimento do Arguido, quando avultam elementos nesse sentido e errou, por outro lado, porque baseou a não libertação condicionada apenas no juízo que fez sobre a sua falta de arrependimento; quando tal não é sequer condição da libertação condicionada.
OO. Verifica-se que o Arguido demonstra hoje um distanciamento crítico face às circunstâncias do caso e que, considerando os seus antecedentes e a evolução da sua personalidade, fez um percurso de reinvenção do seu projeto de vida.
PP. Verifica-se uma interiorização da culpa e um juízo crítico do seu comportamento, considerando, desde logo, (i) a circunstância de apresentar um percurso institucional exemplar, sem registo disciplinar, (ii) ter procurado ocupar os seus tempos livres com atividades e trabalho tendo inclusive concluído o 12º. ano com mérito, (iii) ter declarado pretender liquidar as suas dívidas junto da Autoridade Tributária e (iv) demonstrar vontade de cuidar da sua família (descendentes e ascendentes).
QQ. Em suma, encontrando-se reunidas as condições para reconstruir a sua vida em liberdade de forma socialmente responsável, não restam dúvidas sobre a possibilidade de formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso, uma vez restituído à liberdade.
NESTES TERMOS E OUTROS MAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, O ORA RECORRENTE RESPEITOSAMENTE REQUER A V. EXAS. QUE REVOGUEM A DECISÃO RECORRIDA E DETERMINEM A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE APLIQUE A LIBERDADE CONDICIONAL AO RECORRENTE.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
- a decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional a JT , por referência aos dois terços da pena, que cumpre pela prática de um crime de fraude fiscal;
- o tribunal decidiu após prévia instrução e junção aos autos dos relatórios elaborados pela equipa técnica de tratamento prisional e pela reinserção social;
- os relatórios instrutórios mostram-se regularmente elaborados, não padecendo de qualquer irregularidade que comprometa a respetiva validade, tendo o relatório elaborado pelos serviços da segurança social tido, além do mais, em conta o teor de entrevistas previamente estabelecidas com o próprio recorrente;
- aliás, o recorrente, não obstante afirmar a invalidade desses relatórios, ainda assim acaba por os usar na sua argumentação, para deles retirar informação que invoca em seu favor;
- o tribunal fez uma correta apreciação desses relatórios e dos demais elementos que instruíram o procedimento de apreciação da concessão da liberdade condicional, deles resultando a factualidade que considerou provada;
- atentos os factos provados, é inegável que o recluso precisa de adquirir e fortalecer competências pessoais e sociais, de modo a adequar o seu comportamento à normatividade da vida em sociedade, para que não reincida na prática criminosa;
- o art. 61.° n.° 3, com referência ao n.° 2 al. a) do Código Penal, exige que, para a formulação do juízo de prognose sobre o comportamento futuro, se tenha em atenção as circunstâncias do caso, a vida anterior a personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão, e também a sua relação com o crime cometido, como decorre também do art. 173.° n.° 1 al. a) do CEPMPL;
- o recorrente ainda não denota suficiente consciência reflexiva sobre os seus comportamentos desviantes e, embora verbalize vontade de mudança, apresenta ainda fragilidades pessoais que comprometem um juízo de prognose favorável quanto a tal desígnio, continuando a centrar os efeitos negativos da reclusão, essencialmente, na sua esfera pessoal e familiar (revelando particular preocupação com o efeito negativo que a sua reclusão projeta sobre o bem estar das filhas e dos pais), e mantendo a tendência para se desculpabilizar com dificuldades económicas que (à data dos factos) experienciou;
- o primeiro passo para que se possa fazer um juízo de prognose favorável no sentido de futuro comportamento socialmente responsável e sem cometer crimes é, indubitavelmente, o reconhecimento sincero das consequências do crime e a manifestação de profundo arrependimento, garantindo uma aptidão séria para a mudança, o que o recluso ainda necessita de desenvolver;
- a falta de interiorização quer do crime quer da pena é um forte fator de risco de reincidência e inviabiliza a concessão da liberdade condicional, mormente numa situação de delitos graves, de provável reiteração, em que se atentou contra bens jurídicos particularmente relevantes;
- o adequado comportamento institucional e tempo de pena cumprido não garantem comportamento normativo fora de meio vigiado e, por si só, não devem nem podem determinar a concessão da liberdade condicional, ainda mais numa situação em que a consciência crítica ainda é muito deficitária e potencia um evidente perigo de reincidência;
- quem pratica crimes tão graves, como aqueles que determinaram a reclusão aqui em causa, deve apresentar um percurso prisional consolidado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário, o que não é o caso do recorrente;
- a decisão proferida contém fundamentação suficiente de modo a permitir compreender o seu teor e o processo lógico-mental que lhe serviu de suporte, fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61.° n.° 3 e n.° 2 al a) do Código Penal, baseando-se nos elementos instrutórios desfavoráveis à liberdade condicional, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, pelo que deve ser mantida.
Contudo V. Exas., decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal, foi cumprido o disposto no art. 416º do Código de Processo Penal.
A Ex.ma Srª Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, dizendo:
Instaurado processo para apreciação de concessão de liberdade condicional, vieram a ser juntos:
- Parecer do MºPº, de sentido negativo, datado de 26.04.2023;
- Parecer da equipa da DGRS, de 29/03/2023, a qual entende que o condenado não reúne condições para a execução da medida de flexibilização; - Ata da Reunião do Conselho Técnico, de 13/04/2023 o qual emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável quanto à concessão de liberdade antecipada. - Audição do recluso, em 17/04/2023, o qual aceita a colocação em liberdade condicional;
Da fundamentação do despacho recorrido consta, quanto à ponderação dos requisitos de índole subjetiva previstos no art. 61º do CP:
- O recluso, na abordagem ao comportamento criminal e à reação penal, tem vindo a adotar um discurso ambivalente; Admite parcialmente a autoria de alguns dos factos em que foi condenado, contudo, tende a justificá-los com os problemas financeiros das suas empresas de corte/comércio de madeira e com uma assessoria deficiente da sua equipa de contabilidade;
- O discurso apresentado pelo condenado é revelador de tendência para a vitimização e para sobrevalorizar os efeitos nefastos da reclusão, em detrimento da consciencialização dos bens jurídicos protegidos que lesou, remete para défices quanto ao impacto dos seus atos na relação entre o cidadão e o Estado.
- Em declarações perante o T.E.P. adequou as mesmas ao que perceciona como desejado, referindo essencialmente as consequências pessoais e familiares da reclusão;
- O desvalor da sua conduta não surge como ressonante ou determinante, nos processos de tomada de decisões ou de pensamento do recluso de forma espontânea ou perene;
- Tudo dados que comprometem o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando-se por uma vida em sintonia com o direito, sem voltar a cometer crimes.
Consequentemente, entende-se que:
A decisão foi proferida após prévia instrução dos autos, com junção de relatórios da DGRS e DGSP, CRC do recluso, reunião de Conselho Técnico, auto de audição do recluso, que fundamentaram a matéria de facto provada, e parecer desfavorável do Ministério Público.
Com base nos factos provados quanto ao percurso prisional e tendo ainda em conta as circunstâncias dos crimes cometidos, o tribunal “a quo” fez um juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional.
A decisão recorrida mostra-se adequada à situação concreta, na medida em que o recluso continua a denotar limitações ao nível da capacidade de descentração e da reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências, mantendo uma baixa responsabilização e défices de avaliação consequencial relativamente aos ilícitos cometidos no decurso da reclusão, necessitando de consolidar a aquisição de competências pessoais e valores sociais de forma a interiorizar a gravidade dos seus comportamentos ilícitos e as suas consequências para outrem, sendo prematuro concluir que, em liberdade, não reincidirá.
O tribunal “a quo” fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.° 61° n.° 2 al. a) do C. Penal.
O recluso carece de consolidar o seu percurso de forma a reunir condições intrínsecas para poder beneficiar de liberdade condicional e cumprir com as obrigações subjacentes.
O conselho técnico é um órgão auxiliar do tribunal da execução das penas, cujas funções são meramente consultivas, coadjuva numa reunião subsequente ao encerramento da instrução, em que são prestados esclarecimentos sobre a situação individual e prisional de cada recluso, votando os seus elementos no sentido favorável ou não à concessão da medida – cfr. art.° 175° n°s 1 e 2 do CEPMPL.
Não se trata de diligência de produção de prova, razão pela qual não está prevista a presença do condenado para o exercício do contraditório.
As garantias de defesa do condenado estão asseguradas pelo art.° 176 do referido diploma, que prevê a obrigatoriedade de ser ouvido, a presença de defensor na audição e a possibilidade de juntar elementos relevantes para a decisão.
Assim, o recluso não tem participação no conselho técnico, pelo que não houve violação de qualquer disposição legal nem do princípio do contraditório.
Aliás, os relatórios e pareceres podem ser consultados (art.° 146°/2 do CEP).
Nessa medida, não conseguimos perspetivar em que sentido é que a interpretação dada às normas bule com direitos de defesa do recluso, não assistindo, consequentemente, razão ao recorrente.
Tendo por assente que o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art.° 146.° n° 1, do CEPMPL, após uma leitura atenta da decisão ora posta em crise, não restam quaisquer dúvidas de que a mesma se encontra devida e suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito.
De tudo o que supra se deixa expresso, é forçoso concluir que o tribunal a quo efetuou uma análise crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos e, proferiu a decisão de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
Não existe, assim, nulidade da sentença, quer por omissão de fundamentação, quer por fundamentação insuficiente, quer por contradição entre a fundamentação e a motivação.
Falece, pois, o argumento do Recorrente de que é ilegal o despacho proferido “por incorreta apreciação dos factos e aplicação do direito” tendo ocorrido violação do art. 61º do CP pelo o recurso deve improceder, devendo igualmente improceder a nulidade invocada, bem como a alegada violação do princípio do contraditório,
Em tudo o mais, face do rigor da resposta do magistrado do MºPº, subscrevem-se os fundamentos nela aduzidos.
O Recorrente responde ao parecer avançando os seguintes fundamentos:
1. O parecer ora sob resposta é, a um só tempo, previsível e improcedente.
2. Previsível, porque o Ministério Público junto deste Tribunal se limita a aderir e sufragar o que foi dito e concluído pelo Ministério Público de 1.ª instância.
3. E improcedente, porque, à semelhança do Ministério Público de 1.ª instância, erra na compreensão das finalidades e utilidade da liberdade condicional e na verificação dos pressupostos legais de que depende a sua aplicação (i.e., na avaliação e ponderação das circunstâncias do caso, da vida anterior do agente e da evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão a que se alude no artigo 61.º do Código Penal).
4. Ora, tratando-se de uma peça confessadamente remissiva, exige o dever de patrocínio que se dediquem ao parecer ora sob escrutínio algumas linhas,
5. Não muitas, nem especialmente densas, pois a motivação de Recurso apresentada pelo Arguido vale como demonstração da total falta de razão do que conclui o Ministério Público de 1.ª instância e, por remissão, o Ministério Público junto deste Tribunal.
Vejamos então,
6. A título prévio, cumpre relembrar que a liberdade condicional do Arguido começou por ser negada, porquanto o Tribunal de Execução de Penas se recusou a instaurar o procedimento de liberdade condicional por considerar que a “situação jurídica do recluso se mostra ainda indefinida”.
7. Na verdade, o que pretendia o Tribunal de Execução das Penas era impedir o início do processo de liberdade condicional, antecipando (materialmente) a recusa da libertação do Arguido.
8. Por essa razão, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido em 26.01.2023, veio já declarar a ilegalidade dessa recusa, ordenar a abertura do presente processo e antecipar que tinha sérias dúvidas sobre a possibilidade de esse fundamento bastar para rejeitar a liberdade condicional, quando o processo viesse a ser aberto.
9. Foi precisamente neste contexto que o Tribunal de Execução de Penas, depois de forçado a abrir processo, decidiu vir agora negar a liberdade condicional do Arguido por este alegadamente não revelar arrependimento suficiente (e já não pela indefinição processual inicialmente apontada).
10. E foi sobre essa decisão que versou o Recurso interposto pelo Arguido.
Prosseguindo,
11. No parecer ora sob resposta, vem o Ministério Público junto deste Tribunal, sustentar que “o recluso continua a denotar limitações ao nível da capacidade de descentração e da reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências, mantendo uma baixa responsabilização e défices de avaliação consequencial relativamente aos ilícitos cometidos no decurso da reclusão, necessitando de consolidar a aquisição de competências pessoais e valores sociais de forma a interiorizar a gravidade dos seus comportamentos ilícitos e as suas consequências para outrem, sendo prematuro concluir que, em liberdade, não reincidirá.”
12. E fá-lo em clara (e expressa) adesão à posição do Ministério Público de 1.ª instância que já sustentava a recusa em libertar condicionalmente o Arguido na suposta inexistência de um reconhecimento sincero das consequências do crime e de um profundo arrependimento.
13. Porém, e conforme escalpelizado na motivação de Recurso para o qual se remete por razões de economia processual, tal argumentação é improcedente a vários níveis.
14. Desde logo, é improcedente porque, conforme amplamente demonstrado nos autos, o Arguido JT assumiu a prática do crime e manifestou não se rever na sua conduta anterior, demonstrando um claro arrependimento pelos ilícitos por si cometidos.
15. O Arguido apresentou, também, uma evidente evolução na sua capacidade e juízo crítico face à ilicitude dos factos por si práticos e manifestou a sua concordância com a pena de prisão que se encontra a cumprir, por considerar a mesma proporcional e adequada ao seu comportamento criminal.
16. Assim, não restam dúvidas de que o Arguido interiorizou a sua conduta anterior e as respetivas consequências, revelou juízo crítico quanto o seu comportamento e manifestou arrependimento.
17. E tudo isto quando o arrependimento do condenado não é sequer uma “condição intrínseca para poder beneficiar de liberdade condicional e cumprir com as obrigações subjacentes”.
18. Com efeito, pode o condenado não assumir qualquer sentido crítico ou de interiorização da culpa e ainda assim dever ser libertado.
19. Não é o Arguido que o diz, são os Tribunais Superiores ( ).
20. E é assim porque existem elementos materialmente tão ou mais importantes do que essa auto-culpabilização.
21. Na verdade, “a antecipação do comportamento que o recorrente terá em liberdade, para efeito do juízo de prognose que a norma em causa impõe, há-de ser feito a partir de dados concretos, entre os quais não é de menor importância o comportamento que tenha tido em contexto prisional.” ( )
22. Com efeito, e como se crê elementar, “[n]o juízo de prognose exigido para a concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena, assume especial relevo a análise da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão, materializada e espelhada no comportamento prisional como índice de ressocialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”, sendo “de ponderar cumpridos 2/3 da pena se é mais eficaz para prevenir a reincidência, manter o arguido em reclusão, ou antes iniciar já a sua transição gradual e fiscalizada para a vida livre através da concessão da liberdade condicional.” ( )
23. Ora, sobre o comportamento exemplar do Arguido durante a execução da pena de prisão, remete-se para tudo quanto se expôs na motivação de Recurso, 24. Reiterando-se apenas que o facto de o Arguido se ter revelado cumpridor, respeitador e trabalhador, não tendo qualquer infração disciplinar, é a mais clara evidência de que tem um percurso prisional consolidado e de que assumirá uma conduta de conformidade normativa e de fidelização do Direito.
25. E nem mesmo o facto de o Arguido JT ter antecedentes criminais permite contrariar tal evidência.
26. De facto, e ao contrário do que pretende o Ministério Público, a existência de antecedentes contraordenacionais impede que se conclua, com base no seu percurso anterior, que o Arguido reincidirá se for imediatamente libertado.
27. Foi precisamente isso que concluiu o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão datado de 19.01.2022, processo n.º 1322/10.8TXCBR-V.P1, ao afirmar que: “a gravidade acrescida que resulta da condenação anterior, ou da eventual reincidência, foi seguramente já tida em consideração na determinação da medida concreta da pena em causa, pelo que não poderá ser motivo para, por si só, impedir a concessão da liberdade condicional.”
28. E não poderá impedir a concessão de liberdade condicional numa situação em que, para além de estarem reunidos todos os pressupostos legais exigíveis para o efeito, o Arguido tem, ainda, um incentivo pessoal e familiar, que é legítimo e compreensível e que o motivará a não cometer novos crimes.
29. Assim, e conforme já demonstrado em sede de Recurso, o Arguido não quer mais ser privado da companhia dos seus filhos e pretende acompanhar os seus pais e atender às suas necessidades, resultantes da velhice e da doença.
30. Ao que se soma o facto de o Arguido ter plena consciência dos efeitos e consequências da execução de uma pena de prisão na sua vida e da sua família, o que só poderá ser entendido como uma evidência suplementar da sua vontade de não reincidir na prática de crimes e de reformular o seu projeto de vida.
31. E não se diga que tais circunstâncias consubstanciam uma tentativa de vitimização ou de desculpabilização.
32. Muito pelo contrário: são inegáveis incentivos a não reincidir, que revelam que o Arguido não é já a pessoa que entrou na prisão e certamente não quer voltar a ser e que, como tal, só podem (e devem, aliás) ser valorizados a seu favor.
33. Em face do exposto, urge questionar: de que serve, afinal, a liberdade condicional, se a mesma foi negada, numa situação em que estão plenamente verificados todos os pressupostos legais de que depende a sua aplicação?
34. E de que serve, afinal, a liberdade condicional se a mesma é recusada a um arguido, como JT, que tudo fez para merecê-la?
35. Ora, no preâmbulo do Código Penal português pode ler-se que a liberdade condicional tem um objetivo bem definido: “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”.
36. Neste exato sentido, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 17 de março de 2021, processo n.º 1381/11.6TXLSB-G.L1-3, concluiu que ( ):
“A liberdade condicional, constituindo uma medida de execução de sanção penal não privativa da liberdade, traduz-se na libertação antecipada associada a um período de transição entre a prisão e a liberdade cujo propósito é dar ao condenado a oportunidade e reais condições que lhe permitam adquirir capacidades de adaptação gradual à nova realidade e, consequentemente, de adequação da sua conduta aos padrões éticos e jurídicos essenciais ao convívio social em liberdade, presumidamente enfraquecidas pelo período de reclusão suportado. Este foi o propósito do legislador penal expressamente assumido no parágrafo nono da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, ao prevê-la e regulá-la, nos arts. 61º e seguintes.
O grande objectivo é, pois, o da ressocialização do condenado em pena privativa da liberdade, com controlo e supervisão, na fase inicial do seu regresso à liberdade, precisamente, para assegurar o sucesso da sua reintegração (Moraes Rocha & Catarina Sá Gomes, Algumas notas sobre direito penitenciário, in Moraes Rocha, Entre a Reclusão e a Liberdade Estudos Penitenciários, vol. I, Almedina, 2005, pp. 42 e Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 15.ª ed., 2002, pp. 220 e segs.; Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 528).
À concessão da liberdade condicional subjaz uma esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda e, por isso «o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, § 521, pág. 344)” (realces nossos).
37. Assim, é já incontornável que o instituto da liberdade condicional se destina a promover uma reintegração acompanhada do condenado na sociedade.
38. É, aliás, a única oportunidade para realizar essa integração, com a devida supervisão e acompanhamento.
39. A verdade é que o Arguido JT está afastado da sociedade há mais de 4 (quatro) anos.
40. Se o Tribunal não lhe der esta oportunidade agora, então a liberdade condicional só será novamente apreciada dentro de 1 (um) ano, quando restarem poucos meses para o cumprimento integral da pena que lhe foi aplicada.
41. Provavelmente, tendo em conta os normais atrasos em processos desta natureza, a sua situação nem sequer será (re)avaliada em tempo útil.
42. Não haverá, por isso, um qualquer período de transição, uma integração social acompanhada e supervisionada, em que o Arguido estará sempre sujeito à possibilidade da livre revogação da sua liberdade.
43. Em suma, a manter-se a decisão recorrida, essa oportunidade será negada a um arguido que evoluiu e interiorizou a sua conduta e as respetivas consequências e que demonstrou uma inequívoca vontade de não cometer crimes no futuro, apresentando legítimos incentivos para não reincidir,
44. E será negada quando inexistem razões para duvidar da sua capacidade de adotar um comportamento socialmente responsável.
45. Pelo que não se compreende como pode o parecer ora sob resposta pretender perpetuar uma recusa (ilegal) da liberdade condicional ao Arguido JT.
46. Exceto, claro está, se o fator determinante do juízo de prognose subscrito pelo Ministério Público foi também a tal situação jurídico-processual indefinida, ao invés da verificação dos pressupostos legalmente previstos.
Termos em que se conclui como na motivação de Recurso apresentada pelo Arguido, com os mesmos exatos fundamentos, conclusões e pedidos dela constantes.
Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal).
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do Recorrente, as questões a decidir são:
1. A prolação de nova decisão invocando novos fundamentos e sem novos factos;
2. A ausência de audição prévia antes dos pareceres;
3. A verificação dos pressupostos substanciais da concessão da liberdade condicional (i) arrependimento; (ii) circunstâncias do caso e vida anterior; (iii) personalidade e sua evolução da personalidade
*
O despacho recorrido decidiu pela não concessão da liberdade condicional com os seguintes fundamentos de facto e de direito:
III - Os Factos
Da análise conjugada dos elementos existentes nos autos, em especial a certidão das decisões condenatórias, o C.R.C., a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a acta da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o parecer do Director do E.P., o relatório da DGRS e o relatório dos SEE do E.P., considera-se demonstrado o seguinte quadro factual:
1. O recluso cumpre a pena de 5 anos e 3 meses de prisão, à ordem do processo …., pela prática de crimes de fraude fiscal.
2. Atingiu o cumprimento de metade da pena em 04/11/2021, os dois terços em 20/09/2022 e atingirá o termo da pena em 19/06/2024.
3. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido julgado e condenado pela prática de 1 crime de fraude fiscal – processo n° …, 1 crime de furto qualificado – processo n° …, 1 crime de falsificação de documento – processo n° …, 1 crime de desobediência simples – processo n° …, 1 crime de falsificação de documento – processo n° …. (condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, pena que se encontra a executar).
4. Não tem registadas infracções disciplinares.
5. Não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
6. Cumpre a pena em regime comum.
7. O recluso, na abordagem ao comportamento criminal e à reação penal, tem vindo a adoptar um discurso ambivalente. Admite parcialmente a autoria de alguns dos factos em que foi condenado, contudo, tende a justifica-los com os problemas financeiros das suas empresas de corte/comércio de madeira e com uma assessoria deficiente da sua equipa de contabilidade. O condenado refere que tenciona contactar a Autoridade Tributária para liquidar as dívidas mediante plano de pagamento faseado e, com ajuda financeira dos pais, pagar eventuais multas ou indemnizações a que venha a ser condenado. Ao nível pessoal adopta uma atitude colaborante e o seu percurso prisional reflete preocupação em transmitir uma imagem positiva e cumpridora das normas, na medida em que não regista infrações disciplinares, concluiu o 12.° ano de escolaridade e o Programa de “Desenvolvimento Moral e Ética”. No entanto, o discurso revelador de tendência para a vitimização e para sobrevalorizar os efeitos nefastos da reclusão em detrimento da consciencialização dos bens jurídicos protegidos que lesou, remete para défices quanto ao impacto dos seus actos na relação entre o cidadão e o Estado. Em declarações perante o T.E.P. adequou as mesmas ao que percepciona como desejado, referindo essencialmente as consequências pessoais e familiares da reclusão. Referiu ainda que actuou pela forma dada como provada no acórdão condenatório pelo dinheiro, referindo que não tinha como se sustentar, concluindo que o crime não compensa e que prefere um prato de sopa a um bife.
8. Durante a atual reclusão frequentou a escola e no ano letivo 2020/2021, concluiu o curso escolar EFA NS, com equivalência ao 12.º ano. Sendo de referir que lhe são atribuídas boas competências, é assíduo, empenhado e com boa capacidade de aprendizagem.
9. No EP de Alcoentre, por ter optado pela frequência escolar, ainda não foi colocado em contexto laboral.
10. No exterior conta com o apoio dos seus pais, irmãos e filhos. Perspectiva, em liberdade, trabalhar com máquinas em transporte de madeiras e em agricultura no terreno dos seus pais.
11. O recluso tem duas filhas, intervencionadas pela C.P.C.J. das Caldas da Rainha que elaborou o relatório junto aos autos em 12/04/2023.
IV- O Direito
1. O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições (...) que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento” 1.
2. São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61°, n° 1, do Código Penal, doravante CP), o que se verificou no caso concreto;
b) O cumprimento de pelo menos 1/2 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61°, n°s 2, 3 e 4 e 63°, n° 2, do CP), o que também ocorre, já que o recluso cumpriu mais de 1/2 da pena de prisão.
3. São requisitos de ordem material:
a) O já referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61°, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Nesta fase (2/3 da pena) estes requisitos vertidos na alínea b) não são de verificação obrigatória – artigo 61°, n° 3, do C.P..
V - Aplicação do Direito aos Factos
O recluso tem passado criminal sendo esta a sua 1ª reclusão.
Não beneficiou de Medidas de Flexibilização da Pena, L.S.J. ou L.C.D. o que importa no sentido de testar o seu comportamento, nomeadamente a sua adesão a comportamentos normativos, em liberdade.
Tem um percurso disciplinar sem infracções disciplinares registadas.
Investiu na sua permanência no E.P. em termos escolares e formativos.
Demonstra muito pouca consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado. Não demonstrou vontade em alterar o seu percurso de vida.
O recluso revela uma personalidade impreparada para respeitar os comandos jurídico criminais que a vida da sociedade impõe, avultando uma fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, sendo fraco o seu juízo crítico e, consequentemente, a sua motivação para a mudança, factores estes que não transmitem garantias suficientes de que aquele tenha criado os contraestímulos adequados à tendência criminosa e aptidão para se reinserir socialmente.
Efectivamente, embora assuma a prática dos crimes, subsistem fragilidades na respetiva valoração crítica (o que é também revelador de uma certa indiferença relativamente à natureza e pluralidade dos bens jurídicos ofendidos), continuando a centrar os efeitos negativos da reclusão, essencialmente, na sua esfera pessoal e familiar, demonstra tendência para se desculpabilizar com as dificuldades económicas e financeiras que (à data dos factos) experimentava (entretanto, não ultrapassadas), sendo que, a opção pelo recurso à prática de ilícitos criminais como modo de satisfação dos seus desejos e interesses financeiros não está, assim, afastada, ultrapassada que está a barreira ético-moral que o poderia ter afastado da prática deste tipo de ilícitos, sendo ainda sério o risco – tanto mais que o desvalor da sua conduta não surge como ressonante ou determinante nos processos de tomada de decisões ou de pensamento do recluso de forma espontânea ou perene.
Tudo dados que comprometem o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando-se por uma vida em sintonia com o direito, sem voltar a cometer crimes.
Verificam-se assim, as apontadas necessidades de prevenção especial.
Em face ao supra expendido, as circunstâncias relativas ao exercício das responsabilidades parentais não concluem pela alteração de qualquer dos factores supra referidos e, num extremo, poderão colocar pressão suplementar sobre o comportamento do recluso levando-o, uma vez mais, a relativizar as normas jurídico-penais sobre os seus interesses e desejos económico-financeiros.
Concordamos assim com o Ministério Público e o Conselho Técnico, sendo ainda prematura a concessão da liberdade condicional.
VI - Dispositivo
Em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado JT a liberdade condicional.
*
Cumpre decidir.
1. A prolação de nova decisão invocando novos fundamentos e sem novos factos
Salvo o devido respeito, nos despachos de 14.10.2022 e 2.11.2022, em que se considerou previamente à apreciação da liberdade condicional, que essa apreciação depende de uma estabilidade processual que o recluso não tem e decidiu aguardar essa estabilização antes de iniciar os procedimentos necessários.
Foi essa posição que não foi sufragada por este tribunal (acórdão de 26.1.2023) que deliberou revogar esses despachos determinando que se desse “continuidade aos procedimentos tendentes à apreciação da concessão da liberdade condicional”.
A decisão/sentença ora colocada em crise é formal e substancialmente distinta e situa-se em momento processual também diferente. Trata-se da decisão sobre a existência dos pressupostos substanciais para a concessão da liberdade condicional, na sequência de todo o procedimento legalmente imposto, após junção dos pareceres, reunião do Conselho Técnico e audição do recluso.
É assim evidente que não se trata do mesmo tipo de decisão pelo que naturalmente que os fundamentos têm de ser diferentes e ao contrário do invocado, existem elementos novos a ser ponderados, mormente os decorrentes dos pareceres posteriormente juntos, reunião do Conselho Técnico e audição do recluso.
2. A ausência de audição prévia antes dos pareceres
Como decorre da resposta do Ministério Público em 1ª instância e do parecer da Ex.ma Srª Procuradora Geral-Adjunta, os relatórios mostram-se regularmente elaborados, não padecendo de qualquer irregularidade, tendo o relatório elaborado pelos serviços da segurança social tido, além do mais, em conta o teor de entrevistas previamente estabelecidas com o próprio recorrente, sendo certo que não estão em causa diligências de produção de prova, e que as garantias de defesa e de exercício do contraditório pelo condenado estão asseguradas não só porque os relatórios e pareceres podem ser consultados (art. 146° nº 2 do CEP) como, essencialmente, porque a última palavra antes da prolação da decisão é do recluso, nos termos do pelo art. 176º do CEP, que prevê a obrigatoriedade da sua audição, a presença de defensor na audição e a possibilidade de juntar elementos relevantes para a decisão.
3. A verificação dos pressupostos substanciais da concessão da liberdade condicional (i) arrependimento; (ii) circunstâncias do caso e vida anterior; (iii) personalidade e sua evolução
Substancialmente, as divergências do Recorrente prendem-se com a verificação dos pressupostos da concessão da liberdade condicional.
Resulta da liquidação da pena constante da decisão sob recurso, que está em causa a apreciação da possibilidade de concessão da liberdade condicional após os 2/3 da pena que cumpre.
Assim, para que seja concedida a liberdade condicional é necessária a verificação apenas das condições da al. a) do nº 2 do art. 61º do Código Penal, como decorre do nº 3 da citada norma.
Ou seja, é necessário que:
[al. a)] Seja possível um juízo de prognose fundamentado de que o condenado, em liberdade, possa conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base:
- nas circunstâncias concretas do caso;
- na vida anterior do agente;
- na sua personalidade; e,
- na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão.
*
(i) arrependimento
O Recorrente sustenta que o arrependimento não é condição essencial à concessão da liberdade condicional.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.7.2016, no proc. 824/13.9TXLSB-J.L1, desta secção que subscrevemos, sustentámos que apesar do recluso não ter admitido a prática dos crimes, devia ser libertado condicionalmente.
Esse acórdão, tal como, anteriormente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2012, no proc. 1796/10.7TXCBR-H.P1, disponível no site da dgsi.pt, versam situações em que os condenados não assumem os crimes nem mostram arrependimento. Ambos sustentam que não é requisito necessário de concessão da liberdade condicional que o condenado assuma o crime, revele arrependimento e interiorize a sua culpa . Também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (e não de Lisboa como o Recorrente refere), de 20.02.2019, Proc. n.° 1407/11.3TXPRT-P.P.1 aponta no mesmo sentido.
Decorre desses dois primeiros acórdãos que essa assunção e interiorização da culpa e arrependimento são desejáveis e valoráveis e que a ausência de assunção e de arrependimento podem ser valorados negativamente, na medida em que podem comportar a existência do perigo de cometimento de novos crimes. Contudo, essa postura não é automaticamente excludente, não é – não pode ser – condição sine qua non da concessão da liberdade condicional.
Porém, essa discussão é desnecessária in casu, porquanto, em momento algum, a decisão recorrida invoca a ausência de arrependimento como fundamento para a não concessão da liberdade condicional. Pelo contrário regista e reconhece que o recluso “assume a prática dos crimes…”.
(ii) circunstâncias do caso
Face à tipologia dos factos pelos quais foi condenado as circunstâncias concretas do caso interligam-se com aspectos relevantes da vida anterior do agente daí resultando o peso do passado criminal, particularmente significativo porquanto se regista a persistência na prática de crimes ao longo dos últimos 15 anos (2008, 2011, 2012, 2016 e 2019 até ao início do cumprimento da pena) e a reiteração da prática de crimes da mesma natureza (uma outra condenação) o que não podia deixar de afectar o juízo de prognose positivo subjacente à concessão da liberdade condicional não pode ser formulado. Ao contrário do que o Recorrente pretende não se podem valorar positivamente os antecedentes criminais para concluir por um juízo favorável quanto à concessão da liberdade condicional, nem no confronto com a sua postura em reclusão, como adiante se verá.
(iii) personalidade e sua evolução
O passado criminal não pode ser esquecido na análise da personalidade do ora Recorrente porquanto denota uma consciência crítica deficiente e dificuldades em manter uma conduta normativa em liberdade.
No que respeita à evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão é inquestionável que existem circunstâncias objectivas favoráveis: o comportamento do Recorrente em reclusão revela adaptação às regras institucionais, sem sanções e com investimento e investimento na formação pessoal e escolar (concluiu o 12.° ano de escolaridade e o Programa de “Desenvolvimento Moral e Ética”) e trabalhando.
As perspectivas no exterior também são positivas, com apoio familiar e projectos de trabalho.
Mas, o bom comportamento e o apoio exterior, só por si, não significam uma evolução positiva na sua capacidade de futura reinserção.
Como afirma Figueiredo Dias, no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais – mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”.
Por isso, na dinâmica da evolução do comportamento prisional do Recorrente, o seu bom comportamento não merece uma avaliação tão positiva em termos de ressocialização futura que permita escamotear todos os outros aspectos da avaliação efectuada pelo tribunal a quo, com base, designadamente, na sua audição e nos pareceres da DGRS e dos SEE do E.P.
É aí que se encontram os indícios claros de que não houve uma real evolução da personalidade por forma a permitir uma libertação condicional e o seu bom comportamento terá de ser avaliado com reservas não sendo de per si significativo de maior capacidade de ressocialização.
Efectivamente, o Recorrente assume uma postura de admissão parcial da autoria de alguns dos factos em que foi condenado, mas justifica-os com os problemas financeiros e com uma assessoria deficiente da sua equipa de contabilidade, o que corresponde a uma atitude desculpabilizante. Também no que respeita à vontade de reparar o mal do crime, liquidar as dívidas as dívidas à Autoridade Tributária, procrastina, atirando para um momento incerto do futuro a assunção das suas responsabilidades quando é certo que os factos pelos quais foi condenado respeitam a um processo de 2011.
Assim, como ficou assente, não restam dúvidas, como corolário da postura do Recorrente e da evolução da sua personalidade durante a execução da pena de prisão, que “o discurso revelador de tendência para a vitimização e para sobrevalorizar os efeitos nefastos da reclusão em detrimento da consciencialização dos bens jurídicos protegidos que lesou, remete para défices quanto ao impacto dos seus actos na relação entre o cidadão e o Estado”.
Em conclusão.
O Recorrente fundamenta o seu recurso invocando um quadro fáctico em que acentua os aspectos positivos do seu percurso e olvida ou desvaloriza os aspectos negativos que também existem e que ficaram assentes na decisão recorrida.
A decisão procedeu a uma análise criteriosa dos elementos constantes dos autos, não se verificando qualquer erro na decisão de facto que é perfeitamente suportada pelos elementos que lhe serviram de base e revelam um juízo crítica devidamente fundamentado.
O juízo de prognose sobre a concessão da liberdade condicional exige a ponderação concomitante dos vários requisitos substanciais plasmados na al. a) do nº 2 do art. 61º do Código Penal.
A ausência de consciência crítica, por si só não é excludente da concessão de liberdade condicional, mas é, sem dúvida, um aspecto que também tem de ser ponderado .
Ora, como a decisão recorrida demonstra, as circunstâncias concretas do caso, os aspectos relacionados com a personalidade, vida anterior do Recorrente e a análise à evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão nos aspectos que interessam à capacidade de futura reinserção impedem a concessão da liberdade condicional.
A prevenção especial positiva ou de socialização é o fim específico da liberdade condicional. Depende, porém, de um juízo de prognose favorável dentro de limites aceitáveis de risco com claro paralelismo com o raciocínio subjacente à aplicação de penas de substituição. Porém, como salienta Figueiredo Dias, esse prognóstico favorável não pode olvidar ainda as exigências de tutela do ordenamento jurídico .
O juízo de prognose efectuado, ao contrário do que o Recorrente invoca, pondera devidamente as razões de prevenção especial ou de socialização. Concluiu, porém, não ser aceitável o risco de libertação condicional com probabilidades de sucesso, tendo em atenção todas as circunstâncias do art. 61º nº 2 al. a) do Código Penal e as exigências de tutela do ordenamento jurídico.
Assim, tendo em atenção os pressupostos substanciais da liberdade condicional consignados no art. 61º nº 2 al. a) do Código Penal, o Recorrente não reúne as condições para que lhe seja concedida a liberdade condicional.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os Juízes da 3ª Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por JT , mantendo-se na íntegra o decidido em primeira instância.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 13-09-2023,
Jorge Raposo
Maria Elisa Marques
Ana Paramés