Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
EXECUÇÃO
ENTREGA DE COISA CERTA
COVID-19
VIGÊNCIA DA LEI Nº 1-A/2020
DE 19/3
CADUCIDADE
Sumário
O art.º 6º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 não caducou com a cessação do Estado de Alerta a partir de 01-10-2022, tendo vigorado até à entrada em vigor da Lei nº 31-2023, de 04-07, o que ocorreu às 00h00m do dia 04-08-2023.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
Em 29-06-2016 o Novo Banco, S.A. intentou execução para pagamento de quantia certa e entrega de coisa certa contra A, B e outros, visando o pagamento coercivo de determinadas quantias em dinheiro.[1]
Apresentou como títulos executivos dois contratos de mútuo, garantidos por outras tantas hipotecas, constituídas sobre os seguintes imóveis:
- fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “AB”, correspondente ao primeiro andar D com arrecadação no sótão do prédio urbano sito na Travessa de Santa Isabel n.º 1 A na cidade de Agualva Cacém, freguesia do Cacém, concelho de Sintra, descrito na CRP de Agualva Cacém sob o n.º 37 e inscrito na matriz sob o artigo 1633;
- fração autónoma designada pela Letra “O” correspondente à garagem n.º 15 na cave do prédio urbano sito na Travessa …, n.º 1 A na cidade de Agualva Cacém, freguesia do Cacém, concelho de Sintra, descrito na CRP de Agualva Cacém sob o n.º 37 e inscrito na matriz sob o artigo 1633.[2]
No desenvolvimento da referida execução, tendo sido penhorados os imóveis hipotecados[3] e posteriormente sido determinada a sua venda por leilão eletrónico[4], em 24-06-2020 a executada apresentou requerimento[5], no qual expôs e requereu o seguinte:
“A, Executada nos autos à margem melhor identificados, notificada que foi da Decisão de venda judicial do imóvel penhorado e não se conformando com a mesma, vem requerer a Suspensão da Execução e Venda, pelo que segue:
1. - O imóvel objecto de penhora, constitui a casa de morada de família da Executada, de uma das suas filhas e da sua progenitora, actualmente com 86 anos de idade.
2. - A Executada é doente oncológica e recentemente tem sido objecto de vários internamentos no Hospital Egas Moniz e Fernando da Fonseca, conforme Doc. que junta e dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos.
3. - A filha da executada e com esta residente, tem 40 anos de idade e deficiência motora e intelectual de 66% desde o nascimento, conforme Doc. que junta e dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
4. - A progenitora da Executada encontra-se há cerca de 18 meses em situação de acamada e aos cuidados daquela.
5. - É a Executada a única pessoa que assegura os cuidados que a própria necessita, assim como os da sua mãe e os da sua filha.
6. - De igual modo, a Executada é a única trabalhadora e é igualmente a única a custear todas as despesas, desde alimentação à renda.
7. - Não obstante as inúmeras dificuldades com que vive, a Executada depositou no Novo Banco na conta de que é titular o valor correspondente às prestações mensais devidas, não sabendo que as mesmas deveriam ser feitas à ordem do Tribunal ou do Agente de Execução, conforme Docs. que junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8. - A Executada é pessoa humilde, mas bastante honesta e é, com enorme angústia que se vê nesta situação.
9. – Por fim, informa-se que a Executada retomou o pagamento das prestações devidas.
10. - Considerando que a Executada vive sob enorme fragilidade económica, que é doente oncológica, que é a única que cuida da sua filha deficiente e da sua mãe incapacitada e que tudo tem feito para cumprir com as suas obrigações, vem muito respeitosamente requerer a suspensão do processo de execução e consequente venda judicial.”
O exequente não se pronunciou.
Seguidamente foi proferida decisão com o seguinte teor:[6]
“Através de requerimento dirigido aos autos em 24.06.2021, veio a executada A pedir a suspensão da execução e da venda do imóvel penhorado, para tanto alegando que é no aludido imóvel que tem estabelecida a sua casa de morada de família, aí residindo com a sua mãe, de 86 anos de idade, que está acamada e aos seus cuidados, e a com uma das suas filhas, portadora de uma incapacidade de 66%, derivada de deficiência motora e psíquica de que padece desde o nascimento. Mais alegou que ela própria é doente oncológica, sendo quem custeia todas as despesas do agregado, e que não obstante as inúmeras dificuldades com que vive, depositou no Novo Banco as prestações devidas ao exequente, ao abrigo do acordo de pagamento alcançado.
Cumprido o contraditório, o exequente não ofereceu resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
Inexiste fundamento legal para o pedido de suspensão da execução, tanto mais que não foi deduzida qualquer oposição à execução (art.º 733.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Quanto ao pedido de suspensão da venda, não se mostram reunidos os pressupostos do n.º 5 do aludido art.º 733.º, mas importa atender ao regime processual excecional e transitório decorrente da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID- 19, dispondo o art.º 6.º-E, n.º 8, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que "Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.".
No caso, resulta dos factos alegados pela executada que a venda do imóvel será suscetível de causar prejuízo grave à sua subsistência.
Assim, em face da situação concreta alegada pela executada e da ausência de resposta do exequente, entende-se ser de suspender a venda do imóvel penhorado, enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista na Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março.
Não obstante, deve a executada ficar ciente de que a suspensão da venda é apenas provisória, durando apenas enquanto durar aquele regime excecional e transitório, pelo que deverá procurar uma solução para o seu problema habitacional junto das entidades competentes, como sejam a Segurança Social e a Câmara Municipal de Sintra. Isto claro, caso não consiga efetuar o pagamento do valor devido ou chegar a acordo com o exequente para proceder ao pagamento escalonado, como afirma ter vindo a fazer.
Termos em que, face ao exposto, decido suspender a venda do imóvel penhorado enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista na Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março.
(…).”
Este despacho foi notificado às partes, não tendo sido objeto de impugnação.
Em 15-02-2023 o exequente apresentou novo requerimento com o seguinte teor:[7]
“NOVO BANCO S.A., Exequente nos autos à margem referenciados vem requerer a V. Exa. Que prossiga com diligências de venda do imóvel penhorado nos presentes autos, em virtude de o despacho do tribunal proferido a 13/01/2022 com o seguinte teor “ficará suspensa enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março” já não é passível de qualquer aplicação.”
Este requerimento foi apreciado pelo despacho proferido em 01-03-2023, com o seguinte teor:[8]
“O art.º 6.º-E, n.º 8, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, ainda se encontra vigente, pelo que suspensa está a venda do imóvel penhorado.
(…).”
O despacho supratranscrito foi notificado às partes, não tendo sido objeto de qualquer recurso ou por qualquer outra forma sido impugnado.
Em 22-03-2023 o exequente apresentou novo requerimento com o seguinte teor:[9]
“1. A situação de alerta pela pandemia Covid 19 não foi renovada pelo Governo a partir do dia 1 de outubro de 2022.
2. Pelo que, o Regime Processual Excecional e Transitório previsto no art.º 6.º-E da Lei 1- A/2020, automaticamente cessou por caducidade porque a situação de alerta não foi renovada pelo Governo.
3. Ressalva-se que a referida lei estabelecia na sua redação original que o regime processual excecional sobre prazos e diligências só por decreto-lei poderia deixar de se aplicar.,(cf. art.º 7.º, n.º 2 desta lei).
4. Contudo, este preceito foi revogado pela Lei 16/2020, de 29/5 (cf. art.º 8.º deste último diploma).
5. Por conseguinte, neste momento, nada impede na presente data a cessação da vigência da L 1-A/2020 por caducidade, dado que a revogação, deixou de ser a forma prevista para aquela lei deixar de vigorar, uma vez que deixou de existir a realidade a que ela se destinava - situação excecional da pandemia), determinando a extinção dos efeitos da Lei 1-A/2020.
6. Face ao expor requer-se a V. Exa. que seja ordenado o levantamento da suspensão venda.”
Seguidamente, veio a ser proferido despacho proferido em 21-04-2023, no qual o Tribunal a quo decidiu o que segue[10]:
“Por despacho proferido em 07.09.2021, foi decidido suspender a venda do imóvel penhorado, nos termos previstos no art.º 6.º-E, n.º 8, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista naquela Lei n.º 1- A/2020, por se ter entendido que a venda seria suscetível de causar prejuízo grave à subsistência da executada, não causando a suspensão um prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável.
Vem agora o exequente, através do requerimento que antecede, pedir se ordene o levantamento da suspensão da venda, para tanto alegando, em síntese, que o regime processual excecional e provisório previsto na Lei n.º 1-A/2020 cessou, por caducidade, a partir de 01.10.2022, por a situação de alerta não ter sido renovada pelo Governo.
O Decreto Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro, como do respetivo preâmbulo expressamente resulta, procedeu "à clarificação dos decretos-lei que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa da cessação da vigência de decretos-leis já caducos, anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia.", discriminando um a um quais os decretos-lei revogados.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não consta dessa listagem de diplomas, não foi revogado por qualquer outro diploma nem parece ter caducado, porquanto, embora a situação de alerta não tenha sido renovada, se encontram ainda vigentes outras medidas restritivas em razão da pandemia (cfr., neste sentido, os recentes acórdãos do TRL, de 13.10.2022, Proc. 17696/21.2T8LSB.L1-6, de 29.11.2022, Proc. 12992/13.5T2SNT-G.L1-8, e de 09.02.2023, Proc. 8834/20.3T8SNT.L1-2, e do TRP, de 25.10.2022, Proc. 18281/21.0T8PRT.P1, todos disponíveis in www.dasi.ot).
Assim, entendendo-se que o regime processual excecional e provisório previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não caducou, encontrando-se ainda vigente, indefere- se o requerido pelo exequente.
(…)”
Inconformado com tal decisão, veio o exequente interpor o presente recurso[11], cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
A. Foi proferida despacho de indeferimento do levantamento da suspensão da venda.
B. Ora, atentas as circunstâncias do caso concreto não pode, a recorrente, conformar-se com tal decisão, não podendo o Tribunal a quo ter decidido como decidiu uma vez que a recorrente, indicou desde logo no seu requerimento as disposições legais que obstam a que seja mantida a suspensão.
C. A situação de alerta pela pandemia Covid 19 não foi renovada pelo Governo a partir do dia 1 de outubro de 2022.
D. O Regime Processual Excecional e Transitório previsto no art.º 6.º-E da Lei 1-A/2020, automaticamente cessou por caducidade porque a situação de alerta não foi renovada pelo Governo.
E. A referida lei estabelecia na sua redação original que o regime processual excecional sobre prazos e diligências só por decreto-lei poderia deixar de se aplicar (cf. art.º 7.º, n.º 2 desta lei).
F. Contudo, este preceito foi revogado pela Lei 16/2020, de 29/5 (cf. art.º 8.º deste último diploma).
G. Por conseguinte, neste momento, nada impede na presente data a cessação da vigência da Lei 1-A/2020 por caducidade, dado que a revogação, deixou de ser a forma prevista para aquela lei deixar de vigorar, uma vez que deixou de existir a realidade a que ela se destinava- situação excecional da pandemia), determinando a extinção dos efeitos da Lei 1 -A/2020.
H. Foram violadas, entre outras disposições, o previsto o previsto na Lei n.º 1-A/2020, Lei 16/2020, de 29/5 (cf. art.º 8.º deste último diploma) e artigo 195º do Código de Processo Civil.
Rematou as suas conclusões nos seguintes termos:
“(…) DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, E CONSEQUENTEMENTE SER REVOGADO O DESPACHO PROFERIDO, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE ADMITA O LEVANTAMENTO DA SUSPENSÃO DA VENDA.”
A apelada não apresentou contra-alegações.
O Tribunal a quo admitiu o recurso, que qualificou como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.[12]
Remetidos os autos a este Tribunal, e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, foram colhidos os vistos.
2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[13]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[14].
Em consequência, a única questão a equacionar e decidir reside em apreciar se a vigência da Lei nº 1-A/2020 de 19-03 cessou por caducidade, em virtude de a situação de alerta pela pandemia Covid 19 não ter sido renovada a partir de 01 de outubro de 2022.
Assinala-se desde já que muito embora o apelante tenha alegado, no art.º 10 das alegações de recurso que “o que estaria suspenso seria a entrega efectiva do imóvel e não a venda judicial do mesmo”, o certo é que as conclusões de recurso não contêm nenhuma referência a esta questão, razão pela qual se considera que a mesma não integra o objeto do presente recurso, não devendo por isso ser apreciada.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
Os factos a considerar são os expostos no relatório que antecede.
3.2. Os factos e o Direito
3.2.1. Dos mecanismos suspensivos previstos na Lei 1-A/2020, de 19-03, e da alegada caducidade dos mesmos
Como se deu conta, na presente execução o Tribunal a quo proferiu despacho decidindo “suspender a venda do imóvel penhorado enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.”
Este despacho foi notificado às partes e não foi objeto de impugnação, tendo por isso transitado em julgado.
Não pode assim questionar-se o acerto desta decisão, seja quanto aos seus pressupostos, seja quanto ao seu objeto e amplitude.
Aliás, o presente recurso não incide sobre esta decisão, mas sim sobre um despacho subsequente, que indeferiu um requerimento do exequente, no sentido de ser determinado o levantamento da suspensão decretada, com fundamento na caducidade das medidas previstas na referida Lei nº 1-A/2020, de 19 de março.
Importa, assim, aferir se a mencionada Lei ainda se encontra em vigor, tendo presente que o apelante sustentou que a mesma caducou por efeito da não renovação do estado de alerta a partir de 01-10-2022.
Vejamos então.
Sobre a mesma matéria disse J. H. DELGADO DE CARVALHO[15]:
“1. O DL 66-A/2022, de 30/9, revogou a maioria do corpo normativo estabelecido pelo DL 10-A/2020, de 13/3. A produção de efeitos da L 1-A/2020, de 19/3 (que prevê medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS- CoV -2 e da doença COVID-19), é reportada à data da produção de efeitos do DL 10-A/2020 (cf. art.º 10.º L 1-A/2020). Este é um argumento para se poder considerar revogada tacitamente a L 1-A/2020, e, por conseguinte, o Regime Processual Excecional e Transitório previsto no art.º 6.º-E deste diploma legal.
Só que as normas estabelecidas pelo DL 10-A/2020 relativas a atos e diligências processuais e procedimentais (ou seja, os seus art.ºs 14.º, 15.º e 15.º-A) já haviam sido revogadas pelo art.º 9.º DL 78-A/2021, de 29/9. Deste modo, o argumento de que a L 1-A/2020 foi revogada tacitamente pelo DL 66-A/2022 não procede.
2. Também se poderá considerar que a L 1-A/2020 (e, decorrentemente, o Regime Processual Excecional e Transitório estabelecido no seu art.º 6.º-E) cessou por caducidade, porque a situação de alerta não foi renovada pelo Governo a partir das 00:00 do dia 1 de outubro de 2022. A L 1-A/2020, na redação original, estabelecia que o regime processual excecional sobre prazos e diligências só por decreto-lei poderia deixar de se aplicar (cf. art.º 7.º, n.º 2). Entretanto, este preceito foi revogado pelo art.º 8.º L 16/2020, de 29/5. Por conseguinte, neste momento, nada impede que se defenda a cessação da vigência da L 1-A/2020 por caducidade, dado que a revogação deixou de ser a forma prevista para aquela lei deixar de vigorar. Está em causa a caducidade em virtude de deixar de existir a realidade que ela se destinava a regular (ou seja, a situação excecional da pandemia).
3. Para já, talvez seja mais avisado aguardar algum tempo para ver se a Assembleia da República se vai pronunciar sobre o tema (revogação expressa da L 1-A/2020). Pode imaginar-se que será publicada, em breve, uma lei com a finalidade de revogar as diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, à semelhança do que sucedeu com a entrada em vigor do DL n.º 66-A/2022. Há que estar atento ao que possivelmente possa constar da próxima Lei sobre o Orçamento de Estado.
No entanto, se essa lei não vier a ser publicada, então deverá entender-se que a L 1-A/2020 cessou a sua vigência por caducidade às 23h59m do dia 30 de setembro de 2022 (data em que cessou por caducidade a Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26/8).”
Em sentido aproximado, sustentando que o disposto no art.º 6º, nº 7 da Lei nº 1-A/2020 caducou, a partir das 00h00m do dia 01-10-2022, em todo o território nacional continental, por se tratar de uma lei temporária, e porque a situação de alerta que constituía o seu fundamento cessou na referida data pronunciaram-se os seguintes arestos:
- RP 07-02-2023 (Rodrigues Pires), p. 2397/12.0TBMAI-A.P1;
- RE 02-03-2023 (Tomé de Carvalho), p. 2359/21.7T8STR-D.E1;
- RG 16-03-2023, (Mª Amália Santos), p. 1840/22.5T8VNF-B.G1;
- RL 25-05-2023, (Jorge Almeida Esteves), p. 6467/06.6TBOER-M.L1-6;
Em sentido diverso se pronunciaram os seguintes acs.:
- RL 13-10-2022, p. 17696/21.2T8LSB.L1-6 (António Santos), p. 17696/21.2T8LSB.L1-6;
- RL 29-11-2022 (Mª do Céu Silva), p. 12992/13.5T2SNT-G.L1;
- RL 09-02-2023 (Laurinda Gemas), p. 8834/20.3T8SNT.L1-2;
- RL 23-02-2023 (Eduardo Petersen Silva), p. 16142/12.7T2SNT-F.L1-6;
- RP 23-03-2023 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 19545/22.5T8PRT-A.P1;
- RC 28-03-2023 (Mª João Areias), p. 86/18.1T8CTB-A.C1;
- RL 11-04-2023 (Manuela Espadaneira Lopes), p. 2160/22.0T8SNT-H.L1-1;
- RP 20-04-2023 (Isabel Silva), p. 12270/20.3T8PRT-B.P1;
- RG 27-04-2023 (Mª João Sousa e Faro), p. 274/12.4TBRMR.E1;
- RL 02-05-2023 (Diogo Ravara), p. 610/22.5YLPRT.L1;
- RE 11-05-2023 (Manuel Bargado), p. 3723/20.4T8STB-E1,
- RL 16-05-2023 (Isabel Fonseca), p. 701/14.6T8SNT-I. L1-1;
- RL 13-07-2023 (Cristina Coelho), p. 3141/07.0TBLLE-AY.L1[16];
Todos estes arestos concluíram que a mencionada Lei nº 1-A/2020 permaneceu em vigor mesmo após a cessação do estado de alerta, por não ter sido objeto de revogação.
Com efeito como se refere no segundo dos mencionados arestos:
“Ora, não parece que o citado n.º 7 do art.º 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 possa ser qualificado como lei temporária (isto é, limitada a um determinado período de vigência, por estar na mesma prevista a sua vigência durante um período temporal fixado ou enquanto durar um certo acontecimento aí indicado) – neste sentido, veja-se o referido acórdão da Relação de Lisboa de 13-10-2022, proferido no proc. n.º 17696/21.2T8LSB.L1-6.
Ademais, apesar de o legislador ter já vindo reconhecer - no Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação) - a cessação de vigência de diversos artigos de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tal ainda não sucedeu com a referida Lei n.º 1-A/2020. Isto mesmo foi, aliás, reconhecido pelo acima citado acórdão da Relação de Lisboa de 13-10-2022, referindo-se no ponto 4 do respetivo sumário que «O art.º Artigo 6.º-E, nº 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não foi pelo Decreto-Lei 66-A/2022, de 30 de Setembro, visado/atingido, mantendo-se em vigor, o que deverá suceder enquanto permanecer a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.»
(…)
A questão que se coloca é, assim, a de saber se, à data da prolação do despacho recorrido já não era aplicável o regime legal em causa, o que pressupõe a demonstração, posto que não se está perante facto notório [cf. artigos 5.º, n.º 2, al. c), e 412.º, n.º 1, do CPC] da cessação da “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.
No referido acórdão da Relação de Lisboa de 13-10-2022 entendeu-se que «nada permite concluir que a “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, deixou já de existir [antes tudo obriga a considerar que continuamos ainda hoje a viver em estado de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica, ainda que, é verdade, já não em período de estado de emergência - a qual se iniciou em Portugal ao abrigo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, tendo sido objecto de diversas renovações, v.g. operadas pelo Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, pelo Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril e pelo Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril, mas já cessado -, de calamidade - estado que foi decretado pelo Governo através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, aprovada ao abrigo do artigo 19.º da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, prorrogada por diversas vezes também, mas já cessado - , ou sequer de alerta - estado v.g. decretado e regulamentado através de Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 30 de Agosto e para vigorar até às 23:59 h do dia 30 de Setembro de 2022], continua portanto a justificar-se o atrás decidido no tocante ao prosseguimento dos autos e dos seus termos, sem prejuízo todavia de, em face do requerido pela apelada, decidir o tribunal a quo que se mostra alegada e provada factualidade que preenche a previsão da parte final da alínea c), do nº 7, do art.º 6º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março , e aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.»
Tendemos a concordar com esta posição.
Efetivamente, importa ter presente que o n.º 2 do art.º 7.º da referida Lei n.º 1-A/2020, de 19-03 (cuja epígrafe era “Prazos e diligências”) dispunha na sua redação primitiva (não tendo sido alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06-04), que “(O) regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.”. Este artigo foi expressamente revogado pelo art.º 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29-05, tendo essa mesma lei, no seu art.º 2.º, logo aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, o art.º 6.º-A acima citado, com a epígrafe “Regime processual transitório e excecional”, o qual já não aludia à definição de data para cessação a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. Deixou então de estar previsto que o Governo poderia, mediante decreto-lei, vir declarar o termo da situação excecional prevista naquela.
Por outro lado, embora tecnicamente não se confundam tais situações, não há dúvida que o legislador, ao aludir à “situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19” estava a considerar a situação epidemiológica vivida em Portugal na sequência da pandemia da doença COVID-19 que motivou as sucessivas declarações do Estado de Emergência e das Situações de Calamidade e Alerta.
Como é sabido, a declaração do estado de emergência é da competência do Presidente da República [cf. artigos 19.º, 134.º, al. d), e 138.º da CRP], o que já não sucede com a declaração das situações de calamidade, contingência e alerta, matérias reguladas na Lei n.º 27/2006, de 03-07 (Lei de Bases da Proteção Civil).
O Estado de Emergência vigorou em todo o território nacional entre 19 de março e 2 de maio de 2020 (cf. Decretos do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18-03, n.º 17-A/2020, de 02-04, e 20-A/2020, de 17-04) e de 9 de novembro de 2020 a 30 de abril de 2021 (cf. Decretos do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 06-11, n.º 59-A/2020, de 20-11, n.º 61-A/2020, de 04-12, º 66-A/2020, de 17-12, n.º 6-A/2021, de 06-01, n.º 6-B/2021, de 13-01, n.º 9-A/2021, de 28-01, n.º 11-A/2021, de 11-02, n.º 21-A/2021, de 25-02, nº 25-A/2021, de 11-03, n.º 31-A/2021, de 25-03, n.º 41-A/2021, de 14-04).
Foram igualmente declaradas as situações de calamidade, contingência e alerta, em moldes que seria fastidioso enumerar, com âmbito territorial diversificado (municipal, nacional, continental nacional), pelo que destacamos a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 30-04 - que estabeleceu “uma estratégia de levantamento de medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID 19” -, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2020, de 26-06 - que declarou “a situação de calamidade, contingência e alerta, no âmbito da pandemia da doença COVID-19” tendo em consideração o território, nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual - e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 51-A/2022, de 30-06 - que veio prorrogar a declaração da Situação de Alerta, no âmbito da pandemia da doença COVID-19 até 31 de julho de 2022, em todo o território nacional continental.
De referir que esta última Resolução veio a ser considerada expressamente revogada, a partir de 25-10-2022, conforme Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2022, de 24-10-2022, que determina a cessação de vigência de resoluções do Conselho de Ministros publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, tendo o respetivo sumário o seguinte teor (sublinhado nosso):
“Desde o início da pandemia da doença COVID-19, o Governo tem vindo a adotar uma série de medidas de combate à pandemia, seja numa perspetiva sanitária, seja nas vertentes de apoio social e económico às famílias e às empresas, com o intuito de mitigar os respetivos efeitos adversos.
Face ao desenvolvimento da situação epidemiológica num sentido positivo, observado nos últimos meses, assistiu-se à redução da necessidade de aprovação de novas medidas e de renovação das já aprovadas.
Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de resoluções do Conselho de Ministros com medidas aprovadas com o desidrato de vigorar durante um período justificado de tempo.
Neste contexto, através da presente resolução do Conselho de Ministros, procede-se à clarificação das resoluções do Conselho de Ministros que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de resoluções do Conselho de Ministros já caducas, anacrónicas ou ultrapassadas pelo evoluir da pandemia.
Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber - sem qualquer margem para dúvidas - quais as normas relativas à pandemia da doença COVID-19 que se mantêm aplicáveis.”
Em comunicado oficial, disponível em https://www.portugal.gov.pt, o Governo veio, aliás, informar o seguinte (sublinhado nosso):
“Fim do estado de alerta
Atenta a atual situação da pandemia pela Covid-19, o Governo decidiu não prorrogar a situação de alerta no território continental, bem como a cessação de vigência de diversos decretos-leis e resoluções aprovados no âmbito da pandemia.
A não prorrogação do estado de alerta visa adequar a legislação ao estado epidemiológico atual, equiparando, em termos legais e procedimentos daí decorrentes, a infeção Covid-19 às outras doenças.
Ao longo do tempo, para orientar e proteger a população portuguesa perante uma situação de excecional imprevisibilidade e gravidade, foi sendo criado um conjunto de diplomas legais e normas que acompanharam os estados de exceção que o país foi vivendo, nomeadamente o estado de alerta.
Agora, são eliminados do ordenamento jurídico os atos legislativos cuja vigência se mostrou desnecessária ou ultrapassada, mantendo-se em vigor disposições dirigidas à proteção das pessoas mais vulneráveis à Covid-19, bem como salvaguardando-se os efeitos futuros de factos ocorridos durante a vigência das respetivas disposições.”
Mas, como é evidente, a Resolução falha no seu propósito de permitir aos cidadãos saber, sem qualquer margem para dúvidas, quais as normas relativas à pandemia da doença COVID-19 que se mantêm aplicáveis, sendo certo que não poderia ter o alcance, até pelo princípio da hierarquia das leis, de “eliminar do ordenamento jurídico” leis da Assembleia da República, que nem sequer foram contempladas pelo referido Decreto-Lei n.º 66-A/2022, de 30 de setembro.
A Resolução veio, é certo, evidenciar que o território continental de Portugal já não se encontra em situação de alerta no âmbito da pandemia da doença COVID-19.
No entanto, não podemos olvidar que, além de se manterem em vigor no território nacional continental algumas medidas de prevenção, contenção e mitigação como a obrigatoriedade do uso da máscara nas unidades de saúde e nas unidades residenciais para pessoas idosas, o território nacional também abrange as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, tendo aí sido aprovadas ao longo do tempo um vasto leque de medidas no âmbito da pandemia de COVID-19, destacando-se a Resolução do Conselho do Governo (Regional dos Açores) n.º 173/2022 de 18-10-2022, que “declara que todas as ilhas do arquipélago dos Açores se encontram em situação de alerta - COVID 19”, sendo-lhes aplicáveis as medidas de cumprimento obrigatório previstas no anexo à referida resolução.
Nesta senda, apenas nos parece possível afirmar que, com o fim do estado de alerta em território continental nacional, a partir das 23h59 de 30 de setembro, foi pelo Governo dado um sinal claro de que já seria oportuno que a Assembleia República legislasse sobre a cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia, incluindo naturalmente as citadas normas legais previstas para vigoraram no decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Aliás, que assim é resulta inequívoco da circunstância de ter sido pelo Governo apresentada na Assembleia da República, em 11-11-2022, a Proposta de Lei n.º 45/XV, aprovada em Conselho de Ministros de 29 de setembro de 2022, em que, além do mais, está previsto o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei considera revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei.
Artigo 2.º
Norma revogatória
Nos termos do artigo anterior consideram-se revogadas:
a) A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, com exceção do artigo 5.º;
(…)
Artigo 3.º
Efeitos
1 - Quando incida sobre normas cuja vigência já tenha cessado, a determinação expressa de não vigência de atos legislativos efetuada pela presente lei não altera o momento ou os efeitos daquela cessação de vigência.
2 - A revogação operada pelo artigo anterior não prejudica a produção de efeitos no futuro de factos ocorridos durante o período de vigência dos respetivos atos legislativos.”
O processo legislativo está em curso, conforme pode ser verificado em www.parlamento.pt, merecendo-nos destaque o parecer do conselho Superior da Magistratura que aí se encontra publicado, de que citamos, pelo seu interesse, a seguinte passagem (…):
4.1 Pela sua relevância concreta para a presente situação, importa recordar, quanto à cessação da vigência da lei, o que estatui o artigo 7.º do Código Civil.
Assim, nos termos do n.º 1, quando não se destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei, podendo a revogação resultar, conforme prescrito no n.º 2, de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras procedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
Como se vê, o artigo 7.º apenas prevê a caducidade e a revogação como formas de cessação da vigência da lei.
A caducidade ocorre por superveniência de um facto (previsto pela própria lei que se destina a ter vigência temporária) ou pelo desaparecimento, em termos definitivos, da realidade que a lei se destinava regular. Já a revogação pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei e pode ser expressa ou tácita, total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). A revogação é expressa quando consta de declaração feita na lei posterior e tácita quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas ou quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior.
4.2 No preâmbulo da presente proposta de lei, são feitas referências a diversas realidades, nem todas elas coincidentes, nem todas elas formas de cessação da vigência da lei, atento o antes exposto.
E, no artigo 1.º de tal documento, que define o seu objecto, pode resultar de difícil apreensão a real mens legis. Com efeito, de tal artigo decorre que “a presente lei considera revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão da caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei” (…). Recorde-se que a revogação e a caducidade apenas têm em comum o facto de serem ambas formas de cessação da vigência de diplomas legais, sendo, pois, de questionável acerto técnico a opção consagrada de dizer que se considera um diploma legal revogado em razão da sua caducidade, como é sugerido no artigo 1.º.
Importaria, pois, ter aferido se, e na afirmativa, quais dos vários diplomas legais enunciados no artigo 2.º já se encontram revogados expressa ou tacitamente, total ou parcialmente, quais aqueles que, atenta a sua natureza temporária e face ao evoluir da situação pandémica, já terão cessado a sua vigência por caducidade e quais os outros que, não sendo subsumíveis a nenhuma das referidas situações concretas, ainda mantêm vigência, carecendo, por isso, de uma declaração expressa de revogação como forma de cessação da produção dos seus efeitos na esfera jurídica. Com efeito, apenas uma declaração de revogação será adequada a produzir tal cessação de efeitos e tal declaração, salvo o devido respeito, não é confundível com a expressão “consideram-se revogadas”, lida esta, em termos sistemáticos, como estando inserida num diploma onde o artigo 1.º tem o conteúdo já enunciado e com o preâmbulo também já referenciado. Veja-se que uma “declaração expressa de não vigência” – cf. artigo 3.º da presente proposta de lei - não é, à face do disposto no artigo 7.º, do Código Civil e novamente ressalvado o devido respeito, forma de cessação da vigência da lei.
Tanto assim a presente proposta de lei o reconhece que, no artigo 3.º, n.º 1, salvaguarda – relativamente aos diplomas legais que já tenham cessado efectivamente a sua vigência pelas razões acima referenciadas – que os efeitos daquela cessação de vigência fiquem salvaguardados.
Pese embora, pelas razões que se enunciaram, a formulação do artigo 2.º possa suscitar as dúvidas interpretativas descritas, a verdade é que o n.º 2 do artigo 3.º da presente proposta de lei assume explicitamente que, através do disposto no artigo 2.º, o que se pretende é revogar tais diplomas (ainda que os mesmos já estivessem revogados expressa ou tacitamente ou tivessem caducado). De outro modo, não teria sido utilizada a expressão: “a revogação operada pelo artigo anterior”.
Torna-se, pois, claro que ainda não foi revogado, nem se pode considerar que tenha caducado, o disposto no art.º 6.º-E, n.º 7, da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, que, corresponde ao anterior art.º 6.º-A, n.º 6, perspetivando-se, tão-só, que a sua revogação poderá vir a ocorrer a breve trecho, se vier a ser aprovada pela Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 45/XV/1.”
Concordamos inteiramente com este entendimento, sendo certo que a situação legislativa exposta nos citados arestos se manteve. Com efeito, sem que o processo legislativo iniciado com a proposta de Lei nº 45/XV/1 se tivesse completado, em 18-04-2023 foi publicado o DL nº 26-A/2023, o qual revogou expressamente o artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, o que parecia pressupor que a Lei 1-A/2020 ainda se mantinha em vigor.
E na verdade, só em 04-07-2013 foi publicada a Lei nº 31/2023 a qual, no seu art. 1º, “determina, de forma expressa, a cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em razão de caducidade, de revogação tácita anterior ou de revogação pela presente lei”.
Por sua vez, estabelece o art.º 2º, al. a) do mesmo diploma que se considera revogada a “Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, com exceção do artigo 5.º”.
Este diploma revogou, pois, o art.º 6º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, disposição legal em que se havia fundado a suspensão da venda executiva a que se reportava o despacho apelado.
Ainda assim importa atentar que decorre claramente do art.º 4º da mesma lei que tal revogação apenas produz efeitos 30 dias após a publicação do mesmo diploma, ou seja, às 00h00m do dia 04-08-2023 (31º dia posterior a 04-07-2023).
Nesta conformidade, conclui-se que o despacho recorrido não merece censura, na medida em que à data em que foi proferido o art.º 6º-E da Lei nº 1-A/2020 ainda se mantinha em vigor.
Isto obviamente sem prejuízo da necessidade de o Tribunal a quo apreciar, mesmo oficiosamente, o levantamento da suspensão da venda executiva, atenta a entrada em vigor da Lei nº 31/2023, de 04-07. Reapreciação que a mesma decisão pressupunha, na medida em que no último parágrafo da mesma se vincou expressamente que a suspensão decretada deveria vigorar “enquanto durar a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, prevista na Lei n.º 1- A/2020, de 19 de março”.
3.2.2. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
A interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. art.ºs 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já no sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (art.ºs 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. art.ºs 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (art.ºs 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (art.ºs 533º do CPC e 25º e 26º do RCP).
Tecidas estas considerações, resta aplicar o preceito supracitado.
E fazendo-o diremos que no caso em apreço, face à improcedência da presente apelação, as custas devem ser suportadas pelo apelante.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, sem prejuízo da necessidade de o tribunal a quo apreciar, mesmo oficiosamente, o levantamento da suspensão da venda executiva, face à entrada em vigor da Lei nº 31/2023, de 04-07.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 12 de setembro de 2023
Diogo Ravara
José Capacete
Alexandra Castro Rocha
_________________________________________________ [1] Refª 7377026/23035262. [2] Cfr. refª 7377026. [3] Refª 15927023, de 03-12-2019. [4] Refª 17410080, de 15-09-2020. [5] Refª nº 31134080/40767659, de 12-06-2021. [6] Refª 132490710, de 07-09-2021. [7] Refª 227733… [8] Refª 142868534. [9] Refª 23025976. [10] Refª 143960647. [11] Refª 34653010/44318511, de 06-01-2023. [12] Refª 144764332, de 06-06-2023. [13] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117 [14] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119 [15] In Blog do IPPC, entrada de 13-10-2022, disponível em: https://blogippc.blogspot.com/2022/10/cessacao-de-vigencia-da-l-1-a2020-de-193.html. [16] Inédito.