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CRIME ÚNICO
CRIME CONTINUADO
CONCURSO REAL DE CRIMES
PRESSUPOSTOS
CONCURSO APARENTE
CONCURSO IDEAL
CRIME DE BURLA TRIBUTÁRIA
ELEMENTOS OBJECTIVOS DO TIPO
VALOR DO BENEFÍCIO ECONÓMICO
ABUSO DE PODER
CRIME
REQUISITOS
SUBSIDIARIEDADE
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
AGRAVAÇÃO
CONCURSO APARENTE DE CRIMES
Sumário
I – Em matéria de qualificação de crimes, pode ter-se como pacifico que a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime pode constituir um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial, um só crime, na forma continuada, se existirem várias resoluções criminosas, mas estiverem interligadas por factores externos que arrastem o agente para a reiteração das condutas, e um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores. II – Assim, nos casos em que o propósito criminoso que está por detrás da repetição da actividade ilícita deriva de um quadro interior, endógeno, inerente ao próprio arguido, ou seja, naqueles em que estamos perante circunstâncias conscientemente procuradas e criadas pelo próprio para levar a cabo ou concretizar a sua intenção criminosa, e não de uma qualquer disposição exterior das coisas para o facto, que de forma considerável facilitou aquela repetição, não se justifica o tratamento unitário no quadro da continuação criminosa. III – Se o tribunal condena pela prática de um único crime de burla tributária, para o cálculo da vantagem patrimonial pretendida e obtida, terá que ser levada em linha de conta a globalidade da quantia objeto de apropriação, e não a resultante da conduta unitária mais grave. IV – O preenchimento dos elementos objectivos do crime só se verificará quando o erro ou engano provocados pelo agente implique actos positivos da Administração Tributária que coenvolvam uma transferência patrimonial directa do activo do património tributário para o activo de um particular, o agente ou um terceiro. V – Assim sendo, quer os reembolsos de IRS, quer as isenções de IUC, não poderão ser consideradas uma atribuição patrimonial do Estado, já que este, na verdade, e em termos simplistas, nada entregou ao contribuinte, mas apenas permitiu baixar o imposto que teria de ser pago se não tivesse sido encetada uma tal conduta. VI – O crime de abuso de poder poderá concretizar-se mediante o abuso de poderes ou na violação de deveres. VII – O tipo legal de abuso de poder tem carácter subsidiário, na medida em que a disposição em causa só encontra aplicação se o comportamento do agente não preencher tipos legais de crime mais específicos e que prevejam consequência jurídica mais grave, ou, como expressamente ali se prevê, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. VIII – Na agravação do nº4 do artigo 256º do Código Penal tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções, uma vez que é a qualidade de funcionário que funda a agravação, posto que só o agente com essa característica pode cometer o crime. IX – Face ao bem jurídico tutelado pela incriminação legal de abuso de poder, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico, por via da agravação do crime de falsificação de documento, verifica-se um concurso aparente de crimes, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Texto Integral
Proc.º 3330/20.1JAPRT.P1
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no processo comum colectivo nº 3330/20.1JAPRT do Juízo Central Criminal de ... (J3) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, foi em 02.02.2023 proferido acórdão, no qual se decidiu (transcrição):
“IV – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acusação pública parcialmente procedente, por provada e consequentemente, de acordo com a alteração da qualificação jurídica operada, decide-se: I. Parte Criminal
A - Da arguida AA
a) absolver a arguida, como autora, de um crime de burla tributária qualificada do art. 87º, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (atestado multiusos de AA);
b) absolver a arguida, como autora, de um crime de burla tributária qualificada do art. 87º, nºs 1, 2 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (atestado multiusos de BB);
c) absolver a arguida, como autora, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nºs 1 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06 (CITs de AA);
d) absolver a arguida, como autora, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs de BB);
e) absolver a arguida, como coautora, de seis crimes de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs solicitados pelos co-arguidos);
f) absolver a arguida, como coautora, de cinco crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pelos arguidos CC, DD, EE, FF e GG);
g) declarar extinto o procedimento criminal instaurado contra a arguida, como autora, de um crime de acesso ilegítimo do artigo 6º, nºs 1 e 4, a) da Lei nº109/2009, de 15.09 (atestados informatizados em nome de todos os arguidos) por ilegitimidade do Ministério Público nos termos do artigo 49º do Código Penal, por falta de apresentação de queixa nos termos do artigo 115º do Código Penal;
h) condenar a arguida pela prática de um crime de falsificação de documento agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (atestados multiusos de AA e BB) na pena de 2 (dois) anos de prisão;
i) condenar a arguida, como autora, de um crime de burla tributária agravado à Segurança Social do art. 87º, nºs 1, 3 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs de AA e BB) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
j) condenar a arguida, como coautora, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d) e e) e f, 3 e 4 do Código Penal (CITs solicitados pelos co-arguidos) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
k) condenar a arguida, como autora, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d) e e) e f, 3 e 4 do Código Penal (declarações médicas, notas de alta e CIT’s usados nas Seguradoras) na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
l) condenar a arguida, como autora, de um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nºs 1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09 (CITs de todos os arguidos e isenção de taxas moderadoras) na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
m) condenar a arguida, como autora, pela prática de um crime de burla qualificado dos artigos 217º, nº1 e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
n) condenar a arguida, em cúmulo jurídico das penas referidas em h) a m) na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão;
o) condenar a arguida na pena acessória de proibição do exercício de função do artigo 66º do Código Penal pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses;
p) determinar a suspensão do exercício de função da arguida nos termos do artigo 67º do Código Penal enquanto durar a pena única em que foi condenada;
q) determinar a recolha de amostras de ADN à arguida, nos termos do art. 8º, nºs 1 e 2 da Lei nº5/2008, de 12.02
r) condenar a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
B - Do arguido DD
a) absolver o arguido, como coautor, de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pelo arguido para si e para HH);
b) condenar o arguido, como autor, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/06 (CITs do arguido) na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €330,00 (trezentos e trinta euros);
c) condenar o arguido, como coautor, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f, 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s em nome do arguido e de HH) na pena de 7 (sete) meses de prisão substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €1.155,00 (mil, cento e cinquenta e cinco euros);
d) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
C – Do arguido CC
a) absolver o arguido, como coautor, de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pelo arguido para si);
b) absolver o arguido, como co-autor, de um crime de falsificação de documentos agravados do artigo 256º, nºs 1, e) e f, 3 do Código Penal (CIT remetido para a Segurança Social);
c) condenar o arguido, como co-autor, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f, 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s em nome do arguido) na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
a) suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal;
d) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
D - Do arguido EE
b) absolver o arguido, como co-autor, de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pelo arguido para si e para a mulher II);
c) condenar o arguido, como autor, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs em nome do arguido e da mulher) na pena de 1 (um) ano de prisão;
d) condenar o arguido, como co-autor, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f), 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s em nome do arguido e da mulher) na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses;
e) condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c) na pena única de 2 (dois) anos de prisão;
f) suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 2 (dois) anos, nos termos do artigo 50º do Código Penal, mediante o dever de entregar ao Instituto da Segurança Social, dentro do período da suspensão, o valor de €3.077,46€ (três mil e setenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos) e acréscimos legais, nos termos do artigo 14º do RGIT;
g) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
E – Da arguida FF
a) absolver a arguida, como co-autora, de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pela arguida para si e para o arguido JJ);
b) condenar a arguida, como autora, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs do arguido JJ) na pena de 6 (seis) meses de prisão;
c) condenar a arguida, como co-autora, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f), 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s em nome do arguido JJ) na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
d) condenar a arguida, em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c) na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
e) suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal;
f) condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
F – Do arguido JJ
a) condenar o arguido, como autor, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs do arguido) na pena de na pena de 6 (seis) meses de prisão;
b) condenar o arguido, como co-autor, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f), 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s em nome do arguido) na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
c) condenar o arguido, em cúmulo jurídico das penas referidas em b) e c) na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
d) suspender a pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, nos termos do artigo 50º do Código Penal;
e) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
G – Da arguida GG
a) absolver a arguida, como co-autora, de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal (atestados solicitados pela arguida para si e para o arguido KK);
b) condenar a arguida, como autora, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs da arguida) na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €220,00 (duzentos e vinte euros);
c) condenar a arguida, como co-autora, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f), 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s da arguida) na pena de 5 (cinco) meses de prisão substituída por 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros);
d) condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
H – Do arguido KK
a) condenar o arguido, como autor, de um crime de burla tributária à Segurança Social do art. 87º, nº1 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs do arguido) na pena de 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €110,00 (cento e dez euros);
b) condenar o arguido, como coautor, de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, e) e f), 3 e 4 e 28º do Código Penal (CIT’s do arguido) na pena de 3 (três) meses de prisão substituída por 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), no total de €495,00 (quatrocentos e noventa e cinco euros).;
c) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 (duas e meio) UCs, nos termos dos artigos 513º, nº 1 e 3 e 514º, nº1 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais. II. Parte Civil
Pelo exposto, julgam-se os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes, e, em consequência, decide-se:
A – Do pedido de indemnização deduzido pela Autoridade Tributária
a) declarar extinta a instância relativamente a BB, por impossibilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277º, e) do Código de Processo Penal;
b) condenar a arguida/demandada AA no pagamento à demandante da quantia de €20.740,71 (vinte mil, setecentos e quarenta euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
c) condenar demandante e demandada no pagamento das custas do pedido civil, na proporção do respetivo decaimento, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º, nº1 do Código de Processo Civil.
Do pedido de indemnização deduzido pela A... em Portugal
d) declarar extinta a instância relativamente a BB, por impossibilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277º, e) do Código de Processo Penal;
a) condenar a arguida/demandada AA no pagamento à demandante da quantia de €52.360,55 (cinquenta e dois mil, trezentos e sessenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
b) condenar a demandada no pagamento das custas do pedido civil, em virtude do decaimento, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º, nº1 do Código de Processo Civil.
Dos pedidos de indemnização deduzidos pelo Instituto da Segurança Social I. P.
a) declarar extinta a instância relativamente a BB e declarar extinta a instância relativamente a BB, por impossibilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277º, e) do Código de Processo Penal;
b) condenar a arguida/demandada AA no pagamento à demandante da quantia de €27.283,81 (vinte e sete mil, duzentos e oitenta e três euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
c) condenar a demandada no pagamento das custas do pedido civil, em virtude do decaimento, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º, nº1 do Código de Processo Civil.
d) condenar o arguido/demandado DD no pagamento à demandante da quantia de €421,03 (quatrocentos e vinte e um euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
e) sem custas, em razão da isenção pelo valor dos pedidos, nos termos do artigo 4º, nº1, m) do Regulamento das Custas Processuais.
f) condenar o arguido/demandado EE no pagamento à demandante da quantia de €3.077,46 (três mil e setenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido de indemnização civil até integral e efetivo pagamento;
g) condenar demandante e demandado no pagamento das custas do pedido civil, na proporção do respetivo decaimento, nos termos dos artigos 523º do Código de Processo Penal e 527º, nº1 do Código de Processo Civil.
h) declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277º, e) do Código de Processo Penal relativamente a JJ, GG e KK;
i) sem custas, em razão da isenção pelo valor dos pedidos, nos termos do artigo 4º, nº1, m) do Regulamento das Custas Processuais.
(…)”
Inconformados com o acórdão proferido, a arguida AA e o Ministério Público interpuseram recurso para este Tribunal da Relação do Porto, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
A arguida AA
I. Vem a arguida AA, por Acórdão proferido pelo Tribunal Coletivo de ..., em primeira instância, condenada na prática dos seguintes crimes:
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, 3 e 4 do Código Penal (atestados multiusos — IRS e IUCs) a pena de prisão de 2 anos;
- pela prática de um crime de burla tributária agravado do artigo 87°, n°s 1, 3 e 4 do RGIT (CITs em nome do ex-marido da arguida e desta) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal (CITs solicitados pelos co-arguidos) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal (documentos usados para instruir os processos de sinistro junto das seguradoras — CITs, notas de alta, declarações médicas) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nºs 1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09, a pena de prisão de 2 anos e 9 meses;
- pela prática de um crime de burla qualificada dos artigos 217° e 218°, n°s 1 e 2, a) do Código Penal (seguradora A...) a pena de é punido com pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
em cúmulo, na pena de 7 anos e 9 meses de prisão.
II. O objeto do presente Recurso, prende-se essencialmente com a análise e revisão das seguintes questões:
a. Revisão de alguma matéria de facto dada como provada, nomeadamente e concretamente relativamente à condição pessoal e social da Arguida AA, bem como a consideração da reparação parcial dos danos, devendo a mesma ser alterada mediante a prova produzida;
b. A condenação da arguida num único crime na forma continuada de falsificação de documentos agravado, ao invés de três crimes dessa mesma natureza;
c. A desqualificação dos crimes de burla tributária agravado e burla qualificado;
d. A problematização e enquadramento da confissão da Arguida de forma integral os factos e de que demonstrou arrependimento sincero e procedeu à reparação até onde lhe era possível, dos danos causados e que a pena, em cada crime pelo qual foi condenada, deve ser especialmente atenuada nos termos dos artigos 72.°, n.° 2, al c) e 73.° do Código Penal;
e. A dosimetria de cada pena concreta fixada à arguida;
f. A dosimetria da pena fixada no cúmulo jurídico;
g. A suspensão da execução da pena de prisão;
III. Nos concretos pontos de facto que foram incorretamente julgados e devem ser alterados, entende, a defesa da arguida AA, que o Facto 1 no qual o tribunal "a quo" deu como provado que o casal se separou em abril de 2020, deve ser alterado, conforme resulta da prova, e fixado que se separou em junho de 2020, conforme resulta das declarações da arguida AA em Audiência de Julgamento de 19-05-2022, - quando refere (minuto 2 e repetido ao minuto 5) que se separou em junho de 2020 (segunda semana) - declarações essas confirmadas pela testemunha (filha da arguida) LL e pelo ex- marido da mesma BB, sendo que a importância da data da separação prende-se essencialmente com a questão de apuramento de responsabilidades do foro cível da arguida AA junto do ex-marido.
IV. Relativamente ao facto 16 dado como provado, deve o mesmo ser alterado, retirando-se a menção de "reformado" por manifesta ausência de prova.
V. Relativamente aos factos 22 a 28 — Isenção de taxas moderadoras — DD — questão do registo de pensionista, deve também o referido facto ser alterado, retirando-se a menção à qualidade de pensionista em relação ao filho, de acordo com as declarações confessórias prestadas pela arguida AA (minuto 11 e seguintes das suas declarações de 19/05/2022) que merecem credibilidade, aliadas ao facto do DD ser pessoa jovem e sem problemas de saúde crónicos e de necessidade de medicação
VI. Relativamente ao facto 46 II) alíneas e. e f. proveito no IUC relativamente à matrícula ..-VX-.. da propriedade do ex-marido BB, e subsequente prejuízo ao erário público, os mesmos devem ser dados como não provados, porque ao momento do não pagamento dos referidos impostos, a arguida AA encontrava-se separada do Sr. BB, proprietário das viaturas, sendo que o próprio BB declarou que tinha conhecimento da isenção e que beneficiou da mesma, mesmo sabendo e tendo consciência que não tinha direito, sendo um assunto "a tratar..."
VII. Dos factos dados como provados sobre os pontos 62 e 64 — Atestados de incapacidade/burla a Segurança Social — AA, deve ser alterado o valor global de 3.958,50€ e especificado cada valor mensalmente recebido, conforme resultado de cada CIT remetido, sendo essa alteração essencial para a qualificação do crime ou agravamento da moldura penal.
VIII. Pelo exposto, os factos dados como provados sob o ponto 64 devem necessariamente serem alterados, descriminando-se os valores recebido em decorrência de cada valor recebido por cada CIT, descriminando-se, no mínimo, o valor mais elevado recebido numa das condutas que determinará, ou não, a qualificação do crime, devendo o mesmo a passar a ter a seguinte redação "64. Por força de tais atestados forjados, que a arguida AA simulou e apresentou junto da Segurança Social, foi-lhe atribuído, de forma indevida, e em prejuízo da Segurança Social, o valor global de €3.958,50, sendo que o montante individual mais elevado recebido em virtude de utilização dos atestados foi de 323,40€ relativamente ao período de 2021/02, sendo com o qual a arguida se locupletou. (fls. 1 A e 1 B e fls. 37 a 45 APENSO 12 2.° Volume).
IX. No mesma senda, devem os factos dados como provados sobre os pontos 74 e 76 — Atestados de incapacidade/burla à Segurança Social — BB serem alterados
X. Relativamente a estes factos, a discordância prende-se somente com o facto de terem apurado o valor global de 23.325,31€ não especificado cada valor mensalmente recebido, conforme resultado de cada CIT remetido, sendo essa alteração essencial para a qualificação do crime ou agravamento da moldura penal.
XI. Pelo exposto, os factos dados como provados sob os pontos 74. devem necessariamente serem alterados, descriminando-se cada valor recebido em decorrência de cada valor recebido por cada CIT, devendo o facto 76 passar a ter a seguinte redação "76. Por força de tais atestados forjados, que a arguida AA simulou e apresentou junto da Segurança Social, foi atribuído a BB, de forma indevida, e em prejuízo da Segurança Social, o valor global de €23.325,31, sendo que o montante individual mais elevado recebido em virtude de utilização dos CIT foi de 1.009,50€ (respeitante aos meses de junho, agosto e setembro de 2020) com o qual a arguida AA se locupletou."
XII. Também o referido nos anteriores pontos deve-se estender relativamente aos factos dados como provados sobre os pontos 123,124 e 127 — Atestados médicos e documentos médicos falsos para efeitos de seguradoras.
XIII. Pelo exposto, os factos dados como provados sob os pontos 123, 124 e 127 devem necessariamente serem alterados, descriminando-se, no mínimo, o valor mais elevado recebido numa das condutas que determinará, ou não, a qualificação do crime, devendo os mesmos terem a seguinte redação:
a. 123. Os valores pagos relativamente a BB foram relativos a sinistros ocorridos entre 28-07-2008 e 07-06-2019 e ascenderam ao valor total de €27.728,99, sendo que a conduta mais gravosa, ou seja, o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de €873,90 em cada mês, entre 28/08/2008 e 22/07/2009 (doe 4 junto com o Requerimento inicial da A... — documentação A...), calculados da seguinte forma — a arguida AA usava o mesmo CIT para o recebimento das quantias por três contratos de seguros diferentes e seguradoras diferentes - B... e C... - processos de sinistros n.ºs ...17, ...17 e ...17, nos quais se dividiu o valor total pelo número de dias e se multiplicou por cada fracção de 30 dias, ou seja, o correspondente à máxima duração de cobertura de cada CIT.
b. 124. Os vedores pagos relativamente a AA foram relativos a sinistros ocorridos entre 08-02-2010 e 01-03-2017 e ascenderam ao valor total de €24.631,56, sendo que a conduta mais gravosa, ou seja, o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de ou seja, o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de €787.62 em cada mês, entre 26/04/2013 e 20/01/2014 (doe 4 junto com o Requerimento inicial da A... — documentação A...), calculados da seguinte forma — a arguida AA usava o mesmo CTT para o recebimento das quantias por três contratos de seguros diferentes e seguradoras diferentes — D... e C... - processos de sinistros n.°s ...07, ...18 e ...15, nos quais se dividiu o valor total pelo número de dias e se multiplicou por cada fracção de 30 dias, ou seja, o correspondente à máxima duração de cobertura de cada CIT.
c. 127. A arguida AA previu e quis ludibriar a Companhia de Seguros A... quanto à existência dos sobreditos sinistros, o que fez com o intuito concretizado de se locupletar com, pelo menos, a quantia total de €52.360,55, sendo que a conduta mais gravosa, ou seja, o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de €873,90, bem sabendo que tal montante não lhe era devido, nem a BB, e que causava um prejuízo patrimonial à companhia de seguros de montante correspondente.
XIV. Relativamente aos factos dados como provados sobre os pontos 251 a 271 - As condições sócio económicas da Arguida e Relatório Social, deveria o tribunal "a quo" considerar o vencimento ultimo da arguida de 850€, sensivelmente melhor que o considerado no Acórdão.
XV. Deveria o tribunal "a quo", nesta matéria , também considerar como provados o esforço que a arguida AA tem vindo a fazer para reparar, no que lhe é possível, os danos causados, considerando a prova documental junto aos Autos, concretamente que a Arguida requereu e encontra-se a liquidar mensalmente em pagamento prestacional o reembolso de prestações indevidamente recebidas da Segurança Social no montante de 3.958,50€, tendo até à Audiência de leitura de Acordão, liquidado já três prestações — Requerimentos CITIUS dos Mandatários da Arguida com as referências 44210542 e 14057769, de 20/12/2022 e 25/01/2023 respectivamente, bem como junto da Autoridade Tributária requereu que fosse dado provimento aos processos inspetivos, não só à aqui Requerente, mas também ao Sr. BB, que tem demonstrado resistência na concretização dos valores em dívida, para se realizar a substituição dos respetivos valores para, posteriormente, se proceder à liquidação dos impostos necessários.
XVI. Acresce também nesta matéria, que a realidade pessoal e familiar da arguida tem vindo a alterar-se, facto normal e compreensível, com a premente dependência e necessidade da filha menor e mãe da Arguida, em relação à arguida, que por sua vez, e na falta de resposta social, a arguida AA tornou-se cuidadora informal de sua mãe, sendo o seu acompanhamento essencial para a sobrevivência de sua mãe.
XVII. Relativamente à matéria de direito invoca a arguida a desqualificação do crime de burla tributária agravado qualificado devido ao valor — CITS de AA e BB, uma vez que vem a Arguida acusada e condenada na forma do crime continuado — artigo 30.°, n.° 2 do Código Penal, deve, nos termos do artigo 79.°, n.° 1 do Código Penal a moldura penal deve ser aferida pela conduta [unitária] mais grave e não o resultado global de todas as condutas como o Tribunal "a quo" o considerou.
XVIII. Resulta da prova que o valor do subsídio mais elevado recebido de uma só vez corresponde ao montante de 1.009,50€ (respeitante aos subsídios dos meses de junho, agosto e setembro de 2020 do BB) e deve ser com base nesse montante, que necessariamente devemos encontrar a moldura penal, o que necessariamente se passará a enquadrar no número 1 do artigo 87.° do RGIT, ou seja, na sua moldura mais simples e sem qualificação e não qualificado como o Tribunal "a quo" apurou.
XIX. Ao qualificar o crime em causa, na sua vertente qualificada, o tribunal "a quo", não fez correta interpretação do artigo 79.°, n.° 2 do Código Penal, violando o disposto nos artigos 40.°, n.° 2, 71.°, n.° 1 e 2 do Código Penal e 29.°, n.° 3 e 4 da Constituição da Republica.
XX. O crime de burla qualificado devido ao valor — declarações médicas, notas de alta e CITs usados nas seguradoras, também tem que necessariamente ser desagravado, sendo que ocorre falta de fundamentação nos termos dos arts. 374°, n°2 e 379°, n° 1-a), do CPP, atento que considerando a figura do crime continuado, e a falta de indicação de valores concretos, não esclarece como conclui por aquele agravamento.
XXI. Dos autos resulta que o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de 873,90€ em cada mês, entre 28/08/2008 e 22/07/2009 (doe 4 junto com o Requerimento inicial da A... - documentação A...) não alcançando o que se considera de valor elevado ou consideravelmente elevado nos termos das líneas a) e b) do artigo 202.° do Código Penal - 5.100,00€ e 20.400,00€ respectivamente, pelo que a punição terá que necessariamente ocorrer pelo número 1 do artigo 217.° do Código Penal, ou seja, na sua moldura mais simples e sem qualificação.
XXII. Sendo de realçar que não houve apresentação de queixa relativamente a esses factos por parte da lesada.
XXIII. Ao qualificar o crime em causa, o tribunal "a quo", não fez correta interpretação do artigo 79.°, n.° 2 do Código Penal, violando o disposto nos artigos 40.°, n.° 2, 71.°, n.° 1 e 2 do Código Penal e 29.°, n.° 3 e 4 da Constituição da Republica.
XXIV. Também pugna a Arguida, por se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos do artigo 30.°, n.° 2 do Código Penal, pela condenação num único crime na forma continuada de falsificação de documentos agravado, relativamente aos crimes de falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal (atestados multiusos — IRS e IUCs), falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal (CITs solicitados pelos co-arguidos) e falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal (documentos usados para instruir os processos de sinistro junto das seguradoras — CITs, notas de alta, declarações médicas).
XXV. Com efeito a arguida com os seus actos procedeu a uma realização plúrima do mesmo tipo de crime que protege o mesmo bem jurídico — o de falsificação em que o bem jurídico violado é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório.
XXVI. A execução foi homogénea — todas as falsificações foram realizadas de forma semelhante, preenchendo CITs com informações que não correspondiam à verdade, concluindo pela assinatura do documento. A forma, método e inclusive, grande parte dos campos eram preenchidos recorrendo-se do mesmo tipo de informação — justificações médicas. O conteúdo da informação, o tipo de documentação e a forma como o fazia, foi, em todos eles similar.
XXVII. Havendo uma unidade de dolo e uma persistência de uma "situação exterior que facilitou a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente — o fácil e directo acesso que a arguida tinha aos documentos — CITs em branco, aos computadores, senhas e passwords e vinhetas dos médicos que a habilitaram, desde sempre, pela confiabilidade que merecia aos seus superiores, a utilizar estes estratagemas para emissão de tais documentos e bem assim, a circunstância de ausência de auditorias e controlo na emissão dos referidos documentos.
XXVIII. Também o Tribunal "a quo" não considerou a confissão dos factos pela Arguida de forma integral e de que demonstrou arrependimento sincero e procedeu à reparação até onde lhe era possível, dos danos causados e que a pena, em cada crime pelo qual foi condenada, atenuando especialmente a pena nos termos dos artigos 72.°, n.° 2, al. c) e 73.° do Código Penal, instituto que não é afastado pelo facto de se tratar de crime continuado.
XXIX. No mínimo, e se não estendido a todos os crimes, falamos concretamente, e subsidiariamente caso não venha a ser considerado que a arguida praticou um crime continuado de falsificação de documentos, relativamente ao crime de falsificação de CITs para terceiros, no qual se apurou, a arguida AA agiu sem obtenção de algum ganho, sendo que em grande parte dos casos as pessoas estavam doentes e noutros, limitou-se a agilizar o "favor" num período de pandemia por COVID-19, tendo a arguida AA confessado os factos e demonstrado arrependimento sincero, e os danos em relação a esses CITs, senão se encontram integralmente reparados, encontram- se em vias de o serem.
XXX. Discorda também a arguida da dosimetria de cada pena concreta fixada, as quais considera excessivas, não fazendo correta e justa interpretação dos artigos 70° e 71.° do Código Penal.
XXXI. Com efeito, considerando as penas concretas aplicadas, algumas delas quase nos seus limites máximos, o tribunal "a quo" não valorizou o minimamente o facto da arguida ser primária, ter confessado os crimes, o arrependimento demonstrado e a sua actuação posterior ao crime, nomeadamente na reparação parcial, bem como à sua condição pessoal e social, nomeadamente de se encontrar familiarmente e socialmente integrada, exercendo um trabalho por conta de outrem, o facto de ter uma filha menor ao seu encargo, totalmente dependente da arguida, o facto de ter uma mãe totalmente dependente da arguida, o facto de ter vindo a manter uma conduta de acordo com a lei e o direito, colaborando com a justiça e acima de tudo, encontrar-se integrada na sociedade.
XXXII. De referir que relativamente à filha da arguida, a mesma não detém relação próxima com qualquer outro familiar, nomeadamente com o Pai, com o qual subsiste uma relação de total desenraizamento.
XXXIII. Mas o elemento mais importante, é o facto de a arguida ter vivenciado a reclusão decorrente de medida de coação inicialmente aplicada, que decerto é elemento dissuasor para que a arguida incida novamente na prática do crime.
XXXIV. O Tribunal "a quo" não teve somente mão pesada, mas excedeu-se nas medidas concretas das penas, contrariando-se inclusive, quando no cúmulo, vem a definir que a pena única deve ser encontra no primeiro quarto das molduras, quando na penas concretas, condenou no limite dos 2/3 da moldura da pena, quando deveria ser no 1/3 da moldura da pena.
XXXV. Devendo à arguida, no limite,
a. No crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal - deveria ser aplicada a pena de prisão de 1 e 6 meses por cada crime que foi condenada, ou compreendendo-se na forma continuada, na pena de prisão de 2 anos;
b. No crime de burla tributária do artigo 87°, n°s 1 - deveria ser aplicada a pena de multa até 360 dias, a fixar-se nos 100 dias á razão diária de 6€;
c. No crime de falsidade informática agravado do artigo 3o, n°s 1 e 5 da Lei n°109/2009, de 15.09 - deveria ser aplicada pena de prisão especialmente atenuada de 1 ano e seis meses;
d. No crime de burla, artigo 217.º, n.º 1 Código Penal - se não absolvida, pena de multa de 150 dias à razão diária de 6€.
XXXVI. Sendo que discorda da dosimetria da pena no cúmulo jurídico, discordância que implicitamente se retira também do Ministério Público, que em alegações, a digníssima Procuradora do Ministério Público, considerou ser suficiente a fixação de uma pena de 5 anos e meio à arguida, pelo que a pena fixada pelo tribunal "a quo" surpreendeu, pela negativa, por excessiva e desproporcional.
XXXVII. É manifestamente excessiva a pena concreta apurada, considerando a ilicitude, a culpa e o comportamento da arguida com o presente processo, sendo que o tribunal "a quo" fez tábua rasa do que a favor da arguida se considerou e puniu-a como se de uma reincidente irrecuperável se tratasse.
XXXVIII. Bem como a reclusão da Arguida não traz qualquer beneficio aos lesados, obstaculizando e tornando de todo impossível a reparação.
XXXIX. Pelo exposto, e de acordo com o que consideramos justo, conforme supra exposto, no caso em concreto a moldura do concurso dever-se-ia fixar-se entre os 2 anos e os 5 anos, caso se considere unidade dos crimes de falsificação de documentos, ou entre 1 ano e seis meses e os 6 anos, caso se mantenha a destrinça dos crimes de falsificação, e a pena de 150 a 300 dias de multa.
XL. Devendo ser considerando, que a arguida é primária, confessou os factos, o arrependimento demonstrado e os valores em causa (que não são milionários como o tribunal "a quo" parece pretender dar a entender) nunca seria de se fixar o cúmulo em penas, de prisão superior a 3 anos (mas sempre abaixo dos cinco anos) e nos 200 dias de multa à razão diária de 6€
XLI. Em resultado da pena concreta que vier a ser fixada, é também importante que se equacione a suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que os mesmos se encontram preenchidos, atento que é possível concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, considerando que a mesma já cumpriu reclusão, enquanto medida de coação, encontra-se integrada familiar, laboral e socialmente, a idade da arguida, as relações de dependência de terceiros em relação à arguida, nomeadamente a filha menor e mãe dependente, e o facto que tem vindo a demonstrar ser merecedora de uma oportunidade, e que se diga, será a primeira (e para a arguida a última) para cumprimento da prisão em liberdade, sob um regime de prova, que naturalmente a Arguida aceitará.
XLII. Por último, e em relação ao pedido de indemnização cível em relação à Seguradora A..., e perante a qual, por dever de patrocínio, foi arguida a prescrição de parte dos referidos montantes na Contestação, o Tribunal nem sequer se pronunciou, pelo que se verifica omissão de pronúncia nos termos do artigo 379.°, n.° 1, alínea c) do CPP
Termos em que, recebendo os Venerados Desembargadores o presente Recurso, e I. condenando a arguida,
a. Num único crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal;
b. Desqualificando o crime de burla tributária para a previsão do artigo 87°, n°s 1 do RGIT
c. Desqualificando o crime de burla para a previsão do artigo 217.°, n.° 1 Código Penal (se não absolvida)
II. Considerando a atenuação especial da pena devida pela confissão, arrependimento e ressarcimento possível;
III. Reduzindo a dosimetria de cada pena concreta fixada e a obtida em cúmulo jurídico;
IV. Suspendendo a execução de pena de prisão que vier a ser aplicada.
FARÃO INTEIRA JUSTIÇA
O Ministério Público:
1. Foi a arguida AA absolvida da prática do crime de burla tributária que lhe vinha imputado relativamente ao uso de atestado de multiusos para efeitos de atribuição de reembolso de IRS e de isenção de IUC, por se ter considerado que tais condutas preenchem antes a conduta descrita no artigo 256º, nºs 1, alíneas a), c), d), e) e f), 3 e 4, do Código Penal
2. Discorda-se de tal entendimento, porquanto se entende que a conduta da arguida se subsume na íntegra à prática dos crimes de burla tributária que lhe vinham imputados (ainda que se entenda que, de facto, a conduta é uniforme e se subsuma apenas a um crime). É que, seguindo-se o entendimento do Tribunal a quo, nunca ocorreria o crime de burla tributária quando estivessem em causa disposições patrimoniais por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Ora, e relativamente ao fabrico e utilização de atestados multiusos em seu nome e em nome de BB, documentos esses elaborados para que pudesse beneficiar de isenção de IUC ao longo dos anos, assim como para obter a devolução da quase totalidade do IRS que lhes foi retido ao longo dos anos, é nosso entendimento que se trata de um verdadeiro crime de burla tributária, porque: (i) tratam-se de condutas fraudulentas, dirigidas à ATA, prestando informações falsas, tendo por base documentos falsificados; (ii) em face dessas informações, a A.T.A. incorreu em erro, configurando deste modo a situação tributária do agregado familiar numa perspectiva desconforme com a realidade (ou seja, fazendo os pertinentes cálculos para efeitos de reembolso); (iii) induzida nesse erro, a ATA actuou com prejuízo para a esfera patrimonial do Estado, necessariamente mediante a realização de atribuições patrimoniais (precisamente, a atribuição de benefícios fiscais, traduzidos na concessão de isenção de IUC e na entrega da quase totalidade dos montantes retidos a título de IRS anteriormente entregues); (iv) dessas atribuições, resultou enriquecimento do agente (e de terceiro).
4. Defende o acórdão recorrido que a isenção de IUC e a entrega da totalidade do IRS retido não consubstancia um enriquecimento do agente, mas sim um não empobrecimento, porquanto tais valores foram retidos aos arguidos (e, por isso, não seriam atribuições patrimoniais); defende-se na referida decisão que a conduta da arguida visou, não um aumento do seu activo patrimonial, mas antes o evitar de uma diminuição do seu património.
5. Discordamos de tal entendimento. A partir do momento em que são retidas quaisquer quantias nos salários dos trabalhadores, tais quantias não mais são propriedade do próprio, passando a ser propriedade do Estado Administração Fiscal. São, aliás, uma das receitas do Estado. E, se tais quantias são uma das receitas do Estado, são, também, sua propriedade, pelo que o eventual reembolso (A lei fala sempre em reembolso de IRS, sendo que, como é sabido, tal expressão significa restituição, ressarcimento), no ano seguinte, é uma verdadeira atribuição patrimonial.
6. Aliás, se tais quantias não fossem propriedade do Estado, dificilmente se compreenderia que, por exemplo, nos crimes de abuso de confiança fiscal, o titular dos interesses juridicamente protegidos pelo crime em apreço (cfr. Artigo 105º, do RGIT) fosse o Estado – teria que ser o particular a quem o valor fosse retido e cuja entidade empregadora não o entregasse nos cofres do Estado, a reclamar, perante quem o reteve, a sua entrega.
7. A ser como entendem os srs. Juízes que compuseram o Tribunal a quo, o crime de burla tributária nunca abarcaria disposições fiscais, já que a A.T.A. não atribui subsídios, pensões e outros rendimentos, como é o caso da Segurança Social. Todavia, o tipo legal em apreço reporta-se expressamente à administração tributária. Na verdade, entendendo-se deste modo, a expressão “determinar a administração tributária” constante da norma jurídica em causa estaria desprovida de sentido e seria como “não escrita”, pois que não seria aplicável a qualquer situação, já que a A.T.A não atribui, como é sabido, quaisquer subsídios ou prestações.
8. Acontece que o legislador fez constar “administração tributária” no tipo legal; e, nos termos do artigo 9º, n.º3, do Código Civil, o intérprete deverá sempre presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento do modo mais adequado.
9. Assim, cometeu a arguida um crime de burla tributária (fiscal) qualificada (atento o valor em causa) – e não 2, porquanto as comunicações em causa visavam a mesma declaração de IRS, conjunta e que beneficiava ambos arguida e marido – concordando-se aqui com a decisão recorrida, no sentido de que a conduta da arguida integra apenas uma resolução criminosa.
10. Quanto à pena a aplicar portal crime, concorda-se com a pena parcelar aplicada pelo Tribunal a quo relativamente ao crime de falsificação de documento agravado quanto a esta conduta, ou seja, 2 anos – pena que propugnamos para o crime em apreço.
11. Acresce que foram os arguidos AA, DD, CC, EE, FF e GG absolvidos da prática dos crimes de abuso de poder que lhes vinham imputados.
12. Não podemos, de todo, concordar nem com a absolvição por tais crimes. E precisamente com base em tudo quanto foi dado como demonstrado no acórdão ora colocado em crise.
13. Olhando para os factos dados por provados, parece-nos evidente que a arguida AA, funcionária administrativa da ARS, extravasando as funções que lhe competiam nessa qualidade, e aproveitando-se do facto de ter acesso às palavras-passe de acesso dos médicos que exerciam funções no Centro de Saúde onde prestava serviço, violou os deveres que lhe estavam afectos e elaborou os referidos documentos falsos. Na verdade, atentando contra as funções públicas que desempenhava, e actuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou para que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas, elaborou documentos falsos, com a clara intenção de beneficiar os demais arguidos.
14. E os demais arguidos, sabendo dessa qualidade de funcionária da arguida AA, solicitaram-lhe que providenciasse por lhes arranjar CIT, que sabiam ser falsos, sabendo que, com tal conduta, AA abusaria das suas funções e violaria os deveres inerentes à mesma.
15. Destarte, parece-nos evidente que os arguidos cometeram os crimes de abuso de poder que lhes vinham imputados, pois que, pese embora o tipo legal de crime em apreço seja subsidiário, nos termos do artigo 382º, do Código Penal, e pese embora os arguidos tenham actuado com o objectivo de fabricar/utilizar documentos falsos, documentos esses fabricados por funcionária, a verdade é que, contrariamente ao referido na decisão ora colocada em crise, o bem jurídico protegido por ambas as normas (artigo 382º e 256º, nºs 1 e 4, ambos do Código Penal) não é o mesmo.
16. Aliás, tal subsidiariedade tem que ver com os demais ilícitos criminais tipificados no capítulo IV, do Título V (Crimes contra o Estado), do Código Penal – sendo que o crime de falsificação de documento sequer se insere em tal capítulo (aliás, nem no mesmo título).
17. No crime de abuso de poder protege-se a autoridade e credibilidade da administração do Estado, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e, no crime de falsificação de documento perpetrada por funcionário, protege-se a segurança e a confiança no tráfico jurídico probatório (ainda que, no caso em apreço, perpetrada por funcionário no exercício das funções). Sendo bens jurídicos distintos, o concurso entre ambos os ilícitos é real/efectivo – e já não aparente.
18. A arguida não se limitou a fabricar documentos falsos, na qualidade de funcionária pública – crime que poderia perpetrar, sem que cometesse o crime de abuso de poder (por exemplo, se os formulários CIT estivessem legitimamente em seu poder e a arguida, no exercício de funções de funcionária, fabricasse, a partir deles, documentos falsos); a arguida, para além disso, abusou dos poderes que tinha, acedendo às bases de dados dos médicos para o efeito.
19. Mais resultou provado que a arguida sabia que, actuando do modo descrito, atentava contra as funções públicas que desempenhava, agindo em deslealdade para com o SNS e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àqueles e que, por outro lado, estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa da ARS, sabendo ainda que não lhe competia a emissão de qualquer CIT.
20. Assim, as condutas da arguida integram, para além do crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1 e 4, do Código Penal, também o crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382º, do mesmo Código.
21. Tal crime, nos termos do artigo 28º, do aludido diploma legal, comunica-se aos demais arguidos, atendendo a que estes sabiam da qualidade da arguida AA, solicitando-lhe que emitisse os respectivos CIT, agindo em conluio com aquela.
22. Deverão, assim, os arguidos ser condenados pela prática dos crimes de abuso de poder que lhes vinha imputado em sede de decisão instrutória.
23. Assim, a arguida AA ser condenada, além dos demais crimes constantes do acórdão recorrido (com a alteração supra expendida, a propósito do crime de burla tributária fiscal), também pelo crime de abuso de poder, na pena de 10 meses de prisão, mantendo-se, contudo, a pena única aplicada pelo Tribunal a quo.
24.DD deverá ser condenado, para além dos crimes por que o foi no acórdão recorrido, ainda na pena de 60 dias de multa, pela prática de um crime de abuso de poder e, em cúmulo jurídico com a pena pelo crime de burla tributária, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €660, assim como pelo crime de falsificação de documento agravado, na pena de 7 meses de prisão, substituída, nos termos do artigo 45º, do Código Penal, por 210 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €1.155,00.
25.CC ser condenado, para além do crime de falsificação de documento agravado, pela prática do crime de abuso de poder, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €7,00, num total de €1.260.
26.EE ser condenado pela prática, em concurso efectivo, dos crimes de burla tributária, falsificação de documento agravado e abuso de poder, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de, nesse prazo, pagar o valor correspondente à vantagem patrimonial que obteve com a sua conduta.
27.FF ser condenada pela prática, em concurso efectivo, dos crimes de burla tributária, falsificação de documento agravado e abuso de poder, na pena única de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
28.GG deverá ser condenada, para além dos crimes por que o foi no acórdão recorrido, ainda pela prática de um crime de abuso de poder, na pena de 90 dias de multa e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada pelo crime de burla tributária, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €660, e pela prática do crime de falsificação de documento agravado, na pena de 5 meses de prisão, substituída, nos termos do artigo 45º, do Código Penal, por 150 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €825,00.
Deste modo, e em suma, ao absolver os arguidos AA, DD, CC, EE, FF e GG da prática dos crimes de abuso de poder por que vinham pronunciados (embora com as ressalvas mencionadas supra), violou o Tribunal a quo os artigos 256º, nºs 1 e 4 e 382º, ambos do Código Penal, devendo, por isso, o acórdão recorrido ser revogado nesta parte e substituído por outro que os condene pela prática dos aludidos crimes e, nessa sequência, fixe as penas únicas supra indicadas a cada um dos arguidos.
Por outro lado, ao absolver a arguida AA da prática do crime de burla tributária (por referência aos atestados multiusos de incapacidade) e ao condená-la pela prática do crime de falsificação de documento agravado, violou o Tribunal a quo os artigos 87º, n.º1, do RGIT e 256º do Código Penal, devendo também o acórdão recorrido ser revogado nesta parte e substituído por outro que a condene nos moldes propugnados (ainda que se mantenha a pena única aplicada a AA).
Deste modo, farão V. Exas. J U S T I Ç A”
*
Por despacho proferido em 15.03.2023, foram os recursos regularmente admitidos com regime de subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Apresentaram resposta aos recursos:
- O Ministério Público
- A arguida AA
- O arguido DD
- O arguido CC
- O arguido EE
Das quais se transcrevem os respetivos quadros conclusivos:
Ministério Público
Deve o recurso interposto pela arguida ser julgado totalmente improcedente e, em consequência:
- Mantendo-se integralmente os factos dados como demonstrados, por corresponderem à prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
- Não se vislumbrando qualquer razão para dar como demonstrados outros;
- Manter-se a qualificação jurídica efectuada pelo Tribunal a quo quanto aos crimes aqui em causa (e com a alteração pugnada no recurso por nós interposto);
- As concretas penas parcelares aplicadas não são excessivas, mantendo-se na íntegra as penas parcelares e a pena única – admitindo-se embora que esta possa ser reduzida a 7 anos de prisão;
Deverá, por isso, e nesta parte, ser mantido na íntegra o douto acórdão proferido – apenas com as alterações referidas no recurso interposto pelo M.P.
Arguido DD
Deve o acórdão objecto de recurso, nesta matéria, ser confirmado, negando-se provimento ao recurso interposto pelo ministério Público.
ArguidoCC
Termos em que, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, na parte que afeta o arguido CC
CC, e sendo proferido acórdão que confirme a decisão recorrida, mantendo a absolvição do arguido dos crimes de abuso de poder de que vinha pronunciado, farão vossas excelências, como sempre, inteira e sã justiça!
Arguido EE
Termos em que, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e sendo proferido acórdão que confirme a decisão recorrida, mantendo a absolvição do arguido dos crimes de abuso de poder de que vinha pronunciado.
Fazendo, assim, inteira e sã justiça.
Arguida AA
Termos em que, considerando improcedente o Recurso interposto pelo Ministério Público farão, os Venerandos Desembargadores INTEIRA JUSTIÇA
Subiram os autos a esta Relação e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), pronunciou-se pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público com a seguinte rectificação: divergindo da Magistrada do Ministério Público recorrente, entendemos que face ao disposto no art.º 87.º n.ºs 2 e 4, do R.G.I.T. sendo a moldura da pena aplicável de 1 a 5 anos de prisão, a mesma prevista para o crime de falsificação pelo qual a arguida foi condenada (art.º 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal), se vier a ser condenada conforme entendemos pelo crime de burla tributária, não haverá lugar à condenação pelo crime de falsificação - e, pelo contrário, subscrevendo a resposta do Ministério Público, deverá improceder o recurso da arguida AA.
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Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do CPP, apresentaram resposta ao parecer:
- O recorrido DD, que reitera na integra o teor da resposta apresentada ao recurso interposto pelo Ministério Público, mais entendendo que o parecer poderia ter dado um contributo mais sólido e refletido no que concerne à problemática a si atinente.
- Os recorridos GG e KK sustentam que a decisão recorrida é quanto a eles inatacável e insuscetível de censura por parte desta Relação.
- A arguida AA afirma que o parecer não acrescenta qualquer contributo para a discussão e resolução do thema decidendum e remete em síntese para o já alegado em sede de Recurso interposto por si e resposta ao Recurso interposto pelo Ministério Público.
Adicionalmente junta aos autos a Acusação Pública deduzida pelo Ministério Público contra o seu ex-marido, em que foi vítima de violência doméstica, durante o período em que perdurou a prática dos factos, superveniente ao seu julgamento.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Entre outros, pode ler-se no Ac. do STJ, de 15.04.2010, disponível in www.dgsi.pt.: “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, sobressaem as seguintes questões a apreciar:
Arguida AA
- Revisão de alguma matéria de facto dada como provada, relacionada com a separação da arguida e marido BB; registo do BB como reformado; DD — questão do registo de pensionista; proveito no IUC relativamente à matrícula ..-VX-.. da propriedade do ex-marido BB; Atestados de incapacidade/burla a Segurança Social — AA; Atestados de incapacidade/burla à Segurança Social — BB; Atestados médicos e documentos médicos falsos para efeitos de seguradoras; As condições sócio económicas da arguida
De direito:
- A condenação da arguida num único crime na forma continuada de falsificação de documentos agravado ao invés da condenação em vários crimes do mesmo tipo;
- A desqualificação dos crimes de burla tributária agravado e burla qualificado devido ao valor;
- A atenuação especial das penas nos termos dos artigos 12º, nº 2, al. c) e 73º do Código Penal, em consequência da confissão integral da Arguida dos factos, demonstração de arrependimento sincero e reparação até onde lhe era possível, dos danos causados, em cada crime pelo qual foi condenada;
- A dosimetria de cada pena fixada e da pena única do cúmulo jurídico e a suspensão da execução da pena de prisão;
Ministério Público:
- Absolvição da prática do crime de burla tributária (a que se reportam os factos dados como provados sob os itens nºs 7 a 10 e 36 a 56 por referência aos atestados multiusos de incapacidade) relativamente às condutas perpetradas pela arguida AA no sentido de obter o reembolso de IRS ao longo dos anos, assim como o não pagamento de IUC
- Punição pela prática do crime de falsificação de documento.
- Absolvição dos arguidos AA, DD, CC, EE, FF e GG da prática dos crimes de abuso de poder pelos quais haviam sido acusados e pronunciados.
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Perante as questões suscitadas no recurso, torna-se essencial - para a devida apreciação do seu mérito - recordar o conteúdo do acórdão recorrido, mormente a enumeração dos factos provados e não provados, a respetiva motivação e o enquadramento jurídico – na parte que importa analisar (transcrição):
“II. Fundamentação De facto Factos provados
Da prova produzida, resultaram provados os seguintes os factos, com relevância para a causa:
1. A arguida AA contraiu casamento com BB a 30 de junho de 1997, que seria dissolvido por divórcio decretado por sentença de 19 de junho de 2020, embora o casal estivesse separado de facto pelo menos desde abril de 2020.
2. A arguida AA é funcionária pública desde 01 de outubro de 1999.
3. Desde 01/02/2003 e até 11/03/2008, a arguida AA exerceu as funções de Assistente Administrativa no Centro de Saúde 1....
4. A partir de 17 de março de 2008, a arguida AA exerceu as mesmas funções de Assistente Administrativa no Centro de Saúde 2... – USF Sudoeste (a qual comporta dois polos – ... e ...).
5. Com efeito, desde 17 de março de 2008, que a arguida vem exercendo funções como Assistente Técnica, na Unidade de Saúde Familiar Sudoeste, Pólo de ... e Pólo de ... (de forma mais pontual), o primeiro sito na Avenida ..., em ... e o segundo sito na Rua ..., ..., ....
6. À arguida competia-lhe, em concreto, as seguintes tarefas, entre outras que eventualmente lhe fossem solicitadas:
- receber e encaminhar adequadamente os pedidos de renovação de medicação crónica,
- receber, identificar as necessidades do interlocutor e encaminhar adequadamente as chamadas telefónicas,
- conhecer todos os procedimentos relacionados com a isenção de taxas moderadoras, transportes e reembolsos,
- assegurar, quando necessário, o serviço em regime de intersubstituição, - encaminhar adequadamente os utentes para o profissional que dará resposta às suas solicitações,
- receber, atender e encaminhar os utentes
- agendar consultas programadas e de doença aguda (consulta aberta), - proceder ao atendimento e encaminhamento do utente,
- solicitar vinhetas para o corpo clínico (médicos).
7. A arguida AA, enquanto funcionária pública, conhecia e conhece os deveres a que se encontra obrigada no exercício das suas funções, nomeadamente o dever de isenção, bem sabendo que o mesmo consiste em não retirar vantagens, diretas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce, dever esse previsto no artigo 73º, nºs 1 e 2, als. b) e 4 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014 de 20 de Junho.
8. Porém, desde o ano de 2008, após a sua colocação definitiva na referida Unidade de Saúde Familiar 2..., que a arguida vem desenvolvendo condutas criminosas, com vista à obtenção, nomeadamente para terceiros, de benefícios patrimoniais ilegítimos, em clara violação dos deveres funcionais a que se encontra sujeita, nos termos que infra se referem.
9. Em data não concretamente apurada, com grande probabilidade após o ano de 2008, de forma não apurada, a arguida AA teve conhecimento da “password” dos médicos MM, NN, OO, PP, QQ, RR e SS [cujo nome certamente por lapso aqui foi mencionado face aos factos provados nº67] e, bem assim do corpo de enfermagem da referida Unidade de Saúde Familiar, passwords essas que anotou e guardou consigo com vista a aceder ao sistema informática do SNS em nome de tais pessoas, utilizando tais credenciais, para os mais variados fins, como proceder à emissão de declarações e atestados médicos em nome da própria e terceiros, sem correspondem à realidade. (fls. 61 Apenso 7).
De facto,
10. Na constância do matrimónio com BB, a arguida AA, aproveitando-se das funções que exercia e do acesso que lhe era facultado aos documentos dos vários utentes da USF e às bases de dados do sistema da Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente às plataformas SINUS e RNU (Registo Nacional de Utente) decidiu, obter para si, para o casal para o filho de ambos, o arguido DD, isenções de taxas moderadoras, reduções de impostos e outros benefícios fiscais, como abaixo melhor se descreve.
(ISENÇÃO DE TAXAS MODERADORAS – BB)
11. Assim determinada, no ano de 2008, a arguida AA, acedeu a tal sistema informático (plataformas SINUS e RNU (Registo Nacional de Utente), em concreto à ficha de utente de BB e, uma vez ali, ativou o campo destinado à “Isenção de Taxa Moderadora” daquele, renovando tal conduta ao longo do tempo.
12. Desse modo, fez constar, incorretamente, no sistema informático do Sistema Nacional de Saúde, que BB estaria em condições de ser isentado do pagamento de taxas moderadoras por se tratar de dador benévolo de sangue, tendo-o feito, nas seguintes ocasiões:
a. pela primeira vez, para o período de 28/07/2008 a 16/06/2009, registando a informação “dadores benévolos de sangue – Não Beneméritos”;
b. pela segunda vez, renovou tal isenção para o período de 24-05-2011 a 14-06-2012, registando a informação “dadores benévolos de sangue – Não Beneméritos”;
c. pela terceira vez, renovou tal isenção para o período de 10-02-2012 a 01-02-2013, registando a informação “dadores benévolos de sangue – Não Beneméritos”;
d. pela quarta vez, renovou tal isenção para o período de 01-01-2013 a 11-03-2014, registando a informação “dadores benévolos de sangue – Não Beneméritos”;
e. pela quinta vez, e última, renovou tal isenção para o período de 11-03-2014 a 10-08-2020, registando a informação “dadores benévolos de sangue – Beneméritos”.
13. Como consequência de tais condutas, ao longo dos referidos períodos temporais, BB esteve isento do pagamento de taxas moderadoras, ou seja, não pagou consultas ou exames médicos.
14. Por via da conduta de AA, os Cofres do Estado sofreram um prejuízo patrimonial não apurado, decorrente do não pagamento que era devido pela assistência que BB recebeu ao longo destes anos.
15. BB nunca foi dador de sangue, não podendo, por via disso, ser beneficiário de tal isenção de pagamento de taxas moderadoras.
16. Muito menos se encontra reformado, pois que sempre laborou e labora por conta de outrem, não auferindo qualquer pensão de velhice.
17. AA atuou com o propósito, conseguido, de falsear os dados na ficha de utente BB, em seu benefício e em benefício daquele e respetivo agregado familiar, bem sabendo que tais informações determinariam prejuízo para o Estado, ao não pagar as taxas devidas pela assistência médica que àquele era prestada, interferindo no tratamento dos dados do sistema informático.
18. Fê-lo, adulterando os dados constantes do sistema informático, produzido documentos e informações falsas que foram consideradas como verdadeiras pelo Sistema Nacional de Saúde, e abusando das funções que desempenhava.
19. A arguida AA agiu sabendo que os documentos produzidos não correspondiam à realidade, que lesava o Serviço Nacional de Saúde com a utilização dos mesmos, o que quis e conseguiu.
(ISENÇÃO DE TAXAS MODERADORAS – DD)
20. Assim determinada, no ano de 2019, a arguida AA, acedeu a tal sistema informático do Sistema Nacional de Saúde (plataformas SINUS e RNU (Registo Nacional de Utente), em concreto à ficha de utente do seu filho, o arguido DD e, uma vez ali, ativou o campo destinado à “Isenção de Taxa Moderadora” daquele, renovando tal conduta ao longo do tempo.
21. Desse modo, fez constar, erroneamente, no sistema informático, que DD estaria em condições de ser isentado do pagamento de taxas moderadoras, no período compreendido entre 13/07/2019 a 14/07/2020 por se tratar de dador benévolo de sangue.
22. Mais fez constar, inexatamente, no sistema informático do Sistema Nacional de Saúde, que o arguido DD está no regime especial de comparticipação de medicamentos por ser “pensionista”, sendo que este arguido, nascido em 2001, é trabalhador-estudante e não beneficia da pensão de velhice.
23. Como consequência de tais condutas, no referido período temporal, o arguido DD esteve isento do pagamento de taxas moderadoras, ou seja, não pagou consultas ou exames médicos e, até à presente data, beneficia de descontos especiais, por ser “pensionista” na comparticipação em medicação.
24. Por via da conduta da arguida AA, os Cofres do Estado sofreram um prejuízo patrimonial não apurado, decorrente do não pagamento que era devido pela assistência que DD recebeu ao longo destes anos e, bem assim, pela comparticipação em medicamentos.
25. O arguido DD nunca foi dador de sangue, não podendo, por via disso, ser beneficiário de tal isenção de pagamento de taxas moderadoras e muito menos se encontra reformado por velhice.
26. AA atuou com o propósito, conseguido, de forjar os dados na ficha de utente do arguido DD, em seu benefício e em benefício daquele e respetivo agregado familiar, bem sabendo que tais informações determinariam prejuízo para o Estado, ao não pagar as taxas devidas pela assistência médica que àquele era prestada e medicamentos, interferindo no tratamento dos dados do sistema informático.
27. Fê-lo, adulterando os dados constantes do sistema informático, produzido documentos e informações falsas que foram consideradas como verdadeiras pelo Sistema Nacional de Saúde, e abusando das funções que desempenhava.
28. A arguida AA agiu sabendo que os documentos produzidos não correspondiam à realidade, que lesava o Serviço Nacional de Saúde com a utilização dos mesmos, o que quis e conseguiu.
(ISENÇÃO DE TAXAS MODERADORAS – AA)
29. Assim determinada, no ano de 2009, a arguida AA, acedeu a tal sistema informático do Sistema Nacional de Saúde (plataformas SINUS e RNU (Registo Nacional de Utente), em concreto à sua própria ficha de utente e, uma vez ali, ativou o campo destinado à “Isenção de Taxa Moderadora” renovando tal conduta ao longo do tempo.
30. Desse modo, fez constar, falsamente, no sistema informático, que a própria estaria em condições de ser isentada do pagamento de taxas moderadoras, no período compreendido entre 20/02/2009 a 10/02/2021, por se tratar de dadora benévola de sangue, desempregada, pensionista, ter incapacidade permanente e sofrer de insuficiência económica.
31. Como consequência de tais condutas, no referido período temporal, a arguida AA esteve isenta do pagamento de taxas moderadoras, ou seja, não pagou consultas ou exames médicos.
32. Por via da conduta da arguida AA, os Cofres do Estado sofreram um prejuízo patrimonial não apurado, decorrente do não pagamento que era devido pela assistência que a mesma recebeu ao longo destes anos.
33. A arguida AA nunca foi dadora de sangue, não podendo, por via disso, ser beneficiária de tal isenção de pagamento de taxas moderadoras e muito menos se encontrava reformada, desempregada ou em situação de pobreza.
34. A arguida AA atuou com o propósito, conseguido, de falsear os dados na ficha de utente da própria, em seu benefício e em benefício do agregado familiar, bem sabendo que tais informações determinariam prejuízo para o Estado, ao não pagar as taxas devidas pela assistência médica que àquela era prestada e medicamentos, interferindo no tratamento dos dados do sistema informático.
35. Fê-lo, adulterando os dados constantes do sistema informático, produzido documentos e informações falsas que foram consideradas como verdadeiras pelo Sistema Nacional de Saúde, e abusando das funções que desempenhava.
(ATESTADOS MULTIUSOS/BURLA TRIBUTÁRIA)
36. Com o mesmo propósito, de se apoderar para si e para o património conjugal e familiar de valores que não lhe eram devidos, a arguida AA, aproveitando-se das suas funções públicas que exercia na referida unidade de saúde decidiu, ainda, forjar / fabricar atestados médicos multiusos em seu nome e em nome do marido, BB, para, dessa forma, receber, indevidamente, reembolsos em sede de IRS e, usar tais atestados para obter isenções de outros impostos, nomeadamente de IUC.
37. Para o efeito, em data anterior, mas próxima ao dia 23 de abril de 2014, a arguida AA, na posse do atestado multiuso nº.../013, emitido em nome de TT, datado de 11/03/2013, emitido pela presidente da junta Médica, Dra. UU (conforme documento de fls. 326), a que teve acesso de forma não apurada, no exercício das suas funções públicas como assistente administrativa, usando tal atestado, produziu um documento denominado “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” em nome de BB, (e que consta a fls. 129, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos), nele fazendo constar a identificação de BB como utente e a quem teria sido atribuído tal atestado, mantendo os demais elementos constantes do atestado verdadeiro, nomeadamente, que BB seria, assim, portador de um Grau de Incapacidade de 60%, atribuída desde 2012.
38. Após, no dia 23 de abril de 2014, a arguida AA dirigiu-se ao Serviço de Finanças de São João da Madeira e, presencialmente, entregou tal atestado multiuso naquela repartição de finanças, para efeitos de ser considerado em sede de IRS e em IUC’s dos veículos registados em nome de BB.
39. O referido atestado foi considerado como um documento verdadeiro pela Autoridade Tributária, que o inseriu em sistema.
40. Como consequência, tal atestado foi considerado nas liquidações de IRS nos anos de 2013 e até ao presente ano de 2021, assim como, para efeitos de isenção do pagamento de IUC’s.
41. Com o mesmo propósito, em data anterior, mas próxima ao dia 04 de maio de 2020, a arguida AA, na posse do atestado multiuso n.º.../2019, emitido em nome VV, datado de 13/02/2019, emitido pelo presidente da Junta Médica, Dr. WW (conforme documento de fls. 327), que teve acesso de forma não apurada, e usando tal atestado, produziu um documento denominado “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” em seu próprio nome, (e que consta a fls. 130, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos), nele faz constar que era portadora de um Grau de Incapacidade de 66%, acrescentando a menção “atestado válido a partir de atribuída desde 2018” (cfr. fls. 324 a 327).
42. Após, no dia 04 de maio de 2020, através do e-mail ..., a arguida AA remeteu ao Serviço de Finanças de São João da Madeira tal atestado multiuso para aquela repartição de finanças, para efeitos de ser considerado em sede de IRS e em IUC.
43. O e-mail ... era utilizado e acedido conjuntamente pela arguida AA e por BB.
44. O referido atestado foi considerado como um documento verdadeiro pela Autoridade Tributária, que o inseriu e validou em sistema informático.
45. Como consequência, tal atestado foi considerado nas liquidações de IRS nos anos de 2019 e 2020, bem como, para efeitos de isenção do pagamento de IUC’s.
46. Mercê dos atestados multiusos fabricados em nome de BB e de AA, estes obtiveram para si e para a economia do casal, à custa do erário público, os seguintes valores indevidos:
I) A título de IRS:
a. ano de 2013, no valor de €2.385,33; b. ano de 2014, no valor de €2.393,12; c. ano de 2015, no valor de €2.418,80; d. ano de 2016, no valor de €2.302,60; e. ano de 2017, no valor de €2.600,75; f. ano de 2018, no valor de €2.599,44; g. ano de 2019, no valor de €5.118,20.
II) A título de IUC:
a. Ano de 2015, o valor de €165,35, referente ao veículo de matrícula ..-..-OV;
b. Ano de 2016, no valor de €141,04, referente ao veículo de matrícula ..-..-PZ;
c. No ano de 2017, no valor de 131,60, referente ao veículo de matrícula ..-FZ-..;
d. Ano de 2019, no valor de €146,79, referente ao veículo de matrícula ..-VX-..;
e. Ano de 2020, no valor de €147,21, referente ao veículo de matrícula ..-VX-.. e no valor de €43,27, referente ao veículo de matrícula ..-AX-.. (registado em nome da arguida AA);
f. Ano de 2021, no valor de €147,21 referente ao veículo de matrícula ..-VX-...
47. Por força de tais documentos, produzidos nessas condições e apresentados na Autoridade Tributária, quis e conseguiu a arguida AA ludibriar o Estado, e determinar a Autoridade Tributária a processar reembolsos de IRS indevidos, no valor global de €19.818,24, assim como conseguiu, através dos mesmos isentar o pagamento dos IUC’s dos veículos registados em seu nome e em nome de BB, no valor global de €922,47.
48. Através de tal conduta, obteve a arguida AA e o respetivo agregado familiar uma vantagem patrimonial indevida, no valor global de €20.740,71.
49. O reembolso do IRS nos anos de 2018 e 2019 foi efetuado para a conta bancária sita no Banco 1... ...42, conta titulada pela arguida AA (cfr. fls. 11 e 90 a 95).
50. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de ludibriar os serviços da Autoridade Tributária, como conseguiu, produzindo atestados multiusos falsos e irreais, pois que nenhuma incapacidade padecia nem o seu marido.
51. Atuou a arguida AA com o propósito de se enriquecer, como conseguiu, usando, para o efeito, os ditos documentos forjados e falsos, fazendo-o de forma ardilosa e capciosa, induzindo em erro os funcionários da Autoridade Tributária que, acreditando nos documentos apresentados, que tomaram como válidos, efetuaram as respetivas isenções e deduções fiscais nos impostos devidos pela arguida e pelo seu então cônjuge, BB.
52. A arguida estava ciente que, nem ela, nem o seu cônjuge BB, tinham qualquer direito a receber deduções provenientes de incapacidades e que, em consequência dos seus comportamentos, iria levar a Autoridade Tributária a entregar-lhe quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderarem-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
53. A arguida gastou em proveito próprio e do seu agregado familiar, tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhe pertencerem, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação.
54. Agiu a arguida, na execução de um plano previamente delineado, no âmbito de uma e inicial resolução criminosa, no seu próprio interesse.
55. Ao longo dos períodos de tempo atrás indicados, a arguida AA foi mantendo a sua intenção de auferir as prestações tributárias animada pela circunstância de a situação, apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer qualquer consequência.
56. Com a conduta referida o património da arguida AA e respetivo agregado familiar ficou menos empobrecido com as quantias entregues pela Autoridade Tributária, beneficiando, deste modo, de isenções e benefícios fiscais indevidos.
(ATESTADOS DE INCAPACIDADE/BURLA À SEGURANÇA SOCIAL – AA)
57. A arguida AA manteve-se sempre em funções públicas, sendo remunerada pelo Estado, enquanto funcionária pública, desempenhando, durante o ano de 2020, funções na referida USF, sem ausências ao serviço por situação de doença.
58. A 04 de Junho de 2019, a arguida AA celebrou um contrato de trabalho com as sociedades E..., Lda., F..., Lda., G..., Lda., H..., Lda. e I..., Lda., para prestação de serviços em part-time, com o salário mensal de €455,25 (cfr. fls. 73 a 77 do apenso 7).
59. Por força de tal contrato de trabalho, a arguida AA efetuou descontos para a Segurança Social.
60. Na sequência de tais contribuições, sabia a arguida AA que, as mesmas lhe conferiam o direito a beneficiar de subsídio de doença, sendo elegível para tal prestação, caso se encontrasse nessa situação.
61. Assim motivada, apesar de se manter sempre ao serviço, em funções públicas no Centro de Saúde, a arguida usando o acesso à base de dados do SNS e os documentos que tinha ao seu dispor por força das funções que desempenhava, decidiu e assim o fez, forjar sucessivos atestados de incapacidade para o trabalho em seu nome, para os apresentar, como apresentou, junto da Segurança Social, obtendo, por via disso, o pagamento dos referidos subsídios de doença.
62. Para tanto, a arguida AA forjou os seguintes documentos (25 CIT):
a. um datado de 01-10-2017 a 30-10-2017 (fls. 3 APENSO 12 2.º Volume);
b. um datado de 23-01-2018 a 21-02-2018 (fls. 4 APENSO 12 2.º Volume);
c. um datado de 25-08-2019 a 08-09-2019 (fls. 5 APENSO 12 2.º Volume);
d. um datado de 16-02-2020 a 27-02-2020 (fls. 6 APENSO 12 2.º Volume);
e. um datado de 28-02-2020 a 28-03-2020 (fls. 7 APENSO 12 2.º Volume);
f. um datado de 29-03-2020 a 27-04-2020 (fls. 9 APENSO 12 2.º Volume);
g. um datado de 28-04-2020 a 17-05-2020 (fls. 10 APENSO 12 2.º Volume);
h. um datado de 18-05-2020 a 26-05-2020 (fls. 12 APENSO 12 2.º Volume;
i. um datado de 27-05-2020 a 10-06-2020 (fls. 13 APENSO 12 2.º Volume);
j. um datado de 11-06-2020 a 21-06-2020 (fls. 14 APENSO 12 2.º Volume);
k. um datado de 22-06-2020 a 04-07-2020 (fls. 15 APENSO 12 2.º Volume);
l. um datado de 05-07-2020 a 15-07-2020 (fls. 16 APENSO 12 2.º Volume);
m. um datado de 16-07-2020 a 26-07-2020 (fls. 17 APENSO 12 2.º Volume);
n. um datado de 27-07-2020 a 04-08-2020 (fls. 18 APENSO 12 2.º Volume);
o. um datado de 05-08-2020 a 16-08-2020 (fls. 19 APENSO 12 2.º Volume);
p. um datado de 17-08-2020 a 25-08-2020 (fls. 20 APENSO 12 2.º Volume);
q. um datado de 26-08-2020 a 06-09-2020 (fls. 21 APENSO 12 2.º Volume);
r. um datado de 08-09-2020 a 17-09-2020 (fls. 22 APENSO 12 2.º Volume);
s. um datado de 18-09-2020 a 17-10-2020 (fls. 23 APENSO 12 2.º Volume);
t. um datado de 18-10-2020 a 16-11-2020 (fls. 25 APENSO 12 2.º Volume);
u. um datado de 17-11-2020 a 16-12-2020 (fls. 27 APENSO 12 2.º Volume);
v. um datado de 17-12-2020 a 15-01-2021 (fls. 29 APENSO 12 2.º Volume);
w. um datado de 16-01-2021 a 14-02-2021 (fls. 31 APENSO 12 2.º Volume);
x. um datado de 15-02-2021 a 16-03-2021 (fls. 33 APENSO 12 2.º Volume);
y. um datado de 17-03-2021 a 15-04-2021 (fls. 35 APENSO 12 2.º Volume).
63. Com a apresentação de tais “atestados”, a Segurança Social considerou-os como verdadeiros, processando os correspondentes valores inerentes aos subsídios de doença.
64. Por força de tais atestados forjados, que a arguida AA simulou e apresentou junto da Segurança Social, foi-lhe atribuído, de forma indevida, e em prejuízo da Segurança Social, o valor global de €3.958,50, com o qual a arguida se locupletou. (fls. 1 A e 1 B e fls. 37 a 45 APENSO 12 2.º Volume).
65. Tais valores foram transferidos pela Segurança Social para a conta bancária sita no Banco 1... ...42, conta esta apenas titulada por AA (cfr. fls. 358 a 406).
66. Os Certificados de Incapacidade Temporária (elaborados manualmente) foram enviados diretamente à Segurança Social pela arguida AA, através de correio, com envelopes originais da ARS NORTE (cfr. APENSO 12 2.º Volume).
67. Os referidos atestados foram passados em nome dos médicos OO (manual fls. 34 APENSO E-MAILS e fls. 7 APENSO 12 2.º Volume, eletrónico fls. 43 APENSO E-MAILS), QQ (eletrónico fls. 73 APENSO E-MAILS, manual fls. 1631), MM (eletrónico fls. 19 APENSO 12 2.º Volume), PP (eletrónico fls. 52 APENSO E-MAILS) e SS (eletrónico fls. 12 APENSO 7), não tendo a arguida sido consultada pelos mesmos naquelas datas.
68. Jamais os médicos OO, SS, PP e MM passaram algum Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, manual ou eletrónico, à arguida AA pois que esta é utente da médica QQ e só esta o poderia fazer.
69. A arguida agiu com o propósito concretizado de ludibriar os serviços da Segurança Social, como conseguiu, produzindo atestados de incapacidade temporária para o trabalho irreais, pois que nenhuma incapacidade padecia, estando, ao invés, em pleno exercício das suas funções profissionais públicas.
70. Atuou com o propósito de enriquecer, como conseguiu, usando, para o efeito, os ditos documentos falsos, fazendo-o de forma ardilosa e capciosa e induzindo em erro os funcionários da Segurança Social que, acreditando nas declarações e documentos apresentados, processaram tais atribuições patrimoniais a favor da arguida.
(ATESTADOS DE INCAPACIDADE/BURLA À SEGURANÇA SOCIAL – BB)
71. Por força do contrato de trabalho do marido da arguida AA, BB, como motorista internacional, este sempre efetuou descontos para a Segurança Social.
72. Na sequência de tais contribuições, sabia a arguida AA que as mesmas conferiam a BB o direito a beneficiar de subsídio de doença, sendo elegível para tal prestação, caso se encontrasse nessa situação.
73. Assim motivada, apesar de BB se manter sempre ao serviço, a arguida AA usando o acesso à base de dados do SNS e os documentos que tinha ao seu dispor por força das funções que desempenhava, decidiu e assim o fez, forjar sucessivos atestados de incapacidade para o trabalho em nome de BB, para os apresentar, como apresentou, junto da Segurança Social, obtendo por via disso o pagamento dos referidos subsídios de doença.
74. Para tanto, a arguida AA elaborou e forjou os seguintes documentos (74 CIT) em relação a BB:
a. um datado de 04-06-2012 a 13-06-2012 (fls. 48 APENSO 12 2.º Volume);
b. um datado de 14-06-2012 a 13-07-2012 (fls. 49 APENSO 12 2.º Volume);
c. um datado de 23-07-2014 a 01-08-2014 (fls. 50 APENSO 12 2.º Volume);
d. um datado de 02-08-2014 a 10-08-2014 (fls. 51 APENSO 12 2.º Volume);
e. um datado de 11-08-2014 a 17-08-2014 (fls. 52 APENSO 12 2.º Volume);
f. um datado de 15-06-2015 a 24-06-2015 (fls. 53 APENSO 12 2.º Volume);
g. um datado de 25-06-2015 a 29-06-2015 (fls. 54 APENSO 12 2.º Volume);
h. um datado de 30-06-2015 a 09-07-2015 (fls. 55 APENSO 12 2.º Volume);
i. um datado de 10-07-2015 a 16-07-2015 (fls. 56 APENSO 12 2.º Volume);
j. um datado de 17-07-2015 a 26-07-2015 (fls. 57 APENSO 12 2.º Volume);
k. um datado de 27-07-2015 a 10-08-2015 (fls. 58 APENSO 12 2.º Volume);
l. um datado de 11-08-2015 a 18-08-2015 (fls. 59 APENSO 12 2.º Volume);
m. um datado de 19-08-2015 a 29-08-2015 (fls. 60 APENSO 12 2.º Volume);
n. um datado de 30-08-2015 a 13-09-2015 (fls. 61 APENSO 12 2.º Volume);
o. um datado de 06-06-2016 a 17-06-2016 (fls. 62 APENSO 12 2.º Volume);
p. um datado de 18-06-2016 a 29-06-2016 (fls. 63 APENSO 12 2.º Volume);
q. um datado de 30-06-2016 a 11-07-2016 (fls. 64 APENSO 12 2.º Volume);
r. um datado de 12-07-2016 a 23-07-2016 (fls. 65 APENSO 12 2.º Volume);
s. um datado de 24-07-2016 a 02-08-2016 (fls. 66 APENSO 12 2.º Volume);
t. um datado de 03-08-2016 a 08-08-2016 (fls. 67 APENSO 12 2.º Volume);
u. um datado de 09-08-2016 a 21-08-2016 (fls. 68 APENSO 12 2.º Volume);
v. um datado de 22-08-2016 a 29-08-2016 (fls. 69 APENSO 12 2.º Volume);
w. um datado de 30-08-2016 a 28-09-2016 (fls. 70 APENSO 12 2.º Volume);
x. um datado de 29-09-2016 a 05-10-2016 (fls. 71 APENSO 12 2.º Volume);
y. um datado de 01-06-2017 a 12-06-2017 (fls. 72 APENSO 12 2.º Volume);
z. um datado de 13-06-2017 a 25-06-2017 (fls. 73 APENSO 12 2.º Volume);
aa. um datado de 26-06-2017 a 02-07-2017 (fls. 74 APENSO 12 2.º Volume);
bb. um datado de 03-07-2017 a 10-07-2017 (fls. 75 APENSO 12 2.º Volume);
cc. um datado de 11-07-2017 a 18-07-2017 (fls. 76 APENSO 12 2.º Volume);
dd. um datado de 19-07-2017 a 30-07-2017 (fls. 77 APENSO 12 2.º Volume);
ee. um datado de 31-07-2017 a 08-08-2017 (fls. 78 APENSO 12 2.º Volume);
ff. um datado de 09-08-2017 a 15-08-2017 (fls. 79 APENSO 12 2.º Volume);
gg. um datado de 16-08-2017 a 27-08-2017 (fls. 80 APENSO 12 2.º Volume);
hh. um datado de 30-01-2018 a 10-02-2018 (fls. 81 APENSO 12 2.º Volume);
ii. um datado de 11-02-2018 a 18-02-2018 (fls. 82 APENSO 12 2.º Volume);
jj. um datado de 19-02-2018 a 25-02-2018 (fls. 83 APENSO 12 2.º Volume);
kk. um datado de 26-02-2018 a 04-03-2018 (fls. 84 APENSO 12 2.º Volume);
ll. um datado de 05-03-2018 a 12-03-2018 (fls. 85 APENSO 12 2.º Volume);
mm. um datado de 13-03-2018 a 18-03-2018 (fls. 86 APENSO 12 2.º Volume);
nn. um datado de 19-03-2018 a 15-04-2018 (fls. 87 APENSO 12 2.º Volume);
oo. um datado de 16-04-2018 a 25-04-2018 (fls. 88 APENSO 12 2.º Volume);
pp. um datado de 26-04-2018 a 06-05-2018 (fls. 89 APENSO 12 2.º Volume);
qq. um datado de 07-05-2018 a 17-05-2018 (fls. 90 APENSO 12 2.º Volume);
rr. um datado de 18-05-2018 a 27-05-2018 (fls. 91 APENSO 12 2.º Volume);
ss. um datado de 28-05-2018 a 06-06-2018 (fls. 92 APENSO 12 2.º Volume);
tt. um datado de 07-06-2018 a 17-06-2018 (fls. 93 APENSO 12 2.º Volume);
uu. um datado de 18-06-2018 a 25-06-2018 (fls. 94 APENSO 12 2.º Volume);
vv. um datado de 26-06-2018 a 05-07-2018 (fls. 95 APENSO 12 2.º Volume);
ww. um datado de 06-07-2018 a 04-08-2018 (fls. 96 APENSO 12 2.º Volume);
xx. um datado de 05-08-2018 a 16-08-2018 (fls. 97 APENSO 12 2.º Volume);
yy. um datado de 17-08-2018 a 27-08-2018 (fls. 98 APENSO 12 2.º Volume);
zz. um datado de 28-08-2018 a 26-09-2018 (fls. 99 APENSO 12 2.º Volume);
aaa. um datado de 27-09-2018 a 30-09-2018 (fls. 100 APENSO 12 2.º Volume);
bbb. um datado de 01-10-2018 a 10-10-2018 (fls. 101 APENSO 12 2.º Volume);
ccc. um datado de 11-10-2018 a 22-10-2018 (fls. 102 APENSO 12 2.º Volume);
ddd. um datado de 23-10-2018 a 04-11-2018 (fls. 103 APENSO 12 2.º Volume);
eee. um datado de 05-11-2018 a 14-11-2018 (fls. 104 APENSO 12 2.º Volume);
fff. um datado de 15-11-2018 a 25-11-2018 (fls. 105 APENSO 12 2.º Volume);
ggg. um datado de 26-11-2018 a 06-12-2018 (fls. 106 APENSO 12 2.º Volume);
hhh. um datado de 07-12-2018 a 17-12-2018 (fls. 107 APENSO 12 2.º Volume)
iii. um datado de 18-12-2018 a 01-01-2019 (fls. 108 APENSO 12 2.º Volume);
jjj. um datado de 02-01-2019 a 13-01-2019 (fls. 109 APENSO 12 2.º Volume);
kkk. um datado de 14-01-2019 a 27-01-2019 (fls. 110 APENSO 12 2.º Volume);
lll. um datado de 28-01-2019 a 06-02-2019 (fls. 111 APENSO 12 2.º Volume);
mmm. um datado de 07-02-2019 a 17-02-2019 (fls. 112 APENSO 12 2.º Volume);
nnn. um datado de 01-09-2019 a 08-09-2019 (fls. 113 APENSO 12 2.º Volume);
ooo. um datado de 09-09-2019 a 16-09-2019 (fls. 116 APENSO 12 2.º Volume);
ppp. um datado de 04-02-2020 a 15-02-2020 (fls. 117 APENSO 12 2.º Volume);
qqq. um datado de 16-02-2020 a 27-02-2020 (fls. 118 APENSO 12 2.º Volume);
rrr. um datado de 28-02-2020 a 28-03-2020 (fls. 119 APENSO 12 2.º Volume);
sss.um datado de 29-03-2020 a 27-04-2020 (fls. 120 APENSO 12 2.º Volume);
ttt. um datado de 28-04-2020 a 27-05-2020 (fls. 121 APENSO 12 2.º Volume);
uuu. um datado de 28-05-2020 a 26-06-2020 (fls. 122 APENSO 12 2.º Volume);
vvv. um datado de 27-06-2020 a 07-07-2020 (fls. 124 APENSO 12 2.º Volume);
www. um datado de 08-07-2020 a 06-08-2020 (fls. 125 APENSO 12 2.º Volume);
xxx. um datado de 07-08-2020 a 05-09-2020 (fls. 127 APENSO 12 2.º Volume);
yyy. um datado de 06-09-2020 a 05-10-2020 (fls. 129 APENSO 12 2.º Volume).
75. Com a apresentação de tais “atestados”, a Segurança Social considerou-os como verdadeiros, processando os correspondentes valores inerentes aos subsídios de doença.
76. Por força de tais atestados forjados, que a arguida AA simulou e apresentou junto da Segurança Social, foi atribuído a BB, de forma indevida, e em prejuízo da Segurança Social, o valor global de €23.325,31, com o qual a arguida AA se locupletou.
77. Tais subsídios pagos pela Segurança Social, até 02/08/2017, foram transferidos para a conta co-titulada por AA e BB no Banco 2... ...16 (cfr. fls. 712 a 716) e após 17/08/2017 transferidos para a conta do Banco 1... ...42, conta apenas titulada pela arguida AA (cfr. fls. 358 a 406).
78. Tais atestados não foram emitidos, nem assinados pelos médicos ali constantes, sendo as suas assinaturas forjadas pela arguida AA.
79. A arguida AA agiu com o propósito concretizado de ludibriar os serviços da Segurança Social, como conseguiu, produzindo atestados de incapacidade temporária para o trabalho irreais, pois que de nenhuma incapacidade padecia BB, estando, ao invés, este em pleno exercício das suas funções laborais.
80. Atuou a arguida AA com o propósito de enriquecer, como conseguiu, usando, para o efeito, os ditos documentos falsos, fazendo-o de forma ardilosa e induzindo em erro os funcionários da Segurança Social que, acreditando nas declarações e documentos apresentados, processaram tais atribuições patrimoniais a favor de BB.
81. Os referidos Certificados de Incapacidade Temporária (manuais) foram enviados diretamente pela arguida AA à Segurança Social através de correio (cfr. APENSO 12 2.º Volume).
82. Ao apresentar os sobreditos documentos à Segurança Social do modo descrito visou a arguida AA convencer que BB era detentor de atestados válidos, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.
83. Tal como sabia que as suas atuações punham em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
84. A arguida AA estava ciente que não tinha qualquer direito a receber subsídio por doença e que em consequência do seu comportamento iria levar a Segurança Social a entregar-lhe e a BB quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
85. A arguida AA e BB gastou em proveito próprio e do seu agregado tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhes pertencerem, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
86. Agiu a arguida AA na execução de um plano previamente delineado, no âmbito de uma e inicial resolução criminosa, no seu próprio interesse.
87. Ao longo dos períodos de tempo atrás indicados, a arguida AA foi mantendo a sua intenção de auferir as prestações sociais animada pela circunstância de a situação, apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer qualquer consequência.
88. Com a conduta referida foi o património da arguida AA e de BB que ficou enriquecido com as quantias entregues pela Segurança Social, auferindo, deste modo, uma vantagem patrimonial indevida.
(ATESTADOS MÉDICOS E DOCUMENTOS MÉDICOS FALSOS PARA EFEITOS DE SEGURADORAS)
89. A arguida AA e o então marido desta, BB, celebraram com as companhias de Seguros J..., K... e A..., contratos de seguro de saúde/vida, em data anterior ao ano de 2008, relativos a crédito a habitação e consumo.
90. A companhia de seguros A... adquiriu as apólices relativas à seguradora K... posteriormente à celebração dos sobreditos contratos.
91. BB, entre os anos de 2012 e de 2020, não teve qualquer assistência médica prestada pelo Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E (vulgo Hospital 2... em ...).
92. A arguida AA, por sua vez, apenas recorreu a tal unidade de saúde, nos dias 05/10/2017, 26/12/2017 e 18/03/2018, sem registo de qualquer internamento nessas datas.
93. Apenas entre o dia 19 e o dia 20 de dezembro de 2012, por um dia, esteve a arguida AA internada no referido hospital.
94. Não obstante, com o propósito de acionar os seguros de saúde/vida em seu nome e em nome de BB e, dessa forma, obter para si e para a economia do casal, valores indevidos à custa das seguradoras, entre os anos de 2008 e 2020, a arguida AA, decidiu produzir documentos médicos falsos, entre os quais, notas de alta, declarações de internamento, declarações de assistência médica e atestados de incapacidade temporária para o trabalho, documentos estes que foi, sucessivamente apresentando nas várias seguradoras, acionando o pagamento dos respetivos prémios para si e para BB.
95. Para tanto, a arguida AA socorreu-se da inúmera documentação que tinha ao seu dispor, por força das funções que desempenhava no Centro de Saúde, associadas aos vários utentes da USF, para, a partir de tais documentos, produzir documentos idênticos, mas em seu nome e nome do marido.
96. Na elaboração de tais documentos falsos, a arguida AA procedeu a recortes, colagens, colocação de corretor, após o que, fotocopiou tais documentos, fazendo crer que se tratava de documentos genuínos, os quais, depois, apresentou nas respetivas companhias de seguro, mencionando nalguns que estavam “conforme o original”.
SEGURADORA J...:
97. A arguida AA contratou três seguros com a J...: - a apólice n.º ...52 (cfr. fls. 1570 a 1573),
- a apólice n.º ...56 (cfr. fls. 1574 a 1581) e - a apólice n.º ...64 (cfr. fls. 1582 a 1584).
98. Em 01 de Setembro de 2012, a arguida AA subscreveu contrato de seguro com a seguradora J..., com a apólice nº ...52, cujo tomador do seguro é a arguida AA e pessoa segura a própria, BB, DD e a menor LL (filha da arguida e de BB). fls. 82 a 92 APENSO 7, a entre fls. 144 a 180 APENSO 3 e fls. 30 a 67 APENSO E-MAILS.
99. Tal seguro tinha como coberturas:
Subsídio diário
Hospitalização por acidente €40,00
Hospitalização em UCI €80,00
Convalescença €20,00
100. No âmbito do referido contrato aferiu-se a existência dos processos de sinistro nºs ...69-1, ...05, ...19, ...32, ...17/E onde se verifica documentação médica forjada e não correspondente à realidade relativa a vários acidentes dos quais teriam resultado fraturas em BB, concretamente a:
a. Declaração datada de 24/09/2010 referindo sinistro a 16/07/2010 – “queda do camião” no qual fraturou a perna direita e que permanecerá na situação de incapacidade temporária para o trabalho (cfr. fls. 1605 dos autos principais), CIT datado de 21/07/2010 referindo doença direta, com data de início 16/07/2010 e termo 27/07/2010, com indicação do médico “QQ”, CIT de prorrogação datado de 30/07/2010 referindo doença direta, com data de início 28/07/2010 e termo 26/08/2010, com indicação do médico “QQ”; CIT de prorrogação datado de 27/08/2010 referindo doença direta, com data de início 27/08/2010 e termo 25/09/2010, com indicação do médico “QQ”; CIT de prorrogação datado de 24/09/2010 referindo doença direta, com data de início 26/09/2010 e termo 25/10/2010, com indicação do médico “QQ”; CIT de prorrogação datado de 25/11/2010 referindo doença direta, com data de início 25/11/2010 e termo 24/12/2010, com indicação do médico “QQ”; CIT de prorrogação datado de 28/12/2010 referindo doença direta, com data de início 25/12/2010 e termo 16/01/2010, com indicação do médico “QQ”.
b. Declaração datada de 06/11/2012 referindo sinistro a 26/09/2012 – “queda em casa” com internamento hospitalar entre 26/09/2012 a 03/10/2012 e que permanecerá na situação de incapacidade temporária para o trabalho (cfr. fls. 85, 91 e 92 – 1586 dos autos principais), CIT datado de 03/10/2012 referindo doença direta, com data de início 26/09/2012 e termo 03/10/2012, com indicação do médico “XX”; CIT de prorrogação datado de 12/10/2012 referindo doença natural, com data de início 04/10/2012 e termo 02/11/2012, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 06/11/2012 referindo doença direta, com data de início 03/11/2012 e termo 02/12/2012, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 07/12/2012 referindo doença direta, com data de início 03/12/2012 e termo 01/01/2013, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 07/01/2013 referindo doença direta, com data de início 02/01/2013 e termo 31/01/2013, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 08/02/2013 referindo doença direta, com data de início 01/02/2013 e termo 02/03/2013, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 08/03/2013 referindo doença direta, com data de início 03/03/2013 e termo 01/04/2013, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 05/04/2013 referindo doença direta, com data de início 02/04/2013 e termo 01/05/2013, com indicação do médico “PP”.
c. Outra a 11/10/2014 (cfr. fls. 167 a 178).
d. Fratura das pernas a 01/07/2016 (cfr. fls. 151 a 166, 1691) Declaração datada de 22/07/2016 referindo sinistro a 01/07/2016, com internamento hospitalar entre 01/07/2016 a 22/07/2016, CIT datado de 13/07/2016 referindo doença natural, com data de início 01/07/2016 e termo 11/07/2016, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 13/07/2016 referindo doença natural, com data de início 12/07/2016 e termo 10/08/2016, com indicação do médico “PP”;
CIT de prorrogação datado de 12/08/2016 referindo doença direta, com data de início 11/08/2016 e termo 09/09/2016, com indicação do médico “PP”;
e. Fratura do fémur direito a 12/06/2017 (cfr. fls. 144 a 150, 1705), Declaração datada de 04/08/2017 referindo sinistro a 12/06/2017, com internamento hospitalar entre 12/06/2017 a 04/08/2017, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pelo médico YY.
101. Bem como certificados de incapacidade temporária para o trabalho forjados e fictícios (cfr. fls. 84, 86, 87 do APENSO 7 e fls. 159, 174, 175, 177 e 178 do APENSO 3), os quais foram entregues pela arguida AA à referida Seguradora.
102. Em 06 de setembro de 2017 e 03 de agosto de 2018, a arguida AA subscreveu contrato de seguro com a seguradora J..., com as apólices n.º ...64, e ...56, respetivamente, com capital de seguro de €25.000,00, com a cobertura “Diagnóstico de doença grave – seguro ...”, cujo tomador do seguro e pessoa segura é a arguida AA (fls. 1 a 142 APENSO 3 e fls. 1574 e seguintes dos autos principais).
103. No âmbito dos referidos contratos constata-se a existência dos processos de sinistro nºs ...46, ...89, ...41, ...68, ...21 e ...29 onde se verifica a junção de documentação médica forjada pela arguida AA relativa a vários acidentes dos quais teriam resultado:
a. Uma fratura exposta dos ossos da perna direita, luxação do joelho direito e lesão LLE joelho esquerdo na arguida AA a 26/03/2013 (cfr. fls. 120 e 141 e 181, destacando a fls. 132 relatório de alta forjado): declaração de internamento hospitalar do Hospital 2..., datado de 09/04/2013, com a indicação do médico “ZZ”, contendo colagens feitas pela mesma por cima do documento original do paciente AAA (fls. 1615 dos autos principais); Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 09/04/2013, com a alegada rúbrica de “funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 26 de Março de 2013 até 09 de Abril de 2013 (fls. 1616); CIT sem data referindo doença direta, com data de início 27/03/2013 e termo 07/04/2013, com indicação do médico “XX”; CIT de prorrogação datado de 09/04/2013 referindo doença direta, com data de início 08/04/2013 e termo 22/04/2013, com indicação do médico “XX”; CIT de prorrogação datado de 29/04/2013 referindo doença direta, com data de início 22/04/2013 e termo 21/05/2013, com indicação do médico “PP”.
b. Fratura de múltiplas costelas a 02/04/2016 (cfr. fls. 102 e 119, 1625 e seguintes), Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 14 de Abril de 2016, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestado que a arguida AA esteve internada desde o dia 02/04/2016 até ao dia 14/04/2016, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pela médica BBB; CIT com data de 15/04/2016, referindo doença direta, com data de início 02/04/2016 e termo 13/04/2016, com indicação do médico “QQ”; CIT de prorrogação datado de 15/04/2016 referindo doença direta, com data de início 14/04/2016 e termo 13/05/2016, com indicação do médico “QQ”;
c. Fratura na perna e joelho a 04/09/2016 (cfr. fls. 83 e 101), Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 19 de Setembro de 2016, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 04/09/2016 até ao dia 19/09/2016, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pela médica CCC Diz; CIT com data de 09/09/2016, referindo doença natural, com data de início 04/09/2016 e termo 15/09/2016, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 26/09/2016 referindo doença natural, com data de início 16/09/2016 e termo 26/09/2016, com indicação do médico “PP”; CIT de prorrogação datado de 30/09/2016 referindo doença natural, com data de início 27/09/2016 e termo 26/10/2016, com indicação do médico “PP”.
d. Fratura de múltiplas costelas a 01/01/2017 (cfr. fls. 66 a 81, 1650 e seguintes), “nota de alta” do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga alegadamente emitida pelo médico DDD em 16/01/2017; Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 16 de Janeiro de 2017, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 01/01/2017 até ao dia 09/01/2017; CIT de prorrogação datado de 18/01/2017 referindo doença direta, com data de início 13/01/2017 e termo 11/02/2017, com indicação do médico “OO”; CIT de prorrogação datado de 15/02/2017 referindo doença direta, com data de início 12/02/2017 e termo 13/03/2017, com indicação do médico “OO”.
e. Fraturas múltiplas das costelas a 07/02/2017 (cfr. fls. 57 a 65, 1661), Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 23 de Fevereiro de 2017, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 07/02/2017 até ao dia 23/02/2017, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pela médica EEE; CIT prorrogação com data de 15/02/2017, referindo doença direta, com data de início 12/02/2017 e termo 13/03/2017, com indicação do médico “OO”; CIT de prorrogação datado de 14/03/2017 referindo doença natural, com data de início 14/03/2017 e termo 12/04/2017, com indicação do médico “PP”;
f. Pneumonia a 26/04/2017 (cfr. fls. 45 e 56, 1673), Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 13 de Maio de 2017, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 24/04/2017 até ao dia 13/05/2017, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pela médica FFF; CIT prorrogação com data de 17/05/2017, referindo doença natural, com data de início 13/05/2017 e termo 11/06/2017, com indicação do médico “PP”;
g. Fratura da extremidade distal do radio a 14/06/2018 (cfr. fls. 1680), Declaração do C. Hospitalar Entre Douro e Vouga, datado de 25 de junho de 2018, alegadamente assinado por “Funcionário Administrativo”, atestando que a arguida AA esteve internada desde o dia 14/06/2018 até ao dia 25/06/2018, e respetiva “nota de alta” alegadamente emitida pelo médico GGG; CIT prorrogação com data de 27/06/2018, referindo doença natural, com data de início 26/06/2018 e termo 25/07/2018, com indicação do médico “QQ”.
104. Os supra referidos certificados de incapacidade temporária para o trabalho e declarações médicas / internamento foram forjados e rasurados, foram entregues pela arguida AA à referida Seguradora.
105. Entre tais documentos que forjou e usou, a arguida AA fê-lo, apresentando e recebendo os respetivos prémios, nas ocasiões supra descritas e infra repetidas:
a. Com data de 26/04/2017, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, dois documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Declaração do CHEDV, datada de 13/05/2017, (conforme teor de fls. 55, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
ii. CIT, datado de 17/05/2017, (conforme teor de fls. 56, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
b. Com data de 28/06/2017, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV datada de 22/02/2017 (conforme teor de fls. 60, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 23/02/2017, (conforme teor de fls. 61, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iii. Nota de Alta do CHEDV, datada de 13/05/2017, (conforme teor de fls. 63, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
c. Com data de 20/02/2017, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV datada de 16/01/2017 (conforme teor de fls. 72/73 do Apenso 3, cujo teor aqui se dá pro reproduzido para os legais efeitos);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 16/01/2017, (conforme teor de fls. 75, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá pro reproduzido para os legais efeitos, nela fazendo constar que esteve internada em UCI (cuidados intensivos), no período de 01/01/2017 a 09/01/2017);
iii. CIT datado de 18/01/2017, (conforme teor de fls. 77, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iv. CIT datado de 15/02/2017, (conforme teor de fls. 78, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
d. Com data de 03/10/2016, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV datada de 04/09/2016 (conforme teor de fls. 90-91 do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 19/09/2016, (conforme teor de fls. 89, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iii. CIT datado de 30/09/2016, (conforme teor de fls. 98, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iv. CIT datado de 26/09/2016, (conforme teor de fls. 99, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
v. CIT datado de 09/09/2016, (conforme teor de fls. 100, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
e. Com data de 05/07/2016, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV datada de 02/04/2016 (conforme teor de fls. 111/113/118/119 do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 14/04/2016, (conforme teor de fls. 109, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos), nela fazendo constar internamento em UCI no período de 03/04/2016 a 07/04/2016;
iii. CIT datado de 15/04/2016, (conforme teor de fls. 114, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
f. Com data de 15/05/2013, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV referente a internamento entre os dias 27/03/2013 e 09/04/2013, (conforme teor de fls. 125 do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos - fls. 132-132 verso);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 09/04/2013, (conforme teor de fls. 130, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iii. CIT datado de 03/04/2013, (conforme teor de fls. 128, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iv. CIT datado de 29/04/2013, (conforme teor de fls. 134, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
g. Com data de 05/08/2016, a arguida preencheu e entregou na seguradora J..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
i. Nota de Alta do CHEDV datada de 22/07/2016, (conforme teor de fls. 157 do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
ii. Declaração do CHEDV, datada de 22/07/2016, (conforme teor de fls. 160, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos), nela fazendo constar que esteve 22 dias em internamento;
iii. CIT datado de 13/07/2016, (conforme teor de fls. 159, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
iv. CIT datado de 12/08/2016, (conforme teor de fls. 161, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos);
v. CIT datado de 13/07/2016, (conforme teor de fls. 162, do Apenso 3, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais efeitos).
106. Tais documentos forjados deram origem aos seguintes sinistros:
a. PROCESSO ...94-1 relativo a acidente de BB a 26/09/2012 (cfr. fls. 1586 a 1599, fls. 1588 a 1599).
b. PROCESSO ...69-1 relativo a acidente de BB (cfr. fls. 1600 a 1611 a 16/07/2010, fls. 1605 a 1611.
c. PROCESSO ...29 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1612 a 1622 a 26-03-2013, fls. 1615 a 1620).
d. PROCESSO ...21 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1623 a 1634 a 02-04-2016, fls. 1628 a 1632).
e. PROCESSO ...68 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1635 a 1647 a 02-09-2016, fls. 1640 a 1645).
f. PROCESSO ...41 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1648 a 1658 a 01-01-2017, fls. 1652 a 1656).
g. PROCESSO ...89 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1659 a 1668 a 07-02-2017, fls. 1663 a 1666).
h. PROCESSO ...46 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1669 a 1677 a 26-04-2017, cfr. fls. 1673 a 1675).
i. PROCESSO ...49 relativo a acidente de AA (cfr. fls. 1678 a 1686 a 14-06-2018, fls. 1682 a 1685). j. PROCESSO ...32 relativo a acidente de BB (cfr. fls. 1689 a 1702 a 01-07-2016, fls. 1693 a 1698).
k. PROCESSO ...19 relativo a acidente de BB (cfr. fls. 1703 a 1714 a 12-06-2017, cfr. fls. 1707 a 1709).
107. Ao apresentar os documentos supra descritos à referida Seguradora, do modo descrito, a arguida AA visou convencê-la que ela e BB eram detentores de atestados médicos válidos e reais, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.
108. Sabia que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
(SEGURADORA A... (incluindo K...:)
109. Em 10/03/07 a arguida AA celebrou contrato de seguro com K... (agora A...), crédito consolidado (habitação, consumo e cartão de crédito), contrato de apólice n.º ...90 cuja pessoa segura era a L... e as pessoas a segurar a arguida AA e BB.
110. Tal contrato englobava vários créditos, nomeadamente de cartões de crédito D... e C... em nome de AA e de BB.
111. No âmbito do referido contrato, foram despoletados os processos de sinistro nºs ...90, ...91, ...07, ...18, ...15, ...89, ...50, ...51 e ...01, nos quais se encontra documentação médica forjada e irreal relativa a vários acidentes, dos quais teriam resultado:
a. uma fratura exposta na arguida AA a 04/09/2012 (cfr. fls. 1),
b. fratura a 26/03/2013 (cfr. fls. 42 a 44, 46 e 218 a 222), c. fratura a 11/11/2014 (cfr. fls. 11 a 14), e
d. fratura a 01/01/2017 (fls. 158, 188 e 189).
112. Bem como certificados de incapacidade temporária para o trabalho forjados e rasurados (cfr. fls. 2 a 4, 9 a 10, 15, 45, 47, 191 a 204, 210, 212 e 213, 223 a 228, 242 e 243 do APENSO 1), os quais foram entregues pela arguida AA à referida seguradora.
113. Na data referida em 109., BB celebrou dois contratos de seguro com K... (agora A...), contratos de apólices nºs ...94 e ...75 cuja pessoa segura é o próprio BB e a arguida AA.
114. No âmbito dos referidos contratos, foram despoletados os processos de sinistro nºs ...19, ...80 e ...81 onde se verifica documentação médica forjada e inverídica relativa a vários acidentes, dos quais teriam resultado:
a. uma fratura em BB a 19/07/2011 (cfr. fls. 53 a 58, 67, 75, 81) e b. outra fratura a 28/05/2012 (cfr. fls. 72 a 83).
115. Bem como certificados de incapacidade temporária para o trabalho forjados (cfr. fls. 56, 58 e 72), os quais foram entregues pela arguida AA à referida seguradora em representação de BB.
116. Em diferentes datas, a partir de 2010, a arguida preencheu e entregou na seguradora K..., (atual A...), uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
- CIT datado de 11/02/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 24/02/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 22/03/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 20/04/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 19/09/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 25/08/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 01/10/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 21/10/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 18/11/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 17/12/2010, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 14/02/2011, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 17/09/2012, em nome do médico “XX”,
- CIT datado de 02/10/2012, em nome do médico “XX”,
- CIT datado de 12/10/2012, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 06/11/2012, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 03/12/2012, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 04/01/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 01/02/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 22/02/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 09/04/2013, em nome do médico “XX”,
- CIT datado de 29/04/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 24/05/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 27/05/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 26/06/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 27/06/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 30/07/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 16/08/2013, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 25/09/2013, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 24/10/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 25/11/2013, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 18/12/2013, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 21/01/2014, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 19/02/2014, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 21/03/2014, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 22/04/2014, em nome do médico “PP”, - Nota de Alta do CHEDV datada de 19/11/2014;
- Declaração do CHEDV, datada de 19/11/2014; - CIT datado de 24/11/2014;
- CIT datado de 23/12/2014; - CIT datado de 19/01/2015;
- CIT datado de 18/04/2015, em nome do médico “QQ”, - CIT datado de 19/05/2015, em nome do médico “QQ”, - CIT datado de 20/06/2015, em nome do médico “QQ”, - CIT datado de 21/07/2015, em nome do médico “QQ”, - CIT datado de 21/08/2015, em nome do médico “QQ”, - CIT datado de 18/09/2015, em nome do médico “QQ”,
- Com data de 27/02/2017, a arguida preencheu e entregou na seguradora A..., uma participação de Acidentes pessoais, acionando o respetivo seguro, apresentando, para o efeito, os seguintes documentos que produziu, pelo seu punho:
- Nota de Alta do CHEDV datada de 16/01/2017; - Declaração do CHEDV, datada de 16/01/2017; - CIT datado de 13/11/2017;
- CIT datado de 11/10/2017 - CIT datado de 18/01/2017; - CIT datado de 30/01/2017;
- CIT datado de 15/02/2017, em nome do médico “OO”, - CIT datado de 14/03/2017;
- CIT datado de 13/04/2017; - CIT datado de 17/05/2017; - CIT datado de 13/06/2017; - CIT datado de 12/07/2017; - CIT datado de 14/08/2017; - CIT datado de 11/09/2017;
- CIT datado de 11/10/2017, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 13/11/2017, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 18/01/2018, em nome do médico “PP”, - CIT datado de 01/02/2018, em nome do médico “PP”.
117. Para além dos valores que beneficiou de forma indevida, a arguida AA produziu inúmeros documentos médicos, desta feita em nome do marido, BB, com o propósito de acionar os respetivos prémios e auferir, de forma indevida os valores associados.
Assim,
118. No que concerne a BB, foram entregues na Seguradora os seguintes CIT´s falsos:
- CIT datado de 29/07/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 08/08/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 10/09/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 08/10/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 10/11/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/12/2008, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/01/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 05/02/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/03/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 04/04/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 08/05/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 15/06/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/07/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 05/08/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 04/09/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 07/10/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/11/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 07/12/2009, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 04/03/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 08/04/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/05/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/06/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/07/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 30/07/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 30/08/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 28/09/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 28/10/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/12/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 28/12/2010, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 18/01/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 16/02/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 22/03/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 19/04/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/06/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 06/07/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 02/08/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 09/09/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 04/10/2011, em nome do médico “QQ”,
- CIT datado de 04/11/2011, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 28/11/2011, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 04/01/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 01/02/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 28/02/2012, em nome do médico “OO”,
- CIT datado de 08/03/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 12/04/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 12/05/2012, em nome do médico “OO”,
- CIT datado de 14/06/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 11/07/2012, em nome do médico “PP”, -
CIT datado de 06/08/2012, em nome do médico “PP”,
- CIT datado de 24/05/2018, em nome do médico “MM”
- CIT datado de 27/06/2018, em nome do médico “MM”
- CIT datado de 24/07/2018, em nome do médico “MM”
- CIT datado de 24/08/2018, em nome do médico “MM”,
- CIT datado de 26/09/2018, em nome do médico “OO”,
- CIT datado de 22/10/2018, em nome do médico “OO”
- CIT datado de 22/11/2018, em nome da médica “QQ”,
- CIT datado de 20/12/2018, em nome da médica “QQ”
- CIT datado de 21/01/2019, em nome da médica “QQ”,
- CIT datado de 20/02/2019, em nome da médica “QQ”
- CIT datado de 22/03/2019, em nome da médica “QQ”
- CIT datado de 22/04/2019, em nome da médica “QQ”
- CIT datado de 25/06/2019, em nome da médica “QQ”;
119. Os valores dos prémios foram pagos diretamente pela Seguradora A... às Entidades Financeiras por conta dos créditos detidos pela arguida AA e por BB, que, nos períodos supra assinalados, não tiveram que pagar as prestações mensais dos referidos créditos e pela Seguradora J... foram pagos à arguida AA, através de transferência bancária ou cheque.
120. A arguida AA intercalava a remessa de CIT em seu nome e em nome do marido BB, com a finalidade supra, até que cada um atingisse o plafond máximo do prémio de seguro (a partir do qual não eram pagos mais montantes).
121. A arguida AA elaborou tais documentos usando vários documentos a que tinha acesso no âmbito das suas funções no Centro de Saúde, e que de outro modo lhe estaria vedado tê-los em sua posse.
122. Com tais documentos, pertencentes a diversos utentes daquela unidade de saúde, a arguida AA elaborou os documentos supra elencados que usou para instruir diversas participações de sinistro, todas elas falsas, com o objetivo conseguido, de beneficiar (a própria e o seu agregado familiar) do pagamento de quantias pecuniárias das diversas Seguradoras.
123. Os valores pagos relativamente a BB foram relativos a sinistros ocorridos entre 28-07-2008 e 07-06-2019 e ascenderam ao valor total de €27.728,99.
124. Os valores pagos relativamente a AA foram relativos a sinistros ocorridos entre 08-02-2010 e 01-03-2017 e ascenderam ao valor total de €24.631,56.
125. A arguida AA sabia que os documentos que produzia, detinha e usava eram falsos, que se tratava de documentos com valor reforçado, porque emitidos em nome de autoridades de saúde e, ainda fê-lo, no exercício das suas funções, bem sabendo que tais documentos, pelo teor das afirmações que ali fez constar seriam considerados, como o foram, pelas respetivas seguradoras, que os admitiu e usou e, nessa sequência, processou diversos pagamentos em seu benefício e em benefício da economia do casal.
126. A arguida AA tinha pleno conhecimento da falsidade de tais documentos e, ainda, assim, não se absteve de os fabricar e de os usar, o que fez, pelo menos, nas situações supra descritas.
127. A arguida AA previu e quis ludibriar a Companhia de Seguros A... quanto à existência dos sobreditos sinistros, o que fez com o intuito concretizado de se locupletar com, pelo menos, a quantia total de €52.360,55 bem sabendo que tal montante não lhe era devido, nem a BB, e que causava um prejuízo patrimonial à companhia de seguros de montante correspondente.
128.
(ATESTADOS MÉDICOS FALSOS A FAVOR DE TERCEIROS)
129. Pelo menos desde o ano de 2019 que a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde, nos termos infra descriminados.
130. Fê-lo a solicitação dos beneficiários infra descritos, pessoas das suas relações de amizade, da sua confiança ou familiares, que lhe solicitam tais atestados para os apresentar nos mais variados locais e para os mais diversos fins.
131. Para o efeito, de forma não concretamente apurada, mas por conhecer as credenciais de acesso ao sistema do Serviço Nacional de Saúde atribuídas aos médicos daquela unidade de saúde e porque, em outras ocasiões, estes deixassem os seus computadores ligados juntamente com os respetivos cartões de acesso, a arguida AA, acedeu, por diversas vezes, ao respetivo sistema, como se se tratasse do respetivo médico competente, usando as credenciais pessoais e intransmissíveis de acesso ao SNS e fabricou os atestados médicos abaixo descritos, produzindo em sistema informático documentos juridicamente relevantes e que foram usados e assim considerados pelo sistema de saúde.
132. Após, preencheu os dados informáticos associados à identificação do beneficiário, período de doença e respetiva incapacidade, imprimiu e apôs-lhe uma rubrica como se fosse do médico titular.
Assim, I – Do arguido CC
133. No dia 29 de outubro de 2019, a arguida AA, usando as credenciais de acesso ao sistema informático em nome da médica SS, à revelia desta, entrou no sistema informático como se tratando desta médica.
134. De seguida, elaborou, em sistema, um Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, em nome do arguido CC, nele fazendo constar que, entre os dias 30 de outubro de 2019 e 31 de outubro de 2019, o referido beneficiário, encontrava-se impedido para o trabalho (conforme documento que consta a fls. 12 cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os legais efeitos).
135. Em tal atestado médico, a arguida AA, à revelia da médica, apôs-lhe uma rúbrica como tratando-se da rubrica da médica SS.
136. Não foi a médica SS que subscreveu tal documento.
137. Tal documento foi encomendado a AA pelo arguido CC em 29/10/2019, através da rede social WhatsApp, com o nº de telemóvel ...29.
138. Nessa altura, a arguida AA informou expressamente o arguido CC de que seria ela a emissora do referido atestado.
139. A arguida AA remeteu tal atestado a CC, para o e-mail deste “...”, o qual o apresentou, para justificação de falta ao serviço, no seu local de trabalho, sito na M..., Unipessoal, Lda., com sede em Rua ..., ... (cfr. cfr. fls. 1F e 180 a 184 APENSO 12 2.º Volume; fls. 465 a 466 e 1141 a 1145 e 1158).
140. No dia 22/11/2019, através da rede social WhatsApp, o arguido CC solicitou à arguida AA uma declaração médica a indicar que esteve em consulta médica, nesse dia, entre as 9:30 e 11:00.
141. De imediato, a arguida AA, usando as credenciais de acesso ao sistema informático em nome do Médico OO, à revelia deste, entrou no sistema informático como se tratando deste médico.
142. De seguida, elaborou, em sistema, um atestado de doença, em nome do arguido CC, nele fazendo constar que, nesse dia 22/11/2019, o referido beneficiário, encontrava-se impedido para o trabalho, bem como emitiu uma declaração de presença em consulta na USF Sudoeste.
143. Em tal atestado médico, a arguida AA, à revelia do médico, apôs-lhe uma rúbrica como tratando-se da rubrica do médico OO.
144. Não foi o médico OO que subscreveu tal documento.
145. Após a arguida AA remeteu tal atestado a CC, para o e-mail deste ... (fls. 75 a 82 do Apenso e-mails).
146. O arguido CC entregou na sua entidade patronal supra identificada a sobredita declaração de presença, não tendo entregue o atestado.
147. O arguido CC não é e nunca foi utente na unidade de saúde em que AA exercia funções e nunca foi consultado pelos médicos SS e OO.
148. O arguido CC é pessoa das relações pessoais da arguida AA que nos dias supra referidos solicitou-lhe a emissão de tais documentos sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência, nem autorização para a emissão de tais documentos.
149. AA, acedendo ao solicitado e atuando contra os seus deveres funcionais, elaborou e entregou àquele os supra descritos documentos.
150. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiros.
151. A arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
152. Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando ato para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando o arguido CC sem que este tivesse sequer doente, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses do arguido em causa, atos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais.
153. A arguida AA ao agir como agiu, a pedido do arguido CC, de acordo com o plano previamente acordado entre ambos, bem sabia que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas.
154. O arguido CC, bem sabendo e querendo o supra exposto, ao apresentar os referidos atestado e documento à sua entidade patronal do modo descrito visou convencê-la que era detentor de documentos clínicos válidos que atestavam incapacidade para o trabalho, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos nele constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.
155. Tal como sabia que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
II- Dos arguidos JJ e FF
156. A arguida AA, em data não concretamente apurada mas anterior a 19.03.2020, usando os dados de identificação do médico OO, e em nome deste, que exerce funções na referida USF, elaborou um atestado médico de assistência a filho menor, em nome do arguido JJ, nele fazendo constar que, o mesmo encontrava-se a prestar assistência a filho menor desde o dia 30 de março de 2020 até ao dia 13.04.2020 e, por via disso, impedido para o trabalho (cfr. fls. 8 APENSO 10 e fls. 188 APENSO 12 2.º Volume).
157. Tal atestado foi-lhe solicitado pela arguida FF, esposa do arguido JJ, a AA a qual, após a sua emissão lho remeteu através de e-mail, tendo JJ apresentado o mesmo na sua entidade patronal em 19 de março de 2020 (através do e-mail ... para o e-mail ... e foi considerado, informaticamente, pelo sistema da Segurança Social, tendo-lhe sido atribuído um subsídio no valor de €195,00 (cfr. fls. 1G e 1H e 188 e 196 APENSO 12 2.º Volume e fls. 6 a 8 do apenso 10).
158. O arguido JJ não é utente do médico OO e nunca foi consultado por este.
159. Os arguidos FF e JJ são pessoas das relações pessoais de AA e, em dia não concretamente apurado, FF solicitou-lhe a emissão de tal atestado, conhecedora das funções que AA desempenhava, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
160. A arguida AA, acedendo ao solicitado e atuando contra os seus deveres funcionais, elaborou e entregou àqueles o supra descrito documento.
161. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo, também, ciente que produzia documentos falsos, de valor reforçado, que se destinavam a ser usados junto da Segurança social, como se de verdadeiros documentos se tratasse.
162. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiros.
163. Os arguidos JJ e FF bem sabiam e não podiam desconhecer que jamais é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico.
164. A arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
165. Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando ato para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando o arguido JJ sem que o seu filho (e não este como certamente por lapso se fez constar dado que o certificado era de apoio a familiar doente) estivesse sequer doente, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses do arguido em causa, atos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais.
166. A arguida AA ao agir como agiu, a pedido da arguida FF, de acordo com o plano previamente acordado entre ambas, bem sabia que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas.
167. Os arguidos FF e JJ, bem sabendo e querendo o supra exposto, ao apresentarem os referidos atestado e documento às respetivas entidades patronais do modo descrito visaram convencê-las que eram detentores de documentos clínicos válidos que atestavam incapacidade para o trabalho, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabiam não acontecer.
168. Tal como sabiam que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
169. Os arguidos JJ e FF estavam cientes que não tinham qualquer direito a receber subsídio social proveniente da segurança social por alegada doença e que em consequência do seu comportamento iriam levar a Segurança Social a entregar-lhes quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
170. Os arguidos FF e JJ gastaram, em proveito próprio, tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhes pertencer, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
171. Com a conduta referida foi o património dos arguidos FF e JJ que ficou enriquecido com as quantias entregues pela Segurança Social, auferindo, deste modo, uma vantagem patrimonial indevida.
III – Do arguido EE
172. O arguido EE é irmão da arguida AA, sendo II casada com aquele EE e, portanto, cunhada da arguida AA.
173. Nas datas que infra se indicam, a arguida AA, usando os dados de identificação do médico OO, e em nome deste, que exerce funções na referida USF, elaborou atestados médicos em nome do arguido EE, neles fazendo constar que o mesmo se encontrava doente e, por via disso, impedido para o trabalho:
a. Um atestado datado de 04-11-2019 a 15-11-2019 (fls. 21 do APENSO 7 e fls. 1419);
b. Um atestado datado de 16-11-2019 a 15-12-2019 (fls. 22 do APENSO 7 e fls. 1420);
c. Um atestado datado de 16-12-2019 a 14-01-2020 (fls. 20 do APENSO 7 e fls. 1421);
d. Um atestado datado de 15-01-2020 a 13-02-2020 (fls. 1423);
174. Nas datas que infra se indicam, a arguida AA, usando os dados de identificação do médico OO, que exerce funções na referida USF, e em nome deste, elaborou os seguintes atestados médicos em nome de II, neles fazendo constar que a mesma se encontrava doente e, por via disso, impedida para o trabalho:
a. um atestado datado de 09-11-2020 a 19-11-2020 (fls. 13 do APENSO E-MAILS e fls. 202 APENSO 12 - 2.º Volume);
b. um atestado datado de 20-11-2020 a 19-12-2020 (fls. 14 do APENSO E-MAILS e fls. 203 APENSO 12 - 2.º Volume);
c. um atestado datado de 20-12-2020 a 18-01-2021 (fls. 19 do APENSO E-MAILS e fls. 205 APENSO 12 - 2.º Volume);
d. um atestado datado de 19-01-2021 a 17-02-2021 (fls. 207 APENSO 12 - 2.º Volume);
e. um atestado datado de 18-02-2021 a 19-03-2021 (fls. 26 do APENSO E-MAILS e fls. 208 APENSO 12 - 2.º Volume);
f. um atestado datado de 20-03-2021 a 18-04-2021 (fls. 210 APENSO 12 - 2.º Volume).
175. Tais atestados foram solicitados pelo arguido EE à irmã AA, que lhos remeteu após a sua emissão.
176. Tais atestados foram apresentados e considerados informaticamente, pelo sistema da Segurança Social, tendo-lhes sido atribuído:
a. ao arguido EE: um subsídio no valor global de € 1.382,37 (fls. 1416 e 1427 a 1434);
b. a II: um subsídio no valor global de € 1.695,09 (fls. 1H e 1I e 212 a 215 APENSO 12 2.º Volume).
177. O arguido EE não é utente do médico OO e nunca foi consultado por este.
178. II não é utente do médico OO e nunca foi consultada por este.
179. O arguido EE e II eram utentes da médica QQ, sendo que a arguida AA não emitiu os referidos atestados em nome desta médica com o intuito de não serem detetados pela referida médica.
180. O arguido EE e II são pessoas das relações familiares da arguida AA, tendo o primeiro solicitado a emissão de tais atestados, conhecedor das funções que AA desempenhava, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
181. A arguida AA, acedendo ao solicitado, e atuando contra os seus deveres funcionais, elaborou os supra descritos documentos.
182. Os referidos Certificados de Incapacidade Temporária do arguido EE e de II foram enviados diretamente pela arguida AA à Segurança Social (cfr. APENSO 12 2.º Volume).
183. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo, também, ciente que produzia documentos falsos, de valor reforçado, que se destinavam a ser usados junto da Segurança social, como se de verdadeiros documentos se tratasse.
184. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiros.
185. O arguido EE bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico.
186. A arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
187. Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando ato para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando o arguido EE e II, quanto ao primeiro, sem que aquele estivesse sequer doente, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses do arguido em causa, seu irmão, atos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais.
188. A arguida AA ao agir como agiu, a pedido do arguido EE, de acordo com o plano previamente acordado entre ambos, bem sabia que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas.
189. O arguido EE bem sabendo e querendo o supra exposto, ao solicitar a AA o envio dos referidos atestados à Segurança Social, do modo descrito, visou convencer esta entidade que era, assim como II, detentor de documentos clínicos válidos que atestavam incapacidade para o trabalho, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos nele constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.
190. Tal como sabia que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
191. O arguido EE estava ciente que ele próprio e II não tinham direito a receber subsídio social proveniente da Segurança Social por alegada doença e que em consequência do seu comportamento iria levar a Segurança Social a entregar-lhe quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
192. O arguido EE e II gastaram, em proveito próprio, tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhes pertencer, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
193. Com a conduta referida foi o património do arguido EE e de II que ficou enriquecido com as quantias entregues pela Segurança Social, auferindo, deste modo, uma vantagem patrimonial indevida. IV – Do arguido DD
194. O arguido DD é filho da arguida AA e de BB.
195. Nas datas infra indicadas, a arguida AA, usando os dados de identificação dos médicos infra referidos, e em nome destes que exercem funções na referida USF, elaborou quatro atestados médicos em nome do arguido DD, nele fazendo constar que, o mesmo encontrava-se doente e, por via disso, impedido para o trabalho e os restantes solicitando a sua emissão à respetiva médica que os emitiu, mas sem que o arguido DD estivesse doente:
a. um datado 31-08-2019 a 06-09-2019 (fls. 50 a 109 do APENSO Facebook) (emitido pela médica QQ);
b. um datado de 09-03-2020 a 15-03-2020 (fls. 6 do APENSO E- mails e fls. 18 do APENSO 7),
c. um datado de 16-03-2020 a 22-03-2020 (fls. 19 do APENSO 7),
d. um datado de 23-03-2020 a 31-03-2020 (fls. 17 do APENSO 7)
(emitido pela médica QQ),
e. um datado de 01-04-2020 a 30-04-2020 (fls. 66 do APENSO 7) e f. um datado de 01-05-2020 a 17-05-2020 (fls. 67 do APENSO 7).
196. Tais atestados foram solicitados pelo arguido DD à arguida AA, sua mãe, a qual, após as suas emissões, lhos remeteu.
197. Tais atestados foram apresentados e considerados informaticamente pelo sistema da Segurança Social, tendo sido atribuído ao arguido DD um subsídio no valor global de € 421,03 (fls. 1E e 1F e 174 a 179 APENSO 12 2.º Volume e documento nº4 junto com o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I. P.).
198. Tal subsídio foi transferido pela Segurança Social para conta bancária no Banco 1... ...42 titulada pela arguida AA (fls. 1E e 1F e 174 a 179 APENSO 12 2.º Volume).
199. Os Certificados de Incapacidade Temporária (manuais) foram enviados diretamente pela arguida AA à Segurança Social, por correio (cfr. APENSO 12 2.º Volume).
200. Os referidos atestados foram passados em nome dos médicos QQ (eletrónico, a fls. 18, APENSO 7, e eletrónico, a fls. 6, Apenso EMAILS, e eletrónico, a fls. 17, Apenso 7), MM (fls. 165 Apenso 12 - 2.º Volume) e OO (fls. 163 APENSO 12 - 2.º Volume).
201. O arguido DD não é utente dos médicos MM e OO e nunca foi consultado por estes.
202. A 15/05/2020, a arguida AA, usando os dados de identificação do médico MM, que exerce funções na referida USF, e em nome deste, elaborou um atestado médico de incapacidade para o trabalho em nome de HH, a pedido do arguido DD, nele fazendo constar que, a mesma encontrava-se doente desde o dia 15/05/2020 a 22/05/2020 e, por via disso, impedida para o trabalho.
203. Tal atestado foi solicitado pelo arguido DD à mãe, AA, a qual, após a sua emissão lho remeteu, tendo este o encaminhado à referida HH para oe-mail desta: ....
204. Apesar do supra descrito, tal atestado não deu origem a qualquer pagamento por parte da Segurança Social pois que aquela HH não estava em condições de beneficiar de qualquer subsídio.
205. HH não é utente do médico em questão e nunca foi consultada por este.
206. O arguido DD é pessoa das relações familiares da arguida AA (filho) e solicitou-lhe a emissão de tal atestado, conhecedor das funções que AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
207. A arguida AA, acedendo ao solicitado e atuando contra os seus deveres funcionais, elaborou e entregou àqueles os supra descritos documentos.
208. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo, também, ciente que produzia documentos falsos, de valor reforçado, que se destinavam a ser usados junto da Segurança social, como se verdadeiros documentos se tratassem.
209. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiros.
210. O arguido DD bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico.
211. A arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
212. Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando ato para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando o arguido DD sem que este tivesse sequer doente, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses do arguido em causa, atos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais.
213. A arguida AA, ao agir como agiu, a pedido do arguido DD, de acordo com o plano previamente acordado entre ambos, bem sabia que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas.
214. O arguido DD, bem sabendo e querendo o supra exposto, ao apresentar os referidos atestados às suas entidades patronais do modo descrito visou convencê-las que era detentor de documentos clínicos válidos que atestavam incapacidade para o trabalho, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabia não acontecer.
215. Tal como sabia que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
216. O arguido DD estava ciente que não tinha qualquer direito a receber subsídio social proveniente da Segurança Social por alegada doença e que em consequência do seu comportamento iria levar a Segurança Social a entregar-lhe quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
217. O arguido DD gastou, em proveito próprio, tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhe pertencer, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
218. Com a conduta referida foi o património do arguido DD que ficou enriquecido com as quantias entregues pela Segurança Social, auferindo, deste modo, uma vantagem patrimonial indevida.
V – Dos arguidos GG e KK
219. A arguida GG é amiga da arguida AA e do arguido DD, sendo o arguido KK, namorado da primeira (cfr. fls. 2018 e 2019, e 36 a 38, 43 a 44, 46 a 47 do Apenso Facebook).
220. Por força da amizade tida entre as arguidas AA e GG, a primeira, em 14/03/2020, através da rede social Facebook, informou a segunda que se ela precisasse lhe arranjava baixas médicas fraudulentas, se a mesma necessitasse das mesmas para algum fim, como fosse simplesmente tirar dias de “férias”, mais indicando que seria a própria a passar as sobreditas “baixas” e que sendo “baixas” de curta duração, inexistia qualquer fiscalização pelas entidades competentes.
221. A 23 de agosto de 2020, a arguida AA, usando os dados de identificação do médico OO, e em nome deste que exerce funções na referida USF, elaborou um atestado médico por doença em nome da arguida GG, nele fazendo constar que, a mesma encontrava-se doente desde o dia 23/08/2020 a 30/08/2020 e, por via disso, impedida para o trabalho.
222. A 20 de novembro de 2020, a arguida AA, usando os dados de identificação da médica RR, e em nome desta, que exerce funções na referida USF, elaborou um atestado médico por doença em nome da arguida GG, nele fazendo constar que, a mesma encontrava-se doente desde o dia 20/11/2020 a 01/12/2020 e, por via disso, impedida para o trabalho.
223. A 24 de agosto de 2020, a arguida AA, usando os dados de identificação do médico MM, que exerce funções na referida USF, e em nome deste, elaborou um atestado médico por incapacidade temporária em nome do arguido KK, nele fazendo constar que, o mesmo encontrava-se doente desde o dia 24/08/2020 a 30/08/2020 e, por via disso, impedido para o trabalho.
224. Tais atestados foram solicitados pela arguida GG à arguida AA, a qual, após as suas emissões lhos remeteu (cfr. fls. 1780 a 1786 e 1841 a 1854; fls. 2019 e 29 a 49 do Apenso Facebook).
225. Tais atestados foram apresentados e considerados, informaticamente, pelo sistema da Segurança Social, tendo-lhes sido atribuído:
a. ao arguido KK: um subsídio no valor global de € 38,96,
b. à arguida GG: um subsídio no valor global de € 116,49.
226. O arguido KK não é utente do médico MM e nunca foi consultado por este.
227. A arguida GG não é utente dos médicos OO e RR e nunca foi consultada por estes.
228. Os arguidos GG e KK são pessoas das relações pessoais da arguida AA e a arguida GG solicitou-lhe a emissão de tais atestados, sendo ambos conhecedores das funções que AA desempenhava, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
229. A arguida AA, acedendo ao solicitado e atuando contra os seus deveres funcionais, elaborou e entregou àqueles os supra descritos documentos.
230. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo, também, ciente que produzia documentos falsos, de valor reforçado, que se destinavam a ser usados junto da Segurança social, como se verdadeiros documentos se tratassem.
231. Ao assim atuar, a arguida AA fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiros.
232. Os arguidos KK e GG bem sabiam e não podiam desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico.
233. A arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
234. Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando ato para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando os arguidos KK e GG sem que estes estivessem sequer doentes, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses dos arguidos em causa, atos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais.
235. A arguida AA ao agir como agiu, a pedido da arguida GG, de acordo com o plano previamente acordado entre todos, bem sabia que tal atentava contra as funções públicas que desempenhava, atuando com deslealdade para com o Sistema Nacional de Saúde e Estado, que nela confiou que desempenhasse as funções que lhe estavam confiadas com total respeito pelos deveres inerentes àquelas.
236. Os arguidos KK e GG, bem sabendo e querendo o supra exposto, ao apresentar os referidos atestados às suas entidades patronais do modo descrito visaram convencê-las que eram detentores de documentos clínicos válidos que atestavam incapacidade para o trabalho, criando desse modo a falsa aparência de que os elementos neles constantes correspondiam à verdade, o que bem sabiam não acontecer.
237. Tal como sabiam que a sua atuação punha em causa a fé pública, a veracidade e a confiança de que gozam tais documentos.
238. Os arguidos KK e GG estavam cientes que não tinham qualquer direito a receber subsídio social proveniente da Segurança Social por alegada doença e que em consequência do seu comportamento iria levar a Segurança Social a entregar-lhe quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património, o que efetivamente aconteceu.
239. Os arguidos KK e GG gastaram, em proveito próprio, tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhes pertencer, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
240. Com a conduta referida foi o património dos arguidos KK e GG que ficou enriquecido com as quantias entregues pela Segurança Social, auferindo, deste modo, uma vantagem patrimonial indevida.
241. Em todas as situações descritas, a arguida AA de forma livre, deliberada e consciente perfeitamente ciente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
242. As condutas da arguida AA (assim como dos arguidos DD e EE), apresentam homogeneidade da forma de atuação, proximidade temporal, sendo umas decorrentes das outras, e unidade de continuação de vontades, dentro de uma linha de continuidade psíquica, ou numa linha psicológica continuada.
243. Atuou ainda a arguida AA, no quadro de uma situação exterior que lhe facilitou a execução, tendo sido uma atuação muito prolongada e reiterada no tempo e que, apesar disso, nenhuma consequência negativa lhe trazia.
244. A arguida AA atuou sempre da mesma forma, utilizando por vezes até, os mesmos documentos, onde simplesmente alterava datas através de colagens.
245. Mais beneficiou da circunstância externa de, pelos Serviços Públicos (Autoridade Tributária e Segurança Social) e Privados (Seguradoras) não terem procedido a qualquer tipo de fiscalização ao longo de todos estes anos.
Para além disso,
246. Agiram todos os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
247. A arguida AA, a 20/04/2021, tinha na sua posse, guardado no quarto da sua residência, os seguintes documentos:
a. blocos de receitas médicas não preenchidas do SNS, sendo que duas delas tem apostas duas vinhetas de médico (No APENSO 4);
b. centenas de envelopes A5 e A4 com identificação da ARS Norte – Administração Regional de Saúde Norte IP, diversos envelopes com identificação do Centro Hospital de Entre o Douro e Vouga, EPE (APENSO 5);
c. Uma pasta de arquivo A5 de cor azul, contendo sete (07) separadores, identificando médicos e a USF Sudoeste, contendo em cada um deles vinhetas do SNS, a saber: sete (07) do Dr. OO”; cento e quarenta e sete (147) da Dr. HHH; sessenta e nove (69) da Dr.ª SS; quarenta e nove (49) do Dr. III; vinte e oito (28) da Dr.ª RR, doze (12) do Dr. JJJ; quarenta e sete (47) do ACES ... /AR USF Sudoeste; bem assim, com um separador com a inscrição “VINHETAS ...” contendo vinhetas do SNS dos seguintes médicos: três (03) da Dr.ª NN (M...1), dezoito (18) do Dr. MM (M...9); vinte e três (23) do Dr. OO (M...5); (APENSO 8);
d. diversa documentação médica entre a qual: Participações de sinistros, notas de altas, atestado de incapacidade temporária, declarações médicos, relatórios clínicos de terceiras pessoas (APENSO 1);
e. Cópia dos atestados multiusos apresentados na AT e várias declarações de IRS, entre outros documentos (APENSO 2);
f. diversa documentação médica de vários Participações de sinistros, notas de altas, atestado de incapacidade temporária, declarações médicos, relatórios clínicos de terceiras pessoas (APENSO 3)
g. diversa documentação médica de vários pacientes salientando-se: h. a fls. 8 a 22 diversos certificados de incapacidade temporária de 2019 e 2020 em nome AA, BB, DD e EE;
i. a fls. 50 a 52 diversas vinhetas de médicos;
j. a fls. 53 a 63 manuscritos e impressão com aparentes passwords de médicos;
k. a fls. 69 certificado de incapacidade temporária em branco onde estão apostas duas vinhetas, uma do médico Dr. OO, Cédula Profissional M...5, e outra do ACES ... / AR USF Sudoeste
l. a fls. 110 certificado de IUC a € 0 relativo à viatura de AA ..-AX-..
m. a fls. 134 a 145 pedido de informação à ARS Norte no âmbito do presente inquérito
n. a fls. 212 a 217 - Mensagens impressas de correio eletrónico trocadas entre AA (...) e BB (...)
o. contrato de trabalho de fls. 73-77; (Apenso 7)
248. Tais documentos encontravam-se na posse da arguida AA sem o conhecimento ou consentimento do Agrupamento de Centros de Saúde de Entre Douro e Vouga ou dos clínicos em causa, que desconheciam por completo a situação.
249. Tais documentos serviram e serviriam no futuro para a práticas de ilícitos típicos como aqueles supra relatados, a efetuar pela arguida AA na resolução única que teve em fabricar CIT´s falsos com vista a obter benefícios ilícitos junto das autoridades públicas e privadas (Autoridade Tributária, Segurança Social, Sistema Nacional de Saúde e Seguradoras de créditos).
250. Os arguidos JJ e de FF detinham na sua posse, guardado na sua residência sita na Rua ..., ..., os seguintes documentos:
a. um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, beneficiário JJ, respeitante ao período de 23.11.2020 a 04.12.2020;
b. um documento composto por três folhas emitido pela Segurança Social em nome de KKK, a requerer subsídio por assistência a filho para o período compreendido entre 19.01.2021 a 29.01.2021;
c. um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, beneficiário JJ, respeitante ao período de 30.03.2020 a 13.04.2020.
d. cópia de dois mails remetidos do endereço eletrónico do buscado ... para a contabilidade N..., ambos datados de 19.03.2020 (APENSO 10).
Mais se provou:
(condições socioeconómicas da arguida AA):
251. À data dos factos em causa nos presentes autos, a arguida AA residia na morada constante nos autos, num apartamento com boas condições de habitabilidade situado em zona residencial central de ..., juntamente com o marido, motorista de transportes internacionais e dois filhos do casal, na data de elaboração do relatório social (maio de 2022), com 21 e 15 anos de idade respetivamente.
252. A dinâmica do agregado oscilava em função de algumas divergências entre a arguida e os filhos, relativamente ao marido e pai dos descendentes.
253. No âmbito do exercício de funções que a arguida desempenhava na Unidade de Saúde Familiar Sudoeste auferia à data um salário de cerca de 1.200€ mensais líquidos, posicionada na categoria profissional de Assistente Técnica.
254. A arguida mantinha um quotidiano centrado na atividade profissional, apresentando uma rotina de trabalho que ia para além do período em que permanecia na Unidade de Saúde, dado que desenvolvia tarefas a partir da habitação, designadamente quando em contexto pandémico, através do acesso a dados por meio de uma Rede Privada Virtual – VPN.
255. A arguida tinha ingressado nesta instituição de saúde em 2017 e projetava uma imagem voluntariosa, de cordialidade para com os seus colegas de trabalho, colaboração e empenho relativamente às funções que lhe estavam adstritas, as quais dominava de modo eficiente.
256. Durante o período de 2017 a 2020, a arguida acumulou o exercício daquelas funções, através do exercício de atividade aos fins de semana, com o trabalho exercido na empresa O... na cidade ....
257. Em 2022, após, alteração da execução da medida de coação aplicada de obrigação de permanência na habitação, a arguida AA passou a auferir cerca de 750€ mensais, vencimento proveniente do seu exercício de funções na empresa P..., na sequência da autorização que lhe foi concedida para se ausentar regularmente da habitação para este fim, e ainda o valor de 130€ relativo à pensão de alimentos proporcionada pelo ex-marido, relativamente à filha de ambos.
258. As despesas do agregado com o pagamento do crédito contraído para aquisição de habitação, cifram-se em 400,00€ mensais.
259. A arguida continua a revelar adaptação quanto à autorização concedida nos autos para o exercício de atividade laboral.
260. A arguida AA tem um irmão mais velho e coarguido nos presentes autos, tendo crescido no agregado familiar de origem, cuja fonte de rendimento provinha essencialmente da atividade profissional do progenitor enquanto gerente de uma empresa de construção civil.
261. A dinâmica familiar foi descrita como equilibrada, tendo a arguida beneficiado de condições favoráveis à aquisição de competências sociais e pessoais.
262. O percurso escolar da arguida AA decorreu de forma regular, tendo-se licenciado aos 40 anos de idade em Gestão de Empresas.
263. Aos 18 anos de idade, iniciou atividade profissional enquanto operadora de caixa numa grande superfície comercial, vindo a progredir até ao cargo de supervisora e posteriormente de chefe de caixa, com experiência posterior adquirida em outras empresas do ramo.
264. Contraiu casamento com 22 anos e em 1999 ingressou na função pública através do exercício de funções no Ministério da Educação e a partir de 2002 no Ministério da Saúde iniciando funções no Centro de Saúde ....
265. A natureza dos factos pelos quais está acusada e algum mediatismo inerente, designadamente no meio residencial envolvente, têm-se repercutido na própria e no seu núcleo familiar, salientando o seu impacto negativo, aparentando revelar-se inteirada do valor jurídico em causa e do respetivo dano.
266. A arguida expressa o desejo em voltar a exercer atividade laboral de modo mais consistente.
267. A arguida apresenta necessidades de reinserção relacionadas com a interiorização do desvalor da prática criminal, bem como, das consequências da mesma, não apenas para si, mas também para terceiros.
268. A arguida tem registada a seu favor a propriedade do veículo com a matrícula ..-AX-...
269. A arguida confessou quase integralmente os factos e disse estar arrependida.
270. A arguida não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas do arguido DD):
271. O arguido DD é natural de ..., provém de um agregado de condição social financeira e social mediana, composto pelos ascendentes parentais (pai, motorista de pesados, e mãe, administrativa na função pública, atualmente funcionária em estabelecimento de restauração), sendo o mais velho de um casal de filhos nascido ao casal de progenitores (tem irmã de 15 anos à data da elaboração do relatório social (maio de 2022).
272. O processo de crescimento e desenvolvimento, na perspetiva do arguido, foi marcado por episódios de comportamentos agressivos por parte do progenitor, que caracteriza como pessoa instável em termos temperamentais e que contribuiu para a separação dos pais que ocorreu há cerca de 3 anos, bem como para o afastamento deste com os filhos.
273. O pai não mantém contacto com o arguido, não respondendo este às mensagens escritas para o telemóvel, que aquele lhe envia.
274. Ingressou no sistema de ensino em idade considerada normal, sem registo de retenções, encontrando-se, à data de maio de 2022, a frequentar o 2º ano da licenciatura de Engenharia Informática no Instituto Politécnico ....
275. O arguido DD trabalha desde os 18 anos, aos fins-de-semana e períodos de férias escolares, como funcionário do Q... em ... e como vigilante ao serviço da empresa R..., de forma a fazer face às despesas relacionadas com a licenciatura que se encontra a frequentar.
276. Na data dos factos, DD mantinha o atual enquadramento familiar e social, encontrando-se a residir entre a cidade de Viseu, onde estuda, regressando aos fins-de-semana, para casa da mãe em ....
277. Integra o agregado composto por si, pela mãe, AA, 45 anos (coarguida nos presentes autos) e pela irmã, LL, 15 anos, estudante.
278. O agregado descrito habita um apartamento, propriedade dos pais, localizado no centro da cidade ..., em meio não conotado com problemáticas sociais.
279. A situação económica do agregado é frágil, mas controlada, suportada pelos valores que o arguido DD e sua mãe retiram do seu trabalho, contando ainda com o valor de 130,00€ referente à pensão de alimentos que o pai entrega relativamente à irmã de 15 anos.
280. Direciona os seus tempos livres essencialmente para o convívio com amigos (em Viseu e ...) e familiares.
281. O arguido compreende, em abstrato, a natureza criminal dos factos contantes na acusação e como tal passível de condenação judicial.
282. O arguido mostra-se expetante quanto ao desfecho do processo, sendo este fator de desconforto e preocupação acrescidas.
283. No meio social de residência, não se registaram comentários menos positivos à presença do arguido DD.
284. O arguido tem registada a seu favor a propriedade do veículo de matrícula ..-IU-...
285. O arguido não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas do arguido CC):
286. O arguido é o mais velho de dois irmãos e a sua família beneficiava e beneficia de condições e recursos, característicos de um estrato socioeconómico modesto, decorrendo os proventos do agregado familiar de origem da atividade dos progenitores, que ainda presentemente se dedicam à sua própria exploração agrícola, essencialmente produção de leite, na Freguesia ..., ....
287. O processo educativo do arguido decorreu em contexto sócio- familiar referenciado como integrador, organizado e funcional.
288. O arguido iniciou a sua trajetória escolar em idade regulamentar, tendo terminado o 12º ano com a frequência do curso técnico profissional de instalações elétricas, na Escola ..., na ..., sem registo de insucessos.
289. Já em regime noturno (horário pós-laboral), concluiu com sucesso, em julho de 1995, com cerca de 21 anos, o bacharelato em Engenharia Eletrónica e de Automação, na Escola Superior ..., tendo terminado a licenciatura em 1997, no Instituto Superior de Engenharia ....
290. Logo após a licenciatura, o arguido foi presidente da Assembleia de Freguesia ..., ..., onde residia, durante dois mandatos, sendo igualmente, há mais de vinte anos, presidente do Centro Popular de Trabalhadores de ..., bem como membro e, depois presidente, da ... (Associação ...), tendo sido um dos principais fundadores da Feira Agrícola ... - Portugal Rural, e trabalhado em colaboração com a Câmara Municipal ...
291. Iniciou a sua carreira laboral em fevereiro de 1998, como professor de matemática, na Escola Secundária ..., até final de junho do mesmo ano; em setembro de 1998 começou a lecionar na Escola Profissional de ..., como profissional liberal, tendo sido formador das disciplinas das áreas de Eletricidade, Eletrónica, Sistemas digitais e Coordenador do curso de eletrónica.
292. O arguido casou em 2004, fruto do qual viria a nascer uma descendente, com 12 anos na data da elaboração do relatório social (maio de 2022).
293. A família anteriormente residia em ..., em casa dos progenitores do arguido, tendo mudado há alguns anos para casa dos sogros, em ..., ..., (também agricultores, vivendo da exploração agrícola, própria), na morada supramencionada, onde se mantém.
294. O arguido é sócio gerente e fundador da empresa S..., ACE, com sede em ..., há cerca de dezasseis anos, onde aufere um vencimento base de €750,00 mensais, correspondente a 628,00€ líquidos mensais.
295. O arguido, em junho de 2012 passou a ser o diretor da Associação ... (proprietária da Escola Profissional), tendo sido convidado a integrar a direção da Escola Profissional de ..., até início de fevereiro de 2019, altura em que, sendo um dos candidatos à presidência da Associação ..., a sua lista foi derrotada.
296. O arguido saiu da coordenação do curso de eletrónica e da Escola Profissional em meados de abril 2020.
297. O arguido auferia em setembro/ outubro 2019, na Escola Profissional de ..., o salário base de €1.029,00, cerca de €871,00 líquidos.
298. O arguido foi durante quatro anos e até janeiro de 2022, administrador da Cooperativa Agrícola de ..., na presidência com LLL, que ainda se mantém atualmente; é ainda, administrador da T... e T..., devendo terminar o seu mandato no final de 2022, participando em reuniões de trabalho, auferindo cerca de €200 por cada participação.
299. Em setembro de 2021, o arguido candidatou-se a vagas do concurso nacional para lecionar, tendo ficado colocado na Escola Secundária ..., em ..., lecionando desde outubro daquele ano, a disciplina de informática (em horário parcial), com um vencimento de cerca de €900 mensais.
300. Tanto os sogros, como o cônjuge do arguido (bem como o mesmo, nos tempos livres), dedicam-se à agricultura e produção de leite, vivendo sem constrangimentos económicos.
301. Sempre que lhe é possível, o arguido desloca-se para ..., ajudando igualmente os progenitores, nas suas atividades agrícolas.
302. O arguido CC sempre manteve relacionamento e vinculação afetiva próxima com a sua única descendente, procurando ser uma figura presente no quotidiano desta e da restante família, mais próxima.
303. O arguido tem uma imagem laboral, social e pessoal do arguido, positiva, de dinamismo, empreendedorismo e bom trato pessoal/social.
304. Na comunidade e meios associativos, o espoletar do presente processo é desconhecido, pelo que não foi registado impacto.
305. O arguido aguarda com expectativa a resolução deste processo, apresentando-se confiante sobre um desfecho favorável do mesmo.
306. O arguido apresentou declaração de rendimentos, em sede de IRS, relativamente ao ano de 2020, na qual declarou ter como rendimentos da categoria A no valor de bruto de 10.544,00€, da categoria B o valor total de 8.417,57€, a título de rendimentos prediais o valor de 3.250,00€ e a título de alienação onerosa de partes sociais e outros valores imobiliários o valor de 3,15€.
307. O arguido tem registada a seu favor a propriedade dos veículos com as matrículas ..-..-LB, ..-..-UD, ..-..-PL e ..-..-XV.
308. O arguido não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas do arguido EE):
309. O arguido EE é natural de ..., provindo de uma família de modesta condição socioeconómica, sendo o agregado familiar do arguido constituído, pelos seus progenitores e a irmã AA (coarguida nos autos).
310. O seu progenitor exercia atividade na área da construção civil com empresa própria e a sua progenitora, laborava como operária na fábrica U... em ..., e após o seu encerramento, passou a dedicar-se às lides domésticas.
311. A natureza das relações familiares caracterizava-se como adequada, tendo o processo de desenvolvimento do arguido decorrido em ambiente familiar considerado como equilibrado, assente em laços de entreajuda. 312. Em idade considerada como adequada integrou no sistema de ensino, reprovando no 8º e 9º ano de escolaridade, tendo aos 17 anos de idade abandonado os estudos e começado a trabalhar como operário na área do calçado, situação que perdurou por dois anos.
313. Aos 20 anos de idade, o arguido EE, cumpriu o serviço militar obrigatório.
314. Após o arguido iniciou funções como administrativo na empresa do seu progenitor onde laborou até 2007, data em que cessou a referida empresa e onde também já exercia atividade como contabilista.
315. Paralelamente, neste período de tempo, o arguido EE frequentou o ensino noturno, onde concluiu o 12º ano de escolaridade e ingressou o ensino superior, licenciando-se em contabilidade no ano de 2022.
316. Em data não concretamente apurada, mas situada perto de 2007, o arguido EE estabeleceu-se por conta própria, como contabilista, com a criação de um gabinete de contabilidade V..., Lda.
317. Em termos afetivos, o arguido EE contraiu matrimónio com II, em 2004, tendo resultado da união conjugal, um descendente, MMM.
318. Profissionalmente, II, exerceu funções como administrativa em diversas empresas, com situação de desemprego nos anos de 2017 e 2018.
319. Em 2019 iniciou funções como administrativa no gabinete de contabilidade do arguido.
320. Na data dos factos em causa nos presentes autos e na data de elaboração do relatório social (maio de 2022), o arguido EE residia com o cônjuge, II, de 49 anos de idade, e o filho MMM, de 20 anos de idade, na morada indicada nos autos.
321. O agregado familiar reside em habitação própria, tratando-se de uma moradia, inserida em zona residencial, sem conexão a problemáticas sociais.
322. A dinâmica familiar é descrita como adequada, assente em laços de entreajuda, no entanto, e em virtude dos factos que deram origem ao pressente processo, o casal passou por um período do relacionamento conturbado, pretendendo o cônjuge do arguido, a sua separação, o que não se concretizou, e mostrando-se agora disponível para apoiar o arguido.
323. Profissionalmente, o arguido EE mantém atividade como contabilista, tendo uma carteira de clientes estável, como por exemplo, a Associação ....
324. A mulher, II, mantém-se a trabalhar como administrativa no gabinete de contabilidade do cônjuge, e o filho do casal, entretanto licenciado em engenharia informática, encontrava-se a trabalhar para uma empresa do Porto em regime de teletrabalho.
325. O arguido organiza o seu quotidiano em função da sua atividade laboral e da família, praticando exercício físico quando tem tempo livre.
326. Em termos de saúde, o arguido EE padece da doença de Crohn (doença intestinal inflamatória) e segundo o próprio, desde os 26 anos de idade, o que tem condicionado a sua vivência.
327. O cônjuge do arguido, apresenta uma personalidade com sintomas de depressão, situação que se verifica de longa data, com períodos de recaídas, estando de baixa médica, pelo menos, desde outubro de 2020.
328. O arguido retira de vencimento salarial fixo cerca de 850,00€, podendo ir até aos 2.000,00€ mensais em função do seu volume de trabalho.
329. O cônjuge do arguido, enquanto ativa, auferia mensalmente, em média, 750,00€.
330. O agregado familiar do arguido tem como despesas mensais mais significativas a prestação do crédito habitação no valor de 270,00€ acrescidos dos gastos domésticos (água, eletricidade e gás: 200,00€).
331. O vencimento salarial do filho do casal, é para proveito do próprio.
332. O arguido EE beneficia de uma imagem adequada quer em termos sociais quer laborais, sendo descrito como uma pessoa integrada e cordata no trato.
333. Em termos sociais, o arguido considera que a sua honra foi colocada em causa pelo presente processo, mostrando-se preocupado com a sua reputação, sobretudo pelas repercussões ao nível profissional.
334. Face à natureza de factos semelhantes aos constantes nos presentes autos, o arguido EE verbaliza consciência crítica, reconhecendo a ilicitude e censurabilidade dos mesmos, bem como, a existência de vítima e danos.
335. O arguido EE, em 02.06.2022, encontrava-se inscrito no ISS, como trabalhador por conta de outrem, da sociedade W... Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ..., em ....
336. O arguido EE não tem inscritos em seu nome quaisquer bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo.
337. O arguido EE apresentou declaração de rendimentos, em sede de IRS, relativamente ao ano de 2020, na qual declarou ter como rendimentos da categoria A no valor de bruto de 8.022,56€, da categoria B no valor bruto de 10.300,00€ e a título de rendimentos comerciais o valor de 3.074,62€.
338. O arguido tem registada a seu favor a propriedade do veículo com a matrícula ..-LZ-...
339. O arguido não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas da arguida FF):
340. A arguida é natural de ..., mas o seu processo de crescimento decorreu em ..., integrando uma fratria de três elementos, com origem numa família de mediana condição socioeconómica.
341. A mãe foi empregada de limpeza ao passo que o pai, tendo sido PSP, veio a exercer atividade como vigilante e, por fim, como empregado de escritório, granjeando os recursos e criando um ambiente adequado ao crescimento equilibrado dos descendentes.
342. Iniciou o seu percurso escolar em idade própria, vindo a registar um percurso equilibrado com conclusão de licenciatura em educação de Infância no instituto ... em ....
343. Relativamente ao seu percurso profissional regista uma diversidade de experiências, designadamente, em ATL, centro de apoio escolar, empregada de armazém em empresa de exportação, empregada de limpeza e, mais recentemente, durante o período de pandemia conciliou trabalhos temporários diversificados com situação de desemprego, vindo em outubro de 2020 a conseguir colocação profissional como educadora de infância no Centro Social e Paroquial de ..., onde se encontra.
344. Iniciou relação de namoro com JJ/coarguido com cerca de 20 anos de idade, vindo a contrair matrimónio em 2010, tendo um filho em comum, com 9 anos de idade (à data de maio de 2022).
345. Durante o período de namoro, desta feita em 2004, o casal adquiriu um apartamento na Rua ..., em ... – ..., onde passou a residir após matrimónio.
346. O agregado familiar, constituído pela própria, o cônjuge/coarguido e pelo filho, viveu naquela localidade até janeiro de 2022, altura em que passou a residir na atual morada, em ....
347. Ocupam uma moradia unifamiliar, adquirida aos seus sogros, com boas condições de habitabilidade, de tipologia 3, composto ainda de um pátio e de anexos adaptados a habitação da sua sogra, dispondo de dois pisos, destinando-se o primeiro piso a espaço habitacional e o rés-do-chão ao espaço da empresa do cônjuge, na área do fabrico de calçado.
348. A empresa era dos seus sogros, vindo a ser adquirida pelo cônjuge devido a dificuldades financeiras da mesma.
349. Atualmente com estabilidade financeira, emprega o cônjuge, a sua cunhada (NNN), num total de 6 funcionários.
350. Também a sua sogra se ocupa em atividades ligeiras de fabrico de calçado, tendo o sogro falecido em 2018.
351. O sustento do agregado familiar é assegurado com os salários de ambos, auferindo a arguida uma remuneração líquida na ordem dos 830€, ao passo que o cônjuge retirará para a economia doméstica cerca de 700€.
352. O agregado tem encargos fixos mensais decorrentes da amortização do empréstimo bancário para a aquisição da habitação, consumos domésticos (cerca de 150€) e ATL do filho (60€).
353. Socialmente, o agregado familiar expõe um padrão vivencial equilibrado, com elevada partilha familiar e sem conotação a atividades ou práticas delituosas.
354. A arguida, compreendendo a ilicitude dos factos de que está acusada e identificando danos e vítimas associadas, expressa tranquilidade quanto ao desfecho do presente processo.
355. A arguida FF apresentou declaração de rendimentos, em sede de IRS, relativamente ao ano de 2020, na qual declarou ter como rendimentos os provenientes de trabalho dependente no valor bruto de 12.392,41€.
356. A arguida tem registada a seu favor a propriedade dos veículos com as matrículas ..-..-HU e ..-HS-...
357. A arguida não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas do arguido JJ):
(…)
(condições socioeconómicas da arguida GG):
375. A arguida GG é oriunda de uma família de condição socio económica média, sendo a filha única do matrimónio dos seus progenitores.
376. Criada por estes, entre ..., onde residem, e ..., onde a arguida frequentou estabelecimentos escolares e o agregado fazia vida social.
377. O seu processo de crescimento decorreu numa ambiência familiar de afeto e união, baseada em valores sociais e morais adequados ao normativo.
378. A progenitora da arguida GG, OOO, tem dedicado a sua vida profissional a laborar numa empresa de marroquinaria, enquanto o progenitor, PPP, laborou na área da restauração.
379. Desde há cerca do ano de 2018, os progenitores de GG encontram-se divorciados, estando PPP a residir na sua terra de origem, ..., laborando na área de montagens de portas e portões automáticos.
380. A arguida mantém uma relação de proximidade e laços de união com o progenitor, bem como, com a família deste.
381. A arguida GG iniciou o percurso escolar em idade considerada normal, tendo concluído o 12º ano de escolaridade.
382. Praticou atividades extracurriculares ao longo da infância e adolescência, como natação, dança contemporânea e, durante cerca de 11 anos, foi jogadora federada de basquetebol da Associação ....
383. Findo o ensino secundário, a arguida GG iniciou atividade profissional na empresa de restauração O..., onde laborou cerca de 2 anos, para conseguir ter capacidade financeira para realizar um curso / formação de hospedeira de bordo, tendo frequentando o mesmo, em ..., durante o mês de outubro de 2021.
384. Mantém relação amorosa com o arguido KK, namorado há cerca de 2 anos, tendo-o conhecido na empresa O..., onde este também laborava.
385. Na data dos factos em causa nos presentes autos, a arguida GG mantinha o mesmo enquadramento sociofamiliar, habitando com a progenitora, com quem sempre residiu, na morada indicada nos autos.
386. Trata-se de uma casa independente de 3 andares com boas condições de habitabilidade.
387. Em termos profissionais, em maio de 2022, a arguida GG laborava na empresa X..., Lda., em ....
388. Da sua atividade profissional, a arguida GG aufere 687,00€ mensais, sendo o principal sustento do agregado o vencimento mensal da progenitora, de cerca de 900,00€.
389. O agregado tem como despesas fixas mensais dois créditos no valor de 156,00€ cada um, referentes à habitação e ao automóvel e nas despesas mensais de água, luz, gás e telecomunicações despendem cerca de 150€.
390. A nível de ocupação do tempo livre, a arguida GG despende algum tempo a fazer desporto, bem como, a conviver com o namorado.
391. Junto do meio socio comunitário não foram recolhidas informações negativas sobre a arguida GG, nem existe nenhum registo de ocorrência na OPC local.
392. A esta arguida não são associadas convivências com grupos disruptivos.
393. Em abstrato e relativamente a factos da mesma natureza dos autos, a arguida reconhece o seu carácter ilícito, apesar de manter uma postura de afastamento relativamente aos factos que lhe são imputados.
394. Coloca-se, no entanto, numa postura de respeito perante a decisão judicial que vier a ser proferida, bem como demonstrou uma atitude de reverência perante as instâncias judiciais, compreendendo e valorizando o papel regulador das mesmas.
395. A arguida não tem registada a seu valor a propriedade de bens móveis sujeitos a registo.
396. A arguida não tem averbadas condenações criminais no seu certificado de registo criminal.
(condições socioeconómicas do arguido KK):
(…).
Da(s) contestação(ões):
411. A arguida AA praticou, pelo menos, parte dos factos, com a pretensão de dar uma melhor qualidade de vida para o agregado familiar.
412. A arguida tem sentimentos de vergonha, angústia que a constantemente a assistem, tendo já levado a pensar por diversas vezes no suicídio.
413. A arguida tem acompanhamento psicológico e psiquiátrico
414. O arguido EE foi diagnosticado com a doença de Crohn com atingimento ileocólico com fenótipo não estenosante não penetrante em fevereiro de 1997.
415. Encontrando-se medicado desde essa data.
416. Sendo acompanhado em consulta no Hospital 1 ....
417. O arguido EE há mais de 12 anos que não beneficiava de baixa médica, antes de 4 de novembro de 2019, correspondendo a última baixa do arguido ao período de 17/12/2007 a 1/01/2018.
418. II padece, há cerca de 22 anos, de doença de foro psiquiátrico, tendo-lhe sido diagnosticado quadro depressivo com início em novembro de 2016 e tendo-lhe sido prescrito tratamento psicofarmacológico.
419. Sendo acompanhada desde 2017 no Hospital 2..., ....
420. II esteve desempregada até 2019, ano em que iniciou atividade profissional na empresa de contabilidade do aqui arguido, EE.
Mais se provou:
421. Os arguidos FF e JJ procederam à devolução das quantias auferidas a título de subsídio de doença no valor de 195,00€, em 20.07.2022.
422. Os arguidos GG e KK procederam à devolução das quantias auferidas a título de subsídio de doença no valor de 116,49€, em 23.06.2022 e de 38,96€, em 24.06.2022, respetivamente.
423. A arguida AA apresentou, em 16.01.2023, requerimento junto da Autoridade Tributária, pedindo que se procedesse à substituição dos valores das liquidações de IRS de acordo com a perícia feita nos autos, manifestando a intenção de proceder ao seu pagamento.
424. A arguida AA celebrou um acordo prestacional com o ISS para devolução dos subsídios de doença por si indevidamente recebidos no montante de 3.958,50€, encontrando-se a proceder ao seu pagamento.
*
Factos não provados
a) Em data não concretamente apurada, com grande probabilidade após o ano de 2008, de forma não apurada, a arguida AA teve conhecimento da “password” do médico JJJ, password essa que anotou e guardou consigo com vista a aceder ao sistema informática do SNS em nome de tais pessoas, utilizando tais credenciais, para os mais variados fins, como proceder à emissão de declarações e atestados médicos em nome da própria e terceiros, sem correspondem à realidade.
b) Do modo descrito em 11 dos factos provados, a arguida AA fez constar, incorretamente, no sistema informático do Sistema Nacional de Saúde, que BB era reformado.
c) Como consequência dos factos provados referidos sob os nºs 37 e 38 foram efetuados ajustes às liquidações de IRS do ano de 2012.
d) Como consequência dos factos provados referidos sob os nºs 41 e 42, foram efetuados os ajustes às liquidações de IRS do ano de 2018.
e) Mercê dos atestados multiusos fabricados em nome de BB e de AA, estes obtiveram para si e para a economia do casal, à custa do erário público, os seguintes valores indevidos a título de IRS no ano de 2012, no valor de €242,43.
f) BB locupletou-se com o valor global de € 23.325,31.
g) Mais beneficiou da circunstância externa de os médicos do referido Centro de Saúde lhe terem permitido, de forma não apurada, o acesso aos seus computadores, passwords e vinhetas.
h) Nos episódios de crise a doença de que o arguido EE padece é controlada pelo aumento da dose de medicação.
i) No período do CIT de 4 de novembro de 2019 o arguido EE teve um episódio agudo da doença, dos mais severos dos que já teve desde que foi diagnosticado.
j) O único tratamento para episódios desta doença é ficar em repouso absoluto e aumentar a dose da sua medicação, como proposto pelo seu médico assistente.
k) São emitidos Certificados de Incapacidade Temporária sem consulta prévia. l) Após infeção da doença originada pela covid-19 o estado depressivo de II
II agravou-se, tendo ficado muito debilitada, o que originou que ficasse de cama.
m) O referido quadro depressivo de II agravou-se em outubro de 2020, quando contraiu COVID-19.
*
O Tribunal não se pronuncia quanto à demais matéria alegada por ser conclusiva, de direito, por corresponder à enunciação de meios de prova e/ou por ser repetida ou irrelevante para a decisão da causa ou meramente impugnativa, nomeadamente no que se refere à factualidade descrita na contestação.
*
Motivação:
A decisão do Tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se na valoração crítica e conjugada dos meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento à luz das regras da experiência e da normalidade.
Teve-se em particular consideração a confissão livre e quase total da arguida AA, tendo a mesma admitido ter praticado os factos que lhe eram imputáveis salvo algumas exceções nos termos que infra se descrevem.
Justificou ter praticado tais factos dizendo que era uma funcionária empenhada e gostava de apreender experimentando as possibilidades do sistema informático e que gostava de ajudar os outros, em particular os demais arguidos, que eram ou familiares ou amigos ou amigos dos primeiros, em especial na situação de pandemia que se verificava e que tornava difícil a obtenção de tais documentos.
Referiu ter praticado os factos com o intuito de proporcionar uma melhor situação financeira ao seu agregado familiar e para ajudar os outros, em particular, em tempos do Covid por nesta altura ser ter sido difícil ou praticamente impossível aceder aos Centros de Saúde e que não refletiu na gravidade dos seus atos, o que fez, entretanto, mormente após lhe terem sido aplicadas medidas de coação.
Expressou estar arrependida e pretender reparar as consequências dos seus atos, devolvendo as quantias em causa, tendo solicitado ao respetivo mandatário para encetar negociações tendo vista a obtenção de um acordo por não dispor de meios para pagar as quantias integral de uma só vez.
Mencionou estar a passar por um período depressivo, com ideação suicida em determinada altura.
Assim, em concreto, a arguida AA admitiu os factos, tendo:
- descrito a sua situação familiar e profissional nos termos descritos nos pontos 1 a 10 da pronúncia (que vieram a ser dados como provados sob a mesma numeração assim como os demais que adiante se mencionam), precisando, todavia, que a separação do casal ocorreu em junho e que as palavras passe lhe foram fornecidas pelos próprios médicos para efeito de lhes facilitar certas tarefas;
Todavia, no que se refere à data da separação, suas declarações foram contraditórias com as por si prestadas em sede de primeiro interrogatório, as quais foram valoradas nos termos do artigo 141º, nº4, b) do Código de Processo Penal, e com o depoimento do seu ex-marido, BB, tendo destas resultado que o casal se havia separado em meados de 2019 e reconciliado durante cerca de dois meses, com início em março de 2020. Assim, mercê desta coincidência e porque na altura em que a arguida prestou declarações em sede de audiência de julgamento havia deduzido pedido de indemnização civil contra o ex-marido, o qual foi indeferido, encontrando-se o recurso pendente na data das declarações, não podia ignorar-se que tinha um interesse em que se provasse que a data da separação ocorreu em data posterior, devendo, por isso, dar-se prevalência às primeiras declarações prestadas pela arguida e aos depoimentos referidos.
Igualmente, no que se refere às palavras passe, conforme infra se mencionará com maior pormenor, todos os médicos depuseram no sentido de nunca as terem fornecido à arguida, sem prejuízo, de alguns terem esclarecido que, por vezes se afastavam por breves momentos dos respetivos computadores com o “login” efetuado, o que na data dos factos era bastaste para emitir certificados na plataforma dos certificados de incapacidade (CIT). Pelo que, face a tal unanimidade e até porque um dos médicos admitiu que passaria um certificado de incapacidade por poucos dias caso a arguida AA lhe pedisse, não podia dar-se como assente que aqueles lhe tinham fornecido tais dados.
- admitido ter ativado os campos destinados à “isenção de taxa moderadora” no sistema informático relativamente ao marido, a si própria e ao filho, nos termos descritos os pontos 11 a 35 da pronúncia, dizendo, no entanto, que não assinalou a opção de “reformado” relativamente ao ex-marido e que o fez inicialmente a título experimental, sendo que o filho já beneficiava de isenção e que a partir de determinada altura também a própria estava isenta do pagamento dos exames por serem solicitados no âmbito da consulta de medicina familiar;
No que se refere à opção de “reformado”, compulsado o documento de identificação do utente junto a fls. 133 e 134, 1º volume, não se verifica que consta tal menção, confirmando as declarações da arguida, não se podendo, por isso, ter tal facto como provado.
- confirmado que elaborou e entregou os atestados multiusos em seu nome e do ex-marido para beneficiar de um taxa de IRS mais favorável e para que os veículos registados em nome do ex-casal ficassem isentos de IUC, confirmando genericamente, sem precisão quanto aos valores, os pontos 36 a 56 da pronúncia;
- confirmou ter forjado e apresentado os certificados de incapacidade em seu nome e em nome do ex-marido, nos termos descritos nos pontos 57 a 88, ainda que sem precisão quanto às datas e valores e com exceção do certificado referido no ponto 62, a), dizendo julgar que o mesmo foi passado pelo médico e por lapso dado que não descontava para a Segurança Social naquela data;
Sucede, no entanto, que o médico em cujo nome foi emitido o certificado mencionado no ponto 62, a), Dr. OO, negou ter passado qualquer daqueles certificados em nome da arguida, conforme infra melhor se descreverá, e que consta do sistema do ISS, conforme informação de fls. 763 que a arguida esteve em período de doença, ainda que não tivesse recebido qualquer subsídio em virtude de não ter ainda decorrido o denominado “prazo de garantia” de 6 meses de descontos para poder beneficiar do mesmo.
Pelo que, face a tal depoimento, que se afigurou isento e objetivo, e a tal informação, que confirmaram os factos referidos na pronúncia, infirmando as declarações da arguida, não podiam as mesmas nesta parte sido consideradas.
- confirmou a celebração e os termos dos contratos de seguro de crédito à habitação e consumo, de ter forjado os documentos, ter participado os sinistros e que estes não correspondiam à verdade nos termos mencionados e descritos nos pontos 89 a 127 da pronúncia, admitindo genericamente os valores recebidos e esclarecendo que pagava as prestações associadas aos contratos de seguro e que posteriormente é que era reembolsada;
No entanto, no que se refere aos reembolsos, resultou quer do apenso seguros A..., volumes 1 e 2, quer do apenso I, quer do apenso 1 da documentação apreendida na residência da arguida AA que os valores devidos pelos alegados sinistros eram pagos diretamente pela Seguradora A... às entidades financeiras.
Diferentemente, do apenso 3 da documentação apreendida na residência da arguida AA, resultou que as indemnizações devidas pelos alegados sinistros pela seguradora J... eram por esta pagas à arguida AA.
Considerando tal documentação, bem como, as declarações da arguida, entendeu-se dar como provada a diferença dos pagamentos efetuados por cada uma das Seguradoras.
- confirmou a emissão dos certificados a favor de terceiros nos termos descritos nos pontos 128 a 245dizendo, todavia, que:
- nem sempre era necessário para a emissão dos documentos ali referidos que o cartão do médico respetivo estivesse introduzido e que os médicos deixavam os computadores ligados com as palavras passe introduzidas;
- nunca disse a ninguém que era a própria que passava os atestados;
- somente arranjou apenas duas declarações de presença e não os certificados de incapacidade temporária para o trabalho referidos nos pontos 133 e 141 da pronúncia, e foi o médico que emitiu a segunda, a seu pedido;
Sucede, no entanto, que resulta de fls. 1145 que foi emitido um certificado de incapacidade temporária e de fls. 81 do apenso emails que foi emitido um “atestado de doença” (ainda que não um “certificado de incapacidade temporária”), onde se atesta que o arguido CC se encontrava impossibilitado de trabalhar por 1 dia e que o mesmo foi remetido a este arguido pela arguida AA.
Acresce que, conforme supra se referiu o médico em cujo nome foi emitido tal documento, o Dr. OO, negou ter passado qualquer daqueles certificados em nome ou a pedido da arguida, conforme infra melhor se descreverá.
Pelo que, considerando tais documentos e tal depoimento, que se afigurou isento e objetivo, que confirmaram os factos referidos na pronúncia, com exceção da emissão de dois CITS mas antes de um CIT e um atestado médico, infirmando as declarações da arguida, não podiam estas ser consideradas totalmente.
- que não tem a certeza de ter emitido o atestado mencionado no ponto 155 da pronúncia ou se pediu ao médico para o fazer e que foi somente a coarguida FF que lhe solicitou o atestado mas que não sabia que o mesmo era falso, pese embora ter confirmado que o filho desta não foi consultado, nem era paciente do médico cujo nome se encontra aposto naquele documento;
Sucede que, conforme supra se referiu o médico em cujo nome foi emitido tal documento, o Dr. OO, negou ter passado qualquer daqueles certificados em nome ou a pedido da arguida, conforme infra melhor se descreverá.
Pelo que, considerando tal depoimento, que se afigurou isento e objetivo, confirmando os factos referidos na pronúncia e infirmando as declarações da arguida, não podiam estas nesta parte ser consideradas.
- que o coarguido EE, seu irmão, padece de doença crónica, o que era do conhecimento do médico OO, e que se encontrava doente nas datas mencionadas nos certificados de incapacidade temporária referidos nos pontos 172;
Sucede que, conforme supra se referiu o médico em cujo nome foi emitido tal documento, o Dr. OO, negou ter passado qualquer daqueles certificados em nome ou a pedido da arguida, conforme infra melhor se descreverá.
Pelo que, considerando tal depoimento, que se afigurou isento e objetivo, confirmando os factos referidos na pronúncia e infirmando as declarações da arguida, não podiam estas nesta parte ser consideradas.
- que a cunhada II padecia e padece de doença psiquiátrica e que não sabe se assinou os atestados referidos nas alíneas a, c e f do ponto 173 da pronúncia e que os atestados referidos nas alíneas b. e d. do ponto 173 da pronúncia foram assinados pelo médico a seu pedido, mas sem que tivesse ocorrido qualquer consulta prévia ou que aquela fosse sua utente;
Sucede que, conforme supra se referiu o médico em cujo nome foi emitido tal documento, o Dr. OO, negou ter passado qualquer daqueles certificados em nome ou a pedido da arguida, conforme infra melhor se descreverá.
Pelo que, considerando tal depoimento, que se afigurou isento e objetivo, confirmando os factos referidos na pronúncia e infirmando as declarações da arguida, não podiam estas nesta parte ser consideradas.
- que desconhecia os montantes que foram atribuídos ao coarguido EE e a II mencionados no ponto 175 da pronúncia;
- que o certificado em nome do filho referido no ponto 194, a. da pronúncia foi emitido pela médica e para que justificasse as faltas ao trabalho que deu por motivo de ir de férias com a família;
Na parte relativa à autoria do identificado certificado, porque as declarações da arguida foram confirmadas pela respetiva médica, conforme infra melhor se explicará, foram as mesmas tidas em consideração, sendo dado como provado que foi a médica que emitiu o certificado.
- que os restantes certificados referidos no ponto 194 da pronúncia se deveram à circunstância da médica de família lhe ter dito que era desaconselhável o coarguido DD trabalhar devido ao risco que acarretava contrair Covid em virtude das patologias que padecia (asma) e que o certificado ali referido sob a alínea d. também foi emitido pela médica;
Na parte relativa à autoria do identificado certificado, porque as declarações da arguida foram confirmadas pela respetiva médica, conforme infra melhor se explicará, foram as mesmas tidas em consideração, sendo dado como provado que foi a médica que emitiu o certificado.
Todavia, no que se refere à veracidade do documento, não só o alegado não é motivo de incapacidade, como a médica que o passou disse apenas que se o certificado constava no apontamento que fez juntar aos autos seria porque havia um apontamento da consulta e por isso teria passado o certificado, não tendo, todavia, indicado nem qualquer sintoma, nem doença que o arguido padecesse.
- que apesar do montante referido no ponto 196 da pronúncia ter sido recebido, posteriormente o ISS solicitou a devolução de cerca de 94,00€ por o coarguido ter estado em regime de lay off;
Devidamente compulsados os autos, em particular fls. 1 e 1 F e 174 a 179 do apenso 12, 2º volume, efetivamente verifica-se que o saldo entre o valor devido pelos períodos em causa e o valor devolvido se fixa em montante inferior ao mencionado na pronúncia.
Considerando ainda a certidão junta com o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, sob o nº4, apesar de aqui se certificar que o valor indevidamente recebido é inferior ao somatório dos valores mencionados a fls. 1 e 1 F e 174 a 179 do apenso 12, 2º volume, por ser mais favorável ao arguido e face ao in dubio pro reo, entendeu-se dar como assente que o valor indevidamente recebido pelo arguido DD se fixou em 412,03€.
- que os médicos referidos no ponto 200 da pronúncia já havia atendido o coarguido DD em consulta;
No entanto, os referidos médicos MM e OO negaram ter atendido em consulta o referido arguido DD, mal o conhecendo, conforme infra melhor se referirá.
Face a tais depoimentos que se afiguram isentos, concluiu-se que os factos constantes na pronúncia não podiam deixar de ser considerados como provados, saindo infirmadas as declarações da arguida.
- que o coarguido DD não tinha noção de que não podia sem consulta obter certificados de incapacidade médicos sem consulta prévia;
Sucede que, conforme melhor se explicará, considerando as circunstâncias de frequentar o ensino universitário, residir sem a mãe em local próximo da Faculdade e ser trabalhador a tempo parcial devidamente conjugadas com as regras da lógica e da normalidade e com os demais depoimentos produzidos a este propósito que se encontram infra identificados, não podia deixar de se concluir o contrário, por ser uma pessoa ativa, dotada de inteligência bastante e com experiência de vida.
- que as mensagens trocadas com a coarguida GG não o foram exatamente nos termos descritos no ponto 219 da pronúncia;
No entanto, devidamente compulsado apenso Facebook, verifica-se que as mensagens trocadas entre as arguidas tinham tal teor.
- que os atestados referidos nos pontos 220 e 222 da pronúncia foram emitidos pela própria e porque a coarguida GG precisava de justificar as faltas as trabalho para ir de férias e que o atestado referido no ponto 221 foi a médica que o emitiu sem qualquer consulta prévia, mas julga que estava mesmo doente;
Sucede, no entanto, que a médica em nome da qual foi emitido ta certificado, Dr.ª RR, afirmou que não emitiu tal documento, o que fez de forma pormenorizada e segura, gozando do crédito do Tribunal, nos termos que infra se descreverá e contribuindo para a prova de que foi a arguida AA a autora do referido documento, ao contrário do por esta afirmado.
- que desconhecia os montantes que foram atribuídos ao coarguido KK e a GG mencionados no ponto 224 da pronúncia;
- que talvez os coarguidos não sabiam que os atestados não foram passados pelos médicos;
Nesta parte as suas declarações também não lograram convencer o Tribunal porquanto nenhum dos coarguidos ou das pessoas em nome de quem foram emitidos os certificados foram consultados por qualquer médico, sendo que é do conhecimento geral que, mesmo no âmbito a pandemia por SARS-Covid 2, tinham de o ser, nem que fosse por teleconsulta.
- que os documentos apreendidos em sua casa discriminados no ponto 247 eram dela ou utilizados por ela no trabalho.
Também tal não se afigurou crível, considerando que o mesmo tipo de documento foi utilizado em número considerável para a produção das falsificações referidas nos factos provados.
Por seu turno, os restantes coarguidos, apesar de admitirem que obtiveram os documentos necessários para justificar as faltas ao emprego (declarações, atestado e certificados de incapacidade) e para obter o pagamento de subsídios de doença junto da arguida AA, negaram que soubessem que se tratavam de atestados falsos, dizendo ignorar que tivesse sido a referida arguida a passar tais documentos, bem como, que existisse a necessidade de qualquer consulta prévia por um médico dizendo que no período de pandemia era praticamente impossível o contacto com as unidades de saúde familiar e, alguns, que não receberam parte dos subsídios de doença.
Sucede que, as declarações destes arguidos, na parte em que negaram ter conhecimento da ilegalidade dos certificados e declarações médicas em causa ou da necessidade de ser observados por um médico, além de contraditórias em si próprias, são contrárias às regras da experiência e da normalidade, não logrando, por isso, convencer o Tribunal, conforme supra já se havia adiantado.
Desde logo, nem todas as situações se situam temporalmente no período do início da pandemia.
Depois, porque o acesso a Centros de Saúde e aos hospitais, apesar de se encontrar dificultado no início da pandemia, nunca esteve vedado (nem podia pois que se tratava de uma situação de emergência de saúde pública), passou a estar mais acessível quer por via do reforço das consultas das unidades de saúde familiar e das urgências (em detrimento das consultas das demais especialidades), quer pela possibilidade de realização de consultas à distância através de chamadas ou videochamadas.
Acresce que, ainda que tal acesso fosse impossível, qualquer cidadão médio sabe que para obter um certificado de incapacidade tinha de contactar previamente com um médico ou, no caso do Covid-19, com alguém da linha de Saúde 24.
Finalmente, porque a maioria das situações de doenças mencionadas nos referidos certificados de incapacidade não correspondia à realidade, sendo atentatórias da lógica e da racionalidade as declarações daqueles que disseram julgar não ser necessário estar doente para serem emitidos certificados de incapacidade temporária ou declarações médicas que atestavam a sua presença em unidade de saúde quando tal era falso.
Concretamente:
O arguido DD disse que apresentou o certificado de incapacidade temporário relativamente ao período de 31-08-2019 a 06-09-2019 (cfr. factos provados sob o nº194, a) para ir de férias e porque a própria gerente lhe sugeriu que fizesse isso por não lhe poder dar férias, mas que nos períodos a que respeitam os demais certificados estava em lay-off, não tendo auferido subsídio de doença, e que relativamente à situação da HH atuou apenas como ponto de contacto entre esta e a mãe e porque a primeira precisava de ser vista por um médico. Mais disse não ter noção dos procedimentos para marcar uma consulta ou obter um atestado por ter sido sempre a mãe a tratar de tudo e depender desta, não tendo consciência de ter atuado de forma contrária à lei.
Sucede que as suas declarações revelaram-se contrárias às regras da lógica e da normalidade, não logrando convencer o Tribunal.
Desde logo, se o arguido obteve um dos certificados para ir de férias, ou seja, para obviar a que tivesse faltas injustificadas, sabia que tal documento era falso.
O mesmo se diga quanto aos demais certificados visto que não justificou que estivesse efetivamente doente (ainda que se estivesse os certificados não deixariam de ser falsos por não terem sido passados por qualquer médico, com exceção do referido sob a alínea d) dos factos provados sob o nº194), pelo que tinha de saber que se tratavam de documentos falsos.
A circunstância de lhe ter sido posteriormente solicitada a devolução das quantias auferidas a título de subsídio de doença por não ter direito às mesmas em virtude da situação de lay-off, implica, aliás, a conclusão de que apresentou os referidos certificados na expectativa de obviar à redução da sua retribuição por aplicação do regime de lay-off, desconhecendo certamente que não haveria lugar ao pagamento do subsídio de doença nestes casos.
Também a tentativa de transmitir a ideia de que era uma pessoa dependente da mãe e que não sabia gerir a sua vida, não convenceu por não ter qualquer arrimo na demais prova produzida. Com efeito, a sua médica de família, Dr.ª QQ, bem como, os seus amigos, que depuseram em sede de audiência de julgamento, nos termos infra melhor referidos, confirmaram que o arguido é trabalhador-estudante, reside sozinho e é uma pessoa sociável, ou seja, que é uma pessoa com capacidade intelectual e autonomia bastante para perceber e entender situações normais da vida, como o que é uma consulta médica ou um atestado, ainda que possa emocionalmente ser dependente da mãe, conforme supra se tinha mencionado.
Ademais, basta ler as mensagens trocadas entre o arguido DD e a sua mãe, a arguida AA quer a propósito do primeiro certificado (cfr. fls. 95 verso e 95 do apenso Facebook), quer a propósito de diversos aspetos da vida, incluindo sobre declarações para efeitos da ADSE e financeiros (cfr. fls. 50 e ss., em particular fls. 87, 78 verso, 79, 88 verso, do apenso Facebook), para expurgar qualquer dúvida que subsistisse nesta matéria.
No que se refere à situação da HH, conforme infra se mencionará, considerando as mensagens trocadas entre os arguidos DD e AA, não podia entender-se que este serviu de mero ponto de contacto, pois que foi o mesmo que falou com a mãe e lhe transmitiu todos os elementos necessários, mormente o número da Segurança Social e o período temporal que devia constar no certificado (cfr. fls. 62 verso e 63 do apenso do Facebook e fls. 2043 a 2046, 7º volume).
O arguido CC declarou que as duas situações mencionadas nos factos relativos às declarações/atestados passados em seu nome se deveram a uma situação de problemas psicológicos que estava a passar em virtude da pressão de que era alvo no emprego e que não refletiu que devia ter sido visto por um médico, bem como, que não sabia que os documentos tinham sido passados pela coarguida AA.
Também as declarações deste arguido não lograram obter o crédito do Tribunal não só por se tratar de um professor e de uma pessoa que exerceu diversos cargos de direção, não sendo crível que desconhecesse procedimentos tão simples como a emissão de um atestado de doença ou uma declaração de presença, como porque o carácter jocoso das mensagens trocadas com a arguida AA (cfr. fls. 2027 a 2037, 7º volume), através das quais lhe solicitou a emissão de tais documentos, são cabalmente demonstrativas de que sabia e queria obter um documento falso e que o mesmo foi emitido pela arguida AA (v. g. “qual vai ser a doença que tenho ????”).
O arguido EE admitiu ter utilizado os certificados de incapacidade temporários e ter recebido os montantes referidos nos factos provados, assim como, que não foi previamente consultado por qualquer médico, dizendo, todavia, que quer o próprio, quer a mulher, estiveram efetivamente doentes, passando de situações de crise das doenças de que padecem (o arguido da doença de Crohn e a mulher de depressão crónica) e que desconhecia ter sido a irmã a emitir os certificados, pensando que se tratava de uma situação regular por naquela situação de pandemia não se poder ir aos centros de saúde e porque as médicas conheciam as patologias que padeciam.
Apesar do acesso aos centros de saúde estar limitado, não estava vedado, antes tendo sido a primeira linha de acesso ao sistema de saúde, tendo em vista libertar os hospitais para o tratamento das situações de COvid-19, falecendo, desde logo, o argumento apresentado pelo arguido.
Por outro lado, devidamente analisados os certificados de incapacidade temporários e conjugados os mesmos com os depoimentos das médicas que seguem o arguido e a mulher, nos termos que infra se descrevem, verifica-se que nenhum foi passado por estas. Ou seja, não podia o arguido concluir que os médicos em nome dos quais os certificados foram emitidos passariam os mesmos sem os consultar, dado que não os conheciam e que era do conhecimento comum que até eram realizadas consultas por telefone. Tais circunstâncias implicaram, por isso, inversamente a conclusão de que sabia que era a irmã que emitia os certificados.
Acresce que, conforme as médicas que acompanham o arguido e a mulher referiram, ainda que estes padeçam das mencionadas doenças e que pudessem estar a passar por uma situação de crise nos períodos em causa, não era forçoso que estivessem numa situação de incapacidade para o trabalho.
Igualmente, não foi alheio à emissão de certificados de incapacidade da mulher do arguido, o facto de ter passado a laborar para a empresa deste.
Pelo que, não convenceram as declarações do arguido, antes o circunstancialismo em que os certificados foram passados acarretaram a conclusão de que sabia que eram falsos e que quis, com a sua utilização, obter benefícios que sabia que não lhe eram devidos.
A arguida FF confirmou que a própria e o marido mantinham uma relação pessoal com a coarguida AA e que lhe pediu ajuda para a obtenção do certificado de incapacidade por ser necessário, em tempo de Covid, que o marido prestasse assistência ao filho menor de idade por estar a trabalhar, tendo ficado desempregada pouco tempo depois, apesar da criança não estar doente, desconhecendo, todavia, quais os certificados adequados para o efeito ou que tivesse sido a arguida AA a passar tal documento, considerando que toda a situação era normal face à situação de pandemia que se atravessava.
O arguido JJ prestou declarações em sentido idêntico à mulher, FF, esclarecendo que era a sua própria entidade patronal e que entregou os papéis ao seu contabilista, desconhecendo que os mesmos não eram legítimos, não tendo consciência de que estava a enganar a Segurança Social.
Acontece que resulta das mensagens de correio eletrónico trocadas entre o arguido e o respetivo contabilista, que o período de doença foi combinado entre ambos e em data anterior à que consta como sendo a data de emissão do certificado. Ora, não sendo possível escolher a data em que alguém fica doente, não podia deixar de se concluir que se tratou de um documento fabricado e que os arguidos sabiam que era falso.
Aliás, os arguidos admitiram que o filho não estava doente, não convencendo o argumento de que julgavam que a obtenção de tal documento era necessário para justificar as faltas para apoio de filho menor uma vez que era do conhecimento geral que no início da pandemia pelo Covid 19 bastava a prova do agregado ter um filho menor (sendo que o arguido DD era a entidade patronal dele próprio).
Por outro lado, não se pode ignorar que o certificado conferia um subsídio correspondente a 100% da remuneração, ao passo que a assistência a filho menor na situação de Covid apenas conferia um apoio pago pela Segurança Social correspondente a 2/3 da remuneração
(cfr.https://www.seg-social.pt/documents/10152/16722120/Medidas+Excecionais+no+%C3%A2mbito+da+C rise+COVID-final.pdf/fe186ada-5a4b-4421-93f2-43e8d0dc6d0 e https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/governo/comunicado-de-conselho-de-ministros?i=330 ), como foi amplamente publicitado nos meios de comunicação (v.g. https://www.dn.pt/poder/covid-19-perguntas-e-respostas-sobre-medidas-ja-aprovadas-pelo-governo-11962714.html).
Ou seja, tais circunstâncias devidamente conjugadas com as regras da experiência e da normalidade, implicaram conclusão de que os arguidos sabiam da falsidade do certificado e que com a sua apresentação junto da Segurança Social pretendiam obter vantagens patrimoniais a que sabiam não ter direito, como conseguiram.
A arguida GG confirmou ter pedido à coarguida AA que lhe facultasse os certificados de incapacidade referidos nos autos, quer em seu nome, por precisar de justificar faltas ao trabalho para poder ir de férias uma vez que a sua entidade patronal não lhe tinha concedido tais dias, numa das situações, e, noutra, por estar doente, quer em nome do seu companheiro, para resolver uma situação idêntica em que este queria ir de férias e precisava de justificar as faltas ao trabalho. Justificou a sua atuação dizendo que desconhecia que não se podia passar um certificado sem que se estivesse doente e afirmou não sabia ter sido a AA a fazê-lo.
O arguido KK, namorado da coarguida GG, confirmou tal relato, dizendo igualmente que desconhecia que tal situação não era legal.
Disse ainda estar arrependido e pretender devolver o dinheiro recebido (o que fez no período em que decorreu o julgamento).
No entanto, tais declarações porque contraditórias em si mesmas e com as regras da lógica e da normalidade, desde logo porque sabiam que os certificados atestavam uma situação de doença que não existia, não lograram convencer o Tribunal, antes destas resultando que não podiam deixar de saber que os certificados eram falsos.
Acresce que, resulta do teor das mensagens trocadas entre a arguida GG e a arguida AA (v. g. “Olá AA, reparei agora na minha baixa que meteste do dia 20 a dia 29 e não do dia 20 a dia 1”, cfr. fls. 29 e ss. do apenso Facebook), que os arguidos sabiam que era a arguida que iria proceder à sua emissão.
Para a convicção sobre a realidade dos factos e melhor precisão destes e do seu contexto, tiveram-se ainda em consideração os esclarecimentos do perito e os depoimentos das testemunhas que foram ouvidas em sede de audiências nos termos que a seguir se descrevem.
O perito QQQ, Inspetor Tributário que elaborou as informações juntas aos autos a fls. 717 e ss., com a ref.ª 11372367, de 20.04.2021, a fls. 742 e ss. de 21.04.2021, com a ref.ª 1137551, de fls. 742 e ss., com a ref.ª 11467492, de 11.05.2021 e a perícia junta com a ref.ª 13040167, de 23.05.2022, confirmou e explicou o teor das mesmas, precisando que os cálculos apresentados para apurar os valores das liquidações de IRS referentes às declarações em causa nos autos foram realizados com recurso às ferramentas informáticas disponíveis do sistema informático da Autoridade Tributária e que, apesar das mesmas levarem em consideração a legislação vigente na data a que se referem as declarações, nem sempre tal se encontra totalmente corretas nesse conspecto.
Na sequência de tais esclarecimentos, veio a ser determinada a realização de nova perícia, manualmente se necessário, que levassem em consideração de forma exata a legislação vigente na data de apresentação das declarações de IRS, o que foi feito, tendo o respetivo resultado sido junto sob a ref.ª 13586956, de 12.10.2022, a fls. 3594 a 3651.
Face ao teor da referida perícia, deram-se como provados valores diferentes dos mencionados na pronúncia, inexistindo necessidade de comunicar tal alteração por ter resultado um valor global inferior ao enunciado.
Igualmente resultou da última perícia efetuada que os valores de incapacidade da arguida AA e do seu ex-marido que constava no sistema do Serviço de Finanças correspondiam ao valor de 60%, apesar de no atestado multiusos forjado em nome da arguida AA constar o grau de 0,657, e que os atestados não foram considerados nas liquidações de IRS de 2012 e de 2018 respetivamente, nem sequer posteriormente apesar de nos mesmos constar serem válidos desde aqueles anos.
Devidamente compulsados os autos, verifica-se que apesar de resultar das pesquisas efetuadas ao cadastro das Finanças (cfr. fls. 119, 1º volume) que ali constava que o ex-marido da arguida, BB, tinha uma deficiência permanente definitiva, com um grau de invalidez de 60%, desde 01.01.2012 e (cfr. fls. 120, 1º volume) e que a arguida AA tinha uma deficiência permanente definitiva, com um grau de invalidez de 66%, desde 01.01.2018, o que confere com os atestados multiusos de fls. 129 e 130, certo é que na declaração de IRS do ano de 2012 de fls. 62 e ss. não constam que aqueles tivessem qualquer grau de deficiência, que só na declaração de IRS de 2019 (e assim nos anos seguintes) é que consta que a arguida AA seria portadora de uma deficiência e com um grau de incapacidade de 60% e que no ofício remetido pela Divisão de Tributação e Cobrança de fls. 61 que acompanha o envio das declarações de IRS não se menciona nenhuma correção às declarações dos mencionados anos.
Pelo que e face à última perícia realizada não podiam ter-se como provado que na liquidação de IRS de 2012 se levou em consideração qualquer incapacidade, nem que na liquidação de IRS relativa ao ano de 2018 foi considerado que a arguida AA tinha uma incapacidade de grau superior a 60%, nem que posteriormente foi considerada uma incapacidade a este grau.
O inspetor da Polícia Judiciária, RRR, explicou como o processo teve origem (denúncia do ex-marido da arguida AA) e confirmou as diligências efetuadas, em particular as buscas e apreensões e as leituras dos telemóveis e dos computadores, atestando o teor e a assinatura dos respetivos autos.
A testemunha SSS, coordenadora da Unidade de Auditoria e Controlo Interno da ARSN, esclareceu que não foi desenvolvido qualquer processo interno mercê da existência do inquérito judicial, apesar de terem procedido à análise
dos certificados de incapacidade temporária, sendo intenção do organismo que representa proceder a uma averiguação interna posteriormente.
A testemunha TTT, Chefe do Serviço de Finanças ..., confirmou o recebimento por correio eletrónico dos atestados multiusos e de terem sido atribuídas as isenções em sede de IRS e IUC face aos mesmos.
A testemunha UUU, chefe de divisão no serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., confirmou as informações por esta prestadas nos autos, explicando a forma como são elaborados os pareceres, por quem é dado parecer favorável e quem despacha.
A testemunha VVV, técnica superior do Instituto de Segurança Social, I. P., explicou o sistema de funcionamento do processamento dos certificados de incapacidade e dos respetivos subsídios, confirmando a atribuídos dos subsídios mencionados nos factos provados e esclarecendo que o sistema não deteta situações em que um beneficiário se encontra simultaneamente incapacitado para o trabalho no âmbito de uma relação de emprego e a efetuar descontos em virtude destes serem processados apenas no mês seguinte ao que dizem respeito e a situação de regularidade dos descontos para efeitos de concessão de subsídio de doença por motivo de incapacidade apenas ser verificada na data inicial em que o certificado é apesentado.
A testemunha QQ, médica da Unidade de Saúde Familiar Sudoeste, médica de saúde familiar do agregado da arguida AA e que exercia funções no mesmo sítio onde esta trabalhava, descreveu o procedimento para ser emitido um certificado de incapacidade temporário, asseverando que era sempre realizada uma consulta ao doente, ou presencialmente, ou, aquando da pandemia do Covid 19, através de telefone.
Mencionou ainda que anteriormente era usual os médicos deixarem os computadores com as senhas introduzidas, que não bloqueavam automaticamente e que os certificados de incapacidade temporária remetidos por internet não são assinados, bastando para o seu envio a entrada no sistema respetivo com a credencial do médico.
Relativamente aos certificados emitidos em que se encontra aposto o seu nome, por referência ao apontamento que juntou aos autos a fls. 2140 e 2141, disse que o certificado em nome de DD relativo ao período de 31.08.2019 a 06.09.2019, foi emitido por si, tendo sido realizada uma consulta ou por si própria ou pela sua interna, por ter registo da mesma, motivo da consulta e da razão clínica da passagem do certificado.
A instâncias do Tribunal, disse ainda que podia ter confiado em sintomas relatados pela arguida AA e ter emitido o certificado.
Do referido apontamento resulta ainda que o certificado de incapacidade emitido com a data de 01.10.2017 foi emitido pela própria, assim, como o emitido também a favor do arguido DD em 12.03.2020.
Assim, nesta parte, acabou por confirmar as declarações da arguida no que se refere a quem passou o certificado, mas do seu depoimento não resultou, todavia, que o arguido DD estivesse doente visto que quer este, quer a arguida AA disseram o contrário, i. e. que a emissão do certificado o fito de justificar as faltas dadas para aquele ir de férias e em virtude de ter medo de contrair Covid-19 no trabalho, respetivamente.
Quanto ao demais, não obstante esta fragilidade, o depoimento desta testemunha serviu para esclarecer e confirmar os factos relativos ao modo como eram passados os certificados por ter sido coincidente com os depoimentos dos outros médicos que exerciam funções na mesma Unidade.
Mencionou que a arguida AA era considerada como uma funcionária exemplar.
Referiu que o arguido DD, apesar de recorrer à mãe quando precisa de ajuda, é um adulto perfeitamente normal, sabendo, nomeadamente dirigir-se a uma consulta sozinho, infirmando as declarações deste relativamente a esta questão.
Confirmou também que o arguido EE é seu utente e que sofre de doença de Crohn, mas que uma crise pode não demandar incapacidade para o trabalho e que uma crise que se prolongue por 3/4 meses carece sempre de observação de um especialista, por ser necessária a alteração da medicação, contrariando as declarações deste.
Também confirmou que a mulher deste arguido, II, sua utente, sofre de depressão crónica.
A testemunha RR, médica, que exerce funções na Unidade de Saúde ..., encontrando-se a frequentar o internato sob orientação da médica QQ, afirmou nunca ter passado qualquer certificado de incapacidade temporária sem uma consulta prévia presencial ou telefónica e que nunca facultou a sua palavra passe à arguida AA, apesar de admitir ter deixado o computador com a palavra passe introduzida quando se afastava do mesmo por períodos curtos.
Referiu ainda que a arguida AA era considerada como uma funcionária exemplar.
O seu depoimento por se ter revelado seguro e escorreito, não podia deixar de merecer o crédito do Tribunal.
A testemunha MM, médico, que exerce funções na Unidade de Saúde ..., Polo ..., disse não ter cedido a sua palavra passe à arguida AA, mas que se esta lhe pedisse para emitir um certificado de incapacidade temporária por cerca de 2 ou 3 dias, confiaria e passaria o mesmo, confirmando nesta medida as declarações daquela. Todavia, negou ter emitido os certificados juntos no ap. 12, II volume, fls. 19, 91 e 165.
Igualmente confirmou que a arguida AA era considerada como uma boa funcionária por estar sempre disponível e trabalhar horas extra.
Face à sinceridade que patenteou e à estima que demonstrou ter pela arguida, o depoimento desta testemunha afigurou-se crível.
A testemunha OO, médico da USF Sudoeste, ..., atestou que nunca emitiu qualquer certificado de incapacidade temporária em nome da arguida AA e que esta também nunca lhe pediu para passar qualquer certificado, esclarecendo não ter muito contacto com esta e que apenas conhecia o arguido DD como sendo filho desta.
Confrontado ainda com os certificados juntos no apenso 12, II volume, fls. 7, 48, 129, 163 e 202, no apenso “emails”, fls. 14, 41 e 43, apenso 7, a fls. 8 e apenso 10, a fls. 8 (apontando quanto a este que se trata de uma imitação da sua assinatura mas que foi aposta uma vinheta de outro médico) negou ter assinado qualquer desses documentos ou ter partilhado a sua palavra passe com alguém e esclareceu que preenche com a sua letra todos os campos dos documentos que são emitidos manualmente.
O seu depoimento porque sólido, seguro e consistente aliado à circunstância de ser fácil a imitação da sua assinatura, por se tratar de um traço simples, não podia deixar de merecer o crédito do Tribunal.
A testemunha BB, ex-marido da arguida AA, descreveu a dinâmica familiar e esclareceu que em virtude da sua vida profissional, encontrando-se no estrangeiro 5 dias por semana, em viagem, não tinha tempo para pagar despesas. conferir contas ou situações fiscais, delegando tais tarefas na mulher, nem necessidade de aceder às contas bancárias por dispor de dinheiro para as suas despesas uma vez que parte do ordenado lhe era pago em numerário e ter um cartão pré-pago fornecido pela sua entidade patronal.
Disse ainda que, após uma separação, houve uma reconciliação, mas que durou apenas 2 meses, corroborando nesta parte as declarações da arguida AA.
Confirmou saber da isenção por constar a menção de ser dador de sangue e posteriormente da isenção de pagar IUC, apesar de não concordar com tais situações, referiu que se encontra a tentar regularizar os pagamentos devidos e afirmou que apenas soube que a arguida AA forjou os certificados e declarações para o arguido CC e para a arguida II, desconhecendo as demais situações em causa nos autos.
A testemunha WWW, gestora de sinistros na A..., explicou as coberturas dos seguros contratados pela arguida AA, confirmou os processos de sinistros mencionados nos factos provados, referiu que face a toda a documentação clínica remetida nada fazia suspeitar de que se tratavam de situações falsas, confirmou os valores atribuídos à arguida AA e ao seu ex-cônjuge em virtude dos sinistros, atestou da conformidade do relatório junto pela A..., no respetivo apenso e esclareceu que a seguradora paga diretamente aos bancos os prémios devidos pelas coberturas dos sinistros.
Mais referiu que nunca indemnizou diretamente o sinistrado, infirmando as declarações da arguida AA relativamente a esta seguradora.
A testemunha HH, que anteriormente assumiu a qualidade de arguida nos autos, confirmou ter ocorrido uma situação em que precisou de um atestado para justificar faltas por se encontrar doente e que falou com o arguido DD para resolver essa situação, recordando-se que tal aconteceu sem que tenha falado ou sido vista por qualquer médico. Apesar de não se lembrar de pormenores concretos sobre a conversa ou sobre o tipo de documento em causa, atestou que a situação que a preocupava se resolveu com a ajuda daquele arguido.
Pese embora a sua ligeireza, ao que não foi alheio o comprometimento da testemunhas com os factos, tal depoimento quando devidamente concatenado com as informações prestadas pelo ISS, no sentido da testemunha HH ter registado um período de doença entre o dia 15.05.2020 a 22.05.2020 (cfr. fls. 1781, 1782, 1789 a 1795, 1798 e 1799) e as mensagens trocadas entre a arguida AA e o arguido DD) (cfr. auto de visionamento de fls. 2019, 7º volume e fls. 62 verso e 63 do apenso Facebook) resultou com clareza a comprovação dos factos, mormente que a arguida AA, por intermédio do arguido DD, fabricou um certificado de incapacidade temporária em nome da testemunha e enviou-lho.
Pese embora não ter sido possível localizar o certificado e incapacidade temporário em causa, o mesmo consta dos registos do Instituto da Segurança Social, tendo, por isso, sido apresentado perante esta, não existindo dúvidas quanto a tal facto. Com efeito, a falta do documento em si não importa que não se possa provar a sua existência face ao seu registo de entrada e aos elementos identificativos (NISS, período de incapacidade, entidade emissora) que constam no sistema informático daquela entidade.
Doutra feita, face ao teor das mensagens trocadas entre estes arguidos saiu afirmada que o arguido DD não serviu apenas de ponto de contacto, como afirmou, antes que foi o próprio que pediu diretamente à mãe, aqui arguida, que arranjasse tal documento, sabendo qual o tipo e conteúdo do mesmo, visto que lhe indicou o NISS da testemunha e as datas que deviam constar no certificado, conforme já supra referido.
Por sua vez a testemunha, indicada pela defesa, XXX, assistente técnica, colega da arguida AA na USF Sudoeste, tendo ali iniciado funções em 01.03.2019, asseverou nunca ter visto as palavras passe dos médicos apontadas em post-its colados nos monitores dos computadores ou em quaisquer papéis visíveis em cima das secretárias, nem tão pouco sabia que a arguida AA sabia as palavras passe dos médicos, infirmando, nesta medida, as declarações desta.
O seu depoimento, porque se afigurou equidistante, mereceu o crédito do Tribunal.
Igualmente a testemunha YYY, assistente técnica na USF ..., desde 01.04.2017, colega de trabalho e amiga da arguida AA, e conhecida do arguido DD, confirmou que as administrativas não tinham acesso às palavras passe dos médicos, que têm as suas próprias palavras passe para aceder à plataforma do SIIMA e asseverou desconhecer que alguém conhecesse as dos médicos, tendo visto algumas vezes a arguida AA a colocar as palavras passe dos médicos no SIIMA, às quais tinha acesso mas que não respeitava à emissão de certificados de incapacidade, antes a rastreios.
Afirmou que às vezes os médicos tinham as palavras passes apontadas em papéis, mas que estes estavam escondidos, sendo necessário remexer em tais papéis para as encontrar, nunca as tenho visto apontadas em post-its colados nos computadores, não corroborando as declarações da arguida AA quanto a esta questão.
O seu depoimento, porque se afigurou equidistante, mereceu o crédito do Tribunal.
ZZZ, Diretor de USF, nas quais se incluía aquela em que a arguida AA trabalhava, referiu que esta era uma funcionária exemplar, sempre disponível e que produzia trabalho de qualidade, abonando nesta medida o desempenho profissional daquela por ter demonstrado ter conhecimento direto sobre os factos.
A testemunha AAAA, inspetora tributária, que exerce funções na Unidade Grandes Contribuintes de Lisboa, vizinha dos arguidos AA e do DD, referiu que a arguida foi administradora do condomínio, tendo desempenhado tal função de forma exemplar e sem que existisse qualquer dúvida sobre as contas, o que fez que forma segura, confirmando a personalidade solícita da arguida.
A testemunha BBBB, terapeuta dos arguidos AA e DD até abril de 2021, atestou que a primeira passou um período difícil depois do divórcio, que era uma mãe preocupada e que passou por dificuldades económicas depois de lhe terem sido aplicadas as medidas de coação no âmbito dos presentes autos em virtude de ter deixado de receber qualquer rendimento. Mais esclareceu que o segundo depende da mãe, mas tem que não tem qualquer incapacidade para entender e compreender as situações correntes da vida.
Atento o conhecimento que demonstrou ter, quer profissional, quer relativamente à situação destes arguidos, o seu depoimento afigurou-se crível.
CCCC, amigo da arguida AA e conhecido do arguido DD, também confirmou que a arguida passou por um período difícil depois do divórcio, assim como após ter sido detida, que a tem como uma pessoa excelente, uma mãe muito presente e que chegou a ajudá-la com bens alimentares na altura em que esteve com obrigação de permanência na habitação, atestando do carácter da arguida e do seu estado de espírito após ter sido confrontada com o presente processo, revelando sinceridade e merecendo, por tal, o crédito do Tribunal.
LL, de 15 anos de idade, filha da arguida AA e irmã do arguido DD, confirmou que os pais estiveram separados durante cerca de 2 meses e que depois reataram e que atualmente não fala com o pai, confirmando que a mãe é a sua figura parental de referência, bem como, do irmão.
Apesar da emotividade com prestou depoimento, quanto a estes factos o seu depoimento gozou do crédito do Tribunal porque coincidente com as declarações dos arguidos AA e DD e com o depoimento e BB.
A testemunha DDDD, engenheiro civil, conhecido do arguido CC por ter sido responsável de uma obra da cooperativa em que aquele trabalhava, mencionou que este sempre manteve uma postura séria e defendeu os interesses da sua entidade patronal, atestando da sua postura profissional, mas apenas no âmbito do desempenho de tais funções, dado que o próprio arguido admitiu que nas datas mencionadas nos factos provados faltou ao serviço e justificou as faltas com declarações médicas, apesar de não se encontrar doente.
EEEE, formador profissional e consultor de empresas, amigo do arguido CC, descreveu o percurso profissional e em parte a vida pessoal deste, afirmando que é um cidadão honesto, bom pai e marido, contribuindo para a confirmação das condições pessoais e sociais descritas no relatório social.
A testemunha FFFF, técnica de farmácia, irmã da arguida FF e cunhada do arguido JJ, prestou um depoimento parcial, revelado na circunstância de ter tentado convencer o Tribunal que no período inicial do Covid era impossível contactar com o USF, o que não se afigurou verosímil, nem justificação bastante, como também pretendeu fazer crer, para pudesse ser emitido um certificado de incapacidade sem qualquer consulta prévia.
Afirmou ainda inicialmente que o sobrinho estava doente na data dos factos em causa, mas depois acabou esclarecer que não sabia.
Face a estas incongruências, não podia o seu depoimento servir para o esclarecimento dos factos.
A testemunha GGGG, amiga dos arguidos EE e GG, atestou das condições pessoais e carácter do primeiro, na medida do conhecimento que demonstrou ter, dizendo que este vive com os pais, que é reputado com boa pessoa e bem inserido na sociedade.
A testemunha HHHH, conhecido da arguida AA e cunhado dos arguidos FF e JJ, veio atestar do carácter destes últimos, referindo tratarem-se de pessoas honestas e que não têm dificuldades financeiras.
A testemunha IIII, conhecida dos arguidos FF e DD por ser mãe de um colega do filho destes, prestou depoimento, referindo-se ao carácter daqueles no mesmo sentido e afirmando que no período em causa nos autos não tinham ninguém com quem deixar o filho, não confirmando que estivesse em situação de doença.
A testemunha JJJJ, sobrinho dos arguidos FF e DD, atestou que são estimados pela família e bem aceites em sociedade, nada sabendo sobre os factos em causa nos autos por deles apenas ter tido conhecimento por aqueles.
KKKK, colega de trabalho do arguido JJ, apenas revelou ter conhecimento sobre o comportamento laboral deste, que caracterizou com bom, nada sabendo sobre a situação em concreto a que se referem os autos.
LLLL, amigo do arguido DD, mencionou que este é considerado pelos demais como um bom amigo, que é responsável, assíduo, ingénuo e dependente da mãe, ainda que tal não o impedisse de estudar longe de casa (Viseu), de residir sozinho e trabalhar, situações que descreveu em termos coincidentes com os do respetivo relatório social.
A testemunha MMMM, amigo do arguido DD, confirmou tais circunstâncias de vida, afigurando-se coerente com a anterior testemunha e com o relatório social.
Por seu turno, a testemunha NNNN, médica psiquiatra, que acompanhou entre 2016 a 2021 II, mulher do arguido EE, confirmou que esta padece de depressão prolongada, que requer acompanhamento regular, que teve duas consultas telefónicas com a mesma em 2020, que o Covid acentuou a ansiedade, mas não o quadro depressivo de base, e que relativamente aos períodos do certificados de incapacidade emitidos em nome desta paciente em causa nos presentes autos não pode afirmar se estava incapaz para trabalhar por não ter feito essa avaliação, nem tal lhe ter sido solicitado, não confirmado, desta forma e face ao seu conhecimento profissional e pessoal do caso, as declarações do arguido.
MMM, filho do arguido EE, confirmou a doença de que este padece e afirmou que teve uma crise durante a qual esteve impossibilitado de trabalhar, tendo estado “de cama”. Referiu também que a mãe esteve de baixa em data recente.
Todavia, quando questionado, não conseguiu explicar de forma lógica a razão pela qual o pai não recorreu a um médico se estava tão gravemente doente, revelando, por isso, falta de isenção e não merecendo, por isso, o crédito do Tribunal.
II, mulher do arguido EE, depôs sobre as doenças que cada um dos membros do casal padece, mencionou que estiveram doentes na altura a que se referem os certificados em causa nos presentes autos, mas dizendo desconhecer datas concretas e como as “baixas” eram emitidas, sendo o seu marido que tratava de tudo.
Na medida em tinha um interesse na causa, atenta a relação familiar que tem com o arguido e por ter assumido anteriormente a qualidade de arguida, bem como, pela circunstância de não se afigurar lógico nem conforme as regras da normalidade, tal como o referiu a testemunha QQ médica, que uma crise de um doente de Crohn tão prolongada não demandasse de observação médica, nem necessariamente que o facto de ter padecido de Covid tivesse piorado o seu estado psicológico, tal com o referiu a médica que a segue, NNNN, não logrou esclarecer o Tribunal sobre a verdade dos factos.
A testemunha OOOO, conhecido do arguido EE por trabalhar em local onde este presta serviços de contabilidade uma a duas vezes por semana (Bombeiros), referiu que entre setembro e outubro de 2019, o arguido deixou de comparecer alegando motivo de doença.
Pelos mesmos motivos referidos anteriormente e visto que a testemunha nem sequer sabia qual a doença que o arguido padece e que referiu que o arguido faltou em período que corresponde apenas a parte do período a que se referem os certificados de incapacidade emitidos, o seu depoimento não foi suficiente para que se concluísse que o arguido esteve efetivamente doente.
Atestou, todavia, do profissionalismo do arguido em termos que se afiguraram sinceros.
A testemunha PPPP, conhecido do arguido KK por este ter sido jogador de um clube que dirigiu, descreveu a sua personalidade e carácter, reputando-o como uma pessoa que gosta de liderar, pacífica e cumpridora, bem como, descreveu a sua situação profissional atual, confirmando nesta medida o relatório social deste arguido.
A testemunha QQQQ, conhecida da arguida GG desde tenra idade desta, descreveu-a como uma pessoa simpática, amiga, meiga, respeitadora e preocupada com a família e indicou a sua situação escolar e profissional, confirmando também, assim, o relatório social desta.
A testemunha RRRR, amigo da arguida GG, descreveu a personalidade e carácter desta em sentido semelhante e contou o seu percurso escolar e profissional, o que mereceu o crédito do Tribunal por ser coincidente com o testemunho anterior e com o teor do relatório social.
Complementarmente para melhor compreensão dos factos e sua localização no espaço e no tempo, tiveram-se em consideração os seguintes documentos:
- prints fls. 23, 24;
- CAN’s de fls. 43-46;
- print’s da SS de fls. 47-57, 101-110;
- Informação da AT – declarações de IRS de fls. 59-98;
- informação da AT (apresentação atestados) de fls. 223-234;
- Informação da ARS Norte de fls. 112-115, 132-140, 203, 205-214, 215-221;
- informação e documentos (atestados) da AT de fls. 116-120, 126-130;
- Registo de remunerações da SS de fls. 145-191;
- prints da CRAutomóvel de fls. 279-290;
- informação do banco de Portugal de fls. 316-323;
- cópia de atestados de fls. 324-327;
- Informação bancária de fls. 341-406, 436-446 de fls. 712-716;
- Informação da SS e CIT’s de fls. 456-464;
- Informação da escola profissional de ... de fls. 465-466;
- Autos de análise, autos de apreensão, relatório de buscas de fls. 484-708;
- Informação/cálculo/documentos da AT de fls. 717-722, 742 a 755;
- CRComercial de fls. 733-740;
- Informação e CIT’s da SS de fls. 760-788; 987 a 989, 1415 a 1437, 1469 a 1565, 1780 a 1867,
- Informação e documentação clínica do CHEDV, de fls. 789-795;
- Exame telemóvel – fls. 906 e seguintes,
- Informação Banco 3... – fls. 1019
- Juntada de CIT arguido CC – Fls. 1141 a 1158,
- Auto de análise – fls. 1371 e seguinte,
- Informação ARS Norte – fls. 1378, 1462,
- Documentação J... – fls. 1568 a 1715,
- Relatório de exame forense – fls. 2016 a 2050,
- Autos de recolha de assinatura – fls. 2076, 2080, 2084, 2088, 2092, 2096, - Email de fls. 2138 a 2141,
E ainda nos apensos:
- Apenso 1 – Documentação apreendida na residência de AA (capa A4 Azul – ...),
- Apenso 2 - Documentação apreendida na residência de AA (Liquidações de IRS e atestados multiusos AA e BB);
- Apenso 3 - Documentação apreendida na residência de AA – J... (atestados e documentação clinica falsa),
- Apenso 4 - Documentação apreendida na residência de AA – Blocos de receitas médicas originais em branco;
- Apenso 5 - Documentação apreendida na residência de AA – Envelopes institucionais com timbre da ARS Norte e Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga EPE,
- Apenso 6 – Pesquisas informáticas em suporte digital,
- Apenso 7 - Documentação apreendida na residência de AA – diversos atestados médicos falsos emitidos em nome de terceiras pessoas,
- Apenso 8 - Documentação apreendida na residência de AA – vinhetas médicas;
- Apenso 9 - Documentação apreendida na Unidade de Saúde Familiar ... – ... – prints screens efetuados do sistema informático da USF;
- Apenso 10 - Documentação apreendida na residência de JJ e FF,
- Apenso 11 – Dossier individual da arguida AA; - Apenso 12, 1º volume – Certidões da Segurança Social e Autoridade Tributária - Apenso 12, 2.º volume – Atestados falsos apresentados à Segurança Social em relação a vários arguidos,
- Apenso 13, Volume 1 – Documentação A... FRANCE – sinistros, atestados e documentação clínica falsa (AA e BB);
- Apenso 13, Volume 2 – Documentação A... FRANCE – sinistros, atestados e documentação clínica falsa (AA e BB);
- Apenso FACEBOOK – mensagens constantes da rede social da arguida AA (...);
- Apenso E-MAILS – contas ..., ..., ..., ...;
- Apenso BANCOS (Banco 1..., Banco 4..., Banco 5..., Banco 6... e Banco 3...), - Apenso DISCOS,
- Apenso seguros (respostas das seguradoras Y..., Z... e Aa...).
No que se refere, em particular aos factos relativos ao certificado mencionado nos factos provados sob os nº 156 tiveram-se em consideração os documentos de fls. 6 a 8 APENSO 10 por dos mesmos resultar que o arguido JJ remeteu o certificado de incapacidade temporário ao contabilista em 19.3.2020, o que implica que a elaboração deste documento pela arguida AA ocorreu até essa data e não em 02.04.2020 como vinha alegado.
Relativamente aos extratos bancários cuja junção foi requerida pela arguida AA na sua contestação, apesar do requerido ter tido como finalidade principal sustentar o pedido de indemnização civil deduzido contra BB, que veio a ser indeferido, tiveram ainda a virtualidade de sustentar as declarações da arguida na parte em que referiu que a prática dos factos em causa nos presentes autos se destinou a beneficiar o seu património e do respetivo agregado familiar, na medida em que os valores indevidamente obtidos foram transferidos para contas da titularidade da arguida e/ou do casal e que foram gastas através destas.
Atentaram-se também nos documentos apresentados junto com a contestação apresentada pelos arguidos FF e JJ (cfr. ref.ª 12869545, de 12.04.2022) – mensagem da USF, mensagens de correio eletrónico relativas ao subsídio de desemprego solicitado pela arguida datadas de 14, 14 e 28 de abril de 2020 e mensagens remetidas pela professora do filho dos arguidos a partir do início do confinamento (13.03.2020) – das quais resulta que o acesso à referida Unidade estava limitado, mas não vedado; que após o período a que se refere o certificado de incapacidade emitido em nome do arguido JJ, a arguida FF passou a estar em situação de desemprego e, por isso, o agregado deixou de poder beneficiar de qualquer subsídio de apoio ao filho menor; e que é demonstrado que a professora sequer soubesse que o filho dos arguidos estava doente, pois que continuou a enviar trabalhos para que os fizesse, nem a isso se refere nas mensagens que enviou.
Igualmente foi analisado o documento junto com a contestação apresentada pelo arguido CC (cfr. ref.ª 12872261, de 12.04.2022) – atestado médico – que apesar de não ter sido confirmado por quem o passou, somente atesta um período de incapacidade por doença próximo das datas em que foram emitidos os documentos em causa nos presentes autos, mas não nestas.
Os documentos juntos na contestação apresentada pelo arguido DD (cfr. ref.ª 12885223, de 15.04.2022) – recibos de vencimento e documentos comprovativos de inscrição na Faculdade – serviram para confirmar os factos relativos à sua situação escolar e profissional, já vertidos no respetivo relatório social.
Os documentos juntos pelo arguido EE com a contestação (cfr. ref.ª 12919773, de 26.04.2022) – relatório clinico e histórico dos certificados de incapacidade – serviram, respetivamente, para atestar que padece de doença crónica, tal como confirmado pela respetiva médica da USF, Dr.ª QQ e desde quando é que a mesma lhe foi diagnosticada.
Tiveram-se também em consideração os requerimentos apresentados pelos arguidos FF e JJ com a ref.ª 13300278, de 21.07.2022 e pelos arguidos GG e KK com as refªs 13238039 e 13238040, de 06.07.2022, devidamente conjugados com as informações prestadas pelo ISS por via do ofício com a ref.ª 14067605 de 26.01.2023 (= ref.ª 14086822 de 31.01.2023), dos quais resultou que estes procederam à devolução dos subsídios de doença indevidamente recebidos.
Teve-se também em conta os documentos juntos pela arguida AA por via do requerimento com a ref.ª 13906682, de 20.12.2022, dos quais resulta que celebrou um acordo prestacional para devolução das prestações indevidamente recebidas do ISS e por via do requerimento com a ref.ª 14029814, de 19.01.2023, do qual resulta que solicitou junto da Autoridade Tributária a realizar a substituição dos valores das liquidações de IRS em causa nos presentes autos, de acordo com a última perícia aqui efetuada, para, posteriormente, proceder ao pagamento dos impostos.
Além de todos os arguidos terem admitidos que obtiveram e utilizaram os documentos em causa, resultou do contexto em que os factos ocorreram, que os arguidos agiram com conhecimento e vontade de praticar os factos.
Por outro lado, igualmente resultou de tal circunstancialismo, nomeadamente obtenção de vantagens (faltas justificadas e vantagens patrimoniais indevidas) que os arguidos sabiam que ao assim atuar estavam a violar a lei, atuando com culpa, tanto mais que, com exceção da arguida AA, não admitiram que sabiam da falsidade dos certificados e atestados ou irregularidade da sua emissão por serem conhecedores das consequências das suas condutas e pretenderem evitar uma condenação penal.
Não se tendo colocado em causa que os arguidos não tenham agido de forma livre ou que padeçam de alguma anomalia, por tal não ter sido patente ou notório, não podia deixar de considerar-se que atuaram livremente, de forma voluntária e consciente e que são imputáveis.
o que se refere aos factos relativos à coautoria, considerando os contornos dos factos, emissão e transmissão de certificados, atestados e declarações pela arguida AA nos quais constavam elementos identificativos dos restantes arguidos tendo em vista a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas (subsídios de doença, evitar a perda de remuneração ou que as faltas fossem consideradas justificadas) por quem os documentos eram emitidos, não podia deixar de se concluir que os arguidos nas respetivas qualidades de emitente e utilizadores dos mencionados documentos atuaram em conjunto e em comunhão de esforços.
Relativamente aos factos relativos aos objetos apreendidos aos arguidos, pese embora se tratar de um meio de prova e não normalmente de factos, considerando que o crime de falsificação também pode ser praticado na modalidade de detenção de documentos falsos e que a detenção de tais elementos releva para a fixação da medida da pena acessória, levaram-se os mesmos à matéria de facto dada como provada com base nas declarações da arguida AA e dos respetivos autos de apreensão.
As condições pessoais e sociais dos arguidos resultaram das pesquisas efetuadas às bases de dados e das informações prestadas pelos Serviços de Finanças e pelo Instituto de Segurança Social, I. P., bem como, dos relatórios sociais juntos os autos, os quais se mostram fundamentados, por indicarem as fontes que estiveram na base da sua elaboração, coerentes e lógicos, não revelando qualquer parcialidade dos Técnicos que os elaboraram, em conjugação com as declarações dos arguidos e das testemunhas pelos mesmos indicadas a tais factos, que confirmaram o teor dos mesmos.
A ausência de pretérito criminal registado dos arguidos resultou dos respetivos Certificados de Registo Criminal junto aos autos.
*
De Direito
Sendo esta a matéria de facto, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
Vejamos cada um dos tipos legais de que os arguidos vêm pronunciados de per se, fazendo-se apenas posteriormente as respetivas subsunções jurídicas por os factos convocarem a aplicação de diversas normas incriminadoras.
Do crime de burla tributária
Estatui-se no artigo 87º do RGIT que:
“1 - Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias. 2 - Se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é a de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e a de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas. 3 - Se a atribuição patrimonial for de valor consideravelmente elevado, a pena é a de prisão de dois a oito anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas. 4 - As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.º 1 não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber. 5 - A tentativa é punível.”
O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é o património público.
Trata-se de um crime material, de dano, pelo que a efetiva atribuição patrimonial e o corresponde enriquecimento ilegítimo importam para a consumação.
Como referem Figueiredo Dias e Nuno Brandão (“O crime de burla tributária”, in Estudos de Homenagem a Rui Machete, p. 406) “diferentemente do que sucede com o crime de fraude fiscal, a incriminação da burla tributária tem uma dimensão essencialmente patrimonial, dirigindo-se de forma direta e específica à proteção do património fiscal do Estado, visando, “prima facie, reagir à efectiva inflição de prejuízos ao erário público. E assim se compreende que, apesar de a produção de uma lesão no património fiscal não ter sido levada à letra do tipo incriminador, não possa ela deixar de emergir como um elemento essencial e inderrogável do facto típico. A exigência de que, para plena realização do facto de burla tributária, haja enriquecimento do agente ou de terceiro como resultado de uma atribuição patrimonial da Administração Tributária não consente aliás outra leitura. É que se, como se referiu, se tem na mira um enriquecimento, não pode igualmente perder-se de vista que é unicamente o enriquecimento obtido à custa e com prejuízo do acervo patrimonial fiscal do Estado que neste domínio assume significado penal. Nesta perspetiva, considerando o património fiscal como o bem jurídico tutelado pelo crime de burla tributária e apontando a lesão desse património como momento indeclinável para o perfeccionamento do facto típico, pode este delito ser qualificado como um crime de dano.”
É, assim, um crime de resultado que há de surgir como consequência do processo causal previsto no preceito incriminador processo causal, o que faz dele, também, um crime de execução vinculada.
O crime tem como elementos objetivos:
- o uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outro meio fraudulento;
- a determinação da administração tributária ou da segurança social, por estarem induzidas em erro, a efetuar atribuições patrimoniais;
- das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.
A perfeição da burla tributária não se basta, assim, com uma ação fraudulenta dirigida pelo agente contra a vítima, estando ainda dependente da realização de uma disposição patrimonial a favor do agente em consequência do erro inculcado por aquele engano.
Esta circunstância aponta a diferença deste crime relativamente ao crime de burla comum, pois que neste apenas se exige que o erro ou engano provocados pelo agente determinem “outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa prejuízo patrimonial”, ao passo que na burla tributária exige-se que o erro ou engano “determinem a administração tributária ou a administração da segurança social a efetuar atribuições patrimoniais”.
Como referem os aludidos autores na obra citada “É certo que a burla (comum) é comummente conotada com a prática de atos positivos da parte do burlado (v. g., paradigmaticamente, o caso em que a vítima entrega ao burlão uma certa quantia monetária em numerário). Mas o espetro punitivo da burla vai mais além e pode integrar situações em que a vítima, induzida em erro pelo agente, toma uma decisão de nada fazer em prol dos seus interesses patrimoniais, com direto prejuízo para os mesmos.
Estarão aqui em causa, nomeadamente, situações em que a vítima omita medidas que poderiam determinar uma vantagem patrimonial associada a uma pretensão juridicamente válida e que não é acionada em virtude do erro em que incorre (v. g., o não exercício de um direito de que é titular ou a falta de proposição de uma ação executiva).
Não são difíceis de intuir as consequências que adviriam para o domínio penal fiscal de uma transposição deste conceito de deslocação patrimonial da burla comum para a burla tributária.
Sendo as legítimas pretensões fiscais, por definição, marcadas pelo signo da conformidade legal, essa transposição levaria a que, por via de regra, caíssem no seio da burla tributária as situações em que a Administração Tributária deixasse de promover as medidas necessárias à recolha de um imposto devido, quando tal se ficasse a dever a uma ação fraudulenta do contribuinte.
Neste quadro, a burla tributária passaria a constituir o eixo da tutela penal fiscal e relegaria o crime de fraude fiscal para uma função puramente residual, com o que se consumaria uma autêntica revolutio no sistema penal tributário português.
Ora, como vimos, não foi essa, manifestamente, a intenção do legislador de 2001 quando introduziu a incriminação de burla tributária, assim se compreendendo que, cortando cerce qualquer veleidade nesse sentido, o legislador tenha definido o respetivo conceito de deslocação patrimonial em termos formal e materialmente distintos daqueles que valem para a burla comum.
Nesta ordem de ideias, do elemento típico “efetuar atribuições patrimoniais” deverão considerar-se excluídas as hipóteses em que o património tributário sai prejudicado na sequência de uma conduta fraudulenta de um contribuinte à qual, até ao momento em que o prejuízo patrimonial se consuma, não se segue qualquer reação da Administração Tributária (v. g., o contribuinte não apresenta a sua declaração de rendimentos ou declara rendimentos inferiores aos reais e/ou apresenta despesas fiscalmente relevantes que todavia não existiram, assim logrando evitar pagar o imposto que seria legalmente devido).
Consequentemente, o preenchimento dos elementos objetivos do crime só se verificará quando o erro ou engano provocados pelo agente implique atos positivos da Administração Tributária que coenvolvam uma transferência patrimonial direta do ativo do património tributário para o ativo de um particular, o agente ou um terceiro.
Ou seja, o ato de “efetuar atribuições patrimoniais” que compõe a conduta típica da vítima de burla tributária corresponde a um ato de deslocação de valores pecuniários já integrados no erário tributário, das mãos do Fisco para a esfera patrimonial do agente ou de um terceiro.
E neste sentido, vai também a exigência de que para que haja o preenchimento do tipo de burla tributária àquelas atribuições patrimoniais se sigam dois resultados típicos: o prejuízo patrimonial do Fisco e o enriquecimento do agente ou de terceiro (enriquecimento que não corresponde apenas a um desígnio almejado pelo agente, mas que figura como um outro autêntico resultado típico, integrando assim o tipo objetivo de ilícito).
Assim, do que se trata neste domínio é de um enriquecimento que deve decorrer de uma atribuição patrimonial efetuada pela Administração Fiscal, o que revela uma delimitação do âmbito punível da burla tributária baseada numa conceção que contrapõe os conceitos de enriquecimento e não empobrecimento.
O primeiro, terá de ser entendido como um aumento efetivo do ativo patrimonial do beneficiário da disposição e o segundo, como uma evitação de uma diminuição desse património.
A ideia é a de que a burla tributária se liga só àquele primeiro conceito e já não ao segundo, havendo que distinguir entre aqueles casos em que através da fraude o agente atua apenas com o propósito de evitar pagar impostos, de forma a não ver o seu património diminuído (o que integrará o crime de fraude discal), e aqueloutros em que o agente logra fazer crescer o seu pecúlio através do encaixe de somas que já pertenciam definitivamente ao erário fiscal e que, por mor da sua fraude, são indevidamente integradas no seu património (burla tributária).
Assim, no âmbito da burla tributária, como esclarece Germano Marques da Silva “já não se trata apenas de não pagar [impostos], trata-se de enriquecer à custa daqueles que pagam” (in “Notas sobre o regime geral das infracções tributárias (Aprovado pela Lei nº 15/2011, de 5 de junho)”, Direito e Justiça, XV, 2001, p. 66), sendo o que separa este crime da fraude fiscal é que “na fraude o agente visa o não empobrecimento, na burla o enriquecimento” (in Direito Penal Tributário, Universidade Católica Portuguesa, 2009, p. 193)
Como referem Figueiredo Dias e Nuno Brandão (cf. ob. cit.) “por muito questionável que possa parecer o intuito de radicar a contraposição entre fraude fiscal e burla tributária numa paralela contraposição entre não empobrecimento e enriquecimento, devemos concordar que todos os dados se conjugam agora na direção de que o tipo incriminador da burla tributária foi desenhado na base dessa dicotomia enriquecimento vs. não empobrecimento, circunscrevendo a matéria punível apenas ao primeiro termo da alternativa.
No sentido desta conclusão depõem os antecedentes históricos da incriminação, o contexto social em que ela apareceu, a referida “interpretação autêntica” que o autor do anteprojeto do RGIT manifestou logo aquando da sua entrada em vigor e ainda, decisivamente, a concatenação do elemento típico “enriquecimento” com a explicitação típica da deslocação patrimonial penalmente relevante em sede de burla tributária. Uma deslocação que, como vimos, deve consistir em “efetuar atribuições patrimoniais”.
Na verdade, uma leitura congruente do segmento típico “efetuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento” só consente a interpretação de que o resultado “enriquecimento” tipicamente pressuposto será de caraterizar como um aumento do volume patrimonial do agente ou de terceiro consubstanciado num incremento dos ativos patrimoniais.
Se, de acordo com a lógica, no sentido próprio da palavra, uma atribuição patrimonial efetuada a favor de alguém se repercute necessariamente num aumento do seu ativo patrimonial, o único sentido normativo que julgamos ser possível adscrever ao “enriquecimento” constante do tipo de burla tributária é o de o identificar com um crescimento tangível de um património, não abrangendo portanto as hipóteses de simples não empobrecimento.”
Neste mesmo sentido, veja-se também Paulo Dá Mesquita (cf. “A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto”, in Revista do S.M.M.P, n.º 1, 3.º trimestre de 2002) e Inês Ferreira (in “Infracções tributárias: Burla tributária no contexto dos crimes fiscais”, disponível in http://hdl.handle.net/10400.21/8439) referindo esta Autora que “É importante relembrar que tal concurso [entre burla tributária e fraude fiscal] apenas se verifica quando estejamos perante um comportamento que se enquadre em ambos os crimes mostrando-se importante a distinção entre o enriquecimento característico da burla tributária, em que claramente o objectivo do sujeito é aumentar o seu património à custa do Estado, e a diminuição das receitas fiscais exigida no crime de fraude fiscal, em que a meta pretendida é o não pagamento dos impostos devidos, ou seja, no primeiro caso existe um enriquecimento ilícito dando origem, inevitavelmente, à diminuição do património do Estado e, no segundo caso, o sujeito passivo pretende proteger o seu património que é afectado pelo normal funcionamento legal tributário adoptando um comportamento para diminuição das receitas de forma a não afectar a diminuição do seu.”
A moldura é agravada quando o valor da vantagem patrimonial seja consideravelmente elevado passando a pena de prisão a de dois a oito anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas.
Através da qualificação pela verificação desta circunstância, quis o legislador dar uma especial proteção ao bem jurídico protegido quando as vantagens patrimoniais obtidas sejam de maior valor.
O conceito de valor consideravelmente elevado é dado pelo artigo 202º, b) do Código Penal, de acordo com o qual é aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.
A unidade de conta, que serve para exprimir o valor da taxa de justiça, é atualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor da UC respeitante ao ano anterior, nos termos do artigo 5º, nº2 do Regulamento das Custas Processuais.
De acordo com o artigo 22º do decreto que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – Decreto-Lei nº34/2008, de 26.02 – na data da sua entrada em vigor [que ocorreu em 20 de abril de 2009, conforme dispõe o artigo 26º do Decreto-Lei nº34/2008], a unidade de conta foi fixada em um quarto do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente em dezembro do ano anterior, arredondada à unidade Euro, devendo ser atualizada anualmente com base na taxa de atualização do IAS.
Para o ano de 2008 o IAS foi fixado em €407,41, de acordo com a Portaria nº9/2008, de 03-01. Por conseguinte, 1/4 desse valor é €102,00, ou seja, é este o valor da unidade de conta a partir de 20 de abril de 2009, que se mantém até à presente data.
Assim, para efeitos penais, a partir desta data, valor elevado passou a corresponder à quantia de 5.100,00€ (=50x102,00€) e valor consideravelmente elevado passou a corresponder à quantia de 20.400,00€ (=200 x 102,00€).
Prevê-se no nº4 do artigo 87º do RGIT que a falsificação de documentos não será punida quando tenha um carater instrumental relativamente ao crime de burla exceto quando aquela integre um tipo legal que puna mais gravemente aquela conduta.
Diferentemente do que sucede no caso da burla comum, em que a jurisprudência dos Tribunais Superiores entendeu, uniformizando tal posição, que existe um concurso efetivo entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla tomando como critério a diversidade dos bens jurídicos protegidos por tais normas incriminadoras mesmo após a alteração legislativa que introduziu um dolo específico no tipo (cfr. AUJs de 14.02.1992, nº8/2000, DR 119, I Série – A, de 23.05.2000 e nº1/2003, processo nº609/02, DR 49, I série – A, de 27.02.2003 e nº10/2013, DR 131, I série, de 10.07.2013), aqui o legislador excecionou tal punição autónoma.
Assim, quando o tipo em que se integrar a falsificação ou viciação punir esta de forma mais grave verifica-se um concurso efetivo entre este e o crime de burla tributária.
A este propósito refere Germano Marques da Silva (in “Direito Penal Tributário”, Universidade Católica Editora, 2018, p. 187) que “Resulta do texto que a consunção só se verifica se ao crime instrumental não couber pena mais grave do que ao crime de burla. Se tal não acontecer, isto é, se o crime meio for punível com pena mais grave do que a aplicável à burla, verifica-se concurso de crimes (real), punível nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal”.
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.12.2013, p. 257/07.6IDPRT.P1, in www.dgsi.pt, que infra se citará, mas em sentido oposto atente-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.01.2013, p. 4/10.5IDFAR.E1, in www.dgsi.pt.
Do crime de falsificação de documentos
Dispõe-se no artigo 256º, para o que aqui importa, o seguinte:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - A tentativa é punível. 3 - Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. 4 - Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
Nos termos da noção dada pelo artigo 255º, a) do Código Penal considera-se “documento” a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.
O bem jurídico tutelado pelo crime em apreço consiste na segurança e a credibilidade dos documentos e notações técnicas no tráfico jurídico.
Importa precisar que, para efeitos do objeto da ação do crime de falsificação documento é a "declaração" e não o objeto em que esta é incorporada, pelo que, aquilo que constitui a falsificação de documento é não a falsificação do documento enquanto objeto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento (cfr. Helena Moniz, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 676). Todavia, para efeitos de moldura penal (art. 256º, nº3) documento é já o escrito ou qualquer objeto material que incorpora a declaração.
Por outro lado, note-se que o ato de falsificação pode assumir duas formas: a falsificação ideológica e a material. Ocorre a primeira quando se está na presença de um documento inverídico, o que sucede quer quando um documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada – falsificação intelectual –, quer quando se presta uma declaração de facto juridicamente falso, ou seja, se narra, em documento, facto falso – falsidade em documento. Ocorre a segunda quando o documento não é genuíno, quando existe uma alteração ou modificação total ou parcial deste (ob. e pág. cit).
A agravação da pena consagrada no nº3 do preceito depende da qualidade do documento, que deverá ser autêntico ou gozar de igual força, ou corresponder a qualquer um dos tipos li enunciados.
A dificuldade prende-se em saber quais os documentos que gozam de forma idêntica aos documentos autênticos.
Nos termos do artigo 363º do Código Penal, os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares, sendo “autênticos” os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.
Neste conspecto entende Helena Moniz (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra, 1999, tomo II, p. 687) que “deverá entender-se por documentos autênticos não só aqueles que como tal são entendidos de acordo com a noção de documento autêntico do Código Civil, mas também todos os outros que tenham origem igualmente numa autoridade pública”.
A moldura penal é ainda mais agravada, nos termos do nº4 do artigo 256º, se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções.
A agravação aplica-se a qualquer forma de falsificação, ao uso e à mera detenção dos documentos, particulares ou autênticos ou a estes equiparados, desde que os factos sejam praticados por funcionário.
O conceito de funcionário é dado pelo artigo 386º do Código Penal, nos termos do qual, para efeito da lei penal, a expressão funcionário abrange, além de outros, o empregado público civil e o militar.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, UCE, 2022, p. 1034, n. 15) “os factos praticados por funcionário no «exercício das suas funções» incluem os cometidos durante o exercício das funções, por ocasião do exercício das funções ou por causa do exercício das funções e, nomeadamente, os cometidos com abuso das funções”.
Explica Helena Moniz, in ob. cit., pp. 695 e 696, que “Tal como se nos apresenta a redação do art. 256° o funcionário que falsifica documentos segundo uma das modalidades de conduta aí previstas ficará sujeito apenas à punição constante do n° 4 se tiver atuado no exercício das suas funções, isto é, dentro da sua esfera de competência (e somente nestes casos, visto que o exercício fora da sua esfera de competência é um exercício abusivo não contemplado pelo atual Código). Chegou-se, assim, à situação caricata de o funcionário que pratica o crime de falsificação de documentos no exercício das suas funções e no seu âmbito de competência ser punido de acordo com o n° 4 do art. 256°, e portanto com uma pena de 1 a 5 anos.
Se, pelo contrário, pratica o mesmo acto no exercício das suas funções mas fora do âmbito da sua competência, porque o legislador não admitiu a hipótese de exercício abusivo, cairia na previsão geral e portanto ficaria sujeito à pena geral de 6 meses a 5 anos (pensando que as situações seriam sempre de documentos integrados na hipótese do n° 3 do art. 256°). Esta será a interpretação mais conforme com a evolução que ocorreu. No entanto, pensamos que na fórmula lata de "exercício das suas funções" poderemos incluir quer a prática do crime no exercício das funções dentro da esfera de competências, quer quando ocorra fora da esfera de competências do funcionário.” (negrito nosso).
No mesmo sentido veja-se Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal, Almedina, 2014, p. 1018.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo, exigindo-se um dolo específico, nomeadamente a intenção de obter um benefício ou de causar um prejuízo a outrem.
Não é exigível que se verifique o prejuízo efetivo de outra pessoa ou do Estado e nem mesmo o cometimento de outro crime, tratando-se, por isso, de um crime de resultado cortado.
A comparticipação rege-se pelas regras gerais visto que o crime de falsificação é um crime comum. Exceciona-se a hipótese do crime ser cometido por funcionário nos termos do nº4, em que se verifica um crime específico impróprio. Neste caso a qualidade de funcionário comunica-se aos comparticipantes que não a possuem.
Como salienta Henrique Salinas Monteiro (“A Comparticipação em Crimes Especiais no Código Penal”, 1999, pág. 336), a solução adotada no Código Penal, para resolver as hipóteses de comparticipação em crimes especiais, consiste num alargamento do âmbito de aplicação pessoal dos tipos respetivos. Este resultado é alcançado mediante uma norma da parte geral, que permite a punição do extranei a título de autoria nestes crimes, ao estabelecer que basta que intervenha um comparticipante (punível como autor ou cúmplice) intraneus, para que todos respondam pelo crime especial.” (cfr. Ac. TRP de 05.02.2020, p. 1047/08.4TAVFR-F.P1, in www.dgsi.pt).
Do crime de falsidade informática
(….)
Do crime de acesso ilegítimo
(…)
Do(s) crime(s) de abuso de poder
Estatui-se no artigo 382º sob a epígrafe de “Abuso de poder” o seguinte:
“O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
O bem jurídico protegido por esta incriminação legal é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa (neste sentido vide Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2022, p. 1330, n. 2).
O crime em causa é um crime de dano no que se refere ao grau de lesão do bem jurídico e de mera atividade quanto à consumação, não sendo necessário a obtenção do benefício ou a verificação do prejuízo para se concluir pela sua realização completa.
No que se refere ao tipo objetivo o seu preenchimento poderá ter lugar através de abuso de poderes, traduzindo-se este na instrumentalização de poderes inerentes à função, ou da violação de deveres de funcionários, nos quais se incluem deveres funcionais genéricos e específicos.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo, exigindo-se um dolo específico, nomeadamente a intenção de obter um benefício ou de causar um prejuízo a outrem.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27.11.2013, p. 98/07.0 JALRA.C3, in www.dgsi.pt:
“Neste crime, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede; o crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais.
Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal.
(…)
A intenção específica é um elemento subjetivo que não pertencendo ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo e que se não refere a elementos do tipo objetivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objetivo e subjetivo.
A intenção tipicamente requerida tem por objeto uma factualidade que não pertence ao tipo objetivo de ilícito.
Doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado cortado, esta espécie de crimes supõe para além do dolo de tipo a intenção de produção de um resultado que não faz parte do tipo legal [cfr. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, págs. 329-330].”
Trata-se de um crime específico próprio na medida em que o tem de ser cometido por funcionário. O conceito deste encontra-se previsto no artigo 386º do Código Penal.
A qualidade de funcionário comunica-se aos comparticipantes que não a possuem.
Com efeito, estatui-se no artigo 28º do Código Penal que:
“1 - Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes a pena respetiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles, exceto se outra for a intenção da norma incriminadora. 2 - Sempre que, por efeito da regra prevista no número anterior, resultar para algum dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse.”
A punição prevista para o crime em causa é subsidiária, devendo o agente ser punido com a pena do crime que venha a ser cometido na execução do abuso de poder se a pena for mais grave.
Do crime de burla
Estatui-se no artigo 217º, nº1 do Código Penal, sob a epígrafe de “Burla” que “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Os elementos objetivos do tipo legal de crime são, pois, os seguintes:
- indução astuciosa de terceiro em erro em engano sobre factos;
- prática de atos, pelo terceiro, determinado por esse engano;
- atos causadores de prejuízo patrimonial, para esse terceiro ou outrem.
Os elementos subjetivos consubstanciam-se na existência do dolo específico traduzido na intenção de obter para si ou para outrem enriquecimento ilegítimo.
Por seu turno estabelece-se no artigo 218º, nº1 do Código Penal que “Quem praticar o facto previsto no nº 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.”
Se o valor foi consideravelmente elevado o crime é punido com pena de 2 a 8 anos de prisão nos termos do referido artigo 2018º, nº2, a) do Código Penal.
O conceito de valor elevado é dado pelo artigo 202º, a) do Código Penal, de acordo com o qual é aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto e o de valor consideravelmente elevado é dado pelo artigo 202º, b) do Código Penal, de acordo com o qual é aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto.
A unidade de conta, que serve para exprimir o valor da taxa de justiça, é atualizada anual e automaticamente de acordo com o indexante dos apoios sociais (IAS), devendo atender-se, para o efeito, ao valor da UC respeitante ao ano anterior, nos termos do artigo 5º, nº2 do Regulamento das Custas Processuais.
De acordo com o artigo 22º do decreto que aprovou o Regulamento das Custas Processuais – Decreto-Lei nº34/2008, de 26-02 – na data da sua entrada em vigor [que ocorreu em 20 de Abril de 2009, conforme dispõe o artigo 26º do Decreto-Lei nº34/2008], a unidade de conta foi fixada em um quarto do indexante dos apoios sociais (IAS) vigente em Dezembro do ano anterior, arredondada à unidade Euro, devendo ser atualizada anualmente com base na taxa de atualização do IAS.
Para o ano de 2008 o IAS foi fixado em €407,41, de acordo com a Portaria nº9/2008, de 03-01. Por conseguinte, 1/4 desse valor é €102,00, ou seja, é este o valor da unidade de conta a partir de 20 de abril de 2009, que se mantém imutável até à presente data.
Assim, para efeitos penais, a partir desta data, valor elevado passou a corresponder à quantia de 5.100,00€ (=50x102,00€) e valor consideravelmente elevado passou a corresponder à quantia de 20.400,00€ (=200 x 102,00€).
Vejamos agora da subsunção dos factos imputados a cada um dos arguidos por referência a cada dos pontos do dispositivo da pronúncia.
A - Da arguida AA
(pontos 1) e 2) do dispositivo da pronúncia – dois crimes de burla tributária agravados – factos provados sob os nºs 7 a 10 e 36 a 56)
Vem a arguida pronunciada pela prática de dois crimes de burla tributária qualificada do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT por cada um dos atestados multiusos que foram forjados, um em nome da própria e outro em nome do ex-marido.
Decorre dos factos provados que a arguida fabricou dois atestados multiusos em seu nome e em nome do seu ex-marido, utilizando atestados de outras pessoas aos quais teve acesso no exercício das suas funções de funcionária da USF, alterando os respetivos nomes, neles fazendo constar que a primeira tinha um grau de incapacidade de 66% e o segundo de 60% e apresentou-os junto da Autoridade Tributária de forma a beneficiar de taxas de IRS mais favoráveis e a obter isenções do pagamento de IUCs (cfr. factos provados sob os nºs 36 a 44).
Mais ficou provado que com tal atuação a arguida e o respetivo agregado familiar conseguir obter reembolsos de IRS nos anos de 2013 a 2019 que não lhe eram devidos, bem como, isenções do pagamento de IUC nos anos de 2015, 2016, 2017, 2019, 2020 2 2021, nos montantes referidos nos factos dados como provados sob os nºs 45, 46 e 47.
Ou seja, resulta claramente dos factos provados que a atuação da arguida visou evitar o empobrecimento do património familiar, mediante a criação de um engano – de que a própria e o seu marido eram portadores de um grau de incapacidade superior a 60% -, à Autoridade Tributária, de molde a aplicar uma taxa menor ao rendimento tributável em sede de IRS nos referidos anos, sem o que as respetivas liquidações implicariam o pagamento de impostos que empobreceria o referido património.
Apesar de ter resultado de tal conduta reembolsos à arguida da quantia global de €19.818,24, a realidade é que os montantes objeto do reembolso não estavam integrados definitivamente no património tributário, constituindo, pelo contrário, um adiantamento por conta do IRS que viesse a ser liquidado a final, “entregue” provisória e condicionalmente pela via do mecanismo da retenção da fonte.
Com efeito, os montantes retidos na fonte só integram o património tributário em função da liquidação do imposto que vier a ser feita no final do período tributário em causa.
Como ensina Dá Mesquita (in “Sobre os crimes de fraude fiscal e burla”, in Direito e Justiça, 15(1), 101-157. https://doi.org/10.34632/direitoejustica.2001.11142 “Quer no IRC, quer no IRS, as deduções podem determinar a redução da quantia a entregar à Administração fiscal ou o que se designa como «reembolsos», embora em termos substanciais seja diferente a natureza dos reembolsos de IRC (ou IRS) da dos reembolsos de IVA.
No IRC (tal como no IRS) a obrigação de imposto só existe desde o fim do período fiscal e só se torna certa e exigível com a liquidação do imposto pelos serviços da Administração fiscal e notificação do contribuinte do montante do imposto a pagar.
Contudo, na sequência de práticas preconizadas pela moderna técnica tributária, generalizaram-se métodos de pay as you earn relativamente aos impostos sobre o rendimento. No regime legal do IRC esses métodos manifestam-se na retenção na fonte (o método regra no IRS com reduzida relevância no IRC), em que as quantias remetidas ao Tesouro por terceiros assumem a natureza de «imposto por conta» do contribuinte, e nos pagamentos por conta, que consistem em entregas periódicas, por parte do próprio contribuinte, de fracções do montante do IRC correspondente ao exercício anterior.
Haverá lugar a reembolso de quantias entregues a título de retenções na fonte ou pagamentos por conta quando o valor apurado na declaração for inferior ao da entrega. Isto é, o reembolso de IRC não se traduz num verdadeiro pagamento do Estado, mas, tão-só, na devolução de parte (ou totalidade) da importância que anteriormente entrara nos cofres do Estado. Mesmo quando se trate de um reembolso indevido por força de uma liquidação de imposto incorrecta, derivada do facto de o contribuinte beneficiar de deduções à matéria colectável baseadas em despesas por aquisições inexistentes, nunca sai dos Cofres do Estado uma importância que não tenha lá entrado com carácter provisório em virtude de pagamentos por conta ou retenções de imposto 14 (Nesta linha Dioco e Monica Leite de Campos destacam que «o Estado não tem direito definitivo a esses pagamentos. Mas só uma expectativa, embora juridicamente tutelada» (1995, p. 557).
E adiante explica (in ob. cit. pp. 127-128) : “Pelo que, propendemos a considerar que a liquidação de IRC inferior ao devido, em virtude do erro induzido pelo agente da infracção que apresenta falsas despesas que reduzem a matéria colectável, não deve ser distinguida, para efeitos jurídico-penais, da conduta similar que, além do mais, determina um reembolso de importâncias anteriormente entregues a título de retenções na fonte ou pagamentos por conta. Aliás, o acto determinante do enganado é a liquidação errónea do imposto pois, como destacámos acima, o reembolso de IRC não se traduz num verdadeiro pagamento do Estado, mas, tão-só, na devolução de parte (ou totalidade) da importância que anteriormente entrara nos cofres do Estado. E em ambas as situações a liquidação errónea de imposto pode determinar uma diminuição das receitas fiscais sem que seja afectado o património estático do Estado.”
Para concluir que (in ob. cit. p. 132): “E quanto a esse ponto afigura-se que a intenção de não pagar o imposto devido em face das regras legais não envolve uma intenção de enriquecimento, no sentido de aumento do património, mas de não empobrecimento, o interesse em evitar a amputação do património privado atingido pela tributação é diferente do interesse de aumentar esse património por via ilícita, eventualmente à custa do Estado. O «imposto não depende de qualquer prestação anterior nem do seu pagamento resulta qualquer prestação futura», pelo que a intenção de o sujeito passivo da relação tributária não pagar o imposto devido resulta da pretensão de querer evitar um pagamento que não constitui o sujeito activo (o Estado) em qualquer dever de prestar específico (e não de um benefício de uma prestação sem o co-respectivo pagamento), isto é, pretende-se diminuir as receitas públicas evitando o empobrecimento do património privado.
Pelo exposto, tendemos a concluir que as fraudes praticadas com vista à redução da tributação a título de IRC não integram o tipo de burla por faltar o elemento subjectivo específico relativo à intenção de enriquecimento”.
Aplicando tal entendimento à hipótese da liquidação e pagamento de IRS, entende-se que inexiste um crime de burla tributária, antes de fraude fiscal quando se vise o não pagamento do imposto devido.
Assim, no caso concreto, tendo a arguida sido reembolsada dos montantes adiantados a título de retenção na fonte apenas e só porque, através da sua conduta fraudulenta logrou diminuir o imposto que teria de pagar se não a tivesse encetado, consubstanciando esse reembolso uma mera devolução do que (no contexto da liquidação de IRS efetuada com base nos pressupostos fraudulentos criados por aquela) lhe pertencia, por lhe ter sido retido na fonte a mais do que o imposto supostamente devido, não se pode concluir que agiu com intenção de enriquecer.
O mesmo se diga das isenções do pagamento do IUC, que não corresponderam a qualquer ao dispêndio de qualquer quantia pela Autoridade Tributária em favor da arguida e do seu agregado, nem ao aumento do seu património, antes ao seu não empobrecimento.
Não se verificaram, portanto, nem a atribuição patrimonial típica por parte da AT, nem o enriquecimento (strictu sensu) da arguida, i. e. não se verifica o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de burla tributária, pelo que, é de concluir que a sua conduta não integrou a prática do crime de burla tributária de que vinha acusada, devendo, em consequência, ser absolvida da sua prática.
Vejamos, todavia, se os factos provados e supra alinhados integram a prática de outro tipo de crime.
Dispõe-se no artigo 103º do RGIT, sob a epígrafe de “fraude fiscal”, que: “1. Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15 000. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”
O referido crime será qualificado, nos termos do art. 104º do RGIT nos seguintes termos:
“1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais. 2 - A mesma pena é aplicável quando: a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente; ou b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50.000. 3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200.000, a pena é a de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas coletivas. 4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.”
Este ilícito criminal visa a proteção de um bem jurídico coletivo cuja titularidade pertence à comunidade dos indivíduos, por meio do Estado que se compromete a realizar uma gestão adequada e a prosseguir objetivos económicos e sociais reconhecidos como fundamentais pela sociedade.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.06.2009 (p. 1100/08-1, in www.dgsi.pt), o bem jurídico protegido corresponde aos valores da verdade e da transparência para o Estado Fisco, tendo em vista a obtenção das receitas fiscais.
A definição do bem jurídico protegido importa em particular para a classificação do tipo e para a compreensão da sua estrutura.
A falsidade que importa para o tipo legal e que constitui o reverso dos valores protegidos da verdade e transparência, tem de ser acompanhada pela intenção de produzir o resultado lesivo sobre o património fiscal.
No entanto, o dano patrimonial não se encontra inscrito entre os elementos objetivos do crime, pelo que, não é necessário que este se verifica para que a conduta seja punível.
Sem necessidade, no entanto, de outras considerações porque desnecessárias, verifica-se que para que as condutas previstas no artigo 103º do RGIT sejam punidas é preciso que se a vantagem patrimonial ilegítima seja superior a 15.000,00€ (cfr. nº3 do artigo 103º do RGIT). Trata-se de uma condição objetiva de punibilidade de cujo preenchimento depende a perfeição do ilícito.
Para apurar o valor a considerar há que ter em consideração o valor de cada declaração para efeito de liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais e isto independentemente se conclui pela prática de vários crimes ou de um só crime.
Neste sentido, ainda que a propósito do crime de abuso de confiança fiscal, mas com inteira aplicabilidade por igualmente se tratar de uma condição objetiva de punibilidade, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.10.2012, p. 425/10.3IDPRT.P1, in www.dgsi.pt, no qual se entendeu que:
“Ora, para efeitos do disposto nos números 1 a 6 do art.º 105.º do RGIT, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária. Uma análise da redação deste preceito legal permite concluir que a qualificação do crime em apreço só ocorre quando de alguma declaração a apresentar à administração tributária deva constar um valor superior a € 50 000 ou, por outras palavras, no RGIT o valor global não entregue à administração fiscal, resultante da soma dos valores das diversas declarações, nunca pode ser tomado em consideração para o efeito da qualificação do crime de abuso de confiança fiscal, independentemente de se considerar verificada uma única resolução criminosa (cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 27 de abril de 2005, com o número convencional JTRP00037994; Ac. Da Rel. Do Porto, de 26 de abril de 2006, com o número convencional JTRP00039098, todos in www.dgsi.pt).” (sublinhado nosso).
Por último, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.02.2010, p.106/01.9IDPRT.S1, in www.dgsi.pt, no qual se escreveu:
“(…)
IV - Com a Lei 64-A/2008, de 31-12, foi dada nova redacção ao art. 105.º, n.º 1, do RGIT, introduzindo-se a locução “de valor superior a (euro) 7500”, com o que o legislador criou um novo elemento objectivo do tipo, eliminando do número das infracções criminais de abuso de confiança fiscal as condutas omissivas traduzidas na não entrega de prestações tributárias deduzidas desde que o respectivo montante seja igual ou inferior àquele valor, passando a configurar o crime em questão apenas as condutas “desviantes” de prestações de valor superior àquele quantitativo; o limite mínimo constitutivo de crime passou assim a ser substanciado por “descaminho” de prestação tributária de valor superior a €7500.
V - Só fará sentido considerar a descriminalização, desde que se acolha a tese da relevância, nesta sede, dos valores individualizados de cada prestação, que é o critério legal constante do n.º 7 do art. 105.º do RGIT, sendo que a consideração de crime continuado ou de um único crime não afasta esse dispositivo; a regra da relevância do valor de cada declaração consta de forma directa nos arts. 103.º, n.º 3, e 105.º, n.º 7, este reproduzindo aquele ipsis verbis, e por remissão o n.º 7 do art. 105.º é aplicável aos crimes de fraude e abuso de confiança contra a segurança social – arts. 106.º, n.º 2, e 107.º, n.º 2. Significa isto que prevalecerá a norma do n.º 7 do art. 105.º e sendo assim ter-se-ão em conta os valores individuais de cada declaração.
(…)” (sublinhado e negrito nossos).
Adotando uma posição oposta, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2014, p. 5722/04.4TDLSB.P1, proferido a propósito da aplicabilidade do limite do artigo 103º, nº2 ao artigo 104º, ambos do RGIT, na parte em que refere: “Por último, também não serve alegar que a não punibilidade das condutas em apreço permitiria uma fraude à lei, com a apresentação sistemática de várias declarações falsas de valores inferiores a quinze mil euros, pois tal risco também se verifica em relação ao crime de fraude fiscal simples. Nesses casos, importará, sim, apurar se estamos perante uma única resolução criminosa, e, portanto, perante um único crime relativo à soma de todos os valores em causa.”
Refira-se ainda que o valor da vantagem patrimonial é aferido pelo valor da “prestação tributária em falta” e não ao valor total do reembolso (a este propósito veja-Susana Aires de Sousa (in “Os crimes Fiscais”, Almedina, 2021, pp. 83 e 84).
Face à posição adotada, no sentido de que deve ser considerado o valor de cada um dos reembolsos indevidos obtidos e não a soma dos mesmos, há ainda que apurar se a conduta da arguida, na medida em que se trata de funcionária pública (cfr. alínea b) do nº1 do artigo 104º do RGIT) e de ter falsificado documentos probatórios exigidos pela lei tributária (atestados multiusos) (cfr. alínea d) do nº2 do artigo 104º do RGIT).
Nesta matéria, verifica-se que a maioria da doutrina e da jurisprudência entendem que o limite quantitativo previsto no nº2 do artigo 103º do RGIT é aplicável ao artigo 104º do mesmo diploma legal.
A este propósito refere Germano Marques da Silva (in ob. cit., p. 234 e 235), apesar de entender que o referido limite é um elemento do tipo objetivo, que “consideramos que esse limiar quantitativo também é aplicável à fraude qualificada pois que é elemento do crime do artigo 103 e o artigo 104º refere-se aos factos previstos no artigo anterior. O elemento quantitativo é elemento do facto típico previsto no artigo 103º”
No sentido de ser aplicável o referido limite ao crime de fraude qualificada também se têm pronunciado Isabel Marques da Silva, em RGIT, Cadernos IDEF, 5, 2ª Edição, pág. 164, Germano Marques da Silva, “Notas sobre o Regime Geral das Infrações Tributárias”, Direito e Justiça, Vol. XV, Tomo II, 2001, p. 64, Susana Aires de Sousa, in ob. cit. p. 110, Nuno Pombo, in “Fraude Fiscal, A norma incriminadora, A simulação e outras reflexões”, Almedina, 2007, p. 215 e Simas Santos e Jorge de Sousa, in “Regime Geral das Infrações Tributárias”, 2ª Edição, 2008, pág. 737, anotação 3 ao art. 104º;
Refere ainda Susana Aires de Sousa se que “a fraude fiscal, simples ou qualificada, só assume dignidade penal quando a conduta do agente se mostre idónea a obter uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a 15.000 euros, nos termos do art. 103º, nº 2 do RGIT”. Mais afirma que entre a fraude fiscal simples e a fraude qualificada se estabelece uma pura relação de especialidade, que a fraude qualificada incorpora todos os elementos constitutivos da fraude simples e acrescenta ao facto matricial “elementos suplementares ou caracterizadores, elementos estes que não constituem um novo e autónomo facto ilícito” (in “O Limiar Mínimo de Punição da Fraude Fiscal Qualificada: Entre Duas Leituras Jurisprudenciais Divergentes”, Curso de Especialização Temas de Direito Fiscal Penal, p. 97, in ).
Em sentido inverso pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/05/2009, p.352/02.8IDBRG, in www.dgsi.pt. Ali, como argumento avança-se que a realidade prevista na punição da fraude qualificada por ser mais gravosa do que a que vem enunciada no tipo fundamental da fraude simples é dela dissociável e concluindo, deste modo, por excluída a exigência da obtenção com a fraude um valor mínimo de benefício patrimonial ilegítimo.
Acompanhando este entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03.12.2014, p. 128/05.0IDAVR.C2, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu que: “I - Não é aplicável à fraude qualificada, p. e p. no artigo 104.º do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias) o limite de € 15.000,00 previsto no artigo 103.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.”
Aderindo ao primeiro dos entendimentos referidos, verificando-se que nenhum dos valores de reembolsos indevidamente recebidos ou isenções atingem o valor de 15.000,00€ concluiu-se que não se verifica o preenchimento da condição objetiva de punibilidade, pelo que, também não poderá a arguida ser punida pela prática de um crime de fraude nem na sua forma simples do artigo 103º do RGIT, nem na sua forma qualificada do artigo 104º do RGIT.
A conduta da arguida é suscetível de preencher o crime de falsificação de documentos do artigo 256º, nº1, a), d) e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal, conforme foi comunicado nos termos do artigo 358º, nº1 e 3 do Código de Processo Penal.
Em primeiro lugar, cumpre verificar se é possível a punibilidade da conduta em tais termos.
Dispõe-se no artigo 10º do RGIT que “aos responsáveis pelas infrações previstas nesta lei são somente aplicáveis as sanções cominadas nas respetivas normas, desde que não tenham sido efetivamente cometidas infrações de outra natureza”.
A este propósito refere Germano Marques da Silva, in ob. cit., p. 49 que “o teor o RGIT carácter especial significa que, salvo expressa previsão da lei em contrário, às infrações das normas reguladoras da matéria tributária – prevista no artigo 1º do RGIT – são aplicáveis as normas do RGIT, aplicando-se subsidiariamente as normas do direito e processo penal comuns, nos termos do artigo 3º do RGIT e artigo 8º do Código Penal.”
Mais ensina que o referido preceito impõe a punição através das normas de direito penal tributário desde que não sejam cometidas infrações de natureza não tributária.
Assim, no caso concreto, entende-se que apesar da especialidade das normas penais tributárias, falecendo a punição a título do crime tributário deixa de ter aplicação a norma do artigo 87º, nº4 do RGIT nos termos da qual se proíbe , ao invés do que sucede no direito penal comum, a punição autónoma dos crimes subjacentes à prática do crime de burla tributária, mais comummente do crime de falsificação de documentos que assaz constitui um crime meio daquele crime fim.
Com efeito, apesar de se prever a punição dos factos a título de contra-ordenação, entende-se que não deve ficar sem censura a conduta penal que preencha a prática de um outro tipo de ilícito.
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06.12.2013, p. 257/07.6IDPRT.P1, in www.dgsi.pt, no qual se decidiu nos seguintes termos:
“I - Pelo «princípio da especialidade», o (facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora do) RGIT afasta a aplicação (do facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora) do Código Penal, assim subsumindo-se os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT via disso ocorrendo apenas concurso legal (aparente ou impuro) de mero concurso de normas com o crime (doloso) previsto no Código Penal cuja aplicação se concretiza:
II - Quando o RGIT exceciona a inaplicação do «princípio da consumpção», naquele caso subsumindo-se os factos provados aos crimes (dolosos) previstos no RGIT e no Código Penal (v.g. art. 87º n.º 4-II e 104-3-ll) ocorrendo concurso efetivo (verdadeiro ou puro) que importa quantificação da pena única com um critério mais ou menos benevolente conforme a medida da «sobreposição» dos desvalores ético-jurídicos violados ex vi os factos objetivos e subjetivos concretamente praticados, em vez de se subsumirem os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT (v.g. art. 87º n.º 4-I e 104º n.º 3-l);
III - Quando o RGIT determina a aplicação do «princípio da subsidiariedade», então subsumindo-se os factos provados ao crime (doloso) previsto no Código Penal (v.g. a «Associação Criminosa» in art. 299º) ou Legislação Extravagante (v.g. as «Organizações terroristas» in Lei n.º 52/2003 de 22/8) em vez do crime (doloso) previsto no RGIT (v.g. a «Associação Criminosa» in art. 89º).
IV - Estabelecidas as correlações abstratamente possíveis entre RGIT e Código Penal, a absolvição da pronunciada prática de um crime (doloso) de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos art. 103º n.º 1 al. a) e b), 2 e 3 e 104º n.º 2 do RGIT, não impede a condenação do arguido pela prática dos factos provados constitutivos de um crime (doloso) de falsificação documento, p.p. pelo art. 256º n.º 1 al. a) do Código Penal que se encontrava em concurso legal (aparente ou impuro) ou mero concurso de normas com aquele, mercê da cessação do «princípio da especialidade».”
Em sentido oposto, no entanto, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.01.2013, p. 4/10.5IDFAR.E1, in www.dgsi.pt.
Perfilhando o entendimento de que a absolvição pela prática de crimes fiscais permite a condenação pela prática de outro crime de direito penal comum, vejamos então do caso concreto.
Considerando os factos provados, resulta que a arguida AA, ao fabricar dois atestados multiusos, aproveitando documentos a que tinha acesso, e neles alterando os nome, o que integra a previsão normativa da alínea a), fazendo neles constar um facto jurídico relevante, em concreto um grau de incapacidade que concedia isenções ao nível do IUC e que fosse considerada uma base de tributação mais baixa, o que integra a previsão da alínea d), tendo apresentado tais documentos junto da Autoridade Tributária, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse para se valer dos mesmos quando deles necessitasse (cfr. factos provados sob o nº247, e), o que corresponde ao preenchimento da alínea f), preencheu com a sua conduta todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1 do Código Penal.
Sucede ainda que a factualidade descrita se subsume à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal. Com efeito, visto que os certificados multiusos são emitidos por autoridades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa padece de um certo grau de incapacidade permanente reconhecida por uma junta médica calculada com base na Tabela Nacional de Incapacidades. Tanto assim é, que, a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade e ter acesso a inúmeros benefícios fiscais, proteção social e ainda apoios a nível da saúde e formação previstos por lei, fornecidos pelo Estado ou entidades parceiras (cfr. Decreto-Lei n.º 202/96, de 23.10).
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação da arguida preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 6, desempenhando mais recentemente as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, o que implica a agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal.
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a forjar dois documentos, que estava a fazer constar dos mesmos factos que eram falsos, em concreto que a própria e o marido padeciam de uma incapacidade permanente com um grau igual e superior a 60%, que estava a apresentar tais documentos perante uma autoridade (AT), que os manteve na sua posse, que se tratava de um documento que gozava de uma especial força probatória por se tratar de um documento sujeito a um determinado modelo e que só pode ser emitido por um colégio médico reconhecido pelo Estado e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância de ter acesso a documentos daquele tipo por se incluir nas suas funções o atendimento a utentes da Unidade de Saúde Familiar, onde trabalhava, que eram portadores de tais documentos e que os exibiam para os devidos efeitos, o que quis, encontrando-se, desta feita, verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (cfr. factos provados sob os nºs 7 e 47 a 56).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao fabricar e fazer constar factos falsos em tais documentos, a arguida pretendia prejudicar o Estado, de molde a que este não arrecadasse as receitas que lhe eram devidas, causando-lhe nessa medida um prejuízo correspondente ao valor dos impostos que deixou de cobrar.
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (cfr. factos provados nº245).
Consequentemente deve a arguida ser condenado pela prática de um crime de falsificação de documento agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), e) e f, 3 e 4 do Código Penal.
Vejamos, agora, se a arguida deve ser punida pela prática de tantos crimes quanto o número de atestados multiusos.
Sobre a unidade ou pluralidade de infrações dispõe-se no art. 30º, nº1 do Código Penal que: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
Ensina Eduardo Correia (in A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 96 e ss.) que “A experiência e as leis da psicologia ensinam-nos que, em regra, se entre diversos atos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que porventura inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são já a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Daqui resulta então que se deve considerar existente uma pluralidade de resoluções sempre que se não verifique, entre as atividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal de vida e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respetivo processo de motivação."
No caso concreto, apesar de se verificar que a fabricação e apresentação dos dois atestados multiusos foi bastante dilatada no tempo (6 anos – cfr. factos provados sob os nºs 37 e 41), conclui-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de menor empobrecimento do património familiar por via do não pagamento de impostos -, dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos. Ainda que a apresentação do primeiro atestado multiusos seja bastante anterior à apresentação do segundo, constata-se que este foi apresentado para diminuir aquele empobrecimento de um único património, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos.
Pelo que, se entende que deve ser condenada pela prática de um único crime relativamente à falsificação dos atestados multiusos.
Por último, refira-se que a conduta da arguida é ainda suscetível de preencher uma ou várias contra-ordenações fiscais.
A este propósito estatui-se no artigo 118º do RGIT, com a epígrafe de “Falsificação, viciação e alteração de documentos fiscalmente relevantes”, que: “1 - Quem dolosamente falsificar, viciar, ocultar, destruir ou danificar elementos fiscalmente relevantes, quando não deva ser punido pelo crime de fraude fiscal, é punido com coima variável entre (euro) 750 e o triplo do imposto que deixou de ser liquidado, até (euro) 37.500. 2 - Quem utilizar, alterar ou viciar programas, dados ou suportes informáticos, necessários ao apuramento e fiscalização da situação tributária do contribuinte, com o objetivo de obter vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, é punido com coima variável entre (euro) 750 e o triplo do imposto que deixou de ser liquidado, até (euro) 37.500. 3 - No caso de não haver imposto a liquidar, os limites das coimas previstas nos números anteriores são reduzidos a metade.”
Estatui-se no artigo 20º do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações) que “Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, será o agente sempre punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.”
De igual forma, consagra-se no artigo 2º, nº3 do RGIT que se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação.
Ora, do cotejo entre os preceitos relativos à prática das contra-ordenações e do preceito criminal, infere-se que o bem jurídico protegido pelas normas contra-ordenacionais têm a sua génese no bem jurídico protegido pelo direito penal, embora neste último tal bem assuma uma importância mais vincada, que se repercute, necessariamente, no tipo de sanção em causa.
Aqui chegados, constatamos que, o artigo 29°, nº5 da Constituição República Portuguesa, norma que materializa o princípio do ne bis in idem, “apenas” proíbe que alguém seja julgado e, portanto, condenado, mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
Por seu turno, no citado artigo 20° do Regime Geral das Contra-Ordenações e no artigo 3º, nº2 do RGIT consagra-se a desnecessidade de uma dupla intervenção do Estado na esfera jurídica privada, censurando criminalmente e advertindo, quando a sanção penal, atento o seu grau e as suas finalidades, é suscetível de absorver as finalidades da sanção contra-ordenacional, não exigindo a tutela dos bens jurídicos protegidos a cumulação das punições.
Quer dizer, e em síntese, a norma penal consome a proteção que a norma contra-ordenacional visa alcançar.
Apesar de não se tratar de uma concorrência entre crimes fiscais e contra-ordenações fiscais, mas entre crimes comuns e contra-ordenações fiscais, tal como sucede com outro tipo de ilícitos de mera ordenação social, nada obsta a que faça tal raciocínio.
No caso dos autos, apesar da diferente proteção jurídica visada por cada um dos preceitos, ali a segurança do tráfico jurídico, aqui os valores da verdade e da transparência para o Estado Fisco, tendo em vista a obtenção das receitas fiscais, considerando o princípio contido no artigo 89º do RGIT, de acordo com o qual, em princípio, à conduta deve ser aplicada a pena/sanção mais grave que couber nos termos de outra lei penal, conclui-se que a arguida deverá apenas ser punida pela prática do(s) crime(s) e já não pela prática da(s) contra-ordenação(ões) do artigo 118º do RGIT na medida em que a punição pelo prejuízo causado ao Estado mediante a apresentação de um documento falso já se encontra ali contida.
Pelo que, a conduta da arguida AA relativamente aos atestados multiusos apenas será punida a título de crime de falsificação de documentos.
(pontos 3 e 4) do dispositivo da pronúncia - dois crimes de burla tributária à Segurança Social – factos provados sob os nºs 57 a 88)
Vem a arguida pronunciada pela prática de dois crimes de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nº1 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária e dos atestados multiusos junto da Segurança Social, uns em seu nome e outros em nome do marido desta à data, BB.
Em primeiro lugar, cumpre referir que se nos afigura que a menção dos atestados multiusos para este efeito decorre de lapso na medida em que nada foi alegado a este propósito, i. e., que a arguida tenha utilizado estes documentos para tentar obter qualquer vantagem patrimonial junto da Segurança Social.
No caso dos autos decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida apresentou sucessivamente diversos certificados de incapacidade temporária para o trabalho em seu nome e em nome do seu marido, os quais fabricou, uns manualmente através do preenchimento de certificados de incapacidade, falsificando assinaturas de médicos e utilizando as respetivas vinhetas, outros eletronicamente através do acesso à plataforma de emissão de certificados de incapacidade através das palavras passe dos médicos que conhecia, tendo em vista o recebimento do respetivo subsídio por doença, apesar de se encontrar a trabalhar na Unidade de Saúde Familiar e do seu marido se encontrar a laboral e de não se encontrarem doentes, assim beneficiando de quantias para si e para o seu agregado familiar a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 57 a 68 e 71 a 78, 81 e 88).
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que a arguida ao apresentar os referidos certificados de incapacidade estava a enganar a Segurança Social, conseguindo que esta lhe atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o seu enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, nomeadamente a quantia total de €3.958,50 relativamente aos CITs apresentados em seu nome e a quantia total de €23.325,31 relativamente aos CITs apresentados em nome do seu marido.
Ficou igualmente assente que a arguida sabia que estava a beneficiar de um subsídio a que não tinha direito uma vez que ambos os elementos do casal estavam a trabalhar, não estavam doentes e a receber os respetivos salários, enriquecendo o seu património e do seu agregado familiar à custa da Segurança Social, o que quis (cfr. factos provados sob os nºs 69, 70, 79, 80, 82, 84 e 85).
Agiu, pois, com dolo direto, verificando-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Estando demonstrado que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tem de concluir-se que atuou com culpa (cfr. factos provados sob o nº 245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que a arguida atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos atestados emitidos em cada um dos nomes (da arguida e do marido) (cfr. factos provados sob os nºs 86 e 87).
Com efeito, apesar de se verificar que entre o início da apresentação dos documentos falsos em nome do ex-marido da arguida e o início da apresentação de documentos falsos em nome desta ser distar um largo período de tempo (5 anos), conclui-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de aumentar o património familiar por via da obtenção de vantagens indevidas (subsídios de doença), dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos. Assim, apesar de tal dilação, constata-se que os certificados em nome da arguida foram apresentados para continuar a aumentar o mesmo património familiar, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos.
Pelo que, se entende que deve ser condenada pela prática de um único crime relativamente à apresentação certificados de incapacidade temporária apresentados em nome do seu ex-marido e em seu nome.
Ou seja, deverá ser condenada pela prática de um crime de burla tributária.
No entanto, apesar de vir imputada à arguida a prática de dois crimes de burla tributária à Segurança Social simples do artigo 87º, nº1 do RGIT, face aos valores em causa há que apurar se tal imputação é acertada.
Neste conspecto cumpre referir que considerando que o valor global dos subsídios de doença recebidos de 27.283,81€ (€3.958,50+€23.325,31) convocam a aplicação da moldura hiperqualificada (nº3), deve a arguida ser punida em conformidade, ou seja, pela prática de um crime de burla tributária agravada do artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT.
(ponto 5) do dispositivo da pronúncia - um crime de burla tributária à Segurança Social em coautoria com o arguido DD – factos provados sob os nºs 193 a 217)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nº1 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária apresentados junto da Segurança Social em nome do DD.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida elaborou quatro certificados de incapacidade temporária em nome do coarguido DD, por solicitação deste, uns manualmente através do preenchimento de certificados de incapacidade, falsificando assinaturas de médicos e utilizando as respetivas vinhetas, outros eletronicamente através do acesso à plataforma de emissão de certificados de incapacidade através das palavras passe dos médicos que conhecia, e solicitou a emissão de outros dois a uma médica sem que esta tivesse previamente realizado qualquer consulta, os quais foram apresentados junto da Segurança Social por via eletrónica e por correio, tendo em vista o recebimento dos respetivos subsídios por doença, no valor de 421,03€, como sucedeu, apesar do coarguido DD não se encontrar doente, assim beneficiando de quantias para o seu agregado familiar a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 193 a 200).
Mais ficou provado que o coarguido DD solicitou a emissão de um certificado em nome de uma amiga – HH – à arguida AA, tendo esta procedido à sua fabricação e envio para a referida pessoa, nele fazendo constar que se encontrava doente, apesar de nunca ter sido consultada por qualquer médico, o qual foi apresentado junto da Segurança Social mas que não deu origem a qualquer pagamento por não estarem reunidas as condições para aquela beneficiar de qualquer subsídio (cfr. factos provados nºs 201 a 204).
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que a arguida ao fabricar, apresentar e enviar os referidos certificados de incapacidade atuou com o intuito de enganar a Segurança Social, conseguindo que esta atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, do seu agregado familiar, nomeadamente a quantia total de €421,03 relativamente aos CITs apresentados em nome do seu filho e para HH, o que não veio a conseguir por razões que lhe foram alheias.
Sucede, no entanto, que nada foi alegado relativamente à arguida AA quanto ao seu conhecimento e vontade de que o filho não tinha qualquer direito a receber o subsídio social proveniente da Segurança Social por alegada doença e que em consequência do seu comportamento iria levar a Segurança Social a entregar-lhe quantias em dinheiro, assim conseguindo apoderar-se das mesmas e integrá-las no seu património.
Ora, a falta dos referidos elementos subjetivos implica a conclusão de não se encontrarem preenchido o tipo legal de que a arguida vinha acusada, não podendo, a mesma ser suprida em sede de audiência de julgamento.
Com efeito, de acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº1/2015, in DR, série I, de 27/01/2015, “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal”.
Na verdade, atento o princípio da independência dos Tribunais e a estrutura acusatória do processo penal, enquanto garantia constitucional de defesa do arguido, tem-se entendido que tais mecanismos processuais são inidóneos para colmatar tais deficiências.
Como o referiu no Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 358/04, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040358.html, “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerente a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução. Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º3 do art.º 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre (…) de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória”.
Daqui resulta, perante esta estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5 da CRP), os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objeto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação.
Ao contrário do antigo instituto dos Assentos, que se caracterizava pela sua obrigatoriedade para a generalidade dos Tribunais e cuja compatibilidade com o princípio constitucional da vinculação exclusiva destes à lei veio culminar na consideração daqueles como inconstitucionais, os Acórdãos de fixação de jurisprudência revestem uma força vinculativa tendencial, ou seja, os Tribunais podem divergir da orientação neles consagrada, mas, fazendo-o, ficam sujeitos a um especial dever de justificar a divergência.
Assim, sob pena de frustração do propósito unificador da instituição de tais Acórdãos de uniformização de jurisprudência e da criação de desigualdades entre julgamentos de casos semelhantes, entende-se que os Tribunais só devem afastar-se da doutrina acolhida por essas decisões perante razões ponderosas, como seja, por exemplo, a convicção de que orientação jurisprudencial preferida pelo STJ é manifestamente incompatível com algum princípio jurídico basilar, geralmente aceite, ou violadora de normas constitucionais expressas ou por entretanto, a jurisprudência dos tribunais superiores terem começado a alterar o seu entendimento.
Refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.03.2016, p. 2572/10.2TALRA.C2, in www.dgsi.pt, que:
“Embora nos pareça, tal como se afirma no primeiro voto de vencido ao Acórdão Uniformizador, que a jurisprudência fixada, com a implícita absolvição que pressupõe, alarga o campo da impunidade e cria uma manifesta desproporção entre o vício detetado – a deficiente definição do tipo subjetivo de ilícito – e a sua consequência – a dita absolvição – estes argumentos, não são, todavia, novos em relação à ponderação feita no Acórdão, e não existe, atenta até a recente prolação deste, corrente doutrinária ou jurisprudencial suscetível de alterar a ponderação efetuada. Por estas razões, dela não nos permite a lei divergir (cfr. art. 445º, nº 3 do C. Processo Penal).”
Não se verificando igualmente no caso que a jurisprudência tenha sido alterada, nem que exista nova corrente doutrinária que aponte diferentes fundamentos para divergir da jurisprudência fixada, impõe-se, pois, o seu cumprimento, no caso dos autos.
É que, como resulta da noção dada pelo art. 1º, nº1, a) do Código Penal, “crime” é “o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais”.
Assim, não podendo a omissão de qualquer dos elementos que importam à incriminação na acusação ser suprida em sede de julgamento, a mesma importa necessariamente a absolvição da arguida da prática do crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, em coautoria com o arguido DD, por não se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a sua verificação.
Conclusão idêntica tem de ser retirada relativamente aos demais crimes de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT imputados à arguida AA em coautoria com os arguidos EE, FF, JJ, GG e KK.
Com efeito, pese embora, tais imputações não estejam elencadas na alínea A do dispositivo do despacho de pronúncia, encontram-se expressas nas restantes alíneas na medida em que ali se imputa a prática de tais crimes àqueles arguidos em coautoria com a arguida AA.
Pelo que, deverá a arguida ser absolvida da prática de seis crimes de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT.
(ponto 6) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (CITs remetidos para a Segurança Social de todos os arguidos) – factos provados sob os nºs 7 a 10, 128 a 236)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, a), c), d), e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal por referências aos CITs remetidos para a Segurança Social de todos os arguidos.
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação juntos das respetivas entidades patronais e/ou da Segurança Social, tendo em vista justificar faltas e obter subsídios de doença indevidos, a arguida AA fabricou um elevado número de – 122 – certificados de incapacidade temporária, em seu nome (25), em nome do seu ex-marido (77), do arguido DD (4), CC (1), EE (4), JJ (1), GG (2), KK (1), de II (6) e de HH (1), aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, o que integra a previsão normativa da alínea a), ou acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, o que corresponde à previsão da alínea c), fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que as pessoas ali mencionadas se encontravam doentes ou a prestar assistência a filho doente (caso dos arguidos FF e JJ), o que integra a previsão da alínea d), tendo tais documentos sido apresentados, por si ou pelos arguidos, em comunhão de esforços e vontades, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse e facultando aqueles que tinham sido solicitados pelos coarguidos a estes, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, a), c), d) e) e f) do Código Penal (cfr. factos provados sob os nºs 128 a 131, 155 a 157, 171 a 178, 193 a 204 e 218 a 226).
Por outro lado, resultou ainda provado que a arguida solicitou a uma médica – Dr.ª QQ – a emissão de dois certificados de incapacidade temporária em nome do co-arguido DD (factos provados sob o nº194, a. e d.), o que conseguiu, neles se fazendo constar que o mesmo se encontra incapacitado para trabalhar por motivo de doença, o que era falso, tendo tais documentos sido apresentado junto da Segurança Social e detendo tais documentos, donde resulta o preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do artigo 256º, nº1, d), e) e f) do Código Penal.
Decorre também do acervo da matéria de facto dada como provada que a arguida AA fabricou, além de um certificado de incapacidade temporário, um atestado médico e uma declaração de presença, em nome do co-arguido CC aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, o que integra a previsão normativa da alínea a), através da aposição da assinatura destes, o que corresponde à previsão da alínea c), fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que aquele arguido se encontrava doente, o que integra a previsão da alínea d), tendo tais documentos sido apresentados pelo arguido junto da sua entidade patronal, o que preenche a alínea e) e facultando tais documentos, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, a), c), d) e) e f) do Código Penal (factos provados sob os nºs 132 a 146).
Sucede ainda que a factualidade descrita se subsume à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal. Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária, o atestado médico e as declarações de presença são emitidos por autoridades de saúde pública e entidades públicas respetivamente, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa padece de um certo grau de incapacidade permanente reconhecida por uma junta médica calculada com base na Tabela Nacional de Incapacidades ou que se encontra doente ou que esteve presente em USF de forma a justificar uma falta. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade e eventualmente a justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação da arguida preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 6, desempenhando mais recentemente as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, o que implica a agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal.
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a forjar documentos, que estava a fazer constar dos mesmos factos que eram falsos, em concreto que as pessoas mencionadas em tais documentos padeciam de uma doença e se encontravam incapacitadas para o trabalho ou estava a prestar assistência a filho doente (caso do arguido JJ), que estava a apresentar ou que tais documentos iam ser apresentados perante uma entidade estatal (Segurança Social) ou perante entidade patronais, que os manteve na sua posse ou os facultou aos demais coarguidos, que se tratavam de documentos que gozam de uma especial força probatória por se tratar de um documento sujeito a um determinado modelo e que só pode ser emitido por determinadas entidades e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância de ter acesso a documentos daquele tipo ou ao ilegitimamente a sistema informático que os gera por exercer funções em Unidade de Saúde Familiar, onde trabalhava, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados sob os nºs 148 a 152, 159 a 165, 182 a 187, 206 a 212, 228 a 230 e 232 a 234).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao fabricar e fazer constar factos falsos em tais documentos, a arguida pretendia beneficiar os coarguidos, de molde a que a Segurança Social concedesse subsídios de doença que não eram devidos, ou entidades patronais que se viam privadas da prestação dos seus trabalhadores tendo de lhes justificar as faltas, apesar de não existir motivo justificativo (doença), causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor dos subsídios atribuídos e ao valor do salário pelo trabalho que deixou de receber.
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (cfr. factos provados sob o nº245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Vejamos, agora, se a arguida deve ser punida pela prática de um único crime.
Reiterando as considerações tecidas supra a propósito da unidade ou pluralidade de infrações, verificando-se que apesar da fabricação e apresentação dos documentos foi bastante espaçada no tempo relativamente a cada um dos coarguidos, decorre do contexto em que os factos ocorreram que a arguida atuava animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazia quaisquer consequências, ao abrigo de uma única resolução criminosa, de agradar aos outros, movida pelo acesso fácil aos documentos e sistema informático necessários para o efeito, dentro de uma atuação homogénea, praticados atos idênticos, praticando-os quase de forma automática e mecanizada (cfr. factos provados sob os nºs 241 a 244).
Pelo que, se entende que deve ser condenada pela prática de um único crime relativamente à falsificação dos certificados de incapacidade temporária apresentados em nome de todos os arguidos.
Relativamente à relação entre o crime falsificação dos certificados de incapacidade temporária emitidos em nome da arguida e do seu ex-marido apresentados junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, há que considerar que sendo a arguida punida a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, se aplica o disposto no nº4 deste preceito. Ou seja, considerando que a pena aplicável ao crime de falsificação agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (1 a 5 anos de prisão) é menor do que a prevista no tipo do burla tributária do artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT ((2 a 8 anos de prisão) não pode a falsificação de tais documentos ser considerada.
Pelo que, deve a arguida ser condenada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal apenas relativamente ao CITs emitidos em nome de DD, HH, CC, EE, II, JJ, GG e KK.
(ponto 7) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (declarações médicas, notas de alta e CITs usados nas Seguradoras – factos provados sob os nºs 89 a 127)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, a), c), d), e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal por referências às declarações médicas, notas de alta e CITs usados nas Seguradoras.
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para apresentação junto das seguradoras A... e J... com as quais havia celebrado contratos de seguro tendo em vista acionar os mesmos, a arguida AA fabricou inúmeros certificados de incapacidade temporária, declarações de internamento, relatórios médicos, notas de alta, declarações médicas, em seu nome e em nome do seu ex-marido, aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, o que integra a previsão normativa da alínea a), através da aposição da assinatura de médicos, o que corresponde à previsão da alínea c), fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que as pessoas ali mencionadas se encontravam doentes e tinham sofrido acidentes, o que integra a previsão da alínea d), tendo tais documentos sido apresentados, por si às referidas seguradoras, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, a), c), d) e) e f) do Código Penal (factos provados sob os nºs 89 a 93, 95 a 106 e 109 a 124).
Sucede ainda que a factualidade descrita se subsume à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal. Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária, as declarações médicas e as notas de alta por autoridades de saúde pública e entidades médicas, respetivamente, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa sofreu lesões físicas na sequência de um acidente, que foi sujeita a tratamento médico e a internamento hospitalar.
Tanto assim é, que, tais documentos serem verdadeiros para comprovar tais factos, nomeadamente a declarada incapacidade e fundamentar a atribuição de valores cobertos pelas apólices de seguro.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação da arguida preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 6, desempenhando mais recentemente as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, o que implica a agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal.
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a forjar documentos, que estava a fazer constar dos mesmos factos que eram falsos, em concreto que as pessoas mencionadas em tais documentos tinham sofridos lesões na sequência de acidentes e se encontravam incapacitadas para o trabalho, que estava a apresentar tais documentos perante seguradoras para efeitos de acionamento das coberturas das apólices dos seguros que tinha contratado, que os manteve na sua posse, que se tratavam de documentos que gozam de uma especial força probatória por se tratar de um documentos sujeitos a um determinado modelo e que só podem ser emitido por determinadas entidades e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância de ter acesso a documentos daquele tipo ou ao ilegitimamente a sistema informático que os gera por exercer funções em Unidade de Saúde Familiar, onde trabalhava, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados nºs 107, 108 e 125 a 126).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao fabricar e fazer constar factos falsos em tais documentos, a arguida agiu com o propósito de acionar os seguros de saúde e vida em seu nome e em nome do seu marido e, dessa forma obter para si e para a economia do casal, valores indevidos à custa das seguradoras, causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor dos prémios pagos (cfr. factos provados sob os nº 94 e 127).
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (factos provados sob o nº 245).
Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Vejamos, agora, se a arguida deve ser punida pela prática de um único crime.
Reiterando as considerações tecidas supra a propósito da unidade ou pluralidade de infrações, verificando-se que apesar da fabricação e apresentação dos documentos ter sido dirigida a entidades diferentes e ter dado origem a processos distintos, 11 junto da J... e 9 junto da A..., conclui-se que a arguida a atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime (factos provados nºs 241 a 244) .
Com efeito, apesar de se verificar que a apresentação dos documentos falsos quer em nome do ex-marido da arguida, quer em nome desta e perante duas entidades distintas, constata-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de aumentar o património familiar por via da obtenção de vantagens indevidas (prémios de seguro) -, dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos.
Aliás, conforme resultou provado a arguida ia alternando a participação dos sinistros em seu nome e em nome do seu ex-marido até que cada um atingisse o “plafond” máximo do prémio de seguro (a partir do qual não eram pagos mais montantes) (cfr. factos provados sob o nº120).
Tais documentos foram sendo apresentados ao longo do tempo perante entidades diversas, mas que concediam o mesmo tipo de atribuições patrimoniais (prémios de seguro) para continuar a aumentar o mesmo património familiar, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos.
Pelo que, se entende que os factos se subsumem à prática de um único crime relativamente à falsificação de documentos e sua utilização junto das seguradoras.
Em suma, entende-se que a arguida deve ser condenada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravados do artigo 256º, nºs 1, a), c), d) e e) e f, 3 e 4 do Código Penal.
(ponto 8) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsidade informática agravado ( CITs de todos os arguidos e isenção de taxas moderadoras) – factos provados nºs 7, 8, 9, 11 a 35, 128, 130, 131, 132, 133, 149, 150, 151, 155, 161, 163, 164, 165, 172, 173, 183, 185, 187, 194, 201,208, 210, 211, 212, 220, 221, 222, 230, 232 e 234 )
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nº1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09 por referência aos CITs de todos os arguidos e isenção de taxas moderadoras.
Examinados os factos provados, resulta que a arguida acedeu a diferentes plataformas informáticas do sistema nacional de saúde e ali acionou os campos destinados a “isenção de taxa moderadora” em seu nome, em nome do seu marido e em nome do seu filho, fazendo ainda constar para o efeito que eram dadores de sangue, o que era falso, de forma a estarem em condições de ficarem isentos do pagamento das referidas taxas.
Mais resultou provado que, em diversas ocasiões, a arguida por conhecer as credenciais de acesso ao sistema do Serviço Nacional de Saúde atribuídas aos médicos daquela unidade de saúde e porque estes deixassem os seus computadores ligados juntamente com os respetivos cartões de acesso, a arguida AA, acedeu, por diversas vezes, ao respetivo sistema, como se se tratasse do respetivo médico competente, usando as credenciais pessoais e intransmissíveis de acesso ao SNS e fabricou os certificados de incapacidade temporária descriminados nos factos provados, produzindo em sistema informático documentos juridicamente relevantes e que foram usados e assim considerados pelo sistema de saúde e pela Segurança Social (factos provados nºs 11 a 16 20 a 25, 29 a 33, 128, 130, 131, 132, 133, 155, 172, 173, 194, 201, 208, 220, 221 e 222).
Face ao que, resulta o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de falsidade informática do artigo 3º, nº1 da Lei nº109/2009, de 15.09.
Exercendo as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 7, desempenhando mais recentemente as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., e abusando das mesmas para praticar aceder ao sistema informático do sistema de saúde, verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, o que implica a agravação da moldura aplicável ao crime prevista no nº5 do artigo 3º da Lei nº109/2009.
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que fê-lo também ciente que produzia documentos falsos, que acedia, de forma indevida e não consentida ao sistema informático com uso das credenciais de acesso de terceiro e, nele, produzia, como produziu, dados informáticos falsos como se fossem verdadeiro e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância de ter acesso ilegitimamente a sistema informático que os gera por exercer funções em Unidade de Saúde Familiar, onde trabalhava, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados 17 a 19, 26 a 28, 34, 35, 149, 150, 151, 161, 163, 164, 165, 183, 185, 187, 210, 211, 212, 230, 232 e 234).
De acordo ainda com os tais factos provados resulta que, ao introduzir elementos falsos no referido sistema, a arguida agiu com o propósito de produzir documentos falsos. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Vejamos, agora, se a arguida deve ser punida pela prática de um único crime.
Reiterando as considerações tecidas supra a propósito da unidade ou pluralidade de infrações, verificando-se que, apesar da arguida AA ter alterado falsamente por diversas vezes dados informáticos, as suas condutas apresentam homogeneidade da forma de atuação, proximidade temporal, apesar de praticadas durante um largo período temporal (desde 2008 a 2021), sendo umas decorrentes das outras, e unidade de continuação de vontades, dentro de uma linha de continuidade psíquica, ou numa linha psicológica continuada, tem de concluir-se que atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa (factos provados sob os nºs 241 a 244).
Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá, em consequência, nada obsta que seja condenada pela prática do crime em apreço.
Pelo que, deve a arguida deve ser condenada pela prática de um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nº1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09.
(ponto 9) do dispositivo da pronúncia - um crime de acesso ilegítimo (atestados informatizados em nome de todos os arguidos) factos provados nºs 7, 8, 9, 128, 130, 131, 132, 133, 149, 150, 151, 155, 161, 163, 164, 165, 172, 173, 183, 185, 187, 194, 201,208, 210, 211, 212, 220, 221, 222, 230, 232 e 234 ))
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime acesso ilegítimo do artigo 6º, nºs 1 e 4, a) da Lei nº109/2009, de 15.09 por referência aos CITs de todos os arguidos.
Concatenados os factos provados, resulta que a arguida acedeu à plataforma do sistema nacional de saúde que gera os certificados de incapacidade temporária, em diversas ocasiões, aos quais apenas são acessíveis a médicos, profissão que a arguida não tem, ou seja, sem que estivesse autorizada para o efeito.
Face ao que, resulta o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de acesso ilegítimo do artigo 6º, nº1 da Lei nº109/2009, de 15.09.
Mais ficou demonstrado que a arguida somente conseguiu aceder ao referido sistema por ter passado a conhecer, de forma não concretamente apurada, as credenciais de acesso ao sistema do Serviço Nacional de Saúde atribuídas aos médicos daquela unidade de saúde e porque estes deixassem os seus computadores ligados juntamente com os respetivos cartões de acesso, ou seja, através da violação de regras de segurança (utilizando palavras passe que não eram suas e que eram destinadas a proteger o acesso ao sistema apenas por aqueles que estavam autorizados), encontrando-se também preenchidos os elementos subjetivos do tipo.
Sabia ser tal comportamento proibida e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede, todavia, que se dispõe no nº7 do artigo 6º da Lei nº109/2009 que nos casos previstos nos n.ºs 1, 4 e 6 o procedimento penal depende de queixa.
Percorridos os autos, não se verifica que tem sido exercido tal direito nem pelo detentor do sistema nem pelos médicos cujas palavras passe foram utilizadas.
Assim, verificando-se que não foram apresentadas as queixas pelos respetivos titulares contra o arguido, não podem os autos prosseguir, nesta parte, por falta de legitimidade do Ministério Público nos termos do artigo 49º do Código de Processo Penal.
Acresce que, tendo já decorrido o prazo legal de 6 meses para apresentação da respetiva queixa nos termos do artigo 115º do Código Penal, verifica-se que qualquer diligência no sentido de as recolher se revelaria inútil por tal direito já se encontrar extinto.
Pelo que, por falta de legitimidade do Ministério Público para promover o processo por falta de apresentação das respetivas queixas, nos termos do artigo 49º do Código de Processo Penal, deve ser declarado extinto o procedimento criminal contra a arguida pela prática do crime de acesso ilegítimo.
(ponto 10) do dispositivo da pronúncia – cinco crimes de abuso de poder (atestados solicitados pelos arguidos CC, DD, EE, FF, e GG) – factos provados sob os nºs 148, 151, 152, 159, 161, 163, 164, 165, 180, 185, 186, 187, 206, 210, 211, 212, 228, 232, 233, 234).
Vem a arguida pronunciada pela prática de cinco crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal por referência atestados solicitados pelos arguidos CC, DD, EE, FF, e GG.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, pelo menos desde o ano de 2019 que a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde (cfr. factos provados sob o nº 128).
Ficou ainda provado que o fez a solicitação dos coarguidos, pessoas das suas relações de amizade, da sua confiança ou familiares, que lhe solicitam tais atestados para os apresentar nos mais variados locais e para os mais diversos fins, atuando contra os seus deveres funcionais, elaborando e entregando àqueles os supra descritos documentos (factos provados sob os nºs 148, 159, 180, 206 e 228).
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois, que é evidente que a arguida AA não sendo médica não podia passar qualquer atestado ou certificado médico e que ao fazê-lo abusava das suas funções e violava os deveres de zelo que sobre si impendem.
Por outro lado, também ficou demonstrado que a arguida AA estava ciente das responsabilidades e deveres funcionais que resultavam do exercício de poderes conferidos pelo Estado, na qualidade de funcionária administrativa de um Centro de Saúde, sabia que a emissão de atestados médicos apenas está legalmente conferida a médicos e que estes estavam obrigados a cumprir escrupulosamente as regras relativas à emissão dos mesmos, mais sabendo que não compete a um qualquer administrativo público a emissão de tais documentos.
Apesar disso, atuou da forma supra descrita, praticando acto para o qual o Estado não a tinha mandatado, usurpando os deveres inerentes aos clínicos, beneficiando os coarguidos, com o exclusivo propósito de utilizar os seus conhecimentos decorrentes do cargo de funcionária pública para satisfazer os interesses dos coarguido em causa, actos que sabia contrários à lei e aos deveres funcionais profissionais (factos provados sob os nºs 151, 152, 161, 163, 164, 165, 185, 186, 187, 210, 211, 212, 232, 233, 234).
Verifica-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
De acordo ainda com os referidos factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atuou, a arguida agiu com o propósito de beneficiar os coarguidos, quer através a obtenção de subsídios de doença, quer através da justificação de faltas ao trabalho, por via da apresentação dos documentos que havia emitido abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (factos provados sob o nº245).
Sucede que, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal – a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, se verifica entende que se verifica um concurso aparente de crimes.
Senão vejamos.
O concurso aparente de infrações pressupõe que sobre a mesma situação possa convergir mais do que uma norma, verificando-se entre elas uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consumpção: uma delas prevalecerá então sobre a outra (ou sobre as outras) e exclui-la-á (ou exclui-las-á).
Denomina-se “subsidiariedade expressa” à categoria que engloba casos de “concurso aparente” criados pelo próprio legislador. Nesta perspetiva, nasce uma relação de “subsidiariedade expressa” entre normas sempre que a lei, depois de definir a moldura penal correspondente a uma conduta típica, acrescenta a locução “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição”.
Nestas hipóteses aplica-se aquela norma incriminadora e a sua respetiva sanção quando à conduta do agente não corresponder incriminação mais gravosa.
Na maioria dos casos, a lei não indica qual é a “outra disposição legal”, sabendo-se apenas que há-de prever uma consequência jurídica mais grave.
Como refere Cristina Líbano Monteiro (in “Do concurso de crimes ao «concurso de ilícitos» em direito penal”, p. 337, in https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/23755/7/Do%20concurso%20de%20crime s%20ao%20concurso%20de%20il%C3%ADcitos%20em%20direito%20penal.pdf) “E pode acontecer que exista um número plural dessas disposições. E que prevejam, como é natural, molduras penais muito diferentes entre si, ainda que todas de severidade acrescida. Da perspectiva da valoração jurídico-penal, a conduta a que corresponde sanção mais pesada pode - assim parece, de acordo com o que vem de dizer-se - constituir crime que nada tenha em comum com o previsto na norma dita subsidiária; i.e., que não represente infracção da mesma espécie, ofensiva do mesmo ou de similar bem jurídico. E daí surge a questão porventura mais relevante e pertinente neste domínio, qual seja a de saber se a «cláusula de subsidiariedade» retira autonomia, sem mais, ao tipo em que está incluída ou se tal eficácia deve submeter-se a considerações de índole material.”
Segue a Autora dizendo:
“Em suma: de acordo com a perspectiva adoptada, a «cláusula» que se analisa não determina resultados de unidade ou de pluralidade de ilícitos, de concurso ‘aparente’ ou real. Limita-se a confortar o caminho sempre percorrido — de considerar as coisas na sua materialidade desvaliosa — que levará, consoante o caso, à afirmação de um só ou, pelo contrário, de mais do que um sentido antijurídico. Uma vez transposto o raciocínio, do plano formal onde alguns o colocam, para o âmbito dos conteúdos ou sentidos de antinormatividade, nada garante que o tipo dito «subsidiário» seja sempre preterido: pode até acontecer que deva acumular-se com a norma incriminadora mais gravosa. Afinal, se uma moldura penal mais pesada constituísse critério bastante para preterir o tipo que ostenta uma moldura inferior - à excepção, claro está, das hipóteses de privilegiamento -, porquê não utilizar essa medida sempre, i.e., para todos os casos de dúvida concursal? Terá o legislador um tal domínio sobre as normas subsidiárias que criou e sobre os preceitos que em geral prevaleçam sobre elas, que lhe permita garantir o absoluto acerto da solução consagrada? Por diferentes palavras: implícita à orientação proposta está uma interpretação material da própria «cláusula de reserva». Não se trata de verificar quantas normas ‘preenche’ o comportamento do agente, a quantos tipos se subsume, em quantos preceitos ‘cabe’; para depois aplicar a pena mais grave das encontradas. Importa sim perceber qual o tipo que melhor capta o conteúdo de ilícito do caso. E, ainda, se a sua efectiva aplicação satisfaz as necessidades preventivas criadas pela conduta antijurídica. O que mais não representa do que a aplicação ao problema da subsidiariedade (expressa) geral do critério que resolve - de acordo com a tese aqui proposta - o problema do concurso, quer dizer, a tarefa de individuação do número e da natureza dos ilícitos penais presentes na actuação de alguém.
Em definitivo: na perspectiva do presente estudo, a «cláusula de subsidiariedade» sobra. Sem ela, a questão concursal resolver-se-ia da mesmíssima forma.”
Revertendo ao caso dos autos, entende-se que por via da agravação da falsificação de documento feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º do Código Penal tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas os crimes de falsificação de documentos agravados.
Deve, em consequência, ser a arguida absolvida da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha acusada.
(ponto 11) do dispositivo da pronúncia – um crime de burla qualificada (seguradoras) – factos provados nºs 89 a 127)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de burla qualificada dos artigos 217º e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Pena por referência às seguradoras.
Previamente, diga-se que apesar da referência se encontrar no plural, dos factos alinhados no despacho de pronúncia somente resulta a imputação de tal crime relativamente a uma das seguradoras.
Com efeito, resulta dos factos provados que a arguida AA, mediante a apresentação junto da seguradora A... com a qual havia celebrado contratos de seguro, de documentos que fabricou (certificados de incapacidade temporária, declarações de internamento, relatórios médicos, notas de alta, declarações médicas), em seu nome e em nome do seu ex-marido, de forma a suportar os processos de sinistro que iniciou, por esta os ter julgado verdadeiros, levou a que esta procedesse ao pagamento dos prédios de seguro no valor global de 27.728,99€ relativo aos alegados sinistros de BB e no valor global de 24.631,56 relativos aos sinistros em nome da arguida AA, provocando-lhe um prejuízo em igual valor (factos provados sob os nºs 89 a 96 e 109 a 124).
Resulta, pois, o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 217º, nº1 do Código Penal.
Com efeito, verifica-se a indução astuciosa em erro do ofendido – por via da entrega de documentos médicos que atestam a ocorrência de lesões físicas na sequência de acidentes aparentemente verdadeiros, mas que foram falsificados pela arguida – e a prática de atos por este, determinados por esse engano – pagamento dos prémios em virtude dos sinistros – e o prejuízo – correspondente ao valor dos prémios pagos.
Ascendendo o prejuízo provocado a valor superior à noção de valor consideravelmente elevado – de €20.400,00 – encontra-se ainda preenchida a agravação do artigo 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Penal.
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que previu e quis ludibriar a Companhia de Seguros A... quanto à existência dos sobreditos sinistros, o que fez com o intuito concretizado de se locupletar com, pelo menos, a quantia total de €52.360,55, bem sabendo que tal montante não lhe era devido, nem a BB, e que causava um prejuízo patrimonial à companhia de seguros de montante correspondente (cfr. factos provados nºs 125 a 127).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que a arguida agiu com o propósito de acionar os seguros de saúde e vida em seu nome e em nome do seu marido e, dessa forma obter para si e para a economia do casal, valores indevidos à custa da seguradora (factos provados sob o nº127).
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de burla previsto no art. 217º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Relativamente ao concurso efetivo entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla louvamo-nos no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 10/2013, de 10.07, in Diário da República nº131/2013, Série I de 2013-07-10, páginas 4015 – 4034 que uniformizou o seguinte entendimento:
“A alteração introduzida pela Lei 59/2007 no tipo legal do crime de falsificação previsto no artigo 256 do Código Penal, estabelecendo um elemento subjetivo especial, não afeta a jurisprudência fixada nos acórdãos de fixação de jurisprudência de 19 de Fevereiro de 1992 e 8/2000 de 4 de Maio de 2000 e, nomeadamente, a interpretação neles constante de que, no caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256º, nº 1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, do mesmo Código, se verifica um concurso real ou efetivo de crimes.”
Deve, pois, a arguida deve ser punida pela prática do crime de que vinha pronunciada, além do crime de falsificação agravado nos termos supra referidos.
B - Do arguido DD
(pontos 1) do dispositivo da pronúncia – um crime de burla tributária à Segurança Social em coautoria com a arguida AA – factos provados sob os nºs 193 a 217)
Vem o arguido pronunciada pela prática de um crime de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nº1 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária apresentados junto da Segurança Social em seu nome.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida AA elaborou quatro certificados de incapacidade temporária em nome do coarguido DD, por solicitação deste, uns manualmente através do preenchimento de certificados de incapacidade, falsificando assinaturas de médicos e utilizando as respetivas vinhetas, outros eletronicamente através do acesso à plataforma de emissão de certificados de incapacidade através das palavras passe dos médicos que conhecia, e solicitou a emissão de outros dois a uma médica sem que esta tivesse previamente realizado qualquer consulta, os quais foram apresentados junto da Segurança Social por via eletrónica e por correio, tendo em vista o recebimento dos respetivos subsídios por doença, no valor de 421,03, como sucedeu, apesar do coarguido DD não se encontrar doente, assim beneficiando de quantias para o seu agregado familiar a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 193 a 200).
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que o arguido em comunhão de esforços e divisão e tarefas com a arguida AA ao fabricar, apresentar e enviar os referidos certificados de incapacidade atuou com o intuito de enganar a Segurança Social, conseguindo que esta atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, do seu agregado familiar, nomeadamente a quantia total de €421,03 relativamente aos CITs apresentados em seu nome (cfr. factos provados sob os nºs 205, 209, 213, 216 e 217).
Ficou igualmente assente que o arguido sabia que estava a beneficiar de um subsídio a que não tinha direito uma vez que não estava doente, enriquecendo o seu património e do seu agregado familiar à custa da Segurança Social, o que quis (cfr. factos provados sob o nº 215).
Pode, pois, concluir-se que agiu com dolo direto, verificando-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Estando demonstrado que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tem de concluir-se que atuou com culpa (cfr. factos provados sob o nº265).
Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá, em consequência, ser condenado pela prática de dois crimes de burla tributária.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautor.
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que o arguido atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animado pela circunstância de tal situação não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos seis atestados emitidos.
Pelo que, deverá ser condenado pela prática de um crime de burla tributária.
(ponto 2) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (CITs remetidos para a Segurança Social do arguido DD - factos provados sob os nºs 193 a 217)
Vem o arguido pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nº3 do Código Penal por referência aos CITs remetidos para a Segurança Social.
Em sede de audiência de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos subjacentes por se entender que consubstanciavam a prática de um crime falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação juntos das respetivas entidades patronais e/ou da Segurança Social, tendo em vista justificar faltas e obter subsídios de doença indevidos, o arguido DD utilizou os quatro certificados de incapacidade temporária fabricados em seu nome pela arguida AA, aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que o arguido se encontrava doente, tendo tais documentos sido apresentados, em conjugação de esforços e vontade, por esta ou pelo arguido, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (factos provados sob os nºs 193 a 200).
Mais ficou demonstrado que o arguido DD, nos mesmos moldes, solicitou à arguida AA que fabricasse um certificado de incapacidade temporária para uma pessoa sua conhecida, HH, para efeitos da sua apresentação junto da Segurança Social, de forma a beneficiar de atribuições patrimoniais que não tinha direito e que somente não recebeu por razões à sua vontade, ao que aquela acedeu, entregando-lhe, tal documento, após a sua elaboração, donde igualmente resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (cfr. factos provados sob os nºs 201 a 204).
Apesar de não constar do dispositivo da pronúncia a menção a tal situação, a sua imputação decorre dos factos ali alegados e que vieram a ser dados como provados.
Por outro lado, resultou ainda provado que a arguida AA solicitou a uma médica – Dr.ª QQ – a emissão de dois certificados de incapacidade temporária em nome do co-arguido DD (factos provados sob o nº194, a. e d.), o que conseguiu, neles se fazendo constar que o mesmo se encontra incapacitado para trabalhar por motivo de doença, o que era falso, tendo tais documentos sido apresentados, em conjugação de esforços e vontade, por esta ou pelo arguido, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal.
Sucede ainda que a factualidade descrita se subsume à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária são emitidos por autoridades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa padece de um certo grau de incapacidade permanente reconhecida por uma junta médica calculada com base na Tabela Nacional de Incapacidades ou que se encontra doente de forma a justificar uma falta. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade e eventualmente a justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação do arguido preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 9, desempenhando mais recentemente as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, o que implica a agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal, o que é comunicável ao arguido DD nos termos do artigo 28º do Código Penal por ser conhecedor e ter aproveitado precisamente a circunstância da arguida AA exercer tais funções para obter aquele tipo de documentos (factos provados sob o nº205).
Mais se demonstrou que o arguido atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a apresentar e a deter documentos que eram falsos, em concreto que estava doente e se encontrava incapacitado para o trabalho, perante uma entidade estatal (Segurança Social) e/ou perante a sua entidade patronal e que os manteve na sua posse, que se tratavam de documentos que gozam de uma especial força probatória por se tratar de um documento sujeito a um determinado modelo e que só pode ser emitido por determinadas entidades e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados nºs 205, 209, 213, 214 216 e 217).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao apresentar e deter tais documentos, o arguido pretendia prejudicar o Estado, de molde a que este concedesse subsídios de doença que não eram devidos, ou entidades patronais que se viam privadas da prestação dos seus trabalhadores tendo de lhes justificar as faltas, apesar de não existir motivo justificativo (doença), causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor dos subsídios atribuídos e ao valor do salário pelo trabalho que deixou de receber (factos provados sob o nº215).
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá, em consequência, ser condenado pela prática de dois crimes de burla tributária.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautor (cfr. factos provados sob o nº212).
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que o arguido atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animado pela circunstância de tal situação não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos sete atestados emitidos (factos provados sob o nº241).
Pelo que, deverá ser condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado.
Relativamente à relação entre o crime falsificação dos certificados de incapacidade temporária junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, há que considerar que sendo o arguido punido a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, se aplica o disposto no nº4 deste preceito. Ou seja, o arguido deverá ser punido pela prática dos dois ilícitos por a pena aplicável ao crime de falsificação agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (1 a 5 anos de prisão) ser maior do que a prevista no tipo do burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT (1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias).
(ponto 3) do dispositivo da pronúncia – um crime de abuso de poder (atestados solicitados pelo arguido para si e para a HH) – factos provados nºs 205, 206, 210, 211, 212 e 215)
Vem o arguido pronunciado pela prática de um crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde.
Ficou provado que o arguido DD, filho da arguida AA, lhe solicitou diversos de certificados de incapacidade temporários para os apresentar junto da sua entidade patronal e da Segurança Social, atuando a última contra os seus deveres funcionais, elaborando e entregando àqueles os supra descritos documentos, ao que esta acedeu, tendo elaborado, pelo menos, quatro dos certificados falsos.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois que a arguida AA em conjugação de esforços e vontades com o arguido DD, abusou dos seus poderes e violou os deveres que sobre si impendiam enquanto funcionária pública, emitindo certificados de incapacidade temporária falsos, qualidade que é comunicável ao coarguido nos termos do artigo 28º do Código Penal, nos termos supra referidos a propósito do enquadramento dos tipos legais de crime.
Por outro lado, ficou provado que o arguido DD bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico e que, quando solicitou a emissão de tais atestados, era conhecedor das funções que a arguida AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
Verifica-se, por isso, também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo. De acordo ainda com os factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atos,
o arguido agiu com o propósito de beneficiar de subsídios de doença e lograr justificar as faltas ao trabalho, por via da apresentação dos documentos que havia sido emitidos pela arguida AA abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede que, dando como reproduzidas as considerações supra expendidas a propósito da punibilidade das condutas da arguida AA a este título, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, se verifica um concurso aparente de crimes.
Com efeito, entende-se que por via da agravação da falsificação feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Deve, em consequência, ser o arguido absolvido da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha acusado.
C - Do arguido CC
(ponto 1) do dispositivo da pronúncia - dois crimes de falsificação de documentos agravado (CITs remetidos para a Segurança Social e entidade patronal de CC) – factos provados sob os nºs 132 a 154 )
Em primeiro lugar, cumpre referir que se nos afigura que a menção do envio do certificado para a Segurança Social decorre de lapso na medida em que nada foi alegado a este propósito nem na acusação, nem na pronúncia, i. e., que o arguido tenha remetido o certificado de incapacidade temporário para a Segurança Social, pelo que, por falta da descrição dos elementos objetivos e subjetivos da prática de tal crime será absolvido do mesmo.
Com efeito, apesar de resultar da prova que o certificado foi remetido, além de nada ter sido alegado, sempre se diga que não se afigura que tal foi feito com intuito de enganar a Segurança Social, antes se querendo dar a aparência de regularidade junto da entidade patronal, encontrando-se tal envio englobado na resolução relativa à apresentação do mesmo para justificar faltas.
Vem ainda o arguido pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nº3 do Código Penal por referência ao atestado médico emitido em 29.10.2019 e à declaração de presença e ao CIT emitidos em 22.11.2019.
Em sede de audiência de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos subjacentes por se entender que consubstanciavam a prática de um crime falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação junto da respetiva entidade patronal, tendo em vista justificar faltas, o arguido CC utilizou os referidos documentos fabricados em seu nome pela arguida AA, aproveitando esta documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos e/ou acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que o arguido se encontrava doente, tendo tais documentos sido apresentados, em conjugação de esforços e vontade, pelo arguido junto da sua entidade patronal, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (factos provados nºs 132 a 146).
A factualidade descrita subsume-se ainda à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária, os atestados médicos e as declarações são emitidos por autoridades/entidades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa se encontra doente e incapacitada para o trabalho. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade, justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação do arguido preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo a arguida AA as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 9, desempenhando as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, verifica-se o preenchimento da agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal, o que é comunicável ao arguido CC nos termos do artigo 28º do Código Penal por ser conhecedor e ter aproveitado precisamente a circunstância da arguida AA exercer tais funções para obter aquele tipo de documentos (cfr. factos provados sob o nº147).
Mais se demonstrou que o arguido atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a apresentar e a deter documentos que eram falsos, em concreto que não estava doente, nem se encontrava incapacitado para o trabalho, perante a sua entidade patronal e que os manteve na sua posse, que se tratavam de documentos que gozam de uma especial força probatória por estarem sujeitos a um determinado modelo e que só podem ser emitidos por determinadas entidades e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados sob os nºs 152 a 154).
De acordo ainda com os factos provados resulta que, ao apresentar e deter tais documentos, o arguido pretendia prejudicar a sua entidade patronal, que se viu privada da prestação do seu trabalhador, sendo obrigada a considerar tais faltas justificadas, apesar de não existir motivo para tanto (doença), causando-lhe nessa medida um prejuízo correspondente ao valor do salário pelo trabalho que deixou de receber.
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (cfr. factos provados sob o nº245).
Inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá, em consequência, ser condenado pela prática de tais factos.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautor (cfr. factos provados sob o nº152).
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que o arguido atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, que os factos forma praticadas em datas próximas (menos de 1 mês de intervalo) e que agiu animado pela circunstância de tal situação não lhe trazer quaisquer consequências, verifica-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos documentos emitidos nas duas ocasiões mencionadas nos factos provados.
Pelo que, deverá ser condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado e não de dois crimes, como vinha pronunciado.
(ponto 2) do dispositivo da pronúncia – dois crimes de abuso de poder (atestados solicitados pelo arguido para si) – factos provados sob os nºs 147, 148, 150, 151 e 152)
Vem o arguido pronunciado pela prática de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal por referência atestados solicitados para si.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde.
Ficou provado que o arguido CC, amigo da arguida AA, lhe solicitou diversos documentos (atestado médico, certificado de incapacidade temporário e declaração de presença) para os apresentar junto da sua entidade patronal, atuando aquela contra os seus deveres funcionais, elaborando e entregando àquele os referidos documentos, ao que esta acedeu, tendo elaborado, pelo menos, um certificado de incapacidade temporário, um atestado médicos e uma declaração de presença falsos.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois que a arguida AA em conjugação de esforços e vontades com o arguido CC, abusou dos seus poderes e violou os deveres que sobre si impendiam enquanto funcionária pública, emitindo certificados de incapacidade temporária falsos, qualidade que é comunicável ao coarguido de acordo com o artigo 28º do Código Penal, nos termos supra referidos a propósito do enquadramento dos tipos legais de crime.
Por outro lado, ficou provado que o arguido CC bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico e que, quando solicitou a emissão de tais atestados, era conhecedor das funções que a arguida AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
Verifica-se, por isso, também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo. De acordo com os factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atos, o arguido agiu com o propósito de beneficiar de subsídios de doença e lograr justificar as faltas ao trabalho, por via da apresentação dos documentos que haviam sido emitidos pela arguida AA abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede que, dando como reproduzidas as considerações supra expendidas a propósito da punibilidade das condutas da arguida AA a este título, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, se verifica um concurso aparente de crimes.
Com efeito, entende-se que por via da agravação da falsificação feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Deve, em consequência, ser o arguido absolvido da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha acusado.
D - Do arguido EE
(ponto 1) do dispositivo da pronúncia – um crime de burla tributária à Segurança Social em coautoria com a arguida AA (CITS de EE e II) – factos provados sob os nºs 171 a 192)
Vem o arguido pronunciado pela prática de um crime de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária apresentados junto da Segurança Social em seu nome e em nome da sua mulher II.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida AA, por solicitação do arguido EE, elaborou quatro certificados de incapacidade temporária em nome deste, relativos ao período compreendido entre 04.11.2019 a 13.02.2020, e seis certificados de incapacidade temporária em nome da sua mulher, II, relativos ao período compreendido entre 09.11.2020 a 18.04.2021, preenchimento de certificados de incapacidade, falsificando assinaturas de médicos e utilizando as respetivas vinhetas, através do acesso à plataforma de emissão de certificados de incapacidade mediante a introdução das palavras passe dos médicos que conhecia, os quais foram apresentados junto da Segurança Social, tendo em vista o recebimento dos respetivos subsídios por doença, no valor de 1.382,37€ e de 1.695,09€, respetivamente, como sucedeu, apesar de nem o arguido EE ou II se encontrarem doentes, nem tendo previamente consultado qualquer médico, assim beneficiando de quantias para o seu agregado familiar a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 171 a 178).
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que o arguido em comunhão de esforços e divisão e tarefas com a arguida AA, ao apresentar e enviar os referidos certificados de incapacidade falsos, atuou com o intuito de enganar a Segurança Social, conseguindo que esta atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, do seu agregado familiar, nomeadamente a quantia total de 3.077,46€ (cfr. factos provados sob o nº192).
Ficou igualmente assente que o arguido sabia que estava a beneficiar de um subsídio a que não tinha direito uma vez que não estava doente, assim como a sua mulher, enriquecendo o seu património e do seu agregado familiar à custa da Segurança Social, o que quis (cfr. factos provados nºs 188, 190 e 191).
Pode, pois, concluir-se que agiu com dolo direto, verificando-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Estando demonstrado que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tem de concluir-se que atuou com culpa (cfr. factos provados sob o nº245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautor (cfr. factos provados sob o nº187).
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que o arguido atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animado pela circunstância de tal situação não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos dez atestados apresentados (cfr. factos provados sob o nº241).
Pelo que, deverá ser condenado pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT.
(ponto 2) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (CITs remetidos para a Segurança Social de EE e II) – factos provados sob os nºs 171 a 192)
Vem o arguido pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nº3 do Código Penal por referência aos CITs remetidos para a Segurança Social.
Em sede de audiência de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos subjacentes por se entender que consubstanciavam a prática de um crime falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação junto da sua entidade patronal e da Segurança Social, tendo em vista justificar faltas e obter subsídios de doença indevidos, o arguido EE utilizou os quatro certificados de incapacidade temporária fabricados em seu nome e seis em nome da mulher, pela arguida AA, aproveitando esta documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que o arguido e a sua mulher se encontravam doente, tendo tais documentos sido apresentados, em conjugação de esforços e vontade, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (factos provados sob os nºs 171 a 178) .
A factualidade descrita subsume-se ainda à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária são emitidos por autoridades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa se encontra doente e incapacitada para o trabalho. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade, justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação do arguido preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo a arguida AA as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 9, desempenhando as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, verifica-se o preenchimento da agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal, o que é comunicável ao arguido EE nos termos do artigo 28º do Código Penal por ser conhecedor e ter aproveitado precisamente a circunstância da arguida AA exercer tais funções para obter aquele tipo de documentos (cfr. factos provados sob os nºs 180 a 187).
Mais se demonstrou que o arguido atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a apresentar e a deter documentos que eram falsos, por não estarem doentes nem se encontrarem incapacitados para o trabalho, perante uma entidade estatal (Segurança Social) e/ou perante a respetivas entidades patronais e que os manteve na sua posse, que se tratavam de documentos que gozam de uma especial força probatória por se tratar de documentos sujeitos a um determinado modelo e que só pode ser emitido por determinadas entidades e que praticou tais factos aproveitando-se da circunstância, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (cfr. factos provados sob os nºs 189 e 190).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao apresentar e deter tais documentos, o arguido pretendia prejudicar o Estado, de molde a que este concedesse subsídios de doença que não eram devidos, apesar de não existir motivo justificativo (doença), causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor dos subsídios atribuídos.
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (cfr. factos provados sob o nº145).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautor (cfr. factos provados sob o nº187).
Relativamente ao número de crimes, tendo ficado demonstrado que o arguido atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animado pela circunstância de tal situação não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos dez certificados emitidos (cfr. factos provados sob o nº241).
Pelo que, deverá ser condenado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado.
Relativamente à relação entre o crime falsificação dos certificados de incapacidade temporária junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, há que considerar que sendo o arguido punido a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, se aplica o disposto no nº4 deste preceito. Ou seja, o arguido deverá ser punido pela prática dos dois ilícitos por a pena aplicável ao crime de falsificação agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (1 a 5 anos de prisão) ser maior do que a prevista no tipo do burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT (1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias).
(ponto 3) do dispositivo da pronúncia – dois crimes de abuso de poder (atestados solicitados pelo arguido para si e para a mulher II) – factos provados sob os nºs 179, 180, 185, 186 e 187)
Vem o arguido pronunciado pela prática de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal por referência atestados solicitados para si e para a sua mulher.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde.
Ficou provado que o arguido EE, irmão da arguida AA, lhe solicitou dez certificados de incapacidade temporários para os apresentar junto da sua entidade patronal e da Segurança Social, atuando a última contra os seus deveres funcionais.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois que a arguida AA em conjugação de esforços e vontades com o arguido EE, abusou dos seus poderes e violou os deveres que sobre si impendiam enquanto funcionária pública, emitindo certificados de incapacidade temporária falsos, qualidade que é comunicável ao coarguido de acordo com o artigo 28º do Código Penal, nos termos supra referidos a propósito do enquadramento dos tipos legais de crime.
Por outro lado, ficou provado que o arguido bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico e que, quando solicitou a emissão de tais atestados, era conhecedor das funções que a arguida AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
Verifica-se, por isso, também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo. De acordo ainda com os factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atos,
o arguido agiu com o propósito de beneficiar de subsídios de doença, por via da apresentação dos documentos que haviam sido emitidos pela arguida AA abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede que, dando como reproduzidas as considerações supra expendidas a propósito da punibilidade das condutas da arguida AA a este título, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, se verifica um concurso aparente de crimes.
Com efeito, entende-se que por via da agravação da falsificação feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Deve, em consequência, ser o arguido absolvido da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha acusado.
E - Da arguida FF
(ponto 1) do dispositivo da pronúncia – um crime de burla tributária à Segurança Social em coautoria com a arguida AA (CIT de JJ) – factos provados nºs 155 a 170)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária apresentados junto da Segurança Social em nome do seu marido JJ, aqui também arguido.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida AA, por solicitação da arguida FF, elaborou um certificado de incapacidade temporária em nome do arguido JJ, com motivo de assistência a filho menor doente, relativamente ao período de 30.03.2020 a 13.04.2020, através do preenchimento de um certificado de incapacidade, falsificando a assinatura do médico e utilizando a respetiva vinheta, o qual foi apresentado junto da Segurança Social, tendo em vista o recebimento do respetivo subsídio por doença, no valor de 195,00€, como sucedeu, apesar do filho daqueles não se encontrar doente, nem ter sido previamente consultado por qualquer médico, assim beneficiando de quantias para o seu agregado familiar a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 155 a 157).
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que a arguida em comunhão de esforços e divisão e tarefas com a arguida AA, ao apresentar e enviar o referido certificado de incapacidade falso, atuou com o intuito de enganar a Segurança Social, conseguindo que esta atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, do seu agregado familiar, nomeadamente a quantia total de 195,00€ (cfr. factos provados sob os nºs 156 e 165).
Ficou igualmente assente que a arguida sabia que estava a beneficiar de um subsídio a que não tinha direito uma vez que o seu filho não estava doente, enriquecendo o património do seu agregado familiar à custa da Segurança Social, o que quis (factos provados sob o nº168).
Pode, pois, concluir-se que agiu com dolo direto, verificando-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Estando demonstrado que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tem de concluir-se que atuou com culpa (cfr. factos provados sob o nº245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautora (cfr. factos provados sob o nº165).
Pelo que, deverá ser condenada pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT.
(ponto 2) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (CIT remetidos para a Segurança Social de JJ) - factos provados nºs 155 a 170)
Vem a arguida pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nº3 do Código Penal por referência ao CIT remetido para a Segurança Social.
Em sede de audiência de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos subjacentes por se entender que consubstanciavam a prática de um crime falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação junto da sua entidade patronal e da Segurança Social, tendo em vista obter subsídios de doença indevidos, a arguida FF utilizou um certificado de incapacidade temporária fabricados em nome do seu marido, pela arguida AA, aproveitando esta documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que o arguido se encontrava a prestar assistência a filho menor doente, tendo tal documento sido apresentado, em conjugação de esforços e vontade, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tal documento na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (factos provados sob os nºs 155 a 157).
A factualidade descrita subsume-se ainda à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária são emitidos por autoridades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa se encontra doente e incapacitada para o trabalho. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade, justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação da arguida preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo a arguida AA as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 9, desempenhando as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, verifica-se o preenchimento da agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal, o que é comunicável à arguida FF nos termos do artigo 28º do Código Penal por ser conhecedora e ter aproveitado precisamente a circunstância da arguida AA exercer tais funções para obter aquele tipo de documentos (cfr. factos provados sob os nºs 159, 160, 163, 164 e 165).
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a apresentar e a deter um documento que era falso, por o seu filho não estar doente, perante uma entidade estatal (Segurança Social) e perante a respetiva entidade patronal e que o manteve na sua posse, que se tratava de documentos que goza de uma especial força probatória por estar sujeito a um determinado modelo e só poder ser emitido por determinadas entidades, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (cfr. factos provados sob os nºs 166 e 167).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao apresentar e deter tal documento, a arguida pretendia prejudicar o Estado, de molde a que este concedesse subsídios de doença que não eram devidos, apesar de não existir motivo justificativo (doença), causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor do subsídio atribuído (factos provados sob os nºs 168 a 170).
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (factos provados sob o nº245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautora (factos provados sob o nº165).
Pelo que, deverá ser condenada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado.
Relativamente à relação entre o crime falsificação dos certificados de incapacidade temporária junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, há que considerar que sendo a arguida punida a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, se aplica o disposto no nº4 deste preceito. Ou seja, a arguida deverá ser punida pela prática dos dois ilícitos por a pena aplicável ao crime de falsificação agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (1 a 5 anos de prisão) ser maior do que a prevista no tipo do burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT (1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias).
(ponto 3) do dispositivo da pronúncia – dois crimes de abuso de poder (atestado solicitado pela arguida para o marido JJ) – factos provados sob os nºs 158, 159 e 163 a 165)
Vem a arguida pronunciada pela prática de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal por referência atestados solicitados para o seu marido, aqui arguido JJ.
Em primeiro lugar, cumpre referir que se nos afigura que a menção de dois crimes de abuso de poder decorre de lapso na medida em que apenas foi falsificado um certificado.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde.
Ficou provado que a arguida FF, pessoa das relações da arguida AA, lhe solicitou um certificado de incapacidade temporário para o apresentar junto da entidade patronal do marido e da Segurança Social, atuando a última contra os seus deveres funcionais.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois que a arguida AA em conjugação de esforços e vontades com a arguida FF, abusou dos seus poderes e violou os deveres que sobre si impendiam enquanto funcionária pública, emitindo certificados de incapacidade temporária falsos, qualidade que é comunicável ao coarguido de acordo com o artigo 28º do Código Penal, nos termos supra referidos a propósito do enquadramento dos tipos legais de crime.
Por outro lado, ficou provado que a arguida bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico e que, quando solicitou a emissão de tais atestados, era conhecedora das funções que a arguida AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
Verifica-se, por isso, também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo. De acordo ainda com os factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atos, a arguida agiu com o propósito de beneficiar de subsídio de doença, por via da apresentação do documento que havia sido emitido pela arguida AA abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede que, dando como reproduzidas as considerações supra expendidas a propósito da punibilidade das condutas da arguida AA a este título, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, verifica um concurso aparente de crimes.
Com efeito, entende-se que por via da agravação da falsificação feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Deve, em consequência, ser a arguida absolvida da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha acusada.
E – Do arguido JJ
(….)
E - Da arguida GG
(ponto 1) do dispositivo da pronúncia – um crime de burla tributária à Segurança Social em coautoria com a arguida AA (CIT de GG) – factos provados sob os nºs 218 a 239)
Vem a arguida pronunciada pela prática de um crime de burla tributária à Segurança Social do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT pela apresentação dos certificados de incapacidade temporária apresentados junto da Segurança Social em seu nome e em nome do seu namorado KK, aqui também arguido.
Decorre da matéria de facto dada como provada que a arguida AA, por solicitação da arguida GG, elaborou dois certificados de incapacidade temporária em seu nome e em nome do arguido KK, relativamente aos períodos de 23.08.2020 a 30.08.2020 e 20.11.2020 a 01.12.2020, através do preenchimento de certificados de incapacidade, falsificando a assinatura do médico e utilizando a respetiva vinheta, os quais foram apresentados junto das respetivas entidades patronais e da Segurança Social, tendo em vista o recebimento dos respetivos subsídios por doença, no valor de 116,49€, como sucedeu, apesar de não se encontrar doente, nem ter sido previamente consultada por qualquer médico, assim beneficiando de quantias a que não tinha direito (cfr. factos provados sob os nºs 219 a 226) .
Pode, pois, concluir-se que se encontram preenchidos os elementos objetivos do tipo legal de crime na medida em que a arguida em comunhão de esforços e divisão e tarefas com a arguida AA, ao apresentar e enviar os referidos certificados de incapacidade falsos, atuou com o intuito de enganar a Segurança Social, conseguindo que esta atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o seu enriquecimento (cfr. factos provados nºs 234, 238 e 239).
Ficou igualmente assente que a arguida sabia que estava a beneficiar de um subsídio a que não tinha direito uma vez que não estava doente, nem tão pouco o seu namorado, enriquecendo o seu património à custa da Segurança Social, o que quis (cfr. factos provados sob os nºs 235 e 236).
Pode, pois, concluir-se que agiu com dolo direto, verificando-se também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo.
Estando demonstrado que sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tem de concluir-se que atuou com culpa (cfr. factos provados sob o nº245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautora (cfr. factos provados sob o nº234).
Pelo que, deverá ser condenada pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT.
(ponto 2) do dispositivo da pronúncia - um crime de falsificação de documentos agravado (CIT remetidos para a Segurança Social e entidade patronal) - factos provados sob os nºs 218 a 239)
Vem a arguida pronunciado pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nº3 do Código Penal por referência ao CIT remetido para a Segurança Social.
Em sede de audiência de julgamento, foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos subjacentes por se entender que consubstanciavam a prática de um crime falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nº1, e) e f) e nºs 3 e 4 do Código Penal por referência ao artigo 386º, nº1, a) do Código Penal.
Devidamente analisados os factos provados, resulta que, para efeitos de apresentação junto da sua entidade patronal e da Segurança Social, tendo em vista obter subsídios de doença indevidos, a arguida GG utilizou dois certificados de incapacidade temporária fabricados em seu nome, pela arguida AA, aproveitando esta documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que a arguida se encontrava doente, tendo tal documento sido apresentado, em conjugação de esforços e vontades, junto da Segurança Social e da sua entidade patronal, o que preenche a alínea e) e detendo tal documento na sua posse, o que corresponde ao preenchimento da alínea f), ou seja, resulta o preenchimento de todos os elementos objetivos do tipo legal de crime do artigo 256º, nº1, e) e f) do Código Penal (cfr. factos provados sob os nºs 219 a 226).
A factualidade descrita subsume-se ainda à prática de um crime de falsificação de documentos agravado nos termos do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Com efeito, visto que os certificados de incapacidade temporária são emitidos por autoridades de saúde pública, que visam precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que determinada pessoa se encontra doente e incapacitada para o trabalho. Tanto assim é, que, tais documentos a serem verdadeiros, seria o bastante para comprovar a declarada incapacidade, justificar faltas ao trabalho/à escola e a receber subsídios de doença.
A punição com a pena abstrata mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autêntico.
Pelo que, a atuação da arguida preenche igualmente a previsão normativa do nº3 do art. 256º do Código Penal.
Exercendo a arguida AA as funções de funcionária pública, conforme decorre dos factos provados sob os nºs 2 a 9, desempenhando as funções de assistente administrativa no Centro de Saúde 1..., verifica-se o preenchimento do conceito de funcionário do artigo 386º do Código Penal, e abusando das mesmas para praticar as falsificações por se tratarem de documentos a que tinha acesso, verifica-se o preenchimento da agravação da moldura aplicável ao crime de falsificação de documento prevista no nº4 do art. 256º do Código Penal, o que é comunicável à arguida GG nos termos do artigo 28º do Código Penal por ser conhecedora e ter aproveitado precisamente a circunstância da arguida AA exercer tais funções para obter aquele tipo de documentos (cfr. factos provados sob os nºs 227 a 234).
Mais se demonstrou que a arguida atuou com vontade e conhecimento da ilicitude da sua conduta, na medida em que sabia que estava a apresentar e a deter documentos que eram falsos, por não estar doente, perante uma entidade estatal (Segurança Social) e perante a respetiva entidade patronal e que o manteve na sua posse, que se tratava de documentos que goza de uma especial força probatória por estar sujeito a um determinado modelo e só poder ser emitido por determinadas entidades, o que quis, encontrando-se desta feita verificados os elementos subjetivos do crime em apreço (factos provados sob os nºs 235 e 236).
De acordo ainda com os factos provados nos presentes autos resulta que, ao apresentar e deter tal documento, a arguida pretendia prejudicar a sua entidade patronal, de molde a que considerasse as faltas justificadas e o Estado, de molde a que este concedesse subsídios de doença que não eram devidos, apesar de não existir motivo justificativo (doença), causando-lhes nessa medida um prejuízo correspondente ao valor do subsídio atribuído (cfr. factos provados sob os nºs 235 e 237).
Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime de falsificação de documento previsto no art. 256 º, nº1 do Código Penal.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável (cfr. factos provados nº 245).
Inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Ficou ainda demonstrado que atuou de acordo com um plano previamente delineado com a arguida AA, atuando como coautora (cfr. factos provados nº 234).
Pelo que, deverá ser condenada pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado.
Relativamente à relação entre o crime falsificação dos certificados de incapacidade temporária junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, há que considerar que sendo a arguida punida a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT, se aplica o disposto no nº4 deste preceito. Ou seja, a arguida deverá ser punida pela prática dos dois ilícitos por a pena aplicável ao crime de falsificação agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (1 a 5 anos de prisão) ser maior do que a prevista no tipo do burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT (1 mês a 3 anos de prisão ou multa de 10 a 360 dias).
(ponto 3) do dispositivo da pronúncia – dois crimes de abuso de poder (atestado solicitado pela arguida para si e para o namorado KK) - factos provados nºs 227, 228,232, 233 e 234)
Vem a arguida pronunciada pela prática de dois crimes de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal por referência atestados solicitados para si e para o seu namorado KK, aqui também arguido.
Devidamente analisados os factos dados como provados, verifica-se que, a arguida AA, no âmbito das suas funções de administrativa na referida USF, aproveitando-se do acesso a vários documentos existentes em sistema informático e nos arquivos daquela unidade de saúde, em contrário das suas funções, passou a forjar atestados médicos, neles fazendo constar factos falsos, apondo-lhes as respetivas assinaturas como se se tratasse de atestados regularmente emitidos pelos médicos que exercem funções nessa unidade de saúde.
Ficou provado que a arguida GG, pessoa das relações da arguida AA, lhe solicitou certificados de incapacidade temporários para os apresentar junto da entidade patronal e da Segurança Social, atuando a última contra os seus deveres funcionais.
Encontram-se, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime de abuso de poder do artigo 382º do Código Penal, pois que a arguida AA em conjugação de esforços e vontades com a arguida FF, abusou dos seus poderes e violou os deveres que sobre si impendiam enquanto funcionária pública, emitindo certificados de incapacidade temporária falsos, qualidade que é comunicável ao coarguido de acordo com o artigo 28º do Código Penal, nos termos supra referidos a propósito do enquadramento dos tipos legais de crime.
Por outro lado, ficou provado que a arguida bem sabia e não podia desconhecer que não é emitido qualquer atestado médico sem consulta por um médico e que, quando solicitou a emissão de tais atestados, era conhecedora das funções que a arguida AA desempenhava no Centro de Saúde, sabendo que a mesma era funcionária pública e não tinha competência nem autorização para a emissão de tais documentos.
Verifica-se, por isso, também o preenchimento dos elementos subjetivos do tipo. De acordo ainda com os factos provados resulta ainda que, ao praticar tais atos, a arguida agiu com o propósito de beneficiar de subsídio de doença, por via da apresentação dos documentos que haviam sido emitidos pela arguida AA abusando das suas funções. Atuou, pois, com a intenção específica exigida pela lei, pelo que se considera verificado também o elemento subjetivo específico do crime em causa.
Sabia ser tal comportamento proibido e punido por lei, tendo atuado com culpa, sendo por isso a sua conduta censurável.
Sucede que, dando como reproduzidas as considerações supra expendidas a propósito da punibilidade das condutas da arguida AA a este título, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, verifica-e um concurso aparente de crimes.
Com efeito, entende-se que por via da agravação da falsificação feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Aliás, conforme supra se referiu a propósito do enquadramento teórico do crime de falsificação, na agravação do nº4 do artigo 256º tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções.
Pelo que, encontrando-se englobada a punição de tal abuso no tipo agravado do crime de falsificação, conclui-se pela verificação de um concurso aparente, prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado.
Deve, em consequência, ser a arguida absolvida da prática dos crimes de abuso de poder de que vinha pronunciada.
(…)”
*
Progredindo para a apreciação do mérito dos interpostos recursos:
Da Arguida AA
- Revisão de alguma matéria de facto dada como provada, relacionada com a separação da arguida e marido BB; registo do BB como reformado; DD — questão do registo de pensionista; proveito no IUC relativamente à matrícula ..-VX-.. da propriedade do ex-marido BB; Atestados de incapacidade/burla a Segurança Social — AA; Atestados de incapacidade/burla à Segurança Social — BB; Atestados médicos e documentos médicos falsos para efeitos de seguradoras; As condições sócio económicas da arguida
A arguida AA começa por defender a alteração de alguma da matéria de facto dada como provada, concretamente: - separação da arguida e marido BB (facto 1)
Alega a recorrente que o tribunal "a quo" deu como provado que o casal se separou em abril de 2020, o que, porém, não corresponde inteiramente à verdade nem resulta da prova produzida em Audiência de Julgamento, ou resulta da documentação junta aos Autos.
Assevera que se separou de facto do ex-marido em junho de 2020 (segunda semana), conforme resulta das suas declarações em Audiência de Julgamento, declarações essas confirmadas pela testemunha (filha da arguida) LL e pelo ex-marido da mesma BB. Pelo exposto, deve figurar aquela como data de separação do casal.
- taxas moderadoras - registo do BB como reformado (facto 16)
Trata-se provavelmente de um lapso, atento que em nenhum momento da Acusação existe a imputação que a mesma tenha inserido no sistema que o mesmo era reformado. Acresce também, que da prova documental inexiste qualquer referência à qualidade de reformado, pelo que necessariamente tal facto nunca poderia ter sido dado como provado.
- Isenção de taxas moderadoras — DD — questão do registo de pensionista(factos 22 a 28)
Neste ponto, devem, até porque confessórias, ser valoradas as suas declarações, e retirado dos factos dados como provados a expressão "pensionista" e tudo que lhe esteja associado a essa qualidade. Do confessado AA, resulta que a mesma somente o registou como pensionista, por uma questão de teste de sistema, como usualmente faziam nos serviços. Não resulta quer da prova documental, quer da prova testemunhal qualquer elemento probatório de que o DD tenha usufruído de qualquer benefício da qualidade de "pensionista" ou que o mesmo tivesse conhecimento dessa condição, bem como a própria arguida tivesse consciência da manutenção do registo desse benefício em favor do seu filho. Dos registos não resulta que foi a arguida AA a inserir no sistema essa informação e por último, um argumento lógico — não se produziu qualquer prova que o DD tivesse problemas de saúde crónicos e que necessitassem de medicação, pelo que carece de sentido que, sendo o DD, uma pessoa saudável, tivesse necessidade de isenção em medicação. - proveito no IUC relativamente à matrícula ..-VX- .. da propriedade do ex-marido BB (facto 46 II) alíneas e. e f.)
Em 2021, o pagamento ou isenção de IUC sobre a viatura VX, não se encontrava minimamente sobre o domínio da Arguida, mas tão somente sobre o domínio do proprietário da viatura, BB, o qual bem sabia que não tinha direito a isenção de IUC e deveria, por sua iniciativa ter liquidado o IUC e removido a isenção. Não pode ser imputado à arguida um prejuízo fiscal, sobre o qual a mesma não tem qualquer domínio para o alterar. E relativamente ao ano vencido em 2020, se no momento em que o imposto tem que ser liquidado, a arguida AA e ex-marido BB não viviam em conjunto, cabia a este último a liquidação de imposto. É óbvio que o Sr. BB bem sabia da isenção fiscal que usufruía e tirou proveito da mesma, de forma consciente e necessariamente contra a vontade da arguida AA, considerando que ao momento do vencimento do imposto relativamente a esses impostos no ano de 2020 e 2021 não vivia em conjunto com a AA, encontrando-se inclusive num ponto de relação não só de rutura, mas de conflito.
Assim sendo, nessa parte, não pode ser dado como provado que foi a arguida que produziu esse prejuízo ao erário público. - Atestados de incapacidade/burla a Segurança Social — AA (factos 62 e 64)
A discordância prende-se somente com o facto de se ter apurado o valor global de 3.958,50€ e não se ter especificado cada valor mensalmente recebido em consequência direta de cada CIT falsificado.
A importância prende-se essencialmente com a qualificação do crime ou agravamento da moldura penal, decorrente do somatório dos valores, quando se deveria considerar cada valor unitário respeitante a cada conduta singular.
Pelo exposto, os factos dados como provados sob o ponto 64 devem necessariamente serem alterados, discriminando-se individualmente os valores recebidos em decorrência direta de cada CIT individual, fazendo-se menção, no mínimo, ao valor mais elevado recebido numa das condutas, o que determinará, ou não, a qualificação do crime, pelo que o mesmo deverá a passar a ter a seguinte redação: - Atestados de incapacidade/burla à Segurança Social — BB (factos 74 e 76)
A discordância prende-se somente com o facto de ter apurado o valor global de 23.325,31€ e não se ter especificado cada valor mensalmente recebido diretamente relacionado com cada CIT falso produzido pela arguida.
A importância prende-se essencialmente com errónea qualificação do crime ou agravamento da moldura penal, decorrente do somatório dos valores, quando se deveria considerar cada valor unitário relativo a cada conduta. - Atestados médicos e documentos médicos falsos para efeitos de seguradoras (factos 123, 124 e 127)
A discordância prende-se somente com o facto de terem apurado os valores globais e não terem especificado cada valor recebido em decorrência de cada sinistro.
A importância prende-se essencialmente com a qualificação do crime e agravamento da moldura penal, decorrente do somatório dos valores, quando se deveria considerar cada valor unitário recebido por cada conduta ilícita. - Factos dados como provados sobre os pontos 251 a 271 - As condições sócio económicas da Arguida e Relatório Social
No momento da prolação do Acórdão, a situação económico-financeira da Arguida AA, estava sensivelmente melhor, auferindo um vencimento superior a 850€, conforme alega na Contestação.
Quanto ao esforço que a arguida AA tem vindo a fazer para reparar, no que lhe é possível, os danos causados: decorre da prova documental que a Arguida requereu e encontra-se a liquidar mensalmente em pagamento prestacional o reembolso de prestações indevidamente recebidas da Segurança Social no montante de 3.958,50€, tendo até à Audiência de leitura de Acórdão, liquidado já três prestações - Requerimentos CITIUS dos Mandatários da Arguida com as referências 44210542 e 14057769, de 20/12/2022 e 25/01/2023 respectivamente.
Também, tentou, ainda sem sucesso lograr um acordo com as Seguradoras lesadas para ressarcimento dos prejuízos causados e encontra-se a diligenciar junto da Autoridade Tributária, da regularização das verbas que o agregado que se locupletou indevidamente em sede de IRS, requerendo que fosse dado provimento aos processos inspetivos, não só relativamente à aqui Requerente, mas também ao Sr. BB, que tem demonstrado resistência na regularização das declarações, nomeadamente na subscrição de da substituição das respectivas declarações, para posteriormente, se proceder à liquidação dos impostos devidos e não liquidados.
Tais condutas deveriam vir plasmadas nos factos dados como provados, considerando que os mesmos revelam, que a arguida, para além da intenção, já iniciou e concretizou, junto dos lesados, o reembolso dos valores com que indevidamente se locupletou.
Durante o corrente ano de 2023, o estado de saúde da mãe da arguida AA, tem vindo a deteriorar-se de forma grave, tornando-a uma pessoa dependente de terceiros, e na falta de resposta social, a arguida AA tornou-se cuidadora informal de sua mãe, sendo o seu acompanhamento essencial para a sobrevivência de sua mãe. Passemos então a analisar.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; e pela impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do CPP, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.
De acordo com o disposto no art. 428º, nº 1 do CPP, as Relações conhecem de facto e de direito e preceitua o art. 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Assim, no 2º caso – impugnação ampla - a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzida em audiência (se documentada) mas com os limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do aludido art. 412º, nos termos dos quais:
“3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº 2 do artigo 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. (…) 6. No caso previsto no nº4 o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Porém, tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, mas constitui tão só um remédio para eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida (erros in judicando ou in procedendo) na forma como o tribunal recorrido apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, pelo que não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para essa reapreciação o tribunal verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e em caso afirmativo avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem ou não decisão diversa - cf. Ac. do STJ 14.3.07, Proc. 07P21, e de 23.5.07, Proc. 07P1498, acessível in www.dgsi.pt.
Donde, para além da indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, tem o recorrente de indicar o conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova, com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida, e havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação.
E tal ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada um deles as provas concretas que impõem decisão diversa e bem assim tem de ser referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão.
Mas, e ainda no que à reapreciação da prova gravada se refere, como assinala o STJ no Ac. de 2/6/08, no proc. 07P4375, acessível in www.dgsi.pt. sofre as limitações que decorrem:
- da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo como assinalado o conhecimento aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, e
- da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; e resultam
- de a análise e ponderação a efectuar pela Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de
- o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art. 412º) - cfr. também o Ac. do TRL de 10.10.07, no proc. 8428/07, em www.dgsi.pt/jtrl, e não apenas a permitirem.
Isto porque, a reapreciação da prova na 2ª instância, limita-se a controlar o processo de formação da convicção decisória da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/ fundamentação da decisão, e neste recurso de impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai à procura de uma nova convicção - a sua - mas procura saber se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado na prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugados com as regras da experiencia e demais prova existente nos autos (documental, pericial etc..) e, em face disso, obviamente o controlo da matéria de facto apurada tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, mas não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, na medida em que, como refere Figueiredo Dias, in Direito Proc. Penal, 1º Vol. Coimbra ed. 1974, pág. 233/234, só aqueles princípios da imediação e da oralidade “… permitem …avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Tal significa que sem dispor da apreciação directa e imediata da prova, ao tribunal de recurso cabe apenas averiguar se existe o erro de julgamento na fixação da matéria de facto, por se evidenciar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido eram provas proibidas ou o foram com violação das regras sobre a apreciação da prova, e nomeadamente o principio da livre apreciação, do princípio in dubio pro reo ou prova vinculada, ou as regras da experiencia ou ainda se a convicção formada pelo tribunal a quo não era possível, pois se for uma das possíveis não pode o tribunal de recurso interferir nessa apreciação.
Mas, insiste-se, a apreciação que este tribunal pode fazer está condicionada aos meios de prova sindicados pelo recorrente na motivação, pois não pode reapreciar toda a prova como se de um segundo julgamento se tratasse, sequer basta alegar discordância e questionar de forma fragmentada a prova produzida em julgamento para se ter por utilizado o instituto da impugnação da matéria de facto provada mediante a reapreciação da prova gravada por um erro de julgamento.
Donde, não é uma qualquer divergência que pode levar o tribunal ad quem a decidir pela alteração do decidido em sede de matéria de facto. Antes as provas invocadas pelo recorrente e a apreciação que sobre as mesmas é pelo mesmo feita, em confronto com a valoração que o tribunal a quo efectuou, devem revelar que os factos foram incorrectamente julgados e que se impunha decisão diversa da recorrida.
Ou seja, não basta estar demonstrada a possibilidade de existir uma solução em termos de matéria de facto alternativa à fixada pelo tribunal a quo. Com efeito, há que dizê-lo, é raro o julgamento onde não estão em confronto duas, ou mais, versões dos factos sobretudo entre arguido e assistente ou entre arguido e Ministério Público, qualquer delas sustentada, em abstracto, em prova produzida, seja com base em declarações dos arguidos, prova testemunhal, ou mesmo outros elementos probatórios.
Donde, haver prova produzida em sentido diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo tribunal a quo, só por si não basta para alterar a decisão em sede de matéria de facto.
Pois o que é fundamental é que o recorrente demonstre que a prova produzida no julgamento só poderia ter conduzido à solução por si pugnada em sede de elenco de matéria de facto provada e não provada e não à consignada pelo Tribunal.
Feito o necessário enquadramento da questão, cumpre reverter ao caso que temos em mãos, concretamente dilucidar se as convocadas provas impõem, e não só permitem, decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo. - separação da arguida e marido BB (facto 1)
O tribunal recorrido deu como provado “1. A arguida AA contraiu casamento com BB a 30 de junho de 1997, que seria dissolvido por divórcio decretado por sentença de 19 de junho de 2020, embora o casal estivesse separado de facto pelo menos desde abril de 2020.”
E o certo é que, ao invés do mencionado pela ora recorrente, nem a sua filha, nem o seu ex-marido referem que a separação do casal ocorreu em junho de 2020. Com efeito, a filha refere que os pais sesepararam, reataram e depois voltaram a separar-se e a divorciar-se, nunca mencionando em concreto as datas (de separação), já a testemunha BB referiu que a separação ocorreu em meados/finais de abril de 2020.
Depois, tal como enfatizou o coletivo, em sede de primeiro interrogatório judicial, a arguida disse coisa diversa da que disse em julgamento: “(…) no que se refere à data da separação, suas declarações foram contraditórias com as por si prestadas em sede de primeiro interrogatório, as quais foram valoradas nos termos do artigo 141º, nº4, b) do Código de Processo Penal, e com o depoimento do seu ex-marido, BB, tendo destas resultado que o casal se havia separado em meados de 2019 e reconciliado durante cerca de dois meses, com início em março de 2020. Assim, mercê desta coincidência e porque na altura em que a arguida prestou declarações em sede de audiência de julgamento havia deduzido pedido de indemnização civil contra o ex-marido, o qual foi indeferido, encontrando-se o recurso pendente na data das declarações, não podia ignorar-se que tinha um interesse em que se provasse que a data da separação ocorreu em data posterior, devendo, por isso, dar-se prevalência às primeiras declarações prestadas pela arguida e aos depoimentos referidos.
Pelo que, no confronto entre as declarações (divergentes, em momentos distintos), e levando em conta o interesse da arguida subjacente a tal propósito - responsabilizar civilmente a testemunha BB por parte dos factos aqui em causa -, não podemos deixar de acompanhar o raciocínio do tribunal a quo e nesta parte descredibilizar as declarações prestadas pela arguida. Daí que, nada cumpre alterar no que tange à data da separação do casal.
- taxas moderadoras - registo do BB como reformado (facto 16)
Como se viu o tribunal a quo deu como provado no ponto 15 que “BB nunca foi dador de sangue, não podendo, por via disso, ser beneficiário de tal isenção de pagamento de taxas moderadoras”, e depois, em jeito de reforço, acrescenta-se no ponto 16. “Muito menos se encontra reformado, pois que sempre laborou e labora por conta de outrem, não auferindo qualquer pensão de velhice.”
Deste modo, não se alcança a pretensão da recorrente, pois nem na acusação vem narrado que a mesma tenha inserido no sistema que o seu agora ex-marido era reformado, pelo que necessariamente tal facto nunca poderia ter sido dado como provado, nem o tribunal a quo deu efectivamente como provada tal circunstância, antes se afirma pela negativa que aquele não se encontra reformado. Ou seja, o que se dá como demonstrado é que a testemunha BB não estava reformada, à data.
Aliás rememora-se o que a este respeito se alinha na motivação “No que se refere à opção de “reformado”, compulsado o documento de identificação do utente junto a fls. 133 e 134, 1º volume, não se verifica que consta tal menção, confirmando as declarações da arguida, não se podendo, por isso, ter tal facto como provado.
Pelo que não tem qualquer cabimento a sobredita reivindicação da recorrente no que à mencionada factualidade concerne.
- Isenção de taxas moderadoras (DD) - questão do registo de pensionista(factos 22 a 28)
No que diz respeito à factualidade em questão, é a própria arguida que admite ter inserido tal menção relativamente ao seu filho – não obstante tenha mencionado que o fez a título experimental (somente o registou como pensionista, por uma questão de teste de sistema, como usualmente faziam nos serviços).
Pelo que tal facto sempre teria que ser dado como demonstrado.
De resto, a arguida não faz mais do que extravasar conjeturas acerca da intenção subjacente à inserção de tal dado no sistema, isto é, de que tivesse consciência da manutenção do registo desse benefício em favor do seu filho.
E o certo é que que mercê desse circunstancialismo fáctico “o arguido DD esteve isento do pagamento de taxas moderadoras, ou seja, não pagou consultas ou exames médicos e, até à presente data, beneficia de descontos especiais, por ser “pensionista” na comparticipação em medicação.”, pois tal qualidade efetivamente consta do sistema e é inegável.
Outrossim, nada cumpre alterar neste campo. - proveito no IUC relativamente à matrícula ..-VX- .. da propriedade do ex-marido BB (facto 46 II) alíneas e. e f.)
Deu-se como provado que “46. Mercê dos atestados multiusos fabricados em nome de BB e de AA, estes obtiveram para si e para a economia do casal, à custa do erário público, os seguintes valores indevidos:
(…)
II) A título de IUC:
(…)
e. Ano de 2020, no valor de €147,21, referente ao veículo de matrícula ..-VX-.. (…);
f. Ano de 2021, no valor de €147,21 referente ao veículo de matrícula ..-VX-...”
E ademais “47. Por força de tais documentos, produzidos nessas condições e apresentados na Autoridade Tributária, quis e conseguiu a arguida AA ludibriar o Estado, e (…) através dos mesmos isentar o pagamento dos IUC’s dos veículos registados em seu nome e em nome de BB, no valor global de €922,47.”
Bem se vê, por isso, que aquilo que é dado por provado é que, em virtude dos atestados multiusos fabricados, o casal obteve para si e para a economia do casal, à custa do erário público, os valores devidos relativos a tais impostos. Ou seja, em lado algum se refere que a arguida foi a beneficiária exclusiva de tal conduta.
Factualidade que aliás foi confirmada pela própria, a qual confessou ter elaborado e entregue os atestados multiusos em seu nome e do ex-marido para beneficiar de uma taxa de IRS mais favorável e para que os veículos registados em nome do ex-casal ficassem isentos de IUC.
A questão colocada pela recorrente relativa ao domínio da viatura em 2021, em período temporal já pós divórcio, em nada altera o decidido, pois nem sequer é do conhecimento do tribunal quando teve lugar a partilha de bens do casal e em que moldes veio a ocorrer tal partilha e consequente adjudicação de bens a cada um deles. Acresce que sequer foi feita prova de que a testemunha BB tirou proveito da isenção fiscal de forma consciente e contra a vontade da arguida AA.
Nessa medida, mais uma vez nada cumpre alterar quanto à factualidade em apreço. - Atestados de incapacidade/burla a Segurança Social - AA (factos 62 e 64); - Atestados de incapacidade/burla à Segurança Social - BB (factos 74 e 76); e - Atestados médicos e documentos médicos falsos para efeitos de seguradoras (factos 123, 124 e 127)
Pugna a recorrente pela discriminação de cada valor mensalmente recebido em consequência direta de cada CIT falsificado, e bem assim de cada valor recebido em decorrência de cada sinistro.
A importância prende-se essencialmente com a qualificação do crime e agravamento da moldura penal, decorrente do somatório dos valores, quando se deveria considerar cada valor unitário recebido por cada conduta ilícita.
Neste particular, não está em causa a discordância acerca da factualidade propriamente dita tida como assente, pois, os valores apurados, indubitavelmente correspondem às concretas vantagens patrimoniais obtidas. Pelo que, não faz qualquer sentido a pretensão da requerente já que tais actos não podem ser objecto de uma análise individual, mas antes global, subjacente à intenção de obter tais vantagens, quer por via dos CIT falsificados, quer por via dos atestados médicos e documentos médicos falsos. Por isso mesmo, a comprovada vantagem patrimonial obtida pela recorrente (total) é que tem que ser valorada para efeitos de enquadramento jurídico-penal.
Improcede neste conspecto a pretensão recursiva.
- Factos dados como provados sobre os pontos 251 a 271 - As condições sócio económicas da Arguida e Relatório Social
Em relação à situação económico-financeira da Arguida AA, o tribunal deu como provado e com acerto, pois é o que emerge do respetivo relatório social, que “257. Em 2022, após, alteração da execução da medida de coação aplicada de obrigação de permanência na habitação, a arguida AA passou a auferir cerca de 750€ mensais, vencimento proveniente do seu exercício de funções na empresa P..., na sequência da autorização que lhe foi concedida para se ausentar regularmente da habitação para este fim, e ainda o valor de 130€ relativo à pensão de alimentos proporcionada pelo ex-marido, relativamente à filha de ambos.”, pelo que nada mais cumpre acrescentar/alterar.
Quanto ao invocado esforço que tem vindo a fazer para reparar, no que lhe é possível, os danos causados, o tribunal pronunciou-se expressamente sobre o aludido tema, estribado na (recente) prova documental junta aos autos conforme decorre dos seguintes pontos de facto provados (veja-se que a prolação do acórdão ocorre em 02.02.2023):
“423. A arguida AA apresentou, em 16.01.2023, requerimento junto da Autoridade Tributária, pedindo que se procedesse à substituição dos valores das liquidações de IRS de acordo com a perícia feita nos autos, manifestando a intenção de proceder ao seu pagamento.
424. A arguida AA celebrou um acordo prestacional com o ISS para devolução dos subsídios de doença por si indevidamente recebidos no montante de 3.958,50€, encontrando-se a proceder ao seu pagamento.
Assim sendo, nada mais competia ao tribunal recorrido acrescentar em atinência ao falado tema, tal como não nos merece também nesta instância de recurso, alterar ou acrescentar, pois a prova produzida só permite concluir nos termos expostos.
Já no que se refere ao estado de saúde da sua mãe, para além de nada ter sido alegado por si em sede de contestação, no que a tais aspetos tange, junta apenas em sede de recurso documentação clinica/médica datada de 27.02.2023, que atestam o internamento daquela.
Por sua vez, no relatório social à mesma concernente nada é referido quanto a esse concreto aspeto da vida familiar.
Resta concluir, portanto, que se trata de matéria que sequer foi objeto de prova testemunhal e ou documental, pelo que estava o tribunal a quo impedido de a considerar.
Por conseguinte, não há incerteza que a prova produzida e examinada em audiência de julgamento foi bem apreciada e conjugada à luz das regras da experiência comum, pelo que não nos merece nenhum reparo a factualidade tida como assente na decisão recorrida, posto que aquela não impõe uma decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo.
Nestes termos, improcede a pretensão recursiva de modificação da matéria de facto que se mantém inalterada.
*
Consideremos agora os recursos na vertente da matéria de direito.
A arguida AA foi, como se deixou dito, condenada pela prática de:
- um crime de falsificação de documento agravado do artigo 256º, nºs 1, a), c), d), e) e f), 3 e 4 do Código Penal (atestados multiusos de AA e BB),
- um crime de burla tributária agravado à Segurança Social do art. 87º, nºs 1, 3 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 05/06 (CITs de AA e BB)
- dois crimes de falsificação de documento agravados do artigo 256º, nºs 1, a), c), d) e e) e f, 3 e 4 do Código Penal (CITs solicitados pelos co-arguidos e declarações médicas, notas de alta e CIT’s usados nas Seguradoras)
-um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nºs 1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09 (CITs de todos os arguidos e isenção de taxas moderadoras) e
-um crime de burla qualificada dos artigos 217º, nº1 e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Penal Em recurso, pugna a mesma pela sua condenação:
- Num único crime na forma continuada de falsificação de documentos agravado ao invés da condenação em vários crimes do mesmo tipo;
- E defende a desqualificação dos crimes de burla tributária agravada e burla qualificada devido ao valor;
Já o Ministério Público:
- Discorda do afastamento da punição pela prática do crime de burla tributária (a que se reportam os factos dados como provados sob os itens nºs 7 a 10 e 36 a 56 por referência aos atestados multiusos de incapacidade) relativamente às condutas perpetradas pela arguida AA no sentido de obter o reembolso de IRS ao longo dos anos, assim como o não pagamento de IUC
- Punição pela prática do crime de falsificação de documento.
- Absolvição dos arguidos AA, DD, CC, EE, FF e GG da prática dos crimes de abuso de poder pelos quais haviam sido acusados e pronunciados.
Neste âmbito, comecemos então pela primeira questão que a recorrente AA coloca à apreciação deste tribunal de recurso atinente à qualificação jurídica dos factos respeitantes aos crimes de falsificação de documento, cuja unificação entende dever ser realizada através da figura do crime continuado ou do crime único.
Quanto aos três crimes de falsificação agravado em causa, vejamos então se os mesmos devem manter a respectiva autonomia ou se estamos perante um crime continuado ou mesmo um crime único.
O nosso ordenamento jurídico aborda a temática da unidade ou pluralidade de crimes no art. 30º do Código Penal, sob a epígrafe “Concurso de crimes e crime continuado”, norma tributária na sua essência da doutrina de Eduardo Correia.
Estabelece o nº 1 deste preceito que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.”
Já o nº 2 preceitua que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Resulta, pois, que esta norma vai buscar o seu fundamento à diminuição da culpa do agente, em virtude da facilidade criada por determinadas circunstâncias para a prática de novos actos da mesma natureza.
Eduardo Correia in Direito Criminal, Vol. II, pág. 209 ensina “Pois, quando bem se atente, ver-se-á que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico -, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que, portanto, em princípio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente.”
Pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 28.04.2010 acessível in www.dgsi.pt. “E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”
Todavia, a lei não determina expressamente qual seja essa situação exterior mitigadora da culpa, mas contém em si a ideia de que “no plano positivo pressupõe que o comportamento do agente se mostra determinado por circunstâncias exteriores que o levaram à reiteração da conduta ilícita, e, no negativo, afasta as situações em que essa reiteração se verifica por razões de natureza endógena como clarifica o Ac. do STJ de 00.04.27, Proc. nº 53/00, disponível na mesma plataforma.
Daqui decorre que “se for o próprio agente a determinar o cenário, que objectivamente visionado, serviria à perfectibilização do crime continuado, às plúrimas resoluções criminosas que, afinal, expressam a "repetição da sucumbência" fundada esta num conjunto de factores exteriores que a explicam e que, explicando-a podem levar a concluir por uma culpa menor, não são passíveis de constituírem tal tratamento jurídico menos gravoso” – vide Ac. do STJ de 15.06.000, Proc. nº 176/00, www.dgsi.pt.
Donde, sempre que as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa será de concluir pela existência de concurso real de crimes.
Ressuma do Ac. da Relação de Lisboa de 13.04.2011 que “O cerne do crime continuado, o seu traço distintivo, à luz do qual todos os outros orbitam parece situar-se na existência de uma circunstância exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. O quid essencial está em saber em que medida a solicitação externa diminui a censura que determinada(s) conduta(s) merece(m). (…) Só ocorrerá diminuição sensível da culpa do agente, tradutora de uma menor exigibilidade para que o agente actue de forma conforme ao direito, quando essa tal circunstância exógena se lhe apresenta, nas palavras impressivas de Eduardo Correia, de fora, não sendo o agente o veículo através do qual a oportunidade criminosa se encontra de novo à sua mercê.(…) Sempre que as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa é de concluir pela existência de concurso real de crimes.
Refere por seu turno o Prof. Germano Marques da Silva em “Direito Penal Português, Parte Geral – II Teoria do Crime”, Verbo, 1998, págs 315 e ss, que “(...) como nota característica do crime continuado destaca-se uma pluralidade de acções que, naturalisticamente consideradas, podem constituir o corpus de uma pluralidade de crimes, tantos quantas as acções, mas que a lei unifica e trata como um crime só., o crime continuado distingue-se do concurso real de crimes apenas em razão dos elementos aglutinadores que a lei prevê: unidade do bem jurídico protegido, execução por forma essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação exterior.(…)No crime continuado não há apenas uma resolução criminosa, mas tantas resoluções quantas as condutas que o integram, de tal modo que cada conduta parcelar constitui materialmente um crime autónomo, apenas unificado para efeitos punitivos e de sorte que a não verificação de um dos pressupostos que determinam a unificação se verificará uma pluralidade de crimes em concurso real (…)O elemento verdadeiramente determinante do conceito de crime continuado é a diminuição considerável da culpa do agente no caso concreto, determinada pela disposição exterior das coisas para o facto (...)”.
Pode-se por isso ter-se como pacifico que a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime pode constituir:
“a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se existirem várias resoluções criminosas, mas estiverem interligadas por factores externos que arrastem o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
Alinhados estes princípios e revertendo ao caso que nos ocupa, considerou o tribunal a quo, no que ao crime de falsificação de documento agravado, que estão em causa três resoluções (criminosas) completamente distintas por parte da arguida AA: i) a de fabricar atestados multiusos e comunica-los à Autoridade Tributária, ii) a de fabricar CIT’s que entregou aos co-arguidos com o intuito de estes os utilizarem nas circunstâncias que entendessem e iii) a de fabricar CIT´s e outros documentos com vista a instruir processos de sinistro a entregar nas companhias de seguros.
Na primeira situação foi entendido que a arguida AA, ao fabricar dois atestados multiusos, aproveitando documentos a que tinha acesso, e neles alterando os nome, fazendo neles constar um facto jurídico relevante, em concreto um grau de incapacidade que concedia isenções ao nível do IUC e que fosse considerada uma base de tributação mais baixa, tendo apresentado tais documentos junto da Autoridade Tributária, e detendo tais documentos na sua posse para se valer dos mesmos quando deles necessitasse, cometeu o falado crime. Nessa decorrência, mais se considerou que apesar de se verificar que a fabricação e apresentação dos dois atestados multiusos foi bastante dilatada no tempo (6 anos – cfr. factos provados sob os nºs 37 e 41), concluiu-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de menor empobrecimento do património familiar por via do não pagamento de impostos, dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos. Acresce que, tal como se lê no acórdão recorrido ainda que a apresentação do primeiro atestado multiusos seja bastante anterior à apresentação do segundo, constata-se que este foi apresentado para diminuir aquele empobrecimento de um único património, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos. Pelo que, se entende que deve ser condenada pela prática de um único crime relativamente à falsificação dos atestados multiusos.
Já na segunda situação concernente aos CITs remetidos para a Segurança Social de todos os arguidos, que se passa a concretizar: para efeitos de apresentação juntos das respetivas entidades patronais e/ou da Segurança Social, tendo em vista justificar faltas e obter subsídios de doença indevidos, a arguida AA fabricou um elevado número de – 122 – certificados de incapacidade temporária, em seu nome (25), em nome do seu ex-marido (77), do arguido DD (4), CC (1), EE (4), JJ (1), GG (2), KK (1), de II (6) e de HH (1), aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, ou acedendo ao sistema que gera e envia aqueles certificados através da utilização de palavras passe de médicos que conhecia ou através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que as pessoas ali mencionadas se encontravam doentes ou a prestar assistência a filho doente (caso dos arguidos FF e JJ), tendo tais documentos sido apresentados, por si ou pelos arguidos, em comunhão de esforços e vontades, junto da Segurança Social, o que preenche a alínea e) e detendo tais documentos na sua posse e facultando aqueles que tinham sido solicitados pelos coarguidos a estes; solicitou a uma médica – Dr.ª QQ – a emissão de dois certificados de incapacidade temporária em nome do co-arguido DD (factos provados sob o nº194, a. e d.), o que conseguiu, neles se fazendo constar que o mesmo se encontra incapacitado para trabalhar por motivo de doença, o que era falso, tendo tais documentos sido apresentado junto da Segurança Social e detendo tais documentos; a arguida AA ademais fabricou, além de um certificado de incapacidade temporário, um atestado médico e uma declaração de presença, em nome do co-arguido CC aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, através da aposição da assinatura destes, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que aquele arguido se encontrava doente, tendo tais documentos sido apresentados pelo arguido junto da sua entidade patronal, e facultando tais documentos.
Igualmente se entendeu na decisão recorrida que, apesar da fabricação e apresentação dos documentos ter sido bastante espaçada no tempo relativamente a cada um dos coarguidos, decorre do contexto em que os factos ocorreram que a arguida atuava animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazia quaisquer consequências ao abrigo de uma única resolução criminosa, de agradar aos outros, movida pelo acesso fácil aos documentos e sistema informático necessários para o efeito, dentro de uma atuação homogénea, praticados atos idênticos, praticando-os quase de forma automática e mecanizada, pelo que, mais uma vez entendeu o coletivo que a ora recorrente devia ser condenada pela prática de um único crime relativamente à falsificação dos certificados de incapacidade temporária apresentados em nome de todos os arguidos (acabando por ser apenas relevantes nesta sede os CITs emitidos em nome de DD, HH, CC, EE, II, JJ, GG e KK, ficando excluída a falsificação dos certificados de incapacidade temporária emitidos em nome da arguida e do seu ex-marido apresentados junto da Segurança Social, tendo em vista a obtenção de subsídios de doença indevidos, pois foi a arguida punida a este título pela prática de um crime de burla tributária do artigo 87º, nº1 do RGIT).
Por último no tocante às declarações médicas, notas de alta e CITs usados nas Seguradoras, resultou apurado que para apresentação junto das seguradoras A... e J... com as quais havia celebrado contratos de seguro tendo em vista acionar os mesmos, a arguida AA fabricou inúmeros certificados de incapacidade temporária, declarações de internamento, relatórios médicos, notas de alta, declarações médicas, em seu nome e em nome do seu ex-marido, aproveitando documentos a que tinha acesso e neles inserindo os dados pretendidos, através da aposição da assinatura de médicos, fazendo neles constar factos jurídicos relevantes, em concreto que as pessoas ali mencionadas se encontravam doentes e tinham sofrido acidentes, tendo tais documentos sido apresentados, por si às referidas seguradoras, e detendo tais documentos na sua posse.
Outrossim, neste âmbito, o tribunal recorrido considerou que, apesar da fabricação e apresentação dos documentos ter sido dirigida a entidades diferentes e ter dado origem a processos distintos, 11 junto da J... e 9 junto da A..., a arguida a atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime. Pois apesar de se verificar que a apresentação dos documentos falsos quer em nome do ex-marido da arguida, quer em nome desta e perante duas entidades distintas, constatou-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de aumentar o património familiar por via da obtenção de vantagens indevidas (prémios de seguro) -, dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos.
Aliás, conforme resultou provado a arguida ia alternando a participação dos sinistros em seu nome e em nome do seu ex-marido até que cada um atingisse o “plafond” máximo do prémio de seguro (a partir do qual não eram pagos mais montantes).
Tais documentos foram sendo apresentados ao longo do tempo perante entidades diversas, mas que concediam o mesmo tipo de atribuições patrimoniais (prémios de seguro) para continuar a aumentar o mesmo património familiar, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos.
Daí se ter entendido que os sobreditos factos se subsumem à prática de um único crime relativamente à falsificação de documentos e sua utilização junto das seguradoras.
Ora, perante o vindo de expor, bem se vê que a pretensão da recorrente, de ser condenada por um único crime de falsificação de documento agravado e não por três crimes como sucedeu, não merece o nosso acolhimento.
É que não se vislumbra uma única resolução, tão pouco uma conduta essencialmente homogénea, facilitada por uma circunstância exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Ao invés, a arguida não só contribuiu como em cada uma das situações poderia ter tido uma atuação diferente. Com efeito, in casu, estamos perante circunstâncias conscientemente procuradas e criadas pela arguida AA para levar a cabo ou concretizar a sua intenção criminosa. É a própria a determinar o cenário em cada uma das três descritas situações, aperfeiçoando a realidade exterior aos seus desígnios e propósitos sendo ela a dominá-la, e não esta a dominá-los. Não há circunstância exterior, mas sim uma predisposição anterior da arguida.
Dito de outro modo, as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.
Assim, resultando que o propósito criminoso que está por detrás da repetição da actividade ilícita da arguida em cada uma das descritas situações, deriva de um quadro interior, endógeno, inerente à própria e não de uma qualquer disposição exterior das coisas para o facto, que de forma considerável facilitou aquela repetição, não se justifica o tratamento unitário no quadro da continuação criminosa, punida pela forma atenuada prevista no artigo 79.º do Código Penal, a não ser nos termos já decididos na 1ª instância que agrupou, com acerto, cada um dos descritos cenários fácticos, como vindo de referir.
Veja-se que que se trata do cometimento de factos, nos três apurados quadros fácticos, sem qualquer relação entre si, como diferentes são os momentos e as circunstâncias espácio-temporais em que ocorreram. Ademais, insiste-se, não se descortina qualquer circunstância exterior que diminua sensivelmente a sua culpa e que possa cogitar a aplicação de um crime na forma continuada, à excepção insiste-se, da realização plúrima de forma similar dos actos de fabrico dos seguintes documentos: a) atestados multiusos, b) CIT’s entregues aos co-arguidos com o intuito de estes os utilizarem nas circunstâncias que entendessem e c) CIT´s e outros documentos com vista a instruir processos de sinistro a entregar nas companhias de seguros, já que em todas estas três situações os documentos foram elaborados da mesma forma e com o mesmo propósito, e daí a consideração de um crime apenas em todas elas.
Não se diga por isso que estamos perante uma homogeneidade da forma de execução, pois o tipo de documentos fabricados não apresenta similitude, desde logo, atente-se que estão em causa certificados de incapacidade temporária, declarações de internamento, relatórios médicos, notas de alta, declarações médicas, em seu nome e em nome do seu ex-marido, com vista à sua entrega às companhias de seguros (na terceira situação), certificados de incapacidade temporária em nome de diversas pessoas neles se fazendo constar que as mesmas se encontravam incapacitadas para trabalhar por motivo de doença, e com vista à sua apresentação junto da Segurança Social (na segunda situação) e por fim atestados multiusos em que se fez constar um grau de incapacidade que concedia isenções ao nível do IUC para que fosse considerada uma base de tributação mais baixa, e apresentados tais documentos junto da Autoridade Tributária (na primeira situação).
De todo podemos falar em falsificações realizadas de forma semelhante como apregoa a recorrente, tão pouco de unidade do dolo, pois desde logo a mesma praticou determinados factos adapatando-os a cada uma das descritas (três) situações; acresce que tais factos não envolvem os mesmos agentes nem os mesmos ofendidos, ademais recorrendo a arguida a diferente tipo de documentação consoante os seus diferentes propósitos e objetivos.
É necessário por isso ser rigoroso na aferição dos requisitos de que depende a figura do crime continuado, sob pena de se premiar e promoverem as carreiras criminosas longas, como de resto parece pretender a arguida.
Inexistem, assim, quaisquer factores que justifiquem e tornem compreensíveis, no sentido de diminuição da respectiva culpa, as descritas actuações da arguida AA, antes pelo contrário, pelo que concluímos pela não verificação dos requisitos do crime continuado, e assim, serão tais crimes punidos em concurso real de infracções, nos termos do art. 30º, nº1 do Código Penal.
Improcede por isso este segmento de recurso.
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A arguida AA defende ainda a desqualificação dos crimes de burla tributária agravada e burla qualificada devido ao valor.
No que tange à burla tributária qualificada (art. 87º, nºs 1, 3 e 4 do RGIT - CITs em nome do ex-marido da arguida e desta), entende aquela que deve concluir-se pela verificação do tipo simples – na forma continuada, pois deveria ter-se em consideração, para a qualificação ou não do crime, apenas o valor mais elevado.
Rememorando o que neste contexto emerge do acórdão recorrido, é a condenação da arguida pela prática de um único crime de burla tributária em razão da apresentação sucessiva de diversos certificados de incapacidade temporária para o trabalho em seu nome e em nome do seu marido, assim enganado a Segurança Social, conseguindo que esta lhe atribuísse uma prestação patrimonial da qual resultava o seu enriquecimento. i. e., uma atribuição patrimonial, nomeadamente a quantia total de € 3.958,50 relativamente aos CITs apresentados em seu nome e a quantia total de € 23.325,31 relativamente aos CITs apresentados em nome do seu marido. (“considerando que o valor global dos subsídios de doença recebidos de 27.283,81€ (€3.958,50+€23.325,31) convocam a aplicação da moldura hiperqualificada (nº 3), deve a arguida ser punida em conformidade, ou seja, pela prática de um crime de burla tributária agravada do artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT."— pág. 187 do Acórdão).
Nesta senda – relativamente ao número de crimes -, tal como deflui do acórdão “tendo ficado demonstrado que a arguida atuou ao abrigo de uma única resolução criminosa, animada pela circunstância de tal situação apesar de prolongada no tempo, não lhe trazer quaisquer consequências, verificando-se, por isso, a prática de um único crime relativamente aos atestados emitidos em cada um dos nomes (da arguida e do marido)(cfr. factos provados sob os nºs 86 e 87). Com efeito, apesar de se verificar que entre o início da apresentação dos documentos falsos em nome do ex-marido da arguida e o início da apresentação de documentos falsos em nome desta dista um largo período de tempo (5 anos), conclui-se que a arguida agiu dentro de um mesmo desígnio – de aumentar o património familiar por via da obtenção de vantagens indevidas (subsídios de doença), dentro de um quadro homogéneo de condutas, falsificando o mesmo tipo de documentos. Assim, apesar de tal dilação, constata-se que os certificados em nome da arguida foram apresentados para continuar a aumentar o mesmo património familiar, ou seja, dentro do mesmo quadro resolutivo, animada pela circunstância de nunca ter sido detetada a sua conduta após tantos anos. Pelo que, se entende que deve ser condenada pela prática de um único crime relativamente à apresentação certificados de incapacidade temporária apresentados em nome do seu ex-marido e em seu nome. Ou seja, deverá ser condenada pela prática de um crime de burla tributária.”.
Não estamos por isso em presença da prática de um crime na forma continuada, como equivocamente argumenta a recorrente, mas sim, reitera-se de um único crime de burla tributária, considerando-se que ao longo de toda a realização do mesmo persistiu o dolo ou resolução inicial.
Como já atrás se assinalou, a figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.
Porém, não foi este o entendimento adotado pelo coletivo para esta concreta situação, antes considerou o tribunal a quo ter sido cometido um só crime, perante a única resolução criminosa que unificou a actuação global da arguida, no que ao antedito crime respeita.
E porque, não considerou o Tribunal que existiu mais do que uma resolução criminosa, mas apenas uma – ainda que relativa a declarações distintas (suas e do então marido), não há incertezas que existiu um único crime. Consequentemente, para cálculo da vantagem patrimonial pretendida e obtida, sempre teria que ser levada em linha de conta a globalidade da quantia de que se apoderou a requerente, em sede de subsídio de doença e não a conduta unitária mais grave como esta pretende (o valor do subsídio mais elevado recebido de uma só vez corresponde ao montante de 1.009,50€ respeitante aos subsídios dos meses de junho, agosto e setembro de 2020 do BB), que só faria sentido caso tivesse sido condenada pela prática de um crime na forma continuada.
Sequer contraria a recorrente o acolhido entendimento do tribunal recorrido, aduzindo factualidade que o contrarie.
Desta feita, bem andou o tribunal recorrido ao tomar em linha de conta o valor global dos subsídios de doença recebidos e essa medida convocar a aplicação da moldura hiperqualificada nos termos vistos (“Neste conspecto cumpre referir que considerando que o valor global dos subsídios de doença recebidos de 27.283,81€ (€3.958,50+€23.325,31) convocam a aplicação da moldura hiperqualificada (nº3), deve a arguida ser punida em conformidade, ou seja, pela prática de um crime de burla tributária agravada do artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT.).
Pelo exposto, improcede, ou cai pela base, toda argumentação da recorrente nesse conspecto.
E em relação à pretendida desqualificação do crime de burla qualificada (declarações médicas, notas de alta e CITs/valores de que a arguida se apropriou relativamente às seguradoras ofendidas) devido ao valor, idêntico juízo terá que ser feito necessariamente.
Mas atentemos.
Neste particular, dissentindo do tribunal a quo vem a recorrente apoiar-se num Ac. do STJ (Processo n 4145/03.7TDLSB.L1 de 18-06-2009) que supostamente tratava uma situação semelhante, concretamente a punição de um crime continuado de burla, devendo ter-se em consideração a conduta unitária mais grave, e não o resultado somatório de todas as condutas, para assim concluir que não se poderá considerar o somatório de todos os valores e em consequência agravar o enquadramento penal do crime através de uma qualificação do crime.
E prossegue, o valor unitário mais alto recebido num sinistro foi no montante de 873,90€, em cada mês, entre 28/08/2008 e 22/07/2009 (do. 4 junto com o Requerimento inicial da A...), calculados da seguinte forma — a arguida AA usava o mesmo CIT para o recebimento das quantias por três contratos de seguros diferentes e seguradoras diferentes — B... e C... - processos de sinistros n.°s ...17, ...17 e ...18, nos quais se dividiu o valor total recebido pelo número de dias do sinistro e se multiplicou por cada fracção de 30 dias, ou seja, o correspondente à máxima duração de cobertura de cada CIT falsificado.
De forma sumária podemos concluir que o referido valor de 873,90€ não alcança o que se considera de valor elevado ou consideravelmente elevado nos termos das alíneas a) e b) do art. 202º do Código Penal - 5.100,00€ e 20.400,00€ respectivamente, pelo que a punição terá que necessariamente ocorrer pelo nº1 do art. 217º do Código Penal, ou seja, na sua moldura mais simples e sem qualificação, remata a recorrente.
Sucede que a recorrente vinha efectivamente pronunciada pela prática de um crime de burla qualificada dos artigos 217º e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Pena por referência a uma das seguradoras, e demonstrado ficou que a arguida AA, mediante a apresentação junto da seguradora A... com a qual havia celebrado contratos de seguro, de documentos que fabricou (certificados de incapacidade temporária, declarações de internamento, relatórios médicos, notas de alta, declarações médicas), em seu nome e em nome do seu ex-marido, de forma a suportar os processos de sinistro que iniciou, por esta os ter julgado verdadeiros, levou a que esta procedesse ao pagamento dos prédios de seguro no valor global de 27.728,99€ relativo aos alegados sinistros de BB e no valor global de 24.631,56 relativos aos sinistros em nome da arguida AA, provocando-lhe um prejuízo em igual valor.
Mais uma vez, o tribunal recorrido acolheu a tese, no seguimento aliás da pronúncia, que todas as unitárias condutas integravam a prática de um só crime, o que outrossim a recorrente não questionou.
É que estamos perante uma só resolução por parte da arguida AA, de fabricar documentos no sentido de comunicar à referida seguradora com quem tinha (assim como o seu ex-marido) contratos de seguro que havia sofrido lesões e acidentes de trabalho com vista a que aquela suportasse os seus créditos e/ou despesas. Perante tal circunstancialismo fáctico, necessariamente teria de se concluir que a resolução (criminosa) da arguida tinha como objectivo apoderar-se do valor total apurado. Destarte, não se vê nenhum desacerto na decisão do coletivo que integrou a apurada conduta no crime de burla qualificada (em função do valor), atento o concreto e global valor apurado. Nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, pois, nesta parte.
Nesta medida, improcede a concreta pretensão recursiva.
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Prosseguindo com a análise do recurso do Ministério Público:
Começa o recorrente por manifestar discordância pelo afastamento da punição pela prática do crime de burla tributária (a que se reportam os factos dados como provados sob os itens nºs 7 a 10 e 36 a 56 por referência aos atestados multiusos de incapacidade) relativamente às condutas perpetradas pela arguida AA no sentido de obter o reembolso de IRS ao longo dos anos, assim como o não pagamento de IUC e subsequente punição pela prática do crime de falsificação de documento.
No entanto, como também se refere na peça recursiva, a ser dado provimento ao recurso que interpõe, não pretende o Ministério Público que com o mesmo sejam alteradas as penas unitárias em que os recorridos foram condenados.
Está assim em causa a integração dos factos apurados no tipo penal de burla tributária, tipo penal surgido em 2001 para resolver um problema, o do concurso da Fraude fiscal do RJIFNA com o tipo clássico de burla.
Ora o crime em apreço (burla tributária qualificada do art. 87º, nºs 1 e 4 do RGIT) foi objecto de proficiente análise pelo tribunal recorrido no que aos respectivos elementos concerne, pelo que naturalmente nos eximimos de repisar, centrando a nossa apreciação no tópico divergente, qual seja, os elementos típicos “a determinação da administração tributária ou da segurança social, por estarem induzidas em erro, a efetuar atribuições patrimoniais” e a “ das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.”
Antes, porém, e no que se refere à subsunção dos factos praticados pela arguida ao crime de burla tributária porque fora pronunciada, recorde-se a factualidade apurada tal como destaca a decisão recorrida: Decorre dos factos provados que a arguida fabricou dois atestados multiusos em seu nome e em nome do seu ex-marido, utilizando atestados de outras pessoas aos quais teve acesso no exercício das suas funções de funcionária da USF, alterando os respetivos nomes, neles fazendo constar que a primeira tinha um grau de incapacidade de 66% e o segundo de 60% e apresentou-os junto da Autoridade Tributária de forma a beneficiar de taxas de IRS mais favoráveis e a obter isenções do pagamento de IUCs (cfr. factos provados sob os nºs 36 a 44). Mais ficou provado que com tal atuação a arguida e o respetivo agregado familiar conseguir obter reembolsos de IRS nos anos de 2013 a 2019 que não lhe eram devidos, bem como, isenções do pagamento de IUC nos anos de 2015, 2016, 2017, 2019, 2020 e 2021, nos montantes referidos nos factos dados como provados sob os nºs 45, 46 e 47.
Contudo, entendeu o Tribunal que apesar de ter resultado de tal conduta reembolsos à arguida da quantia global de €19.818,24, a realidade é que os montantes objeto do reembolso não estavam integrados definitivamente no património tributário, constituindo, pelo contrário, um adiantamento por conta do IRS que viesse a ser liquidado a final, “entregue” provisória e condicionalmente pela via do mecanismo da retenção da fonte.
Porém, discorda o Ministério Público recorrente desta interpretação no que tange aos elementos do tipo legal de crime da burla tributária.
Com efeito, defende o MP recorrente que a arguida AA deveria ter sido condenada pela prática dos crimes de burla tributária que lhe vinham imputados (ainda que entenda que, de facto, a conduta é uniforme e se subsuma apenas a um crime), e já não pela prática de um crime de falsificação de documento agravado, como o veio a ser.
Acentua que o crime de burla tributária conhece alguns momentos de descontinuidade em relação ao delito clássico de burla. Na enunciação típica do processo causal, o iter criminis genérico da burla comum (“por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou”) é na burla tributária recortado de modo mais detalhado, mediante referência a instrumentos defraudatórios próprios do ambiente fiscal (“por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos”). Também ao nível do tipo objectivo de ilícito, enquanto no crime de burla o resultado típico é constituído pelo “prejuízo patrimonial”, no delito de burla tributária a consumação pressupõe ainda o enriquecimento do agente ou de terceiro. Claro que este enriquecimento tem como reverso a causação de um prejuízo ao erário tributário, só podendo falar-se de enriquecimento penalmente relevante para este efeito quando esse enriquecimento é obtido à custa do património fiscal do Estado. Do lado da burla tributária exige-se que a Administração Tributária seja determinada “a efectuar atribuições patrimoniais”. Exige-se, assim, um autêntico facere da Administração Tributária, traduzido numa entrega de valores patrimoniais do erário fiscal, poderá ser integrado no acto de disposição patrimonial com significado para este efeito.
A burla tributária configura-se ainda como um crime de resultado, na medida em que há-de surgir como consequência de um específico processo causal, o que faz dela também um crime de execução vinculada.
A consumação do crime de burla tributária terá sempre de passar pelos seguintes momentos:
1. uma conduta fraudulenta do agente, que se dirige à Administração Tributária apresentando falsas declarações, documentos falsificados ou viciados, ou outros instrumentos enganosos;
2. que, fruto dessa conduta ludibriadora do agente, a Administração Tributária configure a situação tributária numa perspectiva desconforme com a realidade, incorrendo, portanto, em erro;
3. que, induzida por esse erro, a Administração Tributária actue com prejuízo para a esfera patrimonial fiscal do Estado, nomeada e necessariamente, mediante a realização de atribuições patrimoniais; e
4. que dessas atribuições resulte o enriquecimento do agente ou de terceiro.
Como crime com participação da vítima que é, o perfeccionamento da burla tributária não se basta com uma acção fraudulenta dirigida pelo agente contra a vítima; ela está ainda dependente de uma disposição patrimonial realizada em virtude do erro inculcado por aquele engano.
- Tratam-se de condutas fraudulentas, dirigidas à ATA, prestando informações falsas, tendo por base documentos falsificados (com efeito, a arguida forjou atestados multiusos que remeteu à ATA, para que lhe fosse atribuída, assim como ao seu então marido, a atribuição patrimonial consubstanciada no reembolso de IRS e isenção de IUC);
- Em face dessas informações, a ATA. incorreu em erro, configurando deste modo a situação tributária do agregado familiar numa perspetiva desconforme com a realidade (ou seja, fazendo os pertinentes cálculos para efeitos de reembolso);
- Induzida por esse erro, a ATA actuou com prejuízo para a esfera patrimonial fiscal do Estado, nomeada e necessariamente, mediante a realização de atribuições patrimoniais (precisamente, a atribuição de benefícios fiscais, traduzidos na concessão de isenção de IUC e na entrega da quase totalidade dos montantes retidos a título de IRS anteriormente entregues);
- E, dessas atribuições, resultou enriquecimento do agente (e de terceiro).
É esta em suma a posição do Ministério Público recorrente sobre o tipo legal em estudo.
Porém, o tema dissidente como bem patenteia o acórdão prende-se com o enriquecimento do agente, defendendo o acórdão recorrido que a isenção de IUC e a entrega da totalidade do IRS retido não o consubstancia, antes e tão só um não empobrecimento, com o inerente prejuízo patrimonial do Estado, porquanto tais valores foram retidos ao contribuinte (e, por isso, não seriam atribuições patrimoniais); (sublinhado nosso) a ser assim, defende-se na referida decisão, que a conduta da arguida visou, não um aumento efectivo do seu activo patrimonial, mas antes o evitar de uma diminuição do seu património.
Reaviva-se o pertinente excerto do acórdão “Ou seja, resulta claramente dos factos provados que a atuação da arguida visou evitar o empobrecimento do património familiar, mediante a criação de um engano – de que a própria e o seu marido eram portadores de um grau de incapacidade superior a 60% -, à Autoridade Tributária, de molde a aplicar uma taxa menor ao rendimento tributável em sede de IRS nos referidos anos, sem o que as respetivas liquidações implicariam o pagamento de impostos que empobreceria o referido património.
Apesar de ter resultado de tal conduta reembolsos à arguida da quantia global de €19.818,24, a realidade é que os montantes objeto do reembolso não estavam integrados definitivamente no património tributário, constituindo, pelo contrário, um adiantamento por conta do IRS que viesse a ser liquidado a final, “entregue” provisória e condicionalmente pela via do mecanismo da retenção da fonte.
Com efeito, os montantes retidos na fonte só integram o património tributário em função da liquidação do imposto que vier a ser feita no final do período tributário em causa.”
Já o Ministério Publico perfilha o entendimento de que a partir do momento em que são retidas quaisquer quantias nos salários dos trabalhadores, tais quantias não mais são propriedade do próprio, passando a ser propriedade do Estado Administração Fiscal. E o eventual reembolso no ano seguinte é uma verdadeira atribuição patrimonial, que ocorrerá em maior ou menor medida consoante determinadas condições que o contribuinte possua e despesas que tenha; e que, como é sabido, até pode nem existir.
Por outras palavras, tal valor, a partir do momento em que é retido, é do Estado; no ano seguinte, se o contribuinte tiver deduções à colecta a efectuar, nos termos legalmente previstos, poderá receber algum valor do que pagou (ou a totalidade, ou mesmo nada).
Assim, quer os reembolsos de IRS (porquanto as quantias retidas anteriormente representam receitas do Estado e, por isso, sua propriedade), quer as isenções de IUC, consubstanciam uma atribuição patrimonial do Estado. Sendo-o, o fabrico e utilização de atestados multiusos falsos para incremento dos valores a receber em sede de IRS (e isenção de IUC) são condutas fraudulentas, por meio de falsas declarações, que determina a A.T.A. a efectuar atribuições patrimoniais a favor do agente (ou de terceiro), com o inerente enriquecimento daquele.
Sucede que, amparado, entre outros, nos ensinamentos de Figueiredo Dias e Nuno Brandão (“Ocrimedeburlatributária”, in Estudos de Homenagem a Rui Machete, p. 406), que defendem “do elemento típico “efetuar atribuições patrimoniais” deverão considerar-se excluídas as hipóteses em que o património tributário sai prejudicado na sequência de uma conduta fraudulenta de um contribuinte à qual, até ao momento em que o prejuízo patrimonial se consuma, não se segue qualquer reação da Administração Tributária (v. g., o contribuinte não apresenta a sua declaração de rendimentos ou declara rendimentos inferiores aos reais e/ou apresenta despesas fiscalmente relevantes que todavia não existiram, assim logrando evitar pagar o imposto que seria legalmente devido),o coletivo veio a optar pela tese de que “(…) o preenchimento dos elementos objetivos do crime só se verificará quando o erro ou engano provocados pelo agente implique atos positivos da Administração Tributária que coenvolvam uma transferência patrimonial direta do ativo do património tributário para o ativo de um particular, o agente ou um terceiro.
Ou seja, o ato de “efetuar atribuições patrimoniais” que compõe a conduta típica da vítima de burla tributária corresponde a um ato de deslocação de valores pecuniários já integrados no erário tributário, das mãos do Fisco para a esfera patrimonial do agente ou de um terceiro.
E neste sentido, vai também a exigência de que para que haja o preenchimento do tipo de burla tributária àquelas atribuições patrimoniais se sigam dois resultados típicos: o prejuízo patrimonial do Fisco e o enriquecimento do agente ou de terceiro (enriquecimento que não corresponde apenas a um desígnio almejado pelo agente, mas que figura como um outro autêntico resultado típico, integrando assim o tipo objetivo de ilícito).
Defende por isso o tribunal a quo “Assim, do que se trata neste domínio é de um enriquecimento que deve decorrer de uma atribuição patrimonial efetuada pela Administração Fiscal, o que revela uma delimitação do âmbito punível da burla tributária baseada numa conceção que contrapõe os conceitos de enriquecimento e não empobrecimento.
O primeiro, terá de ser entendido como um aumento efetivo do ativo patrimonial do beneficiário da disposição e o segundo, como uma evitação de uma diminuição desse património.”
E daí que a burla tributária só se liga àquele primeiro conceito e já não ao segundo.
E conclui o acórdão em crise:
“no caso concreto, tendo a arguida sido reembolsada dos montantes adiantados a título de retenção na fonte apenas e só porque, através da sua conduta fraudulenta logrou diminuir o imposto que teria de pagar se não a tivesse encetado, consubstanciando esse reembolso uma mera devolução do que (no contexto da liquidação de IRS efetuada com base nos pressupostos fraudulentos criados por aquela) lhe pertencia, por lhe ter sido retido na fonte a mais do que o imposto supostamente devido, não se pode concluir que agiu com intenção de enriquecer.
O mesmo se diga das isenções do pagamento do IUC, que não corresponderam a qualquer ao dispêndio de qualquer quantia pela Autoridade Tributária em favor da arguida e do seu agregado, nem ao aumento do seu património, antes ao seu não empobrecimento.
Não se verificaram, portanto, nem a atribuição patrimonial típica por parte da AT, nem o enriquecimento (strictu sensu) da arguida, i. e. não se verifica o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de burla tributária, pelo que, é de concluir que a sua conduta não integrou a prática do crime de burla tributária de que vinha acusada, devendo, em consequência, ser absolvida da sua prática”
Pelo exposto, a mera correção da subsunção jurídica feita no acórdão em exame (sem implicação na pena a aplicar tal como pelo MP recorrente é propugnado) não nos merece acolhimento porquanto, e à semelhança do entendimento do tribunal a quo, não vemos como possam, quer os reembolsos de IRS, quer as isenções de IUC, ser consideradas uma atribuição patrimonial do Estado, já que este, na verdade, e em termos simplistas, nada entregou ao contribuinte. O que sucedeu, foi que a atuação da recorrente apenas lhe permitiu baixar o imposto que teria de pagar se não a tivesse encetado, como bem sintetiza a decisão recorrida.
E o facto de constituírem benefícios fiscais/despesas fiscais, não significa que possam ser tidas como atribuições patrimoniais, à luz do disposto no art. 87º, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, como defende o MP recorrente.
Na senda dos contributos doutrinais que defendem o entendimento adotado pelo coletivo e que outrossim merece a nossa adesão, não existe in casu qualquer atribuição patrimonial para efeitos do preenchimento do preceito incriminador da burla tributária que sempre teria de se consubstanciar num efetivo pagamento de uma qualquer quantia pela Administração Tributária, o que, porém, não ocorreu.
Ademais, o enriquecimento (cfr. elementos de imputação objectiva aceites sem discussão na Burla clássica mas por referência central ao prejuízo patrimonial, que aqui deve ser abandonado em favor do enriquecimento, enquanto elemento objectivo determinante, pois que o tipo tributário prescinde da causação de prejuízo) não se vislumbra, nos moldes bem explicados na decisão recorrida.
Não é, pois, possível considerar preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de burla tributária, pelo que, falhando os anteditos elementos, bem andou o tribunal recorrido ao absolver a arguida da sua prática, que neste campo não é passível de critica.
Nesta medida improcede a questão recursiva proposta pelo Ministério público.
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O Ministério Público por via do recurso que interpôs, insurge-se contra a absolvição dos arguidos AA, DD, CC, EE, FF e GG da prática dos crimes de abuso de poder pelos quais haviam sido acusados e pronunciados, por entender existir concurso real/efetivo, e não, como entendeu a decisão recorrida, uma relação de concurso aparente.
Nesta decorrência e após a definição do tipo legal que um crime de função e, por isso, um crime próprio; ou seja, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede.
O crime em apreço é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais; sendo que a qualidade de funcionário se comunica aos comparticipantes que não a possuem, nos termos estatuídos no art. 28º do Código Penal.
O recorrente, após análise da factualidade apurada em relação a cada um desses arguidos, conclui no sentido de que AA, DD, CC, EE, FF e GG cometeram os crimes de abuso de poder que lhes vinham imputados, pois que, pese embora o tipo legal de crime em apreço seja subsidiário, nos termos do art. 382º, do Código Penal, e pese embora os arguidos tenham actuado com o objectivo de fabricar/utilizar documentos falsos, documentos esses fabricados por funcionária, a verdade é que, contrariamente ao referido na decisão ora colocada em crise, o bem jurídico protegido por ambas as normas (artigo 382º e 256º, nºs 1 e 4, ambos do Código Penal) não é, de todo, o mesmo.
No crime de abuso de poder, advoga o recorrente, protege-se a autoridade e credibilidade da administração do Estado, a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário.
Já crime de falsificação de documento perpetrada por funcionário, protege-se, como em todo e qualquer crime de falsificação de documento, a segurança e a confiança no tráfico jurídico, especialmente, do tráfico jurídico probatório (isto é, a verdade intrínseca do documento enquanto tal) – ainda que, no caso em apreço, perpetrada por funcionário no exercício das funções.
Estamos perante bens jurídicos distintos – ainda que os factos se “toquem”, assevera o MP, pelo que sendo bens jurídicos distintos, e na senda da jurisprudência maioritária, o concurso entre ambos os ilícitos é real/efetivo – e já não aparente.
Vejamos.
Não há incertezas quanto ao preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de abuso de poder previsto e punido pelo art. 382º do Código Penal (ilícito que se traduz no mau uso ou uso desviante de poderes funcionais e, como decorre da descrição típica ali contida, poderá concretizar-se mediante o abuso de poderes ou na violação de deveres), como de resto está bem espelhado no acórdão recorrido, remetendo-se nesta sede para a transcrição supra do respetivo segmento.
A questão divergente centra-se, pois, no assim entendido concurso aparente de crimes (com o de falsificação de documentos) sobre o qual a decisão recorrida se pronuncia em detalhe.
E, sopesando a argumentação carreada pelo tribunal de 1ª instância, não podemos de à mesma deixar de aderir, porquanto esquece o recorrente que por via da agravação da falsificação de documento feita por funcionário se protege o mesmo bem jurídico protegido pelo crime de abuso de poder.
Veja-se que o tipo legal de abuso de poder tem carácter subsidiário, na medida em que a disposição em causa só encontra aplicação se o comportamento do agente não preencher tipos legais de crime mais específicos e que prevejam consequência jurídica mais grave, como expressamente ali se prevê (“(…) se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”).
Com efeito, a relação de subsidiariedade expressa entre normas surge sempre que a lei, depois de definir a moldura penal correspondente a uma conduta típica, acrescenta a locução “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
E assim, a condição introduzida pela lei é a de que aquela concreta norma incriminadora e a sua respetiva sanção se aplicam quando (e só quando) à conduta do agente não corresponder incriminação mais gravosa (sendo a intenção óbvia do legislador a de que a conduta tipificada não fique impune, nas situações em que não seja abrangida por outro tipo de maior gravidade).
E, o certo é que, nos termos do nº 4 do art. 256º do Código Penal, a pena é agravada se os factos forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções.
Helena Moniz in Comentário Conimbricense ao Código Penal Anotado, Tomo II, expressamente refere “Estamos perante um crime específico impróprio em que a pena é agravada em função da qualidade do agente.” É a qualidade de funcionário que funda a agravação, posto que só o agente com essa característica o pode cometer o crime.
Donde, como se argumenta com acuidade no acórdão, na agravação do nº4 do art. 256º do Código Penal tem necessariamente de estar contido o abuso de funções e não a restrição da aplicação do normativo às situações em que a falsificação é realizada por funcionário no exercício normal das suas funções. É a qualidade de funcionário que funda a agravação, posto que só o agente com essa característica pode cometer o crime.
E tenha-se ainda presente que a lei, na generalidade dos casos, sequer indica expressamente qual é a “outra disposição legal” afigurada, sabendo-se apenas que preverá uma consequência jurídica mais gravosa.
Mas regressando à aludida agravação, dúvidas não temos que o legislador quis ampliar os bens jurídicos protegidos pela incriminação, onde se incluem, obviamente, os constantes do capítulo dos crimes cometidos no exercício de funções públicas: a autoridade e credibilidade da administração do Estado e a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário.
Nesta medida, face ao bem jurídico tutelado por esta incriminação legal - a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e acessoriamente os interesses patrimoniais ou não patrimoniais de outra pessoa –, ao carácter subsidiário da incriminação e à tutela conferida ao mesmo bem jurídico por via da agravação do crime de falsificação de documentos, verifica-se um concurso aparente de crimes prevalecendo apenas o crime de falsificação de documentos agravado. Como tal, bem andou o tribunal a quo, ao absolver os supra referidos arguidos da sua prática.
Pelo exposto, improcede a pretensão recursiva também neste particular.
O recurso interposto pelo Ministério Público terá que improceder na totalidade.
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Por fim, cumpre apreciar a última questão posta pela recorrente AA à consideração deste tribunal de recurso, qual seja a da atenuação especial das penas nos termos dos arts. 72º, nº 2, al. c) e 73º do Código Penal, em consequência da confissão integral da Arguida dos factos, demonstração de arrependimento sincero e reparação até onde lhe era possível, dos danos causados, em cada crime pelo qual foi condenada, bem como a dosimetria de cada pena fixada e da pena única do cúmulo jurídico e a suspensão da execução da pena de prisão.
Destaca aquela que iniciou um processo de reparação dos lesados, o qual ainda não foi mais longe, considerando, que a mesma sofreu inicialmente medida de coação restritiva da liberdade e que a impediu de auferir rendimentos para a reparação integral dos danos causados — reembolso dos subsídios /impostos e reparação às Seguradoras, sendo que relativamente a estas últimas, acordo de reembolso inexiste porque falta de vontade das mesmas em negociar um pagamento prestacional.
Subsidiariamente caso não venha a ser considerado que a arguida praticou um crime continuado de falsificação de documentos, relativamente ao crime de falsificação de CITs para terceiros, defende a atenuação especial pois do que se apurou, a arguida agiu sem obtenção de algum ganho, sendo que em alguns casos as pessoas estavam doentes e noutros, limitou-se a agilizar o "favor".
Assim, considerando as penas concretas aplicadas, algumas delas quase nos seus limites máximos, não valorizou o tribunal "a quo" minimamente o facto de ser primária, ter confessado os crimes, o arrependimento demonstrado e a sua actuação posterior ao crime, nomeadamente na reparação parcial, bem como à sua condição pessoal e social, nomeadamente de se encontrar familiarmente e socialmente integrada, exercendo um trabalho por conta de outrem, o facto de ter uma filha menor ao seu encargo, totalmente dependente da arguida, o facto de ter uma mãe totalmente dependente da arguida, o facto de ter vindo a manter uma conduta de acordo com a lei e o direito, colaborando com a justiça e acima de tudo, encontrar-se integrada na sociedade.
Mas o elemento mais importante, é o facto de a arguida ter vivenciado a reclusão, que decerto é experimenta que a arguida não pretende repetir.
Acresce que o valor que a Arguida (e o seu ex-marido) se apropriou são de elevado valor, mas não se assumem de ressarcimento impossível.
Falamos em quantias, que isoladamente, roçam o valor considerado diminuto, e que somadas, são de relevante valor. Mas, no entanto, e considerando os valores já ressarcidos são já de montante inferior a 100.000,00€.
Propugna alteração das penas nos seguintes termos:
-No crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256°, n°s 1, 3 e 4 do Código Penal - à arguida deveria ser aplicada a pena de prisão de 1 e 6 meses por cada crime que foi condenada, ou compreendendo-se na forma continuada, na pena de prisão de 2 anos;
- No crime de burla tributária do artigo 87°, n°s 1 - à arguida deveria ser aplicada a pena de multa até 360 dias, a fixar-se nos 100 dias á razão diária de 6€;
- No crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, n°s 1 e 5 da Lei n°109/2009, de 15.09 - à arguida deveria ser aplicada pena de prisão especialmente atenuada de 1 ano e seis meses;
- No crime de burla, artigo 217º, nº 1 Código Penal — se não absolvida, pena de multa de 150 dias à razão diária de 6€.
- A dosimetria da pena no cúmulo jurídico:
a moldura do concurso dever-se-ia fixar-se entre os 2 anos e os 5 anos, caso se considere unidade dos crimes de falsificação de documentos, ou os 1 ano e seis meses e os 6 anos, caso se mantenha a destrinça dos crimes de falsificação, e a pena de 150 a 300 dias de multa.
E fixar o cúmulo em 3 anos de prisão (mas sempre abaixo dos cinco anos) e nos 200 dias de multa à razão diária de 6€, suspendendo-se a execução da pena de prisão.
Já o Ministério Público defende que as concretas penas parcelares aplicadas não são excessivas, mantendo-se na íntegra as penas parcelares e a pena única – admitindo-se embora que esta possa ser reduzida a 7 anos de prisão.
No acórdão recorrido a medida das penas aplicadas foi fundamentada da seguinte forma:
“III – Escolha e determinação da(s) pena(s)
A aplicação das penas tem como finalidade a proteção de bens jurídicos, como prevenção geral e a reintegração do agente na sociedade, como prevenção especial, conforme prescreve o artigo 40º do Código Penal.
São os bens jurídicos que dão sentido e servem de referência aos diversos tipos legais de crime e a sua proteção resulta do efeito da prevenção geral, ao nível da sua aplicação, como estabilizador da confiança no sistema jurídico.
A pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa, ainda de acordo com o nº2 do artigo 40º do Código Penal. O princípio da culpa, donde emana este limite, vai buscar o seu fundamento axiológico ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, essencial à ideia de Estado Direito democrático e encontra acolhimento nos artigos 1º, 13º e 25º da Constituição da República Portuguesa (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, p. 73, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “CRP Anotada”, Almedina, 2007, p. 199 e Catarina Veiga e Cristina Máximo dos Santos in “Constituição Penal Anotada”, Coimbra, 2006, pp. 36 e ss., inter alia, Ac. TC. nº124/04, DR I-A, de 31-03-2004).
A determinação definitiva da pena no caso concreto obedece a três fases distintas: a investigação e determinação da moldura penal aplicável ao(s) crime(s) praticado(s), a determinação da medida concreta e a escolha da espécie de pena que deve efetivamente ser cumprida.
Das molduras
O crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs1, 3 e 4 do Código Penal é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Cumpre referir que, face às circunstâncias do caso e porque a comunicabilidade da qualidade de funcionário de que depende a agravação do nº4 do artigo 256º do Código Penal implica, de acordo com o entendimento supra exposto, a absolvição dos coarguidos da arguida AA pela prática dos crimes de abuso de poder do artigo 383º do Código Penal, se entende, para os efeitos do artigo 28º, nº2 do Código Penal, que não deve a pena aplicável ao crime de falsificação de documentos agravado ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não interviesse.
O crime de burla tributária simples do artigo 87º, nº1 do RGIT é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou multa de 10 a 360 dias.
O crime de burla tributária agravado do artigo 87º, nºs 1 e 4 do RGIT é punido com pena de prisão de 2 a 8 oito anos para as pessoas singulares.
O crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nºs 1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09 é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
O crime de burla qualificada dos artigos 217º e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Penal é punido com pena de 2 a 8 anos de prisão.
A – Da(s) pena(s) a aplicar à arguida AA
Da medida das penas
No caso dos autos, há que considerar que as exigências de prevenção geral são elevadas considerando o número de vezes que os bens jurídicos protegidos pelas respetivas incriminações legais foram violados, atento volume de crimes desta natureza cometidos no nosso país e as consequências danosas dos mesmos para a sã contabilidade do Estado, a fé publica dos documentos e dos sistemas informáticos e do património de terceiros.
Por seu turno, as exigências de prevenção especial são medianas considerando que a arguida deu mostras de ter compreendido o mal da sua conduta, a sua inserção familiar e profissional e a ausência de pretérito criminal, por um lado, e o longo período de tempo em que praticou os factos e o número de atos por si praticados de falsificação e burla, lesivos do património de terceiros e do Estado, mantendo uma conduta manifestamente indiferente ao Direito e à vida em sociedade, por outro.
Considerando ainda os factores a que alude o nº2 do artigo 70º do Código Penal no caso concreto, que influenciam a medida da pena, quer por via da culpa, quer por via da ilicitude, temos que:
- a ilicitude que é elevada, considerando os valores das vantagens patrimoniais obtidas de 100.385,07€ (€19.818,24 (IRS) + €922,47 (IUC) + 3.958,50€ (CITs em nome da AA) + 23.325,31€ (CITs em nome do ex-marido) + 27.728,99€ (prémios A... dos sinistros em nome do marido) + 24.631,56€ (prémios A... dos sinistros em nome da arguida)), que é considerável, correspondendo a mais de 5 vezes do valor consideravelmente elevado para efeitos penais;
- o modo de execução do crime, falsificando inúmeros documentos e elaborando esquemas para obter o máximo de recebimentos indevidos (segundo emprego para obter subsídios de doenças através de baixas falsas, alternância entre acionamento dos seguros até atingir os limites máximos das coberturas, falsificação de inúmeros dados junto do Estado para obter o maior número de vantagens patrimoniais e menor pagamento de impostos (IRS, IUC, taxas moderadoras, subsídio de doença));
- a atitude demonstrada na prática dos crimes, sem qualquer pejo e de forma temerária, utilizando múltiplas e diversificadas mentiras (v. g. processos de sinistro) e fabricando certificados de incapacidade temporária para quem quer que lhe pedisse;
- a elevada intensidade do dolo, que se revelou sempre na modalidade de dolo direto;
- o tempo durante o qual praticou os crimes, desde 2008 até 2021, ou seja, durante 13 anos, os quais cessaram apenas porque foi detida, o que revela uma tenacidade na sua atitude de antijuridicidade;
- a medida da sua participação nos factos, tendo um domínio bastante superior dos mesmos face aos demais arguidos;
- o facto de ter instrução académica superior, que lhe permitia perceber o alcance das consequências danosas da sua conduta, sendo a sua culpa elevada;
como circunstâncias que depõem contra a arguida;
- o facto de ter admitido a maior parte dos factos, revelando compreender o mal da sua conduta;
- a vontade manifestada de querer reparar, pelo menos, parte das consequências da sua conduta, encontrando-se a pagar em prestações alguns dos valores devidos ao ISS;
- a sua inserção familiar e profissional;
- a ausência de antecedentes criminais;
são circunstâncias que depõem a favor do arguido.
Ponderando todo o descrito circunstancialismo e atendendo às exigências de prevenção referidas, entende-se por ser proporcional, adequada e necessária, aplicar penas em medida próxima ou ligeiramente superior ao primeiro quarto das molduras, considerando em particular para a diferenciação das penas a ilicitude dos factos e a confissão quase integral da arguida, nomeadamente:
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, 3 e 4 do Código Penal (atestados multiusos – IRS e IUCs) a pena de prisão de 2 anos;
- pela prática de um crime de burla tributária agravado do artigo 87º, nºs 1, 3 e 4 do RGIT (CITs em nome do ex-marido da arguida e desta) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, 3 e 4 do Código Penal (CITs solicitados pelos co-arguidos) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsificação de documentos agravado do artigo 256º, nºs 1, 3 e 4 do Código Penal (documentos usados para instruir os processos de sinistro junto das seguradoras – CITs, notas de alta, declarações médicas) a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- pela prática de um crime de falsidade informática agravado do artigo 3º, nºs 1 e 5 da Lei nº109/2009, de 15.09, a pena de prisão de 2 anos e 9 meses;
- pela prática de um crime de burla qualificada dos artigos 217º e 218º, nºs 1 e 2, a) do Código Penal (seguradora A...) a pena de é punido com pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
*
- Cúmulo jurídico das penas aplicadas
Cumpre agora proceder ao respetivo cúmulo jurídico das penas aplicadas e fixar à arguida uma pena única, graduada de acordo com o disposto no artigo 77º, nº1 do Código Penal, cuja redação é a seguinte:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de ter transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Como refere Figueiredo Dias (ob. cit. pp. 291 e 292) “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.”
De acordo com o disposto no nº2 do artigo 77º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, no caso concreto a moldura do concurso fixa-se entre 3 anos e 9 meses a 19 anos de prisão.
Atendendo à intensidade do dolo, à falta integral de interiorização do mal praticado, ao número de crimes em causa nos presentes autos, ao período temporal durante o qual os crimes perduraram, à elevada gravidade das consequências dos crimes, por um lado, e à circunstancia de ter começado a tentar reparar os danos, à ausência de antecedentes criminais (que tem diminuta relevância considerando o período durante o qual cometeu crimes) e à sua inserção familiar e laboral, por outro, entende-se da avaliação global dos factos resulta uma tendência da personalidade da arguida para a prática de crimes deste tipo.
Tudo isto visto, e tomando a moldura penal do concurso, entende o Tribunal que a pena deve corresponder a medida do termo superior ao primeiro quarto da pena da moldura do cúmulo, dando relevância em particular à confissão quase integral dos factos, como sinal de ter integrado o mal da sua conduta (até porque em sede de primeiro interrogatório assumiu uma postura diferente), em concreto, à pena de 7 anos e 9 meses de prisão.
Vejamos:
Começa a recorrente por invocar circunstâncias que em seu entender justificam a utilização do instituto da atenuação especial da pena - demonstração de arrependimento sincero e reparação até onde lhe era possível, dos danos causados, em cada crime pelo qual foi condenada.
O instituto da atenuação especial da pena, como o próprio denominativo sugere, tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – art. 72º, nº1, do Código Penal
Pressuposto material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo, tal como ensina Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 306/307.
Por isso, tal como é defendido pelo citado Autor, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar.
Trata-se assim de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excepcionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respectivo crime.
Ora as circunstâncias invocadas, assunção dos crimes, arrependimento sincero, reparação dos danos (celebrou um acordo prestacional com o ISS para devolução dos subsídios de doença por si indevidamente recebidos no montante de 3.958,50€, encontrando-se a proceder ao seu pagamento e apresentou, em 16.01.2023, requerimento junto da Autoridade Tributária, pedindo que se procedesse à substituição dos valores das liquidações de IRS de acordo com a perícia feita nos autos, manifestando a intenção de proceder ao seu pagamento) circunstâncias que, conquanto mitiguem a culpa da arguida e diminuam a necessidade da pena (e que naturalmente foram sopesadas a seu favor na sua aplicação), não justificam, de modo algum, a utilização do instituto da atenuação especial.
Mais se diga, e em relação à apregoada reparação dos danos que “considerando os valores das vantagens patrimoniais obtidas de 100.385,07€ (€19.818,24 (IRS) + €922,47 (IUC) + 3.958,50€ (CITs em nome da AA) + 23.325,31€ (CITs em nome do ex-marido) + 27.728,99€ (prémios A... dos sinistros em nome do marido) + 24.631,56€ (prémios A... dos sinistros em nome da arguida)), que é considerável, correspondendo a mais de 5 vezes do valor consideravelmente elevado para efeitos penais”, a dita reparação se afigura ínfima e sem a relevância que a recorrente lhe quer atribuir, dado que os prejuízos acima quantificados, na sua maioria, não estão reparados.
Com efeito, considerando, por conseguinte, a imagem global do facto, pese embora a ocorrência de todas as convocadas circunstâncias, apresenta-se com uma elevada gravidade, merecendo da comunidade frontal reprovação e forte censura.
Pelo que improcede a referida pretensão.
Por outro lado, contrariamente ao que a recorrente quer fazer crer e assim veio a ser decidido, nenhum dos crimes pelos quais foi condenada admite pena de multa, tendo quanto aos referidos crimes de burla sido condenada pela prática de crimes de burla agravados que apenas preveem a aplicação de pena de prisão, sendo as molduras a considerar as indicadas supra pelo tribunal recorrido.
Passando já para o quantum das penas parcelares, a concretização das mesmas obedece aos critérios definidos nos artigos 40º, nº 1 e nº 2 e 71º do Código Penal.
Em consonância com o estatuído no antedito art 40º, nº 1, a aplicação das penas “…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) e fins de prevenção especial (reintegração do agente). Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do citado art. 40º).
A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da “ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”, como deflui do disposto no art. 71º, nº 2 do Código Penal.
O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa protecção dos bens jurídicos penalmente protegidos.
Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.
Ensina-nos Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Noticias, 1993, págs. 230 e 231 que “Dentro dos limites consentidos da prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos –, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos”.
Para concretização destes enunciados o tribunal deverá atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (cfr. art. 71º, nº 2 do CP).
A medida concreta da pena tem, pois, de ser encontrada pelo juiz através de um processo lógico e racional, norteado pelos princípios a esse propósito legalmente definidos.
É certo que a favor da arguida AA militam os elementos convocados pela própria, correlacionados particularmente com o facto de ser primária, ter confessado os crimes, o arrependimento demonstrado e a sua actuação posterior ao crime, nomeadamente na reparação parcial, bem como à sua condição pessoal e social, nomeadamente de se encontrar familiarmente e socialmente integrada, exercendo um trabalho por conta de outrem, e como se viu expressamente mencionados no acórdão.
Todavia, atentando sobretudo na ilicitude de grau elevado considerando os valores das vantagens patrimoniais obtidas de 100.385,07€, a culpa, intensa, face à modalidade de dolo direto que revestiu a conduta da arguida em todos os crimes, o modo de execução dos crimes, o prolongado período de tempo durante o qual os mesmos foram praticados, e que só cessaram com a sua detenção, há que reafirmar, perante todo este circunstancialismo, confrontando-o com as medidas da pena de prisão que habitualmente são aplicadas nos tribunais a estes casos, conclui-se pela adequação das penas parcelares concretas decretadas pelo tribunal recorrido, não tendo aqui cabimento as apontadas pela recorrente.
Perscrutada a fundamentação da decisão recorrida no que à determinação das sobreditas penas parcelares concerne, são perfeitamente inteligíveis os fatores atendidos e de resto relevantes em sede de determinação da medida concreta das aludidas penas de prisão, sem olvidar que o tribunal recorrido valorou os factores positivos por aquela evidenciados em sede de recurso.
É que não nos podemos esquecer ademais das exigências de prevenção geral, que de todo podem ser desconsideradas, concretamente o impacto e consequências dos crimes em questão, as consequências danosas dos mesmos para a sã contabilidade do Estado, a fé publica dos documentos e dos sistemas informáticos e do património de terceiros, como justamente o coletivo enfatizou.
Donde, analisados todos os ponderados fatores, não se reconhece fundamento para redução das apontadas penas parcelares de prisão.
É que tendo presente as sobreditas molduras abstratas, respeitados que foram os apontados critérios que norteiam a aplicação das penas parcelares e do concurso, e relembrando-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 02.06.2010 aresto proferido no âmbito do processo nº 60/09.9 GNPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”, entendimento que sufragamos, desrespeito que aqui não sucedeu, manifestamente como já se deu conta, não se vislumbra que as penas de prisão aplicadas sejam exageradas, desproporcionadas e/ou injustas, devendo, por isso, manter-se.
Por seu turno, encontrando-se os crimes praticados pela recorrente numa relação de concurso, o tribunal a quo efetuou também o respetivo cúmulo jurídico, encontrando uma pena única, como impõe o art. 77º, nº 1 do Código Penal.
Seguindo as regras estabelecidas no nº 2 da mesma disposição legal, a pena aplicável ao concurso compreende-se entre os seguintes limites: 3 anos e 9 meses a 19 anos de prisão, e dentro de tal moldura, o tribunal a quo aplicou-lhe a pena única de 7 anos e 9 meses de prisão.
Importa ter presente que a formulação de um cúmulo jurídico não pode esgotar-se numa mera operação aritmética, impondo-se a consideração, na globalidade, dos factos e da personalidade do agente. Em síntese, trata-se de proferir uma decisão abrangente, como resulta da segunda parte do nº 1, do sobredito art. 77º.
Do Acórdão do STJ, de 10/2/2000, in CJ, Acórdãos do STJ, ano VIII, tomo I, pág. 206 extrai-se “a perfectibilidade da operação de cúmulo não se garante apenas com a correcção dos cálculos dosimétricos ou com a ajustada aplicação das regras que haja que observar, mas só se assegura e atinge, antes, com a ponderação e valoração fundamentadas do que, globalmente, propiciem os factos que em apreço estejam e a personalidade de quem os praticou.” E prossegue o citado aresto “se nada pode alterar o cariz dos factos já praticados, a verdade é que uma personalidade é sempre susceptível de mudança.”, e mais se escreve que “dimana ser urgente repelir a ideia de que uma operação de cúmulo jurídico se reduz a uma simples tarefa burocrático-jurídica alheia a ressonâncias ético –sociais.”
Ora o tribunal recorrido, destacando uma tendência da personalidade da arguida para a prática de crimes deste tipo, e salientando as especialmente fortes exigências de prevenção especial, tendo presente a gravidade objectiva dos factos (considerando a conduta global da arguida), fixou uma pena única em “medida do termo superior ao primeiro quarto da pena da moldura do cúmulo, dando relevância em particular à confissão quase integral dos factos, como sinal de ter integrado o mal da sua conduta (até porque em sede de primeiro interrogatório assumiu uma postura diferente)” como se lê no acórdão.
Assim sendo, atenta a factualidade apurada devidamente ponderado no acórdão recorrido, podemos concluir que, a pena única do concurso aplicada pelo tribunal a quo, à semelhança das penas parcelares aplicadas, se mostra perfeitamente doseada sem necessidade de intervenção corretora por parte deste tribunal ad quem.
Resta acrescentar que as preocupações de índole pessoal destacadas no recurso relacionadas com a desejada concretização do processo de ressocialização, não se sobrepõem às exigências preventivas supra referenciadas e às finalidades da punição que, em concreto, se fazem sentir e tão pouco se mostram aptas a diminuir a sua culpa, e assim não têm o condão de modificar o decidido, e de resto já foram tidas em conta pelo tribunal recorrido.
Termos em que, analisando os ilícitos perpetrados, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a personalidade da arguida, atendendo ao conjunto dos factos, a conexão entre eles, o modo de execução das diversas condutas, a motivação subjacente e o período temporal da actuação, e a gravidade das suas consequências, levam-nos a considerar que a pena única fixada pelo tribunal recorrido não atinje o patamar do erro de julgamento que deva levar à sua alteração.
Termos em que, mais uma vez, e nesta vertente, não merece acolhimento a pretensão recursiva.
Não sendo legalmente possível a suspensão da execução de tal pena, por superior a 5 anos (cfr. art. 50º, nº 1 do Código Penal), prejudicada fica a questão da sua suspensão, também levantada pela recorrente.
Donde se nega provimento ao recurso na sua totalidade.
*
3. DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
- Em negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA.
- Em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
*
A recorrente AA pagará custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
O Ministério Público está isento de custas - cfr. art. 522º, nº 1 do CPP.
Notifique.
(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
Porto, 12 de julho de 2023
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
Manuel Soares