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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA
Sumário
1. Verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador.
2. Verifica-se o vício de erro notório na apreciação da prova quando, no texto da decisão recorrida, se considera provado, ou não provado, um facto que contraria a mais elementar lógica e viola, de forma frontal e clara, as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista do homem médio, devendo tal vício constar da própria decisão da matéria de facto e não da motivação desta ou da fundamentação de direito.
3. O comportamento do arguido injuriando diariamente a vítima, com as expressões “puta”, “porca” e “vaca”, e onde ambos coabitavam com filho menor, tendo como consequência desse comportamento a saída da vítima, acompanhada do menor, por alguns dias, para a residência de uma irmã sua, e noutra altura, para pernoitar na residência de uma vizinha, é sintomático que este comportamento preenche o tipo de crime de violência doméstica.
4. Considerando que a ilicitude foi mediana; as circunstâncias do crime; o tempo de vida em comum; as expressões proferidas e as ofensas físicas produzidas; a gravidade das consequências, que não foram elevadas; o dolo, que foi direto; a falta de confissão, que, no caso, implica a falta de arrependimento; a sua situação económica, laboral (encontra-se empregado) e familiar; o ter antecedentes criminais publicitados, embora por crimes de natureza diferente à dos presentes autos, julga-se ajustada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 3ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
1.1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 197/19.6GBMFR a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Criminal de Mafra, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“A) Absolvo o arguido C______ da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs. 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal. B) Não arbitro o pagamento de qualquer indemnização por parte do arguido C______ a M______ ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal. C) Condeno a assistente M______ no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta. * Cumpra o disposto no artigo 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. * Das medidas de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos Determina o artigo 214.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, que “1 – As medidas de coacção extinguem-se de imediato: d) Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso”. Nos presentes autos vai o arguido absolvido da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs. 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal. Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos indicados, declaro a extinção das medidas de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos aplicadas ao arguido. Passe mandados de libertação imediata, dando conhecimento ao Tribunal de Execução de Penas, ao Estabelecimento Prisional e à Direcção-Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais. * Cumpra o disposto nos artigos 37.º, n.º 1, e 37.º-B, ambos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.”.
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1.2. Inconformado com essa decisão dela recorreu o MP tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de absolvição – artigo 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal- uma vez que os factos provados na vertente de ofensas verbais/ psicológicas e físicas e sua motivação, bem como a demais prova, impunham uma decisão no sentido de condenação do arguido; 2. Padece igualmente de erro notório de apreciação da prova – artigo 410º nº 2 alínea c) do Código Processo Penal- uma vez que aos olhos de um homem médio a fundamentação da prova conduz ao enquadramento do crime de violência doméstica considerando a ofensa à integridade física e psicológica de M__________ através de factos que foram testemunhados pelas testemunhas oculares havendo abundante fundamentação quanto à verificação dos factos. 3. De acordo com os factos provados nas alíneas A) a N) da sentença recorrida e considerando a sua motivação estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, através de ofensas verbais do arguido para com a mãe de seu filho, que lhe provocaram danos emocionais - tristeza , humilhação e nervosismo constantes – e ofensas à integridade física, e, em consequência os factos provados são os suficientes e adequados a fazer concluir pela verificação de tais elementos do crime de violência doméstica; 4- Considerando os factos provados e à luz das regras da experiência e da livre apreciação da prova, impunha-se um exame crítico que conduzisse a uma decisão no sentido da condenação do arguido à luz do artigo 127º do Código de Processo Penal; 5.Em consequência deverá ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º nºs 1 alínea b), 2, 4, 5 e 6 do Código Penal.
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1.3. O recurso foi objeto de despacho de admissão.
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1.4. O arguido C_______, regularmente notificado da interposição do recurso, não veio juntar resposta.
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1.5. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto apresentou o seu parecer, limitando-se a apor o seu “visto”.
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1.6. Considerando o teor do Parecer emitido pelo MP junto desta Relação entendeu-se que não ser suscetível de invocar o cumprimento do art.º 417º, nº 2 do CPP.
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1.7. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do Recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Ac. do STJ, de Fixação de Jurisprudência, nº 7/95, de 19.10.1995, in DR, 1ª Série-A, de 28.12.1995; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103 e Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196.
Desde já se consigna que este Tribunal de recurso não tem de analisar todos os argumentos aduzidos pelo arguido.[1]
No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:
a) Contradição da fundamentação da matéria de facto dada como provada e a decisão - 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal;
b) Erro notório na apreciação da prova- artigo 410º nº 2 alínea e 9 do Código de processo Penal;
c) Verificação dos elementos do tipo de crime;
d) Requisitos do princípio da livre apreciação da prova- artigo 127º do CPP.
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2.2. A sentença recorrida no que concerne aos factos provados e não provados tem o seguinte teor: 1. Factos Provados Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos: A) O arguido e M_______ iniciaram uma relação de namoro em data não concretamente apurada, vivendo como se fossem marido e mulher, desde o ano de 2015 e até à presente data, com residência na Rua __________. B) Dessa relação nasceu o filho MT_______ em 2015. C) O agregado familiar apenas dispõe da remuneração que o arguido aufere do exercício da sua actividade profissional. D) O arguido consome bebidas alcoólicas em excesso com frequência não concretamente apurada. E) Em número de vezes e em datas não concretamente determinadas, com uma frequência quase diária, o arguido dirigiu-se a M_______, apodando-a de “puta”, “porca” e “vaca”. F) Tais factos são praticados mesmo na presença do filho menor de ambos. G) Em data não concretamente apurada, situada no inverno de ano não concretamente apurado, cerca das 20H, M_______ gritou por socorro e pediu ajuda à vizinha E_________, gritando “T____, chama a polícia, o C_____ está-me a bater”. H) Foi então que o arguido agarrou M_______ pelos cabelos, puxando-os, até que acabou por largar, sendo que esta saiu do interior da residência com o filho menor de ambos ao colo e pernoitou durante cerca de uma semana em casa da sua irmã. I) O arguido actuou do modo descrito com o propósito concretizado de maltratar M______, molestando-a no seu corpo, tendo agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal. J) No dia 07/04/2019, cerca das 13H30m, no interior da residência de ambos, sita na Rua ______, o arguido aparentava encontrar-se alcoolizado. K) Nessa ocasião, enquanto M_______ se encontrava no exterior da residência a chorar, o arguido permaneceu no quintal da mesma a segurar o filho menor de ambos. L) A dada altura, o arguido impediu que a vizinha F___________ levasse o filho do arguido, e quando aquela pediu que a deixasse levar o menino, o arguido pegou no filho e levou-o para a parte posterior da residência. M) No mesmo dia, à noite, M_______ pernoitou na casa da vizinha A______ N) M______ _e o menor estiveram ausentes de casa durante 4 dias. O) O grau de risco atribuído a esta situação é baixo. P) O arguido é calceteiro, auferindo, mensalmente, a quantia de cerca de €700. Q) O arguido é divorciado, vivendo maritalmente com M_______, a qual é doméstica. R) O arguido tem três filhos, sendo os dois mais velhos financeiramente independentes. S) Quando em liberdade o arguido reside em habitação arrendada, sendo o valor da renda de €200. T) O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 4.º ano de escolaridade. U) O arguido foi condenado, em 09/10/2006, pela prática, em 27/03/2005, de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, numa pena de 50 dias de multa. V) O arguido foi condenado, em 24/08/2010, pela prática, em 22/08/2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 80 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses. W) O arguido foi condenado, em 08/11/2011, pela prática, em 10/09/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 120 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 10 meses. X) O arguido foi condenado, em 30/10/2012, pela prática, em 10/09/2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal, numa pena de 120 dias de multa. Y) O arguido foi condenado, em 07/03/2013, pela prática, em 15/12/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 3 meses de prisão, suspenso na sua execução pelo período de 1 ano, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 ano. 2. Factos não provados 1) Que a residência mencionada em A) esteja arrendada a M_______ e que a frequência com que o arguido consome bebidas alcoólicas seja diária, desde data não concretamente apurada situada no ano de 2016, apresentando-se constantemente embriagado. 2) A relação entre o arguido e M_______ entrou em escalada de degradação desde então, devido aos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas daquele. 3) O arguido tornou-se uma pessoa conflituosa e agressiva. 4) Assim, por diversas vezes, em datas não concretamente determinadas, situada no período em referência, com uma regularidade semanal, na sequência de uma qualquer discussão, o arguido desferiu empurrões murros, bofetadas e puxões de cabelo com que atingiu M_______ em diversas partes do seu corpo. 5) Em consequência directa e necessária dessas condutas, M_______ sentiu dor e sofreu hematomas na zona da face, troco e membros superiores. 6) Algumas dessas vezes, M_______ teve necessidade de receber assistência médica. 7) Que no momento descrito em E) o arguido tenha dito “puta do caralho”, “Meto-te a faca na cona, vai até à boca”, “quando chegares a casa corto-te com a picareta ao meio”, “estás bem é enterrada com a cabeça no chão” e “eu mato-te”. 8) Quando M_______ se encontra na presença de amigas do rancho da Póvoa da Galega, o arguido frequentemente dirige à mesma as seguintes expressões: “vais com as tuas amigas, vão para o putedo, lá vão elas”, “és uma puta”, “tens amantes”, “andas aí com outros”, “vai para a cona da tua mãe”, “qualquer dia vais ver o que te acontece” e “se morresses não fazias cá falta nenhuma”. 9) Que a situação descrita em G) tenha ocorrido no ano de 2018, no interior da residência de ambos, a pretexto de uma discussão em que o arguido se encontrava embriagado, este desferiu de forma ininterrupta diversos empurrões e bofetadas com que atingiu diversas partes do corpo de M______, sobretudo a face. 10) Simultaneamente, o arguido dirigiu a M_______ as expressões “puta”, “filha da puta”, “porca”, “eu mato-te”, “devia era matar-se” e “andas com amantes”. 11) Que no momento descrito em H) o arguido tenha puxado os cabelos de M______ com força e que esta tenha saído da habitação aproveitando um momento de distracção do arguido. 12) Em consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, M_______ sentiu dores, mas não teve necessidade de receber assistência médica. 13) Também em data não concretamente determinada, situada entre Agosto e Setembro de 2018, o arguido desferiu diversos diversas bofetadas e puxões de cabelo com que atingiu o corpo de M______. 14) Em consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, M_______ sentiu dores e teve necessidade de receber assistência médica no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. 15) Também em data não concretamente apurada, situada no mesmo período de tempo, no interior da residência de ambos, na sequência de uma outra discussão, o arguido avançou em direcção a M_______ quando esta se encontrava com o filho de ambos ao colo e desferiu diversos murros e bofetadas com que atingiu M_______ na zona da cabeça. 16) Em consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, M_______ sentiu dores, mas não teve necessidade de receber assistência médica. 17) Numa outra ocasião, em data não concretamente apurada, situada no mesmo período de tempo, o arguido começou uma outra discussão, na sequência da qual desferiu diversos empurrões com que atingiu M_____. 18) Dessa vez, o arguido trancou M______ no interior da residência de ambos de modo a impedir que a mesma saísse de casa para se deslocar a uma consulta médica com o filho menor de ambos no Hospital Beatriz Ângelo em Loures, o que levou a mesma a comunicar com a vizinha A______ através da janela. 19) No dia 05/11/2018, no interior da habitação de ambos, porque se encontrava embriagado, o arguido começou a implicar com M______ e após dirigiu-se à mesma apodando-a de “puta”, “filha da puta”, “tens amantes”, “qualquer dia mato-te” e “porca”. 20) Acto contínuo, o arguido avançou na direcção de M_______ e quando esta se preparava para fugir, o arguido desferiu um murro com que atingiu a face de M_______ na zona do queixo e de seguida desferiu um outro murro com que atingiu o corpo da mesma na zona do peito. 21) Logo após o arguido desferiu um empurrão com que atingiu o corpo de M______, provocando-lhe o desequilíbrio, na sequência do que veio esta a embater com a cabeça na parede da varanda, momento em que o arguido cessou aquele comportamento. 22) Em consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, M_______ sentiu dores e sofreu hematomas na cabeça e olho esquerdo, tendo recebido assistência médica no Hospital Beatriz Ângelo em Loures. 23) Que no momento descrito em J) o arguido se apresentasse extremamente alcoolizado e tenha começado uma outra discussão com M_____, na sequência da qual começou por se dirigir a esta apodando-a de “puta”, “filha da puta” e “porca” e afirmando “tens amantes”, “qualquer dia eu mato-te”. 24) Na sequência dessa discussão, o arguido avançou na direcção de M_______ e desferiu dois murros com que atingiu o corpo da mesma no queixo e no peito, após o que desferiu um empurrão com que a atingiu nas costas, provocando-lhe o desequilíbrio, momento que a mesma conseguiu refugiar-se na via pública. 25) Que no momento descrito em K) o arguido segurasse o filho pelo braço de modo a impedir que o mesmo fosse para junto da mãe, não obstante as investidas e choro do menor. 26) Que no momento descrito em L) o arguido tenha impedido que F_____ abrisse o portão do quintal para ir buscar o menor e apontou para todos os presentes, dizendo “Vocês metam-se na vossa vida”. 27) O arguido só acedeu entregar o filho de ambos à chegada da patrulha da GNR. 28) Nesse mesmo dia, quando a patrulha da Guarda Nacional Republicana abandonou o local, o arguido dirigiu a M_______ as seguintes expressões: “Deixa-os ir embora que eu trato de ti. Eu meto-te em duas tábuas”. 29) Na mesma ocasião, o arguido confrontou a vizinha A______, questionando-a do seguinte “Quero saber quem é o homem que te disse que eu lhe estava a bater”. 30) Que no momento descrito em M) o arguido se tenha deslocado à residência de A______ e tenha batido à porta a fim de saber se M______ ali se encontrava. 31) Em consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, M_______ sentiu dores e teve necessidade de receber assistência médica no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures. 32) Posteriormente, no dia 13/04/2019, cerca das 14h00m, o arguido, apercebendo-se da presença da GNR junto à sua residência e após estes terem abandonado o local, agarrou na notificação dirigida a M_______ para prestar declarações no âmbito destes autos de inquérito e rasgou-a em pedaços. 33) Na posse dessa correspondência, o arguido rasgou-a e depois queimou-a, a fim de impedir o conhecimento do seu teor por parte da ofendida. 34) A dada altura M_______ deslocou-se ao exterior da residência e perguntou à vizinha E______ se tinha sido a GNR a deixar uns papéis. 35) Nesse momento, o arguido dirigiu a M_______ as seguintes expressões “Eu rebento-te toda. Filha da Puta. Vais tu e a GNR. Eu é que pago a renda. Vives às minhas custas, nunca pagaste nada, quem paga tudo sou eu. Se fosses uma mulher a sério preocupavas-te era em fazer o almoço. Puta”. 36) O arguido actuou conforme descrito em 1) a 35) com o propósito concretizado de a maltratar, molestando-a no seu corpo e atemorizando-a, bem sabendo que aquela, é a sua mulher e mãe do seu filho, pelo que devia assumir perante a mesma um comportamento compatível com a relação que mantêm, ao invés, atingiu-a na sua dignidade, causando nela humilhação e uma permanente sensação de medo e insegurança, o que quis, não se coibindo de o fazer no interior da residência de ambos e na presença do filho menor de idade. 37) As discussões do casal eram motivadas pelo modo como M______ cuidava do filho do casal. Não resultaram provados outros factos, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
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2.3. Por sua vez quanto à motivação da matéria de facto a sentença tem o seguinte teor: O tribunal estribou a sua convicção, no que concerne aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelas testemunhas A______ (vizinha do casal), E_____ (explora um cabeleireiro sito diante da habitação do arguido e de M_______), F______ (conhece o arguido há cerca de quatro anos por terem um grupo de amigos motard em comum), A______ (vizinha do arguido e de M_______), R______ (conhece o arguido da localidade da Póvoa da Galega desde há três anos), S______ (explora uma papelaria próximo da habitação do arguido e de M_______), F______ (irmã de M_______), T____ (filha do arguido) e L_____ (amiga do arguido e madrinha do filho do casal). O arguido e M______ não prestaram declarações sobre os factos. A prova dos factos descritos em A) e B) resultou do cotejo do teor das declarações do arguido (que admitiu manter uma relação marital com M______ com quem tem um filho com quatro anos de idade, tendo indicado a morada referida em A) no Termo de Identidade e Residência prestado a fls. 101) com as produzidas por M______(que mencionou ter vivido maritalmente com o arguido desde 2014/início do ano de 2015 e até à detenção do arguido). Do assento de nascimento de fls. 94 resulta demonstrado o facto descrito em B). Também as testemunhas ______ confirmaram a relação do casal, o filho que têm em comum e a residência do agregado (não tendo nenhuma mencionado que a residência estivesse arrendada a M______ pelo que o facto descrito em 1), nesta matéria, não resultou demonstrado), pelo que a mencionada factualidade resultou demonstrada. Das declarações do arguido a respeito das suas condições sócio-económicas (onde mencionou o seu rendimento e a ausência de qualquer remuneração por parte da companheira) e das produzidas por ______ (que referiram que M_____ desempenhou actividade profissional remunerada até poucos meses após o nascimento do filho, tendo deixado de trabalhar até à presente data), resultou provado o facto descrito em C). Os factos descritos em D) a F) resultaram demonstrados com base no teor das declarações produzidas por _____. Com efeito, A____, usando de espontaneidade e determinação, relatou ter presenciado o arguido a chamar “puta” a M_______, verificando que a mesma se apresentava nervosa e alterada após as discussões com o arguido. Denotando isenção referiu nunca ter escutado ao arguido qualquer expressão de conteúdo ameaçador, o que E_____ também referiu, tendo esta testemunha escutado igualmente o arguido a dirigir a M______a mesma expressão supra mencionada. Com isenção, A_____ explicitou que nas situações que presenciou o arguido não se apresentava embriagado embora aparentasse ter ingerido bebidas alcoólicas. Chegou, porém, a ver o arguido embriagado, o que E______ e A______ confirmaram, explicitando estas duas testemunhas terem visto o arguido a ingerir bebidas alcoólicas num estabelecimento de café. Também F______ referiu ter visto o arguido embriagado em festas de aniversário, confirmando L______ que o arguido consome bebidas alcoólicas. S______, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal que chegou a ver o arguido no café existente ao lado da papelaria que explora, vendo-o alcoolizado. Denotando verosimilhança, relatou que por vezes assistiu o arguido a dirigir a M______ (que o acompanhava enquanto passavam a pé diante da papelaria) as expressões “puta”, “porca” e “vaca”. Também A______, que reside na habitação contígua à do casal, relatou que com frequência quase diária e sobretudo em horário de final do dia, escutava discussões do casal, desconhecendo quem as iniciava, o que mencionou denotando isenção. Referiu não conseguir compreender o que era dito no âmbito de tais discussões, escutando o choro da criança. Acrescentou, revelando um conhecimento pessoal dos factos, que cruzava-se amiúde com o arguido no trajecto para casa, e percebia que o mesmo se apresentava alcoolizado, tendo-o visto a ingerir bebidas alcoólicas no café. Susana Pereira, prestando um depoimento espontâneo e firme, referiu ser amiga de M______e dar explicações a M__ (sobrinha de M____), frequentando pois a casa do casal ao final do dia (quando a criança regressava da escola). Com firmeza, referiu ter presenciado discussões iniciadas pelo arguido (que se apresentava alcoolizado), no âmbito das quais aquele dirigia a esta expressões como “puta, vaca”, provocando tristeza em M_______. O filho do casal estava presente quando ocorriam as discussões (o que corrobora as declarações de A_____), pelo que a factualidade descrita em F) também resultou provada. Na ausência de outros meios de prova a tanto conducentes, a factualidade descrita em 7) não resultou provada. A factualidade descrita em G) a I) foi mencionada por E_____ que, prestando um depoimento espontâneo, firme, e evidenciando um conhecimento pessoal dos factos, descreveu ao tribunal, fazendo-o de modo circunstanciado, que num sábado do ano de 2017 (referiu que M____ teria cerca de dois anos de idade), pelas 20H30, sendo inverno, viu M______(não tendo visto crianças no momento) à janela da sua residência gritando para a depoente (que explora um cabeleireiro na mesma rua e em frente à habitação do casal) “T____ chama a polícia, o C____ está-me a bater”. A depoente disse-lhe então que saísse para a rua, tendo neste momento visto o arguido a puxar os cabelos de M_______, o que presenciou a partir da montra do cabeleireiro. Após, viu M______a sair para a rua com o filho e com a sobrinha Mat, tendo entrado no cabeleireiro da depoente. Com firmeza, referiu que M______ se apresentava nervosa, tendo E___ estado a conversar com o arguido, que é funcionário (desempenhando as funções de calceteiro) de uma empresa de construção civil que a depoente explora. Seguidamente, o arguido foi para casa e a depoente telefonou à irmã de M_______, de nome F______, que levou M______, o filho desta e Mat para a sua habitação (o que F______ confirmou em consonância), onde mãe e filho permaneceram durante cerca de uma semana, tendo E_____ explicitado que na quarta-feira após os factos (que ocorreram num sábado), M______ compareceu no seu cabeleireiro dizendo estar a regressar à sua habitação. Com isenção e denotando verosimilhança, E___ referiu que não escutou quaisquer palavras que tenham sido proferidas anteriormente ao momento que relatou porquanto encontrava-se no interior do cabeleireiro e com o secador de cabelos a funcionar (pelo que o barulho impedia-a de escutar). F______ confirmou ao tribunal que em data que não logrou precisar mas que situou em Dezembro de 2018 ou Janeiro de 2019, à noite, deslocou-se até à residência da irmã onde a encontrou na rua (na parte dianteira da habitação) acompanhada de umas vizinhas, do filho e de Mat. Escutou então a voz do arguido que, no interior da habitação, gritava palavras que não conseguiu entender. Entrando na residência, deslocou-se até às traseiras, e no anexo encontrou o arguido a gritar os nomes que elencou, explicitando, no que evidenciou isenção, que o mesmo poderia desconhecer que a companheira se encontrava na rua na parte da frente da residência. Levou então a irmã e o sobrinho para a sua residência, onde os mesmos permaneceram por quatro a cinco dias. Do cotejo dos depoimentos prestados, resultou demonstrada a factualidade elencada mas já não a descrita em 9) a 12) por ausência de prova a tanto conducente. A factualidade descrita em 17) e 18) foi mencionada por A____ que, circunstanciadamente, relatou ao tribunal que em data que não logrou precisar do ano de 2018 viu M______ à janela da sua habitação, que, nervosa, chorosa e a tremer, pediu auxílio à depoente (que se encontrava no exterior da residência) dizendo que pretendia ir com o filho ao hospital mas que a porta da habitação se encontrava fechada. Contudo, e sem que A____ entrasse na zona da residência, M______ logrou encontrar as chaves e abrir a porta, tendo saído ao encontro da depoente, que a levou a ela e ao filho até ao Hospital Beatriz Ângelo. Não obstante A____ ter mencionado que M_____ _estaria impedida de sair do interior da habitação, certo é que, como foi referido pela própria, aquela saiu da residência pelos próprios meios, pelo que, na ausência de outros meios probatórios a factualidade em causa não resultou demonstrada. A factualidade descrita em J) a N) foi relatada por F______, S______, R_______ e T______. Com efeito, F______ relatou ao tribunal que, em data que não logrou precisar, ao regressar de uma concentração motard, escutou uma criança a chorar no quintal, apercebendo-se que se tratava de M______. Ao aproximar-se da habitação, encontrou, na rua, M______(que se apresentava nervosa e a chorar), A____ (o que esta confirmou embora tenha mencionado não ter presenciado o que se passou anteriormente) e R_______. No quintal da residência encontravam-se o arguido com o filho MT______, o qual chorava, e que estava de mão dada com o pai. A depoente pediu então ao arguido que a deixasse levar a criança, o que o arguido negou dizendo para as pessoas presentes não se intrometerem, tendo levado o filho, pela mão, para o interior da habitação. Apercebendo-se que a criança se calara, F______ ausentou-se do local, tendo-se apercebido da chegada da Guarda Nacional Republicana. Questionada, referiu que o arguido aparentava ter ingerido bebidas alcoólicas mas que se encontrava “normal” (sic). Por sua vez, S______, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal que em data que não logrou precisar mas que situou no final do ano de 2018/início do ano de 2019, antes do verão de 2019, em hora anterior à do almoço, tendo ido visitar os avós à residência destes e sita próxima da do arguido e M_______-, escutou gritos provenientes deste último local. Rumou à habitação do casal tendo encontrado, no trajecto, F______ que lhe contou que pedira ao arguido que a deixasse trazer o menino, o que foi negado por aquele. Ao chegar à residência encontrou o arguido (que se apresentava embriagado e nervoso) e o filho no quintal, estando M______ na rua acompanhada por várias pessoas, entre as quais se encontravam A____ e a mãe da testemunha. Com firmeza referiu que a sua mãe pediu ao arguido que lhe entregasse o M______, o que o arguido fez, tendo a mãe de S______ entregue a criança (que se apresentava nervosa e a chorar) a esta última, que o levou para a sua habitação, tendo S______ encontrado, no caminho, T______. Pese embora S______ tenha mencionado ter escutado o arguido a dizer a M______“eu mato-te”, certo é que, de acordo com o relato da testemunha a mesma só presenciou a factualidade após ter chegado à habitação no momento que mencionou, sendo que, de acordo com a acusação, as expressões foram proferidas antes de tal momento. Corroborando os mencionados depoimentos, R_______ relatou ao tribunal que em Abril de 2019, antes da hora do almoço, a testemunha encontrou M______ no exterior da residência com o rosto vermelho (mencionando desconhecer se a mesma estivera a chorar) e gritando pelo filho que se encontrava no quintal da habitação com o pai (que cambaleava), o qual não deixava que o menino saísse. Diversas pessoas, entre as quais F______, haviam pedido ao arguido que entregasse a criança, mas o mesmo só entregou o MT______ a S______. Segundo mencionou, quando as autoridades policiais chegaram ao local a criança estava ao colo de S______. Finalmente, T______ relatou ao tribunal, fazendo-o com espontaneidade e determinação, que no dia 07 de Abril de 2019, próximo das 14H, o marido de A____ telefonou para si reportando que teria ocorrido uma situação na habitação do seu pai e que a polícia se dirigia para lá. A depoente rumou então à residência do arguido, tendo-se cruzado com S______ que levava M______ ao colo, tendo T______ questionado S_____ se pretendia que a própria levasse o irmão, tendo S_____ respondido negativamente. Aproximando-se da habitação, encontrou agentes da autoridade no exterior da habitação, onde se encontravam M______ acompanhada de A____ e de uma senhora de um clube motard cujo nome desconhece. Entrando, encontrou o pai num anexo sito nas traseiras da residência com quem esteve a falar e que aparentava ter ingerido bebidas alcoólicas. T______ levou M______ para a sua residência, tendo estado a almoçar, após o que foi buscar o irmão. Pelas 21H foi deixar M______ e M______ à residência de A____, onde ficaram a pernoitar. Do cotejo da prova produzida e ponderado o exame médico-legal de fls. 82 e seguintes (que concluiu pela ausência de lesões ou sequelas) e do auto de notícia de fls. 4, resultou apenas demonstrada a factualidade elencada e não a mencionada em 23) a 31) por ausência de prova a tanto conducente. Pese embora algumas testemunhas (R_______, A______ e F______) tenham mencionado terem visto hematomas em M_______, todas referiram desconhecer a origem dos mesmos por não terem presenciado agressões físicas do arguido àquela. Também S________ referiu ter acompanhado M______ ao hospital, onde lhe foi diagnosticado um aneurisma, não tendo, porém, presenciado quaisquer agressões físicas. Do cotejo da prova produzida, e não obstante o teor dos autos de fls. 21 e 44 e da documentação de fls. 63, 64, 188 a 408, e considerando a ausência de declarações por parte de M______(pelo que pese embora as declarações das testemunhas a respeito do estado de nervosismo, choro e tristeza que lhe encontraram nas ocasiões que relataram e com excepção da descrita em G) e H), não é possível ao tribunal, sem mais, concluir o modo concreto como aquela se sentiu com as demais condutas que resultaram demonstradas), na ausência de outros meios de prova, não foi possível julgar demonstrada a factualidade elencada em 1) a 37). O facto descrito em O) resultou demonstrado com base no teor do relatório de avaliação de risco de fls. 484. No que tange às condições sócio-económicas do arguido o tribunal tomou em consideração as declarações por si prestadas por se afigurarem verosímeis, atendendo à forma espontânea e clara com que foram produzidas. No que concerne aos antecedentes criminais, foi considerado o certificado do registo criminal junto aos autos.
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2.4. Quanto ao enquadramento jurídico-penal a sentença tem o seguinte teor: O arguido vem acusado da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal. Estatui o artigo 152.º, n.º1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na sua actual redacção, que “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”. O tipo objectivo de ilícito é constituído pelos seguintes elementos: a) Infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição normativa Os maus tratos físicos correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples, isto é, traduzem-se na ofensa no corpo de outrem (“mau trato através do qual o ofendido (…) é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”1). Os maus tratos psíquicos correspondem a humilhações, provocações, molestações, ameaças, podendo consubstanciar os crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúria. Não se exige a reiteração do mau trato, podendo este traduzir-se num acto isolado que seja de tal modo intenso que preencha o tipo sub judice. Efectivamente, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 98/X, que esteve na génese da revisão do Código Penal introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, referese que a “A revisão procura fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado” acrescentando-se que “Na descrição típica da violência doméstica e dos maus tratos, recorre-se, em alternativa, às ideias de reiteração e intensidade, para esclarecer que não é imprescindível uma continuação criminosa.”. Consagrou-se, pois, expressamente, o entendimento jurisprudencial segundo o qual o preenchimento do tipo não exige, necessariamente, a reiteração da conduta criminosa, bastando-se com uma única conduta, desde que esta seja especialmente grave (cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2008, Processo n.º 07P3861, disponível em www.dgsi.pt). O crime de violência doméstica pode, pois, ser de execução instantânea (e não duradoura) desde que os actos perpetrados, quer pela respectiva gravidade quer pela profundidade das consequências para o bem jurídico tutelado caiam sob a alçada do conceito de mau trato. Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Março de 2010, Processo n.º 345/07.9PAENT.E1, disponível em www.dgsi.pt, “1. Com a alteração efectuada ao artigo 152.º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não se visou subsumir a esta norma todo e qualquer acto de agressão entre cônjuges ou ex-cônjuges, de modo a que deixe de ser configurável, entre tais intervenientes, a incriminação do artigo 143.º do Código Penal (ofensa à integridade física simples). 2. A actual configuração do crime de violência doméstica, não exigindo comportamentos reiterados, pressupõe comportamento que se possa qualificar como maus tratos, o que não ocorre com qualquer agressão; ou seja, a configuração do crime pressupõe a existência de maus tratos físicos e psíquicos, ainda que praticados uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, traduzindo, nomeadamente, actos de crueldade, insensibilidade ou vingança da parte do agente e que, relativamente à vítima, se traduzam em sofrimento e humilhação.”. Verifica-se, por conseguinte, uma miríade de hipóteses de concurso aparente entre o crime de violência doméstica e os de ofensa à integridade física, ameaça, coacção, sequestro e crimes contra a honra, que o legislador não eliminou suscitando-se o problema de saber qual o critério a atender para a destrinça entre enquadrar os factos perpetrados num ou noutros tipos. É, pois, na identificação do bem jurídico tutelado pelo crime de violência doméstica que encontraremos o critério diferenciador do que seja mau trato físico e psíquico enquadrável em sede do tipo previsto no artigo 152.º, do Código Penal. Os bens jurídicos tutelados por esta norma penal incriminadora são a integridade física e psíquica, a liberdade, auto-determinação sexual e a honra de pessoa que com o arguido mantenha a relação familiar, parental ou de dependência prevista no tipo (atenta a natureza de crime específico impróprio deste ilícito). Efectivamente, o “fundamento último das acções e omissões abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo”2. Este bem jurídico encerra, pois, os direitos fundamentais à integridade pessoal (artigo 25.º, da Constituição da República Portuguesa) e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa), ambos emanações do princípio da dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, “a degradação, centrada na pessoa do ofendido, desses valores jurídico-constitucionais deve ser a pergunta operatória no distinguo entre o crime de violência doméstica e todos os outros que, por via do até aqui designado “concurso legal”, com ele se relacionam”3. Assim, determinadas condutas podem enquadrar situações de violência emocional mas não maus tratos físicos ou psíquicos que mereçam a tutela do Direito Penal, apenas sendo de abranger neste conceito as lesões graves que permitam considerar a pessoa ofendida como recebendo um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade dentro do âmbito conjugal. Nos presentes autos resultou demonstrada a factualidade elencada em A) a M), de cuja análise resulta que a relação mantida entre o arguido e M______ teve episódios pontuais em que o arguido a apelidou com as expressões mencionadas na factualidade assente, tendo-lhe puxado os cabelos numa ocasião. Contudo, tais condutas do arguido, que poderiam fundar uma separação do casal porque reprováveis ou mesmo desagradáveis no contexto conjugal, não são susceptíveis de, por si, integrar o conceito de mau trato previsto no tipo de violência doméstica, não consubstanciando um mau trato físico e psíquico que atinja a integridade e o desenvolvimento da personalidade de M______ nos termos exigidos pelo tipo. Conclui-se, pois, pelo não preenchimento deste elemento objectivo do tipo do crime de violência doméstica, resultando prejudicada a apreciação dos demais pressupostos da punição. Impõe-se, pois, a absolvição do arguido da prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal pelo qual vinha acusado. Do crime de injúria In casu, importa, porém, atender a que alguns factos poderão ser susceptíveis de, autonomamente, serem subsumíveis ao tipo de crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, do Código Penal (facto descrito na alínea E) da factualidade assente). No que respeita ao crime de injúria, pese embora M______ seja assistente nos autos (cfr. Fls. 442), na ausência de dedução de acusação particular (cfr. artigo 50.º, do Código de Processo Penal), não pode o tribunal conhecer autonomamente tal tipo de crime. Do crime de ofensa à integridade física Um facto é susceptível de, autonomamente, ser subsumível ao tipo de crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, do Código Penal (facto descrito nas alíneas G) e H) da factualidade assente). A fls. 56 e seguintes M______ declarou desejar procedimento criminal contra o arguido. Contudo, tendo a inquirição ocorrido em Abril de 2019 e ponderada a ausência de demonstração da data concreta dos factos (apenas resultou demonstrado que ocorreram no inverno desconhecendo-se o ano), sem mais não é possível considerar que a queixa apresentada seja tempestiva nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 115.º, n.º 1, do Código Penal. Importa ainda referir que, para efeitos do crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, considerando a técnica dos exemplos padrão utilizada neste normativo, e que a conduta sub judice descrita em G) e H) (um puxão de cabelos) não revela, na ausência de outros factos demonstrados, a actuação do arguido com especial censurabilidade e perversidade, também os elementos objectivos deste crime não estão verificados.
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2.5. Da contradição da fundamentação da matéria de facto dada como provada e a decisão - 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal
Alega o MP na motivação do seu recurso que “verifica-se que a sentença recorrida deu como provados factos praticados pelo arguido contra M_______, mãe de seu filho e com quem coabitava, que são graves, através de expressões ofensivas da honra e dignidade de M_______ e ofensivas da sua integridade física com o propósito alcançado de a molestar psicológica e fisicamente ao longo da vivência em comum e num período continuado desde 2015 a 2019, lesando a mãe do seu filho usando o seu poder ofensivo subjugando-a e causando-lhe profundo dano emocional e físico, tendo sido verificado por todas as testemunhas ouvidas que a mesma com frequência estava nervosa e chorava após o comportamento do arguido. Tal prova adveio da motivação abundante acima referida e consubstanciada pelo depoimento das testemunhas presenciais acima referidas. Pelo que há contradição da fundamentação da matéria de facto provada em relação á decisão de absolvição uma vez que os factos se prolongaram ao longo do tempo no interior da residência, na presença do filho do casal e também na via pública e presenciados por vizinhos que visualizaram o comportamento lesivo do arguido em relação à mãe de seu filho, pese embora o arguido e M_______ não tenham prestado declarações mas havendo um claro ascendente do arguido em relação a esta. Nesta conformidade, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 410ª nº 2 alínea b) do Código de processo Penal por haver contradição entre a fundamentação e a decisão o que impunha uma decisão no sentido de condenação por estarem verificados os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de violência doméstica.”.
No que concerne aos vícios da sentença, importa deixar claro que terão que se manifestar do texto dela, sem que se possa deitar mão a qualquer outro elemento exterior.[2]
Tendo sempre isto presente, diremos que a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto e a decisão.[3] Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados colidem inconciliavelmente com a fundamentação da decisão.[4]
Como nos diz, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, no proc. 2903/05.7TBCSC.L1.S1 in www.dgsi.pt: “A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão só ocorre quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente.”
Verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador.
Como é sabido a contradição insanável de fundamentação consubstancia um vício previsto no artº 410º nº 2 b) CPP o qual se verifica, segundo Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, pág. 739., “ Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência”.
Ora in casu não se verifica a nulidade suscitada. O que resulta da sentença recorrida é o tribunal ter entendido que a matéria apurada não era suficiente para a qualificação jurídica dos factos como violência doméstica, defendendo a respetiva subsunção aos crimes atomísticos, como sejam os de ofensas corporais e injúrias que com aquele se encontrariam numa relação de especialidade. Faz, pois, um juízo lógico-dedutivo linear e fundamentado, não resultando do mesmo a contradição insanável suscitada. Ou seja, a fundamentação está compatível com a decisão recorrida, não existindo qualquer vício no raciocínio do Julgador.
Em face do exposto, verifica-se que a situação invocada pela Recorrente não é suscetível de revelar qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que possa determinar a nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 410.º n.º 2 alínea b) do C.P.P., e, consequentemente improcede nesta parte o recurso interposto.
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2.6. Do erro notório na apreciação da prova - artigo 410º nº 2 alínea e 9 do Código de Processo Penal
Motiva o recorrente MP que ficaram “provados os elementos típicos do crime de violência doméstica e aos olhos de um homem médio os factos provados são idóneos para que a decisão deveria fosse de condenação já que são claramente ofensivos da integridade física e psicológica da M_____ constrangida a suportá-los e a sofrer danos psicológicos, considerando o facto de ser a mãe do filho do arguido com quem vivia como se marido e mulher fossem e na presença do filho de ambos que chorava consecutivamente. Nesta conformidade, verifica-se que a sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova pois as premissas de que parte conduzem a uma decisão de condenação pelo crime imputado ao arguido – artigo 410º nº 2 alínea e) do Código de processo Penal.”.
Vejamos:
No que respeita ao erro notório na apreciação da prova também invocado pela recorrente, verificar-se-á o mesmo quando, no texto da decisão recorrida, se considera provado, ou não provado, um facto que contraria a mais elementar lógica e viola, de forma frontal e clara, as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista do homem médio, devendo tal vício constar da própria decisão da matéria de facto e não da motivação desta ou da fundamentação de direito.
A propósito deste vício, diz-se no Ac. STJ de 02.02.2011, in www.dgsi.pt:
«I. O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.»
E, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques, in "Recursos em Processo Penal", 7ª edição, 2008, pág. 77, erro notório na apreciação da prova é a "... falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.”
Para que se verifique erro notório na apreciação da prova, terá o mesmo que constar da própria decisão de facto, sendo facilmente detetável pela análise do homem de formação média.
Não se trata de qualquer desconformidade entre a decisão de facto e aquela que o recorrente considere ser a correta, face à prova que foi produzida, mas antes de um erro grosseiro, de uma falha grave e gritante, patenteada pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que, pela sua manifesta desconformidade com as regras da lógica e da normalidade da vida, não escaparia à análise do homem médio, sendo fácil e liminarmente percetível pelo mesmo.
Ora, vendo a decisão recorrida, nela não se descortina qualquer falha grosseira que, ferindo a mais elementar lógica, fosse detetável pelo cidadão comum, não se vislumbrando igualmente que tenham sido considerados provados factos incoerentes e inconciliáveis entre si, nem ainda que o Tribunal a quo se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
A factualidade julgada provada mostra-se coerente entre si, não evidenciando qualquer contradição ou incongruência.
Por outro lado, na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal explicou com clareza o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho mostra-se razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, respeitando assim o princípio da livre apreciação da prova vertido no art.º 127.º do C.P.P., não podendo por isso ser censurada.
Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, improcede, igualmente nesta parte, o recurso interposto.
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2.7. Dos elementos do tipo de crime
Motiva o recorrente que estão “claramente provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de violência doméstica porquanto houve repetição das agressões verbais e psicológicas atentatórias da honra e dignidade de M______ enquanto ser humano e pessoa que vivia em união de facto com o arguido e mãe de um filho menor em comum e considerando ainda a agressão física por si sofrida e visualizada por vizinha que tinha um cabeleireiro em frente da residência do casal.”.
Posto isto, apreciemos incasu dos fundamentos da decisão recorrida.
Na acusação deduzida pelo Ministério Público é imputado ao arguido C______ a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal.
O crime de violência doméstica encontra-se inserido, na sistemática do Código Penal, no Capítulo III (Crimes contra a Integridade Física), do Título I (Crimes contra a pessoa), da Parte Especial do Código.
Preceitua o aludido artigo 152º do Código Penal: 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.
Como resulta do preceito legal, o elemento objetivo do tipo de ilícito em causa consiste na prática de maus-tratos físicos ou psíquicos.
Nestes termos, o C.P. concretiza o tipo objetivo do ilícito da violência doméstica por recurso à técnica remissiva para um conceito jurídico-normativo, ele próprio objeto de incriminação legal autónoma, no artigo 152º- A do C.P.
Por sua vez, o próprio conceito de maus-tratos, sejam estes físicos ou psíquicos é integrado pelos tipos legais de crime específicos, pelo que os respetivos preceitos legais se encontram conexionados através de relações de especialidade.[5]
O tipo objetivo do ilícito da violência doméstica é, pois, integrado por uma pluralidade de tipos legais.
Deste modo, para o preenchimento deste tipo legal é necessária a prática de (i) maus tratos físicos[6] ou maus-tratos psíquicos[7], ou (ii) privações da liberdade[8], ou (iii) ofensas sexuais.[9]
Com a alteração legislativa operada pela Lei n.º 59/07, de 4 de setembro, veio decidir-se no sentido de bastar para o preenchimento do tipo legal de crime de violência doméstica a prática de um acto isolado e sem que se exija a reiteração de conduta, pondo, desta forma, fim à polémica que existia no seio da doutrina e da jurisprudência. Neste quadro, é pacifico que a tutela da violência doméstica incide não apenas sobre casos de reiteração ou habitualidade de comportamentos violentos, mas também é aplicável apenas a uma conduta violenta.
Neste sentido:
"1. Para a realização do crime de violência doméstica, torna-se necessário que o agente reitere o comportamento ofensivo, em determinado período de tempo. II. Porém, admite-se, que um singular comportamento bastará para integrar o crime quando assuma uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge.".[10]
Também no mesmo sentido:
«I. A revisão do C.P. de 2007 ultrapassou a querela de se saber se para o crime de violência doméstica (ou de «maus tratos», como era a epígrafe da anterior redação do art.º 152º do CP) bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a 'reiteração' de comportamentos. II. Actualmente, o segmento «de modo reiterado ou não» introduzido no corpo da norma do nº 1 do citado art.º 152º do CP, é unívoco no sentido de que pode bastar só um comportamento para a condenação. III. A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos. III. Há «maus tratos» quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima.».[11]
Contudo, não é qualquer ação isolada de violência exercida no âmbito doméstico que pode ser integrada no conceito de maus tratos com vista ao preenchimento do tipo de violência doméstica.
Essa ação isolada, ou não, tem de revestir uma gravidade capaz de traduzir crueldade e insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente.
Veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal 2. Não comete o crime p.e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. a) mas o p. e p pelo artigo 143º nº 1, ambos do CP, quando apenas resulta provado que num determinado dia o arguido colocou com força a mão na zona do pescoço da assistente e que, por essa forma lhe causou lesões.[12]
Ou, como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 19.09.2012, no Processo n.º 901/11.0PAPVZ.P1, in www.dgsi.pt, como a própria expressão legal sugere, a ação não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da vítima, tuteladas por outros tipos legais de crimes. Importa que a agressão em sentido lato constitua uma situação de “maus tratos”. E estes só se verificam quando a acção do agente concretiza actos violentos que, pela sua imagem global e pela gravidade da situação concreta são tipificados como crime pela sua perigosidade típica para a saúde e bem-estar físico e psíquico da vítima. Se os maus tratos constituem ofensa do corpo ou da saúde de outrem, contudo, nem toda a ofensa inserida no seio da vida familiar/doméstica representa, imediatamente, maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável. Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal.
Posto isto, no caso dos autos importa verificar se a conduta do agente integra esse grau violento que se exige, ou que encerre em si um total desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma. Ou seja, se a conduta do agente pode ser classificada como maus tratos.[13]
Dito de outra forma, importa saber se estamos perante uma especial gravidade da conduta maltratante, onde se incluem os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. E aqui, naturalmente, tem de se incluir o tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade do cônjuge ou companheiro.
Neste tipo de crime está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano.[14]
Analisada a sentença recorrida, mormente no que concerne aos factos provados, não podemos deixar de estar de acordo com a posição assumida pelo MP.
Efetivamente, decorre da apreciação dos factos imputados ao arguido que estamos perante a prática de actos violentos que encerrem uma gravidade tal que devem ser qualificados de desrespeitadores da pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, e, logo, susceptíveis de serem classificados como maus tratos.
Os factos evidenciam gravidade. Não obstante as agressões físicas apuradas nos autos com a humilhação inerente às mesmas, considerando o contexto em que foram praticados e na presença de terceiros, acresce que há que atentar que os nomes com que o arguido apelidou a vítima de “puta”, “porca” e “vaca”, que ocorreram diariamente eram sempre presenciados pelo filho menor de ambos.
O comportamento do arguido injuriando diariamente a vítima, conforme matéria fáctica apurada, e onde ambos coabitavam com filho menor, tendo como consequência desse comportamento a saída da vítima, acompanhada do menor, por alguns dias, para a residência de uma irmã sua, e noutra altura, para pernoitar na residência de uma vizinha, é sintomático que este comportamento o tipo de crime de violência doméstica.[15]
Ou seja, o arguido foi criando diariamente um clima insustentável para a vítima, e para o filho de ambos, menor de idade que também com eles coabitava, e que levou a que por várias vezes a vítima, acompanhado do menor, tivesse que sair da casa de morada de família.
Em suma, os factos tidos como provados são adequados a revelar uma conduta do arguido molestadora, provocatória e humilhante, em relação à pessoa das vítimas, pelo que a sua atuação é integradora da prática de um crime de violência doméstica. Assim, da factualidade apurada nestes autos retiram-se elementos suficientemente expressivos para se poder afirmar que o arguido atingiu o bem jurídico tutelado com esta incriminação. Ou seja, o arguido lesou dolosamente a dignidade da vítima, enquanto pessoa, ciente que lhe devia especial respeito.
As condutas do arguido revelam sentimentos de superioridade e de domínio sobre a vítima, com o intuito de anular a sua personalidade e dignidade.
Assim, em sede de aferição da tipicidade do aludido crime de violência doméstica, é incontornável a conclusão, à luz do supra expendido, de que os respetivos elementos se mostram preenchidos.
Nesta parte, terá de ser provido o recurso interposto pelo MP, ficando prejudicada a apreciação de outras questões.
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2.8. Considerando o provimento no que concerne à tipificação da conduta do arguido como integrando a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal, e, uma vez que o arguido vinha absolvido, implica a determinação da pena a aplicar.
Neste quadro, importa considerar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016, de fixação de jurisprudência, publicado in Diário da República, 1.ª série - N.º 36 - 22 de fevereiro de 2016:
“Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”.
Nestes termos:
O crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal, é punível com prisão de 2 a 5 anos.
A determinação da medida concreta da pena, nos termos do art.º 71º do CP, deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
In casu, a ilicitude foi mediana considerando as circunstâncias do crime, o tempo de vida em comum, as expressões proferidas e as ofensas físicas produzidas; a gravidade das consequências, que não foram elevadas; o dolo, que foi direto; a falta de confissão, que, no caso, implica a falta de arrependimento; a sua situação económica, laboral (encontra-se empregado) e familiar; ter antecedentes criminais publicitados, embora por crimes de natureza diferente à dos presentes autos.
Tendo em conta todos estes elementos, julgamos ajustada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Sendo o arguido condenado numa pena de prisão inferior a 5 anos, importa apreciar a possibilidade da suspensão da execução da mesma.
O artº 50º do Código Penal subordinado à epígrafe "Pressupostos e duração" (da suspensão da execução da pena de prisão) diz o seguinte:
"1. O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova. 3. Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente. 4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições. 5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos."
A suspensão da execução de uma pena de prisão exige dois pressupostos, conforme bem explicitado no Ac. da Relação de Coimbra de 29-11-2017 (proc.º nº 202/16.8PBCVL.C1)[16]:
“O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir). A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes. As finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, é «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.º 40.º, n.º 1 do Código Penal). A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (art.º 50.º, n.º 1 e 40.º , n.º 1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que «só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…». A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos. Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.”
In casu, importa considerar que o arguido já foi condenado:
a) em 09/10/2006, pela prática, em 27/03/2005, de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, numa pena de 50 dias de multa.
b) em 24/08/2010, pela prática, em 22/08/2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 80 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses.
c) em 08/11/2011, pela prática, em 10/09/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 120 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 10 meses.
d) em 30/10/2012, pela prática, em 10/09/2011, de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal, numa pena de 120 dias de multa.
e) em 07/03/2013, pela prática, em 15/12/2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 3 meses de prisão, suspenso na sua execução pelo período de 1 ano, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 ano.
Não obstante os antecedentes criminais do arguido, importa ter em conta que o arguido se encontra a laborar e o grau de risco atribuído a esta situação é baixo.
Estes elementos apontam seriamente para a formulação de um juízo de prognose positivo quanto à sua reinserção social e ao perigo de reincidência, pelo que é de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.[17]
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III – DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e consequentemente:
a) Condenar o arguido C______ pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4, 5 e 6, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a execução da pena aplicada em a), pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) No mais, confirmar a decisão recorrida;
d) Condenar o arguido nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs.
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Lisboa e Tribunal da Relação, 29 de janeiro de 2020 Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP). Alfredo Costa Vasco Freitas
_______________________________________________________ [1] Ac. do STJ de 02.03.2006, Proc. n.º 461/06-5, Relator: Cons. Simas Santos, in www.dgsi.pt. [2] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-11-2004 e 05-07-2007 e de 15-07-2008, publicados em http://www.dgsi.pt [3] Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 3.ª edição, páginas 335 e seguinte. [4] Acórdão da Relação de Lisboa, de 02-07-2002 e da Relação de Évora, de 19-02-2008, in http://www.dgsi.pt. [5] crimes de ofensa à integridade física simples ou qualificada, crime de ameaça simples ou agravada, crime de coação simples, crime de sequestro simples, coação sexual do art.º 163º nº 2 do C.P. violação do art.º 164º nº 2 do C.P. importunação sexual, abuso sexual de menores dependentes do art.º 172º nºs 2 e 3 do C.P. crimes contra a honra [6] crime de ofensa à integridade física simples (art.º 143º do C.P.) [7] crimes de ameaça simples ou agravada (art.º 153º e 155º do C.P.) coação simples, difamação e injúrias, simples e qualificadas (art.º 180º, 181º e 184º do C.P.) [8] sequestro simples (art.º 158º do C.P.) [9] coação sexual prevista no artigo 163º nº2, violação (art.º 164º nº2), importunação sexual, abuso sexual de menores dependentes (172º nº2 e 3 do C.P.) [10] Acórdão T.R.G. de 10-09-2012, no Proc. 1011/11.6GBBCL.G1, Relator Fernando Chaves, disponível em www.dgsi.pt [11] Acórdão TRG de 15-10-2012, Proc. 639/08.6GBFLG.G1, Relator Fernando Monterroso, disponível em www.dgsi.pt: [12] Acórdão do TRC, processo nº 61/07.0GCPBL.C1, sendo Relator Sr. Desembargador Jorge Dias, datado de 28-01-2010, in www.dgsi.pt
[13] Acórdão da Relação do Porto, de 8 de outubro de 2014, no Processo n.º 956/10.5PJPRT.P1, in www.dgsi.pt [14] Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de dezembro de 2010, no Processo n.º 224/05.4GCTVD.L1-5, in www.dgsi.pt [15] Neste sentido, cfr, os seguintes acórdãos:
- da RL de 27/02/2008, relatado por Carlos Almeida, no processo 1.702/2008-3, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “1. Para efeitos de integração do conceito de maus tratos referido no art.º 152º CP, assumem relevância não só as injúrias proferidas em alta voz que se prolongaram no tempo, durante meses, e se seguiram a comportamentos idênticos valorados no âmbito de anterior condenação, mas também a ameaça e o repetido bater com força a porta do frigorífico e as loiças, o que, tudo junto, provocou «estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes e sentimentos de sujeição aos humores dele». …”;
- da RG de 15/10/2012, relatado por Fernando Monterroso, no processo 639/08.6GBFLG.G1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…III) Há «maus tratos» quando, em face do comportamento demonstrado, for possível formular o juízo de que o agente manifestou desprezo, desejo de humilhar, ou especial desconsideração pela vítima. …”;
- da RP de 10/07/2013, relatado por Maria do Carmo da Silva Dias, no processo 413/11.2GBAMT.P1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Ora perante os factos concretos apurados (…) não há dúvidas que todo esse sucessivo e repetido comportamento do arguido (portanto considerado não só individual como globalmente) integra o conceito de “maus-tratos psíquicos”, tendo em atenção o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica. Todos esses episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a sua ex-mulher (os quais consistiram em lhe infligir maus-tratos psíquicos[…], através de repetidas injúrias e ameaças - algumas delas presenciadas por terceiros - que são idóneas a afectar o seu bem estar psicológico, pois além de representarem total desrespeito para com a sua ex-mulher, causaram-lhe medo e ansiedade, como era de esperar), eram humilhantes e rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, como sucedeu neste caso com a assistente. Para além de ter atingido a honra e consideração da ofendida e de lhe ter causado medo e receio pela sua integridade física, com a descrita repetida conduta o arguido também violou a liberdade de determinação e de decisão daquela que configura a conduta típica, na modalidade de infligir maus-tratos psíquicos. A descrita conduta do arguido (que até assumiu um modo especialmente desvalioso) é penalmente censurável tendo em atenção o tipo legal em questão (crime de violência doméstica) e o bem jurídico protegido […]. …”;
- da RE de 14/01/2014, relatado por Ana Brito, no processo 1.015/12.1GCFAR.E1, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “1. A realização do tipo de crime de violência doméstica previsto no art.º 152º, nºs 1, al. a) e 2 do Código Penal não exige a imposição de maus-tratos físicos. 2. A reiteração da prolação de expressões injuriosas e a adopção de um comportamento psicologicamente agressivo e repetido ao longo de vários anos relativamente a cônjuge que se vai fragilizando e diminuindo enquanto “pessoa” consubstancia maus-tratos psíquicos no nível de intensidade contido no tipo. …” [16]In dgsi.pt. [17] Sobre suspensões de execuções de penas de prisão aplicadas a crimes de violência doméstica cfr. acórdãos do TRP, números 413/11.2GBAMT.P1 (relator Dr.ª M.ª do Carmo da Silva Dias), 2167/10.0PAVNG.P1 (relator Dr. Coelho Vieira), 368/09.3PQPRT.P1 (relator Dr. Joaquim Gomes) e TRC, procº. nº 3121/05 (relator Belmiro Andrade).