PREENCHIMENTO ABUSIVO
GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA
DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário

I) Como princípio, não deve enunciar-se, em sede de fundamentação da sentença, no segmento dos factos apurados (provados/não provados), matéria conclusiva ou de direito, designadamente, quando esta se reporte ao cerne do objeto da questão a decidir.
II) Contudo, tem-se admitido que a mesma seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico com um significado socialmente consensual, se não forem objeto de discussão entre as partes, nem carecerem de interpretação jurídica, devendo ser tomadas na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum, caso em que ainda estaremos perante matéria factual.
III) Pretendendo o recorrente que seja aditada aos factos provados, matéria que comporta um juízo conclusivo e que expressa uma opção jurídica sobre os créditos reconhecidos no âmbito do PER e respetivos efeitos da aprovação e homologação do respetivo plano de recuperação, objeto da decisão a proferir, tal matéria não deverá figurar no rol da factualidade selecionada.
IV) Tendo sido homologado plano de recuperação no âmbito de PER, a modificação introduzida nos créditos dos credores não determina a extinção das garantias autónomas prestadas por terceiro garante.
V) O incumprimento do plano de recuperação aprovado no PER determina a repristinação das obrigações dos créditos na situação que se encontravam antes do PER, nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CIRE, sem operar, por tal circunstância, a caducidade das garantias autónomas prestadas por terceiro.
VI) Constituem deveres do garante de garantia autónoma face ao dador da ordem no momento em que o beneficiário solicita o pagamento da garantia, a observar de acordo com o princípio fundamental de “estrita neutralidade”, os seguintes: a) Informar o ordenante no momento em que lhe é solicitado o pagamento da soma objeto da garantia; b) Confirmar se todas as condições fixadas no contrato de garantia se verificam no momento em que o beneficiário exige o pagamento; c) Recusar o pagamento; d) Pagar ao beneficiário.
VII) O cumprimento do dever de informação do garante ao dador da ordem constitui uma exigência decorrente da relação de mandato, sendo natural que seja dado conhecimento ao mandante de todas as vicissitudes conexas à execução do mandato, sendo que, a circunstância de a garantia autónoma ser automática ou «à primeira solicitação» não justifica que o garante deixe de informar o ordenante de que lhe foi solicitado o pagamento.
VIII) O garante só está vinculado pelo dever de recusa de pagar a garantia autónoma, quando a solicitação do beneficiário não foi feita nos termos do contrato de garantia ou quando está de posse de prova pronta e líquida da fraude ou do abuso de direito do beneficiário.
IX) A invocada preterição do cumprimento do dever de informação que o garante de uma garantia autónoma deveria ter efetuado ao garantido sobre o acionamento das garantias bancárias, não se reflete no cumprimento das obrigações objeto do aval prestado pelo recorrente em livranças (para além dos termos de exigibilidade dos juros devidos) entregues ao garante como contra-garantia do cumprimento do contrato de garantia e, designadamente, nas condições de preenchimento de tais títulos de crédito pelo portador, não determinando alguma abusividade do portador em tal preenchimento, que se conformou com o pacto de preenchimento dos títulos.
X) A missiva enviada para a morada designada em contrato subscrito pela destinatária será eficaz, se não foi, nomeadamente, demonstrada, nem a falta de concretização da expedição, nem a comunicação de indicação de nova morada para receção de correspondência previamente ao envio, ónus que sempre incorreria a cargo do destinatário, enquanto facto impeditivo da produção de tais efeitos (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC).

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. Por requerimento executivo apresentado em juízo em 08-04-2021, LISGARANTE – SOCIEDADE DE GARANTIA MÚTUA, S.A., identificada nos autos, deduziu ação executiva contra FS e MM, também identificados nos autos, para pagamento da quantia global de 1.043.031,73 € e juros moratórios vincendos até efetivo e integral pagamento, dando como título executivo 3 livranças.
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2. Citado, veio o executado deduzir oposição à execução, por embargos, tendo alegado, em suma, que:
- A sociedade subscritora das livranças celebrou com o BES dois contratos de crédito que previam a entrega de uma garantia autónoma, e celebrou com a Caixa Geral de Depósitos outro contrato de crédito que previa igual entrega, tendo a exequente prestado três garantias autónomas, cada uma associada a um contrato de crédito e cada uma das livranças está associada às garantias autónomas;
- Em comum às garantias autónomas foi previsto nos respetivos contratos que a garantia caducava se o banco não solicitasse o pagamento nos 90 dias posteriores ao vencimento e consta dos contratos de crédito quais as situações passíveis de serem consideradas fundamento de vencimento antecipado;
- A sociedade garantida instaurou processo especial de revitalização e foi aprovado e homologado plano de recuperação, pelo que, com essa homologação operou-se o vencimento antecipado “nos termos das condições especificas das linhas de crédito PME Invest”;
- Em consequência daquela homologação, converteram-se os créditos em novos créditos e os créditos deixaram de estar sujeitos às condições imperativas das linhas de crédito, perdendo as garantias autónomas a validade;
- Assim, as garantias bancárias caducaram em Abril de 2014, 90 dias após a homologação do PER, quando a exequente pagou ao BES;
- Mas mesmo que não se entenda ter ocorrido o vencimento antecipado da totalidade das obrigações, relativamente à garantia autónoma, de 2008, a caducidade ocorreu em 2 de Julho de 2013 por ser o incumprimento de 2 de Abril, e, relativamente à garantia de 2010, o incumprimento ocorreu em junho de 2013 ou, no limite em 2014;
- Tanto o BES como a exequente sabiam que as garantias haviam caducado em 2013 e 2014 “por violação dos termos dos contratos de garantia”, pelo que, os pagamentos são nulos devendo os pedidos de pagamento ser entendidos como declarações com reserva mental e o vencimento antecipado comunicado pelo BES em 2017 é uma declaração não séria;
- Acresce que a exequente não comunicou à subscritora Wallcare S.A. que o banco lhe havia solicitado o pagamento como previsto no contrato;
- Tendo as garantias caducado o preenchimento das livranças é abusivo;
- O valor constante das livranças é superior ao que a exequente pagou aos bancos e não existem saldos vivos garantidos, pelo que, não são devidas comissões; e
- A exequente não lhe comunicou que havia procedido ou ia proceder ao preenchimento das livranças.
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3. Os embargos foram liminarmente recebidos, nos termos do despacho de 29-06-2021.
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4. Na contestação, a embargada pronunciou-se, em síntese, nos seguintes termos:
- Requerendo a retificação de lapso de escrita e a redução da quantia exequenda;
- Relativamente às duas garantias associadas aos financiamentos do BES, este declarou o vencimento antecipado e acionou as garantias por comunicações de 12.10.2017 e 21.1.2018 e a CGD acionou a garantia em 27.11.2013, tendo a exequente pago os valores reclamados e interpelou a Wallcare S.A., que não fez qualquer pagamento, tendo procedido ao preenchimento das livranças conforme o pacto de preenchimento e notificou o embargante desse preenchimento, embora tal interpelação não seja exigida no que se refere ao avalista; e
- Não se verifica caducidade das garantias porque a instauração de processo de insolvência ou recuperação de empresas, nos termos das condições gerais dos contratos de crédito, é apenas uma situação passível de ser considerada como fundamento para vencimento antecipado, não sendo um efeito automático, não havendo preenchimento abusivo.
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5. O embargante ainda se pronunciou sobre os documentos juntos com a contestação (cfr. requerimento de 13-09-2021).
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6. Foi dispensada a realização de audiência prévia e em 22-11-2022 foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como, de decisão sobre as provas requeridas.
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7. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, após o que, em 08-02-2023, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos e declarou que “os juros sobre o valor das livranças são devidos apenas após 27.5.2021, extinguindo-se a execução quanto a juros anteriores a essa data e respetivo imposto de selo”, mais condenando o embargante em custas na proporção de 99,5% e a exequente na proporção de 0,50%.
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8. Não se conformando com esta decisão, dela apela o embargante, pugnando pela “reponderação da prova produzida na audiência final indicada, seja aditada ao elenco dos factos assentes a factualidade discriminada nas conclusões supra”, pela “reapreciação de mérito à luz de uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 236° e 238°, 224°, 245°, 244° (e 240° por remissão) do Código Civil, normas que se mostram violadas, e, considerando a apurada vontade real do avalista, Embargante aqui Recorrente, com correspondência nas Cartas Contratos de Mandato e Garantia que constituíram os pactos de preenchimento das livranças avalizadas”, pela procedência da excepção de preenchimento abusivo das livranças e pela revogação da sentença recorrida, sendo proferido acórdão em sua substituição que julgue os embargos procedentes e, por consequência, decrete a extinção integral da execução pendente e o pagamento de custas e demais encargos pela Embargada, tendo formulado as seguintes conclusões:
“O presente recurso é interposto porquanto se entende, com a devida vénia, que a Douta Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento no que respeita aos factos e também no que se refere à interpretação e aplicação das regras de direito
1. Está provado nos autos que as garantias autónomas prestadas pela Exequente a favor do BES eram condição e exigência decorrente dos financiamentos concedidos pelo BES à sociedade Wallcare S.A. (conforme documentos n°s 1 e 5 juntos ao requerimento de embargos), no âmbito das linhas de crédito Protocoladas PME INVEST;
2.Está provado - pontos 6 e 19 - que em 2 de Outubro de 2008 e 1 de Junho de 2010, foram emitidas pela LISGARANTE, aqui Exequente, as "Carta Contrato de Mandato e Garantia” dirigidas à WALLCARE (subscritora da Livrança que serve de base à execução) com o assunto "Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da WALLCARE - Aplicações e Revestimentos S.A, a favor do Banco Espírito” no âmbito das Linhas de Crédito PME INVEST, com o teor que delas consta;
3. Está provado - pontos 17, 18, e 27 e documentos n°s 1, 7 e 8 juntos ao requerimento de embargos - que todas as alterações aos contratos de financiamento celebrados ao abrigo das Linhas de Crédito PME INVEST foram previamente aprovadas e autorizadas, quer pela sociedade de garantia Mútua (SGM) aqui Exequente quer pela PME Investimentos;
4.  Está provado - pontos 10, 11, 22, documento n° 3, 4, 7 e 8 junto ao requerimento de embargos - que por cada alteração dos contratos de financiamento foi celebrada, em simultâneo, uma Adenda à respectiva Carta Contrato de prestação de garantia, assinada pela Sociedade de Garantia Mútua, aqui Exequente e Embargada, a sociedade mutuária subscritora das livranças e os avalistas, entre eles o Embargante;
5. Em todas as adendas aos contratos de prestação de garantias consta que "Pelo presente documento os contraentes procedem à alteração da Carta Contrato de Mandato e Garantia que estabelece os termos da garantia e as contrapartidas pela emissão da mesma (...) mantendo-se o restante clausulado inalterado: (...)”, daqui decorrendo que se mantém o âmbito: Linhas de Crédito PME INVEST;
6. Entende o Embargante, com o devido e muito respeito, que à data em que foram efectuados os pagamentos pela Exequente ao BES já haviam caducado as garantias autónomas ao abrigo das quais tais pagamentos foram efectuados pelo que, consequentemente, o preenchimento pela Exequente das livranças n° … e n° … foi abusivo;
7. Foi alegado pelo Embargante no artigo 29° do requerimento de embargos e está provado - pontos 6 e 19, que reproduzem graficamente os documentos n°s 2 e 6 juntos pelo Embargante ao seu requerimento de embargos - que nas "Carta Contrato de Mandato e Garantia” emitidas pela LISGARANTE, consta que:
"e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BES não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste à empresa”.
8. Contemplando a primeira hipótese, a Meritíssima Sra. Dra Juiz a quo definiu como tema de prova saber se à data da apresentação do PER os financiamentos contratados pela WALLCARE com o BES e a CGD no âmbito das Linhas de Crédito PME INVEST, já se encontravam em incumprimento por falta de pagamento e se a situação económica e financeira da mutuária se havia degradado, com a diminuição das garantias dos créditos, como era do conhecimento do BES e da CGD, tanto mais quando eram os maiores credores da mutuária WALLCARE (artigo 34.° do requerimento de embargos);
9. E respondendo a tal tema de prova, no ponto 46. dos factos provados a Meritíssima Sra. Dra Juiz a quo afirmou que “Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam- se em incumprimento
10. Porém, a Meritíssima Sra. Dra Juiz a quo acrescentou que o incumprimento existente e provado o era “quanto ao pagamento de juros, pelo menos, desde junho, ” Com o devido e muito respeito,
11. A afirmação / limitação concebida pela Meritíssima Sra. Dra Juiz a quo não foi apurada, não podendo por isso ser considerada provada;
12. Da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida resulta infirmada a conclusão da Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo;
13. Do depoimento prestado pela testemunha JM, que à data era o director financeiro da sociedade mutuária Wallcare, testemunho que consta do ficheiro de gravação 20230110161919-20213646- 2871099, minutos 5:38 a 5:47, resulta que à data em que a sociedade garantida se apresentou ao PER encontravam-se em dívida as prestações de Abril e Julho da CGD, as prestações de Abril e Julho de um dos contratos do Espirito Santo e a prestação de Junho do outro contrato;
14.E se é certo que a testemunha apenas se referiu a falta de pagamento de “prestações” , a afirmação da Meritíssima Sra. Dra. Juiz que “só pode ser referenciado e sustentado relativamente ao pagamento de juros, já que a mutuária estava a beneficiar de períodos de carência de capital, donde é completamente inverosímil que o incumprimento respeitasse a capital’ não tem qualquer sustentação na prova produzida, devendo ser eliminada; Com efeito,
15.Quanto ao contrato de financiamento FEC … a que corresponde a garantia autónoma n° 2008.00757 verifica-se que:
• E está provado - pontos 12 e 6 - que 2 de Outubro de 2008, é a data efectiva correspondente à data de constituição da garantia autónoma (documentos n°s 1 e 2 juntos ao requerimento de embargos);
•Quer o contrato de financiamento quer o Contrato de Prestação de Garantia tiveram uma primeira alteração em 21 de Novembro de 2011 - pontos 10 e 17 dos factos provados - e uma segunda alteração em 15 de Maio de 2013 - pontos 11 e 14 dos factos provados (documentos n°s 1, 3 e 4 juntos ao requerimento de embargos);
•Nos termos fixados no contrato inicial ficou estabelecido: Prazo contratual inicial de 48 meses, com início em Outubro de 2008 e termo em Outubro de 2012 e Prazo de carência intercalar de 12 meses, isto é, capital devido a partir de Outubro de 2009 (vencimento do pagamento das prestações trimestrais em Janeiro de 2010);
• Na sequência da primeira alteração contratual datada de 11 de Novembro de 2011, ficou estabelecido (documento n° 3 junto ao requerimento de embargos): Prazo contratual: 60 meses, com início em Outubro de 2008 e termo em Outubro de 2013 e Prazo de carência adicional e intercalar de mais 12 meses, ou seja de Outubro de 2011 a Outubro de 2012 isto é, capital devido a partir de Outubro de 2012 (vencimento do pagamento das prestações trimestrais a partir de Janeiro de 2013)
16.Ao contrário do afirmado pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, resulta da conjugação do estipulado nos documentos com o depoimento, credível e insuspeito, da referida testemunha JM, que a prestação de capital de Janeiro de 2013 foi paga, o mesmo não acontecendo com a prestação de capital de Abril de 2013, altura em que a situação económica e financeira da sociedade mutuária se encontrava já muito degradada;
17.Acresce que esse mesmo facto, alegado pelo ora apelante no art.° 57.° da petição de embargos e confirmado pela testemunha antes identificada, encontra corroboração no documento n.° 20 - extracto então junto e posteriormente entregue nos autos em versão integral em 13/12/2022, no seguimento de notificação para o efeito pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz, que, todavia, o desconsiderou indevidamente- ou seja, é a própria instituição bancária a indicar 2 de Abril de 2013 como data da entrada da mutuária em incumprimento - vide reclamação de créditos apresentada pelo BES em Julho de 2018 no âmbito da insolvência.
18. Note-se que, ao contrário daquilo que a Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo extrapolou, é o próprio beneficiário da garantia que esclarece a data da entrada em incumprimento e o montante de capital em dívida (€ 122.559,37), já após ter accionado a garantia autónoma e ter recebido da Exequente a quantia total de €117.440,63, correspondente a 50% do capital em divida, conforme consta do facto provado 52.
19. Estando em causa documento emitido pelo BES e que não sofreu impugnação, terá de ser dado como provado que o incumprimento do contrato de financiamento FEC …, no que se refere a capital e não só a juros, a que corresponde a garantia autónoma n° …, se verificou em 2 de Abril de 2013, em harmonia com o testemunho prestado por JM que aqui também se invoca;
20. É certo que em 10 de Maio de 2013, veio a ser celebrada uma nova alteração ao contrato de financiamento e ao contrato de prestação de garantia, que fixou retroactivamente o período de carência de capital que foi então fixado entre Outubro de 2012 e Outubro de 2013, retroactividade dos efeitos, que foi completamente ignorada pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo;
21. Quanto ao contrato de financiamento FEC …/… a que corresponde a garantia autónoma n° 2010.03727, verifica-se que:
• Está provado - pontos 23 e 19 - que 1 de Junho de 2010 é a data efectiva correspondente à data de constituição da garantia autónoma (documentos n°s 5 e 6 juntos ao requerimento de embargos);
• Quer o contrato de financiamento, quer o Contrato de Prestação de Garantia tiveram uma primeira alteração em 23 de Novembro de 2011 e uma segunda alteração em 28 de Março de 2013 - pontos 27 e 22 dos factos provados- (documentos n°s 7 e 8 juntos ao requerimento de embargos)
• Nos termos do contrato inicial ficou estabelecido: Prazo contratual de 72 meses, com início em Junho de 2010 e termo em Junho de 2016 e Prazo de carência intercalar de 12 meses (embora conste 6 meses não sendo compatível com os 15 meses referidos infra quanto ao reembolso trimestral), isto é, capital devido a partir de Junho de 2011 (vencimento do pagamento das prestações trimestrais em Setembro de 2011)
• Na sequência da primeira alteração contratual datada de 23 de Novembro de 2011, ficou estabelecido (documento n° 7 junto ao requerimento de embargos): Prazo contratual: 84 meses, com início em Outubro de 2008 e termo em Outubro de 2014 e Prazo de carência adicional e intercalar de mais 12 meses, ou seja de Dezembro de 2011 a Dezembro de 2012 isto é, capital devido a partir de Janeiro de 2013 (vencimento do pagamento das prestações trimestrais a partir de Abril de 2013)
22.Resulta da conjugação do estipulado nos documentos e do depoimento da aludida testemunha JM, nas passagens identificadas, que a prestação de Abril de 2013 ainda foi paga embora a situação económica e financeira da sociedade mutuária se encontrasse já muito degradada;
23.É certo que em Março de 2013 veio a ser acordada uma nova alteração ao contrato de financiamento e ao contrato de prestação de garantia, que fixou novo período de carência de capital a partir do dia 1 de Março de 2013 - deixando por isso não coberta a obrigação de pagamento de capital referente ao período de Janeiro e Fevereiro de 2013;
24.Como resulta do documento n° 8 junto ao requerimento de embargos, embora o BES tivesse acordado tal aditamento e tenha obtido a aprovação da PME Investimentos e da Lisgarante, não o assinou (ou pelo menos não o devolveu assinado à mutuária), mas se o assinou, não o cumpriu;
25.Pelo que, em conformidade com testemunho prestado por JM, que aqui também se invoca, terá de ser dado como provado que o incumprimento do contrato de financiamento FEC …/10 no que se refere a capital e não só a juros, a que corresponde a garantia autónoma n° …, se verificou em Junho de 2013;
26.Assim, e ao contrário do afirmado pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, resulta provado que o incumprimento dos financiamentos, incluindo no que se refere às prestações de capital e não apenas de juros ocorreu em Abril e Julho de 2013 quanto ao contrato de financiamento FEC … / garantia … e em Junho de 2013 quanto ao contrato de financiamento FEC … / garantia …, isto é, antes da data da apresentação do PER, pela mutuária Wallcare, subscritora das livranças, em 14 Agosto de 2013, tal como alegado pelo Embargante no artigo 52° do requerimento de embargos;
27.A conclusão da Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, "... donde é completamente inverosímil que o incumprimento respeitasse a capital, ...” (ponto 46 factos provados), que o Embargante impugna, não encontra suporte na prova produzida, resultando contrariada pelo testemunho prestado por JM, que à data era director financeiro da mutuária e, como tal, era-lhe exigido um exacto conhecimento do que devia ou não devia, do que era debitado ou creditado à mutuária e de qual o significado de "prestação”;
28.Impondo-se por isso responder afirmativamente ao tema de prova supra referido em 8. e, consequentemente, alterar a redação do ponto 46 dos factos provados, suprimindo a limitação introduzida "quanto ao pagamento de juros”, e passando a ter a seguinte redacção: "Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam-se em incumprimento e o celebrado com a Caixa Geral de Depósitos também apresentava incumprimento por falta de pagamentos, especificando-se que o incumprimento dos financiamentos, incluindo no que se refere às prestações de capital, ocorreu em Abril e Julho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …, e em Junho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …”, em conformidade com os meios de prova produzidos e identificados.
29.Verificando-se a existência de incumprimento no pagamento de capital subscreve-se sem mácula o afirmado pela Meritíssima Sra. Dra Juiz a quo: “Ademais, a exequente, relativamente a tais financiamentos, por via das garantias autónomas que prestou, em que são beneficiários os bancos mutuantes, garantiu o pagamento das obrigações da sociedade mutuária nos exatos termos dos acordos relativos à prestação das garantias, em caso de incumprimento por parte da sociedade mutuária. “ (negrito e sublinhado nosso)
30.Tendo o Novo Banco pedido o pagamento à Exequente, ao abrigo das garantias autónomas por esta prestadas, em 12 de Outubro de 2017 e 25 de Janeiro de 2018, - pontos 53 e 55 dos factos provados - estando por isso decorridos muito mais de 90 dias após os primeiros incumprimentos, e desde logo quanto a estes, ocorridos em Abril e Julho quanto à garantia … e em Junho de 2013 quanto à garantia …, não poderá deixar de se reconhecer a caducidade das garantias tal como estipulado nos contratos de prestação das mesmas que, para além do mais, constituem os pactos de preenchimento das livranças entregues em branco à Exequente e que o aqui Embargante avalizou; Sem conceder,
31.Estando provada a existência de incumprimentos de pagamento de capital ao BES, beneficiário das garantias, em Abril e Junho de 2013, está também provado que a sociedade mutuária se submeteu em Agosto de 2013 ao Processo Especial de Revitalização (PER);
32.Abordando a segunda hipótese de acionamento das garantias estipulada nos respectivos contratos, tal como a Mm.a juíza enunciou “(...) decidir se as garantias caducaram com a homologação do PER” é questão que “tem que ser resolvida, a nosso ver, quer por via da interpretação das cláusulas dos contratos de garantia por serem essas que regulam a respetiva relação contratual e à luz das quais se têm que extrair as obrigações de cada uma das partes, mas, também, tendo em conta o regime e efeitos do processo especial de revitalização.” (negrito nosso) Vejamos,
33. Dúvidas não restam - por todos os factos já provados - que a emissão e validade das garantias autónomas prestadas pela Exequente estava sujeita ao enquadramento específico das Linhas de Crédito PME INVEST;
34. Está provado - ponto 40 - que a Exequente tomou conhecimento da apresentação da sociedade mutuária subscritora das livranças ao Programa Especial de Revitalização no qual reclamou um crédito - sob condição - no montante de €710.191,50 dos quais €708.851,69 referentes às garantias prestadas, conforme documento junto aos autos em 13/12/2022;
35. Encetadas negociações com os seus credores, a devedora Wallcare, mutuária, subscritora das livranças entregues à Exequente, elaborou um plano de recuperação conducente à sua revitalização, que depois de ser aprovado pela maioria dos credores, sendo maioritário e tendo votado favoravelmente o BES (provado - ponto 41), beneficiário das garantias prestadas pela Exequente, veio a ser homologado por sentença de 27 de Janeiro de 2014 (provado - ponto 39) e do qual constam, cf documento junto aos autos em 13/12/2022, e em especial, as medidas de reestruturação propostas e a sua duração - factos provados 43 e 44
36. Está provado - ponto 42 - que a Exequente votou contra o plano de recuperação, (necessariamente atenta a natureza e âmbito das garantias que havia prestado enquanto Sociedade de Garantia Mútua, contragarantida pelo Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM) e dependente da aprovação da PME Investimentos que não foi obtida);
37. As alterações contratuais decorrentes da reestruturação financeira proposta e aprovada pela maioria dos credores, não foi aprovada nem autorizada pela PME Investimentos (que nem sequer teve qualquer intervenção no PER), como haviam sido todas as alterações contratuais anteriormente celebradas entre o BES e a mutuária Wallcare no âmbito das Linhas de crédito PME INVEST (provado cf. pontos 17., 18. e 27.);
38. E, se é certo, não se questionando, que, sendo o plano aprovado, as alterações ou modificações contratuais dele decorrentes são impostas a todos os credores, ainda que não tenham reclamado créditos ou, tendo-o feito, tenham votado contra o plano proposto;
39. Certo é, também, que por via de tais alterações contratuais, os financiamentos deixaram de estar enquadrados nas Linhas de Crédito PME INVEST e, como tal, deixaram de estar garantidos pelo Estado através do Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM) pela prestação de garantias pela Sociedade de Garantia Mútua, aqui Exequente, conforme alegou o Embargante alegou no seu requerimento de embargos - artigo 42° - que com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos, evidenciando-se tal facto pelas informações comunicadas pelo BES à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, (documento n° 12 junto ao requerimento de embargo, não impugnado, indevidamente desconsiderado pela Sra. Dra. Juiz a quo, corroborado pela testemunha JM, no seu depoimento, de minutos 16:18 e 16:42), e que deve assim ser julgado provado.
40. Note-se que, e bem, na douta sentença de que se recorre a Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo reconheceu que as alterações introduzidas pelo plano de reestruturação aprovado no âmbito do PER constituem alterações contratuais
41. Alterações contratuais que, de resto, foram confirmadas pela testemunha JM, na passagem transcrita de minutos 17:45 a 18:17.; Contudo,
42. Encontra-se igualmente provado que todas as alterações aos contratos de financiamento (anteriores ao PER) foram simultaneamente objecto de adendas aos contratos de prestação de garantia emitidas pela Exequente Lisgarante e subscritas pelo Embargante;
43. Aceitando-se quanto consta da douta sentença recorrida quando nela se consigna que “(...) os contratos [de financiamento] não se extinguiram nem cessaram, nem houve novação das obrigações, não passando as obrigações da mutuária perante os bancos a ser as previstas nesse plano após o incumprimento e “para todo o sempre, (...)” já não se aceita quanto consta da mesma sentença, com total desconsideração pela factualidade provada - que “ (...) e por isso também não cessaram as garantias prestadas pela exequente, nem estas perderam a validade ao abrigo das linhas de crédito, linhas de crédito que não se substituem aos concretos contratos de financiamento celebrados nem substituem a regulamentação convencionada nos mesmos” (negrito nosso)
44. A Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo não retirou qualquer consequência, ao nível dos efeitos necessariamente produzidos nas garantias autónomas, as quais foram prestadas, sublinha-se mais uma vez, exclusivamente no âmbito das Linhas de Crédito PME INVEST, das alterações contratuais introduzidas nos contratos de financiamento pelo plano de reestruturação não terem tido a aprovação e autorização da PME Investimentos e da Exequente Lisgarante, nem de as mesmas (alterações) não terem sido objecto de adendas aos contratos de prestação de garantia;
45. Importa ter presente que o que releva para os presentes autos é a posição do Embargante e a sua alegação de que os pagamentos efectuados ao BES pela Exequente o foram já depois de caducadas as garantias autónomas que ele, Embargante, garantiu através do aval aposto nas livranças em conformidade com os pactos de preenchimento - as Carta Contrato de Mandato e Garantia - que subscreveu;
46. O Embargante garantiu pelo aval que prestou a emissão das garantias autónomas naquele âmbito, não teve qualquer intervenção a título pessoal no PER e não assinou qualquer adenda (que não existiu) aos contratos de prestação de garantia; Logo,
47. No que ao Embargante / avalista respeita, impõe-se responder afirmativamente à questão enunciada pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo (citada em 32 supra), reconhecendo que as garantias autónomas prestadas pela Exequente estavam caducadas aquando dos pedidos de pagamento efectuados pelo BES em 2017 e 2018 por terem decorrido mais de 90 dias após a homologação do plano de reestruturação em Janeiro de 2014;
48. Excepção decorrente do próprio contrato de garantia, que, não tendo sido oposta pela exequente ao beneficiário, pode agora ser invocada pelo embargante, demandado na sua qualidade de avalista na livrança emitida pela sociedade garantida; Acresce que,
49. O Novo Banco fez o pedido de pagamento das garantias autónomas enviando à Exequente cópias de cartas datadas de 24 de Novembro de 2017 - documentos n.°s 6 e 9 juntos à contestação da Exequente - tendo como destinatária a sociedade mutuária Wallcare, tendo em assunto "Vencimento antecipado do contrato ( ...) "
50. A Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo considerou como provado que o Novo Banco enviou à Wallcare tais cartas de declaração de vencimento antecipado dos contratos e cartas de igual teor ao Embargante (pontos 63. a 66. dos factos provados); No entanto,
51. Não foi junta aos autos qualquer prova que essas cartas tenham sido efectivamente enviadas, nem que tenham sido recebidas pelos destinatários, apesar de a Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo ter notificado expressamente a Exequente para juntar aos autos "os avisos de receção pertinentes” (vide despacho saneador) e a Exequente nada ter respondido ou junto;
52. Conforme se prova pelas cópias das cartas juntas pela Exequente aos autos, documentos 4 a 9 juntos à contestação - a morada da destinatária Wallcare que consta das referidas cópias é a Rua Dr. António Loureiro Borges, Edifício ..... n.° 9,6.° em Algés;
53. Na audiência de discussão e julgamento, a testemunha JM foi questionada sobre essa matéria e do testemunho que estão prestou, de minutos 11:35 a 12:03, resulta inequívoco, não só que aquele endereço não era, à data, e já desde 2014, o da sede da mutuária, como a alteração para Alameda dos Oceanos, n° 20, em Lisboa, havia sido comunicada ao BES através de mail preparado pelo próprio, declarações não infirmadas por qualquer outro elemento probatório e que não mereceram qualquer reserva. Assim,
54. Contrariamente ao afirmado pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, nada prova que tais cartas, datadas de Novembro de 2017, tenham sido remetidas e muito menos recebidas pela Wallcare, nem que a não recepção das mesmas se tenha devido a culpa da destinatária, que comunicou em 2014 ao Banco a alteração da sua morada;
55. Deste modo, a manter-se como provados os pontos de facto indicados, deverá acrescentar-se, em respeito pela prova produzida, que as cartas foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco, factualidade que deverá ser aqui considerado nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 5.°, n.° 2, 607.°, n.° 4 e 663.°, n.° 2, pertencendo todos ao CPC;
56. Sendo a declaração de vencimento antecipado do contrato uma declaração receptícia (ou recipienda), a sua validade e eficácia dependia da chegada ao poder ou conhecimento do destinatário; Porém,
57. Ao Novo Banco nada terá importado não remeter as cartas, ou, ainda que as tenha remetido, remeter para morada errada ou saber se foram as mesmas recebidas ou não pela destinatária pois, com tal expediente apenas pretendeu accionar junto da Exequente as garantias autónomas por esta prestadas e àquelas datas - 2017 - já caducadas, e sem que tenha diligenciado apresentar em tempo útil à Lisgarante o pedido de pagamento das mesmas, como a Lei lhe permitia (dado que o PER apenas o impedia de accionar a mutuária) e a salvaguarda dos seus direitos determinava, declarar quatro anos mais tarde o vencimento antecipado das obrigações, constituiu-se assim como mero "expediente”;
58. O Novo Banco bem sabia - e não podia ignorar - que a PME Investimentos e a Exequente não tinham aprovado nem autorizado as alterações contratuais resultantes do plano de reestruturação, deixando por isso os créditos de serem créditos bonificados e garantidos pelo Estado ao abrigo das Linhas de crédito PME INVEST, sendo tal facto igualmente do conhecimento da Exequente, que não o podia ignorar, tendo tomado conhecimento e participado no PER, pelo que a "comunicação” de vencimento antecipado terá de ser entendida como uma declaração não séria nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 245° do C.C., conforme alegado pelo Embargante no artigo 62° do requerimento de embargos; Ainda assim,
59.  A caducidade das garantias foi consagrada nos contratos de prestação das garantias (também e principalmente em favor da Exequente/Embargada para a salvaguarda dos seus direitos e do Estado Português que contra-garantia as garantias por ela prestadas ao abrigo das linhas PME INVEST), exigindo que a declaração de vencimento antecipado chegasse ao conhecimento da devedora garantida - “comunicação” - para que, a partir daí, fosse pela garante, aqui Exequente, contado o prazo de 90 dias, decorrido o qual a garantia caducava;
60. Excepção de caducidade que deveria ter sido oposta pela aqui Exequente ao beneficiário da mesma; não o tendo sido, pode o agora embargante, demandando na qualidade de avalista, invocá-la a seu favor, como fez;
61. Contando-se o prazo de 90 dias constante da estipulação da data em que o beneficiário fez (alegadamente) vencer antecipadamente toda a dívida, vencimento que dependia da interpelação da devedora, impunha o Princípio da Boa-Fé que a Apelada se tivesse assegurado que a mesma ocorrera;
62. Com efeito, ainda a fazer fé na cópia das cartas que lhe foram remetidas pelo BES, ficava por demonstrar a sua recepção pela destinatária Wallcare, pelo que se impunha à aqui Exequente que confirmasse tal facto, designadamente junto da garantida Wallcare, comunicando-lhe que tinha sido chamada a honrar a garantia (como não deixou de fazer quando a CGD fez idêntico chamamento);
63. Não o fez, como se encontra provado nos presentes autos, o que foi confirmado pela testemunha JM, na passagem das suas declarações de minutos 12:05 a 12:18, facto que deve ser igualmente aditado à factualidade dada como assente, como permite o art.° 5.°, n.° 2, al. b) do CPC.
64. Sem conceder quanto ao referido em 59., ainda que a tanto a Exequente / garante não estivesse obrigada pelo clausulado contratual de emissão das garantias, conforme foi entendido pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo e com o que não se concorda, sempre impunha o Princípio da Boa-Fé e resulta expresso no disposto nos artigos 17° e 21° das Regras Uniformes da Câmara de Comércio Internacional, que obrigam os Bancos (sendo o mesmo regime igualmente aplicável às sociedades de garantia mútua, com especial relevo pelo facto de terem uma contra-garantia do Estado), que a garante informasse imediatamente o mandante do pedido de pagamento do beneficiário;
65. Se a Exequente, ao receber em 2017 e 2018 os pedidos de pagamento das garantias autónomas, decorridos cerca de quatro anos, entendeu ignorar que a declaração de vencimento antecipado, cujas cópias lhe foram remetidas, não era séria, se entendeu não apurar se era válida, ou não, não pode depois querer repercutir essa falta de diligência no Embargante;
66. E, pese embora tal tenha sido indevidamente desconsiderado pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, competia à Exequente alegar e provar - e não o fez - que as alegadas declarações de vencimento antecipado tinham sido efectiva e validamente enviadas e recebidas pela destinatária, pois só assim estaria cumprida a condição - requisito - para accionamento e pagamento das garantias autónomas constante dos Contratos de Prestação de Garantia que constituem os Pactos de Preenchimento das livranças assinados pelo Embargante;
67. E não se diga que tal apuramento - da eficácia da declaração de vencimento antecipado, interpelação que é condição do vencimento- é prejudicado pela autonomia da garantia prestada, pois a natureza própria da garantia o que impedia era que a prestadora da mesma fosse apreciar se existiam ou não fundamentos para o banco fazer a declaração de vencimento antecipado;
68. Mas sendo condição de acionamento da garantia, nos termos dos contratos de prestação das mesmas, cabia à aqui Exequente fazer prova de que tinha sido validamente chamada a cumprir, o que não logrou fazer;
69. Como alegado pelo Embargante no artigo 61° do requerimento de embargos, os pedidos de pagamento feitos em 2017 e 2018 pelo Novo Banco à Exequente apenas podiam, e podem, ser entendidos como declarações com reserva mental, pelo que os pagamentos reclamados e efectuados são nulos, conforme o disposto nos artigos 244° (e 240° por remissão) do C.C.;
70. Quer a Doutrina quer a Jurisprudência têm vindo consagrar a legitimidade da recusa de pagamento pelo garante, ainda que de garantias autónomas à primeira solicitação, nomeadamente nos casos de manifesta má fé ou a má fé patente, ou seja, que não oferece a menor dúvida, por decorrer com absoluta segurança de prova documental em poder do ordenante ou do garante; Por tudo isto,
71. Não se podendo aceitar quanto em adverso vem dito na sentença impugnada; Pois, sempre com o devido respeito
72. É verdade que, nos termos da Lei (CIRE) o incumprimento do plano de reestruturação aprovado no PER importa o renascimento das obrigações nos termos dos contratos de empréstimo na situação que se encontravam antes do plano MAS no que ao credor e à mutuária respeita ;
73. A PME investimento enquanto gestora do Fundo FINOVA e a Sociedade de Garantia Mútua aqui Exequente não eram partes nesses contratos de empréstimo;
Ainda assim e se se seguir o raciocínio da Meritíssima Juiz a quo, "Não alegava o embargante explicitamente nem o cumprimento nem o incumprimento pela subscritora do plano de recuperação, mas referia-se à insolvência ao remeter para documento extraído desta, pelo que, está admitido implicitamente o incumprimento daquele. Ademais, também não alegava quaisquer pagamentos que tivessem sido feitos no âmbito do plano, quando é certo que este previa o reembolso do capital a 10 anos, com início a 31 de Março de 2017, (...)”
Sem conceder, sendo certo que o Embargante não o alegou nem o podia fazer, pois é executado na qualidade de avalista das livranças que garantiam a emissão das garantias autónomas,
74. Apesar de se verificar a mesma falta quer de diligência da Exequente quer de fazer prova de que tinha sido validamente chamada a cumprir, - impunha-se à Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo - a fazer vencimento o entendimento que defendeu - que tivesse reconhecido que as garantias autónomas estariam igualmente caducadas na data em que o Novo Banco pediu os pagamentos pois: conforme consta dos factos provados, nos termos do plano de reestruturação, o reembolso do capital pela mutuária seria feito a 10 anos, com início a 31 de Março de 2017, e os pedidos de pagamento foram feitos em Novembro de 2017 ou seja, decorridos mais de 90 dias, estando então as garantias caducadas desde 30 de Junho de 2017;
AINDA ASSIM E SEM CONCEDER,
75. Vem sendo maioritariamente entendido pela nossa Jurisprudência que, face à solução plasmada no n.° 4 do art.° 217.°do CIRE, se mantém intocada a obrigação dos garantes.
76. Está na garantia autónoma - também ela de natureza pessoal, distinguindo- se do aval por ser este uma garantia especifica para os títulos de crédito- igualmente presente a característica de autonomia (que até é total, ao contrário do que se passa no aval) relativamente à obrigação do devedor, assegurando o prestador da mesma ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro, e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação;
77. O citado n.° 4 do art.° 217.° vem sendo aplicado ao PER, fazendo uso de interpretação extensiva ou analógica;
78. Assim sendo, e seguindo a actual posição jurisprudencial maioritária, as medidas de reestruturação que foram aprovadas e homologadas no PER, não modificaram a existência nem o montante dos direitos do BES contra a aqui Exequente, não vigorando para os garantes o efeito stand-still;
Logo, e sem conceder quanto ao anteriormente alegado,
79. Ainda que não se considerasse o vencimento por via da falta da aprovação e autorização da PME Investimentos e da Sociedade de Garantia Mútua aqui Exequente impostas pelas disposições das Linhas de Crédito PME INVEST, no âmbito das quais foram prestadas as garantias, impunha-se ter sido reconhecido na douta sentença de que se recorre que estava o beneficiário BES obrigado a accionar as garantias prestadas pela aqui Exequente nos termos dos Contratos de Prestação das mesmas, isto é, respeitando o prazo de 90 dias após o incumprimento pela sociedade mutuária de pagamento de capital respeitando os períodos de carência aí previstos, prestações trimestrais respectivamente a partir de Janeiro de 2014 e Julho de 2014, sob pena de caducidade das mesmas.
Todavia, no que nos presentes autos especialmente releva,
80. Decorre expressamente dos pactos de preenchimento das livranças que a subscritora e os avalistas, entre eles o aqui Embargante, autorizaram a Exequente a preencher o montante das livranças que lhe entregaram em branco, definindo que esse seria tudo o que constituísse o crédito por ela detido, (ela aqui Exequente e portadora das livranças) enquanto garante dos bancos mutuantes no âmbito das Linhas de Crédito PME INVESTE (como alegado pelo Embargante no artigo 81° do requerimento de embargos e documentos n°s 2 e 6 juntos ao mesmo - factos provados pontos 6 e 19);
81. Nos contratos de prestação de garantias e nas suas adendas, sempre subscritas pelo Embargante (vide factos provados 9, 10, 11, 21 e 2), foram definidos nomeadamente os prazos de vigência, de carência de pagamento de capital e causas de caducidade das garantias;
82. Foi com o exacto conhecimento das condições de emissão e de validade das garantias prestadas ao abrigo das Linhas de Crédito PME INVEST que o Embargante subscreveu os pactos de preenchimento e avalizou a boa cobrança das livranças
83. O Embargante tinha, como se encontra provado nos autos, o conhecimento de que todas e quaisquer alterações aos contratos de financiamento seriam repercutidas nos contratos de prestação das garantias, autorizadas pela PME Investimentos e pela Lisgarante, aqui Exequente e subscritas por ele próprio na qualidade de avalista das livranças entregues em branco à Exequente
84. Está provado nos presentes autos que as alterações contratuais - alterações nomeadamente alterações de prazos e prazos de carência de reembolso de capital dos financiamentos - introduzidas pela aprovação e homologação do plano de reestruturação no PER apresentado pela sociedade mutuária, não foram previamente aprovadas nem autorizadas pela PME Investimentos nem pela Lisgarante, aqui Exequente ;
85. E tanto assim é, que ao contrário do anteriormente verificado, como extensamente se encontra provado nos presentes autos, não foram celebradas nem assinadas pelo Embargante quaisquer adendas aos contratos de prestação de garantias; Consequentemente,
86. Impõe-se reconhecer que as garantias autónomas caducaram nos 90 dias posteriores ou aos incumprimentos verificados em Abril e Junho de 2013, como supra já demonstrado ou nos 90 dias posteriores à homologação do plano de reestruturação no PER, ou seja no limite no dia 26 de Abril de 2014 ou, ainda e sem conceder, admitindo como o faz a corrente jurisprudencial maioritária que os contratos de prestação das garantias autónomas não foram modificados pelo PER, mantendo-se o seu clausulado válido e intocado como decorrência do citado art.° 217.°, n.° 4 do CIRE, então a partir de Janeiro de 2014 no que se refere à garantia n° … e a partir de Julho de 2014 no que se refere à garantia n°…
Por isso,
87. Os pagamentos efectuados ao Novo Banco pela Lisgarante, aqui Exequente, após os pedidos daquele em 12 de Outubro de 2017 e 25 de Janeiro de 2018, - pontos 53 e 55 dos factos provados -, com grave falta de diligência, sem se acautelar que tinha sido validamente chamada a cumprir, em violação do Principio basilar de Boa-Fé que a legitimava a recusar o pagamento cujos pedidos se fundamentaram em declarações recepticias ineficazes, não sérias e feitas com reserva mental, como acima se demonstrou, são nulos;
88. Tendo pago mal, a Lisgarante aqui exequente, não pode pretender nem lograr ressarcir-se à conta do Embargante;
89. Acresce que estando as garantias autónomas caducadas desde 2014, não pode também a Exequente pretender ressarcir-se de comissões pela alegada manutenção no estado "activo” das mesmas Pelo que,
90. Impõe-se responder afirmativamente às questões a decidir elencadas pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz na douta sentença de que se recorre:
• A Exequente preencheu abusivamente as livranças n°s … e … por o ter feito após terem caducado as garantias autónomas; e
• É abusivo o preenchimento pela Exequente das livranças pelo valor que excede aquele que foi pago aos bancos, (prejudicado pela resposta anterior) e
• É abusivo o preenchimento pela Exequente das livranças por não ter sido comunicado à sociedade garantida que os bancos haviam solicitado o pagamento;”.
*
9. Dos autos não constam contra-alegações.
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10. O requerimento recursório foi admitido por despacho de 14-06-2023.
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11. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identificam-se as seguintes questões a decidir:
I) Impugnação da decisão de facto:
A) Se existe motivo para a rejeição do recurso por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
B) Se deve ser alterada a redação do ponto 46) dos factos provados da decisão recorrida, para a seguinte: “Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam-se em incumprimento e o celebrado com a Caixa Geral de Depósitos também apresentava incumprimento por falta de pagamentos, especificando-se que o incumprimento dos financiamentos, incluindo no que se refere às prestações de capital, ocorreu em Abril e Julho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …, e em Junho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …”?
C) Se deve ser aditado aos factos provados que, com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos?
D) Se deve ser aditado aos factos provados que, as cartas - referidas em 63 e 66 dos factos provados - foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco?
II) Impugnação da decisão de direito:
E) Se deve ser declarada procedente a exceção de preenchimento abusivo das livranças n°s … e … por a exequente o ter feito após terem caducado as garantias autónomas?
F) Se é abusivo o preenchimento das livranças por falta de comunicação à sociedade Wallcare de que o BES tinha solicitado o pagamento das garantias?
G) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 236.º, 238.º, 224.º, 245.º, 244.º (e 240.º por remissão) do CC?
*
3. Fundamentação de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA – com a motivação enunciada entre parêntesis a respeito da cada facto - A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A execução tem por base as seguintes livranças juntas na execução:
a) livrança n.º …, com data de emissão em 18.3.2021, data de vencimento em 29.3.2021, no valor de €151.439,74, e da qual consta “titulação da garantia autónoma …”.
b) livrança n.º …, com data de emissão em 18.3.2021, data de vencimento em 29.3.2021, no valor de €565.119,37, e da qual consta “titulação da garantia autónoma …”.
c) livrança n.° …, com data de emissão em 18.3.2021, data de vencimento em 29.3.2021, no valor de €216.232,63, e da qual consta “titulação da garantia autónoma 2011.03679”. (provado em face do requerimento executivo e livranças)
2. Todas as livranças foram subscritas pela sociedade Wallcare - Aplicações e Revestimentos S.A., que nessa qualidade as assinou. (provado em face das livranças)
3. O embargante assinou as três livranças, no verso, após a expressão “bom por aval ao subscritor”. (provado em face das livranças, não tendo sido impugnada a assinatura)
4. As livranças foram entregues à exequente sem estarem preenchidas, contendo, porém, as assinaturas que delas constam. (provado por acordo já que ambas as partes admitem que as livranças foram entregues em branco) 
5. A exequente preencheu as livranças quanto aos dizeres que delas constam, nomeadamente, quanto ao valor e data de vencimento. (provado por acordo já ambas as partes admitem que as livranças foram entregues em branco e preenchidas pela exequente e constam dos autos cópias das livranças antes do respetivo preenchimento, delas constando apenas as assinaturas).
6) A livrança identificada em 1 a) supra, foi entregue por causa e como garantia do acordo escrito constante do documento junto a fls. 28, datado de 2 de outubro de 2008, do qual, entre o mais, consta o seguinte:
“CE Saldanha 576
WALLCARE – APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A.
(…)
Lisboa, 2 de Outubro de 2008
Assunto: Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido WALLCARE – APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A. e a favor do Banco Espírito Santo, S.A.
Na sequência de proposta apresentada e no âmbito da Linha de Crédito PME Investe, informamos que prestámos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas., a garantia autónoma n.º … à primeira solicitação, a favor do Banco Espírito Santo, S.A., adiante designado abreviadamente por BES, nos seguintes termos e condições:
a) Montante máximo garantido € 300.000,00, assegurando a Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., adiante designada abreviadamente por SGM, ao BES o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50% do capital mutuado em dívida em cada momento do tempo, emergente do contrato de Financiamento M/L Prazo celebrado neste data, no montante de 600.000,00 euros, pelo prazo de 48 meses.
b) O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de Financiamento M/L Prazo, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja, 50% do capital em dívida em cada momento do tempo.
c) Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas de respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra o BES, a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento, devendo, para esse efeito, o BES dirigir à SGM uma declaração e de um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato.
d) Se o BES declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, poderá exigir da SGM o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento ser efectuado no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento.
e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BES não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste à empresa.
f) que esta garantia, é emitida ao abrigo do protocolo celebrado entre as Autoridades de Gestão do QREN, o Banco e a SGM, beneficiando, por conseguinte, V. Exas. de uma bonificação da comissão de garantia.” (provado em face desse documento, admitindo ambas as partes a celebração do acordo e que a livrança foi dada em garantia do mesmo).
7. Mais consta desse acordo escrito o seguinte:
“Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para' V. Exas., as seguintes obrigações:
1) Pagar à SGM uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo. Sem prejuízo, considerando os termos resultantes do protocolo celebrado entre as Autoridades de Gestão do QREN, o Banco e a SGM, V. Exas. beneficiam de uma bonificação da comissão de garantia que será liquidada e paga, trimestral e postecipadamente, pelas Autoridades de Gestão do QREN., sendo esta de 1,125%, ao ano sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo.
2) Pagar à SGM todos os montantes que a SGM venha a pagar ao BES em cumprimento da garantia prestada no prezo máximo de cinco dias após a Interpelação que, para esse efeito esta vos faca, findo o qual serão devidos juras moratórios sobre o montante em débito”. (provado em face desse documento)
8. E consta do mesmo o seguinte:
“4) Para garantia de todas as responsabilidade que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão:
- entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes)
9. Mais consta o seguinte:
“1) Damos o nosso acordo, em 02/10/2008 (data do contrato de financiamento) expresso e sem reservas, às condições emergentes da prestação da garantia pela SGM a favor do BES.
2) Solicitamos ainda ao BES que as acções da SGM por nós adquiridas, conforme indicado no ponto 3 supra, sejam depositadas na nossa conta com o NIB … e que fiquem cativas por ter sido constituído penhor a favor da SGM, para garantia das obrigações decorrentes da Garantia n° … prestada por essa sociedade, em nosso nome e a nosso pedido.
Esta Instrução de cativo só poderá ser revogada após autorização escrita da SGM.
3) Mais declaramos que tomamos conhecimento e aceitamos, expressamente e sem reservas, a possibilidade de estarmos sujeitos a auditorias por parte das Autoridades de Gestão do QREN e dos Fundos Estruturais, comprometendo-nos a colaborar activamente com tais entidades.
CLIENTE
WALLCARE – APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A. (…)
AVALISTAS
DR. MM (…)
FS (…)” (provado em face desse documento, invocado por a[m]bas as partes)
10. O acordo referido nos números anteriores foi objeto de alteração em 21.11.2011, com intervenção do embargante, nos seguintes termos:
“aa) Ao prazo de duração do contrato, indicado na alínea a), acresce um prazo adicional e intercalar de carência de 12 meses, com efeitos retroativos ao início do trimestre em curso à data da contratação do presente aditamento, ou seja de 02/10/2011 a 02/10/2013, mantendo-se todas obrigações inicialmente estabelecidas, após o término deste período de carência.
1.1. Não obstante o disposto no número anterior, durante o período adicional de carência de capital referido na alínea aa) do termo de garantia, V. Exas. terão de suportar, na ´´integra, o pagamento da comissão de garantia devida à SGM. A comissão de garantia devida para o período de alargamento do prazo, no valor de € 1.394,31, será paga, de uma só vez, no acto da celebração do presente aditamento, transferência bancária para a conta da SGM, NIB …” (provado em face do documento junto aos autos a fls. 25)
11. E foi novamente objecto de alteração em 15 de Maio de 2013, na qual interveio também o embargante, nos seguintes termos:
“Pelo presente documento, os contraentes procedem à alteração da Carta Contrato de Garantia que estabelece os termos da garantia e as contrapartidas pela emissão da mesma, quanto à alínea a) e cláusula 6.1) mantendo-se o restante clausulado inalterado:
a) Montante máximo garantido à data de 02/10/2012 era de 120.000,00 (cento e vinte mil euros), assegurando a LlSGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., ao BES, o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50% do capital mutuado em dívida em cada momento do tempo, emergente do contrato de Financiamento M/L Prazo n.º FEC …/…, no montante inicial de € 600.000,00 (seiscentos mil euros) o qual, à data de 02/10/2012, apresentava o montante em dívida de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), pelo prazo total de 72 meses, outorgado entre o BES, a Garantida e respectivos avalistas, válido até 02 de outubro de 2014.
6.1. Caducando a bonificação, V. Exas. passarão a ser responsáveis pela liquidação à SGM de uma comissão de garantia de:
a) 1,125% ao ano;
b) Mediante o incumprimento de qualquer disposição constante do presente contrato, a comissão de garantia referida na alínea anterior passará, a ser de 1,75% ao ano, acrescida de 0,25% a título de cláusula penal, sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo.
c) O agravamento da comissão de garantia constante da alínea precedente efetua-se de forma automática, sem necessidade de qualquer aditamento ao presente contrato, bastando para esse efeito uma mera comunicação da SGM informando V. Exas da data de aplicação da nova comissão de garantia, assim como os motivos na origem desse agravamento” (provado em face do documento de fls. 29, sendo que no apenso A está igual documento desta feita assinado por todas as partes, incluindo embargante).
12. A garantia autónoma prestada pela exequente a favor do BES, a que respeita o acordo referido em 6) era condição e exigência decorrente do financiamento concedido pelo BES à sociedade Wallcare S.A., nos termos do acordo escrito, datado de 2.10.2008, epigrafado “Financiamento n.°FEC …/…”, exarado no documento de fls.18 e segs., cujo teor integral se considera reproduzido, nos termos do qual o banco concedeu à dita sociedade um financiamento no montante máximo global de €600.000,00, pelo prazo de 48 meses, com um período de utilização de 6 meses, com regime de utilização por tranches, mediante pedido do cliente e autorização do banco, com reembolso em 10 prestações trimestrais constantes de capital, vencendo-se a primeira 21 meses após a data efectiva e sendo esta data efectiva a correspondente à data de constituição da garantia autónoma. (provado em face do documento junto a fls.18 e segs., sendo que os financiamentos concedidos pelos bancos estão admitidos por ambas as partes)
13. Mais consta do acordo referido no ponto anterior que:
“1. O Crédito é, ainda, garantido por uma garantia autónoma, à primeira solicitação, prestada a favor do BES por LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mutua, SA, até ao montante máximo de € 300.000,00 , equivalente a 50% do capital em dívida.
2. A garantia referida no número anterior fica anexa ao presente Contrato, do mesmo fazendo parte Integrante.” (provado em face do documento epigrafado “Financiamento n.°FEC …/…, junto aos autos a fls.18 e segs.)
14. Consta das condições gerais do mesmo acordo a seguinte cláusula:
“33. Vencimento antecipado
As seguintes situações são passíveis de ser consideradas como fundamento de um vencimento antecipado das obrigações do Cliente:
a) Mora ou incumprimento definitivo por parte do Cliente e/ou do Prestado de Garantia de qualquer obrigação resultante do Contrato;
b) Incorrecção de qualquer declaração, excepto se sanada em prazo que o BES, no seu entendimento exclusivo, conceda ao Cliente para o efeito.
c) Alteração objectiva da situação do Cliente e/ou do Prestador da Garantia que torne inexacta alguma das declarações e garantias prestadas no Contrato.
d) Diminuição das garantias prestadas ou do seu valor, bem como a alienação ou oneração do respectivo objecto.
e) Penhora ou qualquer outra apreensão judicial de quaisquer contas bancárias do Cliente ou do Prestado de Garantia afectas ao Contrato, do objecto de quaisquer garantias prestas ou de quaisquer outros bens do Cliente; neste último caso, apenas se o BES considerar, enunciando as razões, que tal facto afecta negativamente os pressupostos de concessão de crédito ou afectará negativamente o cumprimento do Contrato.
f) Incumprimento de qualquer obrigação pecuniária de qualquer montante do Cliente perante o BES ou terceiros, incluindo cessação ou suspensão de pagamento, desde que tal obrigação se encontre vencida, reclamada e não haja sido regularizada.
g) Suspensão, interrupção, redução ou cessação da actividade do Cliente.
h) Incumprimento de lei, regulamento, acto administrativo ou contrato e desde que esse incumprimento leve o BES a considerar, enunciando as razões, que o mesmo poderá afectar o cumprimento do Contrato.
i) Instauração contra o Cliente de qualquer dos processos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou noutros diplomas que regulamentem ou venham a regulamentar estas matérias.
j) Integração do Cliente e/ou dos seus representantes legais na listagem de utilizadores de cheque que oferem risco (organizada, nos termos da lei, pelo Banco de Portugal).
k) Verificação de qualquer dos factos ou circunstâncias mencionadas no presente número relativamente a qualquer Prestador da Garantia das obrigações resultantes para o Cliente do Contrato” (provado em face do documento epigrafado “Financiamento n.º FEC 0003962/08, junto aos autos a fls. 18 e segs.)
15. Mais consta das referidas condições gerais a seguinte cláusula:
“34. Direitos do BES em caso de vencimento antecipado
§ 1. A qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o BES poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando o Cliente e/ou Prestador de Garantia:
a) Cancelar o Crédito não utilizado.
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo.
c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias.
§ 2. As notificações referidas no número anterior fazem-se por carta registada com aviso de receção enviada para o domicílio do Cliente e do Prestado de Garantia.
§ 3. O vencimento antecipado das obrigações do Cliente produz efeitos no terceiro dia posterior ao envio da carta nos termos do número anterior, tendo o Cliente o prazo de cinco Dias Úteis para proceder ao pagamento das quantias nela referidas.
§ 4. O BES apenas pode proceder à execução de todas ou parte das garantias prestadas em caso de incumprimento pelo Cliente da obrigação de proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida no prazo referido no número anterior” (provado em face do documento epigrafado “Financiamento n.º FEC …/…, junto aos autos a fls. 18 e segs.)
16. O embargante interveio no acordo referido no ponto anterior, assinando-o na qualidade de “prestador de garantia”, como dele consta. (provado em face do documento junto a fls.18 e segs.)
17. Em 21 de Novembro de 2011, o contrato de financiamento celebrado em 2 de Outubro de 2008, sofreu uma alteração - FEC …/…, que foi aprovada e autorizada pela Lisgarante e também pela PME Investimentos - Sociedade de Investimentos S.A., esta entidade gestora do Finova - Fundo de Apoio ao Financiamento e à Inovação. (provado em face do documento de fls.22 que, embora incompleto, é corroborado mormente quanto á data pelo documento de fls.23 relativo a outra alteração ao contrato e que menciona a anterior, e completado com o documento de fls.34 relativo às linhas de crédito PME Investe)
18. Em 10 de Maio de 2013, esse contrato sofreu nova alteração - FEC …/… - igualmente com a aprovação e autorização da LISGARANTE e também pela PME Investimento, pela qual o crédito foi reestruturado, nas condições previstas no documento junto a fls. 23, e do qual consta entre o mais o seguinte:
“Condições particulares alteradas
5. Prazo: 72 meses.
6. Carência Intermédia de Capital: 12 meses, com início em 02 de outubro de 2012.
8.1. Taxa de Juro: correspondente à EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 1.500%;
9.1  Reembolso do Crédito: 04 prestações trimestrais constantes de Capital, vencendo-se a primeira fim 02 de janeiro de 2014 e a última em 02 de outubro de 2014.
13. Outras estipulações:
Taxa de juro suportada pelo Cliente e bonificação de juros
1. Fica, desde já, acordado que a taxa de juro será paga ao BES nos seguintes termos:
a) O Cliente suporta a taxa de juros correspondente à Euribor 3m acrescida do spread 1.500%, até ao dia 02 de outubro de 2011;
b) No período de 02 de outubro de 2011 a 02 de outubro de 2012 o cliente paga a taxa de juros correspondente à Euribor 3 m, acrescida do spread de 5.000%.
c) A partir do dia 02 de outubro de 2012, a taxa prevista no ponto "taxa de Juro" será integralmente suportada peio Cliente.
d) As Autoridades de Gestão do Programa Operacional Fatores de Competitividade e dos Programas Operacionais Regionais de Lisboa e do Algarve («Autoridades de Gestão do QREN») suportam a diferença entre a taxa de juro contratada e a taxa de juro suportada pelo Cliente nos termos da alínea a) supra.
2. O pagamento de juros pelas Autoridades de Gestão do QREN são feitos trimestral e postecipadamente.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o Cliente assume, nos termos do § 4 da Cláusula Juros das Condições Gerais, o pagamento integral dos juros caso as Autoridades de Gestão do QREN não o façam.
Garantias do Crédito
a) Garantia autónoma
1 O Crédito é, ainda, garantido por uma garantia autónoma, à primeira solicitação, prestada a favor do BFS por LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mutua, SA, até ao montante máximo de € 120.000,00, equivalente a 50.0000000% do capital em dívida.
2. A garantia referida no número anterior fica anexa ao presente Contrato, do mesmo fazendo parte integrante (provado em face do citado documento junto a fls.23)
19. A livrança identificada em 1 b) supra, foi entregue por causa e como garantia do acordo escrito constante do documento junto a fls.30 verso, do qual, entre o mais, consta o seguinte:
“Candidatura n.º 670901 0,50€
Algés, 01 de Junho de 2010
Assunto: Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da WALLCARE APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A. e a favor do Banco Espírito Santo, S.A.
Na sequência da proposta apresentada e no âmbito da Linha de Crédito PME Investe V, informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas., a garantia autónoma n.º …, è primeira solicitação, a favor do Banco Espírito Santo. S.A., adiante designado abreviadamente por BES, nos seguintes termos e condições:
a) Montante máximo garantido €500.000,00, assegurando a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., adiante designada abreviadamente por SGM, ao BES o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50.0000000% do capital mutuado em divida em cada momento do tempo, emergente do contrato de Financiamento M/L Prazo celebrado nesta data, no montante de 1.000.000,00 euros, peio prazo de 72 meses.
b) O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de Financiamento M/L Prazo, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja. 50.0000000% do capital em divida em cada momento do tempo.
c) Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra o BES, a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer Juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento, devendo, para esse efeito, o BES dirigir à SGM uma declaração e de um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato.
d) Se o BES declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, poderá exigir da SGM o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento ser efectuado no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento.
e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação e cada um dos montantes garantidos, se o BES não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste a empresa.
f) Que esta garantia, é emitida ao abrigo do protocolo celebrado em 24 de Março de 2010 entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas c S Inovação, !P, a PME Investimentos - Sociedade de Investimento, S.A., o Banco e a SGM, beneficiando, por conseguinte, a EMPRESA de uma bonificação da comissão de garantia” (provado em face desse documento, admitindo ambas as partes a celebração do acordo e que a livrança foi dada em garantia do mesmo)
20. Mais consta o seguinte:
“Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para V. Exas., as seguintes obrigações:
1) Pagar à SGM uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo. Sem prejuízo, considerando os termos resultantes do protocolo celebrado entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP, a PME Investimentos - Sociedade de Investimento, S.A, o BES e a SGM, V. Exas., beneficiam de uma bonificação da comissão de garantia que será liquidada e paga, trimestral e antecipadamente, pelo FINOVA, representado pela PME investimentos - Sociedade de Investimento, S.A., entidade gestora de linha, sendo esta de 0.750%, ao ano sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida cm cada momento do tempo.
2) Pagar à SGM todos os montantes que a SGM venha 3 pagar ao BES em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito.
3) Adquirir, nesta data, 10000 acções nominativas, representativas do capital social da SGM, no valor nominal de € 1,00 cada.
3.1. Sobre as acções adquiridas a vossa empresa constitui, peto presente contrato, penhor a favor da SGM, em garantia das responsabilidades que para si emergem da prestação da garantia, sendo o presente documento bastante para que a SGM possa proceder ao registo do penhor nos títulos, não obstante a V. Exas. se obrigarem a subscrever e apresentar todos os documentos que lhe sejam eventualmente pedidos para a efectivação do mesmo registo.
3.2. Em caso de mora de V. Exas. no pagamento de quaisquer importâncias devidas à SGM esta poderá imediatamente proceder à venda, judicial ou extra judicial, das acções objecto do penhor.
3.3. Extinta a garantia prestada pela SGM a favor do BES poderão V. Exas. solicitar à SGM a aquisição, por esta, da totalidade ou parte das acções.
4) Para garantia de todas as responsabilidade que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão:
- entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e ás responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.”. (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes)
21. O embargante interveio no acordo referido no ponto anterior, na qualidade de avalista, assinando-o, conforme dele consta. (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes)
22. O acordo de prestação de garantia autónoma n.° 201003727 sofreu alteração em 23.11.2011, nos termos estabelecidos no documento junto a fls.238, e voltou a ser alterado em 28.3.2013 nos termos constantes do documento de fls.239. (provado em face dos citados documentos)
23. A garantia autónoma prestada pela exequente a favor do BES, a que respeita o acordo referido em 19) era condição e exigência decorrente do financiamento concedido pelo BES à sociedade Wallcare, nos termos do acordo escrito, datado de 1.6.2010, epigrafado “Financiamento n.° FEC …/…, junto a fls. 42 verso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, entre o mais o seguinte:
“Condições particulares
1. Crédito: Montante Máximo global de € 1.000.000,00 (UM MILHÃO DE EUROS)
2. Finalidade:
Reforço do Fundo de Maneio da sociedade no âmbito da Linha de Crédito PME INVESTE V, Linha Específica Geral
3. Data Efectiva: A data efectiva corresponde à data da constituição da Garantia Autónoma.
4. Conta D/O: …
5. Prazo: 72 meses
6. Carência Juros: Não;
Capital: Sim; Prazo: 6 meses
7. Utilização
7.1. Período de Utilização:
6 meses
7.2. Regime da utilização:
- Utilização por tranches, no máximo de 3, mediante pedidos expressos do Cliente e prévia autorização do BES” (provado em face do citado documento junto aos autos.)
24. Consta das condições gerais do contrato referido no ponto anterior cláusula com o seguinte teor:
“35. Vencimento antecipado
As seguintes situações são passíveis de ser consideradas como fundamento de um vencimento antecipado das obrigações do Cliente:
a) Mora ou incumprimento definitivo por parte do Cliente e/ou do Prestado de Garantia de qualquer obrigação resultante do Contrato;
b) Incorrecção de qualquer declaração, excepto se sanada em prazo que o BES, no seu entendimento exclusivo, conceda ao Cliente para o efeito.
c) Alteração objectiva da situação do Cliente e/ou do Prestador da Garantia que torne inexacta alguma das declarações e garantias prestadas no Contrato.
d) Diminuição das garantias prestadas ou do seu valor, bem como a alienação ou oneração do respectivo objecto.
e) Penhora ou qualquer outra apreensão judicial de quaisquer contas bancárias do Cliente ou do Prestado de Garantia afectas ao Contrato, do objecto de quaisquer garantias prestas ou de quaisquer outros bens do Cliente; neste último caso, apenas se o BES considerar, enunciando as razões, que tal facto afecta negativamente os pressupostos de concessão de crédito ou afectará negativamente o cumprimento do Contrato.
f) Incumprimento de qualquer obrigação pecuniária de qualquer montante do Cliente perante o BES ou terceiros, incluindo cessação ou suspensão de pagamento, desde que tal obrigação se encontre vencida, reclamada e não haja sido regularizada.
g) Suspensão, interrupção, redução ou cessação da actividade do Cliente.
h) Incumprimento de lei, regulamento, acto administrativo ou contrato e desde que esse incumprimento leve o BES a considerar, enunciando as razões, que o mesmo poderá afectar o cumprimento do Contrato.
i) Instauração contra o Cliente de qualquer dos processos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou noutros diplomas que regulamentem ou venham a regulamentar estas matérias.
j) Integração do Cliente e/ou dos seus representantes legais na listagem de utilizadores de cheque que oferecem risco (organizada, nos termos da lei, pelo Banco de Portugal).
k) Verificação de qualquer dos factos ou circunstâncias mencionadas no presente número relativamente a qualquer Prestador da Garantia das obrigações resultantes para o Cliente do Contrato” (provado em face do documento/contrato, junto aos autos)
25. E consta também a seguinte cláusula:
“36. Direitos do BES em caso de vencimento antecipado
36.1 A qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o BES poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando o Cliente e/ou o Prestado de Garantia:
a) Cancelar o Crédito não utilizado.
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo.
c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias.
36.2. As notificações referidas no número anterior fazem-se por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicílio do Cliente e do Prestador de Garantia.
36.3. O vencimento antecipado das obrigações do Cliente produz efeitos no terceiro dia posterior ao envio da carta nos termos do número anterior, tendo o Cliente o prazo de cinco Dias Úteis para proceder ao pagamento das quantias nele referidas.
36.4. O BES apenas pode proceder à execução de todas ou parte das garantias prestadas em caso de incumprimento pelo Cliente da obrigação de proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida no prazo referido no número anterior” (provado em face do documento/contrato).
26. O embargante interveio no acordo de financiamento referido no ponto 22), assinando-o na qualidade de prestador de garantia de aval, como dele consta. (provado em face do citado documento)
27. Os termos do financiamento referido em 23) sofreram alteração por acordo de 23.11.2011, conforme consta do documento de fls.31, alteração autorizada pela Lisgarante e pela PME - Investimentos S.A..
28. E os termos desse financiamento vieram a ser alterados em Março de 2013, tendo sido estabelecido o prazo de 96 meses, e no que respeita à “Carência”, ficou estabelecido que não havia carência de juros, mas havia carência de capital: a) prazo de 12 meses ao abrigo do Alargamento de Prazos das Linhas de Crédito PME Invest 2011, entre 1/12/2011 e 1/1272012; b) prazo de 12 meses ao abrigo do Alargamento de Prazo das Linhas de Crédito PME Invest 2013, com inicio em 1/3/2013. (provado em face do documento junto a fls.47 verso)
29. A livrança identificada em 1 c) supra, foi entregue por causa e como garantia do acordo escrito constante do documento junto a fls. 77, que se considera integralmente reproduzido, do qual, entre o mais, consta o seguinte:
“Algés, 10 de Outubro de 2011.
Assunto: Candidatura n.º 926.865
Data de enquadramento 30/09/2011
Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedida da WALLCARE – APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A. e a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.
Na sequência da proposta apresentada e no âmbito da Linha de Crédito PME Investe VI Aditamento, Linha Específica Geral (Dotação Geral), informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas., a garantia autónoma n.º …, à primeira solicitação, a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., adiante designada abreviadamente por CAIXA, nos seguintes termos e condições:
a) Montante máximo garantido €200.000,00, assegurando a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., adiante designada abreviadamente por LISGARANTE, à CAIXA o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50% do capital mutuado em divida em cada momento do tempo, emergente do contrato de abertura de crédito celebrado nesta data, no montante de 400.000,00 euros, pelo prazo de 72 meses.
b) O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de crédito, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja. 50% do capital em divida em cada momento do tempo.
c) Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a LISGARANTE obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra a CAIXA, a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de trinta dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção solicitando o pagamento, devendo, para esse efeito, a CAIXA dirigir à LISGARANTE uma declaração e de um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato.
d) Se a CAIXA declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, poderá exigir da LISGARANTE o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento ser efectuado no prazo máximo de trinta dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento.
e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação e cada um dos montantes garantidos, se a CAIXA não solicitar o seu pagamento à LISGARANTE nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste a empresa.
f) Que esta garantia, é emitida ao abrigo do protocolo celebrado em 16 de Junho de 2010 e aditado a 23 de Dezembro entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, !P, a PME Investimentos - Sociedade de Investimento, S.A., o Banco e a LISGARANTE, beneficiando, por conseguinte, a EMPRESA de uma bonificação da comissão de garantia” (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes)
30. Consta ainda do acordo referido no ponto anterior o seguinte:
“Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem, para V. Exas., as seguintes obrigações:
1) Pagar à LISGARANTE uma comissão de garantia sobre o valor dos saldos vivos garantidos e em dívida em cada momento do tempo. Sem prejuízo, considerando os termos resultantes do protocolo celebrado entre o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, !P, a PME Investimentos - Sociedade de Investimento, S.A., o Banco e a LISGARANTE, V. Exas. beneficiam de uma bonificação da comissão de garantia que será liquidada e paga, trimestral e antecipadamente, pelo FINOVA, representado pela PME Investimentos – Sociedade de Investimento, S.A, entidade gestora da linha, sendo esta de 1,75%, ao ano sobre o valor dos saldos vidos garantidos e em dívida em cada momento do tempo.
2) Pagar à LISGARANTE todos os montantes que a LISGARANTE venha a pagar à CAIXA em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito” (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes).
31. E mais consta que:
“4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas. emergem do presente contrato, deverão entregar, nesta data, à LISGARANTE:
- LIVRANÇA EM BRANCO – Entregar, nesta data, à LISGARANTE livrança em branco por V. Exas. subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da LISGARANTE, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas.” (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes).
32. O embargante interveio no acordo referido no ponto anterior, na qualidade de avalista, assinando-o, conforme dele consta. (provado em face desse documento, invocado por ambas as partes)
33. A garantia autónoma prestada pela exequente a favor da Caixa Geral de Depósitos, era condição e exigência decorrente do financiamento concedido pela CGD, nos termos do acordo, datado de 19.10.2011, com o seguinte teor:
“CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
(LINHA DE CRÉDITO PME Investe VI - Aditamento)
LINHA ESPECÍFICA "GERAL"
CONTRATANTES:
PRIMEIRA: WALLCARE - APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS, S.A., sociedade anónima, com sede na Rua Dr. António Loureiro Borges, n.° 9, Sexto Andar, Edifício ....., freguesia de Algés, concelho de Oeiras matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, com o número único de matricula e de pessoa colectiva 507777140, com o capital social de 75.000,00 Euros, adiante designada por DEVEDORA ou CLIENTE;
SEGUNDOS: FS, casado, contribuinte fiscal n.° …, residente na Rua …, n.° …. Sexto Andar, Edifício ....., freguesia de Algés concelho de Oeiras; MM, casado, contribuinte fiscal n.° …, residente na Rua …, n.° …, Sexto Andar, Edifício ....., freguesia de Algés, concelho de Oeiras. adiante designados como AVALISTAS;
TERCEIRA: CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., sociedade anónima, com sede em Lisboa, na Avenida João XXI, n.° 63, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva 500960046, com o capital social de 5.050.000.000,00 Euros, adiante designada também por CAIXA ou CGD,
Considerando que:
A) A CLIENTE solicitou um financiamento à CGD destinado ao projecto abaixo indicado, ao abrigo da LINHA DE CRÉDITO designada por PME INVESTE VI - CAIXA, criada pelo Protocolo celebrado, em 16 de Junho de 2010, entre o IAPMEI, I.P., o FINOVA, a AGROGARANTE - Sociedade de Garantia Mutua, S.A, a GARVAL - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., a NORGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., e a CGD. com as alterações decorrentes do Aditamento celebrado em 23 de Dezembro de 2010 (doravante Protocolo);
B) A CLIENTE, de acordo com a documentação apresentada, satisfaz as condições de acesso à linha de crédito criada peto Protocolo, tendo feito prova, designadamente, de que cumpre as condições legais ao exercício da respectiva actividade, dispõe de contabilidade organizada e tem a sua situação regularizada perante a Administração Fiscal e a Segurança Social;
C) A CGD aprovou o financiamento, a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A.. (adiante designada também e apenas por LISGARANTE) verificou estarem reunidas as condições para a prestação de garantia bancária autónoma e a PME, como Entidade Gestora da Linha, confirmou a integração do projecto nas condições do Protocolo,
ENTRE OS CONTRATANTES É CELEBRADO O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO, COM AVAL. QUE SE REGE PELAS SEGUINTES CLÁUSULAS:
1. CAIXA EMPRESAS DE: ALGÉS.
2. CONTRATO N.°: 2525.001007.991.
3. FINALIDADE: O empréstimo destina-se a reforço do fundo de maneio.
4. CÓDIGO DA FINALIDADE: 872.
5. MONTANTE: € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), a afectar, exclusivamente no reforço do Fundo de Maneio.
6. PRAZO: O prazo do empréstimo é de 72 meses, a contar da data da perfeição do contrato.
7. UTILIZAÇÃO DOS FUNDOS:
7.1 - O montante emprestado será entregue pela CGD à CLIENTE, por crédito na conta de depósito à ordem adiante indicada, a efectuar por uma só vez, após o recebimento pela CGD da garantia autónoma adiante prevista na cláusula 21,A e uma vez verificada a sua conformidade.
7.2- Condições necessárias para a utilização dos fundos; Estar assegurado o pagamento do imposto do selo correspondente.” (provado em face do documento junto aos autos a fls.72 verso e segs.)
34. Consta ainda do acordo referido no ponto anterior que:
“20. INCUMPRIMENTO/EXIGIBIUDADE ANTECIPADA:
20.1- A CAIXA poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela CLIENTE ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
b) Incumprimento, pela CLIENTE, de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a CAIXA ou com empresas que com eia se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, incluindo a realização de quaisquer contratos-promessa, sem o prévio acordo, escrito, da CAIXA, dos bens dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente;
d) Alienação ou oneração pela CLIENTE, sem consentimento da CAIXA, de quaisquer bens imóveis que integrem ou venham a integrar o seu património.
e} Propositura contra a CLIENTE e ou contra os AVALISTAS, de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
f) Insolvência da CLIENTE e ou dos AVALISTAS, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.
g) Verificação de qualquer situação, evento ou facto mencionados nas alíneas c) e d) da cláusula 18.1 ou sua comunicação
h) A CLIENTE não manter a sua estrutura societária enquanto durar a obrigação contratual, sendo que qualquer alteração terá que ter o prévio conhecimento da CAIXA;
i) Tendo a CGD consentido na constituição de contragarantia a favor da LISGARANTE, esta mesma garantia não seja dada è CGD em paridade e na proporção de cada um dos créditos.
20.2- Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior da presente cláusula, a CGD fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da CLIENTE emergentes de outros contratos com ela celebrados.” (provado em face do documento junto aos autos a fls.72)
35. E consta também a seguinte cláusula:
“21A. GARANTIA AUTÓNOMA: Em garantia de 50% (cinquenta por cento) do capital em divida em cada momento do empréstimo, a LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S. A., sociedade anónima com sede na Rua Hermano Neves, 22 - 3.º A, em Lisboa, com o capital social de € 50 000 000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva 506 208 180, prestou a favor da CGD uma garantia autónoma, com o n.º …, à primeira solicitação.” (provado em face do citado documento junto aos autos)
36. O embargante interveio no acordo referido supra epigrafado “contrato de abertura de crédito”, assinando-o como dele consta na qualidade de avalista. (provado em face do documento)
37. Consta do documento de Divulgação do Alargamento de Prazo das Linhas de Crédito PME Investe, que: “(…) 13. Formalização da Garantia Mútua: As alterações dos contratos de garantia serão formalizadas pelo Banco na mesma data da contratação do alargamento de prazo da operação, e em idênticos moldes aos previstos para a contratação da operação; a adenda à garantia só poderá ser considerada plenamente válida e eficaz após aposição das assinaturas dos representantes legais das SGM, pelo que antes desse acto nenhuma responsabilidade poderá ser imputada à SGM ao abrigo do alargamento de prazo; sem prejuízo do exposto, uma vez comprovadamente cumpridos pelo Banco todos os requisitos ora definidos, nomeadamente o envio das peças contratuais para assinatura às partes, em tempo, a SGM não poderá recusar assinar as adendas às garantias” (provado em face do documento junto a fls.34)
38. A sociedade subscritora das livranças, Wallcare S.A., em 14 Agosto de 2013, apresentou no Tribunal de Comércio de Lisboa, processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.°…/… do 4.° Juízo daquele tribunal. (provado em face da cópia da p.i. junta com o requerimento de 13.12.2022, estando a assinatura final e o comprovativo de entrega de peça processual datados de 14 de agosto e não 13 como vinha alegado, e das demais peças juntas resulta o n.° do processo)
39. E foi apresentado pela referida sociedade no PER o plano de recuperação que constitui o escrito junto a fls.261 e segs. dos autos, que veio a ser homologado por sentença de 27.1.2014. (provado em face da copia da sentença junta a fls.25 verso e em face desse plano junto aos autos e do requerimento do administrador judicial provisório junto com o requerimento de 13.12.2022)
40. O BES, a CGD e a exequente Lisgarante reclamaram créditos no processo de revitalização. (provado em face da lista provisória de credores apresentada pelo administrador judicial junta aos auto como o requerimento de 9.12.2022)
41. O BES votou a favor do plano de recuperação. (provado em face da cópia do requerimento do administrador judicial provisório junta com o requerimento de 9.12.2022, da qual se retira o voto favorável)
42. A exequente Lisgarante votou contra o citado plano. (provado em face da cópia do requerimento do administrador judicial provisório junta com o requerimento de 9.12.2022, da qual se retira o voto contra)
43. No plano de recuperação previa-se:
“1 Conversão de créditos em capital - Os credores terão 30 dias, após a data da homologação da deliberação de aprovação da presente medida/plano de recuperação, para expressar formalmente a sua intenção de converter crédito em ações remíveis, em carta registada dirigida à empresa, com conhecimento ao Senhor Administrador Provisório. Na ausência dessa confirmacão formal por parte de um credor, ao respetivo crédito será aplicado o plano de reestruturação descrito em 2 infra (provado em tace do plano junto aos autos)
44. A reestruturação descrita em 2. infra, mencionada no ponto anterior, era a seguinte:
“2. Reestruturação de dívida com perdão parcial - À totalidade dos créditos cujos titulares não tenham optado pela sua conversão parcial nos termos do n° 1., antecedente, aplicam-se as seguintes regras de reestruturação-
2.1. Perdão de 50% do capital em dívida,
2.2. Reembolso dos restantes 50% de capital em divida nas condições que se descrevem:
2.2.1.Carência de juros dois anos (2014 e 2015);
2 2.2. Juros após carência - Euribor a 6m + 2%
2.2.3. Carência de capital: três anos (até 31 de Dezembro de 2016);
2.2.4. Reembolso do capital 10 anos (40 prestações trimestrais, iguais, a começar em 31 de Março de 2017” (provado em face do plano junto aos autos)
45. A CGD e o BES não comunicaram, no âmbito do processo de revitalização, a intenção de converter crédito em ações remíveis. (provado em face do depoimento da testemunha JM, melhor identificada no ponto infra, e que face às funções de diretor financeiro da sociedade Wallcare acompanhou o PER).
46. Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam-se em incumprimento quanto ao pagamento de juros, pelo menos, desde junho, e o celebrado com a Caixa Geral de Depósitos também apresentava incumprimento por falta de pagamentos. (provado que os empréstimos concedidos pelo BES estavam em incumprimento quanto a juros, porquanto, resultando das alterações aos dois contratos períodos de carência de capital, como consta provado nos pontos supra, carência essa que se estendia para além de Agosto de 2013 quando foi apresentado o PER, o tribunal adquiriu convicção de que o incumprimento que a testemunha JM, gestor de empresas, pessoa que exerceu funções na Wallcare até ao Verão de 2017, como diretor financeiro, mencionou no seu depoimento, referindo-se à falta de pagamento de prestações, só pode ser referenciado e sustentado relativamente ao pagamento de juros, já que a mutuária estava a beneficiar de períodos de carência de capital, donde é completamente inverosímil que o incumprimento respeitasse a capital, sendo que a testemunha não distinguiu falando apenas de prestações; por outro lado, não resulta seguro face às datas dessas alterações contratuais, uma delas de Maio de 2013 relativa ao empréstimo de 2008, que o incumprimento, que deve situar-se por referência a essa reestruturação, se situasse em Abril; porém, já é efetivamente credível que os incumprimentos datem de, pelo menos, o mês anterior à instauração do Per, pelo que, foram situados em junho; quanto ao empréstimo da Caixa mostra-se verosímil o declarado pela testemunha relativamente a haver incumprimento.)
47. A Caixa Geral de Depósitos enviou à Wallcare, a carta com o seguinte teor:
“Gabinete Caixa Empresas de Oeiras
Rua Damião de Góis n.ft 45 - A 1495 044 Algés
Wallcare - Aplicações Revestimentos, S.A. Exmo. Sr. Dr. MM Exmo. Sr. Dr. AP
Rua Dr António Loureiro Borges Edifício ....., n° 9,68 1495-131 Algés
Algés, 27 de Novembro de 2013
Assunto: Exigibilidade Antecipada do Contrato Mútuo n.° 2525.001007.991 Exmos. Senhores.
Face ao incumprimento registado na operação n.° 2525.001007.991, a CGD no âmbito da cláusula n.º 20 do Contrato Mútuo supra mencionado (conforme cópia do contrato em anexo), declara o vencimento antecipado do Contrato peio valor em divida à data de 290.023,96€.
Sem outro assunto de momento, encontramo-nos à vossa disposição para qualquer esclarecimento adicional.” (provado em face da carta junta aos autos não impugnada).
48. A Caixa Geral de Depósitos enviou à exequente a carta com o seguinte teor:
“Lisgarante - Sociedade de Garantia Mutua, S.A.
Rua Hermano Neves, 22 - 3o A 1600 -477 Lisboa
Algés, 27 de Novembro de 2013
Assunto: Wallcare - Aplicações e Revestimentos, SA
Garantia …
Acionamento da Garantia por Vencimento Antecipado do Contrato
DECLARAÇÃO
Banco Caixa Geral de Depósitos, S.A,, sociedade anónima, com sede na Av. João XXI, 63, em Lisboa, com o capital social de 5.900.000.000,00 €, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de matricula e identificação de pessoa coletiva 500 960 046, declara ter comunicado a 27/11/2013 à Garantida o vencimento antecipado do contrato de empréstimo (conforme cópia de carta em anexo), não lhe tendo sido paga por esta a importância de € 283.333,31 vencida em 19-10-2013.
Faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de € 141.666,65 ao abrigo da garantia número …, emitida pela Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, SA, assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexatidão das afirmações aqui feitas.” (provado em face da carta junta aos autos não impugnada)
49. A exequente remeteu à Wallcare, que a recebeu, carta com o seguinte teor:
“WALLCARE - Aplicacoes e Revestimentos, S.A. A/C Administração
Rua Antonio Loureiro Borges, Edif. ....., 9, 6 1495-131ALGÉS
Ref.ª: 9193/APM
Assunto: Execução da garantia autónoma n® … pelo beneficiário Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Ex.mos(as) Sr.es(as),
O beneficiário da garantia em assunto, Caixa Geral de Depósitos, S.A., solicitou-nos o pagamento de 141 666,65€, correspondente a 50,00% do valor de capital em dívida àquela Instituição.
Em cumprimento da referida garantia autónoma iremos proceder ao seu pagamento, previsto para 12 de Dezembro de 2013.
Até à data referida, V. Ex.as ainda têm possibilidade de regularizar o incumprimento junto do beneficiário, e solicitar-lhe o cancelamento desta execução de garantia. Salientamos que apenas o beneficiário Caixa Geral de Depósitos, S.A. poderá cancelar este pedido de execução de garantia.
A Lisgarante está disponível para auxiliar na resolução desta situação de incumprimento, nomeadamente através de uma reestruturação do financiamento.
Se o pedido de execução da garantia não for cancelado, V. Ex.as deverão proceder ao pagamento à Lisgarante do montante de 141666,65€ até 20 de Dezembro de 2013.
Este pagamento deverá ser efetuado por depósito ou transferência bancária para a conta da Lisgarante com o NIB: … e deverão enviar o respetivo comprovativo para o endereço de email: drcOlisearante.pt.
Caso a execução da garantia não seja cancelada ou o pagamento da dívida resultante não seja efetuado, a Lisgarante irá efetuar o reporte de Crédito Vencido na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e acionar todos os mecanismos ao seu dispor para cobrança desta dívida, a que acrescem os juros moratórios devidos.
Com os nossos melhores cumprimentos,” (provado em face da carta junta aos autos a fls. 69, admitindo o emba[r]gante face ao alegado em 59.° da petição de embargos)
50. A exequente pagou à Caixa Geral de Depósitos a quantia de €141.666,65 pedida na carta referida no ponto anterior. (provado por acordo já que é admitido o pagamento por ambas as partes, o qual resulta também do recibo de quitação junto aos autos e cópia do cheque a fls. 224)
51. A exequente por carta remetida à Wallcare, para a morada constante do contrato de garantia, datada de 3.2.2014, pediu-lhe o pagamento da quantia de €141.666,65 que pagou à Caixa Geral de Depósitos. (provado em face da carta junta aos autos 223 verso)
52. A exequente pagou ao Novo Banco, ao abrigo da garantia autónoma n.° …, a quantia total de €117.440,63, tendo pago em 26.2.2018 a quantia de €112.500,00 e o restante em 23.1.2018. (provado por acordo já que ambas as partes admitem tais pagamentos em tais datas)
53. Esses pagamentos haviam sido pedidos pelo Novo Banco, por cartas dirigidas à exequente em 12.10.2017, sendo que o pagamento de €112.500,00 foi pedido por carta de 25.1.2018, esta com o seguinte teor:
“Assunto; Reclamação ao abrigo da vossa Garantia Autónoma n.° … - 600.000,00 €, prestada em 02/10/2008, a nosso favor, destinada a caucionar 50% do Contrato de Financiamento, no âmbito da Linha de Crédito PME INVESTE n.° da Operação 0770086261.
Exmo(s) Senhor(es),
Relativamente à vossa Garantia Autónoma n°. …, o NOVO BANCO, S.A., com sede na Av. da Liberdade, n° 195, 1250-142 Lisboa, com o número único 513 204 016 de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o capital social de €5.900.000.000,00, de ora em diante designado por Banco, declara ter comunicado em 24/11/2017 à sociedade WALLCARE APLICAÇÕES e REVESTIMENTOS SA, e seu representante, o vencimento antecipado do Contrato acima mencionado, atualmente no montante global (capital) de 225.000,00 €, resultante do incumprimento das suas responsabilidades e compromissos contratuais, conforme cópia das nossas cartas que anexamos.
Nesta conformidade, o Banco faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de 112.500,00 € (Cento e doze mil e quinhentos euros), correspondente a 50% do montante de capital em divida, ao abrigo da Garantia n°. …, emitida pela LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexatidão das afirmações aqui feitas.” (provado em face da cópia dessa carta junta aos autos, sendo que quanto aos pedidos por cartas de 2017, ambas as partes admitem esses pedidos (cfr. art.58.° dos embargos) e as mesmas foram juntas aos autos)
54. A exequente pagou ao Novo Banco, ao abrigo da garantia autónoma n.° …, a quantia total de €415.867,18, tendo pago em 26.2.2018 a quantia de €398.437,50 e o restante em 23.1.2018. (provado por acordo já que ambas as partes admitem tais pagamentos em tais datas)
55. Esses pagamentos haviam sido pedidos pelo Novo Banco, por cartas dirigidas à exequente em 12.10.2017, sendo que o pagamento de €398.437,50 foi pedido por carta de 25.1.2018, esta com o seguinte teor:
“Lisboa, 25 de Janeiro de 2018
Reclamação ao abrigo da vossa Garantia Autónoma n.° … - 1.000.000,00 €, prestada em 01/06/2010, a nosso favor, destinada a caucionar 50% do Contrato de Financiamento, no âmbito da Linha de Crédito PME INVESTE n.° da Operação 0770086249.
Exmo(s) Senhor(es),
Relativamente à vossa Garantia Autónoma n°. …, o NOVO BANCO, S.A., com sede na Av. da Liberdade, n° 195,1250-142 Lisboa, com o número único 513 204 016 de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o capital social de €5.900.000.000,00, de ora em diante designado por Banco, declara ter comunicado em 24/11/2017 à sociedade WALLCARE APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS SA, e seu representante, o vencimento antecipado do Contrato acima mencionado, atualmente no montante global (capital) de 796.875,00 €, resultante do incumprimento das suas responsabilidades e compromissos contratuais, conforme cópia das nossas cartas que anexamos.
Nesta conformidade, o Banco faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de 398.437,50 € (Trezentos e noventa e oito mil, quatrocentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), correspondente a 50% do montante de capital em divida, ao abrigo da Garantia n°. …, emitida pela LISGARANTE - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexatidão das afirmações aqui feitas.” (provado em face das cópias das cartas juntas aos autos)
56. A exequente remeteu para a sociedade Wallcare a carta com o seguinte teor:
“WALLCARE - Aplicações e Revestimentos, S.A.
Rua Antonio Loureiro Borges.Edif. ....., 9. 6 1495-131 ALGÉS
Registada com aviso de receção
Ref. JUR / CT -1729 040103             Lisboa, 18 de Março de 2021
Assunto: Solicitação de Pagamento
Exmos. Senhores,
No âmbito da garantia n° …, emitida pela Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., a pedido de V. Exas., o beneficiário, NOVO BANCO, S.A., solicitou-nos até à presente data. o pagamento do(s) seguinte(s) valor(es):
Garantia         Estado Valor Executado       Data Pagamento
2008.00757     Exec Parcial         € 2 463,91       2018-01-23
2008.00757     Exec Parcial         €2 476.72        2018-01-23
2008.00757     Exec Totale       €112 500.00     2018-02-26
 Total    € 117 440,63  
Acontece que V. Exas. têm ainda em dívida o valor global de € 6 524,42. relativo à(s) seguinte(s) nota(s) de débito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s):
Garantia                     Empresa                                                         Documento    Valor Inicial Data de Vencimento
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024613   152.38                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2018A/004174   165.08                         2018.03.14
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024614   308.16                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024615   472.39                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024649   482.4               2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024642   609.53             2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024641   616.31                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024643   616.31                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024646   616.31                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024647   616.31                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024644   623.08                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024645   623.08                         2018.01.11
2008.00757 WALLCARE -Aplicações e Revestimentos S.A. FT2017A/024648   623.08                         2018.01.11
A estes valores acresce o montante de € 27 474.69 relativo a juros de mora s respetivo imposto do selo.
Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia n° …, celebrado em entre V. Exas.. a LISGARANTE e o(s) avalista(s) aí mencionado(s), V. Exas., obrigaram-se a pagar-nos, todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia bem como os montantes devidos a título de comissão e de juros de mora, respetivamente, os valores acima discriminados.
Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança subscrita por V. Exas. nos seguintes termos:
Local de emissão: Lisboa Data de emissão: 18 de Março de 2021 Importância: € 151 439,74 Vencimento: 29 de Março de 2021
Local de pagamento: Rua Hermano Neves, 22 - 38A, 1600 - 477 Lisboa
Além do valor acima referido, é também devida por V. Exas. a quantia de € 757,20, relativa ao Imposto do Selo, liquidado nos termos do disposto na alínea j) do n.° 3 do artigo 3° do Código do Imposto do Selo:
Tabela Geral do respetivo código verba 23.2 (0.5%).
Caso o pagamento não seja efetuado até à data de vencimento procederemos à execução judicial competente para cobrança do montante global em dívida, acrescido dos juros moratórios que sejam devidos. Simultaneamente, e para efeitos de registo na Central de Responsabilidades de Crédito, iremos comunicar ao Banco de Portugal as V. responsabilidades efetivas para com a nossa instituição, tal como legalmente exigido.
Para esclarecimento de qualquer questão relacionada com o presente processo desde já agradecemos que os contactos sejam dirigidos para os serviços de contencioso da Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua. S.A.:” (provado em face da carta junta aos autos, fls.105, e registo de CTT também juntos aos autos)
57. A exequente remeteu ao embargante carta, registada com A/R, com idêntico teor à mencionada no ponto anterior, endereçada para a morada Rua Maestro Artur Portela, n.°3, Caxias. (provado em face da carta junta aos autos, fls.206 e registo de CTT juntos aos autos)
58. A exequente remeteu para a sociedade Wallcare a carta com o seguinte teor:
“WALLCARE - Aplicacoes e Revestimentos, S.A.
Rua Antonio Loureiro Borges.Edif, ....., 9, 6 1495-131 ALGÉS
Registada com aviso de receção
Ref. JUR/CT-1732 040103                Lisboa, 18 de Março de 2021
Assunto: Solicitação de Pagamento
Exmos. Senhores.
No âmbito da garantia …, emitida pela Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., a pedido de V. Exas., o beneficiário, NOVO BANCO, S.A., solicitou-nos até á presente data, o pagamento do(s) seguinte(s) valor(es):
Garantia     Estado Valor Executada     Data Pagamento
2010.03727 Exec Parcial €8 692,24 2018-01-23
2010.03727 Exec Total       €398.437.50                 2018-02-26
2010.03727 Exec Parcial       € 8 737,44                   2018-01-23
 Total    € 415 867,18
Acontece que V. Exas. têm ainda em dívida o valor global de € 42 237,03, relativo à(s) seguinte(s) nota(s) de débito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s):
Garantia                     Empresa                                             Documento     Valor Inicial    Data do Vencimento
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. NC2018A/000440   841.02 2018-03-14
201003727 WALLCARE-Aplicaçoes e Revestimentos S.A. FT2018A/004168    14.62   2018-03-14
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos, S.A. FT2017A/024618   146.03 201801 11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos. S.A. FT2O17A/021953  285.72 2017-12-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024019    288.89 2018-01-11
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024620    428.58 2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/015561    433.34 2017-0901
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024629    571.44 2018-01-11
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos. S.A. FT2017A/024631   582.11 2018 01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos. S.A. FT2017A/024621   584.13 2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos, S.A. FT2017A/009364   584.13 2017-0601
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos, S.A. FT2017A/024633   611.84 2018-01-11
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024635    663.7   201801 11
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/003176    730.17 2017-03 01
201003727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024622    730.17 2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2016A/022188    857.16 2016-12-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/023623    866.68 2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2016A/016120    1011.13           2016-09-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024624    1011.13           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024630    1146.12           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024625    1168.27           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2016A/009830    1168.28           2016-06-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024632    1229.19           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024634    1273.24           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024636    1293.67           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2017A/024626    1314.3 2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2016A/003364    1314.31           2016-03-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/029479    1444.47           2015-12-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/024627    1444.47           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/024628    1571.46           2018-01-11
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/022957    1588.92           2015-09-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/016495    1752.41           2015-06-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2015A/009847    1898.44           2015-03-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2014A/043102    2000.03           2014-12-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2014A/013794    2166.71           2014-09-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2014/041493      2336.54           2014-06-01
2010 03727 WALLCARE-Aplicacoes e Revestimentos S.A. FT2013/102442      6566.25           2013-12-26
Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia n.º …, celebrado em entre V, Exas, a LISGARANTE e o(s) avalista(s) aí mencionado(s), V. Exas., obrigaram-se a pagar-nos, todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia bem como os montantes devidos a título de comissão e de juros de mora, respetivamente, os valores acima discriminados.
Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança subscrita por V, Exas. nos seguintes termos:
Local de emissão: Lisboa
Data de emissão: 13 de Março de 2021
Importância: € 565 119,37
Vencimento: 29 de Março de 2021
Local de pagamento: Rua Hermano Neves, 22 – 3ºA, 1600 - 477 Lisboa
Além do valor acima referido, é também devida por V. Exas. a quantia de € 2 825,60, relativa ao Imposto do Selo, liquidado nos termos do disposto na alínea j) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo: Tabela Geral do respetivo código verba 23.2 (0,5%).
Caso o pagamento não seja efetuado até á data de vencimento procederemos à execução judicial competente para cobrança do montante global em dívida, acrescido dos juros moratórios que sejam devidos. Simultaneamente, e para efeitos de registo na Central de Responsabilidades de Crédito, iremos comunicar ao Banco de Portugal as V. responsabilidades efetivas para com a nossa instituição, tal como legalmente exigido.” (provado em face da carta junta aos autos a fls.200 e registo de CTT).
59. A exequente remeteu ao embargante carta, registada com A/R, com idêntico teor à mencionada no ponto anterior, endereçada para a morada Rua Maestro Artur Portela, n.° 3, Caxias. (provado em face da carta junta aos autos, fls.201 verso e registo de CTT)
60. A exequente remeteu para a sociedade Wallcare a carta com o seguinte teor:
“WALLCARE - Aplicacoes e Revestimentos, SA.
Rua Antonio Loureiro Borges,Edif. Zenitti, 9,6 1495-131 ALGÉS
Registada com aviso de receção
Ref. JUR/CT -1735 040103    Lisboa, 18 de Março de 2021
Assunto:          Solicitação de Pagamento
Exmos. Senhores,
No âmbito da garantia n° …, emitida pela Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua. S.A., a pedido de V. Exas., o beneficiário, Caixa Geral de Depósitos, S.A., solicitou-nos até à presente data, o pagamento do(s) seguinte(s) valor(es):
Garantia Estado         Valor Executado         Data Pagamento
2011.03679 Exec.Total. € 141.666.65               2014-02-03
Total    €141 666,65
Acontece que V. Exas. têm ainda em dívida o valor global de € 876,49, relativo à(s) seguinte(s) nota(s) de débito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s):
Garantia         Empresa                                             Documento     Valor Inicial    Data de Vencimento
200 03673       WALLCARE - Aplicacoes e Revestimentos S.A.       FT2014/010651          31,27 2014.02.21
201103673      WALLCARE – Aplicaçoes e Revestimentos S.A.       FT2014/011878          845.22             2014-02-25
A estes valores acresce o montante de € 73 689,49 relativo a juros de mora e respetivo imposto do selo.
Nos termos do contrato subjacente â emissão da garantia n° …, celebrado em entre V. Exas., a LISGARANTE e o(s) avalista(s) aí mencionado(s), V. Exas., obrigaram-se a pagar-nos. todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia bem como os montantes devidos a título de comissão e de juros de mora. respetivamente, os valores acima discriminados.
Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança subscrita por V. Exas. nos seguintes termos:
Local de emissão: Lisboa
Data de emissão: 18 de Março de 2021
Importância: € 216 232,63
Vencimento: 29 de Março de 2021
Local de pagamento: Rua Hermano Neves, 22 - 3°A, 1600 - 477 Lisboa
Além do valor acima referido, é também devida por V. Exas. a quantia de € 1 081,16, relativa ao Imposto do Selo, liquidado nos termos do disposto na alínea j) do n.° 3 do artigo 3o do Código do imposto do Selo: Tabela Geral do respetivo código verba 23.2 (0,5%).
Caso o pagamento não seja efetuado até â data de vencimento procederemos à execução judicial competente para cobrança do montante global em divida, acrescido dos juros moratórios que sejam devidos. Simultaneamente, e para efeitos de registo na Central de Responsabilidades de Crédito, iremos comunicar ao Banco de Portugal as v. responsabilidades efetivas para com a nossa instituição, tal como legalmente exigido.
Para esclarecimento de qualquer questão relacionada com o presente processo desde já agradecemos que os contactos sejam dirigidos para os serviços de contencioso da Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A. (provado em face da carta junta aos autos e registo de CTT)
61. A exequente remeteu ao embargante carta registada com A/R, com idêntico teor à mencionada no ponto anterior, endereçada para a morada Rua Maestro Artur Portela, n.°3, Caxias. (provado em face da carta junta aos autos, fls. 198 e registo de CTT)
62. As cartas referidas nos pontos que antecedem, datadas de 18.3.2021, foram devolvidas ao remetente, com indicação de “desconhecido” no que respeita às dirigidas à sociedade e com indicação “objeto não reclamado”, as dirigidas ao embargante. (provado em face dos registos e devoluções juntas aos autos, fls.171 e seguintes)
63. O Novo Banco enviou carta com o seguinte teor:
“Exm(o). Senhor(es)
WALLCARE APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS SA R DR ANTONIO LOUREIRO BORGES, EDF Z, 9 6
1495-131 ALGES
C. Cópia
Exm(o). Senhor(es)
WALLCARE APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS SA R DR ANTONIO LOUREIRO BORGES, EDF Z, 9 6 1495-131 ALGES
Lisboa, 24 de Novembro de 2017
(Carta Registada com aviso de receção)
Assunto: Vencimento Antecipado do Contrato de Financiamento c/o n° …
Refª Garantia: …; Refª Registo: N/A; N° Estrutura: B0591
Exmo(s) Senhor(es),
Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do n° 5 do art. 145°-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.° 298/92, de 31 de Dezembro, foi constituído o Novo Banco, S.A. com sede na Av. da Liberdade n.° 195, em Lisboa, com o capital social de 5.650.000.000,00 Euros com o número único 513 204 016 de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, para o qual foram transferidos determinados activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espirito Santo, S.A. identificados na referida deliberação, com sede na Av. da Liberdade. 195, em Lisboa, com o capital social de 6.084.695.651,06 Euros, com o número único 500 852 367 de pessoa colectiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa incluindo o financiamento acima identificado.
Serve a presente para, nos termos do disposto no contrato de Financiamento acima identificado, lhe comunicar o vencimento antecipado das obrigações de V. Exa. com fundamento na cláusula com a epígrafe “Vencimento Antecipado” das Condições Gerais do Contrato acima referenciado, alínea:
a) Mora ou incumprimento definitivo por parte do cliente e/ou do prestador de garantia de qualquer obrigação resultante do contrato.
Mais se informa que caso a quantia em divida nesta data, no montante de 266.500.206, não seja regularizada até ao próximo dia 05/12/2017, o NOVO BANCO irá recorrer aos mecanismos legais ao seu dispor para obter o pagamento de todas as quantias em divida.” (provado em face da carta junta aos autos a fl. 187)
64. Carta com teor idêntico à referida no ponto anterior foi enviada ao embargante, para a morada da Av. Sidónio Pais, n.° 16, 5.° esquerdo, Lisboa. (provado em face da carta junta aos autos a fls.188)
65. O Novo Banco enviou carta com o seguinte teor:
“Exm(o). Senhor(es)
WALLCARE APLICAÇÕES E REVESTIMENTOS SA R DR ANTONIO LOUREIRO BORGES, EDF Z, 9 6
1495-131 ALGES
C. Cópia
Exm(o). Senhor(es)
WALLCARE APLIC REVESTIMENTOS SA R DR ANTONIO LOUREIRO BORGES, EDF Z, 9 6 1495 -131 ALGES
Lisboa, 24 de Novembro de 2017
(Carta Registada com aviso de receção)
Assunto: Vencimento Antecipado do Contrato de Financiamento c/o n° … Refª Garantia: …; Refª Registo: N/A; N° Estrutura: B0591
Exmo(s) Senhor(es),
Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de Agosto de 2014, nos termos do n° 5 do art. 145°-G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.L. n.° 298/92, de 31 de Dezembro, foi constituído o Novo Banco. S.A. com sede na Av. da Liberdade n.° 195, em Lisboa, com o capital social de 5.650.000.000.00 Euros com o número único 513 204 016 de pessoa coletiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, para o qual foram transferidos determinados activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. identificados na referida deliberação, com sede na Av. da Liberdade, 195, em Lisboa, com o capital social de 6.084.695.651,06 Euros, com o número único 500 852 367 de pessoa colectiva e de registo na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa incluindo o financiamento acima identificado.
Serve a presente para. nos termos do disposto no contrato de Financiamento acima identificado, lhe comunicar o vencimento antecipado das obrigações de V. Exa. com fundamento na cláusula com a epígrafe "Vencimento Antecipado" das Condições Gerais do Contrato acima referenciado, alínea:
a) Mora ou incumprimento definitivo por parte do cliente e/ou do prestador de garantia de qualquer obrigação resultante do contrato.
Mais se informa que caso a quantia em dívida nesta data, no montante de 940.165,65€, não seja regularizada até ao próximo dia 05/12/2017, o NOVO BANCO irá recorrer aos mecanismos legais ao seu dispor para obter o pagamento de todas as quantias em divida.
Com os nossos melhores cumprimentos,” (provado em face da carta junta a fls.99)
66. Carta com teor idêntico à referida no ponto anterior foi enviada ao embargante, para a morada da Av. Sidónio Pais, n.° 16, 5.° esquerdo, Lisboa. (provado em face da carta junta aos autos a fls.100)
67. A Caixa Geral de Depósitos enviou carta com o seguinte teor:
“Wallcare - Aplicações Revestimentos, S.A.
Exmo, Sr. Dr, MM Exmo. Sr. Dr. AP
Rua Dr António Loureiro Borges Edifício ....., n° 9. 6°
1495-131 Algés
Algés, 27 de Novembro de 2013
Assunto: Exigibilidade Antecipada do Contrato Mútuo n.° …
Exmos. Senhores,
Face ao incumprimento registado na operação n.° 2525.001007,991, a CGD no âmbito da cláusula n.º 20 do Contrato Mútuo supra mencionado (conforme cópia do contrato em anexo), declara o vencimento antecipado do Contrato pelo valor em divida à data de 290.023,96€.
Sem outro assunto de momento, encontramo-nos à vossa disposição para qualquer esclarecimento adicional.
Com os melhores cumprimentos,
Gabinete Caixa Empresas de Oeiras “ (provado em face da carta junta a fls.96 verso)
68. E enviou à exequente carta com o seguinte teor:
“Lisgarante - Sociedade de Garantia Mutua, S.A.
Rua Hermano Neves, 22 - 3o A 1600 - 477 Lisboa
Algês, 27 de Novembro de 2013
Assunto: Wallcare - Aplicações e Revestimentos, SA
Garantia 2011.03679
Acionamento da Garantia por Vencimento Antecipado do Contrato
DECLARAÇÃO
Banco Caixa Geral de Depósitos, SA, sociedade anónima, com sede na Av. João XXI, nt* 63, em Lisboa, com o capitai social de 5.900,000.000,00 €, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de matricula e identificação de pessoa coletiva 500 960 046, declara ter comunicado a 27/11/2013 â Garantida o vencimento antecipado do contrato de empréstimo {conforme cópia de carta em anexo), não lhe tendo sido paga por esta a importância de € 283.333,31 vencida em 19-10-2013.
Faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de € 141.666,65 ao abrigo da garantia número …, emitida pela Lisgarante - Sociedade de Garantia Mútua, S.A., assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexatidão das afirmações aqui feitas.
Caixa Geral de Depósitos, S.A.” (provado em face da carta de fls. 96 junta aos autos)
69. A exequente por cartas datadas de 23.1.2018 e 26.2.2018, remetidas para a morada constante dos contratos de prestação de garantia, solicitou à Wallcare o pagamento das quantias que pagou ao banco ao abrigo das garantias autónomas n.° … e n.° …. (provado em face das cartas juntas a fls.91, 92-A e 94, fls.210, 212 2 e 214)
70. O plano de recuperação não foi cumprido pela Wallcare, que veio a ser declarada insolvente em 2018. (provado com base no depoimento da testemunha JM, resultando ainda da própria alegação do embargante, ao remeter para documento de reclamação de créditos apresentado na insolvência)
*
A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. Que o BES e a exequente sabiam que por via do plano de recuperação aprovado no PER, os contratos de mútuo celebrados ao abrigo das linhas de crédito PME Investe deixaram de produzir quaisquer efeitos e, sabiam, que as garantias haviam caducado em 2013 e 2014. (tendo em conta a natureza e feição de tal facto, não atestado por qualquer prova documental de onde decorra que o banco e a exequente tivessem o entendimento que vem defendido pelo embargante (vencimento das obrigações com a homologação do PER), decorrendo, ao invés, da respetiva atuação, ao acionar as garantias e fazer os pagamentos, posicionamento diverso, não há qualquer sustentação probatória, pelo que, tem que resultar não provado).
*
4. Fundamentação de Direito:
*
I) Impugnação da decisão de facto:
*
A) Se existe motivo para a rejeição do recurso por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Na sequência da alegação que desenvolve, conclui o recorrente, nas conclusões 9.ª a 28.ª da apelação, no sentido de dever ser alterada a redação do ponto 46) dos factos provados da decisão recorrida, para a que propõe. Indicou o apelante os meios probatórios que, em seu entender, justificam tal conclusão (cfr. conclusões 12.ª a 25.ª das alegações de recurso) e, bem assim, a decisão que considera que deve ser proferida sobre tal factualidade (cfr. conclusão 28.ª das alegações de recurso).
Para além disso, na conclusão 39.ª das alegações de recurso, o apelante consignou que: “39. Certo é, também, que por via de tais alterações contratuais, os financiamentos deixaram de estar enquadrados nas Linhas de Crédito PME INVEST e, como tal, deixaram de estar garantidos pelo Estado através do Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM) pela prestação de garantias pela Sociedade de Garantia Mútua, aqui Exequente, conforme alegou o Embargante alegou no seu requerimento de embargos - artigo 42° - que com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos, evidenciando-se tal facto pelas informações comunicadas pelo BES à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, (documento n° 12 junto ao requerimento de embargo, não impugnado, indevidamente desconsiderado pela Sra. Dra. Juiz a quo, corroborado pela testemunha JM, no seu depoimento, de minutos 16:18 e 16:42), e que deve assim ser julgado provado”. Visa, assim, o apelante o aditamento aos factos provados de facto onde se consigne que, com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos, convocando, para tanto, o depoimento de JM e o documento n.º 12 junto com a petição de embargos.
Pugna ainda o recorrente no sentido de dever ser aditado aos factos provados que, as cartas - referidas em 63 a 66 dos factos provados - foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco, convocando, para tal efeito, os documentos n.ºs. 4 a 9 juntos com a contestação aos embargos (cfr. conclusões 49.ª a 55.ª das alegações de recurso).
Finalmente, nas conclusões 62.ª e 63.ª das alegações de recurso, o apelante alegou que:
“62. Com efeito, ainda a fazer fé na cópia das cartas que lhe foram remetidas pelo BES, ficava por demonstrar a sua recepção pela destinatária Wallcare, pelo que se impunha à aqui Exequente que confirmasse tal facto, designadamente junto da garantida Wallcare, comunicando-lhe que tinha sido chamada a honrar a garantia (como não deixou de fazer quando a CGD fez idêntico chamamento);
63. Não o fez, como se encontra provado nos presentes autos, o que foi confirmado pela testemunha JM, na passagem das suas declarações de minutos 12:05 a 12:18, facto que deve ser igualmente aditado à factualidade dada como assente, como permite o art.º 5.º, n.º 2, al. b) do CPC.”.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO, em www.dgsi.pt, respeitando a esta base de dados todos os acórdãos infra citados, salvo indicação diversa).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, rel. MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Pº 6095/15T8BRG.G1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Pº 6871/14.6T8CBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
No caso dos autos, o recorrente visa impugnar os factos selecionados pelo Tribunal recorrido, nos termos sobreditos, pugnando pela alteração de um dos factos provados e visando a inclusão de dois factos no rol dos factos provados.
Conforme se evidenciou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021 (Pº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, rel. FÁTIMA GOMES), “[a]inda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento”.
Ora, no que concerne às conclusões de recurso 62.ª e 63.ª, tendo em conta a alegação do recorrente e passadas em revista as conclusões recursórias, se é certo que, o mesmo, indica a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida e convoca, para tanto, o depoimento – no segmento para que remeteu – de JM, não é menos certo que, todavia, não indica qual o facto concreto que considera ter sido desconsiderado: Limitando-se a indicar que “ficava por demonstrar a” recepção das cartas remetidas pelo BES pela destinatária Wallcare e que “se impunha à aqui Exequente que confirmasse tal facto, designadamente junto da garantida Wallcare, comunicando-lhe que tinha sido chamada a honrar a garantia”, o que, em seu entender, não terá feito, aspeto que torna ambígua e imprecisa a matéria que o recorrente pretende seja aditada aos factos provados, redundando na não concretização do ponto de facto concreto a aditar, conforme se lhe impunha a al. a), do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Ora, a impugnação em questão, embora significando uma declaração de vontade da apelante no sentido da discordância com a matéria de facto aquilatada pelo Tribunal recorrido, por não observar o ónus de impugnação consignado na alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, não passa de “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, sobre o resultado probatório alcançado pelo Tribunal.
Na medida em que o recorrente não deu cumprimento ao preceito legal acima mencionado, não cuidando de indicar o concreto ponto de facto que deveria ser objeto de aditamento, há lugar à rejeição imediata do recurso, no que respeita à impugnação a que se referem as conclusões 62.ª e 63.ª das alegações do apelante, por inobservância do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.
No mais, o recorrente cumpriu com os ónus de impugnação a que se refere o artigo 640.º do CPC, pois, não só indicou os pontos de facto que considera que foram incorretamente julgados ou não incluídos na selecção factual, como também indica os meios de prova concretamente produzidos que inculcam no sentido da decisão probatória que entende que deveria ser proferida, a qual, também, enunciou.
Cumpre, pois, quanto a tais pontos, apreciar a impugnação de facto deduzida sobre cada uma das aludidas factualidades.
Em face do exposto, conclui-se em:
- Rejeitar o recurso de impugnação da matéria de facto a que se referem as conclusões 62.ª e 63.ª das alegações de recurso, por inobservância do ónus de impugnação a que se refere a alínea a), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC; e
- Considerar inexistir motivo para a rejeição do recurso quanto às restantes questões objeto da impugnação da matéria de facto.
*
B) Se deve ser alterada a redação do ponto 46) dos factos provados da decisão recorrida, para a seguinte: “Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam-se em incumprimento e o celebrado com a Caixa Geral de Depósitos também apresentava incumprimento por falta de pagamentos, especificando-se que o incumprimento dos financiamentos, incluindo no que se refere às prestações de capital, ocorreu em Abril e Julho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …, e em Junho de 2013 no que se refere ao contrato FEC …/…, a que corresponde a garantia autónoma n° …”?
Ao mencionado ponto 46) dos factos provados foi dada, na decisão recorrida, a seguinte redação: “46. Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização os financiamentos contratados com o BES encontravam-se em incumprimento quanto ao pagamento de juros, pelo menos, desde junho, e o celebrado com a Caixa Geral de Depósitos também apresentava incumprimento por falta de pagamentos”.
Contesta o apelante, nos pontos 20.º a 49.º da motivação das suas alegações (dedicando-lhe, ulteriormente, as conclusões recursórias 9.ª a 28.ª) o segmento -constante do mencionado ponto 46 dos factos provados – “quanto ao pagamento de juros, pelo menos, desde junho”, dizendo que o mesmo não resultou apurado.
Para tanto, invoca que a prova documental e testemunhal produzidas infirmam a conclusão do Tribunal recorrido. Convoca, a este respeito, por um lado, o depoimento da testemunha JM (nos segmentos que referiu) e, por outro lado, o documento n.º 20 referente à reclamação de créditos apresentada em julho de 2018 ao Administrador de Insolvência da mutuária (quanto ao contrato de financiamento FEC …/… e garantia n.º …), bem como, os documentos n.ºs. 7 e 8 juntos com a petição de embargos (quanto ao contrato de financiamento FEC …/… e garantia n° …).
Vejamos:
Especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que “o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
“A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315) refere, a este respeito, que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº 4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento, de acordo com os temas da prova fixados.
Conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436), para que um facto – sujeito a livre apreciação do julgador - se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Essa certeza - com alto grau de probabilidade – subjetiva, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Importa considerar que, em termos substanciais, a impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância, procurando-se que a Relação reaprecie e repondere, formando a sua própria convicção, os elementos probatórios produzidos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se que se proceda à apreciação, não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também, da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.
Como refere Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127): “Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões”.
Assim, ressalvadas as modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu proprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar, desde logo, o que o recorrente - no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto - indicou nas respetivas alegações e cujo âmbito tem a função de delimitar o objeto do recurso.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efetuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada (cfr. Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 435-436).
Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420).
A apreciação das provas resolve-se, assim, na formulação de juízos, que assentam na elaboração de raciocínios que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).
Nessa atividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 607.º, n.º 4, do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.
A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE).
Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objetiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjetiva da sua realidade.
Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo atuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Mas, não deverá esquecer-se que a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA).
Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS).
É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”.
Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que a prova pessoal produzida se pronuncie sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida.
Aplicando estas considerações à impugnação de facto em questão, importa referir que o Tribunal recorrido enunciou que a sua convicção probatória assentou na seguinte motivação: “provado que os empréstimos concedidos pelo BES estavam em incumprimento quanto a juros, porquanto, resultando das alterações aos dois contratos períodos de carência de capital, como consta provado nos pontos supra, carência essa que se estendia para além de Agosto de 2013 quando foi apresentado o PER, o tribunal adquiriu convicção de que o incumprimento que a testemunha JM, gestor de empresas, pessoa que exerceu funções na Wallcare até ao Verão de 2017, como diretor financeiro, mencionou no seu depoimento, referindo-se à falta de pagamento de prestações, só pode ser referenciado e sustentado relativamente ao pagamento de juros, já que a mutuária estava a beneficiar de períodos de carência de capital, donde é completamente inverosímil que o incumprimento respeitasse a capital, sendo que a testemunha não distinguiu falando apenas de prestações; por outro lado, não resulta seguro face às datas dessas alterações contratuais, uma delas de Maio de 2013 relativa ao empréstimo de 2008, que o incumprimento, que deve situar-se por referência a essa reestruturação, se situasse em Abril; porém, já é efetivamente credível que os incumprimentos datem de, pelo menos, o mês anterior à instauração do Per, pelo que, foram situados em junho; quanto ao empréstimo da Caixa mostra-se verosímil o declarado pela testemunha relativamente a haver incumprimento”.
Ora, ouvida por este Tribunal de recurso, na íntegra, a gravação do depoimento prestado por JM nele não se encontra fundamento bastante para fundar a edificação sustentada pelo apelante a respeito da aludida factualidade.
De facto - como aliás o admite o recorrente -, a testemunha JM não concretizou se o incumprimento que referiu se reportava a capital ou aos juros, pois, referiu, indistintamente, que a aludida falta de cumprimento se reportou a “prestações”, que situou, com pouca concludência, diga-se (apoiado na expressão “segundo creio”), quanto ao financiamento prestado pela CGD e a um dos financiamento do BES (que não concretizou), por referência à data de instauração do PER (em agosto de 2013), nas vencidas em “Abril e Julho” e quanto ao “outro financiamento do BES”, na prestação referente a “Julho”.
É certo que, conforme o salientou, o Tribunal recorrido expressou que formou positiva convicção de que o incumprimento registado, à data de instauração do PER - relativamente aos financiamentos a que respeitam os autos - ocorreu com referência aos juros, pois - conforme precisou - a mutuária encontrava-se, então, a beneficiar de períodos de carência de capital (situação definida nos termos do ponto 1 das condições gerais dos contratos de financiamento, em que, durante a vigência de tal período de carência, o “Cliente apenas paga juros, mantendo-se o capital em dívida inalterado”). E também explicou o Tribunal recorrido porque razão não atendeu ao mês de Abril como o referente ao incumprimento, salientando que uma das alterações contratuais teve lugar em Maio de 2013.
Todavia, conforme acima se assinalou, para além de convocar o aludido depoimento, o recorrente invoca que a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido é infirmada pelo que consta dos documentos n.º 20 referente à reclamação de créditos apresentada em julho de 2018 ao Administrador de Insolvência da mutuária (quanto ao contrato de financiamento FEC …/… e garantia n.º …) e dos documentos n.ºs. 7 e 8 juntos com a petição de embargos (quanto ao contrato de financiamento FEC …/… e garantia n° …).
No documento n.º 20 (de fls. 240 a 257 dos autos), referente à reclamação de créditos apresentada em julho de 2018, o NOVO BANCO, S.A., referindo-se ao contrato de financiamento n.º … (FEC …/…) depois de assinalar, sumariamente, o seu objeto, bem como as suas garantias, indicando ainda as alterações que sofreu, indicou que: “Na presente data permanece em dívida, a título de capital, o montante de € 122.559,37 (cento e vinte e dois mil e quinhentos e cinquenta e nova euros e trinta e sete cêntimos), montante ao qual acrescem juros moratórios à taxa de 3,210%, acrescido de 2,00% a título de mora, desde a data do incumprimento, em 02.04.2013, até efetivo e integral pagamento (…)” (cfr. artigo 26.º do aludido documento).
Brande o recorrente esta invocação como o fator decisivo para, em seu entender, se dever concluir que as prestações de capital se encontravam em falta e com referência a abril de 2013.
Ora, por um lado, a menção constante do aludido ponto 26.º do requerimento de reclamação de créditos, reporta-se ao momento a partir do qual se contabilizaram juros e, não, propriamente, a assinalar, inelutavelmente, que o incumprimento das prestações de capital teve lugar em 02-04-2013. De facto, não se consegue alcançar, da singela menção constante desse elemento documental (sobre o qual o depoimento de JM, dele independente, não lançou alguma luz, nem existiram outros elementos que o demonstrassem), com um mínimo de consistência e de concludência, a conclusão probatória pretendida pelo recorrente.
É que, por outro lado, esta conclusão probatória não resiste à consideração de outros elementos de prova que também foram produzidos.
Assim, efetivamente, na alteração, datada de 15-05-2013 (cuja cópia integralmente assinada consta de fls. 232 dos autos), pela qual foi subscrito o “ADITAMENTO À CARTA CONTRATO DE GARANTIA AUTÓNOMA N.º …”, consignaram os contraentes que: “o BES, a SGM e a Entidade Gestora da Linha a sociedade PME Investimentos – Sociedade de Investimento, S.A., aprovaram previamente a presente Reestruturação Financeira, sem que, até à data do pedido de aprovação da Garantida, tenham ocorrido situações de incumprimento, relativamente ao contrato de Financiamento M/L Prazo n.º FEC …/… (…)”, lê-se num dos considerandos desse documento, sendo certo que, não faria sentido, aliás, que, neste contexto, fosse firmada a alteração contratual num momento em que já ocorresse algum incumprimento contratual, ou então, se assim fosse, certamente que o mesmo não deixaria de estar expresso e vertido, de algum modo, no título da alteração, circunstância que não ocorre (ficando vertido no documento da alteração, precisamente, o contrário).
Compreende-se, pois, que o Tribunal recorrido tenha incluído, no mencionado facto provado n.º 46), o segmento restritivo concernente à verificação de situação de incumprimento quanto ao pagamento de juros, por referência ao momento temporal – “Quando a Wallcare instaurou o processo de revitalização” - a que alude tal facto, não formando positiva convicção quanto ao demais (incumprimento de prestações de capital, desde abril de 2013), sem se registar no juízo alcançado pelo Tribunal recorrido, alguma “desconsideração” dos termos em que tal alteração contratual (ou a outra registada no contrato) teve nas obrigações das partes.
Relativamente ao financiamento FEC …/… (garantia n.º …), os meios de prova invocados pelo recorrente também são imprestáveis para concluir do modo por si pugnado.
Para além da reticência que merece o depoimento de JM, nos moldes já salientados, os documentos juntos aos autos, em particular os que constam de fls. 47vº a 49 (datados de março de 2013) não permitem formar positiva convicção no sentido de que ficou demonstrado o incumprimento do financiamento FEC …/… com referência a junho de 2013. Lê-se, nomeadamente, no documento intitulado “Alteração ao contrato de financiamento FEC n.º …/…” que: “O Cliente [a WALLCARE] solicitou ao BES a introdução de um novo período de carência de capital e o consequente alargamento do prazo do financiamento acima melhor identificado” (cfr. Considerando A) ), bem como, que, “O BES, a Sociedade de Garantia Mútua LISGARANTE e a PME Investimentos- Sociedade de Investimento, S.A. aprovaram e autorizaram as referidas alterações ao financiamento” (cfr. Considerando B) ), definindo-se como “condições particulares alteradas” as seguintes:
“Prazo
- 96 meses;
Carência
- Juros: Não;
- Capital: Sim;
a) Prazo de 12 meses ao abrigo do Alargamento de Prazo das Linhas de Crédito PME Invest 2011, entre 01/12/2011 e 01/12/2012;
b) Prazo de 12 meses ao abrigo do Alargamento de Prazo das Linhas de Crédito PME Invest 2013, com início em 01/03/2013
(…)
4. Produção de efeitos
A presente alteração ao contrato produzirá os seus efeitos a partir do início do trimestre em que tem lugar a assinatura do presente aditamento pelas partes (…)”.
Assim, da conjugação destas alterações resulta que a carência de capital ocorria a partir de 01-03-2013 pelo período de 12 meses, ou seja, vigorando até 01-03-2014, sendo que, todavia, incumbia ao “Cliente” suportar, inclusive nesse interim, integralmente, os juros devidos, nos moldes objeto da alteração.
Sucede que, todavia, não deriva desse elemento documental, nem do de fls. 49-49vº ou de outro documento junto aos autos, que na data de instauração do PER, em Agosto de 2013, ocorresse incumprimento de prestações de capital, sendo certo que, como se viu, por força da situação de “carência de capital” que então vigorava, o pagamento das prestações devidas a este título se encontra então “paralisado”. Não ocorrendo alguma demonstração que, com um mínimo de consistência, pudesse fazer intuir de modo diverso, não se mostra possível formar positiva convicção sobre tal factualidade.
Assim, a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido é, também quanto a este financiamento FEC n.º …/…, perfeitamente congruente com a prova produzida.
Em face do exposto, a impugnação deduzida pelo recorrente a respeito do mencionado facto provado n.º 46), não merecendo provimento, soçobrará.
*
C) Se deve ser aditado aos factos provados que, com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos?
Conforme se referiu, visa o apelante que se adite ao rol dos factos provados um facto onde se consigne que, com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos (cfr. conclusão 39.ª).
Convoca, para tanto, o depoimento de JM e o documento n.º 12 junto com a petição de embargos concluindo que, por força das alterações contratuais operadas nos financiamentos, estes “deixaram de estar enquadrados nas Linhas de Crédito PME INVEST e, como tal, deixaram de estar garantidos pelo Estado através do Fundo de Contragarantia Mútuo (FCGM) pela prestação de garantias pela Sociedade de Garantia Mútua, aqui Exequente, conforme alegou o Embargante alegou no seu requerimento de embargos - artigo 42° - que com a homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, os créditos que foram reconhecidos ao BES foram convertidos em novos créditos, evidenciando-se tal facto pelas informações comunicadas pelo BES à Central de Responsabilidades do Banco de Portugal, (documento n° 12 junto ao requerimento de embargo, não impugnado, indevidamente desconsiderado pela Sra. Dra. Juiz a quo, corroborado pela testemunha JM, no seu depoimento, de minutos 16:18 e 16:42), e que deve assim ser julgado provado” (cfr. conclusão 39.ª das alegações de recurso).
Alegou, para tanto, em particular, nos artigos 80º a 83º da motivação das alegações que, com a homologação do Plano de Recuperação no PER, o crédito do BES deixou de ser um crédito bonificado e garantido pelo Estado, através da PME Investimentos, quanto entidade gestora do FINOVA, e da Sociedade de Garantia Mútua ora exequente.
Vejamos:
De acordo com o que constava dos artigos 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511.º do CPC de 1961, na redação ultimamente vigente, a base instrutória deveria conter a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias situações plausíveis da questão de direito e sobre a qual incidiriam as diligências instrutórias de prova e de julgamento. Estas normas harmonizavam-se com a disposição contida no artigo 513.º do mesmo Código (com a epígrafe “Objecto da prova”), no qual se consagrava que a instrução tinha por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devessem considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
No novo e vigente Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, de harmonia com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Para além dos factos que são articulados pelas partes, o juiz deverá considerar ainda os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham oportunamente alegado e resultem da instrução da causa, desde que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e, ainda, os factos notórios e os que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício das suas funções (cfr. als. a), b) e c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC).
E, de harmonia com o disposto no artigo 410.º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados – ou, não havendo tal enunciação, os factos necessitados de prova. A instrução reporta-se, pois, a temas da prova ou a factos carecidos de prova.
Na enunciação dos temas da prova, não está em causa a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas apenas a enunciação das questões essenciais de facto, em que assenta a controvérsia entre as partes, deixando-se para a decisão sobre a matéria de facto - a ter lugar, em regra, no momento de prolação da sentença - a descrição dos factos que, relativamente a cada tema da prova, tenham sido provados ou não provados.
Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 699), “[r]elativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil durante muitas décadas. Numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiai e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual”.
Ora, conforme se evidencia no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “Será, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, actualmente prevista no n.º 1 do artigo 596.º do nCPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique.
Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir.
Não obstante a redacção dada ao artigo 410º do nCPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do nCPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados.
São de igual modo os enunciados de factos, e não os temas de prova, que o artigo 607.º do nCPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença.
Acresce que decorre do artigo 413.º do nCPC, que reproduziu sem alteração o artigo 515.º do aCPC, que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, mantendo-se, assim, intocável o princípio da aquisição processual.
Nos termos do aludido princípio, as provas acumuladas no processo consideram-se adquiridas para o efeito da decisão de mérito, pouco importando saber por via de quem foram trazidas para os autos (…)”.
Ou seja: “A enunciação dos temas da prova pode fazer-se em diversos graus de abstração ou concretização, ora mais vaga, ora mais precisa, tudo dependendo daquilo que seja realmente adequado às necessidades de uma instrução apta a propiciar a justa composição do litígio (…).
Haverá ações em que os temas da prova surgirão com maior concretização, embora não seja necessário (nem sequer aconselhável, na maior parte dos casos) que cada tema corresponda a um facto puro e simples, e haverá ações em que os temas da prova se apresentarão numa formulação de pendor mais genérico ou até mesmo conclusivo (…)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 699-700).
De todo o modo, como sublinham estes mesmos Autores (ob. cit., p. 701), “a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados”.
Assim, não obstante o artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC (onde se dispunha que: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”) não se encontrar no CPC em vigor, certo é que, da fundamentação da sentença devem constar factos, o que, desde logo, deriva da previsão do artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
De facto, ao invés dos factos essenciais (os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas) que devem ser alegados pelas partes, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do CPC e, além dos factos que sejam considerados pelo juiz, de harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, há determinada alegação que comporta a invocação de factos irrelevantes ou conclusivos, ou que contém apenas matéria de direito, aspetos que não devem ser transpostos para a seleção factual realizada pelo Tribunal em sede de sentença: “A matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito é contrária à matéria estritamente factual que, como decorre do art. 607º nº4 do CPC, deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2021, Pº 701/19.0T8PFR.P1, rel. MENDES COELHO). De tal sorte que, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO).
Contudo, nem sempre, na prática, se torna evidente se estamos perante absoluta matéria conclusiva ou de direito ou ainda em face de matéria de facto.
Conforme se escreveu – ainda no âmbito do precedente CPC - no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2003 (Pº 8271/03, rel. MARIA JOSÉ MOURO, CJ, 2003, t. I, pp. 79-87): “A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.
Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, pags. 206-207 referia: «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei.”
Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.
Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.
As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.
Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei”.
Na mesma linha e também no âmbito do CPC de 1961, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-12-1992 (Pº 003400, rel. DIAS SIMÃO) que: “Nem sempre é fácil a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito, podendo mesmo afirmar-se que a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em larga medida da estrutura da norma aplicável e dos termos da causa (…). Como critério geral de distinção pode dizer-se que é de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, se o apuramento dessas realidades se realiza à margem da aplicação directa da lei, ou seja, tratando-se de averiguar factos cuja existência não dependa da interpretação a dar a qualquer norma jurídica. Acontecendo, porém, que o conceito normativo mencionado na lei seja igual ao conceito empiríco, utilizando aquela expressão de uso corrente na linguagem comum, nesse caso, poder-se-à quesitar empregando-se as palavras da lei, na medida em que, tomando-se esse conceito no seu sentido vulgar para este reservado”.
Em termos gerais, com referência aquilo que se verteu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05-2009 (Pº 08S3441, rel. VASQUES DINIS) pode considerar-se que: “Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei. No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos). No mesmo âmbito, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”.
Assim, como princípio, não deve enunciar-se, em sede de fundamentação da sentença, no segmento dos factos apurados (provados/não provados), matéria conclusiva ou de direito, designadamente, quando esta se reporte ao cerne do objeto da questão a decidir.
Contudo, tem-se admitido que a mesma seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico com um significado socialmente consensual, se não forem objeto de discussão entre as partes, nem carecerem de interpretação jurídica, devendo ser tomadas na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum, caso em que ainda estaremos perante matéria factual.
Isso mesmo tem sido assinalado, em diversos arestos, pela jurisprudência, exemplificativamente se citando os seguintes (por ordem cronológica decrescente):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2021 (Pº 2999/08.0TBLLE.E2.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2020 (Pº 2124/17.6T8VCT.G1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “Factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-03-2020 (Pº 3789/15.9T8VFR.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-11-2019 (Pº 3875/18.3T8MTS.P1, rel. RITA ROMEIRA): “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o “thema decidendum”, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2019 (Pº 109/17.1T8ACB.C1.S1, rel. FERNANDO SAMÕES): “Apenas os factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão, embora lhe sejam equiparáveis os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o objecto do processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2018 (Pº 338/17.8YRPRT, rel. FILIPE CAROÇO): “O desaparecimento da previsão do nº 4 do art.º 646º do antigo Código de Processo Civil não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do n° 3 e no n° 4 do artigo 607º do atual Código de Processo Civil tenha passado a poder incidir também sobre matéria conclusiva e de direito. Em termos gerais, o facto corresponde a um estado ou acontecimento que se configura como uma realidade passível de constatação e apreensão, seja ele um facto do mundo exterior (facto externo) ou um facto da vida psíquica (facto interno: o dolo, o conhecimento de determinadas circunstâncias, uma determinada intenção)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018 (Pº 3499/11.6TJVNF.G1.S2, rel. ROSA TCHING): “No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, não obstando, por conseguinte, que se considere, como realidades suscetíveis de averiguação e demonstração, as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO): “Face ao Novo Código de Processo Civil é na sentença que o juiz declara quais os factos que julga provados e os que julga não provados. A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP (…)”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017 (Pº 809/10.7TBLMG.C1.S1, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA): “A questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado. Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2015 (Pº 819/11.7TBPRD.P1.S1, rel. JOÃO TRINDADE): “Em face do NCPC (2013), haverá que considerar, de uma forma inovadora, que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista. É possível agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do NCPC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-04-2015 (Pº 185/14.9TBRGR.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES): “É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no nº 1 do artigo 596º do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511º do aCPC – encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas na lide. A decisão da matéria de facto não deverá, todavia, conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, impondo o artigo 607º do nCPC, no seu nº 4, que na sentença o julgador declare provados ou não provados os factos e não os temas da prova”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2013 (Pº 400/09.0PAOVR.C1.P1, rel. EDUARDA LOBO): “Os factos conclusivos são ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2004 (Pº 04B652, rel. FERREIRA GIRÃO): “O vocábulo janela pertence ao mundo dos vocábulos ou expressões, que, traduzindo embora determinado conceito técnico-jurídico, têm também um significado de uso corrente, fácil e inequivocamente identificável; Consequentemente, não se deve dar como não escrito, ao abrigo do nº. 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, o vocábulo janela, quando incluído na decisão da matéria de facto sem qualquer discriminação das suas características - tal como, aliás, foi alegado”.
Assim: “Se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas”, estendendo-se as dificuldades de delimitação também no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 4372/09.3TTLSB-A.L1-4, rel. DURO CARDOSO).
Noutros arestos tentou-se mais uma aproximação:
- “É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual. Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-02-2014, Pº 2138/10.7TBPRD.P1, rel. CARLOS GIL); e
- “Não são meros “juízos conclusivos” as expressões que têm um sentido perfeitamente apreensível na linguagem comum e cujo significado é totalmente apreendido na linguagem corrente, podendo até dizer que hoje em dia são os mesmos utilizados muitas vezes na vox populi” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-09-2021 (Pº 145/18.0T8SRP.E1, rel. ELISABETE VALENTE).
Ora, no caso, a matéria pretendida aditar aos factos provados pelo impugnante, comporta um juízo conclusivo, que expressa, nos moldes pretendidos incluir em tal rol de factos, uma opção jurídica sobre os créditos reconhecidos ao BES e à CGD no âmbito do PER e respetivos efeitos da aprovação e homologação do respetivo plano de recuperação.
Note-se que, ao invés da factualidade a que se refere, por exemplo, o facto considerado como não provado, não está aqui em questão a apreciação sobre se as referidas entidades financiadoras sabiam ou não que - por via da aprovação do plano de recuperação aprovado no PER - os contratos de mútuo celebrados ao abrigo das linhas de crédito PME deixariam de produzir efeitos, mas, em si mesmo, o que se pede é que o Tribunal tome posição sobre o efeito decorrente da aprovação de tal plano para os financiamentos em questão e para os créditos correspondentes.
Trata-se inequivocamente de uma questão de direito – objeto da decisão a proferir (vejam-se as questões a decidir enunciadas na decisão recorrida e, designadamente, saber se a exequente preencheu abusivamente as livranças por o ter feito após terem caducado as garantias autónomas cujas obrigações visavam garantir) – não deverá figurar no rol da factualidade selecionada.
Conclui-se, pois, que:
- Como princípio, não deve enunciar-se, em sede de fundamentação da sentença, no segmento dos factos apurados (provados/não provados), matéria conclusiva ou de direito, designadamente, quando esta se reporte ao cerne do objeto da questão a decidir;
- Contudo, tem-se admitido que a mesma seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico com um significado socialmente consensual, se não forem objeto de discussão entre as partes, nem carecerem de interpretação jurídica, devendo ser tomadas na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum, caso em que ainda estaremos perante matéria factual;
- Pretendendo o recorrente que seja aditada aos factos provados, matéria que comporta um juízo conclusivo e que expressa uma opção jurídica sobre os créditos reconhecidos no âmbito do PER e respetivos efeitos da aprovação e homologação do respetivo plano de recuperação, objeto da decisão a proferir, tal matéria não deverá figurar no rol da factualidade selecionada.
Assim, porque a respetiva procedência, colidiria com estas considerações, a impugnação gizada pelo impugnante a este respeito não poderá proceder.
*
D) Se deve ser aditado aos factos provados que, as cartas - referidas em 63 e 66 dos factos provados - foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco?
Finalmente, visa o apelante seja aditado aos factos provados que, as cartas - referidas em 63 a 66 dos factos provados - foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco, convocando, para tal efeito, os documentos n.ºs. 4 a 9 juntos com a contestação aos embargos (cfr. conclusões 49.ª a 55.ª das alegações de recurso).
Invoca o recorrente, para tanto e em suma, que:
- O Novo Banco fez o pedido de pagamento das garantias autónomas enviando à Exequente cópias de cartas datadas de 24 de Novembro de 2017 - documentos n.°s 6 e 9 juntos à contestação da Exequente - tendo como destinatária a sociedade mutuária Wallcare, tendo em assunto "Vencimento antecipado do contrato ( ...)";
- Não foi junta aos autos prova que essas cartas tenham sido efectivamente enviadas, nem recebidas pelos destinatários;
- Conforme se prova pelas cópias das cartas juntas pela Exequente aos autos, documentos 4 a 9 juntos à contestação - a morada da destinatária Wallcare que consta das referidas cópias é a Rua Dr. António Loureiro Borges, Edifício ..... n.º 9, 6.º em Algés;
- Na audiência de discussão e julgamento, a testemunha JM foi questionada sobre essa matéria e do testemunho que estão prestou, de minutos 11:35 a 12:03, resulta inequívoco, não só que aquele endereço não era, à data, e já desde 2014, o da sede da mutuária, como a alteração para Alameda dos Oceanos, n° 20, em Lisboa, havia sido comunicada ao BES através de mail preparado pelo próprio, declarações não infirmadas por qualquer outro elemento probatório e que não mereceram qualquer reserva;
- Nada prova que tais cartas, de Novembro de 2017, tenham sido remetidas e recebidas pela Wallcare, nem que a não recepção das mesmas se tenha devido a culpa da destinatária, que comunicou em 2014 ao Banco a alteração da sua morada;
- Deverá acrescentar-se, em respeito pela prova produzida, que as cartas foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco, factualidade que deverá ser considerada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 2, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC.
Vejamos:
Liminarmente, refira-se que não invoca o apelante qual a relevância para a decisão da causa da inclusão na matéria assente de uma tal factualidade (limitando-se a tecer genéricas considerações sobre a prova produzida exigir a inclusão factual que preconiza), e a mesma também não se alcança, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de Direito.
De todo o modo, ainda que, porventura, pudesse tal matéria interessar para o desfecho dos autos, não se afigura possível a este Tribunal considerar tal factualidade.
De facto, a “introdução” deste facto como assente nesta sede equivaleria ao conhecimento de uma questão nova – relacionada com o endereço da Wallcare, suas alterações e comunicação/ou não da alteração ao BES - que, não cabe, como é óbvio nos poderes do Tribunal da Relação, que apenas faz o reexame da causa julgada pela 1.ª instância.
Os recursos que visam o reexame da matéria de facto da decisão proferida actuam dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão recorrida. Constituindo meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e, não, meios para obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
“Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2016, Processo 861/13.3TTVIS.C1.S2, relatora ANA LUÍSA GERALDES).
Aliás, o invocado pelo recorrente nesta sede, contrasta com a negação de que tal tenha comunicação tenha tido lugar, conforme foi alegado no artigo 62.º da petição de embargos.
Mas, ainda que assim não o vedasse o regime recursório vigente, afigura-se-nos que o modelo de alegação e de aquisição de factos em vigor não se compadece com a pretendida alteração factual.
É que, no regime processual civil vigente, os factos essenciais têm se ser alegados na petição inicial (cfr. artigo 552.º do CPC). Por seu turno, o réu deve tomar posição sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1 do art. 574.º do CPC).
Alterações posteriores apenas serão admitidas nos estritos condicionalismos que o Código estabelece.
Os factos não principais dividem-se, na terminologia do Código, em factos instrumentais, concretizadores e complementares.
Nos termos do art. 5.º, n.º 2, als. b) e c) do CPC, os factos instrumentais e os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos para o processo (quer através de alegação das partes, quer através de iniciativa oficiosa do juiz) até ao encerramento da discussão, na medida em que é este o momento que encerra a instrução do processo.
Assim, como sintetiza Mariana França Gouveia (“O princípio dispositivo e a alegação de factos em processo civil: A incessante procura da flexibilidade processual”, in R.O.A., ano 73.º, vol. II/III, p. 611): “Em resumo, temos o seguinte quadro: factos principais alegados nos articulados, fixação neste momento do objeto do processo (dada a regra da inadmissibilidade posterior de alteração), factos instrumentais, complementares ou concretizadores alegados ou adquiridos para o processo até ao encerramento da discussão.
Mantém-se portanto o efeito preclusivo quanto aos factos principais — a sua não alegação inicial impede a alegação posterior; mantém-se a não preclusão em relação aos outros factos, reforçando-se esta não preclusão relativamente aos factos instrumentais já que o efeito probatório da não impugnação é meramente provisório, podendo ser afastada por contraprova.
Assim, os factos principais têm de ser alegados na fase inicial, nos articulados, enquanto os factos instrumentais podem ser alegados ou adquiridos oficiosamente até ao fim do julgamento. Também os factos complementares e concretizadores podem ser adquiridos até ao fim do julgamento.”.
No caso, considerando a causa de pedir invocada (relacionada com o invocado preenchimento abusivo da livrança), a factualidade atinente à remessa das cartas, datadas de 24-11-2017 – pelo BES – à Wallcare para “para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco”, apenas poderia ser, quando muito, considerado um facto complementar ou concretizador, designadamente, da existência de tal abusivo preenchimento, por acionamento indevido das garantias - no entender, do recorrente, num momento em que já se encontravam caducadas.
Contudo, como se viu para que tal facto pudesse ser introduzido nos autos, nesta sede – e ressalvada qualquer circunstância superveniente, que não se verifica - , teria de o ter sido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, e o mesmo deveria ter sido anunciado às partes, com vista a sobre ele poderem exercer o respectivo contraditório. Não tendo tal introdução tido lugar e não tendo sido viabilizado efectivo contraditório – não se afigurando suficiente para tal efeito, a mera presença das partes em audiência de julgamento, uma vez que não ocorreu algum anúncio de que o facto poderia vir a ser utilizado ou considerado – até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, precludida ficou a possibilidade da sua consideração nestes autos, não podendo o facto ser objecto de inclusão nesta instância de recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (Processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO): “I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados. II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
Mostra-se, pois, de rejeitar, por esta via, a pretendida inclusão da aludida matéria no rol dos factos provados.
De todo o modo, mesmo que assim não se considerasse, e se entendesse que a matéria em causa poderia ser considerada para além do obstáculo processual acima indicado, certo é que, também a impugnação de facto deduzida não procederia.
Com efeito, apreciado os documentos invocados pelo recorrente e o único depoimento prestado em audiência, não se afere demonstrado, com a necessária e suficiente concludência, para demonstrar tal factualidade, que as cartas em questão foram remetidas para endereço que desde 2014 já não era o da destinatária, alteração comunicada nessa altura ao Banco.
É que, se é certo que, JM referenciou – em termos não concludentes, diga-se – que a morada da Rua Dr. António Loureiro Borges, Edifício ..... n.º 9,6.º em Algés, correspondeu à morada da Wallcare, entre, segundo apontou, “2008…2009 até 2014…” e que, em 2014 mudou de morada para a que referenciou, mudança que “foi comunicada aos bancos e a todos os credores, por email…”, não é menos certo que, a insipiência de tal afirmação e a ausência de demonstração concludente de tal factualidade - parte dela, segundo a própria testemunha, assente em elementos documentais que não constam dos autos e, outra, que também que seria de fácil demonstração documental – pensando-se, por exemplo, na comprovação pelo registo societário ou em todas as operações materiais inerentes à mudança de morada/instalações de uma sociedade comercial – e à sua comprovação temporal, não permite ao Tribunal concluir por uma convicção positiva sobre tais factos.
Os elementos documentais constantes dos autos não corroboram, de algum modo, a afirmação de que tenha ocorrido a mudança de morada, no tempo referenciado por JM (2014) e, bem assim, a comunicação – e sua forma – nos termos que a testemunha afirmou.
Aliás, lendo as condições gerais dos financiamentos contratados, encontra-se a previsão de que as comunicações trocadas entre os contraentes seriam dirigidas “para os endereços e postos de receção referidos no ponto comunicações das condições particulares” (cfr. cláusula 37.ª, § 1.º das condições gerais) e no ponto 11 das condições particulares encontra-se como morada indicada para a Wallcare a “R. DR ANTÓNIO LOUREIRO BORGES, EDF Z, 9 6, 1495-131 ALGÉS”, correspondendo à morada consignada nas missivas datadas de 24-11-2017. Nas alterações contratuais, a morada da Wallcare manteve-se a mesma, não constando registo de alteração da morada de comunicações entre as partes.
Outros elementos documentais não o atestam.
Assim, os elementos probatórios produzidos não inculcam, com a necessária e suficiente consistência, no sentido da procedência da impugnação deduzida.
A resposta à questão colocada é, pois, negativa.
E, em face do exposto, subsiste integralmente a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo.
*
II) Impugnação da decisão de direito:
Ao nível da fundamentação da decisão de direito, a decisão jurídica começou por assinalar quais os títulos – livranças - dados à execução, bem como, as respetivas caraterísticas – títulos de crédito, onde avultam as caraterísticas da abstração, autonomia e literalidade - e, ainda, que o embargante/ora recorrente subscreveu tais títulos na qualidade de avalista.
Em seguida, apreciou a decisão recorrida os termos da subscrição “em branco” dos aludidos títulos e o pacto de preenchimento com que a referida subscrição teve lugar, sublinhando que, “as questões que são suscitadas nos embargos têm que ser enquadradas no âmbito da responsabilidade cambiária do embargante, porquanto o mesmo, não é parte nem nos contratos de empréstimo (embora os assine como avalista, não é mutuário), nem nos contratos de garantia bancária (nos quais não é nem ordenante, nem beneficiário, assinando como avalista por causa da entrega da livrança). Não são, pois, as obrigações emergentes desses contratos que estão aqui em causa diretamente, pois o embargante não está a responder pelas obrigações que resultam dos contratos firmados com a sociedade subscritora das livranças, mas pela responsabilidade cambiária que assumiu ao prestar o aval. (…)”.
A respeito da responsabilidade do embargante relativamente aos títulos, refere-se na decisão recorrida que a questão a apurar, de acordo com os fundamentos dos embargos invocados, se prendia com saber “se a responsabilidade cambiária do executado deve ser afastada por via da procedência de algum desses fundamentos, que se reconduzem, no essencial, à invocação do abuso de preenchimento das livranças, o qual deve ser referenciado à violação do acordado quanto ao preenchimento das mesmas”, começando a decisão recorrida por assinalar, sem merecer algum reparo, que “a invocação do abuso de preenchimento pelo executado trata-se de matéria de excepção, pois trata-se de factualidade que impede, modifica ou extingue o direito do credor, cabendo por isso ao opoente não apenas a sua alegação, sustentada em concretos factos, mas a sua prova (art.342.° do Código Civil) (nesse sentido, entre outros, Ac. STJ de 13.9.2012 (Álvaro Rodrigues), e Ac. STJ de 21.4.2004 (Ferreira de Almeida), Ac. TRL de 13.11.2012 (Maria do Rosário Morgado), Ac. TRC de 25.6.2013 (Fernando Monteiro), acessíveis em www.dgsi.pt.). (…) Cabe ao embargante alegar e provar que existiu um pacto/acordo, que nele interveio, os termos concretos desse acordo e os factos que integram o desrespeito pelo mesmo, por forma a permitir ao tribunal concluir que o acordo não foi observado no preenchimento do título. ”.
Passando a enquadrar os termos do concreto litígio, a decisão recorrida assinalou o seguinte:
“No caso concreto prova-se que as livranças foram entregues à exequente em branco e que esta as preencheu com o valor e data de vencimento, naquilo que mais releva. Prova-se que as livranças serviam de garantia do cumprimento de obrigações que emergiam para a sociedade subscritora de contratos que celebrou com a exequente por via dos quais a mesma exequente emitiu as garantias autónomas identificadas nos factos provados, três garantias, cada uma delas associada a uma das livranças em causa na execução tal como, também, atestam os factos provados. Por outro lado, cada uma das garantias autónomas estava associada a um contrato de financiamento concedido à sociedade subscritora, Wallcare, contratos estes em que são parte o Banco Espirito Santo, dois deles, e a Caixa Geral de Depósitos, o outro, figurando a dita sociedade como mutuária e os bancos como mutuantes e em que o embargante teve intervenção na qualidade de avalista das obrigações resultantes desses financiamentos, obrigações estas distintas das que estão em causa na execução, o que desde já se deixa frisado. Ademais, a exequente, relativamente a tais financiamentos, por via das garantias autónomas que prestou, em que são beneficiários os bancos mutuantes, garantiu o pagamento das obrigações da sociedade mutuária nos exatos termos dos acordos relativos à prestação das garantias, em caso de incumprimento por parte da sociedade mutuária. Por decorrência, pagando a exequente aos bancos, por via das obrigações assumidas nos contratos de garantia, quantias devidas pela mutuária, tinha direito a ser reembolsada por esta dos valores pagos, como expressamente convencionado nos acordos de garantia mencionados nos factos provados. As livranças avalizadas pelo ora embargante foram entregues em garantia, como já se disse, das obrigações da Wallcare decorrentes do acionamento da garantia autónoma pelos bancos e consequente pagamento pela Lisgarante desses valores e, ainda, das demais obrigações relativas às comissões de garantia e eventuais juros, tudo como acordado consta dos correspondentes contratos de prestação de garantia autónoma. Desta feita e neste contexto, que resulta das diversas relações contratuais, a livrança associada a cada um dos contratos de prestação de garantia autónoma poderia ser preenchida se a exequente tivesse pago quantias ao banco ao abrigo da garantia e/ou houvesse valores em divida relativos aos próprios encargos decorrentes da prestação e manutenção dessa garantia. Resulta provado que a exequente pagou aos bancos enquanto garante/prestadora da garantia as quantias mencionadas nos factos provados, dos quais se extrai, também, que veio a preencher as livranças incluindo nos respetivos valores os montantes que pagou relativos a cada um dos financiamentos, incluindo ainda juros e comissões como se vê do teor das cartas que enviou à sociedade garantida e aos avalistas a informar do preenchimento e dos valores contidos no valor total pelo qual preencheu cada um dos títulos. Por conseguinte, permitem os factos conhecer a natureza dos valores inseridos nas livranças além do valor que foi pago ao banco beneficiário.”.
Para além disso, assinalou-se na decisão recorrida que, nos contratos de garantia foram estipulados os termos em que seria efetuado o preenchimento das livranças dadas em garantia, ficando a exequente autorizada a preencher as livranças, “quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento, e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito”.
Assinala, depois, a decisão recorrida que “o crédito da exequente assenta no pagamento ao banco do valor pedido, cujo pagamento a exequente garantia”, dizendo que tal é relevante, pois, tendo o embargante discutido qual seria o valor em dívida nos contrato de crédito, certo é que, “o crédito da exequente se calcula por aquilo que pagou ao abrigo das garantias, não importando saber se o valor pedido estava ou não efetivamente correto à luz dos contratos de crédito, porque essa questão é do âmbito desses contratos e a exequente, tal ocmo resulta do acordo de garantia autónoma, não podia opor exceções ou meios de defesa de que a mutuária se pudesse prevalecer junto do banco. Assim, tais alegações não têm pertinência para o preenchimento abusivo que vem invocado”.
*
E) Se deve ser declarada procedente a excepção de preenchimento abusivo das livranças n°s … e … por a exequente o ter feito após terem caducado as garantias autónomas?
Em seguida, apreciou-se na decisão recorrida a questão de saber se as garantias tinham caducado quando foram efetuados os pagamentos ao banco, tendo-se concluído pela improcedência de uma tal caducidade.
Contesta o recorrente este entendimento concluindo, nas alegações de recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 30. Tendo o Novo Banco pedido o pagamento à Exequente, ao abrigo das garantias autónomas por esta prestadas, em 12 de Outubro de 2017 e 25 de Janeiro de 2018, - pontos 53 e 55 dos factos provados - estando por isso decorridos muito mais de 90 dias após os primeiros incumprimentos, e desde logo quanto a estes, ocorridos em Abril e Julho quanto à garantia … e em Junho de 2013 quanto à garantia …, não poderá deixar de se reconhecer a caducidade das garantias tal como estipulado nos contratos de prestação das mesmas que, para além do mais, constituem os pactos de preenchimento das livranças entregues em branco à Exequente e que o aqui Embargante avalizou; (…)
47. No que ao Embargante / avalista respeita, impõe-se responder afirmativamente à questão enunciada pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo (citada em 32 supra), reconhecendo que as garantias autónomas prestadas pela Exequente estavam caducadas aquando dos pedidos de pagamento efectuados pelo BES em 2017 e 2018 por terem decorrido mais de 90 dias após a homologação do plano de reestruturação em Janeiro de 2014;
48. Excepção decorrente do próprio contrato de garantia, que, não tendo sido oposta pela exequente ao beneficiário, pode agora ser invocada pelo embargante, demandado na sua qualidade de avalista na livrança emitida pela sociedade garantida; (…)
58. O Novo Banco bem sabia - e não podia ignorar - que a PME Investimentos e a Exequente não tinham aprovado nem autorizado as alterações contratuais resultantes do plano de reestruturação, deixando por isso os créditos de serem créditos bonificados e garantidos pelo Estado ao abrigo das Linhas de crédito PME INVEST, sendo tal facto igualmente do conhecimento da Exequente, que não o podia ignorar, tendo tomado conhecimento e participado no PER, pelo que a "comunicação” de vencimento antecipado terá de ser entendida como uma declaração não séria nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1 do artigo 245° do C.C., conforme alegado pelo Embargante no artigo 62° do requerimento de embargos; Ainda assim,
59. A caducidade das garantias foi consagrada nos contratos de prestação das garantias (também e principalmente em favor da Exequente/Embargada para a salvaguarda dos seus direitos e do Estado Português que contra-garantia as garantias por ela prestadas ao abrigo das linhas PME INVEST), exigindo que a declaração de vencimento antecipado chegasse ao conhecimento da devedora garantida - “comunicação” - para que, a partir daí, fosse pela garante, aqui Exequente, contado o prazo de 90 dias, decorrido o qual a garantia caducava;
60. Excepção de caducidade que deveria ter sido oposta pela aqui Exequente ao beneficiário da mesma; não o tendo sido, pode o agora embargante, demandando na qualidade de avalista, invocá-la a seu favor, como fez;
61. Contando-se o prazo de 90 dias constante da estipulação da data em que o beneficiário fez (alegadamente) vencer antecipadamente toda a dívida, vencimento que dependia da interpelação da devedora, impunha o Princípio da Boa-Fé que a Apelada se tivesse assegurado que a mesma ocorrera; (…)
64. (…) quanto ao referido em 59., sempre impunha o Princípio da Boa-Fé e resulta expresso no disposto nos artigos 17° e 21° das Regras Uniformes da Câmara de Comércio Internacional, que obrigam os Bancos (sendo o mesmo regime igualmente aplicável às sociedades de garantia mútua, com especial relevo pelo facto de terem uma contra-garantia do Estado), que a garante informasse imediatamente o mandante do pedido de pagamento do beneficiário;
65. Se a Exequente, ao receber em 2017 e 2018 os pedidos de pagamento das garantias autónomas, decorridos cerca de quatro anos, entendeu ignorar que a declaração de vencimento antecipado, cujas cópias lhe foram remetidas, não era séria, se entendeu não apurar se era válida, ou não, não pode depois querer repercutir essa falta de diligência no Embargante;
66. E, pese embora tal tenha sido indevidamente desconsiderado pela Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo, competia à Exequente alegar e provar - e não o fez - que as alegadas declarações de vencimento antecipado tinham sido efectiva e validamente enviadas e recebidas pela destinatária, pois só assim estaria cumprida a condição - requisito - para accionamento e pagamento das garantias autónomas constante dos Contratos de Prestação de Garantia que constituem os Pactos de Preenchimento das livranças assinados pelo Embargante;
67. E não se diga que tal apuramento - da eficácia da declaração de vencimento antecipado, interpelação que é condição do vencimento- é prejudicado pela autonomia da garantia prestada, pois a natureza própria da garantia o que impedia era que a prestadora da mesma fosse apreciar se existiam ou não fundamentos para o banco fazer a declaração de vencimento antecipado;
68. Mas sendo condição de acionamento da garantia, nos termos dos contratos de prestação das mesmas, cabia à aqui Exequente fazer prova de que tinha sido validamente chamada a cumprir, o que não logrou fazer; (…)
72. o incumprimento do plano de reestruturação aprovado no PER importa o renascimento das obrigações nos termos dos contratos de empréstimo na situação que se encontravam antes do plano MAS no que ao credor e à mutuária respeita;
73. A PME investimento enquanto gestora do Fundo FINOVA e a Sociedade de Garantia Mútua aqui Exequente não eram partes nesses contratos de empréstimo;
74. Apesar de se verificar a mesma falta quer de diligência da Exequente quer de fazer prova de que tinha sido validamente chamada a cumprir, - impunha-se à Meritíssima Sra. Dra. Juiz a quo que tivesse reconhecido que as garantias autónomas estariam igualmente caducadas na data em que o Novo Banco pediu os pagamentos pois nos termos do plano de reestruturação, o reembolso do capital pela mutuária seria feito a 10 anos, com início a 31 de Março de 2017, e os pedidos de pagamento foram feitos em Novembro de 2017 ou seja, decorridos mais de 90 dias, estando então as garantias caducadas desde 30 de Junho de 2017;
75. (…) face à solução plasmada no n.° 4 do art.° 217.°do CIRE, se mantém intocada a obrigação dos garantes.
77. O citado n.° 4 do art.° 217.° vem sendo aplicado ao PER, fazendo uso de interpretação extensiva ou analógica;
78. As medidas de reestruturação que foram aprovadas e homologadas no PER, não modificaram a existência nem o montante dos direitos do BES contra a aqui Exequente, não vigorando para os garantes o efeito stand-still;
Logo, e sem conceder quanto ao anteriormente alegado,
79. Ainda que não se considerasse o vencimento por via da falta da aprovação e autorização da PME Investimentos e da Sociedade de Garantia Mútua aqui Exequente impostas pelas disposições das Linhas de Crédito PME INVEST, no âmbito das quais foram prestadas as garantias, impunha-se ter sido reconhecido na sentença que estava o beneficiário BES obrigado a accionar as garantias prestadas pela Exequente nos termos dos Contratos de Prestação das mesmas, respeitando o prazo de 90 dias após o incumprimento pela sociedade mutuária de pagamento de capital respeitando os períodos de carência aí previstos, prestações trimestrais respectivamente a partir de Janeiro de 2014 e Julho de 2014, sob pena de caducidade das mesmas.(…)
84. Está provado nos presentes autos que as alterações contratuais - alterações nomeadamente alterações de prazos e prazos de carência de reembolso de capital dos financiamentos - introduzidas pela aprovação e homologação do plano de reestruturação no PER apresentado pela sociedade mutuária, não foram previamente aprovadas nem autorizadas pela PME Investimentos nem pela Lisgarante, aqui Exequente ;
85. E tanto assim é, que ao contrário do anteriormente verificado, como extensamente se encontra provado nos presentes autos, não foram celebradas nem assinadas pelo Embargante quaisquer adendas aos contratos de prestação de garantias; Consequentemente,
86. Impõe-se reconhecer que as garantias autónomas caducaram nos 90 dias posteriores ou aos incumprimentos verificados em Abril e Junho de 2013, como supra já demonstrado ou nos 90 dias posteriores à homologação do plano de reestruturação no PER, ou seja no limite no dia 26 de Abril de 2014 ou, ainda e sem conceder, admitindo como o faz a corrente jurisprudencial maioritária que os contratos de prestação das garantias autónomas não foram modificados pelo PER, mantendo-se o seu clausulado válido e intocado como decorrência do citado art.° 217.°, n.° 4 do CIRE, então a partir de Janeiro de 2014 no que se refere à garantia n° … e a partir de Julho de 2014 no que se refere à garantia n° … (…)”.
Cumpre, pois, apreciar a questão de saber se as livranças dos autos – n.ºs. … e … (sendo que o embargante apenas contesta as garantias prestadas a favor do BES) - foram abusivamente preenchidas pela exequente, por o ter feito após terem caducado as garantias autónomas.
Vejamos:
O processo executivo alicerça-se no título executivo, no documento que lhe serve de base (cfr. art. 703.º do CPC), cabendo ao exequente instruir o requerimento executivo com cópia ou o original do título executivo (cfr. art. 724.º, n.º 4, CPC).
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva - art. 10.º, n.º 5, do CPC.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, p. 33): “O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão executiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação”.
As espécies de títulos executivos estão enunciadas no artigo 703.º do CPC, entre eles se encontrando, entre outros, os títulos de crédito (cfr. al. c) do n.º 1 do referido preceito legal).
Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, constituem base para a demanda executiva, muito embora, neste último caso, os factos constitutivos da relação subjacente devem constar do próprio documento ou ser alegados no requerimento executivo.
Título de crédito é o “documento necessário para exercitar o direito literal e autónomo nele mencionado” (assim, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, vol. III, p. 3), muito embora numa definição em sentido estrito apenas são aqueles documentos que incorporam o direito a uma prestação em dinheiro (letras, livranças, cheques).
“Não existindo o direito cartular nem a correspondente obrigação cambiária (por exemplo, porque a ação cambiária prescreveu), não se está perante um título de crédito (em sentido próprio), mas sim perante um documento particular despido das caraterísticas da incorporação, literalidade e autonomia, que caraterizam e são essenciais à própria definição de título de crédito” (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, 2014, p. 185). Neste caso, a força executiva dependerá de a relação causal ou subjacente à sua emissão constar do documento ou ser alegada no requerimento executivo.
No caso em apreço, os títulos dados à execução são três livranças, que se encontram, agora, completamente preenchidas, estando subscritas pela Wallcare e, no verso de cada livrança encontra-se aposta (entre outras) a assinatura do embargante, após a expressão “bom para aval ao subscritor”.
A livrança constitui um título de crédito à ordem que consubstancia uma promessa de pagamento pela qual o emitente, subscritor ou sacador se compromete a pagar determinada importância em certa data a certa pessoa. Ao subscritor incumbe assinar a livrança, assumindo a respetiva obrigação (art.º 75.º, n.º 7, da LULL), tornando-se responsável na mesma medida que o aceitante de uma letra (art.º 78.º da LULL). Por conseguinte, assinando a livrança, torna-se um obrigado cambiário que, em primeira linha, responde pelo montante titulado no título: "Com o aceite, o aceitante assume uma obrigação abstrata que nasce exclusivamente do ato formal da sua assinatura." (Ac. TRL de 30.03.62, in Jur. Rel., 8.º, 289 e Pereira Coelho, Lições de Direito Comercial, 3.º, 9)
A livrança constitui um título de crédito rigorosamente formal, onde avultam, entre outros, os princípios da literalidade (a reconstituição da obrigação faz-se pela simples inspecção do título cambiário), da incorporação (a obrigação e o título constituem uma unidade), da autonomia (do direito do portador que é considerado credor originário), da independência (recíproca das obrigações que estão incorporadas no título) e da abstracção (a livrança é independente da sua «causa debendi» - cfr. Abel Delgado; Lei Uniforme sobre Letras e Livranças; 6ª ed., 1990, p. 105).
Sendo o subscritor da livrança responsável nos mesmos termos do aceitante de uma letra (cfr. artigo 78º, I, da L.U.L.L.), aquele obriga-se, desde logo, a pagá-la no vencimento (cfr. Abel Delgado; ob. cit., p. 133 e Oliveira Ascensão; Direito Comercial; vol. III, 1992, p. 135 e ss.).
Assim, os subscritores de uma livrança estão, em princípio, vinculados ao pagamento da mesma.
Como se disse, uma das características dos títulos de crédito é a da abstracção. Contudo, a criação da obrigação cartular não aparece por si só, antes pressupõe uma relação jurídica anterior, que constitui a chamada “relação subjacente, fundamental ou causal”, causa remota da assunção da obrigação cambiária (assim, vd. Abel Delgado; ob. cit., p. 105).
Contudo, por força do princípio da abstracção, a causa debendi em que se traduz a obrigação subjacente encontra-se separada do negócio jurídico cambiário, decorrendo de uma convenção extra-cartular.
O que isto significa é que a obrigação cartular vincula, independentemente, dos vícios de que padeça a sua causa: as excepções causais são inoponíveis ao portador do título, pois, não assentam nele, sendo-lhes estranhas.
Só assim não será no caso das chamadas «relações imediatas» (isto é, aquelas que se estabeleçam entre um dos subscritores do título e o sujeito cambiário imediato) dado que, entre essas pessoas é conhecido o negócio causal (subjacente à emissão dos títulos de crédito) e os eventuais vícios de que ele padeça. Isso sucede, por exemplo, nas relações subscritor-tomador/ tomador-primeiro endossado, etc.
Isso mesmo é, claramente, reafirmado no artigo 17º da L.U.L.L. (preceito aplicável às livranças por força do artigo 77º), o qual dispõe que: “As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opôr ao portador, as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”.
O aval, por sua vez, “é um negócio jurídico cambiário autónomo, que faz nascer uma obrigação materialmente autónoma, dependente da obrigação principal apenas quanto ao aspeto formal” (assim, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, volume III, Universidade de Coimbra, 1975, p. 215).
Nos termos do artigo 30.º da LULL (aplicável às livranças, ex vi do seu art. 77.º), o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores.
A função do aval “é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscrito cambiário, a cobri-la e caucioná-la. (...) O fim próprio do aval, a sua função específica, é garantir ou caucionar a obrigação de certo obrigado cambiário; a responsabilidade de garantia é primária” (assim, Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 7.ª edição, p. 167).
Por via da sua independência e autonomia, a obrigação do avalista, firmada perante a obrigação cartular, e não, perante a relação subjacente, mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula, por qualquer razão que não seja um vício de forma. O que quer dizer que, tudo o que ocorra na relação subjacente não possui a virtualidade de se transmitir à obrigação cambiária, pelo que, esta, se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante ação cambiária.
Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as exceções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento (assim, Vaz Serra, R.L.J, Ano 113.º, p. 186, nota 2; entre muitos outros, Ac. STJ de 19/6/2006, CJ. Ac. STJ, XV, 2º, 118.).
Nos termos do disposto no artigo 32.º da LULL, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, ou seja, é considerado responsável pelo pagamento da mesma forma que o aceitante.
De acordo com o mencionado artigo 32.º da LULL, não é estabelecida qualquer distinção entre o aceitante e o avalista, que responderá pelo pagamento do título, solidariamente com os demais subscritores: Conforme deriva do art. 47.º da LULL, os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador, que tem direito a acionar todas essas pessoas, individual ou coletivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.
A obrigação do avalista molda-se na obrigação avalizada, mas a responsabilidade a cargo daquele é autónoma da do seu avalizado, não dependendo, nem da existência, nem da validade da obrigação avalizada, não se confundindo, assim, com a garantia da fiança.
Como refere Oliveira Ascensão (Direito Comercial - Títulos de Crédito, III, 1992, p. 202): “A obrigação do avalista é autónoma, não é por isso um co-aceitante. Mas isso não significa que essa obrigação seja independente da do aceitante de maneira que se confunda com a situação dos outros obrigados cambiários. O avalista responde (...) na medida objectiva da obrigação do avalizado nos termos e na quantidade em que este seria responsável. Se mesmo que a obrigação não subsistisse contra o avalizado a obrigação do avalista se mantém, por maioria de razão se mantém quando não subsiste contra terceiros, em consequência de não ter havido protesto, mas subsiste contra o aceitante”.
No caso, as livranças foram entregues – em branco - em garantia do bom cumprimento dos financiamentos bancários concedidos à Wallcare. Paralelamente, a exequente Lisgarante prestou garantias bancárias, em benefício dos bancos financiadores, garantido o bom cumprimento das prestações de capital, na proporção assumida nas garantidas, que a sociedade garantida (Wallcare) efetuasse relativamente aos financiamentos bancários aludidos.
Conforme explica Filipe Cassiano dos Santos (“Livrança em branco, pacto de preenchimento e aval”, in Revista de Direito Comercial, março de 2020, p. 199, em linha: https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5e6949328f00da72b7265620/1583958326753/2020-05+-+191-322+-+LA-PV.pdf), tratam-se de eventos correntes no giro comercial: “Uma sociedade e um banco acordam que, para garantir créditos deste perante aquela, emergentes de contratos de financiamento, a sociedade emita uma livrança em branco, destinada a ser preenchida no futuro, se e quando ocorrer o não cumprimento por parte da sociedade das suas obrigações contratuais e pelos montantes devidos por força do contrato de financiamento. É aquilo a que comummente se chama livrançacaução ou livrança-garantia: embora estruturalmente não estejamos perante uma caução ou uma garantia, a sua existência reforça a posição do banco como credor, sobretudo se, como é comum, à sociedade como “subscritor em branco” se juntarem sócios e (ou) gerentes ou administradores seus como “avalistas em branco” – a função prática desempenhada por um título assim emitido é a de caucionar ou garantir, adicionalmente ao património da sociedade, as dívidas desta. Esta prática é hoje, por regra, acompanhada pela emissão de um documento, assinado por aqueles que obrigam a sociedade, nessa qualidade, e por vezes também pelos sócios e (ou) administradores que assumem vínculos na livrança em branco, pelo qual se atribuem ao banco poderes para proceder ao preenchimento da livrança em branco, dentro de parâmetros especificados”.
Na relação entre o aval e a garantia bancária refere Pedro Romano Martinez (“Garantias Bancárias”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 270) que “[a] autonomia da garantia bancária, contrariamente ao que acontece com o aval, é total, pois o garante não pode fazer valer-se, sequer, da invalidade formal da obrigação garantida. Esta garantia estabelece-se de modo independente, sem qualquer subordinação à obrigação garantida, razão pela qual as vicissitudes desta, como sejam a sua diminuição ou aumento de valor, o prazo de cumprimento, etc., não se repercutem na garantia”.
No caso em apreço, o embargante invocou, nomeadamente, que ocorreu preenchimento abusivo dos títulos, entregues incompletos ao portador, uma vez que já tinha ocorrido a caducidade das garantias autónomas prestadas.
Dispõe o artigo 10.º da LULL que: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.
De acordo com o artigo 10.º da LULL, em princípio, o subscritor/avalista em branco suporta o risco do eventual preenchimento abusivo – solução justificada pela tutela da circulação e da confiança de terceiros, sobretudo daqueles que recebam o título já preenchido e nada saibam da sua origem. Só não será assim se ocorrer má-fé ou falta grave do portador na aquisição do título, pois aí o desvalor da sua conduta (ao pretender fazer valer o direito tal como está documentado, sabendo ou devendo saber que o preenchimento foi abusivo) deixa de justificar o sacrifício dos interesses subscritor em branco.
“Mas sobre este, naturalmente, recai o ónus da prova, que podemos subdividir em dois segmentos.
Desde logo, terá se ser demonstrada a discrepância entre o preenchimento de que o título foi alvo e a vontade objectivamente manifestada pelo subscritor em branco. É certo que o art. 10º utilização da expressão desconformidade com os “acordos realizados”, mas o acordo de preenchimento não tem de ser expresso (embora frequentemente seja, sobretudo quando consta de um formulário composto por cláusulas contratuais gerais). Pode perfeitamente ser tácito – v.g., deduzido dos termos da relação fundamental – e pode, inclusive, nem existir tecnicamente um acordo mas uma mera manifestação unilateral de vontade. Porque, na verdade, se houve emissão voluntária do título em branco, a vontade de preenchimento é quase sempre reconstituível em termos objectivos com as ferramentas hermenêuticas à disposição no nosso ordenamento jurídico (arts. 236º e 239º CCiv.).
Cabe, em seguida, ao subscritor em branco a prova de que o portador adquiriu o título de má-fé ou cometendo falta grave – se conhece aquela vontade objectivamente manifestada, está de má-fé; se só por negligência grosseira não a conhece, mas devia conhecer, comete falta grave. Note-se que esta prova é normalmente muito simples quando o título não circula e permanece em poder do credor originário (o que corresponde à situação-tipo na maioria dos casos)” (assim, Carolina Cunha; “A garantia cambiária do aval”, in Direito das Garantias, E-book, CEJ, 2017, p. 14).
No caso, faz o recorrente apelo ao que se consigna nas cartas emitidas pela exequente, datadas de 02-10-2008 (fls. 28) e de 01-06-2010 (30vº-31), al. e): “e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BES não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste à empresa”.
E ao longo da respetiva alegação convoca diversos momentos no tempo para considerar que, face a todos eles, se verifica a caducidade das garantias prestadas, quando o respetivo pagamento foi solicitado pelo Novo Banco à exequente, por missivas de 12-10-2017 e de 25-01-2018 (cfr. factos provados n.ºs. 52), 53), 54) e 55) ).
Sobre esta matéria importa considerar que, a caracterização específica de cada garantia prestada depende da análise que se faça, caso a caso, sobre o texto da própria garantia, interpretando-o e fixando o seu alcance juridicamente relevante.
A interpretação do texto da garantia deverá pautar-se de acordo com as regras gerais da interpretação dos negócios jurídicos, com vista a fixar o sentido da declaração negocial constante do negócio e o seu alcance juridicamente relevante e decisivo.
Neste ponto, a declaração valerá de acordo com a denominada “doutrina da impressão do destinatário”, a que se reporta o artigo 236.º do CC.
Do texto do artigo 236.º do CC resulta que - tendo presentes os princípios jurídicos da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico – se dá prioridade, em princípio, ao ponto de vista do declaratário (receptor). Contudo, a lei não atende só ao sentido compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste), dando primazia, antes de tudo, ao sentido que um declaratário normal colocado na posição do declaratário real apreenderia (sentido objectivo para o declaratário) (cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 28-10-1997, in BMJ 470º, p. 597).
O “declaratário normal” é “uma pessoa de qualidades médias, de instrução e diligência normais” (assim, E. Santos Júnior; Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos; A.A.F.D.L., 1988, p. 141). Ou, como refere Paulo Mota Pinto (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, p. 208), “há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”. Ainda segundo este Autor: “(…) a interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”.
Importará ainda ter em conta o disposto no artigo 238º, nº 1, do Código Civil, onde se prescreve que, “(…) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Tendo presentes as considerações expostas e atendendo aos mencionados critérios de interpretação, temos de concluir que, na realidade, as garantias dos autos têm a feição de garantias autónomas (que são aquelas pelas quais o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato - o contrato-base - sem poder invocar em seu beneficio quaisquer meios de, defesa relacionados com esse mesmo contrato), constando ainda do texto das garantias prestadas, a identificação da sua natureza como “garantia autónoma à primeira solicitação…” (quer no assunto, quer no primeiro parágrafo dos respetivos textos), para além de se indicar que “a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra o BES, a pagar os montantes garantidos…” (cfr. alínea c) do texto das garantias).
Assim, verifica-se que a exequente assumiu uma obrigação (pela prestação da garantia que emitiu) totalmente independente da obrigação do garantido decorrente do contrato-base (o contrato de financiamento) e cujo cumprimento este despoletaria à primeira solicitação.
Quanto às datas de abril e julho de 2013 (a respeito da garantia …) e, junho de 2013 (quanto à garantia n.º …, invocadas pelo recorrente, não se apurou a existência de incumprimento no que respeita às prestações de capital, conforme decorre do ponto 46) dos factos provados, matéria que, não obstante impugnada pelo recorrente, não viu a sua redação alterada por via de tal impugnação.
De facto, atentos os termos da respetiva contratação – garantir o reembolso de uma percentagem do capital mutuado pelos financiamentos, em dívida em cada momento do tempo – e conforme se sublinhou na decisão recorrida, “a garantia apenas era acionável relativamente a obrigações de capital, pelo que, não releva para a caducidade qualquer incumprimento contratual que se não reconduza às obrigações de pagamento de capital. Ora como resulta dos factos provados os contratos de empréstimo foram objecto de reestruturações, com períodos de carência de capital, embora se anteveja que continuavam a impor pagamento de juros. Por essa razão relativamente aos contratos com o BES, apenas se provou que houve incumprimento em 2013, quanto ao pagamento de juros, incumprimento por isso que é inócuo para as obrigações garantidas, já que os bancos por falta de pagamento de juros não podiam acionar a garantia (…)”.
Depois, invoca o recorrente que a caducidade também se verifica, pois, os pedidos de pagamento ocorreram mais de 90 dias após a homologação do plano de recuperação em 27-01-2014 (dado que os pedidos de pagamento das garantias apenas ocorreram em outubro de 2017 e janeiro de 2018, nos termos supra assinalados).
A este respeito, a factualidade pertinente consta dos factos provados n.ºs. 38) a 45) e dela resulta que, efetivamente correu termos um Processo Especial de Revitalização (abreviadamente, PER) tendo por objeto a sociedade Wallcare, tendo sido homologado, por decisão de 27-01-2014 o respetivo plano de recuperação. Tanto o BES (como a CGD), como a Lisgarante aí reclamaram créditos. O primeiro votando a favor do plano de recuperação. E a última, votando contra. Certo é que, o plano aprovado não veio a ser cumprido pela visada sociedade, resultando a ulterior insolvência desta.
Neste ponto, importa caraterizar em termos gerais em que se traduz o procedimento do PER.
Conforme salienta João Aveiro Pereira (“A revitalização económica dos devedores”, in O Direito, 145.º (2013), I-II, p. 15), “[a] obtenção de acordos equilibrados entre os credores e o devedor, para reabilitação deste, pode ser conseguida através do Sistema de Recuperação de Empresas por via Extrajudicial (SIREVE), criado pelo Decreto -Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto, que revogou e substituiu o anterior Procedimento Extrajudicial de Conciliação, concebido para promover a recuperação de empresas. Este novo procedimento é aceite, tramitado, acompanhado e coordenado por uma entidade administrativa, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI, I.P.).
O segundo instrumento é o Processo Especial de Revitalização (PER), uma inovação introduzida pela revisão do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas, operada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril. A finalidade deste processo especialíssimo é permitir ao devedor, em determinadas condições, entabular negociações com os seus credores de modo a concluir com eles um acordo conducente à sua revitalização. Embora a filosofia do programa revitalizar seja a mínima judicialização possível dos procedimentos, este não dispensa a intervenção do juiz, se bem que muito mais reduzida do que a do IAPMEI”.
Nos termos do artigo 17.º-A – com a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização” - do CIRE (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de Março) dispõe-se que:
“1 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
2 - O processo referido no número anterior pode ser utilizado por qualquer empresa que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação e apresente declaração subscrita, há não mais de 30 dias, por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, atestando que não se encontra em situação de insolvência atual, à luz dos critérios previstos no artigo 3.º
3 - O processo especial de revitalização tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza”.
Nos termos do artigo 17.º-C do CIRE, o PER inicia-se pela manifestação de vontade da empresa em situação económica difícil – aquela “que que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito” (cfr. artigo 17.º-B do CIRE, na redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril) e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10% de créditos não subordinados, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.
A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, com os elementos referenciados no n.º 3 do artigo 17.º-C do CIRE.
Recebido o requerimento, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º do CIRE com as devidas adaptações (cfr. artigo 17.º-C, n.º 4 do CIRE)
No artigo 17.º-D do CIRE regula-se a tramitação subsequente do PER.
Sobre os efeitos da pendência de um processo especial de revitalização, dispunha ainda a versão original do artigo 17.º-E do CIRE, que:
“1 - A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
2 - Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, o devedor fica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.
3 - A autorização a que se refere o número anterior deve ser requerida por escrito pelo devedor ao administrador judicial provisório e concedida pela mesma forma.
4 - Entre a comunicação do devedor ao administrador judicial provisório e a receção da resposta ao peticionado previstas no número anterior não podem mediar mais de cinco dias, devendo, sempre que possível, recorrer-se a comunicações eletrónicas.
5 - A falta de resposta do administrador judicial provisório ao pedido formulado pelo devedor corresponde a declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido.
6 - Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”.
A disciplina dos efeitos processuais da sentença homologatória do plano especial de revitalização está contida no artigo 17.º-E, n.º 1 e n.º 6. Decorre do n.º 1 do mencionado preceito que se determina a extinção das acções para cobrança de dívidas suspensas, salvo quando o plano de recuperação preveja a sua continuação. Do n.º 6 do mesmo artigo resulta que os processos de insolvência suspensos se extinguem.
Assim, verifica-se um efeito impeditivo e um efeito suspensivo: O despacho de nomeação do administrador judicial provisório obsta à instauração de acção para cobrança de dívidas e, quando pendentes, produz a sua suspensão. É o denominado efeito “standstill”. “Ou seja, a partir desse momento, e enquanto durar o PER, não podem ser instauradas quaisquer ações de cobrança de dívidas contra o devedor, suspendendo-se as ações em curso com idêntica finalidade, bem como os processos de insolvência em que haja sido requerida a insolvência do devedor, desde que ainda não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência (artigo 17.º-E, n.ºs 1 e 6)” (Pedro Ferreira Malaquias e Miguel José Rodrigues Leal; “A reforma do Código de Insolvência e recuperação de empresas e o processo especial de revitalização”, in Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 33, 2012, p. 107).
Contudo, relativamente ao âmbito subjetivo, “apenas o devedor é abrangido pelos efeitos standstill. A mesma solução não é compaginável para os garantes do devedor nem com os condevedores, dado o art. 17.º-E, n.º 1, referir expressamente que a suspensão é apenas relativa ao devedor” (assim, Adelaide Menezes Leitão; “O efeito standstill do Processo Especial de Revitalização e do Processo Especial para Acordo de Pagamentos”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2019, n.º 1, p. 85).
Para além destes efeitos, terá ainda lugar um efeito extintivo, não por força do despacho de nomeação do administrador, mas sim, por força da sentença homologatória do plano (salvo quando este preveja a sua continuação).
No que respeita às garantias constituídas antes do PER (sendo que, quanto às convencionadas entre a empresa e os seus credores durante o PER se aplica o disposto no artigo 17.º-H do CIRE) e à sua relação com o PER duas questões têm sido objeto de apreciação: uma primeira questão, que consiste em saber se o plano tem aptidão para alterar a relação entre o credor e o terceiro garante ou, mais exactamente, as formas de satisfação do credor junto do terceiro garante; e, uma segunda questão, no sentido de saber se, nada se dispuser em especial quanto aos garantes.
“Qualquer uma das questões tem recebido, por parte da jurisprudência portuguesa, uma resposta predominantemente negativa. Entre outras coisas, sustenta-se que os garantes não estão sob a tutela do plano de recuperação e, por isso, o plano não é susceptível de afectar a relação ente os credores e os garantes” (assim, Catarina Serra; Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, p. 447).
A doutrina, porém, tem assinalado que é de considerar a aplicação aos efeitos decorrentes da homologação do PER, os efeitos gerais, a que se refere o artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, no âmbito do processo de insolvência.
Dispõe este último normativo que: “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência, designadamente os que votem favoravelmente o plano, contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos.”.
“Sendo o plano de revitalização um contrato plurilateral, dotado de um sui generis procedimento formativo, cuja eficácia depende de homologação judicial, não lhe é, porém, estranha a aplicação das regras dos contratos. Todavia, a eficácia vinculativa do plano de revitalização não tem de se confinar, de forma absoluta, apenas aos sujeitos daquela estrutura negocial (os credores e o devedor “revitalizado”), ignorando completamente aqueles que prestam garantias pessoais ao devedor. O princípio da relatividade dos contratos, consagrado no art.406º, n.2 do CC, não é um princípio absoluto e hermético. Encontram-se na ordem jurídica várias figuras contratuais, em cujo regime legal se identifica uma eficácia de proteção para terceiros (como nos contratos que permitem o gozo ou o aproveitamento de faculdades de um bem de terceiro). Aliás, essa ideia de irradiação externa dos efeitos do plano de revitalização não é estranha ao legislador do CIRE, quando estabelece os limites que estão expressos no art.217º, n.4” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2019, Pº 1563/16.4T8AMT.P1.S2, rel. MARIA OLINDA GARCIA).
Conforme salienta Catarina Serra (“Nótula sobre o art. 217.º, nº 4, do CIRE (o direito de o credor agir contra o avalista no contexto de plano de insolvência”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, 2011, p. 381), “[d]eve sublinhar-se a precisão da norma ao identificar aquilo que, no que respeita aos direitos contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, é insusceptível de afectação pelas providências do plano (…): a existência e o montante. Visivelmente, do que se trata é de salvaguardar os direitos dos credores (…) contra os condevedores ou garantes dos efeitos de duas das típicas providências com incidência no passivo (…) eventualmente concedidas no âmbito do plano: o perdão e a redução do valor dos créditos. Por outras palavras: o perdão concedido (…) não extingue a responsabilidade do condevedor ou garante e a redução do valor da dívida (…) não desonera o condevedor ou garante da responsabilidade de pagamento da totalidade”.
Confere-se, pois, tutela aos interesses dos credores, no que respeita aos casos de extinção do crédito e de redução do seu montante.
Assim, em face do disposto no artigo 217.º, n.º 4, do CIRE é possível formular duas conclusões para as garantias prestadas por terceiros, em resultado das medidas aprovadas no PER: “em primeiro lugar, que, só não produzem efeitos em relação aos garantes certas modificações (a extinção e a redução do montante do crédito), estendendo-se-lhe, pois, todas as restantes; em segundo lugar, desde que sejam respeitados aqueles limites (desde que não se vise a existência nem o montante do crédito), são admissíveis modificações à forma de satisfação do crédito pelos garantes” (cfr. Catarina Serra; Lições de Direito da Insolvência; Almedina, 2019, p. 451).
Contudo, como adverte a referida Autora (ob. cit., p. 452), evidentemente, “deverão ser salvaguardados os casos em que a extensão [ao garante das modificações operadas no plano] seja incompatível com a natureza da garantia”, dependendo a extensão da aplicação de tais efeitos, da garantia em causa. “Se há casos em que tudo converge para uma harmonização das posições do devedor e do garante face ao credor, outros há em que nada a justificaria”.
E, Catarina Serra (ob. cit., pp. 452-453) aponta precisamente como caso em que a extensão ao garante das modificações operadas no plano que seja aprovado pelo PER não será, em princípio, admissível, é o das garantias autónomas, explicando: “A característica da autonomia implica que são inoponíveis pelo garante ao beneficiário da garantia as excepções derivadas tanto da sua relação com o devedor garantido (relação interna) como da relação entre o devedor garantido e o beneficiário (relação principal ou relação-base). A medida da obrigação de pagamento determina-se, assim, exclusivamente em função dos termos do contrato (autónomo) de garantia e não do contrato principal e o pedido de pagamento por parte do beneficiário corta em definitivo a última possibilidade de associar a garantia à relação entre este e o devedor garantido. O garante não pode recusar-se a pagar alegando, por exemplo, que a obrigação garantida é nula por vício substancial ou de forma, que o devedor garantido invocou perante o credor a compensação ou que ao devedor garantido assiste um direito de retenção contra o credor. Em suma, as vicissitudes da relação principal ou relação-base não se repercutem na relação de garantia. Em face disso, seria desrazoável que o garante pudesse beneficiar das modificações sofridas pelo crédito por força do plano de recuperação”.
O recorrente convoca precisamente este normativo para concluir que “as medidas de reestruturação que foram aprovadas e homologadas no PER, não modificaram a existência nem o montante dos direitos do BES contra a aqui Exequente, não vigorando para os garantes o efeito stand-still”, dizendo ainda que, as medidas do PER não foram aprovadas pela PME Investe, nem pela exequente, para daí concluir que “deve ser reconhecida a caducidade das garantias nos 90 dias posteriores (…) à homologação do plano de reestruturação no PER, ou seja no limite no dia 26 de Abril de 2014 ou, ainda e sem conceder, admitindo como o faz a corrente jurisprudencial maioritária que os contratos de prestação das garantias autónomas não foram modificados pelo PER, mantendo-se o seu clausulado válido e intocado como decorrência do citado art.° 217.°, n.° 4 do CIRE, então a partir de Janeiro de 2014 no que se refere à garantia n° … e a partir de Julho de 2014 no que se refere à garantia n° … (…)”.
Ora, tendo presentes as considerações precedentes e considerando os efeitos que resultam da aprovação do PER – sendo que, em geral, a respetiva aprovação “vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi nomeado o administrador judicial provisório” (assim, Maria do Rosário Epifânio; Manual de Direito da Insolvência, 7.ª ed., Almedina, 2019, p. 464), conforme resulta do artigo 17.º-F, n.º 6, na redação da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril (n.º 10 na redação dada pelo D.L. n.º 79/2017, de 30 de junho) – e independentemente da questão de saber se o PER vincula ou não os terceiros (garantes) que o não aprovaram ou subscreveram (cfr., entre outros, o decidido nos Acórdãos do TRC de 13-09-2022, Pº 191/22.7T8ACB-A.C1, rel. JOÃO MOREIRA DO CARMO; do TRE de 24-05-2018, Pº 71/14.2T2STC-B.E1, rel. ELISABETE VALENTE e de 27-02-2020, Pº 9414/15.0T8STB-C.E1, rel. CONCEIÇÃO FERREIRA; do TRP de 19-03-2018, Pº 1563/16.4T8AMT.P1, rel. CARLOS QUERIDO e de 16-05-2023, Pº 11537/18.5T8PRT-A.P2, rel. RODRIGUES PIRES; e do TRG de 13-07-2022, Pº 2681/21.2T8VNF-A.G1, rel. JOAQUIM BOAVIDA, afirmando-se, neste último, que “o plano de recuperação conducente à revitalização da empresa devedora não tem aptidão para alterar a relação entre o credor e o terceiro garante ou condevedor sem o acordo daquele, nem as modificações assim introduzidas no plano quanto às formas de satisfação do crédito pela empresa se estendem aos terceiros”), certo é que, não se produziram efeitos extintivos sobre as garantias constituídas pela exequente, nem eles derivam - ao contrário do pretendido pelo recorrente - da circunstância de a mesma, ter ou não, tido participação na aprovação do PER (sendo que, conforme resulta dos factos provados n.ºs. 40 a 42, quer o BES, quer a Lisgarante reclamaram créditos no processo de revitalização, tendo aí tido intervenção).
Todavia, considera o recorrente que os créditos concedidos ao abrigo das Linhas de Crédito PME Investe se extinguiram em consequência direta da aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do PER que – em seu entender – converteu os créditos que foram reconhecidos ao BES (e à CGD) em novos créditos.
Sucede que, se nos afigura que uma coisa é a modificação introduzida pelo PER nos créditos dos credores; outra, é a situação dos garantes (terceiros ao plano de recuperação aprovado no âmbito do PER), nomeadamente, os prestadores de garantias autónomas, relativamente aos quais, o respetivo beneficiário mantém o direito de acionamento, atenta a não extinção das garantias prestadas (decidindo que, “o credor mantém intocados os direitos de que dispõe”, relativamente aos terceiros garantes, podendo deles exigir aquilo a que estavam obrigados, vd., os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019, Pº 38/18.1T8LRS-A.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS e de 21-06-2022, Pº 23743/19.0T8PRT-A.L1-7, rel. MICAELA SOUSA).
Pode concluir-se, assim, que: Tendo sido homologado plano de recuperação no âmbito de PER, a modificação introduzida nos créditos dos credores não determina a extinção das garantias autónomas prestadas por terceiro garante.
Neste ponto, parece-nos terem inteiro cabimento as considerações expendidas, na decisão recorrida, a respeito do impacto do PER nas garantias prestadas e na circunstância de não se ter operado o vencimento automático das prestações de capital, por via, quer da instauração do PER, quer da homologação do respetivo plano objeto de aprovação.
Conforme aí se lê, fundamentou-se o Tribunal recorrido, nomeadamente, nas seguintes considerações, que nos merecem, pelo respetivo acerto, total adesão:
“(…) Diz o embargante que os contratos de garantia previam a caducidade e alega, quanto à esta exceção que: “Nos termos das condições especificas das Linhas de Crédito PME Investe, com a homologação do Plano de Recuperação, ocorreu o vencimento antecipado das obrigações da mutuária contraídas junto do BES e da CGD /mutuantes. " (art.37.° da p.i.), “Os créditos concedidos ao abrigo das Linhas de Crédito PME Investe extinguiram-se em consequência directa da aprovação e homologação do Plano de Recuperação no âmbito do PER, que converteu os créditos que foram reconhecidos ao BES e à CGD em novos créditos" (art.41.°), dizendo ainda que “E, tanto assim é, que Os períodos de carência e os alargamentos de prazo para pagamento não foram aprovados nem autorizados pela LISGARANTE (aqui Exequente) - que aliás, até votou desfavoravelmente o Plano - nem pela PME INVESTIMENTOS - que não teve qualquer intervenção no PER", e “O facto de nenhuma adenda aos contratos de garantia ter sido formalizada confirma indubitavelmente que a partir da homologação do Plano de Recuperação os créditos deixaram de estar sujeitos às condições imperativas das Linhas de Crédito PME INVESTEe “As garantias autónomas prestadas pela Exequente, ao abrigo das condições das Linhas de Crédito PME INVESTE perderem toda a validade e deixaram de produzir qualquer efeito ”
Desta feita a caducidade assim invocada é sustentada na homologação do plano de recuperação apresentado no PER, da qual derivariam ainda novos créditos e não tendo sido formalizada nenhuma alteração aos contratos de garantia, em conformidade com os créditos tal como previstos no plano, as garantias perderam a validade.
Cumpre decidir se as garantias caducaram com a homologação do PER. Tal questão tem que ser resolvida, a nosso ver, quer por via da interpretação das cláusulas dos contratos de garantia por serem essas que regulam a respetiva relação contratual e à luz das quais se têm que extrair as obrigações de cada uma das partes, mas, também, tendo em conta o regime e efeitos do processo especial de revitalização.
Resulta do clausulado contratual das garantias, sem diferença neste aspeto, que a garantia assegurava o pagamento de capital, na percentagem prevista, donde não abrange juros ou outras quantias, pelo que, só interessa, para efeitos de incumprimento e acionamento da garantia, divida da Wallcare relativa ao capital dos empréstimos, o que desde já se deixa dito, por relevar, como infra melhor se verá. Por outro lado, não sendo paga a quantia devida relativa a capital, na data do vencimento, a exequente pagava, na percentagem acordada, no prazo de dez dias a contar da solicitação do pagamento (cfr. als. b) e c) das condições constantes dos textos das garantias); no caso do banco declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento do capital mutuado, pode exigir da exequente/prestadora da garantia a percentagem garantida desse capital totalmente vencido (cfr. al. d) das condições). Ou seja, foi previsto no contrato de garantia a possibilidade do banco vir a declarar vencidas todas as prestações de reembolso do empréstimo e exigir o pagamento da totalidade do capital e, nesse caso, a garantia abrangia o pagamento antecipado desse capital, na proporção garantida, donde as alíneas b) e c) das condições primeiras dos contratos de garantia o que nos dizem é quais são as obrigações garantidas pela exequente, forma de solicitação do pagamento e prazo de pagamento pela entidade garante. E aí se prevê, até em consonância com aquilo que vem sendo entendido como resultando da lei (art.781.° do C.C., na interpretação de que se exige a interpelação não sendo o vencimento automático, conforme maioritariamente vem sendo defendido), que o vencimento antecipado do capital não é automático, depende de declaração do banco credor no sentido de declarar vencidas todas as obrigações de capital, pelo que, para acionamento da garantia quanto ao total do capital (que sem esse vencimento antecipado seria incluído nas prestações e seria pago ao longo do tempo de duração contratual) exige-se que o banco tenha declarado vencidas todas as prestações, donde, eventual falta de pagamento de qualquer prestação ou de diversas prestações do empréstimo não acarreta, na economia do contrato de prestação de garantia, o vencimento antecipado do capital se não tivesse sido feita a declaração pelo banco nesse sentido, para efeitos de acionamento da garantia. Queremos com isto significar que nos termos acordados no contrato de garantia, é excluído o vencimento automático por via de qualquer evento que não seja a citada declaração, o que, aliás, se compreende, porquanto, o que aí se regula são as relações banco/garante e não as relações especificas do domínio do contrato de empréstimo. Para acionar a garantia para pagamento do capital vencido antecipadamente, o banco haverá de declarar previamente vencidas todas as obrigações e não sendo pago o valor poderá acionar a garantia também para obter o pagamento dessa totalidade na proporção garantida. Assim sendo, percebe-se que a al. e) das ditas condições, se harmonize com as anteriores, e por isso estabeleça “A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BES não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado à comunicação deste à empresa”. A interpretação dessa cláusula e das que a precedem permite concluir que a caducidade opera relativamente às prestações de capital que se iriam vencendo ao longo da execução do plano contratual do empréstimo, 90 dias após cada um dos incumprimentos e, no caso de vencimento antecipado de todo o capital, 90 dias após a comunicação do vencimento antecipado à empresa, ou seja, à mutuária. São essas as duas situações que importam a caducidade da garantia, em absoluta harmonia com aquilo que são as duas situações previstas de atuação da garantia já acima referenciadas: pagamento de obrigações de reembolso de capital que se forem vencendo ao logo do tempo e não sejam pagas pela mutuária; e pagamento da totalidade do capital declarado vencido pelo banco, na percentagem garantida, mediante prova da declaração de vencimento antecipado (vide parte final da al. d) das condições contratuais). Não se prevê no contrato outras causas de caducidade da garantia, designadamente, que a sociedade garantida requeira processo especial de revitalização, o que seria até um contrassenso porque a garantia visa prevenir a dificuldade ou impossibilidade de cumprimento pela garantida. Por conseguinte, o embargante ao invocar a caducidade da garantia apelando à citada cláusula, acaba por alicerçar a caducidade num evento que a mesma não prevê, ou seja, a homologação do PER, e, por conseguinte, percebe-se a necessidade de o embargante fazer coincidir com esse evento o vencimento das obrigações pois é este vencimento e/ou vencimento antecipado que o contrato pressupõe naquela cláusula e não qualquer sujeição da devedora/mutuária ao PER ou outra qualquer causa. Por conseguinte, não releva para esta questão as previsões constantes dos contratos de empréstimo, que o embargante invoca (arts.30.° da pi), embora o faça sem que se descortine a necessária ligação com a previsão dos contratos de garantia e/ou com a homologação do PER, contratos aqueles nos termos dos quais - como resulta provado em face das transcrições parciais do clausulado desses contratos (cláusulas 33 e 35 dos contratos de mútuo) - o banco poderia declarar o vencimento antecipado verificando-se algum dos eventos previstos, entre os quais a instauração de qualquer processo dos previstos no código da insolvência. E não releva, dizíamos, porquanto, em primeiro lugar não são esses contratos que constituem a relação subjacente à emissão das livranças em causa na execução, pelo que, não é à luz deles que se deve aferir a violação do acordado quanto ao preenchimento das livranças (como se viu a exequente não é parte nos contratos), e, em segundo lugar, as ditas cláusulas apenas preveem a possibilidade de tais eventos serem considerados pelo banco como fundamento para vencimento antecipado, não se prevendo aí qualquer vencimento antecipado automático, donde haveriam de ser sempre interpretadas como exigindo do banco a declaração de vencimento antecipado e interpelação à mutuária para pagamento da totalidade do crédito. Significa isto que não há que buscar sustentação para a caducidade das garantias nas situações, abstratas, passíveis de ser invocadas como fundamento para declarar antecipadamente vencidas as obrigações previstas nos contratos de empréstimo.
Voltando à homologação do plano de recuperação apresentado no PER, entende o embargante que com essa homologação ocorreu o vencimento antecipado das obrigações da mutuária “nos termos das condições especificas das linhas de crédito” (art.37.° da p.i.). Não há, nem, em rigor, vinha alegada qualquer previsão dessas condições especificas que dê cobertura à conclusão de que com a homologação do PER se venciam as obrigações, não se descortinando o sentido dessa referência a não ser que se pretenda relacioná-la com as faltas de autorização da exequente e da PME aos períodos de carência previstos no plano de recuperação (art.43.° da p.i.), pelo que, remanesce apenas a homologação do PER em si mesma. E esta homologação trata-se, quanto a nós, de situação não prevista nem abarcável pela cláusula, e, ademais, cremos, que foge ao seu desiderato na medida em que, nesse caso, ficava na dependência da devedora, por via da decisão de instaurar o PER e ver nele homologado um plano, antecipar o vencimento das obrigações à margem dos credores, sem que se anteveja qualquer interesse da devedora nessa antecipação. Sucede que não se divisa nem vem invocada qualquer norma legal das que regulam o processo especial de revitalização da qual decorra como consequência da homologação de eventual plano, o vencimento antecipado das obrigações da devedora em contratos que haja celebrado, não se tendo por aplicável ao PER, no nosso ver, o disposto no art.91.° do CIRE. Coisa diferente é o facto de os credores deverem reclamar os seus créditos (na totalidade) por forma a serem contemplados na eventual reestruturação das responsabilidades da empresa conforme plano de recuperação e até para efeitos de exercício de direitos de voto. Note-se que o processo especial de revitalização pressupõe justamente que o requerente não esteja em situação de insolvência atual, ou seja, que não se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (cfr. art.17.°-A do CIRE), pelo que, o que se pretende é criar no âmbito do processo, com intervenção dos credores ou possibilidade dessa intervenção, um plano de recuperação que permita a manutenção da atividade da empresa e cumprimento no futuro das obrigações, o que dificilmente se harmonizaria com um vencimento automático e ope legis das dividas, no sentido de acarretar a imediata exigibilidade ainda que à luz dos contratos esta não tivesse operado. Desta feita, não decorre da instauração do PER por via da lei, qualquer vencimento automático das obrigações, independente da declaração de cada um dos bancos, que lhes impusesse - porque é essa consequência que o entendimento do embargante pretende - acautelar o prazo de 90 dias previsto no contrato de garantia sob pena da caducidade da mesma, para reclamarem o pagamento do crédito da entidade que presta a garantia autónoma. Não se pode ignorar que a caducidade prevista na garantia autónoma impede o banco de pedir o pagamento ou, pelo menos, permite à garante recusar o pagamento, pelo que, a citada cláusula exige na sua interpretação que se atenda a todos os interesses subjacentes, incluindo os do beneficiário que não haverá de ser confrontado com causas de caducidade não previstas ou que não resultem, concede-se, diretamente da lei. Vejamos agora se a homologação do plano de recuperação determina o vencimento antecipado do capital dos empréstimos, como vem defendido e com as consequências pretendidas pelo embargante. E tal como se concluiu com a instauração do PER, cremos que não determina vencimento antecipado suscetível de ser equiparado, para efeitos de atuação da cláusula contratual de que nos ocupamos, à declaração de vencimento antecipado a ser feita pelo banco para contagem do prazo de caducidade da garantia. O processo especial de revitalização, como já se aflorou, visa no acordo com os credores traçar um caminho que permita à empresa ultrapassar a situação económica difícil, caminho que pode desembocar na aprovação de um plano como aconteceu com a subscritora; e no plano, de execução, em regra, prolongada no tempo, poderão ou terão de ser consideradas as responsabilidades totais da empresa em face dos contratos, e com relevância contratos de empréstimo, a que esteja vinculada, por forma a acomodar essas obrigações (ainda que a vencerem-se, nos termos dos concretos contratos, no futuro, mas já constituídas) a um esquema que lhe permita vir a cumprir as suas obrigações, o que impõe, naturalmente, alterações aos termos e condições dos pagamentos que tinha que efetuar (nos termos dos contratos) para cumprir tais obrigações, e daí que seja comum o perdão de parte do capital, períodos de carência de capital ou juros, alteração de taxas de juros etc.., na certeza que se trata de empresa em situação económica difícil. E sendo o plano aprovado, impondo-se aos credores, as obrigações da empresa haverão de ser feitas em conformidade com ele. Contudo, trata-se de alterações ou modificações contratuais do âmbito do plano e da sua execução, algumas ou até muitas sem anuência dos credores visados que votaram contra, mas que a elas ficam sujeitos, e que se restringem a esse plano, valendo na execução do mesmo, não se impondo, digamos, externa, autonomamente e em definitivo fora da execução do plano, designadamente, se o mesmo for incumprido. Ou seja, o plano acarreta na prática e por via da homologação alteração e modificação dos contratos e das respetivas obrigações, e, durante a execução do plano, relativamente à empresa em recuperação, os credores só podem exigir o cumprimento nos termos do plano, mas daqui não resulta que vindo a ser incumprido o plano aprovado os contratos iniciais passem (ou continuem) a estar sujeitos às alterações ou modificações introduzidas pelo plano. Das duas uma, ou o plano é cumprido e nessa medida as respetivas obrigações e não há razão para o credor agir relativamente à empresa (a questão da responsabilidade dos eventuais garantes é diferente), ou o plano é incumprido, com os efeitos decorrentes do art.218.° n.°1 do CIRE, que já se vinha entendendo ser aplicável ao PER e tal aplicação resulta agora do art.17.°-F n.°13 do CIRE, salvo se existir previsão expressa em sentido contrário (que não vem alegada). Sendo incumprido o plano, ficam sem efeito as moratórias e perdões. Donde, os contratos cujas obrigações foram reestruturadas no plano não deixaram de existir, nem cessaram com a homologação do plano conforme também defendido pelo embargante, apenas se modificaram, regressando à sua execução inicial se o plano vier a ser incumprido, o que se não compadecia com a sua extinção. Nos dizeres do Ac. STJ de 9.4.2019 (Pinto de Almeida) “Por força desta disposição, ficam sem efeito a moratória e o perdão contemplados no plano homologado, ocorrendo uma repristinação dos créditos originais.”, sendo ainda do mesmo acórdão a seguinte passagem, citando acórdão aí identificado "Ademais: «...o incumprimento do plano implica automaticamente a extinção dos efeitos quanto à moratória e ao perdão, tal significa a repristinação do crédito nas condições originais ou primitivas, anteriormente ao plano, afectando necessariamente a obrigação constante do acordo. E significa, por outro lado, que o acordo plasmado no plano não traduz efeito novatório. (...)”” (acessível em www.dgsi.pt). Assim, em conformidade com o que já se disse, não se extinguem os contratos se o plano não for cumprido, nem há novação das obrigações desses contratos nos termos que constavam do plano incumprido, sendo certo que, a menos que coisa diferente tivesse ficado expressa no plano, o mesmo não afetava as garantias dos créditos. Não alegava o embargante explicitamente nem o cumprimento nem o incumprimento pela subscritora do plano de recuperação, mas referia-se à insolvência ao remeter para documento extraído desta, pelo que, está admitido implicitamente o incumprimento daquele. Ademais, também não alegava quaisquer pagamentos que tivessem sido feitos no âmbito do plano, quando é certo que este previa o reembolso do capital a 10 anos, com inicio a 31 de Março de 2017, na parte que ora interessa, aplicando-se o previsto quanto à reestruturação da divida com perdão parcial, já que se veio a provar não terem os bancos optado pela conversão do crédito em ações remíveis. Provando-se que a subscritora veio a ficar insolvente, o que já se adivinhava quer do facto da execução não ser instaurada contra a mesma quer do completo silêncio do embargante quanto ao cumprimento do plano, cuja execução decorreria, pelo menos, até 2027, podemos, pois, concluir que o plano foi incumprido, com as consequências acima referidas, ou seja, no que mais importa o renascimento das obrigações nos termos dos contratos de empréstimo na situação que se encontravam antes do plano, já que nada vem alegado que imponha conclusão diversa. Por isso, regressando os contratos à execução primitiva, podia o BES declarar vencidas todas as prestações por via do incumprimento da mutuária, comunicando-o a esta e, após tal declaração, acionar a garantia quanto à totalidade do capital vencido antecipadamente, como fez através das comunicações constantes dos factos provados. E assim é porque os contratos não se extinguiram nem cessaram, nem houve novação das obrigações, não passando as obrigações da mutuária perante os bancos a ser as previstas nesse plano após o incumprimento e “para todo o sempre”, e por isso também não cessaram as garantias prestadas pela exequente, nem estas perderam a validade ao abrigo das linhas de crédito, linhas de crédito que não se substituem aos concretos contratos de financiamento celebrados nem substituem a regulamentação convencionada nos mesmos. Ora se não há novação das obrigações e não sendo o plano cumprido, os créditos voltam à sua feição original, não tem nenhuma relevância não ter havido alteração aos contratos de garantia, conformando-os com o previsto no plano, continuando estes a garantir as obrigações “repristinadas”. Desta feita, não tem sustentação a argumentação do embargante segundo a qual as comunicações do banco a declarar vencida a totalidade da obrigação e a acionar as garantias, constituem declarações não sérias (art.245.° do C.C.) ou declarações feitas com reserva mental (art.244.° do C.C.).
Concluímos assim que relativamente à caducidade da garantia por vencimento antecipado decorrente da homologação do PER, cessação dos contratos de garantia e/ou p[er]da de validade destes, por via da novação das obrigações dos empréstimos decorrentes da homologação do plano e os embargos improcedem, pois que não se verificando aquele vencimento antecipado, o que releva são as declarações do banco a comunicar o vencimento antecipado e sobre as datas de tais comunicações e a data em que foi acionada a garantia quanto ao total assim vencido não decorreram mais de 90 dias. (…)”.
Para além destas considerações, importa sublinhar que o incumprimento do plano de recuperação aprovado no PER determina a repristinação das obrigações dos créditos na situação que se encontravam antes do PER.
O preceito a considerar aplicável é o disposto no artigo 218.º do CIRE (conforme resulta hoje expresso, em face do disposto no artigo 17.º-F, n.º 12, resultante da alteração dada pelo D.L. n.º 79/2017, de 30 de junho)
Conforme salienta Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, p. 482), por força do artigo 218.º, n.º 1, do CIRE, “dá-se, em certos termos, uma repristinação dos créditos originais. A moratória e o perdão ficam sem efeito quanto aos créditos relativamente aos quais a empresa se constitui em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de quinze dias a contar da interpelação escrita do credor e quanto a todos os créditos (…)”.
Ora, como se viu, a posição da exequente/garante face aos créditos de que era titular o BES – e a CGD – não se alterou por via do PER, pelo que, por maioria de razão, também não sofreu alguma perturbação na decorrência do respetivo incumprimento do processo aprovado no PER.
A caducidade das garantias não se verificava, pois, no momento em que as mesmas foram accionadas.
Pode assim concluir-se que: O incumprimento do plano de recuperação aprovado no PER determina a repristinação das obrigações dos créditos na situação que se encontravam antes do PER, nos termos do artigo 218.º, n.º 1, do CIRE, sem operar, por tal circunstância, a caducidade das garantias autónomas prestadas por terceiro.
As conclusões recursórias deduzidas em contrário - que se limitam a reiterar a alegação já produzida em sede de petição de embargos – a respeito da existência de abusivo preenchimento dos títulos de créditos dados à execução, com tal fundamento (na invocada caducidade), soçobram.
Igualmente fenece a invocada falta de fundamento – alegada pelo recorrente (cfr. conclusão 89.ª das alegações de recurso) - para ser exigido o pagamento de comissões bancárias referentes às garantias, pois, tal invocação era sustentada pelo recorrente na procedência da exceção de caducidade, que, conforme resulta do exposto, não obtém razão de procedência.
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F) Se é abusivo o preenchimento das livranças por falta de comunicação à sociedade Wallcare de que o BES tinha solicitado o pagamento das garantias?
Invoca ainda o recorrente que, incumbia à apelada demonstrar – alegando que tal demonstração não teve lugar - que tinha interpelado a Wallcare informando-a de que tinha ocorrido o pedido de pagamento pelo beneficiário da garantia, o que considera imposição do princípio da boa fé (e do disposto nos artigos 17.º e 21.º das Regras Uniformes da Câmara de Comércio Internacional, “que obrigam os Bancos (sendo o mesmo regime igualmente aplicável às sociedades de garantia mútua, com especial relevo pelo facto de terem uma contra-garantia do Estado)”).
Mais concluiu, afirmando, que: “(…) 67. E não se diga que tal apuramento - da eficácia da declaração de vencimento antecipado, interpelação que é condição do vencimento- é prejudicado pela autonomia da garantia prestada, pois a natureza própria da garantia o que impedia era que a prestadora da mesma fosse apreciar se existiam ou não fundamentos para o banco fazer a declaração de vencimento antecipado;
68. Mas sendo condição de acionamento da garantia, nos termos dos contratos de prestação das mesmas, cabia à aqui Exequente fazer prova de que tinha sido validamente chamada a cumprir, o que não logrou fazer; (…)”.
Vejamos.
Conforme resulta dos factos apurados (cfr. facto provado n.º 6) ), a livrança n.º 500905479087396467 foi entregue por causa e como garantia do acordo escrito constante do documento junto a fls. 28 datado de 02-10-2008, sendo que, tal garantia autónoma, prestada pela exequente a favor do BES, era condição e exigência decorrente do financiamento n.º FEC …/…, concedido pelo BES à sociedade Wallcare (cfr. facto provado n.º 12) ). Por seu turno, a livrança n.º … foi entregue por causa e como garantia do acordo escrito constante do documento junto a fls. 30vº (cfr. facto provado n.º 19) ) datado de 01-06-2010, sendo que, tal garantia autónoma, prestada pela exequente a favor do BES, era condição e exigência decorrente do financiamento n.º FEC …/…, concedido pelo BES à sociedade Wallcare (cfr. facto provado n.º 23) ).
Para a apreciação desta questão importa apreciar, um pouco mais, ainda que em termos necessariamente sintéticos, a figura da garantia bancária autónoma.
A garantia autónoma ocorre quando determinada entidade – normalmente uma instituição bancária ou financeira –“vem garantir pessoalmente a satisfação de uma obrigação assumida por terceiro, independentemente da validade ou eficácia desta obrigação e dos meios de defesa que a ela possam ser opostos, assegurando assim que o credor obterá sempre o resultado do recebimento dessa prestação” (assim, Luís Menezes Leitão; Garantias das Obrigações, 4.ª ed., Almedina, 2012, p. 123).
“A garantia bancária autónoma é um contrato inominado em que uma Parte (normalmente um banco) assegura à outra a obtenção de determinado resultado ou assume a responsabilidade por um risco ligado a um determinado empreendimento, respondendo pelos danos causados pela não verificação desse resultado ou pela actuação do risco” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-10-2000, in CJ, t. IV, p. 214).
A garantia bancária autónoma é uma figura triangular, congregando três relações jurídicas:
a) O contrato-base – que constitui a obrigação principal que será garantida;
b) O contrato de mandato – celebrado entre o devedor da obrigação principal e o garante, pelo qual este se obriga, mediante retribuição a prestar uma garantia ao beneficiário; e
c) O contrato autónomo de garantia – entre o garante e o beneficiário da garantia, pelo qual aquele se obriga a entregar a este uma quantia pecuniária.
“A primeira e a terceira, em que participa o beneficiário, classificadas como externas, e a segunda, entre o devedor-dador da ordem e o garante, como interna” (assim, Francisco Cortez; “A garantia bancária autónoma: alguns problemas”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, ano 52.º, n.º. 2 (Jul.1992), pp. 523-524).
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 21-11-2002 (CJSTJ, 2002, t. III, p. 148): “No processo genético de emissão de uma garantia bancária autónoma existe, em primeiro lugar, um contrato-base entre o mandante da garantia e o beneficiário, a que se segue um contrato, qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia excussão dos bens do beneficiário ou a invalidade ou impossibilidade da obrigação por este contraída. A garantia autónoma tem como característica principal, que a distingue da fiança ou do mandato de crédito, a independência (autonomia) relativamente ao contrato-base. A garantia autónoma é, normalmente, apetrechada com uma cláusula «on first demand», que representa, para o beneficiário, um acréscimo de garantia, pois o banco fica constituído na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário, sem poder discutir os fundamentos e pressupostos que legitimam o pedido de pagamento, designadamente sem poder discutir o incumprimento do devedor”.
No parecer da autoria de Almeida Costa e Pinto Monteiro (“Garantias Bancárias – O contrato de garantia à primeira solicitação, in CJ, 1986, t. I, pp. 19-20) explica-se que, “[p]erante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante – normalmente um banco, sendo também, por isso, em regra, uma garantia bancária – está obrigado a satisfazê-la, de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados. É o devedor que, depois de reembolsar o garante da importância por este paga ao beneficiário, tem o ónus de intentar procedimento judicial para reaver a referida importância, caso o credor/beneficiário haja procedido sem fundamento (…) o princípio fundamental por que deve pautar-se o banco é o de uma «estrita neutralidade» em face dos litígios ou controvérsias gerados em volta da relação comercial de base.
E acrescenta-se nesse mesmo Parecer que: “Excepto em causa de fraude manifesta, o banco deve honrar de imediato o seu compromisso, tanto por respeito pela natureza e função da garantia assumida – autónoma e à primeira solicitação [...]”.
Entre outros, no Ac. do STJ de 23-03-95 (CJSTJ, 1995, t. I, p. 137) traça-se o perfil da garantia autónoma à primeira interpelação: “proporcionar ao beneficiário determinado resultado – o recebimento de certa quantia em dinheiro –, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, em que o garante possa apreciar o bem ou mal fundado desta alegação, ou seja, sem que possa opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido”, apenas podendo o garante recusar o pagamento quando houver dolo, má fé ou abuso de direito por parte beneficiário, apontando a doutrina, entre outros exemplos, o da afirmação do beneficiário de que a mercadoria não chegou, dispondo, porém, o garante de documentos de consignação.
O garante assume uma obrigação própria, desligada do contrato-base, sendo, nessa medida, uma obrigação autónoma, independente, não acessória, da obrigação do devedor principal. Diversamente do que sucede com a fiança, não depende da validade da obrigação principal, não sendo a garantia afetada pelas vicissitudes dessa obrigação, não sendo lícito (permitido ou consentido) ao garante autónomo ou independente que oponha ao beneficiário as excepções ou meios de defesa, fundados no contrato base, de que o garantido se pode prevalecer.
O banco garante obriga-se pelo contrato de garantia a pagar uma determinada soma de dinheiro ao beneficiário independentemente da natureza da obrigação principal, já que banco e devedor não são obrigados a uma mesma prestação contratual.
Menezes Cordeiro refere, a este propósito, que, “exigida a garantia, o garante só poderá opor ao beneficiário as excepções literais que constem do próprio texto da garantia: nunca as derivadas da relação principal (…) A função da garantia autónoma não é, pois, a de assegurar o cumprimento dum determinado contrato. Ela visa, antes, assegurar que o beneficiário receberá, nas condições previstas no texto da própria garantia, uma determinada quantia em dinheiro. Por isso, perante uma garantia autónoma à primeira solicitação, de nada servirá vir esgrimir com argumentos retirados do contrato principal: a garantia tem fins próprios, auto suficientes, servindo, nas palavras de Galvão Telles, como um simples sucedâneo dum depósito em dinheiro” (cfr. Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, pp. 609-610).
Conforme se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2003 (Pº 03A3632, rel. NUNO CAMEIRA):
“(…) A autonomia da garantia bancária pode compreender graus distintos.
Assim, temos a garantia bancária simples, que tem por objecto a cobertura de certo risco (incumprimento contratual). Nesta situação, verificado incumprimento da obrigação contratual, o garante está vinculado ao pagamento do respectivo valor. Tal pressuposto, como facto constitutivo do direito, cabe ser demonstrado pelo beneficiário, de harmonia com a regra da distribuição do ónus da prova contemplada no n.º 1 do art. 342.º do CC. Por seu lado, na garantia bancária à primeira solicitação (“garantievertrag”, “guarantee upon first demand”, “garantie à première demande”), nos termos da qual o beneficiário está dispensado da prova do incumprimento contratual, basta, para que o garante lhe pague, comunicar a ocorrência do evento.
A garantia bancária à primeira solicitação é, na formulação do Prof. Galvão Telles, "a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base) sem poder invocar em seu beneficio quaisquer meios de defesa relacionados com o mesmo contrato (cfr. “Garantia Bancária Autónoma”, in O Direito, 120,1998, III-IV, p. 283).
Neste caso pode dizer-se “que as garantias autónomas à primeira solicitação obedecem ao seguinte lema: paga-se primeiro e discute-se depois" (assim, Almeida Costa e António Pinto Monteiro, “Garantias Bancárias – O Contrato de Garantia à Primeira Solicitação”, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, V, pág. 19)”.
Conforme refere Galvão Telles ("Garantia Bancária Autónoma ", in O Direito, Ano 120.º (1988), III-IV, p. 283) a respeito das garantias autónomas à primeira solicitação: “O garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor".
Neste caso, a obrigação do garante é imediatamente exigível com a simples interpelação do beneficiário da garantia, não podendo o garante exigir sequer qualquer justificação ou fundamentação para esse pedido, que deve ser automaticamente satisfeito, visando-se evitar qualquer litigância sobre o facto que determinou a exigência da garantia, o que, nos termos apontados, carateriza as garantias como garantias autónomas à primeira solicitação (“first demand”).
Todavia, mesmo neste último caso, pode ser recusado o pagamento em determinadas hipóteses típicas, “como sejam a extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade, sendo ainda de acrescentar a estas a existência de manifesta fraude ou abuso de direito por parte do credor” (cfr. Luís Menezes Leitão; Garantias das Obrigações; 4.ª ed., Almedina, 2012, p. 130; e Manuel Januário da Costa Gomes; Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Almedina, 2004, p. 205).
“A automaticidade da garantia on first demand não é, porém, absoluta, e a sua actuação ou execução automática, a possibilidade da sua exigência pelo beneficiário não pode ter-se como ilimitada: há, com efeito, no direito português, que estabelecer alguns limites à exigência da garantia, sempre que o imponham as regras da boa fé (art. 762º, nº 2, do C.Civil) ou o procedimento abusivo do beneficiário (art. 334º do mesmo diploma). Assim, não obstante a natureza autónoma da garantia on first demand, e a sua actuação ou execução automática, a possibilidade da sua exigência pelo beneficiário não pode ter-se como ilimitada: Há que estabelecer alguns limites à exigência da garantia, sempre que o imponham as regras da boa fé (cfr. artigo 762º, nº 2, do Código Civil) ou o abuso do direito (cfr. art. 334º do mesmo Código), como por exemplo nos casos extremos de manobras tendentes a enganar o garante ou de procedimento abusivo do beneficiário, designadamente exigindo a garantia em caso de cumprimento pontual da obrigação do devedor. O banco pode, e deve mesmo, recusar-se a pagar a garantia, em caso de fraude manifesta, de abuso evidente por parte do beneficiário. Compreende-se a razão: há princípios cogentes de todo e qualquer ordenamento jurídico que devem ser respeitados, não podendo as garantias automáticas violar grosseiramente os aludidos princípios» (assim, Almeida Costa e Pinto Monteiro, “O contrato de garantia à primeira solicitação", in CJ, Ano XI, t. V, p. 20)” (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-10-2004, Pº 04B2883, rel. ARAÚJO BARROS).
De facto, podeo garante opor ao beneficiário determinadas excepções, não fundadas nessa relação e assentes em factos relativos ao contrato base, quando exista manifesta má fé ou a má fé patente, fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário, quando o contrato garantido ofender a ordem pública ou os bons costumes ou quando exista prova irrefutável de que o contrato-base foi cumprido. É igualmente admissível que, nas relações entre ordenador da garantia e beneficiário, haja lugar à discussão sobre se o contrato base foi, ou não incumprido, com vista a impedir quer o accionamento da garantia pelo beneficiário, quer o reembolso da quantia que recebeu por ter accionado indevidamente a garantia” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-06-2020, Pº 484/12.4TYLSB-CK.L1-1, rel. MANUELA ESPADANEIRA LOPES).
Analisando, sistematicamente, as várias situações em que tem sido afirmada a possibilidade de o garante recusar o pagamento da soma objeto da garantia, sintetiza Mónica Jardim (A Garantia Autónoma; Almedina, 2002, pp. 275-279) que o garante pode recusar o pagamento da garantia, sempre que:
“a) O contrato de garantia seja inválido em virtude de circunstâncias não relacionadas com o contrato base (p. ex.: incapacidade ou falta de representação de quem subscreve a garantia; indeterminabilidade do objecto; erro na pessoa do declaratário; etc.);
b) A solicitação de entrega da soma objecto da garantia não seja feita nos termos do contrato (p. ex.: o beneficiário não indica os motivos, ou não apresenta os documentos que, segundo o texto da garantia, condicionam a sua operatividade; o beneficiário solicita a garantia após o termo de validade desta; o beneficiário solicita uma quantia superior à estipulada; etc.).
Parece-nos que cabe ainda nesta hipótese:
- o caso de o contrato base, em vista do qual a garantia foi emitida, não ter sido celebrado (…).
- o caso de a solicitação não ser feita pelo beneficiário indicado no contrato, mas sim por alguém que se intitula cessionário do direito de garantia, sempre que a possibilidade do beneficiário ceder o seu crédito face ao garante não esteja prevista de modo expresso na garantia (…);
- o caso de a solicitação não ser feita pelo beneficiário indicado no contrato, mas sim por alguém que afirma ser o actual titular do direito de garantia, em virtude de o beneficiário originário lhe ter cedido tal direito exercendo, assim, a possibilidade prevista de modo expresso na garantia, sempre que não tenha ocorrido também a cessão do direito derivado do contrato base (…).
c) Sejam invocadas excepções directas e pessoais derivadas de outras relações estabelecidas com o beneficiário, entre as quais a excepção de compensação (…).
Não obstante afirmarmos que quanto às relações beneficiário – dador da ordem a regra é a da inoponibilidade das excepções a elas inerentes ou delas derivadas, porque tal corresponde à vontade manifestada pelas partes, consideramos que o garante, em determinados casos, pode furtar-se ao pagamento da soma objecto da garantia invocando excepções do próprio contrato de garantia, que assentam em factos referentes ao contrato base. Nomeadamente, o garante pode recusar a soma objecto da garantia sempre que:
a) O contrato base seja contrário à ordem pública ou aos bons costumes do país do ordenamento jurídico competente para regular o contrato de garantia (…).
b) A prova líquida de fraude ou de abuso de direito seja plenamente possível na altura da solicitação, sem necessidade de mais diligências. É o que ocorre, por exemplo, quando: o beneficiário solicita a soma objecto da garantia, apesar de o incumprimento do contrato de base lhe ser imputável de acordo com prova pronta e inequívoca em poder do banco; o beneficiário solicita a entrega da soma objecto da garantia tendo o banco em seu poder prova pronta e líquida do cumprimento do contrato base por parte do exportador; ocorre a solicitação, não obstante o contrato base ser inválido de acordo com decisão judicial definitiva; etc.
Justifica-se, nesta hipótese, a recusa assente em factos referentes ao contrato-base porque eles relevam enquanto índices da violação por parte do beneficiário do dever, para ele derivado do contrato de garantia, de comportar-se face ao garante conformemente à boa fé, e a regra da boa fé e da proibição de abuso de direito está, obviamente, acima de qualquer convenção das partes acerca da inoponibilidade das excepções decorrentes do contrato base.
c) Ocorra uma modificação do contrato-base, sem que o garante seja consultado, que comporte uma alteração substancial dos riscos por si assumidos (…).
d) Ocorra a cessão da posição contratual detida no contrato base pelo exportador/devedor, pois as garantias prestadas por terceiro não se mantêm, a não ser que o autor as queira renovar.
e) Ocorra a cessão do crédito derivado do contrato base, sem que ocorra a cessão do direito de garantia por falta de consentimento do garante (…)”.
Em relação às situações de fraude e de abuso de direito do beneficiário, tem-se entendido que não basta ao garante a suspeita de tais situações, sendo necessária a certeza, “o carácter não fundado da solicitação deve ser claro e não contestável. Assim, qualquer dúvida, mesmo que mínima, impede o garante de recusar o pagamento. Exige-se que a fraude ou o abuso sejam manifestos, inequívocos, que firam os olhos, e faz-se depender, por isso, a possibilidade de recusa do garante do facto de este ter em seu poder prova pronta e líquida da fraude ou do abuso do beneficiário (…). A prova é líquida ou inequívoca quando permite a percepção imediata e segura da fraude ou do abuso, quando os torna óbvios. A prova é pronta ou preexistente quando não se mostra necessário requerer a produção de provas suplementares, proceder a medidas de instrução, ou ouvir terceiros para estabelecer a fraude ou o abuso do beneficiário” (assim, Mónica Jardim; ob. cit., pp. 291-292).
Ao garante basta a prova documental (da fraude ou do abuso) de segura e imediata interpretação, satisfazendo tal meio de prova a exigência de prova pronta – pré-constituída – e líquida – inequívoca, a não ser nos casos em que o abuso ou a fraude seja um facto público e notório (em que o garante deve, mesmo sem prova documental pronta e líquida, recusar a soma objeto da garantia).
Note-se que, todavia, “no ajuizamento dos pressupostos exigíveis nos casos de legítima recusa de cumprimento da garantia autónoma, acolhe-se um critério fortemente restritivo na sua delimitação, e em coerência, na evidência do abuso de direito, exige-se uma prova “líquida”, “inequívoca” ou “irrefutável” do abuso do direito, na execução da garantia autónoma ” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2022, Pº 21927/16.2T8LSB-A.L1-7, rel. ISABEL SALGADO).
Sobre os deveres do garante face ao dador da ordem no momento em que o beneficiário solicita o pagamento da garantia, o princípio fundamental do garante é o de “estrita neutralidade” (assim, Mónica Jardim; A Garantia Autónoma; Almedina, 2002, p. 58).
Os deveres do garante, nesta fase, compreendem as seguintes vinculações (cfr., neste sentido, Mónica Jardim; A Garantia Autónoma; Almedina, 2002, p. 59 e ss. e Rafael Silva Teopisto; “Garantia autónoma à primeira solicitação – A recusa lícita de pagamento pelo garante”, in Revista de Direito Civil, Ano VII, 2022, n.º 1, Almedina, p. 148 e ss.):
a) Informar o ordenante no momento em que lhe é solicitado o pagamento da soma objeto da garantia;
b) Confirmar se todas as condições fixadas no contrato de garantia se verificam no momento em que o beneficiário exige o pagamento;
c) Recusar o pagamento;
d) Pagar ao beneficiário.
O cumprimento do aludido dever de informação do garante ao dador da ordem constitui uma exigência decorrente da relação de mandato, sendo natural que seja dado conhecimento ao mandante de todas as vicissitudes conexas à execução do mandato, sendo que, a circunstância de a garantia autónoma ser automática ou «à primeira solicitação» não justifica “que o garante deixe de informar o ordenante de que lhe foi solicitado o pagamento, pois o garante, mesmo no âmbito de uma garantia automática, tem um certo período de tempo para examinar o pedido de pagamento e, durante esse período, pode advertir o seu mandante” (assim, Mónica Jardim; A Garantia Autónoma; Almedina, 2002, p. 255).
De acordo com Mónica Jardim (ob. cit., p. 256), todavia, o reconhecimento deste dever de informação “não leva a reconhecer um qualquer limite à liberdade de decisão do banco sore se deve ou não efectuar o pagamento”, concluindo que, “a autonomia da garantia impede, apenas, que o garante possa recusar o pagamento invocando excepções derivadas de um outro contrato (contrato de mandato, ou contrato de base garantido), não impede que o garante possa, e deva, cumprir regularmente o contrato de mandato” (ob. e loc. cits.).
Podem formular-se, em face do exposto, as seguintes conclusões intermédias:
- Constituem deveres do garante de garantia autónoma face ao dador da ordem no momento em que o beneficiário solicita o pagamento da garantia, a observar de acordo com o princípio fundamental de “estrita neutralidade”, os seguintes: a) Informar o ordenante no momento em que lhe é solicitado o pagamento da soma objeto da garantia; b) Confirmar se todas as condições fixadas no contrato de garantia se verificam no momento em que o beneficiário exige o pagamento; c) Recusar o pagamento; d) Pagar ao beneficiário; e
- O cumprimento do dever de informação do garante ao dador da ordem constitui uma exigência decorrente da relação de mandato, sendo natural que seja dado conhecimento ao mandante de todas as vicissitudes conexas à execução do mandato, sendo que, a circunstância de a garantia autónoma ser automática ou «à primeira solicitação» não justifica que o garante deixe de informar o ordenante de que lhe foi solicitado o pagamento.
No caso dos autos, a decisão recorrida expressou, a respeito desta questão, o seguinte:
“Impõe-se ver agora a alegação “Antes de efectuar o pagamento ao BES a LISGARANTE não comunicou à WALLCARE que aquele lhe havia solicitado qualquer pagamento, conforme estava previsto nos contratos de emissão de garantia” (art.65.°). Vistos os contratos de prestação de garantia, não se descortina cláusula que imponha que a exequente tenha que comunicar previamente que o banco lhe solicitou o pagamento, cláusula que o embargante não identifica. O que se prevê no ponto 2 desses contratos é que a sociedade garantida fica com a obrigação de pagar à Sociedade de Garantia Mútua (SGM), ora exequente, os montantes que esta pague ao banco no prazo de dez dias a contar da interpelação para pagamento que a exequente faça à sociedade. Ou seja, a exequente havia de interpelar a sociedade garantida para pagar as quantias que tivesse pago ao banco, não resultando dos contratos que a exequente houvesse de comunicar à sociedade garantida antes de efetuar o pagamento que este lhe tinha sido solicitado. Nem se estranha que assim seja porque a garantia era uma garantia autónoma, não podendo a prestadora da garantia opor ao banco qualquer meio de defesa ou exceções de que a mutuária se pudesse prevalecer para com o banco (al. c) das condições iniciais constantes dos contratos). Donde, acionada a garantia nos termos previstos a garante havia de pagar e feito o pagamento (já que é este que determina o seu crédito), interpelar a devedora para lhe pagar a ela. Por conseguinte, qualquer falta de comunicação à sociedade garantida de que lhe havia sido solicitado o pagamento pelo banco, mostra-se irrelevante por não exigir o contrato de prestação de garantia nem o acordo quanto ao preenchimento que fosse feita tal comunicação antes do pagamento, não se podendo extrair dos contratos qualquer consequência para a sua eventual omissão, nem tal eventual omissão determina qualquer preenchimento abusivo das livranças. Frise-se que é a falta desta comunicação que vem invocada na petição de embargos e não outra, pelo que, é a falta da mesma que na economia dos embargos se invoca em fundamento deles. Por conseguinte perdem relevância as outras comunicações que foram enviadas e mencionadas nos factos provados, concretamente as cartas enviadas para interpelação da Wallcare para pagar as quantias pagas pela exequente ao banco, envio efetuado para a morada contratual.
Por via de tudo o que se acaba de referir, concluímos não ter havido preenchimento abusivo das livranças, sucumbindo também a violação da boa-fé que o embargante ensaia nos embargos, imputando-a à exequente.”.
Admite-se que, cumprindo o garante, não está vedado ao avalista de livrança em branco invocar, perante a exequente de tal título, a questão da caducidade da garantia (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2022, Pº 756/21.7T8FNC-A.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS).
Contudo, como se viu, essa caducidade não se comprovou, não se mostrando que, no momento em que foi solicitado o pagamento das garantias prestadas em benefício do BES, este tenha atuado garantias caducas.
Do mesmo modo, como antes referido, não obstante expressamente regulado tal dever nas condições constantes dos contratos de garantia, admite-se que possa constituir uma decorrência da boa fé no cumprimento das obrigações inerentes ao mandato conferido pelo mandante (ordenante da garantia) ao garante, o dever de este comunicar àquele as vicissitudes da garantia e, nomeadamente, a solicitação do seu pagamento pelo beneficiário.
Certo é que, conforme resulta dos factos apurados (n.ºs. 56) e 69) ), a exequente, no cumprimento desse dever informativo, remetendo à Wallcare as cartas, datadas de 23-01-2018, 26-02-2018 e de 18-03-2021, observando o dever que se encontrava a seu cargo.
De todo o modo, ainda que assim não se entendesse ou se considerasse não cumprido tempestivamente tal dever, certo é que, não se poderia extrair a conclusão de que a inobservância do cumprimento desse dever de informação comportasse alguma consequência para o preenchimento dos títulos de crédito entregues em branco, sendo certo que, ela não foi, de algum modo, invocada pelo recorrente, nem se afere de qualquer dos factos provados.
Note-se que, “o garante só está vinculado pelo dever de recusa quando a solicitação do beneficiário não foi feita nos termos do contrato de garantia (porque tem o dever de actuar diligentemente zelando pelos interesses do mandante) ou quando está de posse de prova pronta e líquida da fraude ou do abuso de direito do beneficiário (porque sobre si recai o dever de proteção, que se funda no princípio da boa fé, e que completa o conteúdo da relação de mandato) (…)” (cfr., Mónica Jardim; A Garantia Autónoma; Almedina, 2002, p. 436).
Ora, nenhuma destas situações se patenteia. Nenhuma demonstração existiu no sentido de que a solicitação de pagamento – e subsequente pagamento efetuado pela ora exequente – pelo beneficiário da garantia tenha incorrido em fraude ou abuso de direito, ou sequer, à margem das condições em que o acionamento da garantia poderia ser, contratualmente, efetuado.
Para além do exposto, não se pode considerar, de qualquer modo, que o relevo desta questão (referente ao cumprimento do dever de informação acima aludido) pudesse determinar o invocado preenchimento abusivo dos títulos dados à execução.
É que, as condições de acionamento da garantia – constantes do ponto 5) das condições da garantia autónoma prestada – foram observadas, não se vislumbrando que o pagamento efetuado, o tenha sido indevidamente (nos termos em que é legítimo ao garante recusar o pagamento da garantia), ou que, pudesse, de alguma forma e com êxito, proceder algum argumento válido no sentido de obviar a que tivesse lugar o pagamento solicitado, nada tendo sido alegado pelo recorrente a este título (para além da invocada caducidade, exceção que, como se viu, improcedeu, não se demonstrando que o beneficiário tenha solicitado a garantia após o termo de validade desta).
Finalmente, não está em causa a “eficácia da declaração de vencimento antecipado” enquanto condições de acionamento da garantia, mas sim, o saber se o dever de informação do acionamento pelo garante ao garantido poderia ter influenciado, de algum modo, na configuração da garantia do ora recorrente e as condições em que as garantias foram honradas, quando foi solicitado o seu pagamento pelo beneficiário.
Quanto a esta questão, a decisão recorrida expendeu que:
“Vem o embargante, ainda, alegar (art.87.° da petição) que a exequente não lhe comunicou que tinha procedido ao preenchimento das livranças ou ia proceder a esse preenchimento, embora não retire dessa alegação nenhuma particular consequência, parecendo reconduzi-la ao fundamento genérico do abuso de preenchimento. Tal alegação, contudo, não se reconduz àquele preenchimento abusivo, porquanto, nada dispondo o acordo de preenchimento quanto à necessidade da exequente comunicar ao embargante, antes de preencher as livranças, qualquer incumprimento da devedora ou que fizesse qualquer outra comunicação prévia antes desse preenchimento, e, só através do preenchimento da livrança, por só, então, ser a exequente titular de um crédito sobre o embargante, é que podia a exequente exigir-lhe qualquer pagamento, a questão da falta de comunicação do preenchimento e, nessa medida, da data de vencimento aposta na livrança entregue em branco, releva apenas no que concerne à constituição em mora por parte do embargante, pois antes de saber o montante aposto na livrança e a data de pagamento nela inserida, não se pode ter o mesmo interpelado para a pagar, o que se repercute apenas no que respeita à data a partir da qual são devidos juros sobre o valor dos títulos. Desta feita, embora a exequente tenha enviado ao embargante na qualidade de avalista carta a comunicar-lhe quer o montante pelo qual preencheu as livranças, quer a data de vencimento, local de pagamento, tudo conforme cartas transcritas nos factos provados, constata-se que a exequente trocou as moradas dos dois avalistas, endereçando mal as cartas dirigidas ao embargante, as quais não foram por ele recebidas sendo devolvidas à remetente. Ora a devolução das cartas, no caso, não é imputável ao embargante, pois não foram dirigidas à sua morada contratual, pelo que, são ineficazes tais comunicações e por isso, os juros sobre o montante de cada uma das livranças só são devidos desde a data a citação na execução (sobre esta questão e no mesmo sentido, entre muitos outros, Ac. STJ de 30.4.2019 (José Rainho); Ac. TRG de 4.4.2017 (Maria Purificação Carvalho); Ac. TRG de 13.10.2022 (Paulo Reis); Ac. TRL de 28.6.2018 (Pedro Martins); Ac. STJ de 8.10.2020 (Nuno Pinto Oliveira); Ac. TRC de 28.6.2022 (Fonte Ramos), acessíveis em www.dgsi.pt). O embargante foi citado na execução em 27.5.2021, sendo os juros devidos desde então, o que se decide, procedendo, nesse particular, os embargos.”.
Ora, para além deste aspeto – referente à exigibilidade dos juros devidos – não se mostra, de outro modo, impactada a posição jurídica do recorrente.
É que, conforme se evidenciou no Acórdão do STJ de 25-05-2017 (Pº 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, rel. FONSECA RAMOS), a respeito da posição de avalista – aquela que tem o ora recorrente – de títulos de crédito:
“I - O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária.
II - O regular preenchimento, em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.
III - O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.
IV - Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento.
V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte.
VI - A lei cambiária não impõe ao portador do título que antes de accionar o avalista do subscritor lhe dê informação acerca da situação de incumprimento que legitima o preenchimento do título que o próprio autorizou.
VII - A certeza, a liquidez e a exigibilidade da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art. 10.º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título que, assim, se mostra revestido de força executiva” (cfr., na mesma linha, os Acórdãos do STJ de 13-11-2018, Pº 2272/05.5YYLSB-B.L1, rel. PAULO SÁ e de 24-10-2019, Pº 295/14.2TBSCR-A.L1.S1, rel. NUNO PINTO OLIVEIRA, sendo que, neste último aresto, se refere que, “quando o pacto de preenchimento não exija a comunicação do facto legitimador do preenchimento ao avalista, a ausência de comunicação não determina que o preenchimento seja abusivo”).
Em suma: A invocada preterição do cumprimento do dever de informação que o garante de uma garantia autónoma deveria ter efetuado ao garantido sobre o acionamento das garantias bancárias, não se reflete no cumprimento das obrigações objeto do aval prestado pelo recorrente em livranças (para além dos termos de exigibilidade dos juros devidos) entregues ao garante como contra-garantia do cumprimento do contrato de garantia e, designadamente, nas condições de preenchimento de tais títulos de crédito pelo portador, não determinando alguma abusividade do portador em tal preenchimento, que se conformou com o pacto de preenchimento dos títulos.
Assim, à questão colocada deverá, pois, responder-se negativamente.
*
G) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 236.º, 238.º, 224.º, 245.º, 244.º (e 240.º por remissão) do CC?
Alegou ainda o recorrente – num segmento das alegações intitulado “B.2.1. DECLARACÃO NÃO SÉRIA COMUNICADA PELO BENEFICIÁRIO DAS GARANTIAS AUTÓNOMAS / RESERVA MENTAL / FALTA DE DILIGÊNCIA /VIOLACÃO DO PRINCÍPIO DA BOA – FÉ” – , entre outras considerações (estas, já objeto da apreciação precedente), que:
“(…) 87° O Novo Banco fez o pedido de pagamento enviando à Exequente cópias de cartas datadas de 24 de Novembro de 2017 – documentos n.ºs. 6 e 9 juntos à contestação da Exequente - tendo como destinatária a sociedade mutuária Wallcare e em assunto "Vencimento antecipado do contrato (...)" (…)
93º Dispõe o artigo 224º do CC que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida” e “ É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”
94º Sendo a declaração de vencimento antecipado do contrato uma declaração receptícia (ou recipienda), a sua validade e eficácia dependia da chegada ao poder ou conhecimento do destinatário no caso a empresa Wallcare. Porém,
95º Ao Novo Banco nada terá importado não remeter as cartas, ou, ainda que as tenha remetido, remeter para morada errada ou saber se foram as mesmas recebidas ou não pela destinatária. Porquanto,
96º Com tal expediente apenas pretendeu accionar junto da Exequente as garantias autónomas por esta prestadas e àquelas datas – 2017 - já caducadas. Bem sabendo que
97º Tal comunicação era uma declaração não séria nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 245º do C.C., conforme alegado pelo Embargante no artigo 62º do requerimento de embargos. Porquanto,
98º O Novo Banco bem sabia - e não podia ignorar - que a PME Investimentos e a Exequente não tinham aprovado nem autorizado as alterações contratuais resultantes do plano de reestruturação, deixando por isso os créditos de serem créditos bonificados e garantidos pelo Estado ao abrigo das Linhas de crédito PME INVEST. Ora,
99º Tendo o BES / Novo Banco, enquanto credor maioritário, aprovado em 2013 o plano de reestruturação nas condições em que o fez, isto é, sem obter a aprovação e autorização da PME investimentos e da Exequente para a prorrogação da validade das garantias autónomas, e sem que tenha diligenciado apresentar em tempo útil à Lisgarante o pedido de pagamento das mesmas, como a Lei lhe permitia (dado que o PER apenas o impedia de accionar a mutuária) e a salvaguarda dos seus direitos determinava, declarar quatro anos mais tarde o vencimento antecipado das obrigações, constituiu-se como mero “expediente”. E,
100º E tais factos eram igualmente do conhecimento da Exequente, que não os podia ignorar, até para a salvaguarda dos seus direitos e do Estado Português que contra-garantia as garantias por ela prestadas ao abrigo das linhas PME INVEST (…)
103º Tendo presente as cópias das cartas que a Exequente juntou aos autos e que lhe terão sido remetidas pelo BES, fica (e ficava já então) por demonstrar a sua recepção pela destinatária Wallcare, pelo que se impunha que a Exequente confirmasse tal facto, designadamente junto da garantida Wallcare; No entanto,
104º Se a Exequente, ao receber em 2017 os pedidos de pagamento das garantias autónomas, decorridos cerca de quatro anos, entendeu ignorar que a (dita) comunicação de vencimento antecipado, alegadamente feita pelo BES à mutuária, cujas cópias lhe foram remetidas, não era séria, se entendeu não apurar se era válida, ou não, não pode depois querer repercutir essa falta de diligência no Embargante (…)
113º A Exequente pagou as garantias autónomas ao Novo Banco sem usar de qualquer diligência e mesmo sabendo e não podendo ignorar, porque tomou conhecimento do PER, nele reclamou créditos, votou negativamente o plano de recuperação e tomou conhecimento que o mesmo foi homologado que os créditos reestruturados reconhecidos ao BES no PER tinham deixado de ser bonificados pela PME Investimento (sem qualquer intervenção no PER) e tinham deixado de ser garantidos por ela própria, dado que as alterações contratuais que a reestruturação constitui não foram previamente aprovadas nem autorizadas como o exigiam as regras das Linhas de Crédito PME INVEST
114º A Exequente pagou as garantias autónomas ao Novo Banco não podendo ignorar que as alterações decorrentes da homologação do plano de reestruturação aprovado no PER não foram objecto de qualquer adenda aos Contratos de Prestação de Garantia e consequentemente não tiveram a intervenção do avalista aqui Embargante
115º A Exequente pagou, em 2017 e 2018, as garantias autónomas ao Novo Banco, ao que diz, com fundamento em vencimento antecipado das obrigações da ordenante das garantias, sem cuidar de saber se o BES / banco beneficiário da garantia tinha validamente declarado esse vencimento, mediante notificação à devedora -de que depende a eficácia da declaração- o que estava vinculada a fazer nos termos da cláusula transcrita a qual, repete-se, para prevenir equívocos, respeitava ao próprio contrato de garantia e não aos contratos de financiamento, celebrados entre a Wallcare e o BES. Assim,
116º Como alegado pelo Embargante no artigo 61º do requerimento de embargos, os pedidos de pagamento feitos em 2017 e 2018 pelo Novo Banco à Exequente apenas podiam, e podem, ser entendidos como declarações com reserva mental, pelo que os pagamentos reclamados e efectuados são nulos, conforme o disposto nos artigos 244º e 240º do C.C. (…)”.
E reconduziu tal alegação ao que veio a verter nas conclusões recursórias (cfr. conclusões 48.ª, 56.ª, 57.ª, 58.ª, 65.ª e 69.ª).
Vejamos, pois, se a decisão recorrida se mostra, de algum modo, violadora das disposições normativas contidas nos artigos 236.º, 238.º, 224.º, 245.º, 244.º (e 240.º por remissão) do CC.
Os preceitos invocados pelo recorrente, como violados, são os seguintes:
“Artigo 236.º (Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”;
“Artigo 238.º (Negócios formais)
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”;
“Artigo 224.º (Eficácia da declaração negocial)
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz”;
“Artigo 245.º (Declarações não sérias)
1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece de qualquer efeito.
2. Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias que induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo prejuízo que sofrer”;
“Artigo 244.º (Reserva mental)
1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.
2. A reserva não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação”;
“Artigo 240.º (Simulação)
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo”.
Ora, considerando os termos das garantias prestadas e as condições do respectivo acionamento pelo BES junto da ora recorrida, de que dão conta os factos provados n.ºs. 53) e 55), bem como, o envio das missivas referenciadas nos factos provados n.ºs. 63) e 65) e, ainda, a circunstância das cartas enviadas à Wallcare o terem sido para a morada contratual, sem demonstração de comunicação de alteração, não se encontra, como se verá, fundamento para a procedência da invocação de violação das disposições contidas nos artigos 236.º, 238.º e 224.º do CC.
Relativamente aos dois primeiros preceitos legais, estão em questão regras relativas à interpretação de declarações negociais, que visam auxiliar o intérprete a fixar o sentido juridicamente vinculante das cláusulas de um negócio, sendo que, no caso dos autos, não resulta evidenciada alguma indevida interpretação e aplicação de tais normas, que, para além da singela alusão do recorrente à violação de tais preceitos, não foi concretizada, de outro modo, nas respetivas alegações.
Quanto ao último preceito legal (artigo 224.º do CC), importa sublinhar que, relativamente à eficácia da declaração negocial, “a nossa lei civil (artº 224º do CC) optou pela teoria da recepção: a declaração é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais este podia conhecê-la em conformidade com os usos (ser enviada para um apartado, para um domicílio, para um local de trabalho) a ponto de, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento, são riscos do destinatário” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-01-2023, Pº 3735/17.5T8LRS-B.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS).
Todavia, tem-se entendido, de há muito, que “o artigo 224º do Código Civil não consagra o princípio da recepção efectiva, bastando-se a lei, para que a declaração seja eficaz, que ela seja colocada ao alcance de destinatário diligente e normalmente consciente das suas responsabilidades” (assim, o Ac. do STJ de 25-01-2000, Pº 99B931, rel. DUARTE SOARES; em semelhante sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 16-12-2021, Pº 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1, rel. RICARDO COSTA), pelo que, surtirá eficácia uma declaração não apenas quando é recebida pelo destinatário, como ainda quando só por sua culpa exclusiva não foi oportunamente recebida.
A missiva enviada para a morada designada em contrato subscrito pela destinatária – cfr. cláusula 37.ª das condições gerais dos contratos de financiamento – será eficaz, se não foi, nomeadamente, demonstrada, nem a falta de concretização da expedição, nem a comunicação de indicação de nova morada para receção de correspondência previamente ao envio, ónus que sempre incorreria a cargo do destinatário, enquanto facto impeditivo da produção de tais efeitos (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC).
Não tendo ocorrido uma tal demonstração – tendo soçobrado a impugnação de facto deduzida a este respeito e resultando demonstrado o envio da correspondência ao respetivo destinatário (cfr. factos provados 63) e 65) ) – sendo mencionado nas próprias missivas que o envio se efetuava registado e com aviso de receção - não poderá proceder a invocada violação do disposto no artigo 224.º do CC.
Mas, ainda que se considerasse não terem produzido o efeito almejado as missivas datadas de 24-11-2017, referidas nos pontos 63) e 65) dos factos provados, nem por isso, deixaria de haver motivo para o pagamento dos valores garantidos pelas garantias autónomas, pois, face ao teor das missivas de fls. 98 a 102vº dos autos (datadas de 25-01-2018 e 12-10-2017), o Novo Banco comunicou à exequente que tinha comunicado o vencimento antecipado dos contratos, “resultante do incumprimento das suas responsabilidades e compromissos contratuais, conforme cópia das nossas cartas que anexamos” e que, “o Banco faz esta declaração para o efeito de lhe ser paga a importância de …., correspondente a 50% do montante de capital em dívida, ao abrigo da Garantia (…), emitida pela LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., assumindo inteira responsabilidade, nomeadamente em relação à Garantida, por todas as consequências decorrentes de qualquer inexatidão das afirmações aqui feitas”.
Ou seja: Em face dos elementos invocados pelo recorrente e tendo presente os elementos documentais carreados para os autos, não se demonstra que a exequente dispusesse, na ocasião em que lhe foi solicitado o pagamento, de prova líquida, sem necessidade de quaisquer diligências, da existência de fraude ou abuso de direito na solicitação de tal pagamento, apontando os elementos documentais que o banco lhe fez chegar no sentido de que a solicitação de pagamento era fundada (sendo que, também não se estava perante qualquer facto público e notório que justificasse, sem outra demonstração, situação justificativa de recusa do pagamento).
Atentos os termos constantes das garantias prestadas, perante a solicitação do Novo Banco, a prestadora das garantias encontrava-se vinculada a efetuar o respetivo pagamento, sem que existisse consignada a necessidade de demonstração de que, antes, o banco tinha comunicado o vencimento antecipado das prestações contratuais, mediante o envio de carta registada com aviso de receção.
O que consta consignado na alínea d) de cada uma das garantias era, tão só, dirigido à ora recorrida e, não, à sociedade garantida: “d) Se o BES declarar antecipadamente vencidas as obrigações de pagamento de capital mutuado, poderá exigir da SGM o pagamento antecipado das obrigações declaradas vencidas que estejam garantidas, na percentagem em que o estiverem, devendo esse pagamento [o pagamento antecipado exigido pelo banco à SGM] ser efetuado no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, comunicando o vencimento antecipado e solicitando o pagamento”. Trata-se, na realidade, de uma estipulação visada relativamente à prestadora da garantia e, não, à sociedade garantida.
Relativamente aos restantes preceitos legais mencionados pelo recorrente, os mesmos reportam-se a figuras que são estudadas a propósito da falta e dos vícios da vontade, na teoria do negócio jurídico e nas quais pode ter lugar uma divergência entre a vontade e a declaração: A “reserva mental” e as “declarações não sérias”.
Enquanto que, na “reserva mental” (e na simulação) existe uma declaração negocial com o intuito de enganar terceiros ou o declaratário, já na figura das “declarações não sérias”, não se visa enganar ninguém (cfr., a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-04-2021, Pº 686/19.2T8CLD.C1, rel. MOREIRA DO CARMO).
A reserva mental consubstancia-se “em o declarante emitir conscientemente uma declaração discordante da sua vontade real, com intenção de enganar o declaratário. Difere, portanto, da simulação, porque: 1) na reserva mental a intenção é de enganar o próprio declaratário; 2) por consequência, não há acordo simulatório. É uma espécie de simulação unilateral, sendo também a simulação, de certo modo, uma espécie de reserva mental bilateral” (assim, Manuel de Andrade; Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 2003, p. 215).
“A relevância jurídica da reserva mental depende do conhecimento de que dela tenha o declaratário. O que se passa no foro íntimo do declarante não prejudica a declaração, embora ela não corresponda à vontade real subjacente. Se a reserva for, porém, conhecida do declaratário, já a divergência entre a vontade real e a vontade declarada produz a nulidade da declaração, como se a divergência resultasse de um acordo e se tratasse de um acto simulado, embora nenhum acordo exista em tal sentido” (cfr., Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 230).
Em suma “a noção parece clara: há declaração com mero intuito interior de enganar o declaratário, não pretendendo o declarante aquilo que declara querer. Pode distinguir-se a reserva absoluta da relativa, consoante o declarante não pretenda negócio nenhum ou antes queira um negócio diferente do declarado” (cfr., Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. I, T. I, Almedina, 2.ª ed., 2000, pp. 583-584).
Por seu turno, “[s]ão declarações não sérias as jocosas (causa ludendi), cénicas ou didácticas. Nelas não há o intuito de enganar e há mesmo a expectativa do declarante de que não sejam tomadas a sério. Se faltam estes requisitos, como no gracejo jocoso feito para enganar, com a convicção de que o destinatário se convencerá da seriedade da declaração, a figura é a da reserva mental” (assim, Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 231).
Nas declarações não sérias estão em causa “situações em que existe um comportamento juridicamente valorado como declaração negocial, sem que contudo o seu autor o haja dirigido à produção de quaisquer efeitos jurídicos” (cfr., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-04-2021, Pº 686/19.2T8CLD.C1, rel. MOREIRA DO CARMO) e, por isso, as mesmas não produzirão efeito negocial (cfr. n.º 1 do artigo 245.º do CC).
Ora, ao contrário do invocado pelo recorrente, não se provou que o BES, nas comunicações remetidas à exequente, soubesse que as garantias estavam ou padeciam de caducidade (cfr. facto não provado n.º 1) – caducidade que, diga-se, não se verificou - não tendo emitido uma declaração não séria, nem, por outro prisma, uma declaração com reserva mental, não se inferindo de qualquer das intervenções tidas pelo BES, quer na aprovação do plano de recuperação do PER (com diverso objeto e, como se viu, sem influência sobre a existência das garantias prestadas pela exequente), quer ulteriormente, que tenha procurado defraudar ou enganar a exequente. O mesmo se diga relativamente à ora recorrida, com respeito à sociedade garantida.
Em face do exposto, não se alcança terem sido violadas as normas dos apontados preceitos legais.
Pode, em face das considerações precedentes, concluir-se que, não se verifica alguma violação dos preceitos legais invocados pelo apelante.
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Em face do exposto, a apelação deverá ser julgada improcedente, com manutenção da decisão recorrida e do juízo de parcial procedência dos embargos de executado deduzidos nos termos aí constantes.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
“Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre o apelante, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 14 de setembro de 2023.
Carlos Castelo Branco
Laurinda Gemas
Pedro Martins