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TAXA DE JUSTIÇA SUBSEQUENTE
PAGAMENTO
PRAZO
Sumário
1 - Nos termos do artigo 14º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a parte deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe deverá efectuar, conforme estatuído no n.º 3 do mencionado artigo 14º. 2 - Decorrido o prazo de dez dias previsto no artigo 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais sem que a parte tenha juntado ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, fica precludida a possibilidade de a efectuar e chegado o dia da audiência final, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido requeridas ou venham a sê-lo pela parte em falta. 3 - A expressão constante do n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada no sentido de que a cominação nele prevista – a impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando no dia da audiência final o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito, previsto no n.º 3 do art.º 13º daquele diploma legal. 4 – A parte poderá, contudo, comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais. 5 – Considerando que o acesso ao direito e à justiça não é incompatível com a imposição de ónus às partes, com estabelecimento de cominações e preclusões processuais, ainda que sujeito a limites, a interpretação dos números 3 e 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais nos termos expostos não viola os princípios constitucionais de acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade, tal como decorrem da conjugação dos normativos vertidos nos art.ºs 2º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO A [ Família ….., S.A.] , com sede em East .. Rd Street, Swiss Bank Bld, 2nd Floor, República do Panamá, representada pelos seus procuradores MC… e JC…intentou contraB[ … Banco, S.A.], com sede na Avenida da Liberdade, n.º 195, Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum pedindo a condenação da ré a modificar o contrato de financiamento concedido à autora, na proporção do prejuízo por si sofrido ou a resolução do contrato de financiamento, nos termos do art.º 437º do Código Civil e no pagamento do valor de €10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização dos danos não patrimoniais.
A B contestou a acção deduzindo excepções, nomeadamente, a ineptidão da petição inicial e ilegitimidade activa e impugnando parcialmente a matéria de facto vertida na petição inicial, concluindo pela procedência das excepções e em qualquer caso pela improcedência da acção.
Foi concedida à autora a oportunidade de se pronunciar sobre as excepções deduzidas (cf. fls. 409 dos autos).
Foi realizada audiência prévia, em 28 de Março de 2019, e proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e procedente a excepção de ilegitimidade activa quanto ao pedido de indemnização e foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova (na segunda data agendada para continuação da audiência, 10 de Abril de 2019).
Foi, nessa audiência, agendada a realização da audiência final para o dia 4 de Julho de 2019, do que as partes foram notificadas na própria data, ou seja, em 10 de Abril de 2019 (cf. fls. 488).
Em 10 de Maio de 2019 foi expedida notificação dirigida ao ilustre mandatário da autora para, nos termos do art.º 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais[1], proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescida de multa de igual montante, sob pena de ficar sujeito às cominações previstas no n.º 4 daquele normativo legal, juntando guia para liquidação no valor de €1.632,00, com data limite de pagamento de 23 de Maio de 2019 (cf. Ref. Elect. 386870042).
Por requerimento de 21 de Junho de 2019, a autora veio aos autos requerer a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça e multa efectuado em 21 de Junho de 2019 que, por lapso, não havia juntado em momento anterior - cf. fls. 499 a 502.
Em 27 de Junho de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
“A A. não procedeu comprovou o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, no prazo de 10 dias previsto no art.º 14.º, n.º 2 do RCP (a A. foi notificação para a audiência final no dia 10.04.2019 – cfr. fls. 488).
Por essa razão, a Secretaria procedeu, em 10.05.2019, ao cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo referido, expedindo carta de notificação da A. e emitindo guia para pagamento, cujo prazo limite terminou em 23.10.2019.
Mais uma vez, a A. não comprovou o referido pagamento no prazo mencionado.
Com efeito, apenas no dia 21.06.2019, veio a A. a proceder ao pagamento omitido e a comprová-lo nos autos (cfr. fls. 498 a 502).
Tal pagamento é, no entanto, extemporâneo.
Vejamos.
Nos termos previsto no n.º 4 do artigo citado, «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta».
Em face deste dispositivo, coloca-se a questão de saber se a segunda prestação da taxa de justiça e a multa podem ser pagas e demonstrado o seu pagamento, após o prazo de 10 dias previsto no n.º 3, desde que até ao início da audiência de julgamento.
O Tribunal da Relação do Porto teve oportunidade de, recentemente, pronunciar-se sobre esta questão, através do acórdão de 18.04.2017, in www.dgsi.pt, respondendo-lhe negativamente.
Aí se escreveu, em moldes com os quais não podemos deixar de concordar, que:
«Em primeiro lugar, atendendo ao teor literal das normas, quando no n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento se dispõe que “Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…”, esta expressão veicula a ideia de que “o prazo adicional concedido no número anterior”, que é de 10 dias, tem de ser observado, isto é, não pode ser prejudicado e será prejudicado se não surtir efeitos, se não for preclusivo. Claro que a expressão “Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…” também pode ser interpretada como querendo dizer, como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2007, no processo n.º 5143/2007, que estando a correr o prazo para o pagamento no momento em que se inicia a audiência de julgamento, então o prazo para o pagamento não pode ser ”prejudicado” e a parte tem de ser admitida a produzir prova, mesmo sem ter provado ainda o pagamento da taxa de justiça e da multa, pois ainda não decorreu o prazo para o fazer. Porém, se se interpretar o preceito no sentido de que o pagamento sempre pode ser efectuado até à audiência de julgamento, então o prazo de 10 dias referido no n.º 1 do artigo 512.º-B, do Código de Processo Civil, não tem qualquer função, pois o pagamento sempre pode ser feito, sem qualquer sanção, até ao início da audiência de julgamento. Salvo melhor entendimento, um prazo só tem validade como prazo se da sua violação resultar alguma consequência. Na interpretação dos acórdãos acima citados, do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação do Porto, a violação do prazo de 10 dias não acarretará qualquer consequência. Na interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a violação do prazo de 10 dias implica a impossibilidade de produzir prova. Afigura-se que a ausência de consequências ou, por outras palavras, a interpretação que leva à igualdade de tratamento para o sujeito processual que cumpre o prazo de 10 dias e para o sujeito que não cumpre este mesmo prazo, mostra que esta interpretação não é a que corresponde ao real teor normativo da norma. Com efeito, se a lei marca um prazo fá-lo por alguma razão e se não é observado alguma consequência tem de existir. Afigura-se, por isso, que a interpretação correcta é a que exige o pagamento do preparo para julgamento no prazo de 10 dias, sob pena de não poder ser produzida prova. Verifica-se que o artigo 14.º do Regulamento de Custas Processuais, na parte que aqui interessa aplicar, já acima transcrita, tem redacção idêntica à do antigo 512.º-B do Código de Processo Civil, pelo que a interpretação do preceito tem de ser a mesma que ficou exposta. Ou seja, tal como o tribunal recorrido decidiu, o prazo para pagar a 2.ª prestação, acrescida da multa, termina após decorrido o prazo de 10 dias referido no n.º 3 do artigo 14.º do RCP. Com efeito, o n.º 2 do artigo 14.º do RCP diz que a secretaria logo que verifique a omissão da junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente, notificará a parte para fazer esse pagamento, bem como o da respectiva multa, no prazo de 10 dias. Ora, a verificação da omissão pode ocorrer em qualquer altura, inclusive no início da audiência de julgamento. É para esta hipótese que vale o disposto no n.º 4, do artigo 14.º do RCP, quando diz que sem prejuízo do referido prazo de 10 dias, se a parte no dia da realização da audiência ou outra diligência de prova não comprovar o pagamento, não produz prova. Ou seja, para produzir prova, a parte tem de mostrar que pagou a taxa de justiça subsequente, independentemente de estar ou não estar a correr ainda o prazo para pagar, como estará a correr quando a secretaria só se apercebe dois ou três dias antes da audiência, ou no próprio dia da audiência, que o pagamento não está realizado. Dir-se-á que não pode ser deste modo, pois se o prazo de 10 está a correr o acto pode ser praticado validamente durante este prazo. Mas sem razão, pois a parte também conhece a norma do n.º 4, que determina que caso a parte no dia da realização da audiência ou outra diligência de prova não comprove o pagamento, não produzirá prova. Ou seja, embora a lei conceda aquele prazo, a parte sabe que chegada a hora da audiência só produzirá prova se já tiver pago a taxa; se não pagou, não produz prova, esteja ou não o prazo de 10 dias ainda a correr, como ocorrerá quando a secretaria só faz a notificação em data próxima da do julgamento. Este prazo de 10 dias ainda terá relevância prática se o julgamento for adiado por qualquer motivo; se não for adiado, a parte já não fará o pagamento naquele prazo, pois não tem interesse nisso, uma vez que a audiência não é adiada e não sendo adiada não pode produzir prova, salvo, eventualmente, se a audiência não terminar no dia marcado, se continuar noutro dia e não tenha decorrido já o momento para a parte produzir prova segundo a ordem estabelecida nas leis de processo».
Voltando ao caso dos autos, não tendo a A. procedido, no prazo adicional que pela Secretaria lhe foi concedido, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescida da correspondente multa, determino, em conformidade com o disposto no n.º 4 art.º 14.º do RCP, a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela mesma (testemunhas arroladas na petição inicial e declarações de parte da A.).
Notifique.”
Inconformada com esta decisão, em 3 de Julho de 2019, as autoras dela interpuseram recurso cujas alegações concluíram do seguinte modo:
I. A interpretação que o Tribunal a quo fez do art.º 14º nº 3 e 4 do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP) não é a correcta, nem a consentânea com a ratio da norma, com o espírito do legislador e com a própria jurisprudência.
II. A A. interpõe recurso do despacho proferido nos presentes autos, que na parte dispositiva estatui o seguinte: “Voltando ao caso dos autos, não tendo a A. procedido, no prazo adicional que pela Secretaria lhe foi concedido, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescida da correspondente multa, determino, em conformidade com o disposto no n.º 4 art.º 14.º do RCP, a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela mesma (testemunhas arroladas na petição inicial e declarações de parte da A.).”
III. A A. não comprovou o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, no prazo de 10 dias previsto no art.º 14.º, n.º 2 do RCP.
IV. A secretaria procedeu, em 10.05.2019, à notificação da A. nos termos do art.º 14º n.º 3 do RCP, expedindo carta de notificação da A. e emitindo guia para pagamento, cujo prazo limite terminou em 23.05.2019.
V. A A. no dia 21.06.2019, 508 veio a A. a proceder ao pagamento omitido e a comprová-lo nos autos.
VI. A audiência final mostra-se agendada para o dia 04/07/2019.
VII. O aqui subscritor esteve ausente, em trabalho, nos arquipélagos da Madeira e Açores aquando da notificação da secretaria, pelo que o mesmo não conseguiu entrar em contacto com a A., enquanto parte e responsável pelo pagamento, só o tendo feito posteriormente, no final do mês de maio.
VIII. Os representantes legais da A. estavam a gozar um período de férias e só após o seu regresso foi possível constatar a referida notificação e proceder ao seu pagamento.
IX. Assim que tal pagamento foi efetuado, o aqui subscritor elaborou e enviou, de imediato, requerimento ao processo, juntando o comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da respetiva multa processual.
X. O Tribunal a quo ancorando-se num entendimento do Tribunal da Relação do Porto, veio considerar tal pagamento extemporâneo e, em consequência, determinou a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela A..
XII. A A. entende que a exegese da norma e a respetiva ratio permite uma interpretação diferente da que foi perfilhada pelo Tribunal a quo no sentido de ser concedido uma última oportunidade à parte para liquidação da taxa de justiça em falta e respetiva multa até à data da audiência final.
XIII. Neste sentido, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 08/10/2012, proc. nº 478/07.1TTBRG-E.P1, defende que:
XIV. “(…) Isto mesmo vem explicado por Lopes do Rego, em Comentários ao CPC, 2ª ed., pág. 449 e 450 (citado no Ac. da R.P. de 02-12-2008, Proc. nº 0855922, in www.dgsi.pt/jtrp) afirmando que se regulamentam aqui as sanções tributárias e processuais cominadas à parte por não satisfação tempestiva da taxa de justiça subsequente devida nos termos do art.º 26º do CCJ e que o nº 2 prevê a sanção processual aplicável ao não pagamento de tal sanção até ao momento em que se deva realizar a audiência final, dando origem a impossibilidade, por determinação judicial, de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. (negrito e sublinhado nosso)
XV. Também Salvador da Costa, CCJ, Anotado e Comentado, 8ª ed., pág. 215 (cf. ainda o mesmo aresto), explica, para o caso aqui em apreço, que se no dia da audiência final, depois do decurso do prazo acima referido, não está junto ao processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa, então o juiz profere despacho declarativo de que não são produzidas as diligências de prova requerida ou sugeridas pelo faltoso.
XVI. Continua, ainda a este propósito, o referido acórdão, concluindo: “(…) Tendo a audiência sido já declarada formalmente aberta e não tendo o embargante procedido ao pagamento da totalidade da taxa de justiça subsequente, tem plena aplicabilidade a cominação prevista no nº 2 do art. 512-B do CPC.”
XVII. Contudo, esse não é, manifestamente, o caso dos presentes autos. Recorde-se, que a A. liquidou a segunda prestação da taxa de justiça e respetiva multa no dia 21/06/2019, estando a audiência final agendada para o próximo dia 04/07/2019, ou seja, pagou cerca de 13 dias antes.
XVIII. Neste mesmo sentido, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 18/06/2012, proc. nº 94/09.3TTVRL.P1, sumaria que: “I – O pagamento da taxa de justiça subsequente deve ser efetuado no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. II - Se o não fizer, a parte tem dez dias para a pagar tal taxa, acrescida de multa de igual montante, a contar da notificação que para o efeito lhe será feita pela Secretaria. III – Porém, a lei concede à parte uma terceira oportunidade para poder produzir prova, desde que no dia da audiência junte documento comprovativo do pagamento da taxa e da multa. IV – No entanto, se no dia de produção de prova, não pagar a taxa de justiça subsequente e a multa, a parte relapsa fica impedida de produzir a prova que apresentou.”
XIX. Para a A. a interpretação correta e adequada da ratio da norma e do espírito do legislador é no sentido (literal) de “(…) se no dia da audiência final (…) não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa…, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.”
XX. Sem prejuízo do prazo de 10 dias concedido pela secretaria judicial à A. para proceder à liquidação da taxa e multa em falta, SE e QUANDO fosse realizada a audiência final (na abertura da audiência de julgamento) o pagamento não se mostrasse efetuado/comprovado, então nessa circunstância, o Mm.º Juiz a quo poderia ter aplicado a sanção processual prevista no actual art.º 14º nº 4 do RCP.
XXI. Tendo sido efetuado esse pagamento em data bem anterior à realização da audiência final, entende a A. que, o seu pagamento e respetiva comprovação nos autos, como reconhecido pelo Mm.º Juiz a quo, não permitiriam que lhe fosse aplicada esta sanção e, em consequência, se visse limitada no seu direito à produção de prova em julgamento. É, assim, e salvo devido respeito por opinião diversa, que a A. perspetiva a justiça material, em detrimento de uma justiça meramente formal e punitiva.
XXII. O Supremo Tribunal de Justiça, de 03/02/2011, em acórdão prolatado no proc. nº 3711/05.0TVLSB.L1.S1, afirma: “(…) Por essa razão se marca como momento último para a demonstração do pagamento (da taxa de justiça e da multa) aquele em que a prova vai ser produzida: sem aquela demonstração, não se realizam as diligências de prova. E, sendo certo que é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito.(…) É também esse o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil; significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.”
XXIII. A interpretação que o Mm.º Juiz a quo faz do nº 4 do art.º 14º do RCP, ainda que por adesão ao teor do acórdão em que se ancora, não é, na perspectiva da A., conforme ao texto constitucional, constante do art.º 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. A interpretação que o Tribunal a quo dez do nº 4 do art.º 14º do RCP atenta, de modo muito direto e frontal, contra o artigo 20.º da CRP, na medida em que veda à A., aqui recorrente, uma tutela jurisdicional efetiva, na exata medida em que, fazendo uma interpretação de que após os dez dias da notificação da secretaria para pagar a taxa de justiça em falta e respetiva multa, qualquer pagamento até à audiência final é extemporâneo, inibindo, portanto, as partes de produzir prova sobre os factos que alegaram.
XXV. A decisão aqui em crise ao aplicar e interpretar o artigo 14º nº 4 do RCP, nos termos em que o fez, revela-se intoleravelmente desproporcionada entre a irregularidade cometida pela A., aqui Recorrente, de natureza meramente tributária/processual, e a sanção que lhe aplicou.
XXVI. A A., aqui Recorrente, entende que o art.º 14º nº 4 do RCP, ao invés da interpretação do Tribunal a quo não impede o pagamento das quantias em falta (taxa de justiça e multa) até ao início da audiência final, ainda que após o decurso do prazo dos 10 dias conferidos pela secretaria, nos termos do art.º 14.º nº 3 do RCP. A não entender-se dessa forma, não só porque, in casu falávamos de uma pagamento de € 1.632,00 a que se deve somar os €816,00 já anteriormente liquidados com a petição, está a impor-se um sacrifício patrimonial desmesurado e excessivo à A., sobretudo se tais valores não puderem ser considerados para efeitos de produção de prova. Nesse caso não deveriam ser restituídos à A.?
XXVII. A A., aqui recorrente, entende que a sanção que lhe foi aplicada é desproporcional, excessiva, exacerbada, relativamente à falta por si cometida.
XXVIII. Se por um lado, o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar gratuitamente, sendo legítimo ao legislador impor o pagamento dos serviços prestados pelos tribunais, por outro, não pode deixar de existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o referido princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 2º CRP, e do direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20º CRP.
XXIX. I.e., não se pode exigir a uma parte que liquide €1632,00 para depois, numa interpretação que se afigura incorreta, desproporcional e excessiva do preceito legal, sancioná-la drástica e irremediavelmente, como se nada tivesse pago até ao momento que a lei permite.
XXX. Para além disso, fica nos cofres do Estado a quantia de € 1632,00, cujo efeito processual não é nenhum – na perspectiva do Tribunal a quo, na medida em que equipara o não pagamento ao pagamento tardio – não sendo restituído à parte, o que revela a excessividade e onerosidade desproporcional, face à contrapartida processual que é concedida à parte.
XXXI. Mesmo que se considere que a impossibilidade de produção de prova, atentas as oportunidades de pagamento que foram concedidas à A., com prorrogação de tempo e prazos, a mesma mostra-se adequada, não pode deixar de se afirmar, veementemente, que ao abrigo do disposto no art.º 14º nº 4 do RCP ao não permitir que o pagamento a que a parte estava obrigada não configura uma oportunidade desigual e excessiva, pelo contrário, ao penalizar-se a parte com a respetiva cominação, desconsiderando-se o pagamento até ao momento da audiência final, está sim, aí, a violar-se o princípio do acesso ao direito, por se mostrar a sanção desproporcional.
XXXII. Destarte, salvo o devido respeito, a A., aqui Recorrente, entende que o Tribunal a quo fez incorrecta e inadequada apreciação da norma aplicável (art.º 14º nº 3 e 4 do RCP), violando, assim, o disposto no art.º 14º nº 3 e 4 do RCP e art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da recorrente há que apreciar a seguinte questão:
a) Saber se o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa previsto no art.º 14º, n.º 3 do RCP tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias ou pode ser feito até à audiência de julgamento;
b) Se, no primeiro caso, se verifica violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A apelante, reconhecendo que não procedeu ao pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias previsto no n.º 2 do art.º 14º do RCP e que foi notificada pela secretaria para proceder a esse pagamento, acrescido de multa de igual valor, em novo prazo de dez dias, que terminou no dia 23 de Maio de 2019, sem que o tivesse demonstrado, vindo fazê-lo apenas em 21 de Junho de 2019, insurge-se, contudo, contra a interpretação do art.º 14º, n.ºs 3 e 4 do RCP efectuada pelo tribunal recorrido de acordo com a qual, ainda que a audiência de julgamento estivesse agendada para o dia 4 de Julho de 2019, o pagamento da taxa de justiça subsequente e multa teria de ter ocorrido até ao temo do prazo de dez dias (23 de Maio de 2019), pelo que aplicou a cominação prevista no n.º 4 do art.º 14º do RCP, determinando a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pela autora.
Argumenta a recorrente que apesar de decorrido o prazo concedido pela notificação da secretaria, era-lhe ainda possível demonstrar o pagamento da taxa de justiça e multa até à data da audiência final, o que faz com a seguinte ordem de fundamentos:
- O prazo de 10 dias previsto no n.º 3 do art.º 14º do RCP não é peremptório e preclusivo, dado que a expressão “Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” constante do n.º 4 desse preceito legal tem de ser entendida como a concessão, em última oportunidade, de a parte faltosa pagar e evitar a impossibilidade de produção de prova;
- O n.º 4 do art.º 14º do RCP corresponde ao n.º 2 do art.º 512º-B do CPC de 1961, com uma redacção praticamente idêntica, pelo que valem quanto àquele as considerações da doutrina e jurisprudência produzidas quanto a este último, no sentido de que a sanção processual prevista se aplica face ao não pagamento da taxa de justiça subsequente e multa até ao momento em que se deva realizar a audiência final;
- Só se no dia da audiência final não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova;
- A interpretação do art.º 14º, n.º 4 do RCP efectuada pelo tribunal recorrido viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, pois que resulta numa desproporção entre a irregularidade cometida pela parte e a sanção que lhe é aplicada.
O art.º 527º, n.º 1 do CPC estipula que “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.”
É sabido que as custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 418; Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 19-04-2012, disponível na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt –“A taxa de justiça corresponde a uma prestação pecuniária que, em regra, o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada, de acordo com o disposto no artigo 447.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em função do valor e complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais […].”
As custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - cf. art.º 529º, n.º 1 do CPC -, sendo que a primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa (cf. n.º 2 do art.º 529º), ou seja, nos termos do RCP, conforme o disposto nos seus artigos 5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e das tabelas I e II anexas.
Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do acto de processo que dá origem a “núcleos relevantes de dinâmicas processuais” como a acção, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso – Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7ª edição, pág. 15.
A taxa de justiça deve ser paga no momento do respectivo impulso processual, em uma ou duas prestações (cf. art.ºs 13º e 14º do RCP), por meio de autoliquidação da parte, para o que esta deverá socorrer-se das tabelas anexas ao diploma e, no caso de processo cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (cf. art.º 6º, n.º 6 do RCP).
Dispõe o art.º 14º do RCP, na parte que aqui releva, o seguinte: “[…] 2 - A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo. 3 - Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC. 4 - Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. […]”
Com base nestes normativos, o tribunal a quo entendeu que o prazo para pagar a segunda prestação, acrescida da multa, termina logo que transcorrido o prazo de 10 dias referido no número 3 do preceito em referência, o que fez louvando-se, essencialmente, na argumentação expendida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-04-2017, relator Alberto Ruço, processo n.º 1391/16.T8AVR-A.P1 disponível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt[3] cujo conteúdo se reproduz de seguida:
“Primitivamente, o pagamento da taxa de justiça podia ser realizado até ao momento em que iria ser produzida a prova.
Neste sentido, o artigo 113.º do Código de Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 329, de 8 de Março de 1962 dispunha o seguinte: «A parte que, devidamente notificada, não fizer o preparo para julgamento no prazo legal pagará taxa de justiça igual ao dobro da sua importância e ficará inibida de produzir qualquer espécie de prova, salvo se, antes do início de julgamento que por esse motivo não é adiado, pagar a taxa e depositar o preparo».
Neste tempo, o prazo legal para pagar o preparo para julgamento era de 7 dias a contar a notificação para oferecimento das provas ou, não havendo lugar a ele, da notificação que ordenasse a expedição de alguma carta ou designasse dia para a produção de prova – n.º 1 do artigo 107.º do CCJ/1962.
Este preceito era claro no sentido do pagamento da taxa de justiça «em dobro» poder ser feito até ao início do julgamento.
O Código de Custas Judiciais que se seguiu, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96 de 26 de Novembro, no seu artigo 28.º, remeteu para o Código de Processo Civil a sanção inerente à omissão de pagamento da taxa de justiça subsequente.
O Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro introduziu o artigo 512.º-B (Omissão do pagamento das taxas de justiça) no Código de Processo Civil, com o seguinte teor: «1 - Sem prejuízo do disposto quanto à petição inicial e à contestação, se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC. 2 - Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior, se, no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. 3 - Se a parte se encontrar a aguardar decisão sobre a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa total ou parcial do prévio pagamento da taxa de justiça, deve, em alternativa, juntar o documento comprovativo da apresentação do respectivo requerimento».
Esta disposição foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, diploma este que aprovou o actual Regulamento das Custas Processuais.
No domínio desta norma do Código de Processo Civil a questão suscitada no presente recurso foi suscitada noutros recursos.
Assim, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2011, no processo 3711/05.0TVLSB (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) decidiu-se que «A demonstração do pagamento, quer da taxa de justiça, quer da multa, exigida pelo artigo 512º-B do Código de Processo Civil sob cominação da impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas ou a requerer, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento» (sumário).
Referiu-se na fundamentação do acórdão que «No caso, a “penalização processual” traduz-se, como se viu, não no “desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito” (mesmo preâmbulo), como em regra sucede, mas na impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta.
Por essa razão se marca como momento último para a demonstração do pagamento (da taxa de justiça e da multa) aquele em que a prova vai ser produzida: sem aquela demonstração, não se realizam as diligências de prova. E, sendo certo que é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito.
É também esse o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil; significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.
Sendo este o sentido com que o preceito deve ser interpretado, torna-se desnecessário apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente».
Embora neste acórdão se aluda à «demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa», a situação de facto consistiu na omissão de pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-12-2008, no processo identificado com o n.º 855922 (Pinto Ferreira) decidiu-se o seguinte:
I - À parte compete comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final; se o não fizer tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe fará.
II - Se, chegado o dia de produção de prova, não pagar tanto a taxa de justiça como a multa respectiva, fica impedida de produzir a prova que pretende.
III - No entanto a lei concede (em última oportunidade) a possibilidade de produzir prova mesmo sem ter sido paga a taxa de justiça ou a multa, desde que no dia da audiência junte documento comprovativo desse pagamento» (sumário).
No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-06-2012, no processo 94/09.3TTVRL (Ferreira da Costa).
Ainda neste sentido pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-09-2008, no processo identificado com o n.º 0854067 (Pinto Ferreira), «I - O n.º 2 do art.º 512.º-B do CPC não sanciona de forma diferente o pagamento da taxa de justiça subsequente e da respectiva multa pelo não pagamento atempado, determinando, de igual forma, a impossibilidade de realização das diligências de prova, quer falte ambos ou/e um ou outro dos pagamentos. II - Quando este normativo fala em dia da audiência final, quer significar até ao início da audiência final, até à sua abertura formal» (sumário). Em sentido oposto pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2007, no processo n.º 5143/2007 (Folque Magalhães), nestes termos:
«…VI - Resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 26.º, n.º 1 a), 28.º do CCJ e 512.º-B CPC, que a parte respectiva deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe fará; se ainda assim não pagar chegado o dia da produção de prova, fica impedida de a produzir.
VII -Todavia, que a lei concede a possibilidade de produzir prova mesmo sem ter sido paga a taxa de justiça, se ainda estiver a correr o prazo para pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa fixado pela secretaria, conforme resulta da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” contida no n.º 2 do art.º 512.º-B do C.P.C.»(sumário)
A pergunta que se coloca consiste, pois, em saber se a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas e demonstrado o seu pagamento até ao início da audiência de julgamento. Afigura-se que a resposta é negativa, ou seja, que assiste razão ao tribunal recorrido, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, atendendo ao teor literal das normas, quando no n.º 4 do artigo 14.º do Regulamento se dispõe que «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…», esta expressão veicula a ideia de que «o prazo adicional concedido no número anterior», que é de 10 dias, tem de ser observado, isto é, não pode ser prejudicado e será prejudicado se não surtir efeitos, se não for preclusivo.
Claro que a expressão «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…» também pode ser interpretada como querendo dizer, como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2007, no processo n.º 5143/2007, que estando a correr o prazo para o pagamento no momento em que se inicia a audiência de julgamento, então o prazo para o pagamento não pode ser «prejudicado» e a parte tem de ser admitida a produzir prova, mesmo sem ter provado ainda o pagamento da taxa de justiça e da multa, pois ainda não decorreu o prazo para o fazer.
Porém, se se interpretar o preceito no sentido de que o pagamento sempre pode ser efectuado até à audiência de julgamento, então o prazo de 10 dias referido no n.º 1 do artigo 512.º-B, do Código de Processo Civil, não tem qualquer função, pois o pagamento sempre pode ser feito, sem qualquer sanção, até ao início da audiência de julgamento.
Salvo melhor entendimento, um prazo só tem validade como prazo se da sua violação resultar alguma consequência.
Na interpretação dos acórdãos acima citados, do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal da Relação do Porto, a violação do prazo de 10 dias não acarretará qualquer consequência.
Na interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a violação do prazo de 10 dias implica a impossibilidade de produzir prova.
Afigura-se que a ausência de consequências ou, por outras palavras, a interpretação que leva à igualdade de tratamento para o sujeito processual que cumpre o prazo de 10 dias e para o sujeito que não cumpre este mesmo prazo, mostra que esta interpretação não é a que corresponde ao real teor normativo da norma.
Com efeito, se a lei marca um prazo fá-lo por alguma razão e se não é observado alguma consequência tem de existir.
Afigura-se, por isso, que a interpretação correcta é a que exige o pagamento do preparo para julgamento no prazo de 10 dias, sob pena de não poder ser produzida prova.
Verifica-se que o artigo 14.º do Regulamento de Custas Processuais, na parte que aqui interessa aplicar, já acima transcrita, tem redacção idêntica à do antigo 512.º-B do Código de Processo Civil, pelo que a interpretação do preceito tem de ser a mesma que ficou exposta.
Ou seja, tal como o tribunal recorrido decidiu, o prazo para pagar a 2.ª prestação, acrescida da multa, termina após decorrido o prazo de 10 dias referido no n.º 3 do artigo 14.º do RCP.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 14.º do RCP diz que a secretaria logo que verifique a omissão da junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente, notificará a parte para fazer esse pagamento, bem como o da respectiva multa, no prazo de 10 dias.
Ora, a verificação da omissão pode ocorrer em qualquer altura, inclusive no início da audiência de julgamento.
É para esta hipótese que vale o disposto no n.º 4, do artigo 14.º do RCP, quando diz que sem prejuízo do referido prazo de 10 dias, se a parte no dia da realização da audiência ou outra diligência de prova não comprovar o pagamento, não produz prova.
Ou seja, para produzir prova, a parte tem de mostrar que pagou a taxa de justiça subsequente, independentemente de estar ou não estar a correr ainda o prazo para pagar, como estará a correr quando a secretaria só se apercebe dois ou três dias antes da audiência, ou no próprio dia da audiência, que o pagamento não está realizado.
Dir-se-á que não pode ser deste modo, pois se o prazo de 10 está a correr o acto pode ser praticado validamente durante este prazo.
Mas sem razão, pois a parte também conhece a norma do n.º 4, que determina que caso a parte no dia da realização da audiência ou outra diligência de prova não comprove o pagamento, não produzirá prova.
Ou seja, embora a lei conceda aquele prazo, a parte sabe que chegada a hora da audiência só produzirá prova se já tiver pago a taxa; se não pagou, não produz prova, esteja ou não o prazo de 10 dias ainda a correr, como ocorrerá quando a secretaria só faz a notificação em data próxima da do julgamento.
Este prazo de 10 dias ainda terá relevância prática se o julgamento for adiado por qualquer motivo; se não for adiado, a parte já não fará o pagamento naquele prazo, pois não tem interesse nisso, uma vez que a audiência não é adiada e não sendo adiada não pode produzir prova, salvo, eventualmente, se a audiência não terminar no dia marcado, se continuar noutro dia e não tenha decorrido já o momento para a parte produzir prova segundo a ordem estabelecida nas leis de processo.”
A propósito desta questão Salvador da Costa parece também acompanhar a explanação vertida no acórdão transcrito, porquanto refere in op. cit., pág. 184 que “decorre deste normativo (n.º 3 do art.º 14º] e do anterior não terem as partes a faculdade alternativa de pagar as referidas taxa de justiça e multa até à audiência final, mas sem prejuízo da pendência do prazo adicional previsto no n.º 3”, convocando precisamente o acórdão em referência, conforme nota 52.
Em abono desta tese e para além das decisões mencionadas no próprio acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-04-2017, não se logrou identificar outros arestos que, entretanto, hajam sido publicados e que abordem, em concreto, esta questão.
Todavia, ainda que em contexto de processo laboral e tendo presente a circunstância específica de a parte ser notificada, na audiência de partes, simultaneamente, para apresentar a contestação e, bem assim, da data designada para a realização da audiência final, e, por essa razão, não lhe dever ser exigido o pagamento simultâneo da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e a taxa de justiça subsequente, sendo que a falta de pagamento desta nunca poderia importar o desentranhamento da contestação, consignou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-05-2018, relatora Paula do Paço, processo n.º 969/17.6T8PTM.E1 que “a omissão do pagamento da segunda prestação e da multa prevista a que alude o n.º 3 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais até ao dia da audiência final ou da realização de outras diligências probatórias, tem como consequência apenas a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, atento o preceituado no n.º 4, parte final do mencionado artigo 14.º”, donde, sem expressa menção quanto à interpretação da norma do n.º 4 do art.º 14º do RCP, parece, de algum modo, que se aceita que o dia da audiência final seria o último momento em que a parte poderia comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente, acrescida de multa.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2019, relatora Fernanda Soares, processo n.º 5384/17.9T8MTS-A.P1, também numa situação atinente ao momento do pagamento da taxa de justiça subsequente em processo laboral refere-se:
“A consequência do não pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da não junção do documento comprovativo desse pagamento é a impossibilidade da parte faltosa produzir a prova que ofereceu ou que venha a indicar – nº 4 do artigo 14º do RCP.
Mas da conjugação dos nºs. 2, 3 e 4 do artigo 14º do RCP resulta que à parte que omitiu o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ainda lhe é dada a possibilidade de fazer esse pagamento no prazo referido no nº 3 mas com multa. Se a parte não faz o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida da multa, nos dez dias após a notificação da secretaria para proceder a esse pagamento, fica precludida, definitivamente, a possibilidade de a parte faltosa produzir as provas que requereu. No entanto, o nº 4 do citado artigo ainda dá a possibilidade da parte, no dia da audiência, provar o pagamento da segunda prestação e da multa ou só da segunda prestação, sempre dentro dos limites estabelecidos no nº 2 e nº 3. Ou seja, o artigo 14º do RCP é permissivo no que tange ao momento em que o pagamento pode ser provado mas já não o é relativamente ao limite temporal em que esse pagamento pode ser feito [tal posição foi já defendida pela relatora no âmbito dos artigos 512º-B do CPC e 26º do CCJ, já revogados, que tratavam do pagamento da taxa de justiça subsequente, com regime idêntico ao presente no que concerne ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça – acórdão de 21.03.2013 proferido no processo 571/05.5TTVRL.P2].”
Fazendo apelo à quase total similaridade entre as normas dos n.ºs 3 e 4 do art.º 14º do RCP e as dos n.ºs 1 e 2 do art.º 512º-B do CPC de 1961, na redacção que lhe foi dada pelo DL. 324/2003, de 27 de Dezembro, convoca a recorrente precisamente a diversa jurisprudência, mencionada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-04-2017, processo n.º 1391/16.T8AVR-A.P1 acima transcrito, que interpretou aquela norma no sentido de o referido n.º 2 conceder à parte uma terceira oportunidade para demonstrar o pagamento da taxa de justiça subsequente, cujo limite final seria a data da audiência de julgamento.
Ainda que a identidade das redacções justifique uma interpretação consentânea das normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 512º-B e das dos n.ºs 3 e 4 do art.º 14º do RCP, não é de secundar o vertido, designadamente, nos mencionados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2011, processo n.º 3711/05.0TVLSB e do Tribunal da Relação do Porto de 02-12-2008 e 18-06-2012, processos n.ºs 855922 e 94/09.3TTVRL.
Com efeito, diversamente do sustentado pela recorrente quanto à natureza não preclusiva ou peremptória do prazo previsto no n.º 3 do art.º 14º do RCP, com a argumentação de que a expressão constante do n.º 4 - “Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” – tem de ser entendida como a concessão de uma última oportunidade para a parte faltosa proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa, não se pode deixar de ter presente, em primeiro lugar, que o prazo em questão é um prazo para pagamento, a que não é aplicável o disposto no n.º 5 do art.º 139º do CPC, atento o estatuído no art.º 40º do RCP, e, em segundo lugar, é um prazo judicial, ou seja, corresponde ao “período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual”.
Como refere o Prof. José Alberto dos Reis, “o prazo judicial pressupõe necessariamente que já está proposta a acção, que já existe um determinado processo, e destina-se ou a marcar o período de tempo dentro do qual há-de praticar-se um determinado acto processual (prazo peremptório), ou a fixar a duração duma certa pausa, duma certa dilação que o processo tem de sofrer (prazo dilatório).” – cf. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º Coimbra 1945, pág. 57.
O prazo fixado no n.º 3 do art.º 14º do RCP tem por função fixar o período durante o qual a parte pode, em segunda oportunidade, proceder ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida da multa e, como tal, tem de ser considerado um prazo peremptório, isto é, findo o qual o acto deixa de poder ser praticado.
A apelante insurge-se contra o entendimento de que tal prazo seja preclusivo porque não se afigura razoável, no confronto com a redacção do n.º 4 do art.º 14º do RCP, que mesmo após o decurso dos dez dias, não lhe seja permitido efectuar e demonstrar o pagamento da taxa de justiça subsequente e multa, antes e até ao início da audiência de julgamento, sendo que tal interpretação contraria o fim de obtenção de uma justiça material.
Este entendimento não pode proceder porque é necessário enquadrar o contexto da cominação processual prevista no n.º 4 do art.º 14º do RCP.
Com efeito, a lei determina no n.º 2 deste normativo que a segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final, devendo, nesse período, ser comprovado nos autos o pagamento.
Não obstante, decorrido tal prazo, se o pagamento e a sua comprovação não tiverem tido lugar, como se impunha, ainda assim, é concedida à parte uma nova oportunidade para o efeito, porque o n.º 3 estabelece que a secretaria, detectada tal omissão, notifique o interessado para, em novo prazo de dez dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa.
Assim, apenas no momento da audiência final e apesar da concessão daquele prazo adicional, se for constatada a falta de junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa, ou se não tiver sido comprovada a realização do pagamento, o tribunal determinará a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
Assim, não obstante a existência de um prazo legal previamente fixado e sabendo a parte que deve proceder ao pagamento da segunda prestação no prazo de dez dias após a notificação para a audiência final, ainda assim, caso o não faça, é-lhe concedido um prazo adicional para o efeito, com aplicação de multa.
A inércia da parte só será punida com a cominação processual em apreço se, apesar da concessão deste segundo prazo, o pagamento continuar omisso.
Quanto ao prazo peremptório que, como decorre do estatuído no art.º 139, n.º 3 do CPC extingue o direito de praticar o acto, refere o Prof. Lebre de Freitas:
“Constituindo manifestação do princípio da preclusão […], a gravidade da consequência derivada do seu decurso sem que o ato seja praticado tem progressivamente levado o legislador a ser menos rígido quanto às condições em que ela se verifica, fixando um prazo suplementar para a sua prática com multa (n.ºs 5 e 6), permitindo que o juiz reduza ou dispense essa multa (n.º 8), admitindo a prorrogação por acordo das partes ou, excepcionalmente, a requerimento de uma delas (art.ºs 141-2, 569-5 e 586) e maleabilizando o conceito de justo impedimento (art.º 140).”
A própria recorrente reconhece que foi notificada da data agendada para a audiência final e não procedeu ao pagamento da segunda prestação no prazo legal; foi novamente notificada para proceder ao pagamento, acrescido de multa, cujo prazo terminava no dia 23 de Maio de 2019, e também não o efectuou, vindo a comprová-lo nos autos apenas em 21 de Junho de 2019, muito depois do termo do prazo e ainda que dias antes da data agendada para a audiência final (4 de Julho de 2019).
Ora, a apelante dispôs de todas as oportunidades que a lei lhe confere para proceder ao pagamento em falta e fê-lo já depois de decorrido o prazo adicional que lhe foi concedido para tanto, não se podendo afirmar que tenha sido surpreendida pela cominação que lhe veio a ser aplicada, sendo esta mera consequência expressamente prevista na lei para a falta da prática do acto dentro do período legal em que lhe era possível praticá-lo, sendo que, se se viu impedida de realizar as diligências de prova que requereu, apenas a si o deve.
Na verdade, ainda que venha agora em sede de recurso alegar que aquando da notificação para proceder ao pagamento acrescido de multa, o ilustre mandatário estava ausente em trabalho nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e, por sua vez, os legais representantes da autora estavam em período de férias, independentemente da virtualidade de tal circunstancialismo para integrar a verificação de justo impedimento, certo é que não o suscitou em 1ª instância, como poderia ter feito nos termos dos art.ºs 139º, n.º 4 e 140º do CPC.
Acresce que, sendo o prazo previsto no art.º 14º, n.º 3 do RCP um prazo peremptório, como é, a referência constante do n.º 4 do mesmo normativo legal a “sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior”, não pode ser interpretada no sentido de sempre ser possível comprovar, até ao início da audiência final, a realização do pagamento, ainda que efectuada após o decurso do prazo de dez dias previsto no n.º 3, porquanto tal significaria o total esvaziamento desse prazo e da sua função.
Se o legislador pretendesse que a parte pudesse proceder ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça até ao início da audiência final tê-lo-ia dito, sem introduzir um prazo adicional dependente da notificação da secretaria para o efeito e cujo decurso, a final, não teria qualquer efeito processual, não podendo aceitar-se uma interpretação da norma da qual decorre que o legislador teria consagrado uma solução absurda, por inútil (cf. art.º 9º do Código Civil).
A expressão ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada, neste contexto, como significando que a cominação prevista no n.º 4 – impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando no dia da audiência final o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito previsto no n.º 3 do art.º 13º do RCP.
Pode, contudo, a parte comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 14º do RCP – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-01-2019, processo 5384/17.9T8MTS-A.P1 acima mencionado.
Em consonância, improcede a argumentação aduzida pela recorrente e improcedem as conclusões I e VII a XXII.
Todavia, suscita a apelante que a interpretação efectuada pelo tribunal recorrido, a que se adere, viola o princípio fundamental de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, dado que por via dela a parte fica impedida de produzir prova, o que constitui uma sanção desproporcional face à dimensão da irregularidade cometida.
O art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa garante que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”
Sobre o direito de acesso aos tribunais e os ónus que a lei faz recair sobre as partes, o acórdão n.º 96/2016, de 4-02-2016 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República n.º 123/2016, Série II de 2016-06-29 discorre do seguinte modo:
“A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão n.º 440/94, acessível na internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, assim como os restantes acórdãos adiante referidos sem outra menção expressa).
Como resulta também da vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, o direito de ação ou direito de agir em juízo, efetivado através de um processo equitativo, entendido num sentido amplo, significa não apenas que o processo deverá ser justo na sua conformação legislativa, mas também que deverá ser um processo informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, de modo a que seja adequado a uma tutela judicial efetiva.
Neste mesmo sentido, a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416).
Por outro lado, conforme tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, se é certo que a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, contudo, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
A questão em causa nos autos enquadra-se num conjunto vasto de casos, que o Tribunal já foi chamado a apreciar, em que é imposto um ónus processual às partes (neste caso, a junção, em determinado prazo, do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça) e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus (no caso concreto, a omissão de cumprimento do aludido ónus é havida como desistência do pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, não prosseguindo o BNA com os trâmites necessários à execução para pagamento de quantia certa).
Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cf., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 122/02 e 46/05).
No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva […]
O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais:
- a justificação da exigência processual em causa;
- a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;
- e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cf., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 197/07, 277/07 e 332/07).”
Sendo este o enquadramento a atender e em face do que já acima se deixou explanado acerca da natureza e função da taxa de justiça paga pelo utilizador do aparelho judiciário, deve ter-se como presente a justificação para a sua exigência, tendo em conta um sistema em que o acesso à justiça não é tendencialmente gratuito e em que o andamento dos processos pressupõe o pagamento de taxas de justiça que são tidas como condição necessária ao impulso processual.
Por outro lado, a exigência do pagamento da taxa de justiça subsequente dentro do prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final, não pode ser tida como excessiva ou de difícil cumprimento, menos ainda quando sempre será concedida à parte a possibilidade de proceder a tal pagamento, em novo prazo de dez dias, ainda que acrescido de multa, sendo certo que esta terá sempre o limite máximo que decorre do n.º 3 do art.º 13º do RCP (10 UC).
No que diz respeito à gravidade da consequência decorrente da falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, não há dúvida que dela decorre um efeito gravoso para a parte que se vê privada de efectuar prova sobre os factos integradores da causa de pedir atinente ao pedido que trouxe a juízo ou, pelo contrário, de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela contraparte, o que afectará decisivamente a sua posição no litígio.
Todavia, tal consequência surge apenas na sequência de duas oportunidades que lhe são concedidas para efectuar o pagamento devido, e, não obstante isso, se mantém em falta.
Importa realçar que, não beneficiando a parte de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e encargos, está obrigada a proceder ao pagamento da taxa de justiça enquanto contrapartida pelo impulso processual que desencadeou.
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5-07-2018, relatora Higina Castelo, processo n.º 476/14.9TVLSB-A.L1-7:
“[…] o RCP trouxe uma alteração do paradigma do pagamento das custas processuais: paga taxa de justiça quem impulsiona os autos (quem intenta a ação, quem a contesta); quem não impulsiona, não paga taxa de justiça. […]
O objetivo foi o de garantir que fosse avançada a totalidade das custas pelas partes que impulsionam o processo, prevenindo execuções por custas. A redução do número de execução por custas é objetivo expressamente assumido no preâmbulo do RCP – «cujas linhas de orientação foram, fundamentalmente, as seguintes: (…) f) Redução do número de execuções por custas». […]
A taxa de justiça assume-se como verdadeira taxa que cada parte impulsionadora do processo paga ao Estado pela prestação do serviço. «Esta reforma», lê-se no preâmbulo do diploma, «mais do que aperfeiçoar o sistema vigente, pretende instituir todo um novo sistema de conceção e funcionamento das custas processuais. Neste âmbito, elimina‐se a atual distinção entre custas de processo e custas de interveniente processual, cuja utilidade era indecifrável, passando a haver apenas um conceito de taxa de justiça. A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço».”
Assim, enquanto prestação devida como contrapartida pela prestação que o Estado presta por via do sistema de justiça, está a parte obrigada ao pagamento da taxa correspondente ao impulso processual por si promovido.
Existem momentos próprios para o efeito, sendo certo que o acesso ao direito e à justiça não é incompatível com a imposição de ónus às partes e, ainda que o estabelecimento de cominações e preclusões esteja sujeito a limites e, nomeadamente, estas devam configurar-se proporcionais à falta cometida pela parte, não se vislumbra que a cominação prevista no n.º 4 do art.º 14º do RCP, aplicada apenas quando a parte dispôs já de dois momentos diferentes para satisfazer o ónus que sobre si recai quanto ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça devida, se apresente como desproporcional face à situação de inércia em que aquela se manteve apesar da advertência que decorre da sua notificação para efectuar o pagamento em falta, acrescido de multa.
Ademais, precludida tais oportunidades não se pode, com razoabilidade, admitir que a cominação legalmente prevista seja excessiva ou se apresente como arbitrária, afectando a actuação da parte no desenvolvimento do processo, porquanto foi ela própria que, não obstante para tanto advertida, se colocou nessa posição não cumprindo a obrigação que sobre si recaía.
Como tal, a interpretação das normas acima efectuada não integra violação seja do princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça ou do princípio da proporcionalidade, tal como decorrem da conjugação dos normativos vertidos nos art.ºs 2º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Por fim, cumpre apenas referir que não colhe a argumentação desenvolvida pela apelante no sentido da desproporção que pretende ver reconhecida na aplicação de tal cominação radicar no facto de ter despendido a quantia de € 1 632,00, sem obter o efeito processual visado – a produção de prova – e sem que tal valor lhe seja restituído.
Tal como decorre do estatuído no art.º 14º, n.º 8 do RCP, o interessado que não utilize o documento comprovativo do pagamento em juízo pode requerer ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., a sua devolução, pelo que o valor apenas reverterá para o Instituto se aquele assim não agir.
Improcedem as conclusões XXIII a XXXII e improcede a apelação, devendo manter-se inalterada a decisão recorrida.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A apelante decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
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Lisboa, 18 de Fevereiro de 2020[4] Micaela Sousa Cristina Silva Maximiano Maria Amélia Ribeiro
_______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla RCP. [2] Adiante designado pela sigla CPC. [3] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis em disponível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt. [4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.