SUBSTITUIÇÃO DO PATRONO NOMEADO AO ASSISTENTE
PEDIDO FORMULADO PELO ASSISTENTE
INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DE PRAZO EM CURSO
Sumário


O pedido de substituição de patrono da assistente, formulado por esta, não interrompe (nem suspende) o prazo para requerer a abertura de instrução que estava em curso aquando da sua formulação, por tal efeito não estar previsto na lei, a qual contém antes disposições em sentido contrário.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 RELATÓRIO

No processo de inquérito com o NUIPC 367/21...., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal, foi proferido despacho de rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente AA, por ter entendido que esse RAI foi apresentado fora do prazo legalmente previsto.

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Não se conformando com esta decisão, a assistente recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):

“(…)
«V) CONCLUSÕES

O Tribunal “a quo” no seu douto despacho do qual ora se recorre decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução por considerar, em suma, que o pedido de substituição de patrono nomeado à assistente e pedido deduzido por esta não tem “efeito suspensivo e nem interruptivo do prazo em curso”, nomeadamente o prazo para requerer a abertura de instrução, “mantendo-se em funções o primeiro patrono nomeado, funções que foram mantidas, precisamente até ao ultimo dia do prazo com multa de que dispunha para requerer a abertura de instrução”.

Sucede porém que não se conforma a recorrente com o douto despacho, na medida em que o teor do mesmo vai contra as normas jurídicas em vigor e a ser de rejeitar-se iria criar desigualdades entre situações e sujeitos processuais que a própria lei do acesso ao direito equipara.

Por outro lado, dispõe o art. 32º da lei do acesso ao direito, permite ao beneficiário de apoio judiciário e que se aplica, com as devidas adaptações, os termos dos arts. 34º e seguintes”, que por sua vez determina que o pedido de escusa, apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º (art. 34º nº 2).

Ora da conjugação de todas as normas supra citadas podemos e devemos concluir que o pedido de substituição de patrono nomeada feito perante a Ordem dos Advogados, e comunicado aos autos, tem o efeito de interromper o prazo em curso, que iniciara a contagem com a nomeação de patrono nomeado, inutilizando o prazo decorrido até ao pedido de substituição de patrono nomeado ao assistente.

O entendimento diverso violará a disposição constitucional que consagra que se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Não podemos entender, salvo melhor entendimento que, a Lei 34/2004 de 29.07 que regula o Acesso ao direito e aos Tribunais, estabeleça regimes diferentes para a nomeação e substituição de defensor ao arguido e para a nomeação e substituição de patrono ao assistente e aos demandantes e demandados civis, já que para além de tal não decorrer da legislação, não faz qualquer sentido que assim seja, já que os colocaria numa posição de desigualdade perante o exercício dos direitos de cada um.

Assim sendo, não assiste razão à douta decisão do Tribunal “a quo”, com o devido respeito, ao defender que o art. 34º nº2 não seria aplicável ao pedido de substituição apresentado pelo assistente, pois o nº2 do art. 32º manda aplicar ao pedido de substituição o regime da escusa previsto no art. 34º e sgs, que remete para o art. 24º nº 5, do qual resulta que o prazo interrompido inicia-se a partir da notificação ao novo patrono nomeado.

Temos pois que, começou a contar novo prazo de 20 dias para apresentação do Requerimento de abertura de instrução no dia 16/12/2022, com a nomeação da patrona nomeada através de comunicação que lhe foi feita pela Ordem dos Advogados, considerando-se notificada no dia 20/12/2022, terminando assim o prazo no dia 10/01/2023, data em que a recorrente apresentou o seu requerimento de aberura de instrução tempestivamente.

Assim, ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução, violou, o Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 44.º, n.º2, 32.º, n.º 2, 34.º, n.º2 e 25.º, n.º4, todos da Lei 35/2004, de 29 de julho, e ainda os artigos 32º, 13º e 20º da CRP.

NESTES TERMOS REQUER –SE A V. EXª DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO SUBSTITUINDO-SE POR OUTRO QUE DECIDA ADMITIR O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO APRESENTADO PELA ASSISTENTE, DECLARANDO-SE ABERTA A INSTRUÇÃO PARA PRONUNCIA DO ARGUIDO NOS EXACTOS TERMOS ALI PETICIONADOS.
E ASSIM FARÃO V. EXAS. A MERECIDA E DEVIDA JUSTIÇA.»
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O Ministério Público na 1ª instância, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
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Nesta sede, o Exmo. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, pronunciou-se nos seguintes termos: (Transcrição)

 Conforme decorre dos autos, a assistente foi notificada do despacho de arquivamento do Ministério Público a 15/11/2022, sendo que, a 23/11, veio requerer a substituição do patrono nomeado, que lhe foi deferida a 16/12. A 9/1/2023 a assistente requereu a abertura da instrução. Acontece que o prazo previsto na lei para tal efeito (20 dias) terminara a 15/12/2022, já a considerar os três dias adicionais decorrentes do art.º 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
A única questão jurídica que se coloca nos autos é a de saber se o requerimento de substituição de patrono deduzido pela parte beneficiária do apoio judiciário tem a virtualidade de interromper o prazo processual em curso – no caso, o prazo de abertura de instrução – e, na afirmativa, a partir de que momento.
A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores não é unânime na resposta a esta questão.
Vejamos.
Dispõe o art.º 24.º da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29/7):
«4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono».
Acontece que, no caso dos autos, não está em causa a nomeação de patrono, mas sim a sua substituição. De resto, é sabido que, após a decisão de nomeação de patrono, podem ocorrer vicissitudes tendentes à cessação da respetiva intervenção com nomeação de outro patrono, seja por via de «substituição do patrono» da iniciativa do beneficiário do apoio judiciário, seja por «pedido de escusa» formulado pelo patrono.
Quanto ao pedido de escusa, prescreve o art.º 34.º da LAJ:
«1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respetivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos respetivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º.
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.
5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, exceto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim».
No que concerne à substituição do patrono, reza o art.º 32.º da LAJ:
«1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.
3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono».
Daqui resulta que, uma vez deferido o pedido de substituição de patrono, tem aplicação a disciplina normativa referente ao pedido de escusa, com as devidas adaptações.
Ora, há quem defenda um tratamento similar das situações de pedido de substituição (pelo beneficiário) e de escusa (pelo patrono nomeado), admitindo, por isso, em ambos os casos, a interrupção do prazo que esteja em curso, com nova contagem integral do mesmo (neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4/6/2019, Processo n.º 301/17.9 GBTVR.E1).
Todavia, outras decisões existem – com as quais se concorda – que assumem o entendimento contrário, recusando a interrupção do prazo em caso de deferimento de pedido de substituição de patrono. Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019 (Processo n.º 14/03.9 TBCRZ-A.G1) e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/2022 (Processo n.º 2372/20.1 T8CBR-B.C1) e de 14/3/2023 (Processo n.º 982/22.1 T8SRE-A.C1).
Em resumo, aí se diz que, enquanto a escusa pedida pelo patrono só ocorre num quadro extremo de impossibilidade de prossecução do patrocínio, o pedido de substituição de patrono formulado pelo beneficiário exige apenas que este «fundamente o seu pedido» (art.º 32.º da LAJ). Ora, na primeira situação os interesses do beneficiário reclamam que o prazo em curso não corra, sob pena de resultar precludida a possibilidade de prática do ato. Já no caso de substituição de patrono estamos perante uma parte que se encontra efetivamente patrocinada por nomeação anterior, sem que o patrono tenha encontrado qualquer obstáculo ao prosseguimento do cargo para que foi nomeado (doutro modo teria ele próprio pedido escusa). Nesta situação, incumbe ao patrono nomeado continuar a assegurar o patrocínio, posto que a função em que foi investido só cessará se e quando ocorrer a concessão da substituição.
Assim sendo, em nada resulta comprometido o direito de acesso aos tribunais, nem o direito a um processo justo e equitativo (art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa), visto que não há hiato no patrocínio decorrente do apoio judiciário, ocorrendo apenas a cessação de funções de um patrono, substituído por outro por iniciativa do beneficiário.
Ou seja, a solução legal da interrupção do prazo processual em curso por efeito do pedido de escusa do patrocínio não é aplicável à figura da substituição do patrono (art.º 32.º da LAJ), nem por via de interpretação extensiva, nem de aplicação analógica.
E mesmo que se entendesse ser de aplicar o regime da interrupção, sempre seria de concluir que o prazo em curso apenas se interromperia aquando do deferimento do pedido de substituição e não no momento em que a substituição é pedida, já que só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido (neste sentido, cfr. o Acórdão desta Relação de 26/5/2022, Processo n.º 659/21.5 T8VRL-A.G1).
Em suma, bem andou o Mm.º Juiz ao considerar extemporâneo o RAI, pelo que somos de parecer que o recurso da assistente não deverá obter provimento.
           
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Cumpriu-se o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e não houve qualquer resposta a esse parecer.
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Após exame preliminar, o processo foi presente à conferência, em conformidade com o disposto no art. 419º, n.º 3, al. c) do CPP
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR

Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a de se saber se existe ou não, por extemporâneo, causa de rejeição do requerimento de abertura de instrução, como foi decidido.
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2.2-A DECISÃO RECORRIDA.

O teor do despacho recorrido é o seguinte: (Transcrição)

«Requerimento de abertura de Instrução formulado a fls. 417 a 427 pela assistente AA, onde pugna pela prolação de despacho de pronúncia do arguido BB pela prática de um crime de violência doméstica:
- A requerente tem legitimidade (cfr. o art.º 287.º, n.º 1, al.ª b), do C.P.P. e o despacho a fls. 209);
- Encontra-se dispensada de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, em face do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido (cfr. o artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais e fls. 175 e 176);
- Relativamente ao requisito da tempestividade, afigura-se-nos que o requerimento formulado é extemporâneo.
Efetivamente, o despacho de arquivamento proferido em sede de Inquérito data de 13-11-2022, tendo sido remetida notificação postal à assistente e ao seu patrono em 15-11-2022 (cfr., respetivamente, fls. 392 e 393), considerando-se o patrono notificado em 18-11-2022 e a assistente, ponderando que a prova de depósito data de 16-11-2022 (cfr. fls. 403), no dia 21-11-2022, pelo que o prazo de 20 dias para requerer a abertura de Instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal tem início no dia 22-11-2022 e o seu termo ocorre no dia 11-12-2022, que foi um Domingo e, por conseguinte, transfere-se para o dia 12-12-2022, com a possibilidade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de multa, ou seja, até ao dia 15-12-2022; o requerimento deu entrada em juízo no dia 09-01-2023 (cfr. a data do correio eletrónico de fls. 416), pelo que se verifica a efetiva extemporaneidade do requerimento de abertura de Instrução.
Acresce o seguinte: pese embora no requerimento de abertura de Instrução não se faça menção de tal, a assistente encontrava-se representada por patrono nomeado à mesma, sendo que no dia 23-11-2022, a assistente requereu a substituição de patrono, o que lhe foi deferido em 16-12-2022, com a notificação daa nomeação em substituição a ser processada na mesma data de forma eletrónica (cfr. fls. 408 e 409); sucede que o requerimento de substituição de patrono não tem efeito suspensivo e nem interruptivo do prazo em curso, mantendo-se em funções o primeiro patrono nomeado, funções que foram mantidas, precisamente, até ao último dia do prazo com multa de que dispunha para requerer a abertura de Instrução (15-12-2022), já que, conforme referido, a nova nomeação em substituição ocorreu somente no dia 16-12-2022.
O entendimento de que o requerimento de substituição de patrono não tem o efeito de suspender e/ou interromper o prazo em curso, é o que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, citando-se (consultáveis nos respetivos sítios):
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-01-2020: “Por força do prescrito nos artigos 39.º, n.º 1, e 42.º, ambos da Lei n.º 34/2004, o pedido de substituição ou dispensa do defensor ao arguido não determina a interrupção ou a suspensão do prazo processual que, então, estiver em curso”;
- O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-11-2020: “5. Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese). 6. Está arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2. da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho. 7. O “prazo em curso” a que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) é o prazo estabelecido concretamente na lei para a prática do ato, e tal prazo não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil.”
- Citaremos, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-05-2022, o qual, pese embora admita que o prazo em apreço efetivamente se interrompe, entendeu, no entanto, que a interrupção apenas se verifica, apenas produz efeitos à data do deferimento do pedido e não à data do requerimento de substituição, pelo que, mesmo que, mesmo que entendesse que tal entendimento tinha aplicação ao caso dos autos, ponderando – como vimos – que o prazo de 20 dias para requerer a abertura de Instrução, já com os três dias de multa, ocorreu no dia 15-12-2022 e que o deferimento de substituição foi datado de 16-12-2022, mesmo assim não teria havido interrupção de prazo no caso dos autos e o mesmo estava precludido à data em que deu entrada em juízo o requerimento de abertura de Instrução; veja-se o sumário do Acórdão: “O art. 32º da Lei nº 34/2004 de 29/7, permite que o beneficiário do apoio judiciário possa requerer à O. A. a substituição de patrono nomeado. O prazo que esteja em curso aquando do pedido do requerente no sentido da substituição apenas se interrompe aquando do deferimento do pedido de substituição e não no momento em que a substituição é pedida”.
Em conformidade com o exposto e ao abrigo dos normativos legais supra citados, o tribunal decide rejeitar o requerimento de abertura de Instrução formulado pela assistente AA, com o fundamento na sua extemporaneidade. »
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2.3.- APRECIAÇÃO DO RECURSO.

Nos termos do disposto no art. 20.º da CRP, que a «todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos»
Este preceito é visto como uma clara concretização do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no art. 13.º do mesmo diploma).
Concretizando estes princípios constitucionais (do acesso ao direito e aos tribunais, e da igualdade dos cidadãos perante a lei), lê-se de forma conforme no art. 1.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais), que o «sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos»; e constitui uma natural «responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses» (art. 2.º, n.º 1).
Precisa-se porém, e tal como o Tribunal Constitucional já teve ocasião de referir, que «o direito de acesso aos tribunais, não compreende um direito a litigar gratuitamente» (Ac. do TC n.º 352/91, BMJ, n.º 409, pág. 117).
Pretende-se sim, com este instituto, garantir a protecção jurídica aos «cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica» (art. 7.º, n.º 1); e a «insuficiência económica» tem-se por verificada quando alguma daquelas pessoas «não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo», nomeadamente «considerando o rendimento médio mensal do agregado familiar do respetivo requerente», em termos que a própria lei define (arts. 8.º, n.º 1 e 8.º-A).
Mais se lê, no art. 2.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o «acesso ao direito compreende a informação jurídica e a protecção jurídica».
A primeira (informação jurídica) incumbe ao Estado, de modo permanente e planeado, por forma a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos (art. 4.º).
A segunda (protecção jurídica) «reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário» (art. 6.º, n.º 1); e este último (apoio judiciário) compreende várias modalidades, nomeadamente dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono, pagamento da compensação de defensor oficioso, pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono, pagamento faseado da compensação de defensor oficioso, e atribuição de agente de execução (art. 16.º, n.º 1).
O «regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios», e ainda, «com as devidas adaptações, nos processos de contra-ordenação», bem como nos «processos que corram nas conservatórias, em termos a definir por lei» (art. 17.º).
Lê-se no art. 17.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que «o apoio judiciário é concedido independentemente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária» (n.º 1); e «deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica» (n.º 2).
A «decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente» (art. 20.º, nº 1); e, por isso, o «requerimento de proteção jurídica é apresentado através da plataforma informática disponibilizada pelo sítio eletrónico da segurança social, que emite prova da respetiva entrega» (art. 22.º, n.º 1).
«A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido» (art. 29.º, n.º 1); e, estando em causa uma nomeação de patrono, «sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados» (art. 30.º, n.º 1).
Cabe também à Ordem dos Advogados notificar a nomeação de patrono: ao requerente, com menção expressa do nome e escritório do patrono, bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado; ao patrono nomeado; e - caso o pedido tenha sido apresentado na pendência de acção judicial - ao tribunal onde a acção se encontra pendente, que por sua vez a notificará à parte contrária (arts. 26.º, n.º 4 e 31.º).
Normalmente, o «procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta» (art. 24.º, n.º 1).
Contudo, nos casos em que um pedido de nomeação de patrono é apresentado na pendência de ação judicial, prescreve o referido art. 24º da Lei do Apoio Judiciário (Lei 34/2004, de 29/07):
«1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - (…)”
3 - (…)”
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»
O n.º 4 deste artigo prevê a hipótese de o pedido de proteção jurídica na modalidade de patrocínio judiciário ser formulado na pendência da causa – como é o caso vertente – e estabelece que o prazo que estiver em curso se interrompe aquando da apresentação do documento comprovativo da entrega do requerimento de proteção jurídica com que é promovido o procedimento administrativo, sem a qual não há interrupção.
Compreende-se que assim seja, já que, não podendo (em caso de patrocínio obrigatório), ou não sabendo (em caso de patrocínio facultativo), o requerente do apoio judiciário defender a sua pretensão em juízo, e pretendendo contar para o efeito com a assistência de profissional do foro habilitado para esse fim, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correria o risco de, não obstante a nomeação de patrono oficioso que lhe fosse deferida, ver inviabilizado o seu direito.
Recorda-se que o sentido técnico-jurídico da expressão «interrupção», quando aplicado à contagem dos prazos (art. 326.º do CC) - e por oposição à «suspensão» (art. 318.º do CC) - impõe que a cessação de facto com eficácia interruptiva de prazo em curso faça com que este deva ser contado novamente por inteiro, reiniciando-se desde o seu ponto inicial, como se nunca tivesse estado a correr.
Logo, a «interrupção do prazo por via do disposto no n.º 4 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) tem como efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do mesmo artigo» (Ac. da RC, de 07.07.2008, Ferreira Barros, Processo n.º 4801/07.0TBVIS.C1; no mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.11.2018, Jorge França, Processo n.º 1495/17.9PBCBR.C1).
Contudo, tal novo prazo legal «não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil» (Ac. do STJ, de 17.04.2018, José Raínho, Processo n.º 1350/16.0T8PVZ.P1.S2).
Justifica-se por isso, e plenamente, que neste caso (em que o pedido de nomeação de patrono é formulado na pendência de ação judicial) a notificação da nomeação seja feita ao patrono com a expressa advertência do início do prazo judicial (art. 31.º, n.º 1).
Volta a salientar-se que a interrupção do prazo processual em curso (pela formulação, em ação judicial pendente, de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono) ocorre com a mera junção aos autos «do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
Regressemos ao caso concreto.
Verificamos que, no âmbito do processo de inquérito a que estes autos estão apensos, em que se averiguavam factos que poderiam consubstanciar a prática de um crime de violência doméstica, a assistente, ora recorrente, requereu concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o que lhe foi deferido.
Mais se verifica que, na sequência desse deferimento, foi-lhe nomeado como patrono oficioso o Sr.º Dr.º CC, passando este ilustre advogado a intervir naqueles autos, em seu nome e benefício.
Entretanto, o Ministério Público acabou por proferir despacho de arquivamento desse inquérito, com o qual a assistente não se conformou.
Alega a recorrente/assistente que foi notificada do despacho de arquivamento a 21/11/2022, e, com data de 23/11/2022, requereu à Ordem dos Advogados a substituição do anterior patrono nomeado, tendo nessa mesma data requerido ao tribunal a quo a junção de requerimento com aquele teor e requerido a suspensão dos prazos em curso.
Efetivamente, compulsados os autos verificamos que o despacho de arquivamento foi proferido em 13-11-2022, tendo sido remetida notificação postal à assistente e ao seu patrono em 15-11-2022 (cfr., respetivamente, fls. 392 e 393), considerando-se o patrono notificado em 18-11-2022 e a assistente, ponderando que a prova de depósito data de 16-11-2022 (cfr. fls. 403), no dia 21-11-2022.
Nos termos do art. 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
«1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.»
No caso dos autos o prazo, perentório, de 20 dias para requerer a abertura de instrução iniciou-se no dia 22-11-2022, com o seu termo normal, sem interrupção, a ocorrer no dia 11-12-2022. Sendo este dia Domingo, esse terminus transferiu-se para o dia seguinte, 12-12-2022 – 138º, nº 2, do CPC -, sempre com a possibilidade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de multa, ou seja, até ao dia 15-12-2022 (art. 139º, nº 4 e 5, do CPC).
O requerimento de abertura da instrução deu entrada em juízo no dia 09-01-2023 (cfr. a data do correio eletrónico de fls. 416), ou seja, fora do prazo legalmente previsto para o efeito.
No entanto, não obstante já se encontrar representada por patrono nomeado, a assistente, no dia 23-11-2022, requereu a substituição deste, o que lhe foi deferido em 16-12-2022.

Ora, relativamente à figura da substituição de patrono oficioso, o art. 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, dispõe:

«1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.
3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono.

O art. 34.º desse diploma legal aplica-se às situações em ocorre pedido de escusa, e consagra:
1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.
5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.
6 - O disposto nos n.os 1 a 4 aplica-se aos casos de escusa por circunstâncias supervenientes.»

Sucede que, contrariamente ao consignado a propósito do pedido de nomeação de patrono, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, no seu artº 24º nºs 4 e 5, nada refere a propósito dos efeitos da apresentação do pedido de substituição de patrono (anteriormente nomeado) nos prazos processuais que se encontrem em curso. (sublinhado nosso)
Apenas no que respeita à situação de pedido de escusa formulado pelo patrono nomeado oficiosamente na pendência de processo, nos termos do citado art. 34.º, nº 1 e nº 2, que remete para aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 24.º, ambos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (formalizado «mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos», está também previsto que se «interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido…» (sublinhado nosso)
Esta situação encontra a sua fundamentação no facto de ser o próprio patrono oficioso a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende que não se mostram reunidas as condições objetivas para o efeito (isto é, para o seu exercício, ou para a respetiva eficácia); e, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de, não obstante a escusa vir a ser deferida, ser prejudicada, se não mesmo inviabilizada, aquela defesa. Aqui sim, podendo verificar-se uma violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais, e da igualdade dos cidadãos perante a lei, previstos nos aludidos artigos 13º e 20.º da CRP.
«Dir-se-á, porém, que um pedido de substituição de patrono oficioso não replica esta ponderação de interesses, como não replica aquela outra ínsita no pedido de nomeação (inicial) de patrono.
Com efeito, o que está em causa no pedido de substituição de patrono é um qualquer motivo do requerente de apoio judiciário (lendo-se singelamente no art. 32.º, n.º 1 «fundamentando o seu pedido»), incluindo os de natureza puramente subjetiva, isto é, sem qualquer repercussão no exercício ou eficácia do patrocínio oficioso (ao contrário do pressuposto na escusa), que já lhe foi deferido e se encontra em vigor (ao contrário do pressuposto no pedido de nomeação inicial de patrono).
Compreende-se, por isso, que o n.º 2 do art. 32.º citado determine que só após o deferimento do pedido de substituição se aplicarão, «com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes», ou seja, os aplicáveis à escusa.
Crê-se, assim, estar arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva dos preceitos citados (previstos para a nomeação inicial de patrono, e para a sua escusa), por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2.
Com efeito, e quanto à interpretação extensiva, pressupõe a mesma que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria; e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo (6 Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, vide Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 185-186.). Contudo, isso terá que ser feito sem esquecer que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (conforme art. 9.º, n.º 2, do CC); e seria precisamente esse o caso da hipótese - aqui afastada - da concreta interpretação extensiva em causa.
Já quanto à integração de eventual lacuna, entre o caso omisso (de substituição de patrono) e o caso legalmente previsto (de nomeação inicial de patrono, e de escusa posterior de patrono nomeado), inexiste qualquer analogia entre ambos, face à diferente ponderação imposta pelos seus distintos pressupostos (7 Distinguindo a interpretação extensiva da analogia, vide Inocêncio Gaivão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume 1, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 261-262,).
Dir-se-á, porém, considerar que nem mesmo existe qualquer lacuna da lei (de Acesso ao Direito e aos Tribunais) que se imponha integrar, já que o seu silêncio, neste particular, não deixa sem norma algo que a exigisse.
Com efeito, com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente ficou desde logo assistida. A apresentação posterior de pedido seu, de substituição do dito patrono, não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora concedido (podendo, inclusivamente, o seu pedido vir a ser indeferido).
Compreende-se que assim seja, uma vez que o patrocínio oficioso, e ao contrário do contrato de mandato judicial - com o qual não se confunde (Reconhecendo a diferença, Ac. da RP, de 08.04.2003, Marques de Castilho, Processo n.º 0220823, onde nomeadamente se lê que o «pedido de escusa não se confunde com a renúncia ao mandato, por à nomeação oficiosa não se aplicarem, inteiramente, as normas daquele contrato».8) -, não se baseia na confiança pessoal (Conforme Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, onde nomeadamente se lê que o «mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário». 9) (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).
Logo, só com a nomeação de novo patrono (por decisão autónoma de entidade terceira) cessará o patrocínio oficioso antes conferido ao inicial patrono (depois substituído).» (Cfr. Ac. da RG, de 24/10/2019, rel. Maria João Matos, que aqui seguimos de muito perto, in www. dgsi.pt)

Retornando ao caso concreto, não podemos olvidar que a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, contém um capítulo com disposições especiais relativas ao processo penal, o Capítulo IV, que no seu art. 39º, nº 1, consagra que «- A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º», acrescentando o n.º 10 que «o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afeta a marcha do processo».

Por seu turno, o art. 42º da mesma Lei preceitua que:

«1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.
4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º”
Atendendo agora às normas do Código de Processo Penal, preceitua o art. 66º que:
«1 - A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no ato.
2 - O defensor nomeado pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa.
3 - O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa.
4 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo.”

Em face destes normativos apresenta-se como inquestionável que a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, sendo que, enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo, sem qualquer efeito no decurso do prazo que esteja em curso.
Estas regras são igualmente aplicáveis ao assistente que esteja a ser assistido em processo penal por defensor oficioso, como é o caso dos autos.
A questão suscitada pela recorrente prende-se, pois, com saber se o pedido de substituição de defensor suspende o prazo de 20 dias para requerer a abertura da instrução, como pela assistente é entendido.
Como vimos supra, o art. 32º, nº 1, da Lei 34/2004, de 29/07, permite ao beneficiário do apoio judiciário, a possibilidade de, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
Uma vez deferido o pedido de substituição, são-lhe aplicáveis, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes do mesmo diploma, de entre as quais se destaca o nº 2, onde se prevê «O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º».
É suportada neste regime legal que a recorrente pugna pela conclusão que o pedido de substituição do defensor interrompeu ou suspendeu o prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução, que se havia iniciado.
A recorrente estaria coberta de razão se, no caso vertente, fosse aplicável o acima citado artigo 24º, nº 5, da Lei 34/2004, de 29/07, ou seja, o prazo interrompido, por vida do pedido de substituição de patrono pelo beneficiário do apoio judiciário, iniciar-se-ia conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou b) a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Porém, na situação de substituição de defensor sob escrutínio no âmbito de um processo de inquérito, em processo penal, são aplicáveis as normas especiais referidas, ou seja, as que regulam a nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição, inseridas no Capítulo IV, da Lei nº 34/2004, de 29/07, que remetem para o art. 66º do CPP.
Este é o preceito regulador do regime da substituição de defensor, em processo penal, que, ao contrário do disposto nos artigos 24º, nº 5, ex vi 34º, nº 2 e artigo 32º, daquela Lei 34/2004, não prevê qualquer interrupção ou suspensão do prazo que estiver em curso, aquando do pedido de substituição ou dispensa do defensor.
Como já se salientou, o nº 4, do dito art. 66º do CPP, consagra que o defensor nomeado se mantém para os atos subsequentes do processo, enquanto não for substituído. Sendo este o regime também previsto nos arts. 41º, nº 3, 42º, nº 3, corroborado pelo estipulado no nº 10, do artigo 39º, todos da Lei 34/2004, de 29/07.
Tratam-se, assim, de normas especiais que afastam a regra geral do artigo 24º, nº 5, ex vi, artigos 34º, nº 2 e 32º, nº 2, todos da Lei 34/3004.
Em face destes normativos, aplicáveis ao assistente, apresenta-se como inquestionável que a nomeação de defensor ao arguido e a sua substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, sendo que, enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um ato mantém-se para os atos subsequentes do processo, sem qualquer efeito no decurso do prazo que esteja em curso.
Existe, assim, em processo penal, um regime específico, que afasta a aplicação da regra geral prevista no art. 34º, n.º 2, da citada Lei.
Como tem sido entendido, o prazo atingido pela suspensão é o que estiver relacionado com os fins tidos em vista com o pedido de apoio judiciário formulado, e não o da apresentação do requerimento de abertura da instrução, ou de interposição de recurso, alheios ao pedido.
Mantendo-se o defensor nomeado para os atos subsequentes do processo, cabe-lhe a ele, enquanto não for substituído, continuar a assegurar as funções, para que foi incumbido com a sua nomeação, no caso de apoiar juridicamente a assistente em todas as incidências processuais.
Daí que, como entendeu o Mm.º Juiz a quo, o pedido de substituição de patrono da assistente, formulado por esta, não interrompeu (nem suspendeu) o prazo para requerer a abertura de instrução que estava em curso aquando da sua formulação, por tal efeito não estar previsto na lei, a qual contém antes disposições em sentido contrário.
Pelo exposto, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao indeferir ao rejeitar, por extemporâneo, o RAI apresentado, a pretendida abertura da instrução.
Aliás, se a assistente, porventura, optasse por constituir mandatário judicial, o prazo entretanto em curso também não sofria qualquer interrupção ou suspensão, inexistindo, pois, razão para se interpretar as normas processuais penais de forma diferente consoante o tipo de defesa. (Neste sentido pronunciaram-se: o Ac. da RL, de 17.12.2008, Granja da Fonseca, Processo n.º 9829/2008-6; o Ac. da RP, de 13.09.2011, António Martins, Processo n.º 5665/09.5TBVNG.P1; ou o Ac. da RC, de 01.10.2013, Teles Pereira, Processo n.º 4550/11.5T2AGD.C1, onde nomeadamente se lê que, «se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar».
«Do que precede, podemos concluir, como no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 2005, proferido no processo nº 2251/05 – 5ª Secção (citado por Henriques Gaspar, no Código de Processo Penal Comentado – 2014 -, pág. 236), que as disposições especiais supra citadas «não prevêem, no âmbito do incidente de substituição de defensor, a interrupção dos prazos em curso; pelo contrário (…) dispõem, especialmente que, em processo penal, “o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta  a marcha do processo” e “enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes”.
Daí que não se suspenda o prazo de interposição de recurso o pedido de escusa, de substituição ou de dispensa do defensor oficioso apresentado, no seu decurso, pelo próprio ou pelo arguido».
Estes argumentos, que acolhemos na íntegra, valem mutatis mutandis para o prazo de abertura da instrução.» (Ac. RC, de 7 de Dezembro de 2016, in www.dgsi.pt)
Para além dos arestos citados na decisão recorrida, no mesmo sentido ver ainda nos acórdãos do STJ de 12-05-2005 (processo n.º 05P1310) e 15-01-2004 (processo n.º 03P3297), embora em casos de revogação do mandato; do TRC, de 18-12-2013 (processo n.º 139/96.5TATND.C1), do TRE de 30-06-2015 (processo 28/08.2GBCCH.E1); do TRG de 20-03-2017 (processo n.º 1032/15.0T9TBRG.G1) e 25-05-2015 (processo n.º 1715.12.6GBBCL.G1); do TRL de 21-06-2011 (processo n.º 4615/06.5TDLSB.L1-5), e do TRP de 04-04-2018 (processo n.º 245/16.1GBSVV-A.P1), de 13 de Abril de 2016, (Processo nº 480/14.7SJPRT.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.

Alega, ainda, a recorrente que ao ver-se impossibilitada de requerer a abertura da instrução, por entender que não havia fundamento para tal e que, tendo-lhe sido retirado esse direito, o despacho recorrido violou os arts. 13º, 20º e 32º, da Constituição.
Para além de não invocar concretamente as razões que a levaram a requerer a substituição do patrono que lhe estava nomeado, designadamente se houve alguma recusa ou inércia no impulso processual, ou qualquer outro motivo válido que justificasse essa mudança, o defensor é a pessoa tecnicamente preparada para o efeito, e pode perfeitamente considerar inviável ou inoportuna a apresentação do RAI, não sendo por esse motivo que a assistente deixa de estar assistida juridicamente e com efetiva oportunidade de defesa dos seus direitos. Com efeito, o direito a ser assistido por defensor e a impugnar decisões desfavoráveis não se pode transfigurar num direito a impor ou a condicionar a atividade, dependente de uma avaliação técnico-jurídica do mérito da decisão, que é da competência exclusiva do defensor. Mas, desconhecemos, porquanto não foi invocado, o motivo que subjaz à decisão da assistente em requerer a substituição do patrono que oficiosamente a assistia.
De qualquer forma, quando foi nomeada a nova defensora da assistente (16/12/2022), já havia expirado o prazo de apresentação do requerimento a solicitar a abertura da instrução (15/12/2022), prazo esse já acrescido de mais três dias úteis, mediante pagamento de multa, uma vez que o prazo normal tinha ocorrido no 12/12/2022, para além da possibilidade de invocação de justo impedimento, sendo caso disso.
A verdade é que o RAI deu entrada em juízo apenas no dia 09/01/2023.
Serve isto para dizer que, para além de nunca ter deixado de estar assistida por defensor, a assistente não viu comprometido, de forma intolerável, o direito a requerer a abertura da instrução.
Não se vislumbra, pois, que a decisão recorrida tenha violado os preceitos legais e constitucionais invocados pela recorrente, o disposto nos artigos 13º (Princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei), 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva) e 32º (Garantias de processo criminal, garantias de defesa e direito à escolha de defensor, nºs 1 e 3), todos da CRP, pelo que se deve manter.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela assistente AA, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por todos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães,10 de julho, de 2023

Os Juízes Desembargadores
Relator – José Júlio Pinto
1º Adjunto – Anabela Varizo Martins
2º Adjunto – Armando Azevedo