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PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
DESENVOLVIMENTO DO PEDIDO PRIMITIVO
Sumário
1) A ampliação do pedido, mesmo contra a vontade da parte contrária, é processualmente admissível se for consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo (Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C.). 2) Compreendendo-se a ampliação virtualmente na mesma causa de pedir invocada, aquela não deixa de ser admissível ainda que o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado logo na petição inicial. 3) Estando em causa a compatibilização do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dá-se prevalência a este último quando se verificam reais vantagens na solução definitiva do conflito num único processo, desde que a relação material controvertida seja essencialmente a mesma, assente na mesma causa de pedir.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- Relatório: A e B intentaram a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra C, pedindo a condenação da R. a pagarem-lhe: a) €11.581,94, correspondente ao valor despendido pelos A.A. com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até julho de 2018; b) €9.995,96, correspondente ao valor que os A.A. despenderam com as reparações que se revelaram necessárias após o acidente ocorrido em virtude da deficiente reparação anteriormente efetuada pela R. diretamente ou com recurso a terceiros por si contratados para o efeito; c) €5.000,00, a cada um dos A.A., por danos não patrimoniais, pela angústia e sofrimento causados e melhor descritos supra na sequência do acidente ocorrido em 8/9/2017; e d) €3.500,00, a título de danos não patrimoniais pelo atraso nas reparações efetuadas pela R. que impediram os A.A. de desfrutar do barco durante o verão de 2017.
Para tanto alegaram, em termos sucintos, que celebraram com a R. um contrato nos termos do qual esta se obrigava, por si ou por terceiros por si escolhidos e contratados, a proceder aos trabalhos de reparação e manutenção que se verificassem ser necessários realizar na embarcação do A., sendo que a R. cumpriu o acordado de forma deficiente, pois as reparações realizadas sofreram uma demora superior ao expectável, impedindo os A.A. de fruírem da sua embarcação, e as que foram feitas foram realizadas de forma incorreta, daí tendo resultado infiltrações no seu barco, que obrigaram os A.A. a parqueá-lo na marina de Cascais a seco e a incorrer em novas despesas com reparações para colmatar as deficiências deixadas pela R. ou pelas empresas por esta contratadas.
Pretendem assim os A.A. exercer o direito a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento da R., nos termos do Art. 798.º do C.C..
Citada a R. contestou, alegando a sua ilegitimidade passiva, por não ter sido contratada para efetuar as reparações na embarcação do A., mas somente para lhe dar apoio na escolha da entidade que as viesse a realizar. Também invocou a caducidade do direito, por falta de denúncia oportuna dos defeitos cuja reparação era pretendida. Sem prejuízo, defendeu-se ainda por impugnação, concluindo no final pela procedência das exceções alegadas e, em qualquer caso, pela sua absolvição do pedido.
Com data de 7 de maio de 2019, os A.A. vieram apresentar requerimento de ampliação do pedido com o seguinte teor:
«1.º Conforme alegado na Petição Inicial (artigos 57.º a 59.º e 71.º a 74.º), desde 8.09.2017 (data do incidente ocorrido) até julho de 2018, o Autor despendeu a quantia de €11.581,94, a título de escoramento e de estacionamento da embarcação em causa na Marina de Cascais, conforme resulta dos Docs. 24 a 26 da Petição Inicial e das faturas que se protestaram juntar e que ora se juntam e se dão por reproduzidas.
«2.º Gasto que se manteria até que as reparações estivessem concluídas e o Autor pudesse livremente dispor da embarcação.
«3.º Sucede que, a conclusão de todas as reparações necessárias para a embarcação voltar a navegar, só veio a ocorrer posteriormente àquela data.
«4.º Assim, desde julho de 2018 até à presente data, em que já se mostram concluídas as reparações, o Autor despendeu ainda a quantia de €8.165,56 (oito mil cento e sessenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos), valor que corresponde ao somatório dos custos mensais com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais, conforme faturas que se juntam e se dão por integralmente reproduzidas.
«5.º Este valor deve ser somado ao valor que já havia sido despendido pelo Autor com o estacionamento da embarcação e que foi inicialmente peticionado nos presentes autos.
«6.º Deste modo, por se tratar do desenvolvimento do pedido primitivo, requer-se a ampliação do pedido formulado na alínea a) da Petição Inicial para a quantia de €19.747,50 (dezanove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), correspondente ao valor despendido pelos Autores com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até à conclusão das reparações.
«Termos em que se requer a V. Exa. se digne a admitir a ampliação do pedido formulado na alínea a) da Petição Inicial para a quantia de €19.747,50 (dezanove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos).»
Em 11 de julho de 2019, a R. veio exercer o seu direito de resposta ao requerimento de ampliação do pedido formulado pelos A.A., nos seguintes termos:
«1º Os autores indicam na p.i. e no seu requerimento de ampliação do pedido como data do suposto “acidente” o dia 08/09/2017.
«2º Alegam no artigo 56º p.i. que “em face da recusa da ré em proceder às reparações, decidiram proceder às mesmas a suas expensas, através da sociedade Temarine, com vista impedir o avolumar das despesas com a embarcação”; e nos artigos 63º e 64º da p.i. que a referida empresa lhe apresentou orçamento para a reparação, que o autor aceitou e que já terá pago, “tendo já sido feitas as correspondentes reparações”.
«3º Os autores, estranhamente, em parte alguma do seu articulado indicam a data exata de conclusão dos alegados trabalhos de reparação da embarcação.
«4º No entanto, a presente ação foi intentada no dia 28/03/2019, e na p.i. afirmaram os autores que a reparação estava feita.
«5º Alegaram os autores na p.i. que a embarcação esteve estacionada na Marina de Cascais desde 08/09/2017 e “enquanto não terminaram as reparações de que a mesma necessitava para navegar” - vide artigo 70º da p.i.
«6º Portanto, à data da instauração da presente ação já os autores estavam em condições de liquidar na p.i. os supostos danos decorrentes do alegado estacionamento da embarcação na Marina de Cascais no período em que terá estado supostamente a ser reparada.
«7º Na p.i., os Autores liquidaram esses alegados danos pelo valor de €11.581,94, não podendo, agora, ampliar esse valor, incluindo outro que, por incúria, não indicou nesse articulado.
«8º Aliás, as faturas ora juntas pelos autores foram emitidas muito antes da data da propositura da presente ação, sendo a mais recente de janeiro de 2019.
«9º O pedido ora deduzido não é, manifestamente, o desenvolvimento do primitivo pedido dos autores.
«10º A ré não dá o seu acordo à ampliação do novo pedido deduzido de €8.165,56, pelo que o pedido de ampliação deve ser indeferido.
«11º Sem conceder, sempre se dirá que a ré não deve aos autores a referida quantia, nem qualquer outra relativa a estacionamento da sua embarcação, com os mesmos fundamentos já expostos em contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em especial os artigos 102º a 109º desse articulado.»
Designada data para a realização da audiência prévia, nela veio a ser proferido despacho sobre a questão da requerida ampliação do pedido com o seguinte teor:
« Os Autores vieram requerer a ampliação do pedido formulado na alínea a) da petição inicial para a quantia de €19.747,50 (dezanove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), alegando que: desde 8.09.2017 (data do incidente ocorrido) até Julho de 2018, o Autor despendeu a quantia de €11.581,94, a título de escoramento e de estacionamento da embarcação em causa na Marina de Cascais, gasto que se manteria até que as reparações estivessem concluídas e o Autor pudesse livremente dispor da embarcação; sucede que a conclusão de todas as reparações necessárias para a embarcação voltar a navegar só veio a ocorrer posteriormente àquela data; desde julho de 2018 até à presente data, em que já se mostram concluídas as reparações, o Autor despendeu ainda a quantia de €8.165,56 (oito mil cento e sessenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos), valor que corresponde ao somatório dos custos mensais com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais e que deve ser somado ao valor que já havia sido despendido pelo Autor com o estacionamento da embarcação e que foi inicialmente peticionado nos presentes autos; por se tratar do desenvolvimento do pedido primitivo, o pedido formulado na alínea a) da petição inicial deve ser alterado para a quantia de €19.747,50 (dezanove mil setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), correspondente ao valor despendido pelos Autores com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até à conclusão das reparações.
«A Ré deduziu oposição a este pedido de ampliação, considerando que: os Autores, na petição inicial, liquidaram os alegados danos sofridos com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais pelo valor de €11.581,94, não podendo, agora, ampliar esse valor, incluindo outro que, por incúria, não indicaram naquele articulado, quando o mesmo já estaria na sua posse, o que resulta também das faturas agora juntas pelos Autores, emitidas muito antes da data da propositura da presente ação, sendo a mais recente de Janeiro de 2019; o pedido de ampliação não é, manifestamente, o desenvolvimento do primitivo pedido dos autores; não dá o seu acordo à ampliação do novo pedido deduzido de €8.165,56.
«De acordo com o disposto no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, na falta de acordo, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
«Tal como se explana no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.07.2018 (acessível para consulta in www.dgsi.pt), com apoio na doutrina e jurisprudência ali citada, “(…) A ampliação pressupõe que dentro da mesma causa de pedir a pretensão primitiva se modifica para mais, o que permite distingui-la da cumulação de pedidos em que a um pedido fundado em determinado facto se junta um outro, fundado em facto diverso, ou seja em ato ou facto jurídico diferente com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos. (…) Como se dizia no ac. do STJ de 14/01/2003, 02A3987: “Dispõe o art.º 273/2, segunda parte, do CPC, que o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido inicial. Esta norma prevê o meio adequado ao pedido de complemento da indemnização referido no art.º 569 do C.C e, a segunda regra deste artigo, configura um desenvolvimento do pedido primitivo quando o lesado, ao pedir certa quantia como indemnização, não tenha renunciado a exigir o que ulteriormente os elementos do processo vierem a revelar. (…). Hoje, depois do CPC de 2013, a solução mantém-se, pois os autores podem ampliar o pedido, nos termos do art.º 265/2 do CPCN, até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mesmo que estes se baseiem em factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa (como uma maior percentagem de incapacidade permanente geral ou uma forma mais grave desta ou um período de tempo de incapacidade temporária, que resultem de um exame médico-legal realizado no decurso da instrução ou de uma intervenção cirúrgica) (…) Contudo, como pode ler-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Coimbra, de 27-2-2007, acessível no mesmo lugar: “A ampliação do pedido após a réplica não pode assentar nem numa causa de pedir ex novo; nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir inicial, como é indiscutível face ao nº 1 do art.273º do CPC.” (mantido, com o atual art.º 265º) (…)”.
«Não se escamoteia que, atenta a data dos documentos oferecidos pelos Autores com o requerimento que se aprecia, tudo indica que estes teriam tido a possibilidade de proceder à quantificação dos alegados danos advenientes do estacionamento da embarcação na Marina de Cascais nos exatos termos que agora requerem em sede de ampliação.
«Contudo, constatando-se a inexistência de qualquer contradição entre o que os Autores alegam na petição inicial e no requerimento que aqui se aprecia (nunca naquela peça inicial indicando a data em que a embarcação ficou finalmente reparada e ali circunscrevendo os custos do dito estacionamento até uma data que agora afirmam não ter sido aquela em que a embarcação ficou reparada, sendo certo que, na configuração da sua causa de pedir, a embarcação foi obrigada a estacionar na Marina de Cascais e só dali poderia ser retirada após as reparações estarem finalizadas) e radicando a ampliação agora requerida na causa de pedir delineada na petição inicial, decide-se admitir a ampliação do pedido efetuada pelos Autores.»
É deste despacho, proferido a 11 de dezembro de 2019, que a R. vem agora recorrer, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
a) O presente recurso tem por objeto a decisão, proferida em audiência prévia realizada a 11/12/2019, que admitiu a ampliação do pedido deduzido pelos autores, ora apelados, por articulado superveniente apresentado a 05/07/2019, relativamente ao qual a ré, ora apelante, se opôs por requerimento de 11/07/2019.
b) Constituindo objeto do litígio determinar se a ré está obrigada a pagar aos autores os montantes por estes peticionados referentes a gastos com a reparação e eliminação dos defeitos que a embarcação apresentava após as reparações nela realizadas entre março e setembro de 2017 e referentes a danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos autores em consequência de tais defeitos.
c) Na petição inicial, entre outros, deduziram os autores o seguinte pedido: “(…) requer-se a V. Exa. que (…) condene a Ré no pagamento aos Autores do montante de €11.581,94 correspondente ao valor despendido pelos Autores com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até Julho de 2018; (…)”.
d) Nessa petição inicial consta do artigo 59º a alegação dos autores de que “desde 8.09.2017 até Julho de 2018 o Autor suportou o valor global de €11.581.94 com o escoramento e estacionamento da embarcação na Marina de Cascais”, alegação que repetem no artigo 72º, juntando três documentos que terão sido emitidos pela Marina de Cascais a 14/11/2017, 20/11/2017 e 20/12/2017.
e) Alegaram os autores no artigo 56º da sua p.i. “em face da recusa da ré em proceder às reparações, decidiram proceder às mesmas a suas expensas, através da sociedade Temarine, com vista impedir o avolumar das despesas com a embarcação”; e, nos artigos 63º e 64º da p.i. que a referida empresa Temarine lhes apresentou orçamento para a reparação, que os autores aceitaram, e que já teriam pago, “tendo já sido feitas as correspondentes reparações”.
f) Salienta-se, ainda, terem alegado os autores na p.i. que a embarcação esteve estacionada na Marina de Cascais desde 08/09/2017 e “enquanto não terminaram as reparações de que a mesma necessitava para navegar” - vide artigo 70º desse articulado.
g) Portanto, à data da instauração da presente ação já a embarcação estaria reparada e já não estaria estacionada na Marina de Cascais.
h) Assim, os autores estavam em condições de liquidar na p.i. os supostos danos decorrentes do alegado estacionamento da embarcação na Marina de Cascais, o que fizeram, pelo valor de €11.581,94.
i) Nos termos do artigo 260º. do C.P.C., “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.”
j) Neste preceito legal é consagrado o princípio da estabilidade da instância, princípio geral que só pode ser afastado caso a lei preveja expressamente a possibilidade de modificação.
k) No que respeita a uma ampliação do pedido, prevê o nº 2 do artigo 265º do C.P.C. que autor o possa fazer até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
l) No caso em apreço, o pedido cuja ampliação os autores requereram é de condenação da ré no pagamento da quantia de €8.165,56 (a acrescer aos iniciais €11.581.94), a título de danos resultantes da necessidade de pagamento à Marina de Cascais com o custo decorrente do estacionamento da embarcação enquanto essa embarcação esteve em reparação.
m) Esse pedido de condenação da ré no pagamento de €8.165,56 não constitui uma consequência de qualquer dos pedidos primitivos deduzidos pelos autores.
n) Entendeu, no entanto, o Tribunal a quo que esse novo pedido constitui desenvolvimento no pedido primitivo.
o) No entanto, confessaram os autores na sua petição inicial que na data da entrada da mesma em juízo, as reparações já estavam concluídas, pelo que, no momento em que foram deduzidos os pedidos primitivos, já podiam os Autores ter pedido o valor que peticionaram no seu articulado superveniente.
p) Se os autores não incluíram no pedido primitivo todos supostos danos que, nessa data, já teriam ocorrido, na sequência do estacionamento da sua embarcação na Marina de Cascais desde a data do acidente até à data da reparação, foi por incúria, não se tratando de ampliação de um pedido que seja o desenvolvimento do pedido primitivo.
q) Tal revela-se nítido após análise das faturas que os autores juntam ao seu articulado superveniente – tratam-se de faturas todas elas emitidas pela Marina de Cascais ainda no decurso do ano de 2018, terminando nesse mesmo ano a data limite para pagamento.
r) Portanto, à data em que a presente ação foi proposta - 28/03/2019 – as próprias faturas que suportam o pedido já tinham sido emitidas e estavam na posse dos autores; o seu valor não foi incluído no pedido primitivo, apenas e tão só por falta imputável aos autores.
s) O pedido cuja ampliação requereram os Autores não assenta, nitidamente, na alegação de factos supervenientes ao início da instância (mas anteriores), nem se trata de desenvolvimento do pedido primitivo, pelo que a decisão que admitiu essa ampliação viola o disposto nos artigos 260º e 265º, ambos do C.P.C.
Pede assim que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que não admita a ampliação do pedido e ordene o desentranhamento dos documentos juntos aos autos com esse requerimento, na parte em que não respeitem aos pedidos primitivos.
Os A.A., aqui Recorridos, responderam ao recurso, sobrelevando das suas contra-alegações as seguintes conclusões:
1.ª Vem o recurso a que ora se responde interposto da decisão que admitiu a ampliação do pedido requerida pelos Autores, ora Recorridos, pugnando a Recorrente pela sua revogação e substituição por outra que não admita tal requerimento, no que não lhe assiste razão.
2.ª Socorrendo-se do princípio da estabilidade da instância, vem a Recorrente alegar que os montantes constantes da ampliação do pedido deveriam ter sido incluídos na petição inicial, uma vez que as reparações já se encontravam terminadas nessa data, não podendo ser objeto de requerimento de ampliação do pedido.
3.ª No entanto, a norma vertida no artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – referente à ampliação do pedido – consubstancia precisamente uma norma excecional em relação ao princípio da estabilidade da instância.
4.ª Permitindo exatamente alterar a instância iniciada, desde que cumpridos determinados requisitos, que os Autores cumpriram, já que, como reconhecido pelo Tribunal a quo, a ampliação do pedido é efetivamente um desenvolvimento do pedido inicial.
5.ª Com efeito, ao contrário do pugnado pela Ré, e como bem é salientado pelo Tribunal a quo na decisão proferida, os Autores, ora Recorridos, peticionaram, em sede de petição inicial, a condenação da Ré no pagamento das despesas que tiveram com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais até ao término das reparações, que quantificaram na petição inicial no montante de €11.581,94.
6.ª Posteriormente, e mediante a apresentação dos correspondentes documentos comprovativos, os Autores, ora Recorridos, vieram requerer a ampliação de tal pedido, acrescendo o valor de €8.165,56, relativo ao estacionamento da embarcação igualmente entre a data do acidente em causa nos autos e o término das reparações, as quais efetivamente terminaram antes de proposta a petição inicial.
7.ª No entender da Recorrente, os factos que fundam uma ampliação do pedido deveriam ser posteriores à entrada da ação mas a verdade é que a lei não faz essa exigência para a alteração do pedido (ao contrário do que sucede com a apresentação de articulado superveniente) – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 19.06.2019, no âmbito do processo n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1.
8.ª Entendimento que já era defendido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão proferido em 3.05.2011, no âmbito do processo n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1, ao determinar o seguinte: “I – Constitui desenvolvimento do pedido primitivo o pedido em que se pede a ampliação do valor de obras, invocadas na petição inicial, decorrente de uma perícia realizada no processo. II – A ampliação do pedido é admissível mesmo quando o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado na petição inicial.”.
9.ª Acresce que, afastado que se encontra assim o argumento da necessidade da superveniência (à petição inicial) dos factos que fundamentam a ampliação do pedido, importa notar que, igualmente ao contrário do pugnado pela Recorrente, o Tribunal a quo proferiu uma decisão acertada ao admitir o requerimento para ampliação do pedido por entender que o mesmo consubstancia um desenvolvimento do pedido inicialmente deduzido.
10.ª Conforme já referido, em sede de petição inicial, os Autores alegaram que suportaram despesas com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais enquanto se procedia às reparações na mesma.
11.ª Mais indicaram na mencionada peça processual que, até julho de 2018, tais encargos ascendiam a €11.581,94, nunca tendo afirmado naquele articulado que esse era o único valor que havia sido despendido a esse título.
12.ª Pelo que dúvidas não restam de que o requerimento de ampliação de pedido encerra um verdadeiro desenvolvimento do pedido inicialmente deduzido, devendo também por esta razão ser considerado improcedente o recurso interposto e mantida a decisão proferida.
Pede assim que o recurso seja julgado por improcedente.
*
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos, a questão essencial a decidir é saber se no caso era processualmente admissível a ampliação do pedido nos termos requeridos pelos A.A..
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida não fixou a factualidade provada, mas os atos processuais relevantes para apreciar o objeto do recurso são os que foram sumariados no relatório do presente acórdão.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O que está em causa nestes autos é, fundamentalmente, saber se era admissível a ampliação do pedido nos termos requeridos pelos A.A. em requerimento autónomo apresentado em data anterior àquela para que estava designada a realização da audiência prévia.
Esta pretensão deve ser devidamente enquadrada nos termos da ação, tal como ela foi conformada desde o início pelos A.A. e em função da fase processual em que foi requerida.
Os A.A. instauraram a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, pretendendo exercer o direito a indemnização emergente de responsabilidade contratual, alegando ter celebrado com a R., em setembro de 2016, um contrato de empreitada que tinha por objeto a reparação da embarcação do A..
Em termos muito sucintos, as reparações foram mais demoradas que o previsto e quando a embarcação foi colocada na água verificaram-se infiltrações no barco que obrigaram a que o mesmo tivesse sido colocado de imediato a seco.
Na sequência desses factos, ocorridos em 8 de setembro de 2017, veio a ser feito um novo orçamento para verificar as reparações necessárias, o qual ascendeu ao valor global de €9.995,96, que a R. recusou suportar, mesmo depois de interpelada para o efeito por carta de 6/10/2017.
Assim, em face da recusa da R. em proceder às reparações, o A. decidiu proceder às mesmas a expensas suas, através da sociedade Temarine, com vista a impedir o avolumar das despesas com a embarcação (v.g. artigo 56.º da petição inicial). Sendo que desde 8/9/2017 (data do acidente), a embarcação não está em condições de navegar (artigo 57.º da petição inicial) e o A. teve de suportar os custos de estacionamento na marina (artigo 58.º da petição), os quais desde 8/9/2017 até junho de 2018 ascenderam ao valor de €11.581,94 (v.g. artigos 59.º e 72.º do mesmo articulado). Entretanto, esclareceu que já contratou a Temarine (artigo 63.º) e já pagou as reparações feitas na sua embarcação (artigo 64.º).
É nestes pressupostos que os A.A. formulam o pedido de pagamento, constante da alínea a) da petição inicial, no valor de €11.581,94 «correspondente ao valor despendido pelos Autores com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais após o acidente e até julho de 2018».
Este pedido, tal como objetivamente formulado, é efetivamente mais curto que a alegação constante da petição inicial, que no seu artigo 74.º já fazia menção a que a R. fosse condenada a ressarcir o A. do valor já despendido «e, bem assim, no valor que o Autor ainda tenha que despender a esse título até que as reparações estejam terminadas».
É no requerimento de ampliação do pedido, datado de 5 de julho de 2019, é que os A.A. vêm alegar que: «desde julho de 2018 até à presente data, em que já se mostram concluídas as reparações, o Autor despendeu ainda €8.165,56 (…) correspondente ao somatório dos custos mensais com o estacionamento da embarcação na Marina de Cascais, conforme faturas que se juntam (…)».
As faturas juntas com esse requerimento referem-se aos períodos de 19/1/2018 (cfr. doc. de fls 115 verso); 19/1/2018 a 18/2/2018 (cfr. doc. de fls 116); 8/9/2017 a 19/4/2018 (cfr. doc. de fls 116 verso); 8/9/2017 a 19/5/2018 (cfr. doc. de fls 117); 8/9/2017 a 18/6/2018 (cfr. doc. de fls 117 verso); 8/9/2017 a 4/7/2018 (cfr. doc. de fls 118); 4/7/2018 a 3/8/2018 (cfr. doc. de fls 118 verso); 4/8/2018 a 3/9/2018 (cfr. doc. de fls 119); 3/9/2018 a 3/10/2018 (cfr. doc. de fls 119 verso); 3/10/2018 a 2/11/2018 (cfr. doc. de fls 120); e 2/11/2018 a 30/11/2018 (cfr. doc. de fls 120 verso).
Todas essas faturas têm datas de emissão e de vencimento relativas ao ano de 2018, sendo certo que a petição inicial deu entrada em juízo em 28 de março de 2019 (cfr. fls 73 verso).
A R. deduziu oposição à ampliação do pedido, pelo Requerimento de 11 de julho de 2019, não só não aceitando a ampliação, como ainda sustentando logo que o novo pedido não era consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo dos autores.
Foi na audiência prévia, realizada posteriormente, que a ampliação do pedido foi admitida, mas a R. recorre dessa decisão considerando fundamentalmente só por incúria dos A.A. é que estes não formularam logo o pedido de reembolso do parqueamento do barco na marina desde a data do acidente até à data da reparação, realçando que as faturas ora reclamadas têm todas data anterior à data da propositura da ação.
Por contraposição, os A.A., aqui recorridos, sustentam que a ampliação do pedido está compreendida na previsão do Art.º 265.º n.º 2 “in fine” do C.P.C., por ser um desenvolvimento do pedido primitivo e aí se consagrar uma exceção ao princípio da estabilidade da instância.
Apreciando, temos de relembrar que, nos termos do Art.º 552.º n.º 1 al. d) do C.P.C., é na petição inicial que devem ser expostos os factos que constituem a causa de pedir que servem de fundamento à ação. Acresce que, uma vez citada a R., a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, salvo os casos excecionais de modificação consignadas na lei (Art.º 260.º do C.P.C.).
No caso a questão apenas se coloca relativamente à alteração do objeto do processo, definidos pelo pedido e pela causa de pedir.
O pedido define o objeto do processo e delimita o “thema decidendum”, sendo determinado no seu conteúdo pelo direito material pretendido fazer valer e funcionalmente destina-se à solicitação ao Tribunal duma providência processual para tutela do correspondente interesse do autor (Vide: Lebre de Feitas in “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, à luz do Código Revisto”, pág.s 46 e ss).
A causa de pedir, por sua vez, é composta substancialmente pelos factos jurídicos constitutivos do efeito jurídico pretendido fazer valer pelo autor. Trata-se de conceito que remete para as normas de direito substantivo em cuja previsão se contém o facto para as quais se estatui o efeito jurídico pretendido, mas pressupõe também a ideia de acontecimento da vida narrado pelo autor que é suscetível de redução a um núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido (Vide: Lebre de Freitas, Ob. Loc. Cit., pág.s 55 a 58).
No caso, o requerimento dos A.A. visava uma ampliação parcial de um dos pedidos formulados na petição inicial, sem implicar qualquer alteração dos pressupostos de facto de onde emergia a pretensão tal como ela era inicialmente formulada. Na verdade, os A.A. não pretenderam operar qualquer alteração na causa de pedir, que continuou a reportar-se aos valores por si despendidos com o parqueamento da sua embarcação até à data da sua reparação.
O Art.º 264.º do C.P.C. admite que o pedido possa ser alterado com o acordo das partes em qualquer altura do processado, desde que tal não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
Sucede que o requerimento dos A.A. mereceu a oposição da R.. Pelo que, a admissibilidade da ampliação do pedido ficou subordinada à previsão do Art.º 265.º do C.P.C..
Ao contrário do que sucedia no Código de Processo Civil pretérito, agora já não existe a possibilidade de alteração do pedido na réplica, se o processo admitisse essa peça processual (v.g. Art.º 273.º n.º 2 do C.P.C. revogado). Agora, nos termos do Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C. vigente, a regra é que: «2. O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo».
A questão está assim em saber se o pedido novo é “consequência” ou “desenvolvimento” do pedido primitivo.
Neste contexto, Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, pág. 93) ensinava que: «a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial» (no mesmo sentido: Ac. TRL de19/5/1994 – Relator: Rodrigues Condeço, Proc. n.º 0070956; Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701; e Ac. TRL de18/1/2011 – Relator: Manuel Marques – Proc. n.º 271/09.7TBCDV-A. L1-1. – Todos disponíveis em www.dgsi.pt). E exemplificava como caso de ampliação em “consequência do pedido primitivo” a situação em que o A. pedia a restituição de um imóvel, vindo depois a pedir uma indemnização pelo esbulho desse mesmo prédio. E, como exemplo de ampliação por “desenvolvimento do pedido primitivo”, indicava o caso do A. que havia pedido a condenação do R. no pagamento duma dívida e depois vinha a pedir a condenação no pagamento de juros de mora.
Na mesma linha de raciocínio o Supremo Tribunal de Justiça admitiu a ampliação de pedido numa ação de indemnização por incumprimento de contrato de transporte, em que por ampliação se passou a pedir também a condenação em juros de mora (Ac. STJ de 25/3/1980 – Relator: Ferreira Costa, Proc. n.º 068370). Aplicando a mesma regra, ver também o Ac. STJ de 10/12/2015 (Relator: Hélder Roque, Revista n.º 220/11.2TVLSB.L1.S1 – 1.ª Secção – disponível em sumários do Supremo Tribunal de Justiça).
O mesmo tribunal também admitiu a ampliação num caso em que o A. pediu que fosse considerada a sua pretensão em função do regime do enriquecimento sem causa, caso viesse a ser julgada por procedente a exceção de prescrição ao seu pedido primitivo (Ac. STJ de 17/10/2017 – Revista n.º 745/11.0T2AVR.P2.S1 – 1.ª Secção – Relatora: Maria de Fátima Gomes – sumários).
Já o Tribunal da Relação de Lisboa admitiu a ampliação numa ação em que se pedia a condenação do R. no pagamento da 1.ª e 2.ª prestação vencida num contrato, passando depois a pedir-se o pagamento da 3.ª prestação da dívida entretanto vencida (Ac. TRL de 11/7/2002 – Relator: Santana Guapo – Proc. n.º 004371). Ou ainda numa ação em que se reivindicava um prédio e se passou a pedir também o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma arrecadação existente no subsolo do mesmo imóvel (Ac. TRL de 1/3/2001 – Relator: Urbano Dias, proc. n.º 0018846).
Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.
Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.
A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos».
É por isso que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/3/2009 (Relatora: Rosário Gonçalves – Proc. n.º 427/07.7TCSNT.L1-1, disponível em www.dgsi.pt), a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão se modifique para mais, só assim não sendo quando a ampliação se materializa num novo pedido, não formulado, que alteraria a estrutura da ação (no mesmo sentido: Ac. TRL de 25/6/1996 – Relator: Guilherme Pires – Proc. n.º 0012701).
Noutro acórdão desta mesma Relação (Ac. TRL de 5/7/2018 – Relator: Arlindo Crua – Proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2) também se sustentou que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 (Relatora: Cristina Dá Mesquita – Proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1.) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
Na mesma linha já se sustentou que a ampliação do pedido é admissível, como consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, nos casos em que, podendo não estar configurado um “novo prejuízo”, ocorre, todavia, uma circunstância superveniente ou a consolidação de um aspeto já focado nos danos alegados “ab initio”, justificativos, num caso ou noutro, da reavaliação apurada (Ac. TRC de 27/11/2001 – Relator: Nuno Cameira – Proc. n.º 2688/01 – também disponível em www.dgsi.pt).
É também esse o sentido do acórdão do STJ de 19-06-2019, citado nas contra-alegações de recurso (Revista n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Oliveira Abreu – disponível em sumários do Supremo), do qual se destacam os seguintes segmentos do sumário:
«II - Decorre do direito adjetivo civil, que a ampliação do pedido não se confunde com um articulado superveniente, seja a título formal, seja a título substantivo, atenta a exigência decorrente da unidade do sistema jurídico e tendo em devida conta os preceitos legais atinentes. Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis.
«III - São razões de estabilidade da instância e de regular tramitação processual, que determinam que a alegação superveniente, quer de factos essenciais, quer complementares, esteja sujeita a momentos específicos preclusivos.
«IV - Estando no âmbito de uma ação declarativa de indemnização por responsabilidade civil, em razão de acidente de viação sofrido pelo demandante, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respetiva causa de pedir da ação, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo ato ilícito, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía.
«V - Não tendo o autor, alegado novos factos fundamentais que sustentem uma alteração da causa de pedir que alicerce a modificação do pedido (limitando-se a acrescentar novos danos, sustentados em novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto ilícito, no âmbito desta ação de indemnização por responsabilidade civil, factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, factos que adicionam outras dimensões do dano decorrente do ato ilícito que serve de fundamento à ação), impõe que se reconheça, não fazer sentido, enquadrar a pedida ampliação do pedido, no regime adjetivo atinente aos articulados supervenientes, e muito menos, aplicar ao caso, os preceitos adjetivos civis que estatuem sobre os momentos em que o novo articulado deve ser oferecido.
«VI - Os factos complementares invocados ao não provocarem convolação para relação jurídica diversa da controvertida, mantendo a relação com o pedido formulado na petição inicial apresentada e com a originária causa petendi, encerrando a ampliação do pedido o desenvolvimento do pedido primitivo, pode, por isso, ser deduzidos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do art. 265.º do CPC, não fazendo sentido, postergar esta prerrogativa, com a preclusão consignada no art. 588.º, n.º 3, do CPC, a aplicar tão só, quando está em causa a alegação de factos essenciais.»
No entanto, temos de apontar que o Tribunal da Relação de Évora tem vindo recentemente a sustentar que não é admissível a ampliação do pedido decorrente de mero esquecimento de formulação do pedido logo na petição inicial, altura em que o A. já saberia da existência das circunstâncias nas quais baseia a ampliação (vide: Ac. TRE de 11/10/2012 – Relator: Canelas Brás, Proc. n.º 1691/11-2; e Ac. TRE de 28/6/2017 – Relator: Manuel Bargado, Proc. n.º 87/08.2TBBNV.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Entendimento este que é diretamente contrariado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/5/2011 (Relatora: Helena Melo, Proc. n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1), também citado nas contra-alegações de recurso, do qual resulta que a ampliação do pedido é admissível mesmo quando o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado na petição inicial.
Na verdade, como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objetiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa ação de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante.
Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância».
Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir. Sendo que, no caso, a ampliação do pedido compreende-se claramente na previsão do Art.º 265.º n.º 2 do C.P.C., por ser o desenvolvimento do pedido primitivo.
Acresce que não estamos perante um suscitar de qualquer situação de facto nova, que tenha sido propositadamente ocultada e que represente uma verdadeira surpresa, completamente inesperada para a R. e relativamente à qual não pudesse legitimamente estar a contar. Aliás, no caso concreto, a R. limitou-se a repetir quanto a este pedido ampliado a mesma defesa que já anteriormente havia apresentado.
Pelas razões expostas, julgamos que improcedem as conclusões que sustentam entendimento diverso, devendo o presente recurso ser julgado por improcedente, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida.
V- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos improcedente por não provada a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
- Custas pela Apelante (Art.º 527.º do C.P.C.).
Lisboa, 18 de fevereiro de 2020
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva