ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
CITAÇÃO NÃO EFECTUADA
CAUSA NÃO IMPUTÁVEL AO REQUERENTE
Sumário

I – A exclusão da interrupção da prescrição prevista no artigo 323º, n.º 2 do Código Civil apenas tem lugar nos casos em que o autor tenha infringido objectivamente a lei, em qualquer termo processual, após o requerimento para citação e até à verificação desta, determinando, desse modo, o retardamento da citação para lá do prazo de cinco dias previsto naquela norma.
II - A jurisprudência tem densificado a falta de causalidade objectiva entre o acto ou a omissão do titular do direito e a falta de citação ou notificação com situações em que a demora da citação se deve a regras sobre a organização judiciária e formas do processo ou a erros dos operadores judiciários.
III – Mesmo na presença de um vício de procedimento imputável ao autor, a exclusão do benefício não opera se o retardamento da citação foi determinado por razões ligadas à organização do sistema judicial (férias judiciais), que sempre se verificaria ainda que o primeiro não ocorresse.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS S.A., pessoa colectiva com NIPC …, com sede no Largo Calhariz, n.º 30, 1249-001 Lisboa intentou contra A, portador do cartão de cidadão n.º …, com domicílio na Rua …, nº 5, Ribeira Seca, junto do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Ribeira Grande, a presente acção declarativa de condenação com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) A condenação do réu no pagamento à autora da quantia de 42.500,00€ (quarenta e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos, contados desde a citação até total e efectivo pagamento.
Alegou, para tanto, o seguinte:
=> No exercício da sua actividade de seguradora, celebrou com Sousa e Garcês, Lda., um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 850005203 - ramo automóvel -, mediante o qual a responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula XX-GU-XX, foi para si transferida;
=> Em 13-02-2018, na Estrada Regional ER2, da Ilha de São Jorge, na freguesia de Santo Amaro, concelho de Velas, Açores ocorreu um acidente de viação consistindo em despiste, colisão entre o veículo com a matrícula XX-GU-XX e um muro e capotamento, sendo que os dois passageiros que seguiam no veículo acidentado necessitaram de assistência médica no Centro de Saúde de Velas;
=> Sem qualquer motivo aparente o réu não logrou controlar o trajecto e a marcha do veículo, que se ficou a dever unicamente ao facto de aquele não ter exercido a condução de forma prudente, cautelosa e atenta;
=> Além disso, submetido ao teste de TAS, o réu acusou uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,77 g/l (gramas por litro) e não tinha habilitação legal para conduzir;
=> Do sinistro resultaram danos materiais para o veículo envolvido e para o muro no lado direito da via e ferimentos graves no ocupante do veículo seguro, SG, e ferimentos ligeiros no outro ocupante;
=> A autora indemnizou os danos corporais sofridos por SG, no valor global de 42 500,00 €, pelo que lhe assiste o direito de exigir do réu o reembolso da quantia paga.
Em 6 de Setembro de 2022 foi aberta conclusão com informação lavrada pelo senhor funcionário em que dava conta das suas dúvidas quanto à competência territorial para o conhecimento da presente acção (cf. Ref. Elect. 53792629 dos autos principais).
Nessa mesma data foi proferido despacho ordenando a notificação da autora para se pronunciar sobre a possível incompetência do Tribunal, em razão do território, o que esta fez, por requerimento de 8 de Setembro de 2022, referindo que, apenas por manifesto lapso, endereçou a petição inicial àquele Tribunal, que não ao competente – o Juízo de Competência Genérica de Velas –, requerendo a remessa dos autos para este Tribunal, o que foi ordenado por despacho de 9 de Setembro de 2022 (cf. Ref. Elect. 53792633, 4792325 e 53816968).
A ré contestou invocando a excepção de prescrição com fundamento no facto de o acidente ter ocorrido no dia 13-02-2018, data em que a autora dele tomou conhecimento e de todas as suas circunstâncias concretas, conforme participação escrita que lhe foi entregue pelo segurado com data de 16 de Fevereiro de 2018, sendo que o réu apenas foi citado para contestar em 29 de Setembro de 2022, tendo o pagamento do valor peticionado sido efectuado por cheque emitido em 28-03-2019, pelo que à data da citação já tinha decorrido o prazo de três anos e estava prescrito o direito de regresso da seguradora; impugnou os factos atinentes às circunstâncias em que ocorreu o acidente e os danos invocados, concluindo pela procedência da excepção ou, em qualquer caso, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 4892472 dos autos principais).
Convidada a pronunciar-se sobre a excepção deduzida, a autora veio fazê-lo, por requerimento de 26 de Janeiro de 2023, em que pugnou pela sua improcedência referindo que o prazo de três anos se conta desde a data do último pagamento realizado, pelo que só começou a correr em 30 de Março de 2019 e esteve suspenso, por virtude dos efeitos das Leis n.ºs 1-A/2020, de 19 de Março e 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, durante 160 dias, pelo que o direito apenas prescreveria em 15 de Agosto de 2022, tendo a acção sido intentada em 25 de Julho de 2022, tendo-se a prescrição por interrompida cinco dias depois, conforme art.º 323º, n.º 2 do Código Civil (cf. Ref. Elect. 5001929 dos autos principais).
Em 8 de Abril de 2023 foi proferido despacho saneador tendo sido apreciada a excepção de prescrição, que foi julgada improcedente (cf. Ref. Elect. 54952813 dos autos principais).
Inconformado com esta decisão, o réu veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 515781 dos autos principais):
A - O Recorrente A interpõe o presente recurso por não concordar com o teor do douto despacho saneador na parte em que julgou improcedente a exceção de prescrição do crédito peticionado pela Autora, por se entender que, ao contrário do injustamente decidido pelo Tribunal recorrido, à data da citação do Recorrente - 29 de Setembro de 2022, já havia transcorrido o prazo prescricional de três anos estabelecido no artigo 498º, nº 3, do Código Civil;
B - Por isso, o douto despacho saneador na parte da referida decisão que julgou improcedente a exceção perentória de prescrição, não pode manter-se na ordem jurídica;
C - Mais concretamente na parte do douto despacho Saneador em que é decidido que:
"In caso, a ré foi citada para a presente ação em 29.09.2022, já após o término previsto para o prazo de prescrição. Contudo, nos termos do nº 2 do art.º 323º, do CC "Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias". Isto é, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Consequentemente, atento o disposto no nº 2, do art.º 323º do CC, considerando que a autora intentou a presente ação em 25.07.2022, o prazo de prescrição interrompeu-se em 30.07.2022. Assim sendo, uma vez que em 30.07.2022 o prazo de prescrição dos créditos ainda estava em curso, conforme se expôs supra, os mesmos interromperam-se nesta data, inutilizando o prazo já decorrido - cfr. art.º 326º, nº 1, do CC. Em face do exposto, improcede, por não provada, a exceção perentória de prescrição do direito de regresso da autora";
D - Ora, é entendimento do Recorrente que a referida decisão se encontra descontextualizada e aplica o direito de forma errónea, designadamente o disposto no nº 2 do artigo 498º e, sobretudo, o preceituado nos artigos 323º, nºs 1 e 2 e 326º, nº 1, do Código Civil, devendo, por essa razão, ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a exceção invocada pelo Recorrente, absolvendo-o do peticionado pela Companhia de Seguros;
E - Efetivamente, compulsados os autos constata-se que, tendo-se iniciado o prazo de prescrição do direito de regresso, senão antes, pelo menos no dia 30.03.2019, a Autora apenas deu entrada desta acção em Juízo no dia 25.07.2022, sendo que, o Réu, ora Recorrente, só foi citado no dia 29.09.2022, por culpa e por causas unicamente imputáveis à Recorrida, tal como claramente demonstram os autos, donde terá inexoravelmente, e ao contrário do injustamente decidido pelo Tribunal recorrido, de concluir-se que nessa data (29.09.2022) o prazo de prescrição previsto no artigo 498º, nº 2, do Código Civil, já estava efetivamente transcorrido, com todas as legais consequências;
F - Ora, determina o artigo 323º, nº 1, do Código Civil, que "A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente," (sublinhado nosso), referindo o mesmo artigo, no seu número 2 que "Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias" (sublinhado nosso)
G - A douta decisão recorrida admite expressamente que o Réu, o ora recorrente, apenas foi citado para a presente acção no dia 29.09.2022, ou seja, já após o término previsto para o prazo de prescrição, estribando-se, no entanto, no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, para, a final, erradamente julgar da ocorrência de suposto facto interruptivo do prazo de prescrição alegado pelo Recorrente;
H - Assim, tal como resulta dos autos, em 30.03.2019, a Seguradora Recorrida, procedeu a pagamento único da quantia de €42.500,00 a SG a título de indemnização pelos danos corporais e morais sofridos em consequência do acidente, sendo também certo que, tal como resulta demonstrado nos autos, o Réu, ora recorrente, foi citado para contestar a presente ação de regresso apenas no dia 29.09.2022;
I - Assim, se não antes, pelo menos à data do único pagamento efetuado pela Recorrida (30-03-2019), esta passou a deter o alegado direito de regresso sobre o ora Recorrente e, nessa conformidade, a poder exercê-lo cabalmente;
J - Não obstante isso, bem sabendo do prazo legal de três anos para a citação do devedor, em curso a partir de 30.03.2019, por motivos que apenas a ela são imputáveis, a Recorrida apenas deu entrada desta ação em Tribunal no dia 25-07-2022, tendo-o feito, ainda assim, em pleno prazo de férias judiciais de Verão, bem sabendo, ou pelo menos não podendo desconhecer, que, não tendo natureza urgente, os presentes autos só seriam tramitados - como foram - após o fim das férias judiciais;
L - Acresce que, tal como resulta evidenciado dos autos, por motivos que só ela saberá e, por isso, lhe são exclusivamente imputáveis, a Seguradora Recorrida não requereu ao Tribunal a citação urgente do Recorrente, quando podia e devia tê-lo feito, nos termos dos artigos 561º e 226º, nº 4, alínea f), do CPC, com vista à interrupção do prazo de prescrição que sabia então estar em curso;
M - Como se tais factos não bastassem, resulta ainda dos autos (cfr. petição inicial) que a Recorrida interpôs esta ação em Tribunal incompetente em razão do território, mais concretamente no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores-Juízo Local Cível de Ribeira Grande, quando deveria tê-lo feito no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores-Juízo de Competência Genérica de Velas, decisão que só por si atrasou significativamente (mais de 25 dias) a normal tramitação dos autos bem como as diligências do Tribunal competente com vista a citação do Recorrente, a qual, por isso, só veio a ocorrer 34 (trinta e quatro) dias após a instauração da ação, sem que em momento algum tivesse sido requerida pela Recorrida a citação urgente do Recorrente, a qual - diga-se - poderia até ter-se concretizado pelo próprio Tribunal incompetente onde foi interposta a ação (artigo 323º, nº 1, do CC), tivesse ela sido, de facto, requerida, factos que só à Recorrida são imputáveis. (Cfr. petição inicial, datada de 25-07-2022 (férias judiciais do Verão), dirigida ao Juízo Local Cível de Ribeira Grande, que mereceu despacho de 06.09.2022, notificado à Recorrida em 07.09.2022, que respondeu, em 08-09­2022, reconhecendo e penitenciando-se pelo lapso, requerendo o envio para o Tribunal competente, tudo sempre sem qualquer menção ou requerimento com vista à citação urgente do Réu);
N - Ou seja, salvo o devido respeito por melhor opinião, a Seguradora Recorrida foi manifestamente negligente na defesa dos seus interesses e direitos, sendo-lhe exclusivamente, e culposamente, imputáveis as causas da não citação do Recorrente até ao dia 29.09.2022;
O - Pelo que, atenta a factualidade acima descrita, aliás sobejamente provada nos autos, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido errou clamorosamente, ao considerar que "atento o disposto no nº 2 do art.º 323º do CC, considerando-se que a autora intentou a presente ação em 25.07.2022, o prazo de prescrição interrompeu-se em 30.07.2022" e que "uma vez que em 30.07.2022 o prazo de prescrição dos créditos ainda estava em curso, conforme se expôs supra, os mesmos interromperam-se nesta data, inutilizando o prazo já decorrido"
P - Nesta conformidade, tendo em consideração os fundamentos aduzidos para o presente recurso, e que não foram devidamente apreciados e todos em conta pelo Meritíssimo Juiz a quo, bem como o teor da decisão posta a crise, deve a mesma na parte em que julga improcedente a exceção de prescrição do crédito pago pela Seguradora Recorrida no dia 30.03.2019, ser revogada e, em consequência, substituída por outra que conclua que o prazo prescricional de três anos estabelecido no artigo 498º, nº 2, do C. Civil se encontra totalmente decorrido relativamente à quantia paga pela Recorrida em consequência do acidente que alega nos autos, e, assim, julgue procedente a exceção de prescrição invocada pelo Recorrente, absolvendo-o do peticionado pela Seguradora Recorrida.
A autora/recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 5215174 dos autos principais).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação do réu/apelante a única questão a apreciar é a verificação da prescrição do direito de regresso que a autora pretende exercer.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na primeira instância foram elencados como factos a atender para a apreciação da excepção de prescrição os seguintes:
1. A presente acção deu entrada em juízo em 25.07.2022.
2. A Autora é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objecto a realização de todas as operações referentes à actividade seguradora e, bem assim, a prática de quaisquer actos necessários ou acessórios dessas mesmas operações.
3. No exercício desta sua actividade e por força do contrato de seguro celebrado com SOUSA E GARCÊS, LDA., com sede na Zona Industrial Portões Vermelhos, armazém 36, Lagoa - São Miguel, titulado pela apólice n.º ... - ramo automóvel - aceitou a transferência da responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo automóvel com a matrícula XX-GU-XX, marca NISSAN, habitualmente conduzido pelo seu trabalhador A, aqui réu.
4. No dia 13-02-2018, pelas 17h. e 35 min., na Estrada Regional ER2, da Ilha de São Jorge, na freguesia de Santo Amaro, concelho de Velas, na ilha de São Jorge, nos Açores, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo com a matrícula XX-GU-XX, conduzido pelo réu.
5. À data do acidente o mencionado contrato de seguro encontrava-se em vigor.
6. Na sequência do acidente, em 30.03.2019, a autora procedeu ao pagamento da quantia de €42.500,00 a SG a título de indemnização pelos danos corporais e morais sofridos em consequência do acidente.
7. O réu foi citado para a presente acção em 29.09.2022.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
O Tribunal recorrido apreciou a excepção de prescrição nos seguintes termos:
“Nos termos do art.º 298.º, do CC “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”.
Ou seja, o instituto da prescrição visa definir a repercussão da passagem do tempo nas relações jurídicas, pressupondo, para a sua verificação, o decurso de um lapso de tempo sem que o direito tenha sido exercido - cfr. art.º 298.º CC. Uma vez esgotado o prazo de prescrição, tem a parte que dela beneficia a possibilidade de recursar-se ou opor-se ao exercício do direito da outra parte – cfr. art.º 304.º, do CC.
O instituto da prescrição tem fundamento na segurança jurídica, impondo que o não exercício do direito durante certo período produza efeitos de estabilização da relação jurídica.
O prazo de prescrição inicia-se quando o direito puder ser exercido – cfr. art.º 306.º, do CC.
Consagra o art.º 309.º do CC um prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
Todavia, o legislador consagrou, ainda, prazos de prescrição distintos. Veja-se, por exemplo, os prazos de prescrição de cinco e dois anos e de seis meses, consagrados nos art.ºs 310.º, 316.º e 317.º, do CC.
No caso concreto importa atender ao disposto do art.º 27.º, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei 291/2007, o qual consagra o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, e nos termos do qual a seguradora tem direito de regresso contra o condutor “quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida
Por seu turno, dispõe o art.º 498.º, n.º 1, do CC que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”. Acrescenta o n.º 2 do mencionado normativo que “Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.”
Analisado o teor da petição inicial verifica-se que a autora pretende exercer o seu direito de regresso contra o autor pelas importâncias despendidas em consequência do acidente, concretamente, pelo montante de €42.500,00 que pagou a SG, a título de indemnização pelos danos corporais e morais sofridos, porquanto, alega, no momento do acidente o réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,77 g/l.
Em conformidade, o prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora é de três anos, sendo unânime na jurisprudência que o mesmo se inicia com o cumprimento da obrigação de indemnização – neste sentido vd., entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.01.2012, proc. n.º 644/10.2TBCBR-A.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.04.2011,
proc. n.º 1372/10.4T2AVR.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.02.2021, proc. n.º 304/19.9T8ABF-A.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08.03.2012, proc. n.º 273/04.0TBTVR.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16.01.2014, proc. n.º 566/12.2T2STC.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-01-2008, proc. n.º 494/2008-1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.05.1999, proc. n.º 99B356, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03.07.2018, proc. n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1.
In casu, no âmbito do contrato de seguro em causa nos autos, na sequência do acidente ocorrido em 13.02.2018, a autora, em 30.03.2019, procedeu ao pagamento da quantia de €42.500,00 a SG a título de indemnização pelos danos corporais e morais sofridos em consequência do acidente.
Nessa medida, o seu direito de regresso prescreveria no prazo de 3 anos a contar de 30.03.2019, portanto, em 30.03.2022.
Sucede, porém, que no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, foram estabelecidos regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade.
Inicialmente, tal suspensão vigorou, entre o dia 09 de março de 2020 e 03 de junho de 2020, num total de 87 dias – cfr. art. 7.º, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e art.ºs 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de maio.
Posteriormente, os prazos de prescrição e de caducidade voltaram a ficar suspensos entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021, num total de 74 dias – cfr. art. .6º-B, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02; e artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.
Significa, portanto, que os prazos de prescrição e de caducidade estiveram suspensos entre os dias 09.03.2020 até 03.06.2020 e 22.01.2021 até 05.04.2021, num total de 161 dias.
Neste sentido, embora centrando-se no prazo de caducidade, mas cuja argumentação entendemos ser, igualmente, aplicável ao caso que nos ocupa, vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23-11-2021, proc. n.º 709/21.5T8ACB.C1:
“Ora, por força do disposto no artº 6º-B, nº 3, os prazos de prescrição e de caducidade já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da Lei 4-B/2020 ou que viessem a iniciar-se posteriormente, como é o caso, foram suspensos, só se retomando a partir da data em que viesse a ser declarado o termo da situação excecional de resposta à pandemia.
A circunstância do prazo ter sido suspenso, não impedia que as partes, se assim o entendessem, instaurassem, ainda assim, a ação ou procedimento cautelar. A suspensão foi estabelecida em benefício das partes, mas estas podiam “renunciar” à suspensão.
A suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade a que alude o artº 6º-B nºs 3 e 4, não deve ser confundida com a suspensão dos prazos processuais a que se refere o nº 1 do art.º 6ºB da Lei 1-A/2020 nem com a regra que determina a não suspensão de prazos processuais nos processos urgentes, inscrita no artº 6º-B, nº 7. Este diz respeito aos prazos processuais de tramitação dos processos urgentes que não se suspenderam nem interromperam e não ao de caducidade para a instauração dos processos urgentes, como acontece no prazo para instaurar o procedimento de suspensão da execução de deliberações sociais, processo que tem natureza urgente (conforme se defende no Ac. do TCA Sul, proferido no processo nº 233/20.3BECBR-A, de 04.03.2021). Se o processo urgente já se encontrar pendente os prazos não se suspendem, mas suspendem-se os prazos para instaurar o procedimento ou ação.”
Igualmente, no sentido de que este regime se aplica aos prazos para instaurar ações ou procedimentos que evitem a prescrição e a caducidade, vd. MENEZES LEITÃO, “Os prazos em tempo de pandemia Covid-19” in Estado de Emergência – Covid – 19 – Implicações na Justiça, 2.ª Ed., Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, junho 2020, p. 72-73, [Consult. 02.06.2022], disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Gl3pNomaeQc%3d&portalid=30:
A primeira dúvida que se coloca é se esse regime se aplica apenas em relação aos prazos para instaurar acções ou procedimentos que evitem a prescrição e a caducidade ou se abrange também prazos para o exercício extrajudicial de direitos legais ou contratuais.
Uma vez que o que está em causa é a dificuldade de recurso aos tribunais nesta fase, entendemos que se trata apenas da primeira situação”.
Em conformidade, o prazo de prescrição esteve suspenso durante 161 dias, pelo que o direito de regresso da autora prescreveria em 07.09.2022 (acrescendo 161 dia à data inicial da prescrição).
Resulta da lei que a prescrição apenas se interrompe pela citação ou pela notificação judicial (incluindo a notificação judicial avulsa – vd. AUJ n.º 3/98 de 26.03.1998) de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – cfr. art.º 323.º, n.º 1, do CC.
In casu, a ré foi citada para a presente ação em 29.09.2022, já após o término previsto para o prazo de prescrição.
Contudo, nos termos do n.º 2 do art.º 323.º, do CC “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”. Isto é, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Consequentemente, atento o disposto no n.º 2, do art.º 323.º do CC, considerando que a autora intentou a presente ação em 25.07.2022, o prazo de prescrição interrompeu-se em 30.07.2022.
Assim sendo, uma vez que em 30.07.2022 o prazo de prescrição dos créditos ainda estava em curso, conforme se expôs supra, os mesmos interromperam-se nesta data, inutilizando o prazo já decorrido – cfr. art.º 326.º, n.º 1, do CC.
Em face do exposto, improcede, por não provada, a exceção perentória de prescrição do direito de regresso da autora.”
Defende o réu/recorrente que a decisão recorrida aplicou de forma errónea o disposto nos art.ºs 498º, n.º 2, 323º, n.º 2 e 326º, n.º 1, todos do Código Civil, pela seguinte ordem de razões:
a) a aplicação da previsão do n.º 2 do art.º 323 do Código Civil implica que a não realização da citação não seja imputável ao requerente, sendo que, no caso, a seguradora foi manifestamente negligente porque:
i. tomou conhecimento do acidente e de todas as respectivas circunstâncias, aquando da participação, em 16 de Fevereiro de 2018, e procedeu ao pagamento da indemnização à vítima, tendo, pelo menos à data do único pagamento, passado a deter o direito de regresso e a poder exercê-lo, sendo que entre o dia 30 de Março de 2019 e o dia 29 de Setembro de 2022 decorreram mais de três anos, tendo dado entrada da acção apenas em 25 de Julho de 2022, em férias judiciais;
ii. bem sabendo que a acção não seria tramitada, não requereu a citação urgente;
iii. interpôs a acção em tribunal incompetente em razão do território, o que atrasou as diligências de citação, que só veio a ocorrer 34 dias depois.
Não obstante o recorrente aluda a uma incorrecta aplicação da norma do art.º 498º, n.º 2 do Código Civil, em rigor, não se insurge contra a aplicação do prazo prescricional de 3 anos, a contar do cumprimento, como o aplicável ao direito de regresso que a seguradora pretende exercer no âmbito dos presentes autos.
De todo o modo, sempre se dirá, telegraficamente, que tendo o acidente ocorrido em 13 de Fevereiro de 2018, data em que se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que aprovou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel[2], cujo artigo 27.º, n.º 1, estabelece que, satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: “[…] c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos; d) Contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado, ou quando haja abandonado o sinistrado […]”, e sendo o exercício desse direito aquele que está em causa nestes autos e ainda que não seja desconhecida a dificuldade de delimitação de tal direito face à sub-rogação legal, que assiste a terceiro que cumpre a obrigação por ter garantido o seu cumprimento, tal como consagrada também naquele diploma legal (cf. art.º 54º), não se pode deixar de acompanhar a decisão recorrida na aplicação do prazo prescricional previsto no n.º 2 do art.º 498º do Código Civil.
É sabido que na sub-rogação os direitos dos devedores se transferem qua tale para a esfera jurídica de quem satisfez a obrigação, o que implica a transmissão de todo o regime aplicável, sendo-lhe aplicável o regime de prescrição do primitivo devedor, enquanto no direito de regresso ocorre o surgimento ex novo de um direito, cujo regime de prescrição será autónomo do direito do primitivo devedor.
Contudo, independentemente da justeza formal dos conceitos, a jurisprudência tem vindo a propender para a aproximação, em termos práticos ou económicos, das funções do direito de regresso e do direito de sub-rogação, contendo ambos uma finalidade de recuperação, no contexto das relações internas entre os vários sujeitos juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, não o estando, que realizaram a prestação – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2020, processo n.º 2325/18-0T8VRL.G1.S1[3].
Ademais, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel a fonte deste específico direito radica na própria lei, o que sucede quer o contrato de seguro o preveja ou não, sendo ainda de realçar o paralelismo entre a responsabilidade do segurado e o direito de regresso de que a seguradora é titular para efeitos de aplicação do prazo de prescrição previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 498º do Código Civil, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2022, processo n.º 6252/18.2T8PRT.P1:
“[…] os casos de admissibilidade do direito de regresso em sede de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel restringem-se às situações ali previstas e têm, portanto, por fonte a lei e não o contrato de seguro propriamente dito (pois quer este, por si próprio, preveja ou não clausulado idêntico ao previsto naquele art.º 27º, esta previsão legal assegura sempre aquele direito de regresso). Note-se, a este propósito, que se se considerasse que tal direito de regresso tem por fonte o contrato de seguro, não poderia a seguradora exercer o mesmo, por exemplo e como previsto nas alíneas a), b), c) e d) do nº1 daquele art.27º, contra o condutor do veículo que não é o segurado, pois este é um estranho relativamente ao seguro celebrado.
[…] considerando a previsão dos nºs 1 e 2 do art.º 498º C.Civil, onde se prevê idêntico prazo de 3 anos para a prescrição dos direitos ali referidos (do lesado, a contar do conhecimento do seu direito, e do direito de regresso entre responsáveis a contar do cumprimento), e existindo um “óbvio paralelismo entre o formato da responsabilidade do segurado e o direito de regresso de que a seguradora é titular”, “não é pela simples circunstância de a [seguradora] ser o garante de uma indemnização para cujo sobrevir não contribuiu com qualquer actuação culposa que se pode concluir da sua submissão a um prazo prescricional distinto. É, inversamente, o próprio facto de a seguradora ser um mero garante do segurado que nos leva a inferir que o seu direito de regresso existe em termos semelhantes à originária responsabilidade deste e não com uma qualquer aporia paradoxal de disciplina jurídica distinta. Isto porque, não obstante o direito de regresso não ser uma forma de transmissão de um crédito primitivo mas antes um direito nascido ex novo na titularidade da seguradora, a verdade é que brota da relação creditória anterior” [citamos o Acórdão do STJ de 27/10/2009 (proc. nº844/07.2TBOER.L1; relator Paulo Sá), […].
Assim, aquele prazo de prescrição previsto no art.º 498º nº 2 é o aplicável ao direito de reembolso da seguradora reconhecido nas hipóteses taxativamente previstas no art.º 27º do regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, “ainda que o direito ao reembolso, não corresponda, na sua natureza, a um verdadeiro “direito de regresso”, no sentido próprio do conceito, e se possa discutir, quanto a cada caso, se esse direito ao reembolso, em sentido amplo, se encontra, independentemente da concreta designação legal, mais próximo da figura do direito de regresso ou da figura da sub-rogação” – [….]”
Atente-se que a jurisprudência tem apontado precisamente no sentido de a relação entre a seguradora (a aqui autora) e o responsável civil (o aqui réu), se configurar como uma relação de solidariedade imperfeita ou imprópria, pois que no âmbito das relações internas, a primeira surge como a garante (nos termos contratuais) da indemnização que é devida pelo responsável civil e devedor principal, a quem poderá exigir, dentro do circunstancialismo previsto no mencionado art.º 27º do RSORCA, o reembolso de tudo o que pagou. “Nas relações internas entre seguradora e responsável civil direto há portanto que aplicar as regras do regime da solidariedade, em tudo o que não contrarie este regime imperfeito [caraterizado em especial por esta relação hierarquizada e que faculta à garante codevedora exigir o reembolso da totalidade do valor por si suportado em determinados circunstancialismos].” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2020, processo n.º 3481/18.2T8OAZ.P1.
Além disso, apesar de constituírem institutos jurídicos distintos, a sub-rogação e o direito de regresso apresentam, como se disse, grande afinidade, estando subordinados ao elemento comum de prévio pagamento da obrigação e destinando-se ao seu reembolso total ou parcial. O terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento; enquanto não o fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos de credor – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3-07-2018, processo n.º 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1; o que coincide, aliás, com as três razões essenciais que justificaram a firmação de jurisprudência nesse sentido, pelo Supremo Tribunal Administrativo, conforme acórdão n.º 2/2018, de 27 de Setembro de 2018, no processo n.º 1493/17[4]; ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-02-2022, processo n.º 1631/21.0T8PDL-A.L1-6 e do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2022, processo n.º 6252/18.2T8PRT.P1.
Conclui-se, assim, que o prazo de prescrição a ter em conta é o previsto no art. 498º, n.º 2 do Código Civil – 3 anos – e que o curso do prazo prescricional se inicia com o cumprimento, ou seja, com o último pagamento efectuado, que corresponde ao cumprimento, tal como decorre do estatuído nos art.ºs 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1 do Código Civil[5].
Está demonstrado que a seguradora, ora recorrida, procedeu ao pagamento ao lesado SG da quantia indemnizatória de 42.500,00€, no dia 30 de Março de 2019.
Como tal, o prazo de prescrição de 3 anos para o exercício do direito ao reembolso em causa nestes autos começou a correr no dia 31 de Março de 2019, porquanto, em conformidade com as regras gerais sobre a contagem do prazo vertidas nos art.ºs 296º e 279º, b) do Código Civil, na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (nem a hora, se o prazo for de horas) em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado - I – Parte Geral, 2020, pág. 806.
A não ter ocorrido qualquer facto interruptivo/suspensivo tal prazo teria terminado no dia 31 de Março de 2022.
Contudo, tal como explanado na decisão recorrida – que, nessa parte, não foi posta em crise no âmbito deste recurso –, em tal prazo repercutiu-se o regime excepcional de suspensão introduzido pelas medidas excepcionais e temporárias decorrentes dos diplomas legais que visaram responder aos efeitos da pandemia causada pela doença Covid 19, como sejam a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril e a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio e alterações introduzidas pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, pelo que o prazo prescricional esteve suspenso durante um total de 161 dias. Tal significa que o prazo de prescrição terminaria no dia 8 de Setembro de 2022.
Está demonstrado que a citação ocorreu efectivamente em 29 de Setembro de 2022, ou seja, numa data que se teria por posterior ao término daquele prazo, caso nenhum facto interruptivo tivesse ocorrido até então.
Todavia, a decisão recorrida, considerando aplicável ao caso o estatuído no art.º 323º, n.º 2 do Código Civil e tendo em conta que a presente acção foi interposta em 25 de Julho de 2022, concluiu que o prazo prescricional em curso se tinha interrompido decorridos cinco dias sobre a data da interposição da acção, sem que a citação tenha sido feita.
O réu/recorrente insurge-se contra o assim decidido argumentando que a norma do n.º 2 do art.º 323º do Código Civil não colhe aqui aplicação pela razão de a seguradora ter sido negligente ao interpor a acção apenas em 25 de Julho de 2022, quando, pelo menos a partir do dia 30 de Março de 2019, tinha conhecimento do seu direito de regresso e podia tê-lo exercido, para além de não ter requerido a citação urgente e ter dirigido a acção a tribunal territorialmente incompetente, o que atrasou as diligências de citação, pelo que a causa da respectiva falta de realização dentro dos mencionados cinco dias deve ser-lhe imputável.
A questão que se impõe apreciar é, pois, a de saber se o prazo prescricional para o exercício do direito de regresso havia transcorrido por inteiro antes da citação ou se, antes disso, se interrompeu, nos termos do artº 323º, n.º 2 do Código Civil.
A interrupção da prescrição tem sido explicada como “o facto, previsto na lei, que inutiliza todo o tempo da mesma prescrição decorrido até à data em que esse acto se realizou” – cf. citando Cunha Gonçalves, Rita Canas da Silva, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, pág. 428.
A prescrição, para além de satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, baseia-se numa ponderação de justiça e de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, de modo que se presume a renúncia ao direito ou, pelo menos, a desnecessidade da tutela do Direito, relativamente a quem não o exerce, protegendo-se o interesse do sujeito passivo. “Há, portanto, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto.” – cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, pág. 376.
No contexto do regime jurídico da interrupção da prescrição por iniciativa do credor – o facto interruptivo provém de acto do credor - estatui o art.º 323º do Código Civil:
“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
Nos termos do disposto no art.º 323º, n.º 1 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Os requisitos para que se dê a interrupção da prescrição podem ser enunciados nos seguintes termos: a) a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito; b) podendo essa intenção ser expressa directa ou indirectamente; c) seja qual for o processo a que o acto pertence; d) ainda que o tribunal seja incompetente - cf. António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 909.
Contudo, nos termos do disposto no n.º 2 daquele normativo legal, se a citação ou notificação se não fizer dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
E isto é assim porque a prescrição apenas pode operar na forma prevista na lei (cf. art.º 300º do Código Civil), pelo que, estando em causa actos judiciais (citação ou notificação judicial) passíveis de registarem atrasos, a posição do credor é, deste modo, acautelada, considerando-se interrompida a prescrição no prazo indicado no mencionado n.º 2 do art.º 323º do Código Civil.
A previsão da interrupção do prazo prescricional do n.º 1 do art.º 323º do Código Civil é ampla, ou seja, funciona para “seja qual for o processo a que o ato pertence”, não tendo o legislador efectuado qualquer distinção entre procedimentos cautelares e acções, entre acções declarativas (comuns ou especiais) e acções executivas.
Ponto essencial é que o devedor tome conhecimento de que o credor pretende exercer o seu direito. Por essa razão, não é suficiente o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição, pois que é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção do credor de exercer a sua pretensão.
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 67/2014, de 21-01-2014, processo n.º 214/13[6]:
“A imposição da intermediação da solenidade do ato judicial para interromper a prescrição corresponde à definição de uma disciplina rigorosa que permita a interpretação inequívoca da vontade de exercer o direito. Esta segurança apresenta-se como necessariamente onerosa para o credor. Para assegurar o equilíbrio da solução encontrada, existem, no entanto, outros elementos no regime legal que não devem ser ignorados. Assim, por exemplo, a referência à intenção, direta ou indireta, sufraga a suficiência de uma diligência judicial que afaste a manifestação de desinteresse pela satisfação do direito. A interrupção da prescrição mantém-se mesmo que se verifique anulação da citação ou da notificação» ibidem (artigo 323.º, n.º 3, do CC).
Entre estas regras atenuativas do ónus imposto ao credor encontra-se precisamente o preceito legal que incorpora a norma aqui a sindicar. Nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do CC, se a citação (ou a notificação) não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Deste modo, se a citação (ou a notificação) é feita dentro dos cinco dias subsequentes ao requerimento, não há retroatividade na interrupção da prescrição, atendendo-se ao momento em que aquela tem lugar. Se, pelo contrário, ela é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida passados os cinco dias.
Para apreensão do regime legal convocado na apreciação da questão em análise, cumpre referir ainda que a interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo (artigo 326.º, n.º 1, do CC). Todavia, se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º, n.º 2, do CC).”
O efeito interruptivo em apreço tem como pressupostos os seguintes:
i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias;
iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor, isto é, que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-07-2018, processo n.º 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1 e de 19-06-2019, processo n.º 3173/17.0T8LOU-A.P1.S1.
A exigência de que a falta de citação ou de notificação do devedor não seja imputável ao requerente, tem sido densificada como uma falta de causalidade objectiva entre o acto ou a omissão do titular do direito e a falta de citação ou notificação, no contexto do que se tem entendido que não é imputável ao credor a demora da citação quando esta se deve a regras sobre a organização judiciária e formas do processo ou quando se deve a erros dos operadores judiciários.
Assim, em conformidade com a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha violado objetivamente a lei em qualquer termo processual até à efectivação da citação – cf. acórdãos de 24-01-2019, relatora Rosa Tching, processo n.º 524/13.0TBTND-A.C1.S1; de 3-02-2011, relator Lopes do Rego, processo n.º 1228/07.8TBAGH.L1.S1; de 7-03-2018, processo n.º 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1; de 19-12-2012, relatora Maria Clara Sottomayor, processo n.º 3134/07.7TTLSB.L1.S1 – “A aplicação do regime legal do art.º 323.º, n.º 2 do CC apenas releva o eventual cometimento, pelo autor, de uma infracção a regras procedimentais a que estivesse vinculado e que tivessem sido causais da demora na consumação do acto de citação – e não uma «omissão» de actos ou diligências aceleratórias, como o caso da citação urgente.”; do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-11-2020, processo n.º 3325/19.8T8LSB-A.L1-8; do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2020, processo n.º 3630/06.3YYPRT-C.P1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-04-2021, processo n.º 2371/19.6T8VRL.G1.
Significa isto que, em condições de normalidade, a citação se fará dentro de cinco dias após ter sido requerida.
Se tiver lugar depois de decorrido esse prazo haverá que aferir se tal se ficou a dever a causa imputável ao requerente.
Ora, a não citação no prazo de cinco dias após ter sido requerida só é imputável ao requerente, nos termos do art.º 323º, n.º 2 do Código Civil, quando se possa afirmar um nexo de causalidade objectiva entre a conduta dele posterior ao requerimento e aquele resultado, nexo que se verifica quando o requerente infrinja objectivamente a lei (por exemplo, entre outros, não pagando a taxa de justiça inicial, indicando uma falsa residência do réu a citar).
Estas considerações permitem, desde já, retirar qualquer relevo à circunstância de a autora ter intentado a presente acção em período de férias judiciais e de não ter requerido a citação urgente, porquanto, por um lado, a prescrição é interrompida independentemente da citação, quando não puder ser executada por motivo de índole processual, de organização judiciária ou do regime tributário, nos cincos dias seguintes ao da apresentação da petição, o que sucede, designadamente, quando não tem lugar por estarem a decorrer as férias judiciais (que corporizam razões de organização judiciária e de natureza processual, sendo estranhas à conduta do requerente) e, por outro, porque a acção foi intentada em data anterior aos cinco dias que precediam a ocorrência da prescrição (8 de Setembro de 2022), não sendo exigível à autora a tomada de qualquer diligência aceleratória do acto, como seria um requerimento de citação urgente, bastando que a acção seja proposta cinco dias antes de consumada a prescrição (tanto mais que, só nos casos urgentes se deve ordenar a citação em férias, o que não se verificava no caso, atenta a precedência da interposição da acção relativamente ao término do prazo prescricional) – cf. neste sentido, António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 910; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-1998, processo 457/98, BMJ N.º 478, pág. 324; do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-02-1998, processo n.º 457, CJ Ano XXIV, Tomo 1, pág. 172; do Tribunal da Relação de Évora de 4-03-1999, processo n.º 558/98, BMJ N.º 485, pág. 496.
Acresce que, como realça a apelada, tendo a acção sido interposta em período de férias judiciais e junto de tribunal incompetente tal não impedia a realização da citação, sendo certo que se trata de acto processual que pode ter lugar em período de férias judiciais e, mais do que isso, deve ser promovido oficiosamente pela secretaria – cf. art.ºs 137º, n.º 2 e 226º, n.º 1 do CPC -, para além do que a incompetência territorial do Tribunal nunca colocaria em crise a validade interruptiva do acto de citação que ali tivesse tido lugar – cf. art.º 323º, n.º 1, in fine do Código Civil.
Não se deixa de atentar que, objectivamente, a autora não respeitou a divisão judicial do território, não tendo instaurado a acção no tribunal territorialmente competente para o efeito (cf. art.ºs 71º, n.º 2 e 552º, n.º 1, a) do CPC).
Todavia, não obstante tal violação das normas adjectivas ser imputável à demandante, tal circunstância não pode, in casu, ser tida como a determinante da falta de realização da citação no prazo de cinco dias após a instauração da acção.
Na verdade, como acima se referiu, as diligências para citação devem ser promovidas oficiosamente pela secretaria e podem ter lugar em período de férias judiciais. No caso concreto, nenhum acto foi praticado entre a data de 25 de Julho de 2022 e a abertura de conclusão, em 6 de Setembro de 2022, que originou o despacho a convidar a autora a se pronunciar sobre a eventual incompetência do Juízo Local Cível da Ribeira Grande, em razão do território, com a subsequente pronúncia desta em requerimento de 8 de Setembro de 2022. Certo é que essa incompetência justificou a decisão de 9 de Setembro de 2022 e conduziu à remessa dos autos ao Juízo de Competência Genérica de Velas, em 12 de Setembro de 2022 e expedição do acto de citação apenas em 23 de Setembro de 2022, com a sua recepção em 29 de Setembro de 2022, mas, na realidade, não foi esse facto que retardou a citação.
Na situação em apreço, a causa real da falta de citação dentro dos cinco dias subsequentes à apresentação da petição inicial não radica na apresentação desta junto do tribunal territorialmente incompetente, mas sim na inércia da secretaria em promover o acto de citação em período de férias judiciais e, mais do que isso, em promovê-la nos cinco dias iniciais após o termo desse período, optando antes por abrir conclusão, suscitando dúvidas sobre a competência do tribunal, o que fez apenas a 6 de Setembro de 2022.
Não se discute que incumbia à autora, quando propôs a acção, determinar o tribunal competente e instaurar a acção nesse tribunal uma vez que a competência é um pressuposto indispensável para que este possa preparar e julgar a acção, sendo que a incompetência, quer absoluta, quer relativa, configura uma excepção dilatória, cuja consequência é impedir o tribunal de conhecer do mérito da causa e determinar a absolvição da instância ou a remessa dos autos para outro tribunal, o tribunal competente – cf. art.ºs 576.º, n.º 2 e 577.º do CPC.
No entanto, a causa objectiva e real de a citação não ter sido feita nos cinco dias após a instauração da acção não foi essa falha da autora, pois que o tribunal não se apercebeu de imediato da sua incompetência, nem actuou no sentido de dela conhecer, fazendo-o apenas findo o período de férias judiciais e depois de transcorridos mais de cinco dias após o reinício do seu funcionamento, em 1 de Setembro de 2022[7]. Foi essa circunstância que determinou que a tramitação conducente à citação tenha sido iniciada apenas dois meses depois de ter sido requerida, o que se ficou a dever ainda ao funcionamento das regras processuais e da organização judiciária, ou seja, o facto de a acção não ter sido tramitada antes de 6 de Setembro de 2022 ficou a dever-se à natureza não urgente dos autos e à vigência do período de férias judiciais e, posteriormente ao termo destas, ao próprio funcionamento do tribunal e às demoras atinentes à tramitação dos processos e recursos humanos existentes.
Ainda que, no caso em apreço, a lei permita o conhecimento oficioso da incompetência territorial – cf. art.º 104º, n.º 1, a) do CPC -, seguro é também que a realização da citação, a ter tido lugar logo que requerida, pelo tribunal incompetente sempre teria a virtualidade de interromper o prazo de prescrição, daí que se não possa objectivamente imputar à requerente a falta de realização da citação no prazo de cinco dias[8].
Reitere-se que o juízo de culpa a formular para efeitos de afastamento da norma do n.º 2 do art.º 323º do Código Civil tem de permitir a imputação ao requerente de actos ou omissões – que não deveriam ter ocorrido – que surjam como condição necessária e adequada à produção do resultado, ou seja, a realização da citação depois de decorridos mais de cinco dias após ter sido requerida.
Tal não sucede quando essa demora decorre da prática dos actos processuais, entre a propositura da acção e a citação, em consonância com os prazos legais, demora que apenas será imputável a conduta do requerente, posterior à apresentação da petição inicial que, violando a lei, determine o atraso no acto de citação.
Não foi isso que sucedeu no caso concreto.
Como acima se deixou explanado, o facto de a citação não se ter efectuado nos cinco dias após ter sido requerida, em virtude de durante as férias judiciais não se praticarem actos judiciais, não é imputável à autora, que não cometeu qualquer infracção à lei, mas resulta das regras da orgânica judiciária.
Por outro lado, o facto de a acção ter sido intentada em tribunal territorialmente incompetente, atentas as específicas circunstâncias do caso, não foi a razão determinante para o atraso da citação, porquanto esta foi requerida (o que decorre da apresentação da petição inicial) com um mês e meio de antecedência face ao termo do prazo prescricional e apenas porque se estava em período de férias judiciais e, não se tratando de acção urgente, não foi esta tramitada, o que de igual modo sucederia se a acção tivesse sido intentada no tribunal competente, pelo que a propositura da acção em tribunal territorialmente incompetente, no caso concreto, se apresenta como alheia ao retardamento da citação – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 15-02-2018, processo n.º 2048/16.4T8STR.E1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2018, processo n.º 2448/16.0T8LRA.C1.
Consequentemente, tendo a autora intentado a acção em 25 de Julho de 2022 (muito antes do término do prazo prescricional, que apenas se verificaria a 8 de Setembro de 2022), sem que a citação tenha sido efectuada até ao quinto dia posterior (30 de Julho de 2022, inclusive), a prescrição interrompeu-se nesta data, portanto antes do termo do prazo de que a autora dispunha para exercer o seu direito.
Improcede, assim, a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
 *
Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do apelante.
*
Lisboa, 12 de Setembro de 2023
Micaela Marisa da Silva Sousa
Luís Filipe Pires de Sousa
Cristina Coelho
_______________________________________________________
[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Adiante designado pela sigla RSORCA.
[3] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[4] Diário da República, 1.ª série — N.º 236 — 7 de Dezembro de 2018.
[5] Sendo que, neste caso, não se coloca sequer a questão de pagamentos diferenciados ou de autonomia de indemnizações parcelares satisfeitas pela seguradora, porquanto existiu um único pagamento.
[6] Acessível em
https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140067.html.
[7] Cf. art.º 28º da Lei da Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
[8] Em sentido contrário, que pelas específicas circunstâncias deste caso aqui não se acompanha, vide o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-02-2022, processo n.º 1721/19.0T8PVZ.P1.