TRANSPORTE MARÍTIMO
CONVENÇÃO DE BRUXELAS
INDEMNIZAÇÃO
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

i) No Direito Marítimo, contrariamente ao regime regra da responsabilidade civil com assento no Código Civil, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré-definida na lei, nos termos fixados pela Convenção de Bruxelas que, para além de definir causas próprias de exoneração da responsabilidade, fixa um limite indemnizatório, ao arrepio da regra geral de reparação integral do dano. E apenas se as partes declararem diversamente tal limite é excedido.
ii) Tal declaração expressa do carregador, antes do embarque e com inserção no conhecimento de embarque, relativa à natureza e valor da mercadoria, assume particular relevância na avaliação pelo transportador dos riscos do transporte e do montante da indemnização que venha a ser eventualmente da sua responsabilidade, para além dos limites estabelecidos no artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas.
iii) O limite indemnizatório do artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas pode igualmente ser afastado se o transportador actuou dolosamente, violando a boa fé no cumprimento contratual.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A – Embraiagens e Comandos Hidráulicos – AB, Lda., com sede na Rua … n.º 30 – A, Vila Nova da Telha, na Maia, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum ordinário contra GT, Lda., com sede na Travessa n.º 10, 2.º andar, Lisboa.
Alegou para tanto que celebrou com a Ré um contrato de transporte internacional de mercadorias, nos termos do qual esta se comprometeu a efectuar transporte de ida e volta
de carga entre Portugal e o Dubai. Impôs a Autora, como condição sine qua non da celebração do contrato, que as mercadorias teriam que chegar ao Dubai a tempo de serem
comercializadas e demonstradas na Feira Internacional do Dubai. Tal não veio, todavia, a ocorrer, não tendo as mercadorias chegado atempadamente ao seu destino, nem antes da realização da Feira nem tão pouco enquanto a mesma decorria, o que ocasionou danos à Autora, de que pretende ser ressarcida pela Ré.
Consequentemente, peticiona a condenação da Ré no pagamento à Autora das seguintes quantias: €15.033,32 a título de indemnização por danos patrimoniais (dano
emergente); €500.000 a título de indemnização por danos patrimoniais (lucro cessante); E a quantia de €50.000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, todas acrescidas dos juros legais desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
Contestou a Ré GT, Lda., excepcionando a prescrição do crédito da Autora, defendendo-se, ainda, por impugnação dos factos alegados pela Autora. Mais alegou que o transporte que negociou com a Autora foi subcontratado à GP, Lda., a qual procedeu ao enchimento e carregamento do contentor e, por não dispor de navios próprios, ajustou com a ML a deslocação em causa, que a executou materialmente.
Referiu ainda que transferiu para a Companhia de Seguros T, S.A. os riscos decorrentes do exercício da sua actividade.
Terminou pedindo a procedência da excepção peremptória da prescrição, o deferimento do incidente de intervenção acessória da GP, Lda., ML e Companhia de Seguros T, S.A. e, em todo o caso, a sua absolvição do pedido.
Foram deduzidos pedidos recíprocos de condenação como litigantes de má-fé.
Foram deferidos os pedidos de intervenção acessória provocada deduzidos pela Ré.
Vieram as chamadas oferecer articulado.
A chamada GP, Lda. veio, para além do mais, alegar ter transferido para a CS 2003 at Lloyd’s, a responsabilidade civil por danos causados no exercício da sua actividade transitária, razão pela qual pediu a intervenção acessória daquela intervenção que veio a ser deferida, vinda esta a apresentar articulado.
Realizou-se audiência prévia. Foi julgada parcialmente inadmissível a réplica apresentada pela Autora às contestações das Chamadas ML, T e GP,
a Autora aperfeiçoou a petição inicial (na sequência de convite judicial e mediante a concretização dos factos que na sua tese justificavam a pretensão deduzida a título de lucros cessantes), Ré e Chamadas impugnaram a realidade alegada pela Autora no seu articulado aperfeiçoado, saneou-se o processo (mediante, designadamente, a declaração de improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade da Chamada GP), fixou-se o valor da acção bem como o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e admitiram-se as provas apresentadas pelas partes.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença final que decidiu nos seguintes termos:
Julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Ré GT, Lda. A entregar à Autora A – Embraiagens e Comandos Hidráulicos – AB, Lda. A quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
Condenou a Autora A – Embraiagens e Comandos Hidráulicos – AB, Lda., como litigante de má-fé, na multa de 5 (cinco) UC.
Condenou ainda a Ré GT, Lda., como litigante de má-fé, na multa de 20 (vinte) UC e a pagar à Autora a indemnização de €3000 (três mil euros).
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Não se conformando com a decisão, dela apelou a A., formulando as seguintes conclusões:
1. A Autora demandou em acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário a Ré GT, Lda., pedindo a condenação desta, a pagar-lhe a título de indeminização por danos patrimoniais - dano emergente - a quantia de €15.033,32;
por danos patrimoniais - lucro cessante - a quantia de €500.0000 e a quantia de €50.000 - por danos não patrimoniais - alegando, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de transportes de mercadorias para exposição e, posteriormente, venda na Feira Internacional “Commercial Vehicles Middle East, Dubai Internacional”,
2. Tendo-se esta se comprometido a fazer chegar, em tempo mais que razoável, a mercadoria para ser objeto de tal exposição e, posteriormente, vendida, bem sabendo que o incumprimento dessa condição sine quo non acarretaria, como acarretou, elevados e manifestos prejuízos para a Autora.
3. Sucede, porém que, a Ré por inequívoca culpa sua não cumpriu a obrigação contratual a que estava adstrita, ou seja, as mercadorias não chegaram atempadamente ao seu destino, pelo que a Autora por força desse atraso não pode expor a sua mercadoria, vulgo protótipos e, consequentemente, vender os seus produtos.
4. Nessa senda, foi proferida sentença a, que de modo insustentável, condenou a Ré na ínfima quantia de €997,60 e juros, e de modo inusitado condenou a aqui Recorrente em multa no valor de 5 U.C.’S, ou seja, em €510,00, a título de litigância de má-fé.
5. Motivo pelo qual, a Recorrente rejeita, veementemente, a sentença de que ora recorre por esta não ter valorado, devidamente, a prova produzida em audiência de julgamento quanto a todo o alegado e demostrado pela Recorrente no processo, designadamente, na audiência de julgamento.
6. E porque, o Tribunal recorrido não afastou da praxis forense, típica nos regimes da responsabilidade civil do transporte marítimo, aplicando, ao caso in mérito, a Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, art.º 4, n.º 3 Convenção de Bruxelas de 1924 (doravante designada por CB).
7. Olvidando, por completo, o Tribunal a quo as causas de exclusão do limite indemnizatório, quando estávamos perante um evidente desvio da função de reparação integral do dano, em virtude da atuação dolosa da Ré, mais concertante, do manifesto dolo direto.
8. Pois, tal limite indemnizatório ficará precludido não só nos casos em estejamos perante comportamentos dolosos (como será o caso), como nas situações em que haja lugar ao incumprimento de obrigações do transportador, desde que tais situações sejam caraterizadas por uma atuação de má-fé.
9. Cabendo, nesta sede, fazer ainda a análise do dolo, se eventual ou negligente.
10. Quanto À MATÉRIA DE FACTO a sentença recorrida pecou nos factos que deu como não provados.
11. O Julgador deu como não provado, sem qualquer fundamento, que:
“ 2. A mercadoria a transportar seria para comercializar na Feira Internacional do Dubai.”
“4. A Ré não sabia se as mercadorias iriam ser vendidas durante a feira, situação normal neste tipo de eventos.”
12. E, bem mais do que isso, afirma o mesmo julgador que a aqui Recorrente alterou a verdade dos factos quando na sua Petição Inicial alegou isso mesmo.
13. Em face de tudo isso, impõem-se que V/Exas. Venerandos Desembargadores deem como provado que a mercadoria transportada se destinava a ser exposta na feira como protótipo de alta finalidade de forma a proporcionar a venda de inúmeras, de muitíssimas, outras unidades,
14. Dependendo tal exposição dos mesmos do sucesso e otimização do tempo, subjacentes à posterior venda de unidades dos mesmos.
15. E também como provado que a finalidade subjacente à exposição dos protótipos era a venda de unidades desses modelos.
16. Ora, provado que está, nos artigos 6, 12, 13, 14 e 15 dos Factos Provados, que a Autora impôs à Ré, como condição sine qua non da adjudicação do serviço, que a mercadoria chegasse ao Dubai entre os dias 08 e 10 de Março de 2011, uma vez que a mesma seria para demonstrar na Feira Internacional do Dubai,
17. E que a Autora tem como atividade, com escopo lucrativo, a comercialização de embraiagens e comandos hidráulicos, bem como componentes e acessórios que lhe são associados, bombas óleo-hidráulicas, tomadas de força, válvulas, entre outros equipamentos óleo-hidráulicos para veículos industriais.
18. Torna-se óbvio que a mercadoria que a Ré ficou encarregue de a colocar atempadamente no Dubai para a realização da Feira tinha como objetivo a sua exibição com vista a atrair potenciais e novos clientes e, posteriormente, a venda dos mesmos, naquele mercado “Middle East”.
19. Anote-se, aliás, que na lógica empresarial comercial é facto notório, que não carece até de alegação, nem de prova que quando se expõem protótipos/produtos, eles têm essa finalidade e, aliás, nada impedia até que, em certas circunstâncias fossem até vendidos os próprios protótipos, como acontece em variadíssimos casos (art.º 412.º n.º 1 do Código de Processo Civil, doravante C.P.C.)
20. E, se assim não fosse, o que não se concede, sempre se chegaria à mesma conclusão através dos factos notórios e das máximas de experiência, que são suportes das presunções judiciais, definidas no art.º 349.º do Código Civil, doravante C.C., como sendo as ilações que a julgadora tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, 21. Ou seja, temos um facto conhecido (e até provado) – a mercadoria destinava-se à Feira Internacional no Dubai dedicada ao sector automóvel, e ao mercado do médio oriente,
22. E desse facto tiramos um facto conhecido – a exibição da mercadoria na Feira visava a angariação de novos clientes (médio oriente), o que, por sua vez, iria implicar automaticamente a comercialização e venda dessa mesma mercadoria.
23. O que o Juiz a quo olvidou, não tomando na devida consideração que se está em sede de patrónimo de noções comuns e pacificamente acolhidas numa determinada esfera social, que podemos genericamente denominar cultura como acentua Maria José Capelo in Revista de legislação e Jurisprudência ano 143.º, Março-Abril 2014, pág. 301 24. E aproveitando o ensejo para salientar que no caso sub judice há, para além do mais, uma cultura empresarial/comercial, que tem que ser levada em linha de conta e que o julgador de 1.ª Instância obliterou na decisão proferida, na qual conclui pela condenação da
Recorrida a pagar a aqui Recorrente a celeumática quantia de €997,60, com condenação desta em litigante de má-fé em €510,00.
25. A corroborar o supra exposto atente-se no depoimento das testemunhas AN, prestado em sede de audiência de julgamento no dia 01-07-2015, e que aqui se transcreve, ao intervalo de tempo 16min. 27seg. a 28min. 43seg. ; no depoimento da testemunha FO, prestado em sede de audiência de julgamento no dia 07-07-2015, ao intervalo de tempo 09min. 36seg. a 09min. 56seg., e aindao depoimento da testemunha NM, prestado em sede de audiência de julgamento no dia 01-07-2015, ao intervalo de tempo 22min. 20seg. a 22min. 37seg, dos quais não podemos deixar de concluir que a Ré sabia que a finalidade da mercadoria era a exibição na Feira do Dubai com vista à futura comercialização, 26. Situação que é normal neste tipo de eventos, ou seja, neste tipo de feiras, onde as empresas comparecem, exibem os seus produtos para, depois, comercializá-los.
27. Atento o supra exposto, está a aqui Recorrente totalmente convicta que V/Exas., Venerandos Desembargadores, darão como provado o Facto 2 e 4 dos Factos Não Provados.
28. O Julgador deu também como Não Provado, sem qualquer fundamento, que: “26. O estudo de mercado efetuado pela Autora antes da inscrição na Feira e a participação noutros eventos similares, designadamente na Rússia, revelaram que o resultado obtido com tal participação cifrava-se num lucro de €500.000.”
“27. O mercado do Middle East é de dimensão superior à do mercado Russo e de elevado prestígio (Cf. Documento n.ºs 1, 2 e 3).”
“28. O mercado Russo é um mercado bem mais pequeno do que o Middle East.”
29. Atentemos no depoimento da testemunha NM, prestado em sede de audiência de julgamento no dia 01-07-2015, aos intervalos de tempo 11min.22seg. a 12min.43seg; 14min.40seg. a 15min.02seg; 16min58seg a 17mim28seg. e 21min30seg a 56min29seg., e nos documentos n.º 1, 2 e 3 juntos aos autos, através dos quais ficou esclarecido que a Autora fez todo um estudo de mercado e preparação para participar na Feira do Dubai à semelhança do que já havia feito na Rússia,
30. Tendo a Feira da Rússia proporcionado a angariação de novos clientes, clientes esses que se traduziram num encaixe financeiro de €500.000 e sendo este mercado bem mais pequeno do que o dos Emirados Árabes Unidos, logo, a rentabilidade que a Autora iria retirar da Feira do Dubai era bem superior.
31. Nessa conformidade, devem os Factos Não Provados n.º 26, 27 e 28 serem alterados para Factos Provados.
32. Deu ainda a sentença recorrida como Não Provado, no ponto 29 que: “A Autora viu a sua imagem denegrida neste mercado do Middle East, sendo a sua recuperação extremamente difícil.”
33. Quando as testemunhas AN e NM depuseram na audiência de julgamento no dia 01-07-2015, ao intervalo de tempo 28min09seg. a 28min.15seg.; 01h02min53seg. a 01h.30min.48seg., e ao intervalo de tempo 19min35seg. a 20min.01seg., respetivamente, em sentido completamente inverso.
34. Pois, destes depoimentos resulta que se a Autora tivesse a convicção plena de que a mercadoria não iria chegar mesmo à Feira, era preferível não ter ido à Feira, tal fora a humilhação e má imagem que dela ficou.
35. Pasme-se até que um cliente da Autora, quando a viu na Feira sem o seu stand acabou por dela se afastar não tendo feito mais encomendas.
36. Tudo isto a levar á conclusão de que a Autora viu, efetivamente, a sua imagem bastante denegrida no mercado do Middle East,
37. Logo, o Facto Não provado n.º 29 deve ser alterado para Facto Provado, o que
V/Exas.
Venerandos Desembargadores, com toda a certeza farão!
38. Por último, deu a sentença recorrida como Não Provado que;
“34. Com a ausência na Commercial Vehicles Middle East, a Autora deixou de vender no mercado do Middle East €2.000.000.”
39. Também aqui a prova testemunhal, pela experiência que tiveram na realização de outras feiras, como foi o exemplo da Feira que decorreu na Rússia, foram claros em afirmar que aquela Feira lhes trouxera uma nova carteira de clientes, tal como era expectável suceder com a Feira do Dubai.
40. Por outro lado, no que concerne a este facto considerado Não Provado, há que realçar a prova documental, designadamente, mapas estatísticos referentes á importação de camiões na Rússia entre Janeiro e Setembro de 2014; mapa de vendas efetuadas no Médio Oriente em 2011-2012 e mercado russo em 2007-2013; e ainda Modelo 22 da Autora relativos aos anos de 2009-2014, que serviram de base e suporte para considerar como Factos Provados os constantes no ponto 32, 37 e 38 da sentença o que torna a mesma, até, perplexa ao considerar como não provado que a Autora com a ausência na Feira Internacional do Dubai deixou de vender naquele mercado específico €2.000.000 (dois milhões de euros), quando dos factos provados resulta o inverso.
41. Pelo que, cumpre, também aqui nesta sede, salientar que, mesmo que assim não fosse, o que não se concede, sempre se chegaria à mesma conclusão através dos factos notórios e das máximas de experiência, que são suportes das presunções judiciais, definidas no art.º 349.º do Código Civil, doravante C.C., como sendo as ilações que a julgadora tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
42. Ou seja, temos um facto conhecido (e até provado nos pontos 32, 37 e 38) – o quanto a Autora faturou com a Feira que realizou na Rússia, no ano de 2008, sendo a Rússia um mercado de menor dimensão do que os Emirados Árabes Unidos,
43. E desse facto tiramos um facto conhecido – ora se o mercado do Middle East era superior ao mercado da Rússia, logo, as vendas globais da Autora seriam superiores.
44. Assim, quer pela prova documental que suportou os factos provados n.º 32, 37 e 38, quer pelo depoimento da testemunha NM prestado em sede de audiência de julgamento no dia 01-07-2015, ao intervalo de tempo 45min54seg. a 47min.22seg; 55min.38seg. a 56min.09seg; e 1h35min55seg a 1h24min26seg., e da testemunha AN, prestado em sede de audiência de julgamento no dia 01-07-2015, ao intervalo de tempo 1h13min55seg. a 1h24min.30seg, evidente se torna que o Facto Não Provado n.º 34 tem que ser, necessariamente, considerado como Facto Provado, sob pena, da sentença proferida entrar em contradiçãocom ela própria.
45. Em suma: face a toda a prova produzida quer, em sede de audiência de discussão e julgamento, quer atenta toda a prova documental carreada para os autos, se leva à conclusão de que, V/Exas., Venerandos Desembargadores, deverão alterar os Factos Não
Provados n.º 2, 4, 26, 27, 28, 29 e 34 para Factos Provados, o que certamente, V/Exas., assim, o farão.
46. Depois de concluído tudo o que concerne quanto à matéria de facto, importa agora retirar as devidas consequências para a sua integração nas normas legais aplicáveis, ou seja, efetuar o seu enquadramento jurídico.
47. Recorda-se que a sentença recorrida julgou parcialmente procedente acção intentada pela aqui Recorrente, condenando a Recorrida GT, Lda. a entregar à Recorrente A – Embraiagens e Comandos Hidráulicos – AB, Lda. apenas a quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.
48. Desde logo se dirá a tal respeito que o Tribunal a quo decidiu, erroneamente, de uma forma, iníqua através de uma construção forçada, de uma espécie decisória viciada em processos de Transporte Internacional de Mercadorias, mais concretamente, quanto à questão da limitação da responsabilidade civil do transportador, aplicando a limitação do art.º 4 n.º 5 da CB, sem mais, olvidando que foi a Ré quem, precisamente, deu causa intencional aos danos sofridos pela Autora.
49. E, nessa conformidade, nunca poderia o tribunal a quo ter chegado à decisão que chegou, limitando a responsabilidade da Recorrida com fundamento na aplicação literal do art.º 4 n.º 5 da Convenção de Bruxelas, a 100 libras esterlinas.
50. E, isto quando resulta (provado) da sentença que “A Ré assegurou à Autora que a carga chegaria ao destino antes da realização da feira (...) Não obstante, no dia 11 de fevereiro de 2011 a Ré asseverou à Autora que o transporte de mercadoria no navioseguinte permitia cumprir a data prevista de chegada da carga a JEBEL ALI de modo a que a mercadoria pudesse ser exibida na feira.”
51. O Tribunal a quo, sem qualquer fundamento, não aceitou ou perfilhou que a Recorrida ao garantir em termos perentórios e determinados que a mercadoria chegaria em tempo prévio da realização da feira, olvida que tal garantia foi prestada por quem conhecia integralmente todos os procedimentos a adotar com vista à realização do transporte solicitado, criando a convicção de que apesar do atraso de uma semana, o transit time iria ser cumprido, ao invés de ter alertado a Recorrente, como se lhe impunha, que com o atraso do embarque da mercadoria levaria à impossibilidade do cumprimento da data estabelecida para a entrega da mercadoria ao destino.
52. Levando a Recorrente a não poder participar na referida Feira Internacional por não ter chegado no decorrer desta o expositor e material de merchandising adequados, impedindo-a de angariar novos clientes, sendo ultrapassada pela concorrência sem que realizasse novos negócios.
53. Agindo aquela, com manifesto dolo direto, com a intenção de causar danos patrimoniais e não patrimoniais à aqui Recorrente, como causou, e que foi de elevado
montante.
54. E, sem prescindir, agiu, pelo menos, a Recorrida com dolo eventual, conformando-se com a prática do facto e com as suas possíveis consequências, ou seja, com a não entrega pontual da mercadoria e com os consequentes danos dele provenientes.
55. Sendo sempre de salientar que mesmo não sendo dado como provado o dolo direto da Recorrida, o que não se concede, sempre se estaria perante uma culpa presumida, que levaria à conclusão de que a Recorrida não adotou todas as medidas necessárias e úteis para evitar o dano ou o atraso de acordo com um juízo de prudência razoável efetuado ex ante, tendo como base os parâmetros da profissionalidade do transportador, ou seja, não mostrou uma diligência razoavelmente necessária, a qual é exigida ao transportador.
56. E, assim, no caso presente, estamos precisamente em presença de um dos casos em que a responsabilidade da Recorrida não se encontra limitada nos termos no art.º 4 n.º 5 da CB, uma vez que resulta dos factos dados como provados que:
X. “Autora impôs à Ré, como condição sine quo non da adjudicação do serviço, que a mercadoria teria de chegar ao Dubai entre os dias 8 e 10 de Março de 2011, uma vez que a mesma seria para demonstrar na Feira Internacional do Dubai, que iria decorrer entre os dias 14 e 16 de Março de 2011.”
XI. “A Ré tranquilizou a Autora, assegurando peremptoriamente que a mercadoria chegaria antes daquela data, mais precisamente entre os dias 8 e 10 de Março de 2011 e que trataria de toda a papelada necessária para tal efeito”.
XII. “Perante tal imposição, a Ré tranquilizou a Autora, assegurando peremptoriamente que a mercadoria chegaria antes daquela data, mais precisamente entre os dias 8 e 10 de Março de 2011 e que trataria de toda a papelada necessária para tal efeito.”
XIII. “A Autora alertou por diversas vezes a Ré que o transporte teria de ser feito nos termos ajustados, pois as mercadorias e acessórios tinham como finalidade a sua exposição na Feira Internacional do Dubai Commercial Vehicles Middle East, Dubai International.”
XIV. “Ao que a Ré sempre respondeu com prontidão que as mercadorias estariam no Dubai antes da realização da Feira.”
XV. “Acontece que as mercadorias e acessórios cujo transporte a Autora confiou à Ré não chegaram ao Dubai antes da realização da Feira nem tão-pouco enquanto a mesma decorria.”
XVI. “A mercadoria foi carregada na semana posterior à inicialmente prevista, dado que a Autora não a fabricou a tempo de a embarcar no navio que saiu de Leixões na 6.ª feira, dia 11 de Fevereiro de 2011, a Ré informou a Autora que, se a carga embarcasse nessa semana – ou seja, na 6.ª feira, dia 11 de Fevereiro – a previsão de chegada a Jebel Ali (Dubai) seria 7 ou 8 de Março.”
XVII. “Ainda assim, a Ré informou a Autora que seria possível cumprir a data prevista de chegada da carga a Jebel Ali (Dubai), de forma a que a mercadoria pudesse ser exibida na feira.”
XVIII. “As viagens e escalas daqueles navios nas datas previstas ficaram confirmadas após a sua realização, tendo decorrido sob as condições de tempo e mar normais para aquela altura do ano e sem que se tivesse registado qualquer temporal.”
57. Ora, tais factos dados como provados, demostram de modo evidente que a Recorrida tinha pleno conhecimento de que a carga teria de chegar ao destino nas datas estabelecidas contratualmente entre ambas, cabendo ao transportador uma obrigação da entrega na data estipulada e dos danos que adviriam da demora na entrega atempada da mesma se tal entrega não fosse realizada antes da realização de tal feira.
58. Pelo que, no caso sub judice, estamos perante um incumprimento definitivo compreendido num atraso na execução do contrato, incumprimento esse que faz precludir o limite indemnizatório previsto na CB, já que, como supra se referiu, estamos perante um comportamento doloso, levado a cabo pela Recorrida, com o fito de enganar a Recorrente, afirmando a todo tempo que a mercadoria chegava atempadamente, atuando, assim, com manifesta má-fé, traindo o princípio da confiança que preside à relação contratual.
59. Não podendo, por isso, a Recorrida beneficiar das limitações do art.º 4 nº 5 da CB, já que a sua conduta por ação e por omissão foi levada a cabo com o intuito de causar danos à Recorrente, tendo, de igual modo, cabal conhecimento da extensão dos mesmos, danos esses (patrimoniais e não patrimoniais) de montante bem superior aquele que chegou o julgador de 1.ª Instância.
60. Dado que, em casos como o presente, relevará, em sede de direito uniforme, o dolo eventual, ficando afastado, desse modo, o limite indemnizatório previsto pela CB.
61. Note-se que por dolo eventual entendemos as situações em que o agente atuou em vista de um fim lícito, mas com a consciência de que pode eventualmente advir do seu ato um resultado ilícito, e que quer aquele mesmo que se produza.
62. E no que ao limite indemnizatório diz respeito, o regime da CB estabelece limites a essa responsabilidade, mas não podemos interpretar literalmente o texto da lei, designadamente, a CB no tocante ao limite da responsabilidade do transportador, devendo, antes, o julgador da 1ª Instância socorrer-se de uma interpretação teleológica enquadrando-a com o seu elemento histórico.
63. Pois, como bem se sabe, o texto da CB começou a evidenciar falhas que justificaram a adoção de dois protocolos, o Protocolo de Visby e o Protocolo SDR, os quais procuraram, adaptar a CB às novas realidades do transporte marítimo, tendo, inclusive, o Protocolo de Visby, em sede de limite indemnizatório, previsto, expressamente, que a limitação da responsabilidade deixa de se verificar nos casos de dolo ou culpa grave do transportador.
64. E nesta aceção não basta que o transportador prove que não atuou ilicitamente, mas sim que fez de tudo o que estava ao seu alcance para que os danos não se verificassem, o que, no caso em apreço, resulta claro que a Ré nada fez, nem sequer informou os demais intervenientes no processo de transporte da necessidade da mercadoria chegar ao Dubai antes da Feira.
65. É certo que Portugal não aderiu ao texto dos Protocolos, em especial, do Visby, que modificaram a redação original do texto da CB, mas tal facto não impediu o nosso Legislador de, no n.º4 do Preâmbulo do DL 352/86, fazer referência a esse Protocolo, mostrando que, aquando da elaboração do regime interno relativo ao transporte de mercadorias por mar, foi sensível à problemática do transporte em contentores e, sobretudo das questões relativas á limitação do quantum respondeatur.
66. Na verdade, os artigos 1º a 8º da CB, ao serem integrados no direito interno pelo diploma de 1950, visam, apenas, regular o regime da responsabilidade do transportador e as causas de exoneração da responsabilidade, o que equivale por dizer que a CB será aplicável, mas enquanto direito interno e não enquanto Convenção Internacional, e nessa conformidade, é imperioso fazer uma aplicação da CB ao caso sub judice sem afastar o direito interno.
67. Por outro lado e, assim sendo, saliente-se que, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, isto é, ponto por ponto, como se estabelece no art.º 406º nº 1 do Código Civil e, nos termos do artigo 562.º do C.C., aquele que causar um dano a outrem, por violar o princípio geral do nemi-nem laedere, tem como consequência o dever de indemnizar o lesado.
68. Ora, como a Recorrida não cumpriu dolosamente a sua obrigação e a sua conduta ilícita e culposa foi causa única, direta, necessária e adequada dos avultados danos sofridos pela Recorrente, tem a mesma que os reparar na sua integralidade.
69. Ademais, sempre se terá de alegar que a duração do transporte é e foi considerado pelas partes o elemento essencial do contrato – condição sine qua non – o que resulta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida – vide Factos Provados n.º 12, 13, 14, 15, 65, 67 e 71.
70. E para efeitos de determinação da responsabilidade do transportador é essencial, também, conferir o “conhecimento de carga”, dado que assumem relevo, nesta sede, as declarações nele contidas, não só quanto às quantidades e unidades, bem como a eventuais reservas que tenham sido apostas.
71. Ora, no caso em questão, e como já supra alegado e provado que está, a Ré tinha pleno conhecimento de que a mercadoria que se comprometeu a transportar tinha que chegar ao Dubai antes da realização da Feira Internacional, o que não sucedeu, e sendo o conhecimento de carga interpretado à luz da relação jurídica estabelecida entre as partes este funciona como um título representativo das mercadorias.
72. Ora, os títulos representativos das mercadorias investem o seu possuidor não só num direito de crédito, mas também num direito real sobre estas, pelo que o conhecimento de carga é considerado um título de crédito.
73. Note-se que, das várias caraterísticas atribuídas aos títulos de crédito, o conhecimento de carga não será dotado de abstração, pelo que, não prescindirá da sua causa.
74. Isto é, da relação fundamental que subjaz à sua emissão que, transpondo para factualidade dada como provada, concluímos que a Autora impos à Ré, como condição sine qua non da adjudicação do serviço, que a mercadoria teria de chegar ao Dubai entre os dia 8 e 10 de Março de 2011, uma vez que a mesma seria para demonstrar na Feira Internacional do Dubai, que iria decorrer entre os dias 14 e 16 de Março de 2011 (vide Facto provado n.º 12).
75. Logo, sempre foi do conhecimento da Ré (conhecimento de carga) a condição para a sua contratação por parte da Autora, pelo que, é manifesto o dolo e a culpa em que esta (Ré) lavrou no incumprimento contratual.
76. E como na grande maioria dos transportes marítimos é possível fazer uma antevisão da duração espectável do transporte a executar, tal circunstância torna mais evidente a atuação de má-fé e dolosa da Recorrida, que sempre maliciosamente declarou à Recorrente que a mercadoria em causa chegaria dentro do prazo contratualmente estabelecido (vide Factos Provados 67 e 71).
77. Destacando-se a este propósito que foi dado como facto provado em 118 que “As viagens e escalas daqueles navios nas datas previstas ficaram confirmadas após a sua realização, tendo decorrido sob as condições de tempo e mar normais para aquela altura do ano e sem que se tivesse registado qualquer temporal.”
78. Tudo isto a significar que a responsabilidade do transportador não pode ser limitada em sede de indemnização pelos danos causados à Recorrente no modo constante na sentença recorrida, devendo a Recorrida ser condenada numa restitutio in integrum.
79. Pois, nesta senda, há que concluir que são indemnizáveis os danos sofridos em consequência do atraso na utilização da mercadoria transportada, danos esses patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes) e danos não patrimoniais.
80. Assim, quanto aos danos patrimoniais os mesmos resultam inequivocamente do atraso da mercadoria transportada, da falta de observância da data da entrega da mesma conforme ficou provado nos factos 17 a 26 da sentença ora recorrida, que significaram uma perda patrimonial efetiva para a Recorrente em consequência da conduta dolosa da Recorrida, que sempre criou a convicção certa e segura que a mercadoria iria chegar antes ou no decurso da feira, tendo acabado por participar na mesma sem retirar as vantagens naturais e inerentes a tais dispêndios.
81. Por outro lado, também ficou demonstrado em sede de recurso da matéria de facto que, a demora na entrega da mercadoria, acarretou para a Recorrente danos ulteriores, quer de natureza económica ou financeira, quer de perda de lucros cessantes, uma vez que à Recorrente, foi-lhe bloqueada a possibilidade de angariar novos clientes, obtendo efeitos nefastos na sua reputação de comerciante, provocados pela impossibilidade de poder dispor da mercadoria que não rececionou dentro do prazo estabelecido entre as partes.
82. Tendo, inclusive, ficado provado nos autos que, a Recorrente sentiu-se ultrapassada e humilhada pela concorrência, a qual divulgava entre os potenciais clientes que esta nem uma feira conseguia organizar, quanto mais prestar um bom serviço ou vender um bom produto.
83. Atento todo o supra alegado, deverão tais danos patrimoniais e não patrimoniais efetivamente sofridos pela aqui Recorrente, ser indemnizáveis na sua integralidade.
84. Já que não estamos, no caso sub judice, perante a égide de um sistema exonerativo de responsabilidade próprio da Recorrida, em evidente desvio à função de reparação integral do dano,
85. Sendo o mesmo afastando em consequência da relevância da conduta gravemente dolosa e consciente da Recorrida quer da sua perpetua atuação de má-fé COM A FINALIDADE DE PRODUZIR DANO, que justifica o afastamento do limite da sua responsabilidade estabelecida no art.º 4.º, § 5.º, da referida Convenção, alterado pelo art.º 31.º, n.º 1, do citado DL n.º 352/86).
86. Estabelecendo uma obrigação indemnizatória cujo valor monetário seja acima do teto indemnizatório previsto na Convenção.
87. Ao meter-se a limitação da responsabilidade civil da Recorrida, o que não se concede, atenta a sua reiterada conduta sempre dolosa, que configura flagrante abuso de direito, estaríamos perante a violação dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil.
88. Pelo que, deverá, assim, a aqui Recorrente ser ressarcida quanto aos danos patrimoniais sofridos nas quantias que infra se descriminam e que ficaram demonstradas em sede de recurso da matéria de facto dada como provada:
• €525,66 (quinhentos e vinte e cinco euros sessenta e seis euros), transporte de ida das mercadorias;
• €1.377,21 (mil trezentos e setenta e sete euros e vinte e um cêntimos) relativo ao transporte de volta das referidas mercadorias;
• €4.386,06 (quatro mil trezentos e oitenta e seis euros e seis cêntimos), referente às viagens, refeições e o alojamento dos funcionários da Recorrente que se deslocaram a Feira;
• € 6.040,27 (seis mil e quarenta euros e vinte e sete cêntimos) de aluguer do espaço na Feira Internacional do Dubai;
• €717,15 (setecentos e dezassete euros e quinze cêntimos) da elaboração do catálogo para apresentar na referida Feira;
• €1.172,86 (mil cento e setenta dois euros e oitenta e seis cêntimos) de mobiliário comprado exclusivamente para aquela Feira, mas que devido ao incumprimento da Recorrida não foi utilizado;
• €537,18 (quinhentos e trinta e sete euros e dezoito cêntimos) pelo excesso de bagagem que pagou a Autora;
• € 276,93 (duzentos e setenta e seis euros e noventa e três cêntimos) referente ao seguro das ditas mercadorias.
89. Perfazendo tais danos patrimoniais sofridos a quantia global de €15.033,32 (quinze mil trinta e três euros e trinta e dois cêntimos)
90. No que concerne aos danos patrimoniais (lucro cessante) deve, de igual modo, ser a Recorrida condenada a pagar a aqui Recorrente a quantia de €500.000,000 (quinhentos mil euros), já que estamos perante um dano que equivale à privação de um aumento patrimonial esperado, ou seja, é o lucro ou aumento patrimonial espectável pela Recorrente que foi frustrado pelo ato lesivo praticado pela Recorrida, e que se estimava ser esse o resultado obtido com aquela participação, por comparação com a Feira da Rússia, conforme Facto Provado n.º38.
91. Por fim, também não se pode deixar sopesada na avaliação global dos danos sofridos pela Recorrente atenta a conduta lesiva e dolosa da Recorrida os danos de carácter não patrimonial, pois apesar destes não atingirem bens do património da Recorrente, mas sim bens que se situam no âmbito da sua esfera moral, como no caso das pessoas coletivas, podem estas sofrer danos não patrimoniais, independentemente dos prejuízos materiais que a ofensa ao seu bom nome e reputação acarreta.
92. A este propósito, e resulta também dos factos provados (ponto 39 e 40), que a Autora sentiu-se ultrapassada e humilhada pela concorrência, a qual divulgava que esta nem uma feira conseguia organizar, quanto mais prestar um bom serviço tendo causado um mal-estar perante a organização da Feira.
93. Na sequência dos factos provados e nesse sentido vide o decidido pelo Acórdão do STJ processo n.º 07A4618 de 12/02/08 in www.dgsi.pt:
“Entendemos, que a violação do direito ao bom nome e reputação de uma sociedade constitui o lesante, verificados os requisitos da responsabilidade civil delitual – art.º 483º, nº 1, 562 e 566º do Código Civil – na obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais.”
“O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
94. E mais recentemente, em Acórdão de 8.3.2007, Proc. 07B566, in www.dgsi.pt. também do Supremo Tribunal de Justiça foi entendido que o dano não patrimonial era indemnizável.
95. Em suma, e tendo presente a argumentação já expendida supra, deve, assim, concluir-se, que o direito à limitação indemnizatória deverá ser afastado, e em consequência ser a Recorrida obrigada a indemnizar todos os prejuízos quer patrimoniais que não patrimoniais causados e supra descriminados, pela sua má-fé, integralmente., como com toda a certeza, V/Exas., Venerandos Desembargadores decidirão, nessa conformidade, fazendo, como sempre a habitual e necessária justiça material.
96. Devendo, assim, concluir-se, que o direito à limitação indemnizatória deverá ser afastado, e ser a Recorrida obrigada a indemnizar todos os prejuízos quer patrimoniais causados e supra descriminados pela sua má-fé, integralmente., como com toda a certeza, V/Exas., Venerandos Desembargadores decidirão, nessa conformidade, fazendo, como sempre justiça material.
97. A terminar, foi ainda a aqui Recorrente condenada como litigante de má-fé fixando-se em 5 U.C. a multa legal, considerando que as partes na contenda violarem o princípio da boa-fé processual.
98. Porém, a Recorrente insurge-se, também nesta parte, contra a sentença recorrida que a condena como litigante de má-fé, já que a condenação por litigância de má-fé pressupõe «a existência de dolo ou de grave negligência, não bastando uma lide temerária, ousada, ou uma conduta meramente culposa» (Ac. STJ 11.01.2001, Pº nº 3155/00-73, Sumários, 47º).
99. A Recorrente ao esgrimir os seus argumentos nunca adotou uma conduta contrária aos princípios e regras processuais, muito mesmos alegou factos ou normas jurídicas das quais considerou que a razão não se encontrava do seu lado, mantendo sempre uma postura de cumprimento dos deveres de cooperação, probidade e boa-fé.
100. Pois, na verdade, em sede de réplica, a aqui recorrente alegou que a mercadoria se destinava a ser exposta ao contrário do por si proclamado em sede de petição Inicial, mas tal alegação não o foi com o propósito de alterar a realidade dos factos, muito menos de paralisar a defesa da recorrida,
101. A mesma ao alegar que as mercadorias eram para exposição na feira queria obviamente, demonstrar que o fundamento da exposição seria a venda do produto da mesma unidade, ou seja, o propósito seria logicamente a posterior venda.
102. Devendo, nessa medida, ser afastada a sua condenação como litigante de má-fé, atenta a total inexistência de factos que fundamentem a sua condenação como tal.
103. E, assim, tudo isto só pode levar à conclusão de que, como com toda a certeza, V/Exas., Venerandos Desembargadores decidirão, nessa conformidade, revogando a sentença proferida, fazendo, como sempre justiça material.
Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Desembargadores, proferir decisão que:
A) Revogue a decisão proferida, alterando a matéria de Facto Não Provada nos pontos 2, 4, 26, 27, 28, 29 e 34 da sentença julgando-os como Factos Provados com reapreciação da prova gravada, designadamente, o depoimento da testemunha:
- FO (prestado na audiência de julgamento realizada no dia 07/07/2015 (intervalo de tempo 09min 36seg. a 09min 56 seg.);
- NL (prestado na audiência de julgamento realizada no dia01/07/2015 (intervalo de tempo 22min 20seg. a 22min 37 seg.; 11min.22seg. a 12min.43seg; 14min.40seg. a 15min.02seg; 16min58seg a 17mim28seg. e 21min30seg a 56min29seg; 19min35seg. a 20min.01seg; 45min54seg. a 47min.22seg; 55min.38seg. a 56min.09seg; e 1h35min55seg a 1h24min26seg.);
- E AN (prestado na audiência de julgamento realizada no dia 01/07/2015 (intervalo de tempo 16min 27seg. a 28min 43 seg. 28min09seg. a 28min.15seg.; 01h02min53seg. a 01H.30MIN.48SEG.; 1H13MIN55SEG. A 1H24MIN.30SEG.).
B) Revogue a sentença proferida na parte em que condenou a Autora em litigante de má-fé;
C) Revogue a sentença proferida na parte em que condenou a Ré GT a pagar à Autora a quantia de €997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) julgando totalmente procedente o presente recurso.
Com o que farão inteira Justiça.
*
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais o recorrido procede à ampliação do âmbito do recurso, concluindo nos seguintes termos:
• Ampliação do objecto da apelação – impugnação da decisão de facto (a título subsidiário)
1. Subsidiariamente, prevenindo a hipótese de procedência das questões objecto da apelação, a R. impugna a decisão de facto, nos termos do art.º 636º/2 do CPC, com vista ao aditamento aos factos provados da seguinte matéria: A A. não participou nas Commercial Vehicles Middle East dos anos de 2012, 2013 e 2014, pelo menos.
2. Esse facto resulta, sem margem para dúvidas, das declarações prestadas em audiência pelo representante legal da A. (ficheiro 20150701102720 9915 64673.wma, passagem da gravação: 00:24:12 – 00:26:51).
• Da impugnação da decisão de facto
3. Com a impugnação do facto não provado nº 2, a A. pretende que se dê como provado algo que não se enquadra na matéria julgada não provada.
4. A decisão vertida no nº 2 dos factos não provados é não só coerente, como reflexo da decisão vertida nos nºs 87 e 88 dos factos provados e, apesar de formalmente impugnada pela A., esta, na verdade, não a questiona, como se percebe pelo alegado nos art.ºs 20º a 22º da réplica e da própria matéria que a A. quer ver incluída nos factos provados, da qual resulta que o destino da mercadoria transportada era a sua exposição na Feira, e não a sua comercialização, que é, afinal, o que resulta do nº 2 dos factos provados, em que se deu como não provado que o destino da mercadoria fosse a sua comercialização.
5. Pelo exposto, a impugnação do facto não provado nº 2 não tem cabimento.
6. O facto não provado nº 4 foi alegado pela R. no art.º 117º da contestação, pelo que esta se limita aqui a estranhar a sua impugnação, sendo que os segmentos da gravação indicados, para o efeito, pela A. não parecem ter relação com esse ponto da matéria de facto.
7. Pela natureza da matéria dos nºs 26, 27 e 28 dos factos não provados, a sua prova jamais poderia dispensar a junção aos autos de documentação técnica de suporte, fosse oficial, fossem estudos de mercado ou publicações em revistas da especialidade (compreende-se mal que a A. pretenda que se julgue provado que, previamente à inscrição na Feira, ela própria efectuou um estudo de mercado revelador de que a sua participação naquele evento lhe permitiria obter um lucro de €500.000, quando não juntou aos autos esse pretenso estudo).
8. A A. não logrou produzir qualquer prova que autorize a extrapolação para a Feira do Dubai dos frutos alegadamente obtidos com a sua participação na Feira realizada na Rússia em 2008 (sendo que também não demonstrou que tenha obtido o alegado lucro de €500.000 com as vendas feitas aos 5 clientes angariados na Rússia).
9. A inverosimilhança do referido lucro resulta, desde logo, de a A. não ter participado nas Feiras no Dubai de 2012, 2013 e 2014, para tentar angariar os clientes que, alegadamente, não conseguiu angariar na edição de 2011 e, desse modo, reverter as consequências negativas de uma participação menos conseguida nessa edição.
10. O depoimento da testemunha NM, em que a A. suporta a impugnação dos factos não provados nºs 26, 27 e 28, traduz-se num conjunto de generalidades desprovidas de qualquer suporte credível, encontrando-se despido de qualquer rigor ou objectividade, sendo notória a ligeireza com que a testemunha lança valores para o ar, apoiando-se, disse, nas considerações de alguns fabricantes de automóveis.
11. A clara insuficiência da prova, documental e testemunhal, produzida pela A. obriga à confirmação da decisão vertida nos nºs 26, 27 e 28 dos factos não provados.
12. A matéria contida no nº 29 dos factos não provados é conclusiva, porque desprovida da objectividade própria dos factos, pelo que não parece que deva integrar a decisão de facto, e muito menos os factos provados.
13. Relacionada com essa matéria estão os factos provados nºs 39 e 40, sendo que os depoimentos testemunhais em que a A. suporta a impugnação do facto não provado nº 29, prestados pelas testemunhas AN e NM, não permitem julgar provados mais do que aqueles dois factos.
14. A decisão vertida no nº 29 dos factos não provados, que deve ser mantida, foi determinada pelos factos provados nºs 51 e 86, reveladores de que a A., mesmo sabendo que o seu expositor não chegaria a tempo da Feira, optou por nela participar, sem esse expositor, cujo regresso a Portugal solicitou 3 dias antes do início daquele evento, pelo que os depoimentos prestados pelas testemunhas AN e NM, na parte em que são incompatíveis com esses factos, carecem de credibilidade.
15. A prova documental em que a A. suporta a impugnação do facto não provado nº 34 padece de todas as insuficiências que lhe foram apontadas pelo tribunal a quo na motivação da decisão de facto.
16. A alegação da A. de que deixou de efectuar vendas no valor de €2.000.000, em virtude de ter participado na Feira sem o seu expositor é, puramente, especulativa, não se percebendo, sequer, como é que a A. chegou a esse valor, nem, tão pouco, em que lapso temporal a A. esperava realizar essas vendas. Acresce que a A., querendo, poderia ter participado nas feiras dos anos seguintes para tentar, ainda que um ano mais tarde, entrar no mercado do Médio Oriente e realizar as vendas que, alegadamente, não conseguira fazer na edição de 2011.
17. Não foi produzida qualquer prova fiável que permita estabelecer uma comparação entre os mercados da Rússia e do Médio Oriente, o que inviabiliza a extrapolação feita pela A..
18. O depoimento prestado pela testemunha NM, invocado pela A. Em apoio à sua impugnação do facto não provado nº 34, é, também na questão de facto em causa, muito genérico e claramente insuficiente para se poder julgar o que a A. pretende, ou seja, que deixou de vender €2.000.000 na Feira do Dubai de 2011, por nela ter participado sem o seu expositor.
19. Inexiste contradição alguma entre os factos provados nºs 32, 37 e 38 e o facto não provado nº 34.
20. A impugnação da decisão de facto, concretamente dos factos não provados nºs 2, 4, 26, 27, 28, 29 e 34, deve improceder na totalidade, confirmando-se, na íntegra, essa decisão
 • Do Direito
21. A fase marítima do transporte contratado pela A. está sujeira à CB 1924, cujo art.º 4º/5 se aplica às perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, compreendendo, por conseguinte, também os danos decorrentes da demora na entrega das mercadorias.
22. Nos termos do art.º 4º/5 (1º parágrafo) e 9º (2º parágrafo) da CB 1924, art.º 1º/§ 1º do DL nº 37.748, de 1.2.1950, e art.º 31º/1 do DL nº 352/86, de 21.10, a indemnização devida pelo transportador marítimo por perdas e danos ou pela demora na entrega das mercadorias transportadas não ultrapassa 100.000$00 ou €498,80 por volume.
23. Na sua alegação de recurso, a A. não parece questionar a aplicação da CB 1924 ao contrato em discussão nos autos, nem, em abstracto, a aplicação à demora na entrega da limitação de responsabilidade estabelecida no art.º 4º/5 dessa Convenção. A A. sustenta, sim, que a referida limitação de responsabilidade não aproveita ao transportador que actuou com dolo e que, no caso concreto, a R. agiu com dolo directo ou, pelo menos, dolo eventual.
24. A CB 1924 não afasta a limitação da responsabilidade do transportador marítimo nos casos em que este age dolosamente.
25. De qualquer modo, a A. não alegou na pá. quaisquer factos reveladores de que a R. incumprira dolosamente o que consigo contratara.
26. A presunção de culpa do transportador marítimo resultante da CB 1924 (à semelhança do que se verifica com a presunção de culpa do devedor estabelecida no art.º 799º/1 do CC) é uma presunção de mera culpa (culpa em sentido estrito ou negligência), e não de dolo, sendo que, quanto a este, o ónus probatório é do interessado na carga.
27. Face à decisão de facto, há que reconhecer que a R. não logrou ilidir a presunção de culpa, ou seja, não provou que a demora na entrega não procedera da omissão dos seus deveres de cuidado, prudência e diligência.
28. Na ausência de ilisão dessa presunção, a R. responde pelo cumprimento defeituoso do contrato de transporte, traduzido na demora na entrega, nos termos do art.º 4º/5 da CB 1924, ou seja, até ao limite de €498,80 por volume.
29. Mesmo para quem entende que o dolo do transportador marítimo afasta a referida limitação de responsabilidade, a verdade é que a decisão de facto não deixa perceber que o atraso na entrega haja procedido de uma actuação dolosa da R., o que não deve surpreender, dada a absoluta omissão na pá. de qualquer facto, que, sequer, indicie a adopção pela R. de um comportamento doloso, sendo que pertencia à A. o ónus da prova do dolo, como forma de afastar as regras de cálculo da indemnização ínsitas no art.º 4º/5 da CB 1924.
30. Os factos provados nºs 12, 13, 14, 15, 16, 66, 67, 71 e 118, com base nos quais a A. pugna que a R. incumpriu dolosamente o prazo de entrega convencionado, são, claramente, insuficientes para se extrair a gravosa conclusão de que a R. agiu com dolo, em alguma das suas modalidades, ou seja, de que teve a intenção de incumprir o referido prazo e causar à A. os danos daí advindos ou, sequer, representou a possibilidade desse resultado danoso, conformando-se com a sua produção.
31. Parece claro que o adiamento da data de embarque, imputável à A., acabou por impossibilitar o cumprimento da operação de transporte tal como a R. a projectara.
Confrontado com a impossibilidade de embarque na data prevista (11.2.2011), o trabalhador da R. PO não se deu conta de todas as implicações desse adiamento ou, pelo menos, não as mediu adequadamente e, precipitadamente, reiterou, nesse próprio dia, o seu compromisso de fazer chegar a mercadoria ao Dubai a tempo da Feira. Ao não reflectir o atraso no embarque na data de entrega da mercadoria no destino, mantendo, pelo contrário, o compromisso anteriormente assumido, o referido trabalhador da R. não observou os deveres de prudência e diligência a que se encontrava adstrito.
32. Não tendo a R. ilidido a presunção de culpa, por um lado, e não tendo a A. provado que aquela incumprira dolosamente o prazo de entrega, por outro, a indemnização a pagar pela primeira ascende ao valor de €997,60 (€498,80 x 2 volumes), nos termos das disposições acima referidas e, ainda, do art.º 24º/1 do DL nº 352/86, de 21.10.
33. Mesmo que a R. não beneficiasse da limitação da responsabilidade prevista no art.º 4º/5 da CB 1924, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, o valor da sua condenação sempre ficaria muito longe do peticionado pela A..
34. Face aos factos provados nºs 50, 51 e 79, as quantias de €4.386,08 (despesas de deslocação), €6.040,27 (aluguer de espaço na Feira) e € 537,18 (excesso de bagagem devido ao transporte de material publicitário destino a ser exibido na Feira) não podem seu consideradas prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação contratual da R..
35. Assim, os danos emergentes sofridos pela A. em consequência do atraso na entrega, e pelos quais a R. responderia não fosse a sua responsabilidade se encontrar legalmente limitada, ascendem ao valor de €4.069,81 (€525,66 + €1.377,21 + €717,15 + €1.172,86 + €276,93).
36. A A. não provou, minimamente, os lucros cessantes advenientes do facto provado nº 49, ou seja, em que medida a sua participação na Feira sem o expositor afectou a angariação de novos clientes.
37. À luz do art.º 566º/3 do CC, parece claro que o julgador não dispõe de quaisquer elementos que lhe permitam fixar o valor dos lucros cessantes com recurso à equidade, pois, no caso sub judice, não se está perante uma situação de impossibilidade de averiguação do valor exacto dos danos dentro de determinados limites provados; é que os factos provados são absolutamente omissos sobre as consequências patrimoniais do facto provado nº 49, o que inviabiliza o julgamento equitativo por referência a quaisquer limites (indemnizatórios), que não se provaram.
38. A reclamada quantificação dos lucros cessantes por referência às vendas globais referidas no nº 38 dos factos provados, nas quais se reflectiu a angariação de 5 novos clientes na Feira realizada na Rússia em 2008, é totalmente descabida.
39. Os lucros cessantes advindos da participação da A. na Feira de 2011 sem o seu expositor não podem ser mais do que as vantagens económicas definitivamente perdidas em resultado directo dessa participação, as quais não devem incluir quaisquer outras consequências patrimoniais negativas que pudessem ser revertidas nas feiras dos anos seguintes, se a A. tivesse decidido nelas participar.
40. A discreta participação da A. na Feira de 2011 não era impeditiva da sua entrada no mercado do Médio Oriente, sendo susceptível, quando muito, de atrasar essa entrada por um ano, do que transparece a exorbitância do quantum indemnizatório peticionado, o qual pressupõe, abusivamente, que os clientes alegadamente não angariados na Feira de 2011 ficaram definitivamente perdidos, como se não pudessem ser angariados na Feira do ano subsequente.
41. Se se concluísse pela inaplicabilidade da limitação da responsabilidade prevista no art.º 4º/5 da CB 1924, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, a R. não poderia deixar de ser condenada, em matéria de lucros cessantes, em quantia a liquidar, nos termos do art.º 609º/2 do CPC.
42. Mesmo que, ao arrepio da posição assumida pelo tribunal a quo, se entendesse que as sociedades comerciais podem sofrer e ser ressarcidas por danos estritamente não patrimoniais, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, a R. não deveria ser condenada a esse título, e muito menos na quantia peticionada.
43. Com efeito, não parece que a R. possa ser condenada pelas consequências não patrimoniais da decisão da A. de participar na Feira sem o expositor próprio, descritas nos nºs 39 e 40 dos factos provados, ao que acresce que o mal-estar referido no nº 40 dos factos provados foi causado aos funcionários da A. que esta fez deslocar ao Dubai, e não, propriamente, à A., pelo que não se vislumbra por que é que esta haveria de ser indemnizada por esse facto.
Termos em que devem V. Exas. negar provimento à apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, com o que fareis a costumada Justiça.
***
O âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que os recorrentes findam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pedem a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente nos termos enunciados pelo artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código.
Assim, sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, as questões a decidir são:
A. Impugnação da matéria de facto
- Deduzida pelo recorrente: Os factos não provados n.º 2, 4, 26, 27, 28, 29 e 34 deverão passar a constar do elenco dos Factos Provados;
- A ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrida.
B. O mérito da causa: O afastamento do limite indemnizatório fixado no artigo 4º, nº 5, da Convenção de Bruxelas.
C. A litigância de má-fé.
***
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE
FACTUALIDADE:
1. No dia 12 de Setembro de 2011, a Autora intentou contra a Ré, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia uma acção declarativa de condenação, tendo então deduzido na petição inicial o seguinte articulado:
«1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como actividade, com escopo lucrativo, a comercialização de embraiagens e comandos hidráulicos, bem como todos os componentes e acessórios que lhe são associados.
2. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que tem como actividade, com escopo lucrativo, o transporte nacional e internacional de mercadorias.
3. Em 19 de Novembro de 2010, a Autora solicitou à Ré, via e-mail, o orçamento para um transporte de mercadorias com as seguintes características: 1 ptl com 128x130x200cm e 1317kg 1 plt com 156x127x104 cm e 344kg, do Porto com destino Dubai. (Cfr. Doc n.º 1).
4. A este e-mail, a Ré respondeu com o solicitado em 23 de Novembro de 2010, informando quais as condições e serviços em que efectuava o dito transporte. (Cfr. Doc n.º 2).
5. Analisados os termos e condições propostos pela Ré, a Autora adjudicou-lhe o serviço de transporte, tal e qual como a Ré havia aconselhado e proposto.
6.Todavia, a Autora impôs à Ré, como condição sine quo non da adjudicação do contrato, que transporte teria que chegar ao Dubai entre os dias 08 e 10 de Março de 2011.
7. Uma vez que a mercadoria transportada seria para comercializar e demonstrar na Feira
Internacional do Dubai, que iria decorrer entre os dias 14 e 16 de Março de 2011.
8. Perante tal imposição, a Ré tranquilizou a Autora, assegurando, peremptoriamente, que a mercadoria chegaria ao Dubai muito antes daquela data.
9. Assegurando que a mercadoria estaria no Dubai entre os dias 08 e 10 de Março de 2011, e quetratava de toda a “papelada” necessária para tal (Cfr. Doc n.º 3, 4 e 5).
10. Aceitando, assim, as condições impostas pela Autora.
11. A Autora, nessa conformidade, alertou diversas vezes a Ré que o transporte teria que ser feito atempadamente, pois as mercadorias e acessórios transportados tinham como finalidade a sua exposição e venda na Feira Internacional do Dubai “Commercial Vehicles Middle East, Dubai Internacional”.
12. Ao que a Ré sempre respondeu com prontidão, garantindo que as mercadorias estariam no Dubai muito antes da realização da Feira.
13. Sucede, porém, que as mercadorias e acessórios, cujo transporte a Autora tinha contratado com a Ré, não chegaram atempadamente ao seu destino, ou seja, o Dubai, 14. Nem antes da realização da Feira, nem tão pouco enquanto a mesma decorria.
15. Ora, a Autora, como se imagina, tinha já despendido várias verbas e meios para a participação na dita Feira, quer com a deslocação de funcionários seus, alimentação, estadia, aluguer do espaço na Feira, taxas de exposição etc…
16. Todavia, devido ao gravoso incumprimento por parte da Ré, que não transportou as mercadorias, nos termos do contrato celebrado entre ambas.
17. A Autora esteve na Feira com os seus funcionários.
18. Sem stand, nem máquinas, nem folhetos, nem qualquer outro produto ou acessório que publicitasse a empresa.
19. Pois todas mercadorias, que a Autora tinha contratado a Ré para efectuar o seu transporte, não tinham chegado à dita Feira, nem no início, nem no decurso da mesma.
20. Como é evidente e notório, os prejuízos que a Autora sofreu, resultado do incumprimento da Ré são avultados, a saber:
21. O transporte de ida das mercadorias (que não foram utilizadas porque não chegaram a tempo da Feira) foi de €525,66 (quinhentos e vinte e cinco euros e sessenta e seis euros) (Doc n.º 6).
22. O transporte de volta das referidas mercadorias foi de €1.377,21 (mil trezentos e setenta e sete euros e vinte e um cêntimos) (Doc n.º 7).
23. As viagens, refeições e o alojamento dos funcionários da Autora que se deslocaram a Feira contabilizam-se em €4.386,06 (quatro mil trezentos e oitenta e seis euros e seis cêntimos) (doc n.º 8, 9, 10 e 11).
24. O aluguer do espaço na Feira Internacional do Dubai foi de €6.040,27 (seis mil e quarenta euros e vinte e sete cêntimos) (Doc n.º 12).
25. A elaboração do catálogo para apresentar na referida Feira foi de € 717,15 (setecentos e dezassete euros e quinze cêntimos) (Doc n.º 13).
26. O Mobiliário comprado exclusivamente para aquela Feira, mas que devido ao incumprimento da Ré não foi utilizado, foi de €1.172,86 (mil cento e setenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos) (Doc n.º 14).
27. Pelo excesso de bagagem pagou a Autora €537,18 (quinhentos e trinta e sete euros e dezoito cêntimos) (Doc n.º 15 e 16).
28. Pelo seguro das ditas mercadorias despendeu a Autora a quantia de € 276,93 (duzentos e setenta e seis euros e noventa e três cêntimos).
29. Note-se, a este propósito, que os valores supra mencionados dizem respeito a perdas efectivas e concretas sofrias pela Autora.
30. E são consequência necessária, directa e adequada do comportamento da Ré, ou seja,
31. São o efeito danoso, directo e imediato de um acto ilícito e culposo, praticado pela Ré.
32. Para além destes danos patrimoniais, a Autora foi ainda prejudicada no que diz respeito ao lucro cessante, isto é,
33. Como as mercadorias não chegaram atempadamente ao seu destino, por culpa única e exclusiva da Ré,
34. A Autora não conseguiu fazer os negócios que tinham estimado, uma vez que não tinha qualquer produto para apresentar, nem tão pouco qualquer tipo de publicidade.
35. Como qualquer empresa, a Autora tem como principal objectivo obter lucro.
36. Aliás, o objectivo da participação da Autora na referida Feira Internacional do Dubai foi precisamente publicitar cada vez mais e mais longe os seus produtos e efectuar negócios com empresas de todo o mundo.
37. Ora, tal situação foi coarctada à Autora pela Ré.
38. A verdade é que a Autora deixou de ter resultados positivos, por culpa única e exclusiva do incumprimento da Ré,
39. Que, apesar de contratualmente obrigada, não transportou os produtos e mercadorias nos prazos estipulados entre ambas.
40. Tal lucro cessante é fixável em 500.000,00 (quinhentos mil euros), atendendo ao estudo de mercado efectuado pela Autora, antes da inscrição na referida Feira e que se estimava ser esse o resultado obtido com aquela participação,
41. Bem como atendendo ao lucro obtido pela Autora em muitas outras feiras similares,
designadamente na Rússia.
42. A este propósito dir-se-á também que tal prejuízo é causado pela Ré, que com a sua conduta, impediu a Autora de fomentar a sua actividade lucrativa na Feira Internacional do Dubai.
43. Trata-se de um dano que consiste na privação de um aumento patrimonial esperado, ou seja, é o lucro ou aumento patrimonial esperado pela Autora que foi frustrado pelo acto lesivo praticado pela Ré.
44. Por outro lado, a imagem comercial e o bom nome da Autora ficaram, internacionalmente, afectados.
45. De facto, no cartaz Feira Internacional constava como participante a Autora, mas na data da sua realização, esta apenas lá tinha os seus funcionários e …nada mais….
46. O que gerou um enorme mal-estar perante a organização da feira, os demais participantes, clientes e potenciais clientes e fornecedores.
47. As pessoas colectivas têm direito a serem ressarcidas por danos de natureza não patrimonial.
48. Os danos de carácter não patrimonial não atingem bens do património do lesado, mas sim bens que se situam no âmbito da sua esfera moral, pelo que, no caso das pessoas colectivas, tais bens serão atinentes, v.g. ao seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade.
49. O imperativo ético de proteger o bom nome e reputação duma sociedade comercial radica no pressuposto de que todas as actuações sociais se reconduzem à honorabilidade da cidadania.
50. Pelo exposto, deverá a Ré indemnizar a Autora, pelos danos não patrimoniais causados, em quantia nunca inferior a €50.000,00 (cinquenta mil euros).
Termos em que, e nos melhores de Direito que V/Exa. doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar à Autora as seguintes quantias:
a) A quantia de €15.033,32 a título de indemnização por danos patrimoniais (dano emergente);
b) A quantia de €500.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais (lucro cessante);
c) A quantia de €50.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
d) Nas custas e demais procuradoria condigna.
Valor da acção: €565.033,33 (quinhentos e sessenta e cinco mil e trinta e três euros e trinta e três
cêntimos) (…)».
2. Tal acção foi distribuída ao 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Maia e nele correu os seus termos com o n.º 5859/11.0TBMAI.
3. Por decisão datada de 24-01-2012, o 3.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Maia declarou-se materialmente incompetente para conhecer de tal acção e absolveu a Ré da instância.
4. Por requerimento datado de 26-01-2012, a Autora renunciou ao prazo de recurso de tal decisão absolutória.
5. A presente acção foi intentada no dia 16 de Fevereiro de 2012.
*
6. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como actividade, com escopo lucrativo, a comercialização de embraiagens e comandos hidráulicos, bem como todos os componentes e acessórios que lhe são associados (bombas óleohidráulicas, tomadas de força, válvulas, entre outros equipamentos óleo-hidráulicos para veículos industriais).
7. A Autora foi criada em 1972 e desde esta data é especialista no domínio da óleo hidráulica e transmissão de potência aplicadas em camiões (gruas e básculas).
8. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que exerce, com escopo lucrativo, a actividade transitária e se dedica ainda ao transporte nacional e internacional de mercadorias.
9. Em 19 de Novembro de 2010, a Autora solicitou à Ré, via e-mail, o orçamento para o transporte de duas paletes, uma com as dimensões de 128x130x200 cm e o peso de 1317kg e outra medindo 156x127x104 e pesando 344 Kg, das suas instalações, sitas na Maia, parao Dubai, tudo nos termos do documento de fls. 15 e cujo demais teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. A esse e-mail, a Ré respondeu com o solicitado em 23 de Novembro de 2010, enviando a sua «(…) melhor cotação para o transporte da carga abaixo mencionada, para carregar desde Leixões para o Dubai, como segue:
- Frete marítimo Leixões (terminal) /Jebel Ali (terminal): Usd 203,76 (Usd 30,00/
- Emissão de BL Eur 39,00
- Manuseamento Eur 69,96
- THC Leixões Eur 31,79
- Taxa porto Eur 5,00
- Dossier Eur 43,45
- Despacho alfandegário Eur 85,00 Saídas Semanais às sextas feiras Transit time: 25 dias aprox. Validade: 31.12.2010
Condições gerais:
Prestação de serviços: de acordo com o disposto no decreto-lei n.º 255/99, de 7 de Julho (…)», tudo nos termos do documento de fls. 16 e cujo demais teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Analisados os termos e condições propostos pela Ré, a Autora aceitou-os e entregou-lhe o serviço de transporte da mercadoria acima referida, tal qual como a Ré havia aconselhado e proposto.
12. Todavia, a Autora impôs à Ré, como condição sine quo non da adjudicação do serviço, que a mercadoria teria de chegar ao Dubai entre os dias 8 e 10 de Março de 2011, uma vez que a mesma seria para demonstrar na Feira Internacional do Dubai, que iria decorrer entre os dias 14 e 16 de Março de 2011.
13. Perante tal imposição, a Ré tranquilizou a Autora, assegurando peremptoriamente que a mercadoria chegaria antes daquela data, mais precisamente entre os dias 8 e 10 de Março de 2011 e que trataria de toda a papelada necessária para tal efeito.
14. A Autora alertou por diversas vezes a Ré que o transporte teria de ser feito nos termos ajustados, pois as mercadorias e acessórios tinham como finalidade a sua exposição na Feira Internacional do Dubai Commercial Vehicles Middle East, Dubai International.
15. Ao que a Ré sempre respondeu com prontidão que as mercadorias estariam no Dubai antes da realização da Feira.
16. Acontece que as mercadorias e acessórios cujo transporte a Autora confiou à Ré não chegaram ao Dubai antes da realização da Feira nem tão-pouco enquanto a mesma decorria.
*
17. A Autora tinha então já despendido várias verbas e afectado meios para a participação na dita Feira, quer com a deslocação de funcionários seus, alimentação, estadia, aluguer do espaço na Feira, taxas de exposição, entre outros gastos.
18. A Autora acabou por estar na Feira com os seus funcionários sem stand personalizado, máquinas, folhetos especificamente efectuados para o certame ou qualquer outro produto ou acessório produzido pela empresa.
19. A Autora pagou à Ré a quantia de €525,66 – titulada pela factura n.º 1114200352, emitida e vencida em 22 de Fevereiro de 2011 – pelo transporte das referidas mercadorias entre a Maia e o Dubai.
20. A Autora pagou à Ré a quantia de € 1377,21 – titulada pela factura n.º 1114200904, emitida e vencida em 27 de Maio de 2011 – pelo transporte das mesmas mercadorias entre o Dubai e o porto de Leixões.
21. As viagens, refeições e alojamento dos funcionários da Autora que se deslocaram à Feira cifraram-se em €4.386,06.
22. O aluguer do espaço na Feira Internacional do Dubai custou à Autora a quantia de €6040,27.
23. A elaboração do catálogo para apresentar na referida Feira custou à Autora a quantia de €717,15.
24. O mobiliário comprado exclusivamente para a Feira, mas que não chegou a ser utilizado, custou à Autora a quantia de €1172,86.
25. A Autora pagou a quantia de €537,18 a título de excesso de bagagem.
26. Pelo seguro das mercadorias transportadas, a Autora pagou o prémio de €276,93.
*
27. A Autora apresenta frequentemente aos seus clientes e potenciais clientes, através de participação em Feiras Internacionais, novos produtos que são o resultado da inovação e dinamismo da constante procura de progressos tecnológicos.
28. De modo a expandir o seu negócio e a mostrar aos seus clientes e potenciais clientes os produtos que comercializa, a Autora participa anualmente em diversas feiras internacionais da especialidade, entre elas a Commercial Vehicles Middle East realizada no Dubai.
29. Nestas feiras internacionais, a Autora tem sempre um expositor próprio (que é utilizado em todas as Feiras em que participa) que contém amostras globais de todos os
produtos fabricados e vendidos pela Autora.
30. Tal expositor não foi colocado na Commercial Vehicles Middle East realizada no Dubai, pois apenas chegou às instalações da feira quando esta já tinha terminado.
31. Os produtos comercializados nos mercados do Middle East e Russo, e que são fabricados e vendidos pela Autora, são exactamente os mesmos, uma vez que também são instalados nos camiões das mesmas marcas presentes nas ditas feiras, a saber: Mercedes, Volvo, Renault, Scania, MAS e Karnaz.
32. A Autora, com a participação na feira Internacional do Dubai de 2011, designada de “Commercial Vehicles Middle East”, esperava vender os seus produtos na mesma proporção, senão mais, do que tinha conseguido no Mercado Russo.
33. A “Commercial Vehicles Middle East” é a única Feira realizada nos países que integram o Conselho de Cooperação do Golfo (Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos) que é dedicada exclusivamente ao comércio de veículos comerciais, produtos, acessórios, componentes e serviços dos mesmos.
34. Tal Feira é aproveitada pelos participantes com o único objectivo de encontrar parceiros comerciais que possam comercializar os seus produtos no Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos.
35. As Feiras Internacionais em que a Autora participa, designadamente a “Commercial Vehicles Middle East”, são de natureza técnica e específica, não se destinando ao público em geral, mas apenas e só a sujeitos e empresas ligadas ao sector.
36. Quem visita este tipo de feiras não tem como objectivo comprar um, mas antes vários sistemas hidráulicos para posteriormente os revender ou fazer a sua instalação.
37. A participação na Commercial Vehicles Middle East sem o expositor próprio (que é utilizado em todas as Feiras em que participa) fez com que a Autora não conseguisse exibir aos potenciais clientes as amostras globais de todos os produtos por si fabricados e vendidos.
38. Na Feira que teve lugar em 2008 na Rússia, a Autora conseguiu angariar cinco novos clientes, o que se reflectiu nas seguintes vendas globais, desde 2008:
- Ano de 2008: € 18 184,50;
- Ano de 2009: € 417 696,91;
- Ano de 2010: € 1 105 986,28;
- Ano de 2011: € 908 165,72;
- Ano de 2012: € 1 020 496,13;
- Ano de 2013: € 885 325,52.
39. Ao participar na Commercial Vehicles Middle East sem o expositor próprio, a Autora sentiu-se ultrapassada e humilhada pela concorrência, a qual divulgava entre os potenciais clientes que a Autora nem uma feira conseguia organizar, quanto mais prestar um bom serviço ou vender um bom produto.
40. Acresce que a participação em tal evento somente com os seus funcionários causou a estes mal-estar perante a organização da Feira, demais participantes, clientes e potenciais clientes e fornecedores.
41. Os produtos que a Autora demostrou na Feira realizada na Rússia eram em todo idênticos aos que se destinavam ao do Middle East, tal como a concorrência que a Autora enfrenta nos dois mercados é a mesma.
42. Com a participação na Commercial Vehicles Middle East, a Autora pretendia comercializar na região do Golfo os produtos que se encontram descritos a fls. 466-469
(exceptuados os atinentes aos protótipos e expositor) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
43. Ademais, pretendia publicitar cada vez mais e mais longe os seus produtos e efectuar negócios com empresas de todo o mundo.
44. A produção das encomendas expectáveis para o mercado do Middle East, após a participação na Commercial Vehicles Middle East, iria ser levada a cabo pela Autora num terceiro turno de produção (nocturno).
45. A Autora trabalha com o terceiro turno de forma parcial.
46. Os custos deste expectável terceiro turno nocturno, caso as encomendas expectáveis do mercado do Middle East existissem, consistiriam na mão-de-obra directa, custo da matéria-prima, custos com electricidade e ferramentas e consumíveis das máquinas.
47. Os custos da matéria-prima nas vendas, de acordo com os dados da IES de 2012 são de 36%.
48. Em 2012, a Commercial Vehicles Middle East teve lugar entre os dias 6 a 8 de Março de 2012.
49. A participação da Autora na Commercial Vehicles Middle East sem o seu expositor afectou a angariação de novos clientes.
50. Apesar de não ter expositor, a Autora levou pessoal e algum material publicitário a fim de o exibir na Commercial Vehicles Middle East e contactar não só com os clientes existentes como com os potenciais clientes.
51. A Autora já sabia que o expositor não iria chegar a tempo da Commercial Vehicles Middle East, mas mesmo assim decidiu participar na mesma.
*
52. A Ré, na sequência do acordado com a Autora, encarregou a Chamada GP outra empresa transitária, de efectuar o transporte, a qual, por sua vez, procedeu ao enchimento e carregamento do contentor, juntando para o efeito cargas de outros clientes seus.
53. A mercadoria da Autora ia acondicionada em dois volumes (paletes) de carga, com o peso de 1649 kg e o volume de 7,205 m3.
54. A mercadoria da Autora foi carregada num contentor de grupagem, juntamente com carga de outros expedidores, com o n.º UETU-205976.1.
55. O carregamento e enchimento desse contentor de grupagem foram efectuados pela Chamada GP.
56. No seguimento do acordado com a Autora, a Ré emitiu e entregou àquela o Forwarder Bill of Lading de fls. 75-76 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), o qual apenas referia a carga da Autora e mencionava esta como sendo a respectiva carregadora.
57. O verso do Forwarder Bill of Lading é integrado pelas “Condições Gerais de Prestação de Serviços pelas Empresas Transitárias”, cujo art.º 22.º estabelece que «[e]m caso algum o transitário poderá ser responsabilizado pelas consequências de informações deficientes fornecidas pelas empresas de transporte ou pelos seus agentes ou correspondentes, relativamente a datas ou prazos de carregamento, descarga ou entrega».
58. Por sua vez, a Chamada GP emitiu o Bill of Lading de fls. 77 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), o qual dizia respeito ao contentor acima referido – carregado com a carga da Autora e de outros expedidores – e mencionava a Ré como sendo a carregadora.
59. Como não dispõe de navios próprios, a Chamada GP encarregou a Chamada ML de proceder ao transporte do sobredito contentor.
60. A Chamada ML transportou então o contentor que tinha a mercadoria da Autora entre os portos de Leixões, Portugal, e o de Jebel Ali, Dubai.
61. A Chamada ML é agenciada em Portugal pela ML Portugal, Lda..
62. Em 31 de Dezembro de 2009, a Chamada Tranquilidade, na qualidade de seguradora, e a Ré, na qualidade de segurada, celebraram o contrato de seguro de responsabilidade civil de empresas transitárias titulado pela Apólice n.º 2046718 e regulado pelas Condições Gerais e Particulares juntas a fls. 240-257 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
63. Tal seguro – que tinha o capital de €500.000 por sinistro e/ou anuidade e não cobria a responsabilidade decorrente da actividade da Ré como transportadora – estava em vigor à data em que ocorreu o transporte das mercadorias da Autora.
64. O art.º 5.º das Condições Gerais da referida apólice, epigrafado de “Exclusões” estabelece no seu n.º 1 que «[o] presente contrato não cobre:
a) Os danos causados aos agentes ou representantes legais do segurado;
b) Os danos causados aos empregados, assalariados ou mandatários do segurado, quando ao serviço deste ou quando resultem de acidente caracterizável como acidente de trabalho;
c) Os danos causados a quaisquer pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por este contrato, bem como ao cônjuge, ascendentes e descendentes ou pessoas que com eles coabitem ou vivam a seu cargo;
d) Os danos causados por acidentes ocorridos com veículos que, nos termos da lei, devam ser objecto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;
e) Os danos causados por poluição de qualquer natureza;
f) Os danos devidos a actos de guerra, guerra civil, invasão, hostilidades, insurreição, poder militar ou civil usurpado ou tentativas de usurpação do poder, terrorismo, sabotagem e distúrbios laborais tais como assaltos, greves, tumultos e “lock-outs”;
g) Os danos decorrentes de lucros cessantes;
h) As multas ou coimas de qualquer natureza, assim como todas as despesas em processo crime (…);
i) Os prejuízos originados por flutuações cambiais ou quaisquer medidas de carácter imperativo tomadas pelas autoridades monetárias;
j) A responsabilidade decorrente da actividade do segurado como transportador de mercadorias.»
*
65. A Ré sabia que a carga da Autora se destinava a ser exposta numa feira a realizar no Dubai nos dias 14 a 16 de Março de 2011.
66. A mercadoria foi carregada na semana posterior à inicialmente prevista, dado que a Autora não a fabricou a tempo de a embarcar no navio que saiu de Leixões na 6.ª feira, dia 11 de Fevereiro de 2011.
67. No dia 8 de Fevereiro de 2011, 3.ª feira, a Ré informou a Autora que, se a carga embarcasse nessa semana – ou seja, na 6.ª feira, dia 11 de Fevereiro – a previsão de chegada a Jebel Ali (Dubai) seria 7 ou 8 de Março.
68. No dia previsto para o carregamento da carga (11 de Fevereiro de 2011, 6.ª feira), a Autora perguntou se era ainda possível carregar a carga às 19 horas.
69. A esta solicitação respondeu a Ré dizendo que não era possível efectuar o despacho (aduaneiro) da carga a tempo e, sendo assim, a carga iria ser levantada na segunda feira seguinte a fim de ser carregada no navio da ML que iria sair de Leixões no dia 16 ou 17 de Fevereiro de 2011.
70. A recolha da mercadoria às 19 horas – hora prevista para a conclusão do fabrico da mesma – impossibilitava que pudesse ser carregada ainda nesse mesmo dia dado que, devido ao adiantado da hora, já não era possível proceder ao despacho (aduaneiro) da carga, tanto mais que se tratava de uma exportação temporária e o despacho tinha de ser feito atempadamente, uma vez que tinham de ser feitos pedidos especiais.
71. Ainda assim, a Ré informou a Autora que seria possível cumprir a data prevista de chegada da carga a Jebel Ali (Dubai), de forma a que a mercadoria pudesse ser exibida na feira.
72. A Autora sabia que o transit time – ou seja, o tempo previsto para a execução do transporte – que lhe tinha sido comunicado pela Ré era de 25 dias, aproximadamente.
73. O contentor contendo a mercadoria da Autora embarcou no navio THIES MAERSK no dia 22 de Fevereiro de 2011, com destino a Tanger.
74. Estava previsto o transbordo do contentor em Tanger para um outro navio com destino a Jebel Ali (Dubai).
75. O contentor contendo a mercadoria da Autora não foi desembarcado no porto de Tanger a fim de ser transbordado para um outro navio que tivesse como destino o porto de Jebel Ali e saída prevista de Tanger no dia 21 de Fevereiro de 2011.
76. Uma vez desembarcado no porto de Tanger, o contentor ficou à espera do navio que o iria transportar para o Dubai.
77. O dito contentor foi embarcado no navio CHARLOTTE MAERSK, que saiu de Tanger no dia 5 de Março de 2011 e chegou a Jebel Ali no dia 19 do mesmo mês e ano.
78. A carga da Autora só chegou ao Dubai a 19 de Março, ou seja depois de ter acabado a feira onde iria ser exposta.
79. Informada de que o contentor não chegaria ao destino a tempo de a mercadoria exibida na feira, a Autora, no dia 11 de Março de 2011, antes mesmo de a mercadoria ter chegado ao Dubai, deu instruções à Ré no sentido do retorno da mesma a Portugal.
*
80. Inicialmente, Autora e Ré apenas acordaram o transporte de ida das mercadorias para o Dubai.
81. À Ré não foi solicitado então o transporte de regresso das mercadorias nem tão pouco a mesma sabia quando teriam de regressar a Portugal.
82. Antes da comunicação de 11 de Março de 2011, nada tinha sido solicitado ou comunicado à Ré quanto a um eventual regresso das mercadorias a Portugal.
*
83. As mercadorias transportadas regressaram a Portugal e foram entregues à Autora, na sede desta, no dia 12 de Maio de 2011.
84. A Ré jamais informou a Autora da data da chegada das mercadorias ao Dubai nem da data do seu regresso a Portugal.
85. Só depois de várias insistências da Autora é que a Ré lhe entregou as mercadorias.
86. Com a sua comunicação de 11 de Março de 2011, a Autora solicitou o regresso da mercadoria, pois não sabia onde parava a mesma nem o que era feito dela.
87. As mercadorias não eram para comercializar/vender, pois tratavam-se dos protótipos para fazer demonstrações e do stand onde os mesmos iam estar em exposição.
88. O stand de exposição a instalar na Feira também não era para vender.
89. A mercadoria foi recolhida pela Ré nas instalações da Autora.
*
90. A Chamada ML não foi contactada pela Ré nem celebrou com esta qualquer acordo.
91. A Chamada ML tem por actividade o transporte marítimo de mercadorias, explorando linhas de navegação regulares internacionais.
92. No exercício dessa sua actividade, ajustou com a Chamada GP o transporte marítimo titulado pelo Seawaybill n. º 553337867, junto a fls. 224 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
93. Os termos e condições do transporte, para além de constarem do verso do sobredito Seawaybill também estão disponíveis na internet para todos os clientes da Chamada ML, em www.ml.com.
94. Naquele Seawaybill figuram como carregadora a Chamada GP e como consignatária do contentor a GP West Star Shipping.
95. Para a outorga do transporte, a Chamada ML foi exclusivamente contactada pela carregadora Chamada GP, contactos esses que ocorreram por intermédio da agente de navegação da Chamada ML em Portugal, concretamente a sociedade ML Portugal, Lda..
*
96. A Chamada GP, que exerce a actividade de transitária, actuando em seu exclusivo nome, pediu à Chamada ML, através da agente desta em Portugal, a ML Portugal Lda., a reserva de espaço para o transporte marítimo de um contentor de 20’, do porto de Leixões para o porto de Jebel Ali Dubai.
97. O primeiro contacto feito pela Chamada GP junto da agente de navegação da Chamada ML em Portugal, com vista ao transporte marítimo daquele contentor, consistiu no e-mail – junto a fls. 225 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – que a GP enviou à agência de navegação ML Portugal em 15 de Fevereiro de 2011.
98. Nesse e-mail de 15 de Fevereiro de 2011, a Chamada GP pedia a reserva de espaço para o transporte de um contentor de 20’ para Jebel Ali.
99. O enchimento da carga no contentor ocorreria a 18 de Fevereiro de 2011 e este devia ser entregue pela Chamada GP, para o transporte marítimo em navio da Chamada ML com partida de Leixões prevista para 21 / 22 de Fevereiro de 2011.
100. Em 16 de Fevereiro de 2011 (14:23h), os serviços de reservas da Chamada ML remeteram, por via electrónica, a Confirmação de Reserva n.º 553337867 (Booking Confirmation junta a fls. 226 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) à Chamada GP, contendo todos os dados e detalhes do transporte reservado em navios da Chamada ML, nomeadamente os seguintes:
- A confirmação da reserva para o transporte de 1 contentor solicitada pela
Chamada GP (por JR);
- O Plano de Transporte previsto para a viagem Leixões / Jebel Ali Dubai, que teria início no navio THIES MAERSK, com data de saída de Leixões prevista para 23 de Fevereiro de 2011 e data de chegada ao porto de baldeação em Tanger (terminal da Eurogate) prevista para 26 de Fevereiro de 2011;
- A informação de que o contentor seria descarregado em Tanger, para ser baldeado para o navio CHARLOTTE MAERSK, que o transportaria então de Tanger, com saída
prevista deste porto para 5 de Março de 2011, até ao destino final em Jebel Ali Dubai;
- A informação de que a chegada do contentor a Jebel Ali Dubai estava prevista
para 19 de Março de 2011;
- E ainda que o contentor de 20’ seria disponibilizado, vazio, à Chamada GP, no terminal de Leixões, em 16 de Fevereiro de 2011, a partir das 15 horas e 10 minutos, a fim de que aquela o levantasse para acondicionar nele a carga que pretendia enviar para o Dubai.
101. Na sequência daquela confirmação de reserva, a Chamada GP levantou o contentor vazio, que lhe foi facultado pela Chamada ML, no terminal indicado na Booking Confirmation para nele acondicionar a carga que pretendia fazer transportar de Leixões para Jebel Ali Dubai.
102. Ainda em 16 de Fevereiro de 2011 (15:40h), DA, do departamento operacional da agência ML Portugal, Lda., enviou um e-mail à Chamada GP pedindo a esta a esta confirmação de que entregaria o contentor com a carga no Terminal de Leixões até às 23 horas de 18 de Fevereiro de 2011, data limite para assegurar o embarque no navio THIES MAERSK”, o que a carregadora confirmou na mesma data, tudo nos termos dos e-mails de fls. 227 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
103. Em 18 de Fevereiro de 2011 (18:43h), o departamento operacional da agência ML Portugal, Lda. solicitou à Chamada GP a declaração de exportação e instruções para a documentação relativa ao carregamento do contentor.
104. Documentos e instruções que JR, da Chamada GP, enviou à agente da ML naquela mesma data (18:52h), tudo nos termos dos e-mails de fls. 228-229 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
105. Em 22 de Fevereiro de 2011, a Chamada GP solicitou à agência ML Portugal, Lda. uma minuta do título de transporte (B/L) a emitir pela Chamada ML para eventuais acertos – nos termos do e-mail de fls. 230, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, o que foi satisfeito.
106. Posteriormente, veio a ser emitido o acima mencionado Seawaybill com o n.º 553337867.
107. Como está previsto na Cláusula n.º 19.1 do Seawaybill – e é usual nos transportes marítimos transcontinentais –, o transportador pode promover a baldeação de cargas para outros navios das diferentes linhas regulares do transportador, de forma a assegurar que as cargas cheguem ao destino final.
108. A Chamada GP sabia, antes mesmo de entregar o contentor com a carga para embarque no THIES MAERSK em Leixões, que a data de previsão de chegada ao destino final (Jebel Ali Dubai) era o dia 19 de Março de 2011.
109. O transporte em apreço tinha por objecto o mencionado contentor, com carga de grupagem, já que a Chamada GP nele acondicionou mercadorias de origem e/ou natureza diversas, entregando depois o módulo ao transportador marítimo.
110. Segundo declarações da Chamada GP (vertidas no waybill), esta acondicionou naquele contentor cargas diversas, nela se incluindo 2 caixas com máquinas destinadas ao porto de Jebel Ali Dubai.
111. A Chamada GP entregou o contentor com a carga nele acondicionada, fechado e selado, no porto de Leixões, na data solicitada pela agência ML Portugal, Lda..
112. A Chamada GP jamais indicou à Chamada ML que pretendia que o contentor com carga de grupagem chegasse ao porto de destino dentro de qualquer prazo ou data limite.
113. O contentor chegou ao destino na data prevista pela Chamada ML (19 de Março de 2011) e da qual a Chamada GP fora informada muito antes do embarque do módulo no navio THIES MAERSK.
114. A Chamada ML tem website com indicação disponível para qualquer cliente, incluindo obviamente a Chamada GP, com indicação dos itinerários dos seus navios e datas previstas de chegada (ETA) e de saída (ETD) dos diferentes portos que integram as suas linhas regulares, no caso em apreço linhas entre Portos da Europa e entre portos do Mediterrâneo bem como nas linhas para o Médio Oriente.
115. E cada cliente que carrega contentores nos navios da Chamada ML dispõe igualmente de informação, através de website da Chamada ML, sobre a posição desses contentores.
*
116. A Chamada ML jamais recebeu qualquer reclamação, fosse de quem quer que fosse, sobre quaisquer perdas ou danos relacionados com tal transporte, apenas tendo tomado conhecimento da reclamação por atraso quando agora foi citada a pedido da Ré.
117. A Chamada ML nunca deu qualquer informação sobre alegado mau tempo, quer durante a viagem do THIES MAERSK, com escala prevista em Algeciras antes de escalar o porto de Tanger, nem na viagem do CHARLOTTE MAERSK deste porto para o destino final.
118. As viagens e escalas daqueles navios nas datas previstas ficaram confirmadas após a sua realização, tendo decorrido sob as condições de tempo e mar normais para aquela altura do ano e sem que se tivesse registado qualquer temporal.
119. A Chamada ML desconhecia então em absoluto se havia outros interessados no carregamento para além do carregador e recebedor identificados no Seawaybill.
*
120. O contentor foi entregue no terminal do porto de embarque (Leixões) pela Chamada GP, já fechado e selado, tendo sido apostos no Seawaybill os dizeres
seguintes: Said to Contain e Shippers Load Stow Weight and Count.
121. A Chamada desconhecia o que foi acondicionado no interior do contentor, os pesos de cada volume e o número destes.
*
122. Nos termos da certidão permanente do seu registo comercial (junta a fls. 283- 285 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a Chamada GP tem como objecto social a:
a) Organização de serviços internacionais de transporte marítimo e aéreo de mercadorias bem como organização do transporte terrestre das mesmas quando acessórias daqueles;
b) Prestação de serviços de natureza logística e operacional, incluindo o planeamento, controlo, coordenação e direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, bem como a gestão dos fluxos de bens ou mercadorias, a mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de empresas transportadoras e a execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidas, incluindo quanto à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.
123. A Chamada GP dedica-se ao exercício da actividade transitária, estando licenciada ao abrigo de Alvará n.º 795/2010 emitido pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, junto a fls. 286 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
124. Nem a Autora nem a Ré informaram a Chamada GP dos termos do acordo celebrado entre ambas, dos prazos ou dos valores convencionados.
125. A Chamada GP foi contactada pela Ré para efectuar o transporte de mercadorias por via marítima de Leixões (Porto) com destino ao porto de Jebel Ali (Dubai).
126. A Chamada GP aceitou efectuar o referido transporte de mercadorias por via marítima, em sistema de grupagem.
127. A Ré contratou então a Chamada GP apenas para efectuar o transporte de mercadorias do Porto de Leixões – Dubai, sem viagem de regresso.
128. Uma vez que não dispõe de navios próprios, contactou a Chamada ML para efectuar o transporte material das mercadorias em causa.
129. No dia 16 de Fevereiro de 2011, a Chamada ML emitiu a Release Order de fls. 288-289 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nos temos da qual declarou a seguinte informação do plano de viagem:
- Partida do terminal de Leixões no navio THIES MAERSK com ETD (data prevista de embarque) a 23-02-2011;
- ETA (data prevista de chegada) a Port Tangier Mediterranee no dia 26-02-2011, sujeito a transbordo de carga;
- Partida do terminal de Port Tangier Mediterranee no navio CHARLOTTE MAERSK com ETD (data prevista de embarque) a 05-03-2011;
- ETA (data prevista de chegada) a Jebel Ali Terminal no dia 19-03-2011.
130. No mesmo dia (16 de Fevereiro de 2011 – 15:47h) a Chamada GP transmitiu à Ré – através do e-mail de fls. 290-291 e cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido – todos os elementos de embarque, a saber:
- Contentor de carregamento
- Navio de embarque;
- Data prevista de partida de Leixões (ETD);
- Transbordo Porto Tangier;
- Data prevista de partida (ETD) de Tangier e navio de embarque;
- Data prevista de chegada (ETA) a Jebel Ali.
131. No dia 15 de Fevereiro de 2011 a Chamada GP recebeu da Trucking – Transportes, Lda. a informação – junta a fls. 292 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – de que “a carga do cliente Aber” já se encontrava em armazém.
132. No dia 17 de Fevereiro de 2011, a Chamada GP recebeu da Ré a Declaração de Exportação com os detalhes para preenchimento do conhecimento de embarque, junta a fls. 293 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
133. No dia 22 de Fevereiro de 2011, a carga foi embarcada no navio THIES MAERSK
que zarpou de Leixões com destino a Port Tangier Mediterranee, tendo então sido emitido o Non-Negotiable Waybill n.º 553337867 junto a fls. 294 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
134. Nesse mesmo dia (22 de Fevereiro de 2011), a Chamada GP emitiu o Bill of Lading – junto a fls. 302 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – com indicação de carga clean on board.
135. Após a chegada a Port Tangier Mediterranee, o contentor que continha a carga da Autora foi sujeito a transbordo e embarcado no navio Charlotte Maersk que zarpou de Tangier com destino a Jebel Ali no dia 5 de Março de 2011, conforme havia sido comunicado à Ré.
136. A carga chegou a Jebel Ali (Dubai) na data prevista – dia 19-03-2012.
137. A Ré nunca contactou a Chamada GP no sentido de reportar e/ou reclamar de qualquer erro ou atraso no serviço prestado.
138. No dia 17 de Março de 2011 a Ré confirmou à Chamada GP um pedido de transporte de mercadorias, por via marítima, de Dubai para Leixões, que havia sido solicitado nos dias anteriores.
139. Tais mercadorias foram entregues/colocadas à disposição da Ré pela Chamada GP no dia 12-05-2011.
140. A Chamada GP jamais participou nas comunicações travadas entre Autorae Ré.
141. Só após 11 de Março de 2011 é que a Ré solicitou à Chamada GP o retorno da carga, o que nunca até à data havia sido contratado.
142. No dia 15 de Março de 2011 a Chamada GP informou/confirmou à Ré que seria possível efectuar o retorno da carga sem a mesma ser sujeita a desalfandegamento, conforme solicitado.
143. Nessa data solicitou confirmação da Ré no negócio celebrado de retorno da carga com instruções para proceder ao mesmo.
144. No dia 17 de Março de 2011, a Chamada GP questionou novamente a Ré sobre a intenção de devolver a carga a Portugal, tudo nos termos do e-mail de fls. 295, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
145. Apenas no dia 17 de Março de 2011 a Ré confirmou à Chamada GP a intenção de devolver a carga sem ser desalfandegada, apelando à redução dos custos associados, tudo nos termos do e-mail de fls. 295, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
146. A Chamada GP informou a Ré dos custos associados através de e-mail datado de 17 de Março de 2011, junto a fls. 296-297, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
147. No dia 22 de Março de 2011, a Chamada GP informou a Ré sobre os serviços disponíveis para o retorno da carga, tendo nessa data a Ré confirmado todos os itens acordados e ordenado que se procedesse ao retorno da carga, tudo nos termos dos emails de fls. 298-300 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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148. A Chamada Catlin celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil para transitários, titulado pela apólice n.º RMCT-760-2010L627, cujo tomador e segurado é a Chamada GP e condições particulares e gerais constam de fls. 307-351, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor.
149. A referida apólice tinha como vigência o período compreendido entre 18 de Junho de 2010 e até 17 de Junho de 2011.
150. Nos termos da referida apólice, apenas se encontram cobertos os sinistros decorrentes da actividade transitária da Chamada GP, tal como definida nas condições gerais e particulares daquele documento.
151. A cobertura intitulada de “responsabilidade profissional”, prevista na Secção 6 das coberturas da mencionada apólice tem como capital máximo seguro a quantia de €250.000 por cada ocorrência, sempre dedutível da franquia contratada, a cargo da Chamada GP, equivalente a €800 sobre o valor da reclamação em cada ocorrência [condições particulares da apólice, secção 6, p. 4 – fls. 310 dos autos].
152. Nos termos da Secção 6 das coberturas da apólice em apreço não se encontram cobertas as reclamações efectuadas um ano após o término da vigência do contrato de seguro [condições gerais da apólice, Secção 6, p. 25, exclusões (d) – fls. 331 dos autos].
153. A Chamada Catlin nada acordou com Autora e Ré para além de que não participou nas negociações que estas estabeleceram tendo em vista a deslocação das mercadorias em causa nos autos.
154. A Chamada Catlin desconhecia o valor, peso, forma de embalagem e acondicionamento das referidas mercadorias.
155. À data da sua citação para os presentes autos, nenhuma reclamação ou participação foi apresentada à Chamada Catlin pela Chamada GP.
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A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. Autora e Ré acordaram na mesma ocasião o transporte de ida e volta das mercadorias, entre a Maia e o Dubai.
2. A mercadoria da Autora a transportar seria para comercializar na Feira Internacional do Dubai.
3. No exercício da sua actividade, a Ré foi contactada pela Autora para apresentar uma cotação para a realização de um transporte por via marítima de duas paletes de mercadoria do porto de Leixões para o porto de Jebel Ali (Dubai).
4. A Ré não sabia se as mercadorias iriam ser vendidas durante a feira, situação normal neste tipo de eventos.
5. É do conhecimento público que, no âmbito do transporte marítimo, apenas se pode fornecer estimativas, em termos de tempo de execução do transporte, porquanto essa mesma execução está logicamente dependente de factores que são alheios à vontade dos operadores, como é o caso das condições meteorológicas e de navegação dos navios.
6. O contentor contendo a mercadoria da Autora embarcou no navio THIES MAERSK no dia 18 de Fevereiro de 2011 com destino a Tanger.
7. O tempo de viagem de Leixões para Tanger é, em condições normais, de 2 dias.
8. Sucede que, devido ao mau tempo, a viagem para Tanger demorou o dobro do tempo previsto.
9. O navio apenas chegou a Tanger a 22 de Fevereiro, ou seja quatro dias depois de ter saído de Leixões.
10. O transbordo do contentor para o segundo navio estava inicialmente previsto para o dia 21 de Fevereiro de 2011.
11. A demora na realização da viagem desde Leixões, provocada pelas condições meteorológicas, fez perder a ligação e consequente transbordo do contentor para o navio da Chamada ML que saiu do porto de Tanger no dia 21 de Fevereiro de 2011.
12. Durante a viagem até Jebel Ali também se verificou mau tempo, o que provocou atrasos na realização do transporte.
13. O tempo de viagem foi de 19 dias: ou seja, 4 dias de Leixões a Tanger e 15 dias de Tanger a Jebel Ali (Dubai), ou seja, dentro da previsão apresentada inicialmente pela Ré.
14. Aos referidos 19 dias haveria sempre que acrescentar 1 dia para o transbordo em Tanger, totalizando assim 20 dias.
15. Perdida a ligação em Tanger prevista para 21 de Fevereiro de 2011, o contentor ficou retido naquele porto durante 10 dias.
16. O que foi acordado com a Ré foi tão-somente o transporte das mercadorias por via marítima desde o Porto até ao Dubai.
17. No dia 16 de Fevereiro de 2012, a Chamada ML emitiu a Release Order de fls. 288-289
18. No dia 15 de Março de 2011 a Chamada GP recebeu da Trucking – Transportes, Lda. a informação – junta a fls. 292 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – de que “a carga do cliente A” já se encontrava em armazém.
19. No dia 22 de Março de 2011, a carga foi embarcada no navio THIES MAERSK
20. A Autora é uma das fabricantes, desta área, com maior relevância no mercado internacional.
21. A Autora mantém com os seus clientes um relacionamento pautado pela confiança e fiabilidade, consolidadas ao longo de todos estes longos anos.
22. A Autora tem como imagem de marca a inovação e dinamismo da constante procura de progressos tecnológicos.
23. A Autora, no desenvolvimento da sua actividade, utiliza os melhores equipamentos produtivos disponíveis no mercado e os melhores métodos de controlo de qualidade, fazendo com que os seus produtos sejam tidos como de excelência.
24. A par da Autora são poucas as empresas, a nível mundial, que desenvolvem este tipo de actividade e que comercializam este género de produtos e serviços.
25. A Autora esteve presente na feira sem ter apresentado qualquer tipo de publicidade.
26. O estudo de mercado efectuado pela Autora antes da inscrição na Feira e a participação noutros eventos similares, designadamente na Rússia, revelavam que o resultado obtido com tal participação cifrava-se num lucro de €500.000.
27. O mercado do Middle East é de dimensão superior à do mercado Russo e de elevado prestígio. (cf. Documento n.º 1 ,2 e 3)
28. O mercado Russo é um mercado bem mais pequeno do que o Middle East.
29. A Autora viu a sua imagem denegrida neste mercado do Middle East, sendo a sua recuperação extremamente difícil.
30. Na região abrangida pelo Mercado Russo, existem apenas dois grandes concorrentes que dificultam (e muito) a entrada da Autora neste mercado.
31. No mercado do Middle East não existia, aquando da realização da Commercial Vehicles Middle East em 2011 no Dubai, qualquer concorrente directo da Autora.
32. Na Commercial Vehicles Middle East realizada no Dubai de 14 a 16 de Março de 2011 compareceram 3000 visitantes.
33. A Autora figurava como participante no cartaz da Feira.
34. Com a ausência na Commercial Vehicles Middle East, a Autora deixou de vender no mercado do Middle East €2.000.000.
35. Para efectuar tal volume de vendas, a matéria-prima, a mão-de-obra, aelectricidade e os consumíveis das máquinas a utilizar na realização dos produtos a comercializar tinham o custo de €720.000, €336.000, €55.000 e €44.000, respectivamente.
***
O MÉRITO DO RECURSO
A. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
i. A impugnação deduzida pelo recorrente: Os factos não provados n.º 2, 4, 26, 27, 28, 29 e 34
Pretende o recorrente que os factos não provados e 2 e 4 deverão passar a constar do elenco dos Factos Provados. São eles:
«2. A mercadoria da Autora a transportar seria para comercializar na Feira Internacional do Dubai.»
«4. A Ré não sabia se as mercadorias iriam ser vendidas durante a feira, situação normal neste tipo de eventos.»
Pretende a recorrente que se dê «25. (…) como provado que a mercadoria transportada se destinava a ser exposta na feira como protótipo de alta finalidade de forma a proporcionar a venda de inúmeras, de muitíssimas, outras unidades. 26. Dependendo tal exposição dos mesmos do sucesso e otimização do tempo, subjacentes à posterior venda de unidades dos mesmos. 27. E também como provado que a finalidade subjacente à exposição dos protótipos era a venda de unidades desses modelos.»
A pretensão da recorrente não é que os aludidos factos não provados 2 e 4 se considerem provados, mas que se considere apurado que a mercadoria transportada se destinava a ser exposta na feira como protótipo de alta finalidade de forma a proporcionar a venda de inúmeras, de muitíssimas, outras unidades e que a finalidade subjacente à exposição dos protótipos era a venda de unidades desses modelos.
Nenhuma fundamentação é apresentada pela recorrente para que se considere provado que a mercadoria a transportar seria para ser comercializada na Feira Internacional do Dubai e que a recorrida não sabia se as mercadorias iriam ser vendidas (factos não provados 2 e 4) pelo que não pode, senão, manter-se a decisão recorrida neste tocante.
Relativamente aos factos pretendidos aditar pela recorrente - «a mercadoria transportada destinava-se a ser exposta na feira como protótipo de alta finalidade de forma a proporcionar a venda de inúmeras, de muitíssimas, outras unidades.» e «a finalidade subjacente à exposição dos protótipos era a venda de unidades desses modelos.» - os mesmos constituem já matéria provada e constituem os factos 87 e 88, que refletem a matéria alegada pela recorrente nos artigos 20º a 22º da réplica («87. As mercadorias não eram para comercializar/vender, pois tratavam-se dos protótipos para fazerdemonstrações e do stand onde os mesmos iam estar em exposição. 88. O stand de exposição a instalar na Feira também não era para vender.»), resultando, ainda, dos factos provados 32 e 14 (32. A Autora, com a participação na feira Internacional do Dubai de 2011, designada de “Commercial Vehicles Middle East”, esperava vender os seus produtos na mesma proporção, senão mais, do que tinha conseguido no Mercado Russo; 14. (…) as mercadorias e acessórios tinham como finalidade a sua exposição na Feira Internacional do Dubai Commercial Vehicles Middle East, Dubai International.).
Carece, assim, de fundamento a pretensão de que os factos 2 e 4 não provados passem a provados e é despiciendo o aditamento dos factos pretendidos, os quais já constituem matéria assente.
Improcede, consequentemente, a pretensão deduzida.
*
Pretende a recorrente que se considerem provados os seguintes factos:
«26. O estudo de mercado efectuado pela Autora antes da inscrição na Feira e a participação noutros eventos similares, designadamente na Rússia, revelavam que o resultado obtido com tal participação cifrava-se num lucro de €500.000.
27. O mercado do Middle East é de dimensão superior à do mercado Russo e de elevado prestígio. (cf. Documento n.º 1 ,2 e 3)
28. O mercado Russo é um mercado bem mais pequeno do que o Middle East.»
Fundamenta tal pretensão no depoimento da testemunha NM e nos documentos 1, 2 e 3 juntos aos autos.
A decisão recorrida considerou não provados tais factos, fundamentando tal decisão nos seguintes termos:
« (…) A motivação apurada da Autora na participação da Commercial Vehicles Middle East de 2011 e a importância de tal feira naquele ponto do globo foram sustentadas coincidentemente pelo legal representante da Autora e as testemunhas AN e NM e encontraram o devido apoio nas notas de marketing e recortes noticiosos acima referidos. Contudo, nem o legal representante da Autora nem as testemunhas AN e NM conseguiram explicar a partir de dados oficiais quer a grandeza do mercado do Médio Oriente por comparação com o da Rússia, quer os players que neles actuam, quer o volume de vendas de camiões passíveis de serem equipados com os produtos da Autora (veja-se a este propósito que a nota de fls. 456-457 refere-se a veículos vendidos no Médio Oriente com peso bruto superior a 4 t até ao primeiro trimestre de 2011 e os mapas de fls. 458-459 dizem respeito a veículos vendidos na Rússia com peso bruto inferior a 5t nos primeiros nove meses de 2014), tendo-se limitado a referir generalidades não suportadas em qualquer instrumento proveniente de fonte fidedigna (note-se que nos autos não constam quaisquer documentos públicos nem os propalados estudos de mercado que ditaram a participação no certame) ou externa (como relatos de clientes ou análises publicadas em revistas da especialidade), razão pela qual não se logrou assentar o peso e a imagem da marca A a nível mundial, o relacionamento da Autora com os seus clientes, a concorrência directa da Autora, o volume de vendas que era suposto realizar na sequência da participação no certame nem a medida do lucro que daí adviria para a Autora.(…)»
De facto, a testemunha NM, técnico comercial na recorrente no período de 14 de Fevereiro a 30 de Junho de 2011, que esteve no Dubai no periodo da feira a que os autos se referem, que depôs aos factos 26 a 28, não concretizou as afirmações que efectuou, limitando-se a relatar generalidades, depoimento que não tendo sido corroborado por qualquer outro meio de prova, não permitiram formar convicção positiva sobre tais factos, secundando-se integralmente o que a tal propósito está exarado na decisão recorrida que é inteiramente de sufragar.
A recorrente, afirmando ter efectuado um estudo de mercado, não o juntou aos autos, fazendo referência na sua alegação aos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos aos autos (53ª Conclusão), sem especificar o momento da sua junção e que só pode pretender referir-se aos que foram juntos com o seu requerimento de 17.11.2014, na sequência do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, que não constituem qualquer estudo de mercado, desconhecendo-se as fontes dos dados ali enunciados nem os mesmos justificam as extrapolações efectuadas pela recorrente.
É, assim, de manter os factos não provados 26, 27 e 28.
*
Apreciemos a impugnação do facto 29.
Considerou o Tribunal não provado o seguinte facto, elencado em 29., que a recorrente pretende seja considerado provado: «29. A Autora viu a sua imagem denegrida neste mercado do Middle East, sendo a sua recuperação extremamente difícil.»
Alicerça tal pretensão nos depoimentos de AN e NM, dos quais resulta, nos termos alegados «34. Pois, destes depoimentos resulta que se a Autora tivesse a convicção plena de que a mercadoria não iria chegar mesmo à Feira, era preferível não ter ido à Feira, tal fora a humilhação e má imagem que dela ficou.»
A decisão que considerou provados estes factos, fundamenta-se da seguinte forma:
«O legal representante da Autora e as testemunhas AN e NM explicaram igualmente que a falta de stand próprio acabou por condicionar a presença da Autora na Feira, a angariação de potenciais novos clientes (mas não a perda dos existentes, já que a A queria entrar num mercado onde ainda não estava presente) e motivar a atitude apurada de alguns dos seus concorrentes junto dos potenciais compradores – o que é natural em qualquer mercado competitivo, no qual grande parte do sucesso das empresas passa por explorar as fraquezas dos competidores directos – assim como o sentimento de frustração sentido pela delegação da demandante. Ademais, e como parece evidente, a participação num certame apenas com folhetos publicitários e desacompanhada da montra dos produtos fabricados acaba sempre por se transformar numa presença pobre e sem grande retorno comercial. Ainda assim, o certo é que a Autora decidiu participar na Feira, pois quando o legal representante da Autora e as testemunhas AN e NM rumaram ao Dubai – dia 12 de Março de 2011 (cf. factura da agencia de viagens de fls. 31) – já se sabia que o expositor não iria chegar a tempo do evento, tanto mais que havia sido dada a ordem do seu regresso no dia anterior (e-mail de fls. 79, datado de 11 de Março de 2011). Ficou, pois, por apurar qualquer dano na imagem da Autora no mercado do Médio Oriente e – a existir – que não pudesse ser revertido em certames futuros, como aqueles que aconteceram nos anos seguintes (fls. 476-486). A não ser assim, a Autora – com toda a sua experiência e conhecimento que alegou ter do mercado do Médio Oriente – jamais teria participado, como participou, no certame em apreço.»
Subscrevemos inteiramente a motivação explanada.
De facto, do depoimento das testemunhas AN e NM não resulta mais do que o que se provou e constituem os factos provados 39 e 40: «39. Ao participar na Commercial Vehicles Middle East sem o expositor próprio, a Autora sentiu-se ultrapassada e humilhada pela concorrência, a qual divulgava entre os potenciais clientes que a Autora nem uma feira conseguia organizar, quanto mais prestar um bom serviço ou vender um bom produto. 40. Acresce que a participação em tal evento somente com os seus funcionários causou a estes mal-estar perante a organização da Feira, demais participantes, clientes e potenciais clientes e fornecedores.»
A recorrente decidiu participar na Feira, sabendo que o expositor não iria chegar a tempo do evento (tendo até já sido dada a ordem do seu regresso no dia anterior), pelo que ponderou o risco de aí participar sem a mercadoria, risco que se veio a concretizar nos apurados factos 39 e 40, mas não numa imagem denegrida de recuperação extremamente difícil ou jamais a recorrente teria ponderado a participação naqueles termos.
Improcede a impugnação do identificado facto.
*
No que se refere ao facto não provado elencado em 34., pretende a recorrente que o mesmo se apurou.
Este o facto: «34. Com a ausência na Commercial Vehicles Middle East, a Autora deixou de vender no mercado do Middle East €2.000.000.»
Alicerça a recorrente a prova deste facto em prova testemunhal e documental:
«39. Também aqui a prova testemunhal, pela experiência que tiveram na realização de outras feiras, como foi o exemplo da Feira que decorreu na Rússia, foram claros em afirmar que aquela Feira lhes trouxera uma nova carteira de clientes, tal como era expectável suceder com a Feira do Dubai. 40. Por outro lado, no que concerne a este facto considerado Não Provado, há que realçar a prova documental, designadamente, mapas estatísticos referentes á importação de camiões na Rússia entre Janeiro e Setembro de 2014; mapa de vendas efetuadas no Médio Oriente em 2011-2012 e mercado russo em 2007-2013; e ainda Modelo 22 da Autora relativos aos anos de 2009-2014, que serviram de base e suporte para considerar como Factos Provados os constantes no ponto 32, 37 e 38 da sentença o que torna a mesma, até, perplexa ao considerar como não provado que a Autora com a ausência na Feira Internacional do Dubai deixou de vender naquele mercado específico €2.000.000 (dois milhões de euros), quando dos factos provados resulta o inverso, 41. Pelo que, cumpre, também aqui nesta sede, salientar que, mesmo que assim não fosse, o que não se concede, sempre se chegaria à mesma conclusão através dos factos notórios e das máximas de experiência, que são suportes das presunções judiciais, definidas no art.º 349.º do Código Civil, doravante C.C., como sendo as ilações que a julgadora tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (…)»
Pretende, pois a recorrente, que se extraiam presunções judiciais e, assim, que de um facto conhecido – o valor facturado com a Feira realizada na Rússia, em 2008, sendo a Rússia um mercado de menor dimensão do que os Emirados Árabes Unidos – se apure que as vendas globais seriam superiores no mercado de Middle East.
Dos factos provados 32, 37 e 38, pretende a recorrente que se considere provado o facto 34 tido por não provado.
Alicerça ainda a prova de tal facto nos depoimentos das testemunhas NM e AN.
Apreciando.
Os suportes documentais em que a recorrente alicerça a prova deste facto não permitem formar tal convicção, nem os referidos depoimentos, como enunciado na decisão recorrida e extractado acima a propósito da falta de apuramento dos factos 26, 27 e 28., por genéricos e insuficientes.
Igualmente os factos apurados 32, 37 e 38 («32. A Autora, com a participação na feira Internacional do Dubai de 2011, designada de “Commercial Vehicles Middle East”, esperava vender os seus produtos na mesma proporção, senão mais, do que tinha conseguido no Mercado Russo; 37.A participação na Commercial Vehicles Middle East sem o expositor próprio (que é utilizado em todas as Feiras em que participa) fez com que a Autora não conseguisse exibir aos potenciais clientes as amostras globais de todos os produtos por si fabricados e vendidos. 38. Na Feira que teve lugar em 2008 na Rússia, a Autora conseguiu angariar cinco novos clientes, o que se reflectiu nas seguintes vendas globais, desde 2008:- Ano de 2008: €8.184,50; - Ano de 2009: €417.696,91; - Ano de 2010: €1.105.986,28; - Ano de 2011: €908.165,72; - Ano de 2012: €1.020.496,13; - Ano de 2013: €885.325,52.») não permitem considerar provado o facto 34.
Da angariação de cinco novos clientes na Feira que teve lugar na Rússia e dos proventos daí resultantes, com reflexos nas vendas globais desde 2008, bem como das expectativas de venda da recorrente com a sua participação na Feira do Dubai, não pode inferir-se que a mesma tenha deixado de vender no mercado do Middle East €2.000.000, como explicitou a decisão recorrida, pela ausência de comparação entre ambos os mercados, como explanado detalhadamente na fundamentação dos factos da decisão recorrida, que se acompanha.
É, pois, de manter o facto 34 como não provado.
*
Improcede, consequentemente na sua íntegra, a alteração da matéria de facto impugnada.
***
ii. A ampliação da matéria de facto pretendida pela recorrida.
Considerando a improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente, fica prejudicado o conhecimento da impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrida a titulo subsidiário (artigo 636º, nº 2, do CPC).
***
B. O MÉRITO DA CAUSA: O LIMITE INDEMNIZATÓRIO FIXADO NO ARTIGO 4º, Nº 5, DA CONVENÇÃO DE BRUXELAS.
Pretende a recorrente que não poderia ser limitada a responsabilidade da recorrida, pela aplicação da limitação do art.º 4 n.º 5 da Convenção de Bruxelas, sem mais, olvidando a
decisão recorrida que foi a Ré quem, precisamente, deu causa intencional aos danos sofridos pela Autora.
De facto, argumenta a recorrente, que tendo a recorrida garantido que a mercadoria chegaria antes da data da realização da feira, tendo tal garantia sido prestada por quem conhecia integralmente todos os procedimentos a adoptar com vista à realização do transporte solicitado, cumprindo a convicção de que o transit time iria ser cumprido, nunca tendo alertado, como se lhe impunha, que o atraso do embarque da mercadoria levaria à impossibilidade do cumprimento da data estabelecida para a entrega da mercadoria no destino, levando a recorrente a não participar na Feira Internacional, impedindo-a de angariar novos clientes, sendo ultrapassada pela concorrência sem que realizasse novos negócios, age com manifesto dolo directo, com a intenção de criar danos à recorrente ou pelo menos dolo eventual.
Na senda do alegado, refere a recorrente a verificação de culpa presumida, não tendo a recorrida adoptado as medidas necessárias e úteis para evitar o dano ou o atraso de acordo com um juízo de prudência razoável efectuado ex ante, tendo como base os parâmetros de profissionalidade do transportador e, assim, não mostrou uma diligência razoavelmente necessária, a qual é exigida do transportador.
Apreciemos.
A decisão recorrida identifica o contrato celebrado entre recorrente e recorrida, como contrato internacional multimodal de mercadorias, por via do qual a segunda se obrigou a efectuar o transporte de duas paletes, uma com as dimensões de 128x130x200 cm e o peso de 1317 kg e outra medindo 156x127x104 e pesando 344Kg, desde as instalações da primeira, sitas na Maia, para o Dubai, a troco do pagamento da retribuição de €525,66 (factos provados n.ºs 9-11).
As mencionadas paletes continham equipamentos diversos que se destinavam à montagem a apetrechamento do stand com que a Autora pretendia participar na Commercial Vehicles Middle East, a realizar no Dubai, no período compreendido entre 14 e 16 de Março de 2011 (factos provados n.ºs 9 e 12), paletes que foram transportadas por via rodoviária desde as instalações da Autora até ao porto de Leixões e que daqui seguiram por via marítima até ao porto de Jebel Ali, no Dubai, de onde deviam ser deslocadas novamente por via rodoviária até ao pavilhão da Feira na qual a demandante ia participar (cf. a este propósito a guia de transporte da TRUCKING de fls. 301e os factos provados n.ºs 101 e 131).
«Este door to door tranport ou transport de bout en bout – composto por duas fases rodoviárias e uma marítima, cada uma delas dotada de autonomia própria – significa que Autora e Ré celebraram um contrato de transporte multimodal internacional de mercadorias, actuando a demandada na veste exclusiva de transportadora e a demandante na de carregadora e destinatária.»
Identificado o referido contrato, foi igualmente considerado que a causa do atraso da mercadoria entre os lugares pré determinados ocorreu na fase marítima do transporte, questão sobre que não há controvérsia entre as partes, bem como não está em discussão que as chamadas GP e ML cumpriram ponto por ponto as obrigações que estabeleceram entre si, assim como a primeira executou pontualmente a prestação que assumiu perante a Recorrida.
Importa, assim, que nos detenhamos na circunstância, apurada, de a Ré não ter feito chegar ao destino, no prazo acordado, a mercadoria que a Autora lhe entregou para transporte.
Nesta sede e quanto ao regime aplicável ao atraso da Ré na entrega da mercadoria da Autora, entendeu a decisão recorrida que:
«Conforme acima foi notado, a ausência de regime aplicável ao contrato de transporte (multimodal) celebrado entre Autora e Ré carece de ser superada mediante a aplicação do regime correspondente a cada modo, não havendo assim um regime, mas antes vários regimes. Isto significa que a leg marítima do transporte da mercadoria da Autora, na medida em que se traduziu numa deslocação entre um porto nacional e um outro estrangeiro e mostra-se titulada por documentos emitidos em Portugal (quer o Forwarder Bill of Lading da Ré, quer o Bill of Lading da Chamada GP apresentam como local de emissão Leixões, Portugal), está prioritariamente sujeita à disciplina fixada pela Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimentos, vulgarmente designada por Convenção de Bruxelas de 1924 (art.º 10.º do texto internacional).
A Convenção de Bruxelas de 1924 corresponde a um dos esforços da unificação jurídica internacional que tem vindo a ser desenvolvido desde finais do século XIX no domínio particular do contrato de transporte marítimo de mercadorias. Ela é fruto ao labor desenvolvido pelo Comité Marítimo Internacional e pelas conferências diplomáticas reunidas em Bruxelas, o qual se centrou em torno de determinadas questões de maior incidência prática e sem qualquer veleidade de regulação sistemática.
Globalmente, a Convenção de Bruxelas de 1924 significou a introdução de um regime internacional e uniforme no qual se limitam as cláusulas de exoneração da responsabilidade do transportador e se regulam algumas questões do transporte marítimo internacional de mercadorias. Estabeleceu o mínimo de obrigações do transportador, o máximo das suas exonerações, o limite da indemnização por avarias de carga e os procedimentos a observar no caso de reclamações por avarias de carga.
Concretamente, a Convenção de Bruxelas de 1924 disciplina certos aspectos do contrato de transporte titulado por um conhecimento de carga ou documento similar criado num dos Estados contratantes e, nos termos do disposto no seu art.º 10.º, a mesma é aplicável quando a deslocação de mercadorias ocorre entre portos que se situam em Estados signatários distintos ou quando no conhecimento se refere a sua aplicação (cláusula Paramount).
(…)
O arco temporal estabelecido na Convenção de Bruxelas abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas [al. e) do art.º 1.º da Convenção], sendo que grosso modo a mercadoria considera-se carregada no momento em que, no porto de carga, transpõe a borda do navio de fora para dentro e considera-se descarregada no momento em que, no porto de descarga, transpõe a borda do navio de dentro para fora.
Para além do arco temporal estabelecido pela Convenção de Bruxelas as partes não estão impedidas de, nos períodos a montante e a jusante moldarem os conteúdos e estipulações, condições concernentes à guarda, cuidado e manutenção da mercadoria (art.º 7.º a contrario da Convenção).
Entretanto, e na sequência da proposta formulada pela Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional, foi publicado o DL n.º 37 748, de 1 de Fevereiro de 1950, cujo art.º 1.º veio estabelecer que «[o] disposto nos artigos 1.º a 8.º da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, publicada no Diário do Governo, 1.ª série, de 2 de Junho de 1932, e rectificada no Diário do Governo, 1.ª série, de 11 de Julho do mesmo ano, será aplicável a todos os conhecimentos de carga emitidos em território português, qualquer que seja a nacionalidade das partes contratantes.» Ademais, o art.º 4.º do mesmo DL n.º 37 748 estipulou que «[o] presente diploma aplica-se a todo o território da República a partir de 1 de Março de 1950.»
O DL n.º 37 748 incorporou, assim, os art.ºs 1.º a 8.º da Convenção de Bruxelas de 1924, enquanto lei uniforme ou lei modelo, na ordem jurídica portuguesa fazendo com que aqueles normativos começassem a ser aplicados como direito interno nos transportes internos titulados por um conhecimento, embora pondo a tónica na nacionalidade das partes e não na localização dos portos. E juntamente com os art.ºs 540.º a 558.º do CCom passou a constituir o quadro normativo interno que regulava os conhecimentos de carga.
Posteriormente, foi publicado o DL n.º 352/86, de 21-10, o qual manteve a orientação do DL n.º 37.748 ao determinar no seu art.º 2.º que o contrato de transporte (e, portanto, o transporte interno de mercadorias por mar) – definido nos termos acima fixados – fica sujeito aos tratados e convenções a que Portugal se ache internacionalmente vinculado e só subsidiariamente às normas deste diploma. O DL n.º 352/86 procedeu ainda à revogação dos art.ºs 497.º, 538.º a 540.º e 559.º a 561.º do CCom.
Tal significa que à fase marítima dos transportes internacionais – como é o dos autos – aplica-se prioritariamente a Convenção de Bruxelas e subsidiariamente o DL n.º 352/8636.»
Mostra-se, assim, bem definido o regime legal aplicável o que, igualmente, não é objecto de discussão entre as partes.
Nesta sede, continua a decisão recorrida:
«O relativo silêncio da Convenção de Bruxelas acerca da entrega e ausência absoluta de regulação do atraso da mesma pode ser explicado por dois factos. O primeiro repousa na própria singularidade do transporte marítimo à data da elaboração do regime uniforme e na escassa importância atribuível ao atraso, pois, sendo a maior parte dos navios a vapor e a duração das viagens extremamente aleatória, a demora era não apenas fenómeno possível, mas também quase inevitável, pelo que se revelava extremamente difícil efectuar uma previsão mais ou menos apurada da data de chegada das naves aos portos de destino. O segundo traduz-se na decisão tomada pelos próprios redactores da Convenção de não incluírem no texto final qualquer referência ao atraso por forma a permitir aos juízes nacionais interpretarem livremente o regime uniforme, nele incluindo ou não a demora como uma das causas de responsabilidade do transportador.
Cabe então perguntar se o regime convencional disciplina a responsabilidade do transportador pelo atraso na entrega da mercadoria. A resposta não pode deixar de ser afirmativa, sob pena de se frustrar o propósito unificador normativo, coerente e alargado, visado pelo texto internacional.
Com efeito, e por um lado, a Convenção de Bruxelas estabelece uma presunção de responsabilidade – ou melhor dizendo, uma responsabilidade de pleno direito – do transportador marítimo pelos danos sofridos pela carga (ou sua perda) durante o período coberto pelo contrato de transporte (art.ºs 2.º, 3.º, n.ºs 1, 2 e 8, e 4.º da Convenção). Esta presunção – juris tantum – radica na circunstância dupla de o contrato de transporte impor ao transportador uma obrigação de resultado e de os interessados na carga (carregador/expedidor ou destinatário) não terem qualquer controlo físico da aventura marítima e do emprego do navio. Ademais, o texto internacional faz impender sobre o transportador o ónus da prova dos factos exoneratórios da sua responsabilidade presumida relativamente aos factos especificados na als. a) a p) do n.º 2 do art.º 4 da Convenção, por se tratar de factos extintivos do direito do autor (art.ºs. 342.º, n.º 2, do CC e 4.º, n.ºs 1 e 2, da Convenção). Ou seja, parte-se de uma particular presunção de responsabilidade do transportador pelos danos provados, ficando, assim e à partida, invertido o onus probandi, não cabendo ao interessado na carga provar o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento culposo do transportador. Todavia, tratando-se de uma presunção juris tantum, poderá o transportador ilidi-la, demonstrando que o dano ocorrido resultou da inavegabilidade do navio (não obstante ter actuado com a diligência razoável) ou de outros factos excludentes da sua responsabilidade (ligados aos perigos inerentes da aventura marítima ou a circunstâncias que não lhe são imputáveis, como o defeito da mercadoria ou da embalagem e os actos do próprio carregador ou terceiros (autoridade pública, piratas, inimigos públicos, etc...) –, os quais revertem a presunção de responsabilidade que o onerava e despoletam uma nova presunção, desta feita, de não responsabilidade do transportador, conquanto esta possa ser afastada pelo autor, devendo para tanto este provar que houve culpa daquele (culpa pessoal do transportador ou culpa comercial dos seus auxiliares). Seja como for, parece indiscutível que a responsabilidade (presumida) de pleno direito do transportador significa que este deve indemnizar quando, em consequência do incumprimento das suas obrigações, causa danos – sejam eles quais forem – à mercadoria ou ao interessado na carga.
Por outro lado, a Convenção de Bruxelas preconiza uma responsabilidade por perdas ou avarias de mercadorias sem especificar qual a natureza do dano concernente. Efectivamente, o regime uniforme jamais se refere a danos físicos ou danos de perda ou avaria sofridos pelas mercadorias; diversamente, alude a danos de perda ou avaria causados às mercadorias (art.ºs 3.º, n.ºs 5 e 6, 4.º, n.ºs 1, 2, proémio, 3 e 4, e 7.º da Convenção) ou que lhes digam respeito ou sejam concernentes (arts.º 3.º, n.º 8, e 4.º, n.º 5, da Convenção), abrangendo desta forma os casos de entrega tardia, os quais, aliás, podem desde logo ser reconduzidos à preterição pelo transportador do seu dever de proceder de modo apropriado e diligente ao transporte (art.º 3.º, n.º 2, da Convenção de Bruxelas).
Ademais, cabendo o atraso na previsão das normas que consagram a nulidade de certas cláusulas exoneratórias da responsabilidade do transportador cresce (art.º 3.º, n.º 8, da Convenção) e estabelecem a limitação da mesma responsabilidade (art.º 4.º, n.º 5, da Convenção), deve considerar-se que, por uma questão de coerência e unidade jurídica, todas demais disposições do regime uniforme também o deverão/poderão ser.
Em suma, o atraso na entrega da mercadoria indutor da responsabilidade do transportador deve ser analisado à luz do regime uniforme nos casos em que este se aplica ao contrato de transporte marítimo internacional ou à fase marítima de um transporte multimodal sujeito à sua disciplina. Aliás, e no que concerne a este último, a não sujeição do atraso ao regime da Convenção de Bruxelas – e a consequente aplicação do direito interno – significaria abrir uma brecha irrazoável num quadro jurídico já de si fragmentado, pois os convénios internacionais aplicáveis em matéria de transporte ferroviário, rodoviário aéreo disciplinam todos eles a questão do atraso (fixando determinadas possibilidades de limitação e exoneração da responsabilidade), para além de que acarretaria para o transportador multimodal um incremento injustificado da sua prestação, sem correspondência na contraprestação (leia-se, frete) do carregador ou destinatário da mercadoria, gerador de desigualdade contratual atentatória da boa-fé.»
Definido o regime aplicável nos termos acima descritos, que sufragamos, o qual não merece qualquer reparo centremo-nos, então, na aplicação do artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas e, assim, na verificação dos pressupostos para o afastamento do regime ali estatuído que limita a indemnização a atribuir.
«(…) a aplicação da Convenção de Bruxelas à responsabilidade pelo atraso na entrega das mercadorias significa que, por um lado, valem nesta sede as causas de exoneração da responsabilidade do transportador diante os interessados na carga, previstas no art.º 4.º, n.º 2, als. a) a p) do regime uniforme e que, por outro, devem ser respeitados os limites indemnizatórios fixados pelo mesmo texto internacional no seu art.º 4.º, n.º 5.
No que concerne a estes últimos, e independentemente da natureza dos danos, a indemnização não pode exceder os €498,80 por volume ou unidade da mercadoria que chegou depois do tempo devido (a não ser que tenha havido declaração no conhecimento de carga da natureza e valor dessas mercadorias – art.º 4.º, n.º 5, da Convenção de Bruxelas).», continua a decisão recorrida.
De facto, dispõe este preceito que «Tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declaradas pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento».
Temos, assim, um limite indemnizatório, que apenas pode ser afastado por declaração do carregador e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento, o que não ocorreu no caso em apreço.
Nestes termos decidiu-se, então, que «(…) há lugar à enunciada limitação, pois os danos
sofridos pela Autora e já liquidados são superiores à responsabilidade máxima resultante do funcionamento dos aludidos critérios (€498,80 x 2 = €997,60) e não se vislumbra na conduta da Ré qualquer traço de dolo (directo, necessário ou eventual), excludente de tal benefício».
O afastamento desta limitação é sustentado pela recorrente na circunstância de a Ré ter dado «causa intencional aos danos sofridos pela Autora» (48ª Conclusão). Ocorreu «um incumprimento definitivo compreendido num atraso na execução do contrato, incumprimento esse que faz precludir o limite indemnizatório previsto na CB, já que, como supra se referiu, estamos perante um comportamento doloso, levado a cabo pela Recorrida, com o fito de enganar a Recorrente, afirmando a todo tempo que a mercadoria chegava atempadamente, atuando, assim, com manifesta má-fé, traindo o princípio da confiança que preside à relação contratual.» (58ª Conclusão)
Pretende a recorrente que a limitação da responsabilidade deixa de se verificar nos casos de dolo ou culpa grave do transportador, como resulta da previsão expressa do Protocolo de Visby ( 63ª Conclusão).
Todavia, Portugal não aderiu a tal Protocolo o qual não pode, assim, ser aplicado à situação em litígio.
É certo que o Decreto-Lei n.º 352/86 de 21 de Outubro, como refere o recorrente, fez alusão à referida limitação, mas sem que do seu texto resultasse diversa solução da que advém da Convenção de Bruxelas, no que à situação em apreço se refere e, assim, à indemnização pelos atrasos na entrega de mercadorias transportadas.
«I - A Convenção Internacional para a Unificação de certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25-08-1924, a que Portugal aderiu por Carta de 05-12-1931, foi tornada direito interno pelo DL n.º 37748, de 01-02-1950 e, subsidiariamente, pelas disposições do DL n.º 352/86, de 21-10.
II - O regime da responsabilidade civil do transporte marítimo é excecional em relação ao regime geral porque, para além de um sistema exonerativo de responsabilidade próprio, impõe um limite indemnizatório em favor do transportador, em evidente desvio à função de reparação integral do dano.
III - Caso não seja provada qualquer causa excludente da responsabilidade do transportador, este terá um limite para reparar o dano proveniente do incumprimento da sua obrigação (art.º 4.º, § 5.º, da referida Convenção, alterado pelo art.º 31.º, n.º 1, do citado DL n.º 352/86); só assim não será se as partes tiverem estabelecido uma obrigação indemnizatória que supere esse tecto, o que terão de fazer declarando expressamente – com inserção no conhecimento de embarque – a natureza e o valor da mercadoria.
IV - Não constando do conhecimento de carga qualquer declaração nesse sentido (mas apenas “4 atados de chapa de telha – cada 14,04x1,00x3,2”), não pode o valor das mercadorias ser tomado em conta para a fixação da indemnização pela sua perda, aplicando-se ao caso o limite indemnizatório previsto na 1.ª parte do art.º 4.º, § 5.º, da Convenção.
V - O Protocolo de Visby de 1968 – que introduziu alterações ao limite da indemnização previsto na Convenção de Bruxelas (estabelecendo que aquela devia ser calculada tendo em conta, para além da embalagem ou unidade, o peso da mercadoria) – não foi ainda ratificado por Portugal, pelo que, não tendo sido introduzido na ordem jurídica interna, não é aplicável.»1
Pode, ainda, ler-se no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2016, cujo sumário deixámos transcrito:
«O regime de responsabilidade civil do transporte marítimo é excecional em relação ao regime da responsabilidade civil em geral, porque, para além de um sistema exonarativo de responsabilidade próprio, impõe um limite indemnizatório em favor do transportador, em evidente desvio à função de reparação integral do dano.
Assim, caso não seja provada qualquer uma das causas excludentes da sua responsabilidade e, portanto, tenha uma condenação a seu desfavor, poderá o transportador, em contrapartida, ter um limite para reparar o dano proveniente do incumprimento da sua obrigação.
Tal regime justifica-se como compensação do regime de responsabilidade mais rigoroso que impende sobre o transportador, visando garantir e dar condições económicas para a viabilidade das empresas transportadoras, não desencorajando a sua atividade empreendedora, evitando “uma situação de responsabilidade ilimitada, que teria como consequência a onerosidade excessiva dos serviços de transporte por  mar” – Hugo Ramos Alves “in” Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924 – procurando equilibrar os riscos, os interesses e a posição das partes no contrato de transporte.
Temos, pois, que em princípio e demonstrada a responsabilidade do transportador na produção dos danos, o montante da indemnização a fixar proveniente dessa responsabilidade não pode exceder o limite previsto por aquela Convenção, no referido parágrafo.
E dizemos em princípio, porque as partes e em consonância com a última parte do mesmo parágrafo, podem estabelecer uma obrigação indemnizatória cujo valor monetário esteja acima do teto indemnizatório previsto na Convenção.
Para isso, no entanto, tem o carregador de declarar expressamente, antes do embarque e com inserção no conhecimento de embarque, qual a natureza e o valor da mercadoria.
Só com essa declaração inserida no conhecimento é que o transportador pode avaliar todos os riscos do transporte e aperceber-se que o montante da indemnização que eventual seja da sua responsabilidade ultrapassa os limites estabelecidos no transcrito parágrafo 5º do artigo 4º da Convenção de Bruxelas.
Sendo que aquele conhecimento pode, eventualmente, ter interesse para o transportador determinar o preço do transporte, que pode ser determinado não só pelo volume da coisa transportada mas também pelo seu valor.»
De acordo com o elenco dos factos provados, não resulta qualquer declaração expressa do carregador, antes do embarque e com inserção no conhecimento de embarque, relativa à natureza e o valor da mercadoria. Ora, inexistindo tal declaração, não pode o transportador avaliar todos os riscos do transporte e tomar conhecimento do montante da indemnização que venha a ser eventualmente da sua responsabilidade, para além dos limites estabelecidos no parágrafo 5º do artigo 4º da Convenção de Bruxelas.
Tal informação assume particular relevância, desde logo, para o transportador determinar o preço do transporte, fixação do preço ao qual poderá não ser alheio o valor da coisa transportada.
«O regime de limitação da responsabilidade civil do transportador marítimo de mercadoria está assegurado pelo cálculo do limite máximo do valor objeto da indenização em caso de perda ou avaria da mercadoria transportada.
Em regra, apurado o valor dos danos, cabe aferir se o montante do prejuízo reconhecido pela condenação excede o limite da indenização previsto pela Convenção de Bruxelas, no seu artigo 4º, nº 5, que será o montante máximo da indenização devida.
Somente com o estabelecimento expresso entre as partes, com uma declaração de valor ou outro teto indemnizatório acordado, desde que seja mais favorável ao expedidor, ou por danos que resultem de uma conduta dolosa do transportador é que será possível estabelecer uma obrigação indemnizatória cujo valor monetário seja acima do teto indemnizatório previsto na Convenção.»2
Ao transportador marítimo tem que ser dada a possibilidade de avaliar antecipadamente o montante do dano que pode dar lugar o incumprimento tempestivo da sua obrigação de transportar as mercadorias.
Ora, não foi convencionado entre as partes contratantes um valor indemnizatório que vá para além do valor indemnizatório supletivo a que alude o artigo 4º §5, da Convenção de Bruxelas. Este limite tem como objectivo a declaração, pelo carregador, do valor da mercadoria, com o que se pretende evitar a submissão do transportador ao transporte de mercadorias cujo valor desconhece por lhe serem apresentadas já embaladas, protegendo-o, assim, de pretensões indemnizatórias sem qualquer correspondência com o valor transportado.
O interesse na fixação de um valor indemnizatório assenta na possibilidade de valoração objectiva do dano para que ao transportador seja dado a conhecer qual o montante máximo que pode atingir a sua obrigação de ressarcir o dano produzido, na eventualidade de perda das mercadorias transportadas ou de atraso na sua entrega, sopesando o interesse na celebração do contrato de transporte e o risco assumido.
De facto, obsta-se, com a fixação deste tecto indemnizatório, a uma responsabilidade ilimitada, equilibrando as prestações de quem paga por um serviço de transporte e de quem corre o risco de, não o fazendo atempadamente, vir a ser responsabilizado por montantes exponencialmente desproporcionais ao preço do serviço prestado. Veja-se, que no caso, o preço contratado pelo transporte foi de €525,66 (facto 19) e o pedido na presente acção é de €565.033,33.
Assim, no Direito Marítimo, contrariamente ao regime regra da responsabilidade civil com assento no Código Civil, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré-definida na lei, nos termos acima enunciados. A Convenção de Bruxelas, para além de definir causas próprias de exoneração da responsabilidade, fixa um limite indemnizatório, ao arrepio da regra geral de reparação integral do dano. E apenas se as partes declararem diversamente tal limite é excedido.
Este é o regime regra.
«No Direito Marítimo, a responsabilidade civil adquire contornos dogmáticos específicos que a diferenciam do sistema tradicional.
O sistema tradicional da responsabilidade civil é assentado na premissa de que a parte responsável pelo incumprimento de uma obrigação ou quem ilicitamente causar dano a outrem fica obrigado a reparar integralmente o prejuízo suportado pelo lesado. No Direito Marítimo, a responsabilidade do transportador de mercadorias por incumprimento do contrato é sempre limitada a uma quantia pré-fixada pela Lei.
Além de um sistema exonerativo próprio, com causas definidas e arroladas em extenso elenco, cuja presença afasta a responsabilidade de reparar o dano provocado na mercadoria transportada, o regime da responsabilidade civil do transportador marítimo também é excepcional, porque impõe um limite indemnizatório em favor do transportador, em evidente desvio à função de reparação integral do dano.
A limitação da responsabilidade, portanto, é parte integrante do sistema de responsabilidade do transportador, na medida em que procura equilibrar os riscos, os interesses, e a posição das partes no contrato de transporte. »3
Nesta medida e nos termos do §5 do artigo 4º da Convenção de Bruxelas, «tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ou que lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declarados pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento».
Esta é a regra que o D.L. 352/86, de 21 de Outubro, não alterou, excepto no segmento atinente ao valor estabelecido no § 1.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37748 (12500$00) por se encontrar manifestamente desactualizado, como do preâmbulo do referido diploma consta procedendo, então, à sua actualização:
«Artigo 31.º
E O REGIME ESPECIAL EXONERATIVO E LIMITATIVO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS», RJLB, Ano 1 (2015), nº 1, pgs. 353-354.
(Limitação legal da responsabilidade)
1 - É fixado em 100.000$00 o valor referido no § 1.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37748, de 1 de Fevereiro de 1950.
2 - Se o conhecimento de carga não contiver a enumeração a que alude o n.º 1 do artigo 24.º deste diploma, por ela não constar da declaração de carga referida no artigo 4.º, cada contentor, palete ou outro elemento análogo é considerado, para efeitos de limitação legal de responsabilidade, como um só volume ou unidade de carga.
3 - A limitação legal de responsabilidade aplica-se ao capitão e às demais pessoas utilizadas pelo transportador para a execução do contrato.»
Nestes termos, apurados os valores dos danos porque é responsável a Recorrida, excedendo o mesmo o limite da indemnização previsto pela Convenção de Bruxelas, no seu artigo 4º, nº 5, tem tal valor que se conter dentro dos seus limites. Não será assim se as partes tiverem estabelecido um diferente tecto indemnizatório, mais favorável ao expedidor o que, como referimos já, no caso não ocorreu.
A regra estatuída quanto ao limite indemnizatório fixado no parágrafo 5 do artigo 4º encontra excepção na circunstância de actuação dolosa. 4
Vejamos.
O artigo 4º §5 em análise expressamente estabelece que «Tanto o armador como o navio não serão obrigados, em caso algum (…), por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade, ou o equivalente desta soma numa diversa moeda», salvo quando a natureza e o valor destas mercadorias tiverem sido declarados pelo carregador antes do seu embarque e essa declaração tiver sido inserida no conhecimento.
«A interpretação dominante, entretanto, sempre considerou que, nas situações em que o transportador agiu com dolo, ou seja, assumiu um comportamento consciente com a finalidade de produzir dano na mercadoria transportada, o regime da limitação da responsabilidade civil era excluído pelo ordenamento jurídico, pois sua conduta intencional configura flagrante abuso de direito, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito, nos termos do disposto no artigo 334, do Código Civil. O direito à limitação indemnizatória é afastado e o transportador é obrigado a indenizar todos os prejuízos causados por sua má-fé, integralmente.»5
Pelo Protocolo de 1968 (Regras de Visby) passou a prever-se o afastamento deste limite de responsabilidade, quando o dano na mercadoria resultou de um acto ou omissão do transportador que represente intenção de provocá-lo, bem como quando o transportador, temerariamente, aja com a consciência de que um dano provavelmente resultaria desse ato ou omissão. Todavia, como referimos, Portugal não aderiu a este Protocolo que não tem, assim, aplicação à situação em apreço.
Ainda assim, inexistindo previsão na Convenção de Bruxelas e no DL 352/86, poderá ser responsabilizado o transportador para além daquele limite se ele tiver dado causa, dolosamente, aos danos.
«Conforme tivemos oportunidade de verificar, o sistema de direito uniforme contém uma disciplina que visa limitar a responsabilidade do transportador, pelo que urge procurar indagar se existem situações que justifiquem o afastamento desse limite.
Ora, numa fase inicial, foi entendido, com base no princípio da liberdade contratual, que o limite não poderia ser afastado, conforme decorreria, aliás, da expressão "em caso algum" contida no art.º 4.º, n.º 5296.
Todavia, desde cedo se fizeram ouvir vozes no sentido de este limite ser precludido nos casos em que o transportador, ou os seus auxiliares, actuassem de modo doloso. Com efeito, tendo como ponto de partida o facto de a expressão "em caso algum" contida no art.º 4.º, n.º 5, pressupor um comportamento conforme à boa fé, começou a defender-se o afastamento do limite indemnizatório nos casos de actuação dolosa do transportador. Na verdade, desde cedo se observou que admitir a exoneração do transportador em situações em que actuasse dolosamente iria contra a ordem pública ou contra os bons costumes comerciais.»6
(sublinhado nosso).
De facto, não é de admitir a irresponsabilidade do transportador se actuou dolosamente, violando a boa fé no cumprimento contratual. Em casos de conduta dolosa, fica afastado o limite indemnizatório do artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas.
A conduta do transportador que assegurou que as mercadorias chegariam ao destino na data acordada, vindo a constatar-se que tal não ocorreu (sendo que outras empresas intervieram cumprindo integralmente as suas prestações, a GP -para carregar e encher o contentor -e a Maersk -para transportar), não basta para afastar o benefício de limitação da responsabilidade que constitui uma excepção ao princípio do integral ressarcimento dos prejuízos.
Na situação em apreço, temos provado que: A recorrente impôs à recorrida como condição para a adjudicação do serviço que a mercadoria teria que chegar ao Dubai entre os dias 8 e 10 de Março, porque se destinava a ser mostrada na Feira Internacional do Dubai, que se realizaria entre 14 e 16 de Março; A R. aceitou tal condição, assegurando que a mercadoria chegaria antes desta data; A mercadoria apenas chegou depois de realizada a feira.
Provou-se, ainda, que a mercadoria foi carregada uma semana depois da data prevista, porquanto a recorrente não a fabricou a tempo de a mesma embarcar no navio que saiu do Porto de Leixões dia 11 de Fevereiro de 2011 mas, ainda assim, a recorrida afirmou à recorrente que seria possível cumprir a data de chegada acordada.
Verificou-se uma falta de ponderação da recorrida quanto ao tempo de chegada da mercadoria, não resultando a chegada tardia da sua conduta dolosa.
Pode imputar-se à recorrida, à luz dos factos provados, imprudência ou até desleixo ao não acautelar passo a passo, no percurso a efectuar pelas mercadoras, que os timings permitiam cumprir a garantia que havia dado à recorrente. O resultado ilícito deveu-se a falta de cuidado, imprevidência ou imperícia.
Para que se considerasse verificada a conduta dolosa, seria necessário que o agente representasse o «resultado danoso, sendo o acto praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando reflexamente esse efeito».7
A distinção entre o dolo e a mera culpa releva no Código Civil em sede indemnizatória, em que a obrigação de indemnizar se funda no dolo, como ocorre no artigo 814º, e outros em que assenta na mera culpa admitindo-se, neste caso, como ocorre com a previsão do artigo 494º, uma limitação equitativa da indemnização.
A obrigação de reparar os danos existe independentemente de a violação ilícita ter sido por actuação dolosa ou com mera culpa.
A recorrida não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, ficando por demonstrar que a demora na entrega não ocorreu por virtude da omissão dos seus deveres de cuidado ou diligência. Não tendo afastado a presunção de culpa, é responsável pelos danos que causou à recorrente.
Tal responsabilidade encontra-se, todavia limitada nos termos estabelecidos pelo artigo 4º §5 da Convenção de Bruxelas e, ainda que se considerasse a possibilidade de afastamento desta limitação, nos termos já expostos, a mesma não prescinde da verificação do dolo do recorrido.
Os factos em que a recorrente alicerça a pretensão de verificação do dolo e que se sintetizam na condição de entrega em prazo e na garantia concedida pelo recorrido do seu cumprimento, não resulta qualquer intenção de não cumprir tal prazo, e com isso causar danos à recorrente ou sequer que tivesse representado a possibilidade do resultado danoso, conformando-se com tal resultado.
O que ocorreu foi a falta de imputação pela recorrida do atraso no embarque na data de entrega da mercadoria no seu destino: A mercadoria só foi carregada na semana posterior à inicialmente prevista, dado que a recorrente não a fabricou a tempo de embarcar no navio que saiu de Leixões em 11 de Fevereiro de 2011 (facto 66) pelo que sendo de 25 dias, aproximadamente, o tempo previsto para a execução do transporte (facto 72), a mercadoria chegou ao destino uma semana depois do previsto (factos 12 e 78). O tempo previsto para a execução do transporte era do conhecimento da recorrida, mas também da recorrente (facto 72).
Fundamento para afastar o limite de responsabilidade é a actuação dolosa, o que não ocorre na situação em apreço.
A decisão recorrida é, assim, de manter.
***
C. A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
A decisão recorrida condenou a recorrente como litigante de má-fé, pretendendo a mesma que seja revogada tal decisão porquanto, ao esgrimir os seus argumentos, nunca adoptou uma conduta contrária aos princípios e regras processuais, muito mesmos alegou factos ou normas jurídicas das quais considerou que a razão não se encontrava do seu lado, mantendo sempre uma postura de cumprimento dos deveres de cooperação, probidade e boa-fé.
Mais refere que, em sede de réplica, alegou que a mercadoria se destinava a ser exposta ao contrário do por si proclamado em sede de petição Inicial, mas tal alegação não o foi com o propósito de alterar a realidade dos factos, muito menos de paralisar a defesa da recorrida; Ao alegar que as mercadorias eram para exposição na feira queria obviamente, demonstrar que o fundamento da exposição seria a venda do produto da mesma unidade, ou seja, o propósito seria logicamente a posterior venda.
Conclui no sentido da inexistência de fundamentos para a sua condenação como litigante de má-fé.
A decisão recorrida fundamentou nos seguintes termos tal condenação:
«(…) Com efeito, e no que concerne à Autora, é manifesto que esta alterou a verdade dos factos tendo em vista a paralisação dos efeitos do decurso do tempo sobre o direito de crédito que opôs à Ré. Na verdade, e contrariamente ao argumentado na acção que – tendo justamente o mesmo objecto que a presente – intentou previamente, a Autora alegou ter celebrado com a Ré um contrato de transporte de ida e volta da mercadoria que tinha como destino a Feira Internacional do Dubai quando a realidade apurada evidenciou diversamente que as partes celebraram apenas um contrato que, em face do cumprimento defeituoso da demandada, determinou a ordem de regresso da carga ainda antes de a mesma ter chegado àquele Emirado. Do mesmo modo, e conforme a própria Autora reconheceu na réplica, a mercadoria a transportar não se destinava a ser vendida naquele certame, ao invés do proclamado na petição inicial, mas tão-somente a ser exposta na Feira.
Esta alteração da realidade, na medida em que se referiu a factos do conhecimento pessoal da Autora, não podia ser por si ignorada, pelo que a sua alegação acabou por dificultar a actividade do tribunal na busca da verdade material, para além de que se traduziu numa tentativa de paralisar a defesa da Ré com base num pressuposto irreal/inexistente, impondo-se, assim, a condenação da demandante como litigante de má-fé.»
Ora, não apenas a recorrente não questiona o fundamento desta condenação alicerçada na alegação, que se veio a comprovar ser falsa, de que celebrou um contrato de ida e volta como, no que se refere à alegação de que a mercadoria se destinava a ser vendida na feira e não a ser exposta, a recorrente reitera tal comportamento, insistindo na alegação de um facto que sabe ser falso requerendo a sua inclusão nos factos provados (facto 2 não provado que foi objecto de impugnação pela recorrente, que acima se conheceu).
Para além do segmento extractado da decisão recorrida, sufraga-se a detalhada fundamentação relativamente à verificação da litigância de má fé, que não merece reparo.
***
DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
As custas são a cargo da apelante.
Registe e Notifique.
*
Lisboa, 18.02.2020
Carla Câmara
Higina Castelo
José Capacete

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1 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 293/07.2TNLSB.L1.S1, Relator OLIVEIRA VASCONCELOS, Data do Acórdão 29-09-2016 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2327601c16bbf94a8025803d00548be9
2 Alexandro Melisso Rodrigues, «O contrato de transporte marítimo de mercadorias e o regime especial exonerativo e limitativo da responsabilidade civil do transportador no ordenamento jurídico português», RJLB, Ano 1 (2015), nº 1, pág. 355.
3 Neste sentido, Alessandro Meliso Rodrigues in «O CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS
4 No sentido de que o afastamento da limitação apenas pode operar em caso de dolo e que este não compreende a culpa grave, entre outros, MÁRIO RAPOSO, «Perda do direito à limitação legal da responsabilidade do transportador marítimo de mercadorias», «Estudos sobre arbitragem comercial e direito marítimo», Almedina, 2006, pp. 142-145.
5 Alessandro Meliso Rodrigues, ob. Cit. Pág. 362.
6 Hugo Ramos Alves in «A LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR NA CONVENÇÃO DE BRUXELAS DE 1924», Almedina, pág. 124.
7 Para a distinção entre mera culpa e dano, vd Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª Edição, Almedina, pág. 468.