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AIJRLD
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CONDENAÇÃO DO EMPREGADOR
DECISÃO SURPRESA
Sumário
I – No âmbito de um processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento na qual em sede de audiência de partes se procedeu à notificação da entidade empregadora nos termos do disposto da alínea a) do nº 4 do artigo 98º I do CPT, não pode considerar-se que a decisão que condena a empregadora nos moldes contemplados na alínea a) do nº 3 do artigo 98º - J do CPT constitui uma decisão surpresa quando a empregadora não juntou aos autos o procedimento disciplinar de forma tempestiva. (Elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Em 13 de Março de 2023, AAA intentou acção com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do seu despedimento, promovido pela JG – Artes Gráficas, Publicidade e Marketing, Lda.
Juntou o respectivo formulário, nota de culpa, suspensão preventiva, resposta e decisão de despedimento.
Assim, requereu a declaração de ilicitude ou irregularidade do seu despedimento.
Em 30 de Março de 2023 , realizou-se audiência de partes.
Visto que não foi possível lograr conciliação, ali foi proferido o seguinte despacho :
« Tendo em conta o disposto no art.º 98.º-I, n.º 4, do CPT, fica a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o original do processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, com a advertência de que se não apresentar o referido articulado, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, será proferida decisão a declarar a ilicitude do despedimento.
Para a realização da audiência de discussão e julgamento designa-se o próximo dia 26/09/2023, pelas 09:30 horas – por acordo do Digno Magistrado do Ministério Público e do Ilustre
Mandatário presente.
Notifique».
O despacho foi notificado aos presentes.
Em 10 de Abril de 2023, a Ré apresentou a sua motivação que logrou os seguintes moldes:
«1.º A Autora realiza um pedido de declaração da ilicitude do despedimento com justa causa realizado, com todas as legais consequências.
2.º Com todo o devido e douto respeito, a Ré não concorda com o entendimento expresso pela Autora.
3.º Na medida em que, no âmbito do processo disciplinar movido pela Ré ao seu trabalhador e ora Autora AAA, portadora do NIF …e do NISS…, após a realização de todas as diligências probatórias legais, necessárias e relevantes, foi proferido, dentro do prazo legal, decisão final e respectiva aplicação de sanção, nos termos do artigo 357.º da disciplina jurídica do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e respectivas alterações legislativas subsequentes.
4.º Durante o decurso do processo disciplinar, foram cumpridas todas as formalidades e requisitos legais, designadamente, as constantes e nos termos dos artigos 352.º, 353.º, 355.º e 356.º, n 1, todos do Código do Trabalho.
5.º Não existiram quaisquer outras nulidades, excepções ou queou questões prévias de que cumpra desde já conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
6.º Igualmente, não existe comissão de trabalhadores na empresa em causa, nem a trabalhadora e ora Autora AAA, é representante sindical.
7.º Regular e formalmente notificada, a Autora entendeu apresentar um documento na data de 13.02.2023, que por uma questão de prudência e cautela processual será interpretado e considerado como contestação em resposta à nota de culpa, no prazo e para os efeitos previstos na disciplina jurídica vertida no artigo 355.º n. 1 do Código do Trabalho, todavia, não requereu quaisquer diligências probatórias nesse âmbito, nem aditou qualquer facto relevante.
8.º No âmbito do processo disciplinar, consideram-se como provados os seguintes factos.
9.º Considerando os indícios existentes no momento inicial de instauração do processo disciplinar, bem como do teor e extensão da integralidade dos documentos juntos aos autos e de toda a prova produzida durante o processo, pelo que, tem de considerar-se como provados a integralidade dos factos e respectivo enquadramento jurídico mencionados na nota de culpa oportunamente notificada ao trabalhador na data de 08.02.2023.
10.º Nesse sentido, nos factos e diversa prova apresentada pela entidade empregadora, designadamente, os documentos junto aos autos, bem como, a inquirição do depoimento objectivo, claro, sincero, coerente e devidamente fundamentado prestado pelas testemunhas (…),(…)(…)(…)(…)(…)(…) relativamente aos factos, comportamentos e atitudes imputados à trabalhadora AAA.
11.º Desse modo, a Ré dá como integralmente provados os factos mencionado nos artigos 1.º a 26.º da respectiva nota de culpa regularmente notificada ao trabalhador na data de 08.02.2023, com todas as devidas e legais consequências decorrentes.
12.º Os factos dados como provados, representam uma grave violação dos deveres laborais do trabalhador e autora AAA., nos termos dos artigos previstos nas alíneas a), b), c) e), f) e g), do n.º 1 do artigo. 128.º e 128.º, n. 2, ambos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro e respectivas alterações legislativas subsequentes.
13.º A prática desses factos e comportamento subjacente, consubstancia a previsão do artigo 351.º, n 1, 2, alíneas a), c), d), e), i) e m) todos do Código do Trabalho, que integram o conceito de justa causa de despedimento.
14.º Deste modo, o comportamento, atitudes e actos descritos e dados como provados na nota de culpa produzidas pela trabalhadora AAA, são extremamente censuráveis e condenáveis, revelando um grau de culpabilidade e censurabilidade jurídica e laboral extremamente elevadas, o qual, aliado à gravidade do especifico teor e conteúdo desses actos e comportamentos, tornam impossível a manutenção de uma relação de trabalho saudável, profícua, harmoniosa, produtiva e equilibrada.
15.º O comportamento e atitude culposas do trabalhador e ora autora, atento à sua gravidade e consequências no interior da empresa e no seu ambiente de trabalho com o superior hierárquico e colegas de trabalho, quebraram de forma séria, grave e irreparável a relação de confiança subjacente e estruturante de um contrato de trabalho, impossibilitando a subsistência do vínculo laboral entre as partes e constituindo, desse modo, justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351.º, n. 1 e n. 2, alíneas a), c), d), e), i), e m) todos do Código do Trabalho.
16.º Atento a ponderação da globalidade das circunstâncias deste caso, dos factos provados e respectiva prova produzida, do grau de culpabilidade e censurabilidade do trabalhador e quebra do elemento fundamental de confiança entre entidade empregadora e trabalhador, configura-se como a decisão mais adequada, justa e equilibrada, a aplicação da sanção, do despedimento com justa causa, nos termos do artigo 351.º, n. 1, 2, alíneas a), c), d), e), i) e m) e 3 e 357.º, n. 4 todos do Código do Trabalho.
17.º Por todo o alegado e comportamento evidenciados pela Autora, foi com significativa perplexidade que o Réu é surpreendido com o teor, sentido e conteúdo da presente acção judicial.
18.º Por todo o exposto, impugna integralmente a declaração de ilicitude do despedimento com justa causa, na medida em que, considera estarem preenchidos os requisitos e respectiva fundamentação para o despedimento por justa causa realizado. Com vista à descoberta da verdade material, requer a gravação da audiência de discussão e julgamento, bem como, a audição de parte da Autora.
Termos em que e nos mais de Direito aplicável, deve presente acção ser julgada improcedente por não provada e em consequência ser o Réu absolvido do pedido com as todas as devidas e legais consequências» - fim de transcrição.
Anote-se que no final refere: « Procuração (já junta aos autos)
1 DUC e documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
Cópia do processo disciplinar com a respectiva nota de culpa».
Em 12 de Abril de 2023, foi expedida notificação da Ré nos seguintes termos:
« Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, para juntar as autos, com a maior brevidade possível, a cópia do processo disciplinar, a qual não foi anexa ao articulado motivador conforme o aí mencionado.» - fim de transcrição.
Em 26 de Abril de 2023, foi proferido o seguinte despacho:
« Notifique o(a) trabalhador(a) para, no prazo de 10 dias:
a) informar se o seu contrato de trabalho foi celebrado por tempo indeterminado ou se era um contrato a termo, devendo proceder à sua junção caso o mesmo tenha sido celebrado por escrito;
b) declarar se opta pela reintegração ou pela indemnização em substituição da reintegração.» - fim de transcrição.
A Autora, representada pelo Ministério Público, notificada do despacho de 3/5/2023, veio dizer:
«
1. Celebrou contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de seis meses, em 3/3/2020, do qual junta cópia, tendo se renovado sucessivamente, até ser convertido em contrato sem termo, por força do disposto nos artºs. 149º, nºs. 4 e 5, e 147º, nº 2, alínea b), do Código do Trabalho.
2. Opta pela indemnização em substituição da reintegração».
Em 11 de Maio de 2023 , a Ré veio juntar o processo disciplinar nos seguintes termos:
« J.G. Artes Gráficas Publicidade e Marketing Lda, na qualidade de Réu no processo acima identificado e neste acto representado pelo seu Advogado …, portador da cédula profissional n…. e com escritório em Av. …, vem por este meio, muito respeitosamente, proceder à junção de cópia integral do processo de despedimento com justa causa da Autora.
Antecipadamente grato pela sua atenção, correção e bom senso, subscrevo-me com a mais elevada estima e consideração. » - fim de transcrição.
Em 26 de Maio de 2023, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo: « pelo exposto, e considerando o disposto no artigo 98º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, decide-se
a. declarar ilícito o despedimento de que foi objecto a A., a senhora AAA;
b. condenar a R., a JG – Artes Gráficas, Publicidade e Marketing, Lda., no pagamento à A., a título de indemnização em substituição da reintegração, de uma indemnização fixada em 30 dias de retribuição-base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão final, não podendo, contudo, ser inferior ao valor correspondente a três meses de retribuição;
c. Condena-se a R. a pagar à A. a quantia que se apurar em incidente de liquidação, correspondente aos salários, e respectivos subsídios de férias e Natal, vencidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, quantias a que deverá ser deduzida a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da presente acção e ainda o montante do subsídio de desemprego auferido, se for o caso, que a R. entregará directamente à Segurança Social (artigos 98º-J, n.º 3, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, e 390º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho). E, por isso, as custas são a cargo da R. (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Registe e notifique sendo a R. nos termos do artigo 98º-J, nº 4, do Código de Processo do Trabalho.
O nº 2 do artigo 98º-P do Código de Processo do Trabalho enuncia o momento típico da fixação do valor da causa: ele deve ser fixado a final, o que parece querer significar que o seu valor é fixado após o trânsito em julgado da sentença e não na própria sentença – cf. …,
O valor da causa e o regime de custas da acção especial de impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento, Julgar Online, Setembro de 2018, pp.5/6.
Como tal, a este propósito determino que os autos sejam conclusos após o trânsito, para fixação do valor da causa, sem prejuízo da aplicação do nº 3 do artigo 98º-P.
Porém, fixa-se desde já provisoriamente à acção o valor de 5.890€.
*
Nos termos do disposto no artigo 98º-J, n.º 3, alínea c), notifique o Trabalhador para, querendo, em 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação (excluídos as retribuições intercalares que deixou de auferir por força e desde a data do despedimento até a sua reintegração, já abarcados pela decisão supra), incluindo a indemnização prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 389º do Código do Trabalho.
*
Esclarecem-se as partes que a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento se encontra terminada com a decisão ora proferida.
Em conformidade, se for apresentado articulado pelo Trabalhador peticionando créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação, a petição inicial dará origem a “nova acção” que deve seguir o processo declarativo comum, sem natureza urgente, que em termos de organização do processo se entende que deve seguir por apenso (cf., Batista, Albino Mendes: A nova acção de impugnação do despedimento, Coimbra Editora, pp.91/96; Almeida, José Eusébio de: Prontuário de Direito do Trabalho n.º 85, em especial p.114 e notas de pé de página).
*
Fica prejudicada a data de julgamento.
- fim de transcrição.
A sentença teve a seguinte justificação:
«Os factos relevantes para a decisão constam dos parágrafos que antecedem.
Como se sabe, o nº 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho dispõe que «se o empregador não… juntar o procedimento disciplinar…, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador».
E isto no prazo de 15 dias (artigo 98º-I, nº 4, alínea a).
Conhecida a diferença entre prazos dilatório e peremptório (artigo 139º, nº 2 e 3 do Código de Processo Civil), não oferece dúvida tratar-se aquele de prazo peremptório (cf., a título de exemplo, o decidido pela Relação de Lisboa em 11-04-2018, relatado pelo senhor juiz desembargador Alves Duarte, em www.dgsi.pt).
De igual modo, também não oferece dúvida que a inobservância, pelo empregador, da entrega do procedimento disciplinar produz o efeito cominatório pleno ali prescrito no nº 3 daquele preceito (cf., senhora professora Joana Vasconcelos, no seu Comentário aos artigos 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, Universidade Católica Ed., 2.ª edição, p.101).
É, por isso, igualmente pacífico que a apresentação do articulado motivador e do procedimento disciplinar configuram actos processuais distintos.
A qestão relevante é outra: é suficiente cumprimento pelo empregador daquele seu ónus a junção de partes do procedimento disciplinar, e não de todo ele?
O texto é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe uma função negativa, de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio nas palavras da lei, e uma função positiva, pois se aquele comporta apenas um sentido é esse o sentido da norma, com a ressalva de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento legislativo, para este efeito utilizando os elementos sistemático e teleológico de interpretação, aos quais cabe a função de controlo do sentido literal do texto.
Ora, o texto da lei diz expressamente que o empregador tem de juntar o procedimento disciplinar, não apenas as suas partes essenciais (até por confronto ao descrito no nº 2 do artigo 382º do Código do Trabalho), o que bem se compreende.
Ainda que sujeito a um regime diferente de junção da outra prova documental, o procedimento disciplinar constitui um documento, pelo que é de exigir ao empregador (e trata-se de um documento previamente elaborado) a sua junção completa, sequencial e cronológica (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-11-2015, relatado pela senhora juíza desembargadora Paula Leal de Carvalho, e da Relação de Évora de 16-01-2014, relatado pelo senhor juiz desembargador José Feteira, ambos em www.dgsi.pt; cf. artigo 362º do Código Civil).
Como decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 21-11-2023, processo nº 11324/21.3T8SNT (que correu os seus termos neste Juiz 2): «o procedimento disciplinar constitui uma sequência de actos dos quais sobressaem, como essenciais, a nota de culpa, a resposta à nota de culpa e a decisão disciplinar, mas abarca muitos outros que são fundamentais para que as partes da relação contratual laboral, e desavindas, alcancem o desiderato a que se propõem, como a decisão de instaurar o procedimento disciplinar, os actos de instrução, ou as notificações.
Ou seja, o documento como um todo, é importante para se aferir da regularidade formal e substancial desse procedimento, sabido que é, que está sujeito a normas e princípios que visam garantir a sua transparência e justeza da solução final».
Aliás, sendo evidente a intenção do Legislador de conferir celeridade ao procedimento judicial, como já propugnado no Livro Branco das Relações Laborais de 30-11-2007, «a possibilidade de o empregador juntar parcelarmente o procedimento disciplinar [após o termo daquele prazo] poderia, naturalmente, dar azo ao que o Legislador pretendeu evitar, já que, perante essa junção, sempre teria de ser admitida ao trabalhador a possibilidade de vir alterar e/ou ampliar a causa de pedir relativamente à ilicitude do despedimento [designadamente com base em irregularidades desse procedimento e/ou caducidade do direito de aplicação da sanção de despedimento] e/ou suscitar questões relativamente aos documentos que compõem o procedimento e que foram tardiamente juntos, com o consequente protelamento da celeridade processual» (acórdão da Relação do Porto, supra).
Além disso, a junção aos autos do procedimento disciplinar visa, ainda, permitir ao Tribunal verificar da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente se a decisão disciplinar e o articulado inicial do empregador se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa (cf. acórdão da Relação de Coimbra de 25-09-2020, relatado pelo senhor juiz desembargador Felizardo Paiva, em www.dgsi.pt, e bem assim o que se deve entender por junção integral).
Ou seja, esta junção também tem como destinatário directo o Tribunal, que naturalmente não conheceu o procedimento disciplinar em momento anterior, o que afasta, a nosso ver, a tese do abuso do direito.
Em conclusão, não pode o empregador juntar apenas parte do processo disciplinar, antes tem o ónus de o apresentar completo e no prazo peremptório fixado na lei.
Porém, no caso em apreço tal não sucedeu, pois a R. apenas o juntou muito depois do termo final do prazo de 15 dias de que dispunha.
Não se olvida, é certo, que a A. juntou aos autos, com o formulário, algumas peças processuais alegadamente integrantes do processo disciplinar. Porém, como se disse, tal não substitui o ónus processual da R. de juntar o processo disciplinar e completo, nem esta ao menos afirmou a desnecessidade da sua junção pelas peças já juntas pela A., confirmando-as (o que sempre seria em qualquer caso insuficiente, atento o já exposto).
Vejam-se, ainda, a título de exemplo e neste sentido, outras situações abordadas pela Jurisprudência a propósito de situações em que a entidade empregadora juntou, em tempo, apenas partes do procedimento disciplinar:
- Acórdão da Relação de Coimbra, supra: «ora, no caso, a ré, com a junção do procedimento disciplinar, não juntou a resposta à nota de culpa, o que também determina a aplicação da cominação do artigo 98º-J, nº 3.
Esclareça-se que, pese embora no relatório final do procedimento disciplinar, a Ré faça referência à resposta à nota de culpa apresentada pela A., tal referência não supre a necessidade de junção da referida peça.
Esta é uma das peças, aliás essenciais, que compõem o procedimento disciplinar e que, como tal, deve integrar a junção do mesmo determinada no artigo 98º-I, nº 4, do Código de Processo do Trabalho (…).
Aqui chegados, numa primeira abordagem, verificando-se que foram juntos com o articulado motivador a nota de culpa, a resposta ou defesa do trabalhador, os autos de inquirição de testemunhas e a decisão final, dir-se-ia que se atingiu o desiderato pretendido pela lei com a junção do PD, pelo que teria de se dar por cumprido a obrigação legal que obriga o empregador a juntar o PD com aquele articulado sob a cominação de ser logo declarado ilícito o despedimento (…).
O que implica a junção integral do PD e não a junção avulsa de peças desse PD.
Com o articulado motivador deve, assim, ser junto o PD completo, sequencial e cronológico, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher, tal como se refere no aresto do TRP acima referido, das peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar.
Só assim se atingirá o fim desta exigência legal, qual seja a de garantir ou assegurar ao trabalhador o direito a uma efectiva e cabal defesa»;
- Acórdão da Relação de Lisboa, supra: «a falta de junção do procedimento disciplinar que determina a imediata declaração de ilicitude do despedimento abarca, naturalmente, as situações em que o empregador, tendo apresentado articulado a motivar o despedimento e fazendo referência a que iria juntar o 'procedimento disciplinar', não o fez, nem sequer invocou 'justo impedimento' para tanto (…).
Mas inclui também os casos de não entrega 'dentro do prazo de oferecimento do articulado motivador do despedimento, de todas as peças do procedimento disciplinar que o antecedeu»;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de Maio de 2015, relatado pelo senhor juiz desembargador Eduardo Petersen Silva, na conhecida base: «essencialmente o procedimento disciplinar comporta, no mínimo, a comunicação ao trabalhador da decisão de instaurar procedimento disciplinar, a nota de culpa, a resposta se a houver, e a decisão disciplinar.
E isto foi junto nos autos, na sequência da primeira notificação feita.
Mas, o procedimento disciplinar comporta, ou pode comportar, muita outra documentação, a saber, a que prova as datas em que o trabalhador foi notificado da nota de culpa e da decisão disciplinar, a relativa às diligências investigatórias realizadas pela empregadora ou realizadas em cumprimento do solicitado pelo arguido, as comunicações relacionadas com a inquirição de testemunhas, e toda a panóplia das inúmeras possibilidades concretas de acusação e defesa e de mero processamento.
Ora, tudo isto não é indiferente nem desinteressante.
O único interesse na junção do procedimento disciplinar não é o do tribunal apurar se foi instaurado um procedimento disciplinar previamente ao despedimento.
O texto da lei não diz que o empregador demonstrará que procedeu disciplinarmente contra o trabalhador mediante a junção de algumas partes dele, o texto diz expressamente que o empregador tem de juntar o procedimento disciplinar.
Junto o procedimento disciplinar, porque nada obriga o trabalhador a consultá-lo na sua pendência e sobretudo porque o trabalhador só tem de constituir advogado no momento imediatamente anterior à apresentação da sua contestação – artigo 98º B do CPT – o efeito evidente do cumprimento da obrigação de juntar todo o procedimento disciplinar é fazer aportar aos autos esse elemento fáctico cuja análise, pelo mandatário do trabalhador, lhe permitirá descobrir todos os vícios que podem levar à mais ampla defesa formal e em concreto todos aqueles que geram a ilicitude do despedimento.
Esta não é gerada apenas pela ausência de procedimento disciplinar, mas pelos casos que determinam a invalidade do procedimento disciplinar previstos no artigo 382º nº 2 do Código do Trabalho.
Entendemos assim que o empregador não pode juntar apenas partes do procedimento disciplinar, ainda que as mais essenciais, mas tem mesmo de juntar todo o procedimento disciplinar que moveu ao trabalhador. Imagine-se que o trabalhador não responde à nota de culpa, e que o empregador junta a nota de culpa e a decisão, mas não o comprovativo da notificação da nota de culpa ao trabalhador: podemos estar em presença dum caso em que ao trabalhador não foi dado qualquer direito de defesa. Isto só se descobre, isto o mandatário do trabalhador que pretenda contestar, só descobre e prova, se for junto todo o procedimento disciplinar»;
- Acórdão da Relação de Évora, de 3 de Julho de 2014, relatado pelo senhor juiz desembargador Acácio André Proença, na conhecida base de dados:
«ora, o procedimento disciplinar integra uma multiplicidade de actos que não se restringem à manifestação da intenção de aplicar a sanção disciplinar de despedimento, à nota de culpa, à decisão de despedimento e notificação dessas peças ao trabalhador. Podem ter ocorrido actos no procedimento disciplinar anteriores à nota de culpa, como no caso aconteceram (vejam-se a “nota de ocorrência” e o “termo de abertura”), que podem relevar nomeadamente para analisar a tempestividade do procedimento (vide (artº 329º, nº 2 do CT) e até para controlar o respeito pelo respectivo prazo de conclusão (vide artº 329º, nº 3), pelo que se impõe a respectiva apresentação.
Além disso, a existir, é fundamental a junção da resposta à nota de culpa, bem como do comprovativo documental da realização das diligências de defesa que o trabalhador tenha requerido (ou a indicação das razões porque não se realizaram), para desta forma se poder apreciar se foram respeitados os direitos de audição e defesa que a lei confere ao trabalhador.
Aliás, só com a junção destas peças é possível controlar se foi respeitado o prazo da prolação da decisão previsto no artigo 357º, nº 1 do CT.
Como muito bem se diz e fundamenta na decisão recorrida é a junção de todo o procedimento disciplinar que o legislador tem em vista com a notificação a que se refere o nº 4, alínea a) do artigo 98º-I do CPT, pois só com a sua apresentação integral é possível ao trabalhador exercer o contraditório a que se refere o nº 1 do artigo 98º-L do mesmo diploma.
De facto, só com a junção integral do procedimento disciplinar no prazo previsto no nº 4, al. a) do artº 98º-I do CPT, será possível ao trabalhador consultar todo o processo, verificar se não foram praticadas irregularidades insupríveis, se foram respeitados os prazos de que o instrutor dispõe para a prática dos actos procedimentais e, por via disso, arguir as pertinentes nulidades, tanto mais que não é obrigatório o trabalhador constituir mandatário no decurso do procedimento disciplinar»;
- Acórdão da Relação de Évora, de 26 de Junho de 2013, relatado pela senhora juíza desembargadora Paula do Paço, na conhecida base de dados: «alega a recorrente, que apesar de não ter junto o procedimento disciplinar no prazo de quinze dias, dos autos já constava parte de tal procedimento, concretamente, relatório final e decisão final, parecendo querer extrair desta argumentação a ideia de que a ideia de que a previsão inserta no nº3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho, não se verificaria, porque o procedimento disciplinar estaria parcialmente nos autos. Falece em absoluto a argumentação deduzida. A lei é clara e inequívoca: se o empregador não apresentar o articulado motivador do despedimento ou não juntar o procedimento disciplinar (sublinhado nosso), o juiz declara a ilicitude do despedimento e condena o empregador de harmonia com o disposto nas alíneas a) e b) do nº3 do referido artigo 98º-J»:
- Acórdão da Relação de Évora, de 16 de Janeiro de 2014, citado: «não se exigiria que a ré/apelante tivesse junto um volume em papel contendo o procedimento disciplinar em si.
Deveria, no entanto, remeter para o Tribunal e no prazo que lhe foi concedido para o efeito, ou seja no prazo para apresentação do articulado motivador do despedimento da autora/apelada e independentemente da via a utilizar, todas as peças do procedimento disciplinar e isso não sucedeu».
Ainda que assim não se entendesse, conforme se notou atrás o R. apresentou a sua motivação, mas não formulou quaisquer factos constitutivos do direito ao decretamento da decidida sanção disciplinar.
Ou seja, sempre haveria falta de indicação da causa de pedir, o mesmo é dizer, o requerimento junto pela entidade empregadora não preenche os requisitos legais para que se entenda cumprido o ónus de apresentação do articulado de motivação do despedimento.
Como é dito pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 20-09-2018, processo nº 57/18.8T8BCL.G1 num caso semelhante aos presentes autos, sempre em www.dgsi.pt, e com o qual respeitosamente se concorda, «a recorrente unicamente dá por reproduzido o procedimento disciplinar no seu conjunto e a nota de culpa.
Acresce, referindo que foram dados como provados todos os factos constantes da nota de culpa tão pouco menciona ou se remete para a decisão em si de despedimento que além do mais deve ser fundamentada, constar de documento escrito e ser comunicada, como em tudo se determina no artº 357º do Código do Trabalho…
Ora, a causa de pedir são factos.
Da sua alegação extraem-se a relação jurídica e a pretensão em conformidade.
Mas se daqueles não se poder deduzir uma unidade individualizável não se pode concluir que se alegou a causa de pedir.
Sem mais, se da simples remissão para o acervo documental que se junta é alcançável a utilidade probatória já não é susceptível de satisfazer esse desiderato para o acesso à tutela judicial de forma equitativa e com garantias processuais se a mesma não foi ancorada na alegação de matéria fáctica que serve de complemento, ou seja a única forma de se afirmar que “As afirmações contidas nos documentos juntos com os articulados, na medida em que podem completar as alegações neles contidas, devem, logicamente, ser consideradas como compreendidas nesses articulados.” (Ac. STJ, de 27.5.2010».
E note-se que, neste caso, o Tribunal não pode convidar ao aperfeiçoamento da motivação do despedimento. Como é dito naquele último acórdão «isto porque tal aperfeiçoamento implica, em termos mínimos, que haja algo a aperfeiçoar, designadamente quando deixem de ser alegados alguns factos com relevo para a boa decisão da causa e não nos casos em que inexiste qualquer facto articulado, como a situação em apreço nos autos, em tudo equiparada à ineptidão prevista no artigo 186º do Cód. Proc. Civil, face à total ausência de factos motivando as razões que presidiram ao despedimento e susceptíveis de levar a conclusão da sua licitude».
Em conclusão, não tendo sido observado o prazo de quinze dias, que é um prazo peremptório, relativamente à junção integral do procedimento disciplinar e motivação do despedimento, tem lugar o efeito cominatório pleno previsto no artigo 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b), do Código de Processo do Trabalho.
E a R. apenas se pode queixar de si própria.
A A. optou já nos autos pela indemnização em substituição da reintegração.
De referir que a condenação nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho não prejudica as deduções a que haja lugar de acordo com o previsto no artigo 390º, nº 2 do Código do Trabalho.» - fim de transcrição.
As notificações da sentença foram expedidas em 31 de Maio de 2023, data em que o MºPº também foi notificado. Em 12 de Junho de 2023 , a Ré recorreu. Concluiu que:
(…)
Assim, defende que o recurso deve improceder, mantendo-se a sentença recorrida.
Em 7 de Julho de 2023, foi proferido o seguinte despacho:
(…)
Quanto às alegadas nulidades, cumpre dizer que o Ilustre Recorrente olvidou uma segunda linha argumentativa da sentença, isto é, que nela também se ponderou que «sempre haveria falta de indicação da causa de pedir, o mesmo é dizer, o requerimento junto pela entidade empregadora não preenche os requisitos legais para que se entenda cumprido o ónus de apresentação do articulado de motivação do despedimento». Quanto à não junção no seu tempo da totalidade do procedimento disciplinar, crê-se nada mais haver a acrescentar ao que já foi dito em sentença.
Por último, também respeitosamente se assinala que a sentença em crise cumpriu, a nosso ver, o formalismo e expôs a essencialidade do pensamento do julgador nos termos previstos na lei, isto é, no artigo 98º-J, nº 3, do Código de Processo do Trabalho.
Em conclusão, indefere-se a tais arguidas nulidades, sem prejuízo de melhor decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa» - fim de transcrição.
O recurso foi recebido na Relação.
Mostram-se colhidos os vistos.
Na elaboração da presente decisão será tomada em atenção a matéria decorrente do supra constante relatório .
É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).
Analisadas as conclusões de recurso da Autora
Ou seja:
A) Aplicando o Direito à situação de facto descrita por parte do Apelante, conclui-se que estão preenchidos os requisitos necessários à decretação da admissibilidade em devido tempo da cópia do processo disciplinar.
B) Com efeito, deve ser atendida a junção aos autos em devido tempo da cópia do processo disciplinar intentado ao Apelante.
C) A sentença recorrida enferma de diversas ilegalidades, vícios e nulidade processual.
D) Por todo o exposto e nestes termos, é imperativo concluir que deve aceitar-se a admissibilidade legal de junção da cópia do processo disciplinar, solicitando-se a reapreciação de toda a matéria de facto e de direito constante da sentença proferida, com consequências ao nível da realização futura da audiência de discussão e julgamento, seguindo-se os demais termos processuais até final. » - fim de transcrição] constata-se que, em rigor, ali se suscita uma única questão que consiste em saber se deve considerar-se que o procedimento disciplinar em causa foi junto tempestivamente nos termos determinados pelo artigo do CPT.
Na realidade, em sede conclusiva a recorrente não tratou de identificar, concretizar, as ilegalidades, vícios e nulidade processual que invocou em sede alegatória da seguinte forma:
« 1. O Apelante no âmbito da sentença proferida, entendeu o Tribunal ad quo que não foi observado o prazo de 15 dias da junção integral do procedimento disciplinar e motivação do despedimento do Apelado, nos termos dos artigos 98.º - J, n.º 3, alíneas a) e b), do Código de Processo do Trabalho.
2. Consubstanciando a consequência jurídica da ilicitude do despedimento do Apelado, em virtude do processo de despedimento com justa causa realizado.
3. Com vista à descoberta da verdade material, convém precisar alguns factos.
4. Conforme mencionado na douta sentença proferida pelo Tribunal ad quo, o Apelante juntou em devido prazo, o seu articulado motivador, enquadramento jurídico e respectiva fundamentação do despedimento com justa causa do Apelante, com o cumprimento de todas as formalidades legais.
5. Sendo que, o Tribunal ad quo notifica o Apelante através do despacho com a referência n.º 143775076, para juntar aos autos com a maior brevidade possível, a cópia do processo disciplinar, conforme DOC n.º 1, que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido e provado para todos os efeitos legais.
6. Solicitação legal cumprida por parte do Apelante, ao juntar aos autos cópia do processo disciplinar.
7. Com todo o devido e douto respeito, o Tribunal ad quo não fixou na notificação identificada como DOC n.º 1, um prazo concreto e especifico de junção aos autos, da cópia do processo disciplinar.
8. Faculdade que poderia ter utilizado, em termos claros, objectivos e precisos no momento processual da realização da notificação identificada como DOC n.º 1.
9. Todavia, o Tribunal ad quo entendeu não o realizar.
10. Poderia ter fixado um prazo concreto ou diminuto de 5 dias para junção de cópia do processo disciplinar no âmbito da última notificação realizada antes de ser proferida a presente sentença judicial.
11. Entendeu de forma livre, serena e ponderada não realizar uma notificação com o conteúdo, sentido e teor do expendido no artigo anterior.
12. Que necessariamente, consubstancia uma interpretação e consequências jurídicas para todo o processo e em especial, para o dever jurídico dessa última notificação do Tribunal que impendia sobre o Apelante.
13. Pelo que, entende o Apelante que procedeu à junção de cópia do processo disciplinar no devido momento.
14. Estranhamente o Tribunal ad quo, não realiza qualquer menção à notificação realizada pelo mesmo e identificada como DOC n.º 1.
15. Sem menosprezo de tudo o que foi anteriormente expendido, igualmente discorda o Apelante da sentença porquanto a eventual omissão em causa não respeitou ao processo disciplinar completo mas, antes, a algumas peças cuja ausência não impediu, nem constrangeu, o cabal exercício do contraditório por parte do Apelado, não tendo, a omissão sido invocada pelo trabalhador nem constituído a base da sua defesa.
16. A cominação plena prevista pelo n.° 3 do art.° 98.º-J só é aplicável se o empregador não apresentar o articulado motivador do despedimento ou não juntar o PD ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas o que ocorrerá, necessariamente, em momento anterior à notificação do trabalhador para contestar, nos termos do artigo 98.°-I, todos do CPT, sob pena, a assim não ser, de estar em causa a celeridade visada pelo legislador e, ainda, o facto de tal omissão parcial de junção poder ser sanada pela contestação do trabalhador ou em sede de saneamento da causa, determinando o prosseguimento dos autos para julgamento.
17. Assim, à luz do art.° 9.º do Código Civil (CC), discorda o Apelante da interpretação e aplicação de direito que a sentença faz do art.° 98.º-J, n.° 3, do CPT, norma jurídica cuja interpretação e consequente aplicação entende ter sido violada, não se aplicando ao caso sub judice, sob pena de se admitir a prática de atos inúteis (contestação com reconvenção do trabalhador e resposta da empregadora) e a prevalência da forma sobre a substância.
18. Daqui se concluindo que, tendo - como no caso - a empregadora e ora Apelante apresentado o seu Articulado Motivador do Despedimento e as partes essenciais do PD de onde constam todos os factos de natureza formal e substantiva que importa apreciar - inexistindo, portanto, insuficiência da matéria de facto -, a tramitação posterior deixará de incluir a sentença prevista no n.° 3 do art.° 98-J do CPT.
19. De facto, a notificação do trabalhador e ora Apelado para contestar apenas deverá ser feita depois de se verificar se o disposto no n.° 3 do art.° 98º-J do CPT foi ou não cumprido; e, se há, ou não, que proferir decisão a julgar o despedimento ilícito, sob pena de se praticar prematuramente um ato que a lei não permite e que pode influenciar a decisão da causa, configurando uma nulidade processual nos termos dos art.° 227.º, 191, n.º1 , 195, n.º2 e 199 do CPC.
20. Pelo que, a partir desse momento, não mais poderá ser proferida a sentença prevista pelo n.° 3 do art.° 98.º-J do CPT, sob pena de a mesma configurar uma decisão-surpresa e, em consequência, legalmente inadmissível.
21. Por outro lado, da análise atenta do teor, conteúdo e sentido da acta de audiência de partes realizada em 30.03.2023, é mencionado de que o Apelante deve no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o original do processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
22. Conforme reconhecido pelo Tribunal na própria sentença proferida, foi junto antes do prazo de 15 dias o articulado motivador do despedimento, sendo que, no âmbito da acta de audiência de partes realizada em 30.03.2023, é dada a opção ao Apelante de juntar o original do processo disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
23. No nosso entendimento, com a junção do articulado motivador do despedimento do Apelado, constava informação e documentação suficiente do cumprimento das formalidades exigidas.
24. Pelos argumentos de facto e de direito supra expostos, e com todo o devido e douto respeito, é legalmente inadmissível - porque formal e substancialmente desadequada e excessiva, quer porque em momento processual não previsto, quer porque se encontram acautelados os fins visados pela norma, no caso concreto, quer ainda pela existência de uma notificação expressa do Tribunal para proceder à junção de cópia do processo disciplinar ( conforme DOC nº 1) -, a aplicação da cominação previstas pelo art.° 98º-J, n.° 3 do CPT.
25. Na condução e na intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e todas as partes processuais, cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade, equidade e eficácia, a justa e equilibrada composição do litigio, nos termos do artigo 7.º do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi por força do artigo 1.º, n. 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
26. As partes processuais devem agir de boa - fé e observar os deveres de cooperação resultantes da letra e espirito vertidos no artigo 7.º do Código de Processo Civil e todos os intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de reciproca correcção nos termos dos artigos 8.º e 9.º do Código de Processo Civil, aplicável ex-vi por força do artigo 1.º, n. 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
27. Tais princípios jurídicos fundamentais e estruturantes do próprio Direito Processual Civil e Laboral, no domínio da boa – fé, cooperação e correção entre todos os intervenientes no processo.
28. É entendimento unânime em termos doutrinais e jurisprudenciais, que uma sentença judicial deve ser considerada e qualificada como um acto administrativo nos termos e para os efeitos do artigo 148.º do CPA, dado que, visa produzir os seus efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, ou seja, a inadmissibilidade legal de apresentação do articulado superveniente, o qual, deveria ter sido dado a oportunidade do exercício do Princípio do contraditório.
29. Sem a possibilidade do exercício do Princípio do contraditório, o Apelante não pode exercer integralmente o seu direito, sob pena, de preterição e diminuição de garantias essenciais de defesa dos sujeitos processuais.
30. Não permitindo deste modo, ao Apelante participar através do exercício do Principio do Contraditório, na formação de uma decisão, que lhe era extremamente desfavorável.
31. Mais, o fundamento desta exigência legal encontra as suas raízes jurídicas na própria Constituição da República Portuguesa, expressamente consagrado no artigo 267.º, n. 5 da CRP, que reconhece às pessoas jurídicas o direito de participação na formação das decisões que lhes disserem respeito e visa assegurar uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses.
32. Aliás, o CPA veio dar concretização a este Direito enunciando no seu artigo 12.º, o Principio da Participação, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares e dos cidadãos, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente, através da respectiva participação.
33. A possibilidade do exercício do direito intrínseco e inerente ao Princípio do Contraditório no processo em causa, não foi permitida ao Apelante.
34. Com todo o devido e douto respeito, toda a actuação da Administração Pública e em especial dos Tribunais, designadamente, a notificação sem a possibilidade do exercício do Princípio do Contraditório, coloca em causa um Principio fundamental que deve presidir e servir de critério orientador, em toda a actuação jurídica das diversas entidades, ou seja, o Principio da segurança jurídica.
35. No nosso entendimento, não há interesse público prosseguível sem respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 266.º n.º 1 da CRP.
36. Igualmente, como ensinava o saudoso e distinto Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral “ num Estado de Direito, as duas realidades (isto é, a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos), encontra-se indissociavelmente ligados, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares” (in Código de Procedimento Administrativo anotado, Editora Almedina, 4.º edição, pp. 41 do mesmo).
37. Sendo a República Portuguesa, um Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), na qual “o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática” (artigo 3.º, n. 2 da CRP) e onde “ a validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição” (artigo 3.º, n. 3 da CRP), não pode haver ofensa a um interesse público que se pretenda extrair de normativos inscritos em acto legislativo que ofenda a Constituição e os princípios nela consignados.
38. Por outro lado, o apelante não pode concordar com a conclusão e insuficiente fundamentação expressa na sentença em causa.
39. A fundamentação é expressa quando indica a motivação do ato administrativo, ou seja, as razões e argumentos nas quais a decisão judicial se baseia e a justificação, isto é, a exposição rigorosa e detalhada dos pressupostos de facto e de direito.
40. No nosso entendimento, a fundamentação além de expressa, tem de ser acessível, no sentido de levada ao conhecimento efetivo e não presumido do Apelante.
41. Fundamentação essa que, fazendo parte do ato administrativo, a sua notificação integra a garantia constitucional consagrada no artigo 268.º, n. 3 da CRP.
42. Ora, basta uma leitura atenta da sentença proferida, para ficarmos com a perceção que nada disso sucedeu, muito pelo contrário.
43. Com todo o respeito, não deve servir de fundamentação ao respectivo sentido de decisão do Tribunal ad quo, expressões genéricas, amplas e vagas como as contida na sentença proferida.
44. De forma estranha e no mínimo motivo de reflexão, em nenhum ponto da sentença proferida é mencionado a exacta e rigorosa fundamentação da não aceitação de cópia do processo disciplinar do Apelado, bem como, a reflexão, análise e decisão sobre o conteúdo, teor e sentido da notificação identificada como DOC n.º 1.
45. É nosso entendimento que a fundamentação constante da sentença proferida é insuficiente, dado que, o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão em causa.
46. Neste sentido, se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do ato, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o ato administrativo considera-se não fundamentado, nos termos da disciplina jurídica vertida no artigo 152.º e 153.º, ambos do CPA.
47. Deste modo, a não observância dos requisitos de fundamentação, constitui um vicio de forma e um vicio de violação de lei, por falta de fundamentação, susceptível de conduzir à nulidade do ato administrativo nos termos do artigo 161.º, n. 2, alínea d) do CPA, o que desde já se requer, com todas as devidas e legais consequências jurídicas.
48. A situação da impossibilidade do exercício do principio do contraditório, bem como, da fundamentação insuficiente, consubstancia em termos jurídicos um vicio do ato administrativo, mais precisamente o vicio de violação lei, por violação do Principio da Legalidade, nos termos dos artigos 103.º, n. 2 da CRP e 3.º do CPA.
49. O conteúdo essencial do vício de violação de lei respeita às ilegalidades objetivas materiais dos atos administrativos: o vício de violação de lei é, assim, aquele em que incorrem os atos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objeto e ao conteúdo.
50. Igualmente, o vício de violação de lei é também doutrinalmente empregue para garantir o carácter fechado da teoria dos vícios do ato administrativo: nestes termos, padecem de violação de lei os atos administrativos ilegais cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos outros vícios, podendo ter, este vicio um carácter residual.
51. Exemplos clássicos e integradores do conteúdo de vício de violação de lei, são a violação perante uma situação individual e concreta, dos princípios administrativos.
52. Nesse sentido, atente-se nas ponderadas, refletidas e sábias palavras do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu manual de Direito Administrativo Geral, Tomo III, Editora D. Quixote, 2.º edição, 2009, a pp. 166 do mesmo e que passamos a reproduzir na parte aplicável:
“ Exemplos de actos administrativos viciados de violação de lei: uma requisição de um prédio que não existe, um acto administrativo de conteúdo inteligível, um acto administrativo que viole os princípios da proporcionalidade ou da igualdade, um acto de atribuição de uma bolsa de estudo a uma pessoa que não reúne os pressupostos de facto para tal (…)”.
53. Ora, toda a situação descrita determina a nulidade do ato administrativo praticado, nos termos da disciplina jurídica vertida nos artigos 161.º, n. 2, alínea d) e 162.º, ambos do CPA, o que desde já se requerer, com todas as devidas e legais consequências.
54. Pelo que, o Tribunal ad quo violou a letra e espirito do artigo 607.º, n. 4 do CPC, designadamente, ao nível dos factos julgados provados e dos factos julgados não provados; análise crítica das provas, indicando-se as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando-se os demais fundamentos que foram decisivos para a fundamentação do Juiz; compatibilização de toda a matéria de facto adquirida e provada e por último, extrair dos factos apurados as presunções impostas por Lei ou por regras de experiência.
55. Pelos mencionados fundamentos, não podemos concordar com a conclusão expressa na sentença proferida pelo Tribunal ad quo.
56. Com todo o devido e douto respeito, conforme demonstrado de forma factual, objectiva e rigorosa, existem diversas realidades jurídicas e processuais, que versam sobre matérias e incidentes com relevância directa, decisiva e significativa para uma justa, equilibrada e equitativa decisão da matéria jurídica suscitada em juízo.
57. Pelo que, no nosso entendimento, qualquer apreciação sobre o mérito final do processo, terá de ter em consideração as mencionadas realidades.
58. Em diversos pontos da sentença proferida pelo Tribunal a quo, é evidente que não foi valorada nem atendida diversas provas, notificações, factos e matérias jurídicas.
59. Ora, estranhamente nada disto sucedeu no presente processo.
60. Pelo que, deveria o Tribunal a quo com toda a ponderação, equilibrado e proporcionalidade, como é seu timbre e tradição históricas, analisar e julgar do mérito da causa, das diversas realidades e matérias jurídicas e processuais suscitadas, da prova carreada para os autos e desse modo deve ser reapreciada toda a matéria de facto e de direito contida nos autos, ponderando e decidido sobre as diversas questões e realidades jurídicas suscitadas e da legalidade dos procedimentos realizados, que devem ser atendidos, considerados e valorados no âmbito da futura realização da audiência de discussão e julgamento.
II. Normas jurídicas violadas
1. Por todo o exposto, é entendimento do Apelante e com todo o devido e douto respeito, que foi objecto de violação na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a letra e espirito vertidos nos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 191.º, n. 1, 195.º, n. 2, 199.º, 227.º, 588.º, 607.º, n. 4 e 613.º, n. 1 e 3 todos do Código de Processo Civil, todos aplicáveis ex-vi por força do artigo 1.º, n. 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho; artigos 98.º, - J, n.º 3, 98.º, - J, n.º 3, alínea b), 98.º, - I, n.º 4, alínea a) e 390.º, todos do Código de Processo do Trabalho, artigos 3.º, 12.º, 148.º e 161.º, n. 2, alínea d) e 162.º todos do Código de Procedimento Administrativo, artigo 9.º do Código Civil e por último os artigos 103.º, n. 2, 266.º, n. 1 e 267.º, n. 5 todos da Constituição da República Portuguesa.» - fim de transcrição.
Contudo, por se atentar no princípio da proporcionalidade ainda assim ir-se-á apreciar - por a mesma se poder inferir de uma análise global da peça processual em causa -. uma segunda questão que consiste em saber se deve reputar-se o processo afectado de nulidade processual decorrente da prolação de uma sentença surpresa .
Anote-se , desde já, que embora a recorrente por diversas vezes aluda ao Código de Procedimento Administrativo (CPA) atento o tipo de acção em causa ao presente processo logra obviamente aplicação o Código de Processo de Trabalho.
Relembre-se o principio da especialidade .
Segundo acórdão do STJ , de 22-02-2017, proferido no processo nº 5384/15.3T8GMR.G1.S1 , Nº Convencional: 4ª. Secção , Relator Conselheiro Chambel Mourisco (acessível em www.dgsi.pt):
“ 5 - A disposição constante do art.º 1.º n.º 1 do CPT, de que o processo do trabalho é regulado pelo respetivo Código, continua a ser a norma estruturante que deve nortear toda a interpretação inerente a um regime que o legislador quis destacar do CPC, dadas as suas particularidades.
6. No processo laboral o registo da prova continua a ter carácter facultativo, tal como se encontra definido no art.º 68.º do CPT, disposição que não foi derrogada pela primeira parte do n.º 1 do art.º 155.º do CPC.” – fim de transcrição.
Deste preceito decorre que deve ser dada prioridade ao regime contido no CPT apenas se devendo recorrer ao NCPC se e na medida em que a matéria não encontre naquele diploma regulamentação específica ( vide neste sentido Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes ,Recursos no Novo Código de Processo Civil , 2016, 3ª edição, Almedina, pág. 471).
Nas palavras de Joana Vasconcelos ( Direito Processual do Trabalho , Universidade Católica Editora, pág. 21 ) :
“ A jurisdição em matéria de trabalho rege-se por um conjunto de normas adjetivas próprias – o processo de trabalho – contidas no CPT” – fim de transcrição.
Anote-se que os artigos 98º - I, 98º - J e 98.º-L desse diploma regulam:
Artigo 98.º-I
Audiência de partes
1 - Declarada aberta a audiência pelo juiz, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento.
2 - Após a resposta do trabalhador, o juiz procurará conciliar as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 52.º e 53.º
3 - Caso verifique que à pretensão do trabalhador é aplicável outra forma de processo, o juiz abstém-se de conhecer do pedido, absolve da instância o empregador, e informa o trabalhador do prazo de que dispõe para intentar acção com processo comum.
4 - Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:
a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;
b) Fixa a data da audiência final.
Artigo 98.º-J
Articulado de motivação do despedimento
1 - O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
2 - No caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito. 3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
4 - Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido nas alíneas a) e b) do número anterior.
5 - Se o trabalhador apresentar o articulado a que se refere a alínea c) do n.º 3, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar contestação, observando-se seguidamente os restantes termos do processo comum regulados nos artigos 57.º e seguintes.
Artigo 98.º-L
Contestação
1 - Apresentado o articulado de motivação do despedimento a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.
2 - Se o trabalhador não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo empregador, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
3 - Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, independentemente do valor da ação.
4 - Se o trabalhador tiver deduzido reconvenção, nos termos do número anterior, pode o empregador responder à respetiva matéria no prazo de 15 dias.
5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 60.º do presente Código e no n.º 6 do artigo 266.º do Código de Processo Civil.
6 - As partes devem apresentar ou requerer a produção de prova nos respetivos articulados ou no prazo destes.
***
Dito isto, analisados os presentes autos afigura-se-nos evidente que a Ré/recorrente não juntou o processo disciplinar [ o qual não se confunde com peças avulsas , esparsas dele] no prazo que lhe foi conferido para o efeito , nos termos da lei , em sede da audiência de partes, sendo certo que o mesmo tem cariz peremptório.[1]
Aliás , também o não fez de forma tempestiva no âmbito de notificação posterior que lhe foi feita [ sendo que não se vislumbra que tenha sido proferido despacho a determina-la [2]…] para tal efeito qualquer que se considere o inerente prazo (10 dias por a notificação nada referir a esse título ou os 15 dias decorrentes da lei) .
Por outro lado, resulta da conjugação da alínea b) do artigo 98º - I com o nº 3 do artigo 98º - J do CPT que a falta dessa junção tem um efeito cominatório pleno em sede da declaração da ilicitude do despedimento do trabalhador, e da condenação da entidade empregadora:
- a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, caso o trabalhador tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar-lhe, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
- no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
- ordenar-se a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.
A junção do procedimento disciplinar integral em causa , que é um documento particular [ vide artigo 362º do Código Civil] , é um ónus que recai sobre a entidade empregadora que evidentemente não fica exonerada da sua observância pelo facto de algumas peças que dele fazem parte até já constarem do processo[ vg: nota de culpa, decisão final].
É que um processo disciplinar completo é mais do que isso , sendo um conjunto de actos ordenado e sequencial que levou ao despedimento em análise o qual pode inclusive remontar ao inquérito prévio, sendo certo que tal como refere o STJ , em aresto de 10.7.2013, proferido no processo nº 885/10.2TTBCL.P1.S1, Nº Convencional:4ª Secção, Relatora Conselheira Maria Clara Sottomayor, acessível em www.dgsi.pt :
« Pensamos, assim, que o articulado inicial apresentado pelo empregador é o instrumento processual fundamental desta acção de impugnação do despedimento, como aliás indica o elemento sistemático de interpretação, na medida em que o art. 98.º-J tem como epígrafe “Articulado do empregador”.
Serve este articulado para que a entidade empregadora apresente os motivos fundamentadores da aplicação da sanção disciplinar de despedimento.
É assim claro que não se basta a lei com a apresentação do procedimento disciplinar, devendo aplicar, quando falta o articulado inicial do empregador, a cominação legal de declaração de ilicitude do despedimento, dada a natureza e função deste articulado, equivalente a uma petição inicial.
Perante esta solução, coloca-se a questão de saber se a acção pode prosseguir, na hipótese de a empresa entregar o articulado dentro do prazo legal, mas não juntar o procedimento disciplinar.
A letra da lei, como vimos, é clara: como a oração está construída na negativa, a vírgula antes do “ou” contém, em si, implícita, a conjunção coordenada copulativa.
Assim, para que seja declarado ilícito o despedimento é suficiente que falte, ou o articulado ou o procedimento disciplinar; os dois têm de ser entregues sob pena da cominação estatuída.
A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro e dos estudos prévios citados, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.
Apesar de o procedimento disciplinar ser um instrumento complementar ao articulado - peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos:
1) Nos casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar, visa-se excluir, ab initio, o prosseguimento da acção (o despedimento seria sempre ilícito ao abrigo do art. 381.º, al. c) do CT/2009);
2) Nos casos em que existe um procedimento disciplinar interno à empresa, a lei exige a sua junção dentro do prazo de 15 dias, supondo que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de:
a) Permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;
b) Permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.
Sendo assim, os elementos de interpretação da norma do art. 98.º-J, n.º 3 indicam, em consonância, que a não junção do procedimento disciplinar, no prazo de 15 dias, tem por consequência a declaração da ilicitude do despedimento, assumindo este prazo uma natureza peremptória, que não admite a possibilidade de, a requerimento do empregador, ser concedido um prazo acrescido.» - fim de transcrição.
Neste sentido aponta também Paulo Sousa Pinheiro [ Curso de Direito Processual do Trabalho , de acordo com as alterações ao Código de Processo de Trabalho efetuadas pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, Almedina, Maio de 2020, a pág 179] , sendo que na nota nº 423 cita tal aresto.
Nada há, pois a censurar à decisão recorrida na parte em que por falta dessa junção atempada aplicou o disposto no nº 3 do artigo 98º - J do CPT .
Improcede essa vertente do recurso.
Mas será que o processo em apreço se mostra afectado de uma nulidade processual por a sentença em causa constituir uma decisão surpresa ?
Entendemos negativamente.
Segundo o artigo 3.º do CPC:
Necessidade do pedido e da contradição
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Assim , a nosso ver, não se verifica qualquer decisão surpresa.
Tal como se refere em acórdão da Relação de Coimbra , de 26-06-2012, proferido no âmbito do processo nº 7026/04.3TJLSB. C1, Nº Convencional: JTRC , Relator Carlos Moreira, acessível em www.dgsi.pt :
« O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspectiva das partes, quiçá o mais relevante.
Na verdade: «o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)…esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade» - Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, p.379.
A sua consagração legal mais evidente está plasmada no artº 3º nº3 do CPC:
«O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa.
Na verdade: «quer o direito de ação, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respetiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é suscetível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3» - Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10.
Não obstante importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspectivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, nos próprios dizeres da lei, de manifesta desnecessidade.
Por outro lado certo é que: «os patronos das partes devem conhecer o direito, e, consequentemente, uma vez na posse dos factos, devem, de igual modo, prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são suscetíveis» - Ob. Aut. e Loc. cits.
Verifica-se assim que o cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes.
Na verdade importa atentar no disposto no artº 664º do CPC[20][21], sob a epigrafe: relação entre a actividade das partes e a do juiz:
«O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º».
A interpretação deste preceito é doutrinal e jurisprudencialmente pacífica, no sentido propugnado na clara síntese efetivada por Abílio Neto, ob. Cit. p.193:
«Em matéria de direito o tribunal pode e deve substituir-se à parte (artºs 664º, 713º nº2 e 726º), dando por violadas normas que na realidade tenham sido, explícita ou implicitamente invocadas, ou nem tal sequer, desde que efectivamente cogentes para resolução das questões submetidas à sua apreciação, não se encontrando, assim, adstrito à qualificação dos factos efectuada pelas partes…desde que se mantenha dentro da causa de pedir invocada pelas partes e observe o artº 3º nº 3».(realce nosso).
Nesta conformidade, e de uma razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o artigo 3º nº 3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.
O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como sendo possível.
Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito – cfr. Acs do STJ de 29.09.1998 e de 14.05.2002, dgsi.pt, p. 98A801 e 02A1353, respetivamente e Ac. da Relação de Lisboa de 04.11.2010, p. 260/10.9YRLSB-8.
Na verdade o artº 3º nº 3 do CPC não retira ao tribunal a liberdade de dizer o direito, o que constitui uma das essentialia da função jurisdicional. E sendo verdade que os advogados das partes devem conhecer o direito, uma vez na posse dos factos, devem prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são suscetíveis, pelo que só a alteração particularmente relevante do módulo jurídico perfilhado pode ter a virtualidade de se subsumir em tal segmento normativo - Abílio Neto, ob. Cit. p.10 » – fim de transcrição.
Analisada a presente situação dir-se-á que a questão suscitada na decisão recorrida ( que a recorrente pretende ver fulminada de nulidade por ter sido proferida de surpresa), era perfeitamente possível de prognosticar por banda da Ré que , inclusive em sede de audiência de partes , foi notificada para efectuar a junção em causa sob pena de lhe ser aplicada a cominação em apreço.
Em síntese, também improcede a segunda questão suscitada no recurso e este na íntegra.
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Lisboa, 2023-09-13
Leopoldo Soares
Paula Santos
Sérgio Almeida
_______________________________________________________ [1] Vide sobre o assunto Joana Vasconcelos, Comentário aos artigos 98º - B a 98º - P do CPT, Processo especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento, UC Editora , Outubro de 2015, pág. 81 (anotação nº 15 ao artigo 98º - J.) [2] Vide sobre o assunto Joana Vasconcelos, Comentário aos artigos 98º - B a 98º - P do CPT, Processo especial para impugnação da regularidade e licitude do despedimento, UC Editora , Outubro de 2015, pág. 82 (anotação nº 16 ao artigo 98º - J.