EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO
Sumário

I- A presunção legal estabelecida no n.º 4 do art.º 366º do CT, constitui presunção “juris tantum” que se consubstancia no pagamento, feito pelo empregador ao trabalhador alvo de despedimento fundado em razões objetivas, da totalidade da compensação prevista nos n.ºs 1 e 2 daquele preceito legal e na aceitação desse pagamento por parte do trabalhador, aceitação que pressupõe a assunção, por parte deste, de uma conduta que, de alguma forma, indique ter feito sua a compensação que, em tais circunstâncias, lhe foi paga pelo seu empregador;
II- Decorre, porém, do n.º 5 da citada norma que, pretendendo o trabalhador despedido ilidir a referida presunção, deve o mesmo, em simultâneo, entregar ou pôr, por qualquer forma, à disposição da sua entidade empregadora a totalidade da compensação por despedimento que desta recebeu, sendo que a simultaneidade a que se alude na norma, se deve relacionar com qualquer manifestação assumida pelo trabalhador no sentido da não aceitação do despedimento de que tenha sido alvo por parte daquela;
III- Não basta, por isso, a ocorrência de uma manifestação de não aceitação do despedimento por parte do trabalhador, exige-se também que este adote, em simultâneo, ou seja, ao mesmo tempo ou num curto espaço de tempo, uma atitude que signifique recusa de recebimento, devolução ou colocação à disposição da sua entidade empregadora da compensação que desta haja recebido àquele título. Isto é, exige-se da parte do trabalhador a prática de atos que, de alguma forma, revelem não só a sua oposição ao despedimento, como também a sua intenção de não receber ou de não fazer coisa sua a compensação que tenha recebido do seu empregador na sequência desse despedimento;
IV- Perante a matéria de facto provada, verifica-se que o Autor assumiu um conjunto de atos consentâneos, não só com a manifestação do propósito de oposição ao despedimento de que fora alvo por parte da Ré, mas também com a intenção de lhe restituir, de imediato ou num curto prazo de tempo, a compensação que desta recebera por virtude desse despedimento, conseguindo aquele, desse modo, ilidir a referida presunção, com as consequências daí decorrentes.
(Pelo relator)

Texto Parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO
AAA, residente na Rua (…), instaurou, mediante o requerimento/formulário a que se alude no n.º 2 do art.º 387º do Código do Trabalho (CT) e art.º 98º-C do Código de Processo do Trabalho (CPT), a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento, contra a BBB,  com sede na Rua (…), pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento de que foi alvo por parte desta em 28 de março de 2019.
Realizada a audiência de partes a que se alude no n.º 1 do art.º 98º-F do CPT, não se logrou obter a conciliação entre as mesmas como forma de se pôr termo ao presente litígio.
Notificada a Ré para deduzir articulado motivador do referido despedimento, veio fazê-lo, alegando, em síntese, que se dedica à gestão, construção e manutenção de sistemas, instalações técnicas ou equipamentos, nas vertentes, civil, elétrica, mecânica, instrumentação, ar condicionado e ventilação, redes de fluidos, redes de águas e efluentes, comunicações e sistemas de informação, de carácter público ou privado; instalação, manutenção e reparação de equipamentos médicos; serviços de operação industrial incluindo, socorro e emergência, na indústria, zonas portuárias e aeroportos; fabricação e reparação de máquinas; operação, manutenção e assistência técnica a elevadores e escadas rolantes; exploração de concessão de serviços e realização de obras públicas ou privadas, podendo participar em empresas ou associar-se a outras entidades para formar consórcios, agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico.
No âmbito do exercício da sua atividade, em 18.10.1999, admitiu AAA ao seu serviço, mediante contrato de trabalho sem termo, com a categoria profissional de Engenheiro Técnico III.
Em setembro de 2016, a empresa criou, formalmente, dentro da Direção de Indústria e Energia, a área de negócio de Sistemas de Compensação de Fator de Potência e nomeou o Autor como responsável pela elaboração de um plano de negócio e pelo desenvolvimento da estratégia e da integração na oferta da empresa dos serviços a identificar neste âmbito.
Contudo, um ano volvido, em setembro de 2017, concluiu-se que a evolução registada nesta área de negócio ficou muito aquém do esperado e, por isso, em 2018, a empresa decidiu acabar com aquela área de negócio, com a necessária extinção do único posto de trabalho de Gestor de Serviços de Energia da Área de Negócio de Sistemas de Compensação de Fator de Potência, ocupado por AAA.
Por inexistir posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador AAA, a subsistência da relação laboral entre as partes tornou-se praticamente impossível, o que determinou o seu despedimento por extinção do posto de trabalho.
Por não ter procedido à devolução da compensação que lhe foi paga pelo despedimento “em simultâneo” com a constatação da sua receção, nos termos legais, o trabalhador AAA não logrou ilidir a presunção de aceitação do referido despedimento, verificando-se, por isso, uma exceção perentória que deverá conduzir à imediata absolvição da Ré do pedido.
O montante líquido correspondente à compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, retribuições e créditos vencidos e exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, foi de €44.234,56, sendo que este montante foi transferido para a conta bancária do trabalhador AAA no dia 13.03.2019.
Não obstante este facto, o trabalhador AAA apenas devolveu a compensação em 02.04.2019, ou seja, quase um mês depois.
Não obstante o titular do referido posto de trabalho – AAA – ter a categoria formal de Engenheiro Técnico Grau IV, a sua categoria funcional – Gestor de Serviços de Energia da Área de Negócio de Sistemas de Compensação de Fator de Potência – corresponde ao posto de trabalho por este ocupado e extinto e uma vez que ocupava o posto de trabalho que foi extinto, foi despedido, por extinção do respetivo posto de trabalho, cumpridos que se encontravam os requisitos previstos no artigo 368º do Código do Trabalho.
Acresce que na área da Energia, onde o trabalhador desempenhava as suas funções, verificou-se um decréscimo significativo na margem operacional que passou de €526.000,00 positivos, em 31.12.2017, para €84.605,00 negativos, em 31.10.2018, o que significa um decréscimo de 5% na margem operacional, sendo que a empresa Ré perdeu o seu maior cliente/contrato no primeiro trimestre de 2018 – Refinaria Galp em Sines – que representava cerca de 40% da faturação.
A Empresa não tinha nenhum posto de trabalho para oferecer a AAA compatível com as qualificações, habilitações e experiência da categoria de “Engenheiro Técnico Grau IV” e do trabalhador em concreto, ainda que tal implicasse alteração das concretas funções exercidas.
Não existiam na empregadora, quaisquer contratos de trabalho a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto e estando envolvido apenas um trabalhador, não era aplicável, ao caso, o despedimento coletivo, conforme requisitos das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 368º do Código do Trabalho.
Concluiu que:
a) Deve julgar-se procedente, por provada, a exceção perentória de aceitação do despedimento por aplicação da regra do nº 5 do artigo 366º aplicável “ex vi” do disposto no artigo 372º do Código do Trabalho, absolvendo-se, em conformidade, a empregadora do pedido deduzido pelo trabalhador, nestes autos;
Caso assim não se entenda, e sem conceder,
b) Deve julgar-se improcedente, por não provada, a presente ação, e declarar-se como regular e lícito o despedimento por extinção do posto de trabalho do trabalhador AAA devendo, em consequência, ser a empregadora absolvida do pedido deduzido pelo trabalhador, com as demais legais consequências.
Contestou o Autor, alegando, em síntese, que se não verifica a invocada exceção perentória, porquanto, quinta-feira 14 de março de 2019, foi concluída a transferência da compensação devida pela cessação do contrato de trabalho para a conta bancária do Autor, tendo a Ré efetuado tal transferência sem qualquer aviso prévio, tanto assim que o Autor só tomou conhecimento desse facto, por um mero acaso, no dia seguinte, dia 15 de março de 2019, considerando que o Autor só esperava pelo pagamento dessa compensação entre segunda-feira 18 e sexta-feira 22 de março, isto é, na semana anterior à data da cessação do contrato de trabalho, tal como determinado pela Ré na comunicação da decisão do despedimento.
Tendo por fim a devolução da quantia correspondente à compensação, nessa mesma sexta-feira 15 de março solicitou à Ré a confirmação do respetivo NIB, informando-a quanto à sua intenção de impugnar judicialmente o despedimento.
A Ré respondeu na segunda-feira, dia 19 de março, dando a indicação do NIB para o qual o Autor havia de transferir o valor da compensação, pelo que, tendo o contrato cessado a 28 de março de 2019, o Autor devolveu o valor da compensação correspondente a 36.257,24 euros na segunda-feira dia 1 de abril.
Alegou ainda que «sempre se diga que, a iniciativa impugnatória que o Autor desencadeou pela presente ação, sempre foi do conhecimento da Ré, designadamente na sequência do vencimento na primeira acção que o Autor interpôs contra a Ré, tendo o mesmo objecto e as mesmas circunstâncias de facto, que sob o Processo n.º 21690/18.2T8LSB correu pelo Juízo do Trabalho de Lisboa - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (doc.2), que tendo determinado a ilicitude do despedimento e subsequente reintegração do Autor nos quadros da Ré, esta afirmou pretender abrir novo processo de extinção do posto de trabalho, e o Autor reiterou sempre a sua intenção de impugnar qualquer iniciativa de despedimento por parte da Ré, e ser reintegrado no seu posto de trabalho».
Quanto à oposição ao despedimento mantém, na íntegra, a resposta deduzida em sede do procedimento para extinção do posto de trabalho junto pela Ré, acrescentando ainda que na Direção de Indústria e Energia sempre desempenhou as seguintes funções:
— estudo, execução e apresentação de propostas a clientes,
— gestão de contratos de manutenção,
— direção de montagens,
— responsabilidade técnica pela exploração de instalações elétricas de clientes.
Estas funções foram sempre realizadas independentemente da categoria profissional que porventura a Ré lhe tivesse dado (Eng. Téc. Grau III e IV posteriormente) cujo descritivo funcional nunca lhe foi dado conhecimento ou se encontra publicitado para consulta dos trabalhadores.
A justificação dada pela Ré para a criação do posto de trabalho no negócio de Serviços de Energia da Área de Negócio de Sistemas de Compensação de Fator de Potência, embora se possa qualificar como gestionária, é no mínimo questionável, tudo levando a crer que, pelo menos a determinada altura, Ré preparara o caminho para, deliberada e intencionalmente, promover a extinção desse posto de trabalho, beneficiando ainda do facto de ser o Autor o único trabalhador afeto ao departamento de indústria. Com efeito, havendo na estrutura organizacional da empresa equipas capazes de sustentar a área de negócio de sistemas de compensação, e optando a Ré por não aproveitar essas valências, determinando, em alternativa, a criação de um “departamento próprio”, que por coincidência, era apenas constituído pelo Autor, e que, ainda por maior coincidência, estava destinado a ser extinto em menos de um ano, vem demonstrar qual a real motivação da Ré.
Não tendo a Ré alegado e/ou provado qual o conteúdo funcional da categoria profissional do Autor, fica prejudicado o apuramento da inexistência de posto de trabalho compatível com a categoria profissional (interna ou normativa) do autor, e, por conseguinte, fica por demonstrar o preenchimento do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 368º do Código do Trabalho. Daí a ilicitude do despedimento.
Alega ainda o Autor que a situação jurídica decorrente da sua colaboração na referida Área de Negócio de Sistemas de Compensação de Fator de Potência consubstanciaria um tipo de mobilidade funcional, pelo que, sempre tendo desempenhado na Direção de Industria e Energia as funções estudo, execução e apresentação de propostas a clientes, gestão de contratos de manutenção, direção de montagens, responsabilidade técnica pela exploração de instalações elétricas de clientes, as mesmas não lhe foram formalmente retiradas, a elas acrescendo aquelas que temporariamente veio desempenhar na referida Área de Negócio, não restando dúvidas quanto á ilicitude do seu despedimento considerando a absoluta ausência de prova relativamente à impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho e à inexistência de posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional.
Concluiu que deve a presente ação ser julgada procedente e, consequentemente, julgado ilícito o despedimento por extinção do posto de trabalho promovido pela Ré, determinando-se a sua condenação no pagamento:
- das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, acrescido dos juros de mora, à taxa legal em vigor,
- na reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho nos termos da al. b) do art.º 389.º do Código do Trabalho;
- ou ao pagamento de uma indemnização computada nos termos do art.º 391.º do Código do Trabalho, nunca inferior a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, caso o trabalhador não pretenda a reintegração no seu posto de trabalho.
Aquando da prolação de despacho saneador foi apreciada a exceção perentória da extinção do direito do Autor à impugnação do despedimento em virtude da aceitação deste, por força do recebimento da compensação, exceção arguida pela Ré no articulado motivador, concluindo-se, a final pelo seguinte dispositivo:
«Julgo procedente a excepção peremptória da extinção do direito da autora à impugnação do despedimento em virtude da aceitação deste por força do recebimento da compensação e, em consequência, julgo extinto o direito de impugnação do despedimento que o trabalhador pretendia fazer valer nesta acção e absolvo a ré dos pedidos.
Custas pelo trabalhador (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Fixo o valor da acção em €30.000,01 (artigo 98º-P Código Processo de Trabalho).
Registe.
Notifique.
Custas da acção a cargo do/a trabalhador/a.
Registe e notifique.
Dou sem efeito a data designada para audiência de discussão e julgamento.».
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Inconformado com este saneador/sentença, dele veio o Autor AAA interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões de recurso:
(…)
*
Contra-alegou a Ré, deduzindo as seguintes conclusões:
(…)
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Admitido o referido recurso, com adequado regime de subida e efeito, foi determinada a remessa dos autos para esta 2ª instância.
Nesta instância, mantida a admissão do mencionado recurso, foi determinado se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 87º do CPT, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o douto parecer de fls. 131 no sentido da improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.
Notificadas as partes da apresentação deste parecer, não deduziram qualquer resposta.
Pelas razões que figuram de fls. 134, foram dispensados os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar do mérito do recurso em causa.
*
APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as descritas conclusões de recurso, que, como é sabido, delimitam o objeto do mesmo perante o Tribunal “ad quem[1], coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão de saber se o Tribunal “a quo” errou (ou não) ao julgar procedente a exceção perentória da extinção do direito do Autor à impugnação do despedimento, em virtude da aceitação deste por força do recebimento da compensação que lhe era devida nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do art.º 366º do Código do Trabalho e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
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Fundamentos de facto
Em 1ª instância, fundou-se a decisão recorrida na seguinte matéria de facto:
1. Por escrito de 30 de novembro de 2018, a Ré/empregadora comunicou ao Autor/trabalhador a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho com a consequente cessação do contrato de trabalho nos termos que constam de fls. 56 a 60 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Por escrito de 4 de janeiro de 2019, o Autor/trabalhador comunicou ao Autor a decisão de extinção do seu posto de trabalho, com efeitos a 28 de março de 2019 e o valor ilíquido da compensação de € 36.257,24 acrescido dos créditos salariais vencidos no valor ilíquido de €12.597,03, nos termos que constam de fls. 64 a 68 vs. e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. (redação retificada por decisão assumida infra)
3. Em 13.03.2019 a Ré transferiu para a conta bancária do trabalhador a quantia líquida de € 44.234,56 a título de compensação pelo despedimento por extinção do posto de trabalho, retribuições e créditos vencidos que a rececionou na sua conta em 14.03.2019.
4. Em 15.03.2019, sexta-feira, por email, o Autor/trabalhador solicitou a confirmação do NIB da Ré para devolução da compensação para efeito de impugnação judicial do despedimento.
5. A Ré respondeu por email de 19.03.2019, terça-feira, a confirmação do NIB indicado pelo Autor no seu email.
6. No dia 02.04.2019, o Autor devolveu a compensação.
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Esta matéria de facto não foi objeto de impugnação.
Verifica-se, porém, que a que consta do ponto 2 contém manifesto lapso de escrita, porquanto, nele se escreveu «Por escrito de 4 de janeiro de 2019, o Autor/trabalhador comunicou ao Autor a decisão de extinção do seu posto de trabalho…» quando, de acordo com o alegado pela Ré, não contraditado pelo Autor e tendo em consideração o teor do documento n.º 14 de fls. 64 dos autos, se terá pretendido escrever « Por escrito de 4 de janeiro de 2019, a Ré/empregadora comunicou ao Autor/trabalhador a decisão de extinção do seu posto de trabalho…».
Decide-se, pois, proceder à mencionada retificação, de forma que, no ponto 2 dos factos tidos por provados na decisão recorrida, onde se lê: «Por escrito de 4 de janeiro de 2019, o Autor/trabalhador comunicou ao Autor a decisão de extinção do seu posto de trabalho…», se passe a ler: «Por escrito de 4 de janeiro de 2019, a Ré/empregadora comunicou ao Autor/trabalhador a decisão de extinção do seu posto de trabalho…».
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Fundamentos de direito
Como se referiu supra, a questão colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, por força do recurso interposto pelo Autor/apelante sobre o saneador/sentença recorrido, consiste em saber se o Tribunal “a quo” errou (ou não) ao julgar procedente a exceção perentória da extinção do direito do Autor à impugnação do despedimento de que foi alvo pela Ré por extinção do seu posto de trabalho, em virtude da aceitação deste decorrente do recebimento, pelo Autor, da compensação que lhe era devida nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 4 e 5 do art.º 366º do Código do Trabalho e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
Na apreciação desta questão de recurso e tendo em consideração o momento em que ocorreu o despedimento do Autor por parte da Ré e que resulta do ponto 2 da referida matéria de facto, teremos de levar em consideração o Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12.02 com as subsequentes alterações por este sofridas, mormente as que resultaram da publicação e entrada em vigor da Lei n.º 23/2012 de 25.06 e da Lei n.º 69/2013 de 30.08.
Não vem posto em causa nos presentes autos que entre ambas as partes existia um contrato de trabalho, contrato a que a Ré, unilateralmente, decidiu pôr fim com base na necessidade de extinção do posto de trabalho do Autor e da alegada inexistência de um outro que lhe pudesse ser conferido, circunstância que, no entendimento da Ré, tornou praticamente impossível a subsistência da relação laboral mantida entre ambos.
Ora, sob a epígrafe “[d]ireitos de trabalhador em caso de despedimento por extinção de posto de trabalho» dispõe o art.º 372º do CT – na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2012 de 25.06 – que «[a]o trabalhador despedido por extinção do posto de trabalho aplica-se o disposto no n.º 4 e na primeira parte do n.º 5 do artigo 363.º e nos artigos 364.º a 366.º», remetendo-se, deste modo, para os direitos conferidos por lei ao trabalhador alvo de despedimento coletivo, mormente e no que aqui releva, o direito à compensação pela cessação do contrato de trabalho.
Como escreve o Prof. Pedro Romano Martinez, “Código do Trabalho – Anotado”, 9ª Edição, pág. 778 em anotação ao art.º 366º do CT, «[a] compensação é devida em razão de o empregador, no exercício do seu direito, fazer cessar o contrato; concretamente, por recorrer à resolução do contrato com fundamento em motivos objetivos. Trata-se, pois, de compensação resultante de uma responsabilidade civil por intervenções lícitas… este regime de compensação é devido sempre que a cessação do vínculo for licitamente invocada pelo empregador».
Ora, estipula-se no n.º 4 do art.º 366º do CT – na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 69/2013 de 30.08 e em vigor desde 01.10.2013 – que, «[p]resume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo», dispondo, por sua vez, o n.º 5 do mesmo preceito legal – na redação conferida pela mencionada Lei – que, «[a] presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último».
Estamos, portanto, em face de uma presunção legal “juris tantum” que se consubstancia no pagamento, feito pelo empregador ao trabalhador alvo de despedimento fundado em razões objetivas, da totalidade da compensação prevista nos n.ºs 1 e 2 do art.º 366º do CT e na aceitação desse pagamento por parte do trabalhador, aceitação que, a nosso ver, pressupõe a assunção, por parte deste, de uma conduta que, de alguma forma, indique ter feito sua a compensação que, em tais circunstâncias, lhe foi paga pelo seu empregador.
 Decorre, porém, do n.º 5 da citada norma que, pretendendo o trabalhador despedido ilidir a referida presunção, deve o mesmo, em simultâneo, entregar ou pôr, por qualquer forma, à disposição da sua entidade empregadora a totalidade da compensação por despedimento que desta recebeu, sendo que a simultaneidade a que se alude na norma, se deve relacionar com qualquer manifestação assumida pelo trabalhador no sentido da não aceitação do despedimento de que tenha sido alvo por parte daquela.
Não basta, por isso, a ocorrência de uma manifestação de não aceitação do despedimento por parte do trabalhador, exige-se também que este adote, em simultâneo, ou seja, ao mesmo tempo ou num curto espaço de tempo, uma atitude que signifique recusa de recebimento, devolução ou colocação à disposição da sua entidade empregadora da compensação que desta haja recebido àquele título. Isto é, exige-se da parte do trabalhador a prática de atos que, de alguma forma, revelem não só a sua oposição ao despedimento, como também a sua intenção de não receber ou de não fazer coisa sua a compensação que tenha recebido do seu empregador na sequência desse despedimento (cfr. neste sentido e entre outros, os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016 e de 13/10/2016, proferidos, respetivamente, no processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1 e no processo n.º 2567/07.3TTLSB.L1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido vai o Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 10/04/2013 no processo n.º 940/09.1TTLSB.L1-4 e igualmente acessível em www.dgsi.pt, embora com reporte ao n.º 4 do art.º 401º do CT/2003, ao afirmar que, «[p]ara que o trabalhador ilida a presunção de aceitação do despedimento aí estabelecida, não lhe basta que declare perante a entidade patronal não o aceitar nem à compensação, sendo também necessário que actue de boa fé, assumindo um comportamento consentâneo com aquele propósito, nomeadamente diligenciando pela devolução da compensação paga pela entidade empregadora».
Ora, tendo em consideração estes aspetos, resulta da matéria de facto assente que consta dos pontos 1 e 2 anteriormente reproduzidos, que o Autor AAA foi alvo de despedimento por parte da Ré BBB, fundando esta esse despedimento na necessidade de extinção do posto de trabalho daquele, decisão de despedimento que a Ré comunicou ao Autor em 4 de janeiro de 2019, mas para produzir os seus efeitos em 28 de março de 2019.
Com essa comunicação, deu também a Ré a saber ao Autor qual o valor ilíquido da compensação que lhe era devida pela cessação do contrato de trabalho, bem como qual o valor ilíquido dos créditos salarias vencidos, sendo que, em 13 de março de 2019 a Ré procedeu à transferência para a conta bancária do Autor da quantia global líquida de € 44.234,56 decorrente da referida compensação e créditos salariais, importância que deu entrada na conta bancária do Autor no dia seguinte, 14 de março de 2019, como resulta da matéria de facto contida no ponto 3 dos factos assentes.
Finalmente sabemos que, logo no dia seguinte, 15 de março de 2019, uma sexta-feira, o Autor, por email, solicitou à Ré a confirmação do NIB desta para proceder à devolução da compensação para efeito de impugnação judicial do referido despedimento, email a que a Ré respondeu, pela mesma via, em 19 de março de 2019, uma terça-feira, confirmando o NIB indicado pelo Autor, sendo que este no dia 2 de abril de 2019, ou seja, volvidos 14 dias (10 dias úteis) em relação a esta resposta da Ré devolveu a esta a referida compensação, tudo como resulta da matéria que consta dos pontos 4 a 6 dos factos tidos por assentes.
Verifica-se, pois, destes factos que o Autor assumiu um conjunto de atos consentâneos, não só com a manifestação do propósito de oposição ao despedimento de que fora alvo por parte da Ré, mas também com a intenção de lhe restituir, de imediato ou num curto prazo de tempo, a compensação que desta recebera por virtude desse despedimento, solicitando àquela, logo que tomou conhecimento do despedimento, a confirmação do NIB da mesma para proceder à devolução da aludida compensação com vista à impugnação judicial do despedimento (sem que dos factos assentes se possa inferir, sem mais, que esse pedido de confirmação apenas servira para protelar consolidação de informação que o Autor já tinha como se refere na decisão recorrida, bem podendo tê-lo feito por mera questão de segurança ou de conhecimento da vontade da Ré face ao montante a devolver) e procedendo à efetiva devolução da referida compensação 14 dias (10 dias úteis) após a confirmação que o Autor obteve da Ré em relação ao referido NIB, sendo que procedeu a essa efetiva devolução apenas 5 dias (3 dias úteis) após a produção de efeitos do mencionado despedimento.
 Deste modo e contrariamente à ilação que se extraiu no saneador/sentença recorrido, não podemos deixar de concluir haver o Autor procedido à devolução da compensação por despedimento, tendo em vista a impugnação do mesmo, não propriamente em simultâneo, mas, ainda assim, num curto prazo de tempo revelador de uma atuação suficientemente diligente por parte do mesmo para se poder considerar ilidida a presunção prevista no art.º 366º, n.º 4, do Código do Trabalho.
Procede, pois, o recurso interposto pelo Autor/apelante, circunstância que conduz à revogação do saneador/sentença recorrido, de forma que, se outra razão não houver que o impeça, os autos possam prosseguir os seus termos.
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DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, em consequência revogam o saneador/sentença recorrido, de forma que, se outra razão não houver que o impeça, os autos possam prosseguir os seus termos.
Custas a cargo da Ré.
Lisboa, 26-02-2020
José António Santos Feteira
Filomena Maria Moreira Manso
José Manuel Duro Mateus Cardoso

Sumário.
- Despedimento por extinção de posto de trabalho;
- Devolução de compensação;
- Elisão de presunção.
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[1] Ver art.ºs 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.º 1, ambos do CPC e aqui aplicáveis por força do n.º 1 do art.º 87º do CPT