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PARTILHA
NULIDADE
RESTITUIÇÃO
FILIAÇÃO
PATERNIDADE
FRAUDE À LEI
Sumário
1- Em matéria de declaração de invalidade de uma partilha de bens, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 280º e seguintes, do CC), sendo que a declaração da sua nulidade tem como consequência forçosa a de repor a situação de indivisão ; 2- Provando-se que ao celebrarem uma concreta escritura de partilha, os respectivos outorgantes tiveram intenção de afastar o autor [que à data havia já interposto – estando a correr termos – uma acção de investigação de paternidade, visando ser reconhecido como filho/herdeiro do titular e ou/co-titular do grosso dos bens objecto da partilha] de na referida partilha poder intervir e , concomitantemente, de impedir o seu acesso aos bens que integravam a meação do falecido, a referida partilha mostra-se ferida do vício de NULIDADE, nos termos dos artºs 280º e 281º, do CC; 3. – É que, se a partilha indicada em 7.2. não ofende aberta ou declaradamente uma proibição legal, merece todavia o mesmo tratamento legal, por ter sido outorgada com a finalidade de contornar ou circunvir uma proibição legal [fraude relevante], de resto respeitante a um Direito contemplado na Lei Fundamental[CRP, art.º 36º, nº 4].
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
1. - Relatório. A…. instaurou em Maio de 2016 acção declarativa, com processo comum, contra H… e contra M…. pedindo que seja:
a) Reconhecida a sua qualidade de herdeiro legitimário; e
b) Anulada a partilha extrajudicial celebrada entre os Réus;
c) A Ré M… condenada a restituir à herança aberta por óbito de M…. os bens que lhe foram atribuídos na partilha e que se encontram devidamente identificados no artigo 20º da petição inicial;
d) Ordenado o cancelamento do registo a favor da Ré M… dos imóveis identificados nos artigos 20º petição inicial;
e) A Ré M… condenada a restituir à herança do montante recebido pela alienação dos imóveis identificados no artigo 38º da petição inicial;
OU, alternativamente, seja,
g) Anulada a partilhada extrajudicial celebrada entre os Réus por violação de lei e dolo;
h) A Ré M… condenada a restituir os bens identificados na escritura partilha celebrada no dia 27 de Abril de 2006;
i) A Ré M…. condenada a restituir à herança aberta por óbitos de M… os bens que lhe foram atribuídos na escritura de partilha celebrada com o Réu H…. no dia 27 de Abril de 2006, e que se encontram devidamente identificados no artigo 20º da petição inicial;
j) Ordenado o cancelamento do registo sobre a favor da Ré M… já efectuado na Conservatória do Registo Predial dos imóveis identificados no artigo 20º da petição inicial
k) A Ré ordenada à restituição à herança do montante recebido pela alienação dos imóveis identificados nos artigos 38º da petição inicial.
1.1 – Para tanto, alegou o autor, em síntese, que:
- Em 15/07/2011, instaurou acção para reconhecimento de paternidade de M.., contra o primeiro réu, H… por o M… já ter falecido, acção que veio a ser julgada procedente em 4/7/2013 e o autor reconhecido como sendo filho de M…;
- Ocorre que, em 27/04/2006, os réus [ o 1º na qualidade de filho e, o segundo, de ex-cônjuge do falecido] celebraram a partilha da herança de M…, já sabendo, nessa data, que o autor tinha a pretensão fundada de reconhecimento da paternidade de M…, razão porque a escritura de partilha referida foi outorgada com a intenção de os réus preterirem o autor na herança de M…;
- Fazendo parte integrante do património do falecido (…)a todos os bens foi atribuído o valor de 453 265,63€;
- Tendo os réus declarado na partilha que à ex-mulher M…, cabe-lhe a importância de 226.632,82€, correspondente à sua meação e, ao ex-marido, M….s, representado pelo filho, H…, a quantia de 226.632,82€, a verdade é que a ré apenas teria direito à parte que lhe caberia na sequência do divórcio celebrado com o falecido M…;
- Entretanto, e porque de resto a partilha foi realizada com o intuito deliberado de impedir o acesso do Autor à herança por óbito do Pai, certo é que a Ré já alienou diversos imóveis por valor que o autor desconhece, em suma, quer ao abrigo do instituto da Petição de Herança, ou , em alternativa, porque celebrada por violação da lei e dolo, pretende o Autor a anulação da partilha.
1.2. - Regularmente citados, ambos os réus contestaram, apresentando articulado conjunto, deduzindo defesa por excepção e por impugnação motivada e impetrando no essencial que a acção seja julgada improcedente, porque não provada.
Em síntese, aduzem que a partilha realizada visou efectivamente por fim ao património conjugal na sequência do divórcio decretado em Junho de 2004, por culpa exclusiva do M… e, ademais, o autor apenas foi reconhecido com filho do M… mais de seis anos após aquela partilha. Acresce que, sustentam ainda os RR, não existe fundamento para a pretendida petição de herança, porque o requisito “posse ilegítima” dos bens não se verifica, assim como não se verifica a necessidade de reconhecimento da qualidade de herdeiro porque ela resulta automaticamente da procedência da acção de paternidade.
Por último, e subsidiariamente, invoca a 2ª ré, a título de excepção, a aquisição dos bens por usucapião, alegando que a posse dos bens é titulada, pública, pacífica e ininterrupta e, sempre agiu como proprietária dos bens, pagando os respectivos impostos, suportando os encargos, e actuando como senhoria nos que estão arrendados, logo, adquiriu a propriedade dos bens por efeitos da usucapião, em 31/05/2016, antes da citação para a acção.
1.3. - Notificado para o efeito, o autor respondeu à excepção de aquisição por usucapião, e , seguindo-se a prolação de despacho que em razão do valor da acção determinou a remessa dos autos para os juízos Centrais Cíveis , porque os competentes , foi depois realizada a Audiência Prévia [ no âmbito da qual proferiu-se despacho saneador – tabelar - , identificou-se o objecto do litigio e enunciou-se os Temas da prova ], designando-se ainda a data para a Audiência de julgamento.
1.4. – Iniciada a audiência final/Julgamento a 22/1/2018 e concluída a 19/2/2018, e conclusos os autos para o efeito, foi finalmente proferida a SENTENÇA final, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“III- Decisão a) - Reconhece-se o autor como herdeiro legitimário de M…; b) -Absolvem-se os réus do demais peticionado. Custas: pelo autor e pelo réu, na proporção de 9/10 para o autor e de 1/10 para o réu.
(…)
1.5 - Inconformadocom a referida sentença, da mesma apelou então o Autor A…, apresentando o recorrente na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
I. Da impugnação da matéria de facto:
a) Foi errada a resposta dada ao ponto 7.º que deu como provado que: “ No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura de partilha extrajudicial, em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre M…, representado por H… e, Ma…, (…) O segundo réu, em representação do falecido M…, declarou “Que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal”. (certidão da escritura fls. 31 a 36).
b) A resposta correta deveria ter sido que
“No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura designada de partilha extrajudicial que, pese embora, nesta se declarar que foi celebrada em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre M…, representado por H…. e, Ma…, (…) e que o segundo réu, em representação do falecido, declarou “Que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal”. (certidão da escritura fls. 31 a 36), a verdade é que o que as partes efectivamente fizeram foi a partilha por óbito de M…, intervindo o segundo Réu não em representação do falecido, mas, por si, na qualidade de herdeiro legitimário daquele.”
c) A fundamentação da impugnação referida radica na análise que foi feita no que toca às escrituras de Fls. 31 a 36 e de Fls. 102 e depoimento da testemunha … impunham, quanto ao Ponto 7.º decisão diversa da recorrida.
d) O segmento do depoimento da Testemunha … a ter em conta na reapreciação da prova foi o que teve lugar no dia 23 de Janeiro de 2018, gravado na totalidade no sistema “Citius”, tendo sido iniciado às 09:54 Horas com a duração total de 36:57 min, com a referência “20180123095329_19322954_2871019”
e) Ainda com recurso à reapreciação da prova gravada, impunha-se ter sido considerado como provado o facto de que “O 1º Réu .. é Professor de Direito”, atento o depoimento de parte prestado pelo Recorrido .
f) O segmento do depoimento de Parte do Recorrido H… ter em conta na reapreciação da prova foi o que teve lugar no dia 22 de Janeiro de 2018, gravado na totalidade no sistema “Citius”, tendo sido iniciado às 10:56 Horas com a duração total de 11:56 min, com a referência “20180122105601_19322954_2871019”
II. Da impugnação da matéria de direito
g) O tribunal errou ao concluir que a escritura de partilha realizada extrajudicialmente em 27/4/2016 em que intervieram os réus, não teve por objecto os bens deixados por óbito de M… mas, antes, realizar a partilha do património comum do casal que fora formado pelo (entretanto falecido) .. e a ré Ma…, em consequência da dissolução do casamento por divórcio”.
h) Tal conclusão viola os artigos 2031.º, 2050.º, n.º 2, 2162.º, 2025.º, n.º 1 do Código Civil, porquanto os mesmos impõem que após o óbito de M…, sendo aberta a sucessão, os seus bens passam a pertencer ao acervo hereditário, não podendo ser partilhados por divórcio.
i) É uma conclusão contrária à prova produzida, e à lei, devendo antes ter concluído que na escritura tiveram em causa os bens pertencentes ao património do de cujus que integram a sua meação, e se da outra meação a adjudicação a Ma.. foi feita por força da dissolução do casamento, quanto à meação do M…do que tratou foi efectivamente de uma partilha de herança.
j) Considerar como se considerou neste segmento, e com isso lapidarmente afastar o Recorrente do acesso aos bens do pai, agride frontalmente as mais elementares regras do direito sucessório.
k) Por outro lado, o Tribunal a quo também errou quando conclui que o Recorrido H,… actuou na qualidade de representante do falecido M.., devendo antes ter concluído que o Recorrido actuou na qualidade de herdeiro legitimário.
l) Ao concluir pela representação o Tribunal a quo violou os artigos 68.º, 1174.º, 2031º, 2179º, 2028º, n.º 2 do Código Civil.
O tribunal violou frontalmente o artigo 2027.º ao considerar que inexistiu fundamento para a petição da herança, com base no argumento de que “O fundamento da acção não reside em qualquer vício que inquine a validade de actos jurídicos e, por isso, não carece nem pressupõe a declaração de anulabilidade ou nulidade das partilhas que hajam sido realizadas. Por conseguinte, conclui-se que não há fundamento para a acção de petição de herança nem para anular a partilha com esse fundamento.”
m) Sendo a procedência de petição de herança dependente de dois requisitos: a. reconhecimento da qualidade sucessória do herdeiro e b. a posse de bens da herança pelo demandado a qualquer título, o Recorrente preencheu o primeiro com a prova que veio a “reconhecer essa qualidade do autor de herdeiro legitimário de M….s, conforme artigo 2157º do Código Civil.” e o segundo através da própria escritura de partilhas de onde consta a descrição dos bens do casal Ma…e M.. que após dissolução do casamento e à morte deste ficaram por partilhar.
n) Escritura essa, por força da qual, todos esses bens passaram para a posse da Recorrida, o que era quanto bastava ao Tribunal a quo para julgar procedente o pedido de petição de herança deduzido pelo Recorrente e ordenar a restituição dos bens à herança de M….
o) A petição de herança não exige que seja inquinada a validade dos actos jurídicos – nem desse pressuposto num primeiro pedido o Recorrente fez depender a sua petição – muito embora se tenha vindo a verificar que os Recorridos actuaram com dolo.
p) Não sendo necessário demonstrar a invalidade do ato jurídico de disposição do património da herança, como ocorreu com esta partilha de bens, nada impedia o Tribunal a quo de ordenar à Recorrida Ma… a restituição dos bens à herança.
q) O Tribunal a quo que deu como provado que: 13º Ao celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram a intenção de afastar o autor de nela poder intervir. 14º E impedir o acesso do Autor à meação do M...
r) Deveria por isso ter anulado a partilha, sendo errada a aplicação do artigo 72.º do regime de Inventário que o Tribunal aplicou, antes devendo ter aplicado o artigo 2102.º do Código Civil que o recorrente invocou.
s) Nos termos do artigo 2102º do Código Civil a partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interessados.
t) Os Réus sabiam – assim ficou demonstrado - que o Autor era um interessado na partilha porquanto era um pretenso herdeiro do falecido M… e que a referida partilha o iria prejudicar.
u) Donde o Tribunal deveria ter concluído que tendo a partilha sido realizada sem o acordo de um interessado e potencial herdeiro, a mesma é nula por violação de lei nos termos conjugados do disposto nos artigos 2102º, 294º e 285º do Código Civil.
v) Como decidiu em sentido contrário tais artigos saem violados.
w) Sendo certo que, como afirma o Tribunal a quo: “à data em que foi celebrada a escritura, o autor não era herdeiro do M.., a sentença que lhe reconheceu essa relação biológica de filiação é posterior.
x) Já deve ter-se como ilegal a conclusão de que “Não se pode falar em dolo ou qualquer outro vício da vontade gerador da invalidade da partilha extrajudicial.”
y) Tal conclusão não se pode extrair quando se considerou provado que “Ao celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram a intenção de afastar o autor de nela poder intervir. E de 14º impedir o acesso do Autor à meação do M…..
z) Não só houve dolo assente naquelas intenções demonstradas como o facto de à datada celebração da escritura o Recorrente não ser herdeiro em nada releva juridicamente, porquanto a doutrina aponta no sentido de que “anulação de partilha pode ser obtida através de acção judicial” a qual “só pode ter por fundamento a preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros se mostre que os demais interessados actuaram com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi partilhada.” E “Há falta de intervenção «quando posteriormente às declarações do cabeça de casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro » ( citando J.Alberto dos Reis.)
aa) E também a jurisprudência, tal como se expressa no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa esclareceu em 20 de Março de 2014 (processo n.º 702/10.3TCFUN.L1-2) que:
“Na verdade, como na partilha judicial, a anulação da partilha extrajudicial pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada ( arts. 1388.º, n.º 1, do CPC/1961, e 72.º, n.º 1, do regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que entrou em vigor a 2 de Setembro de 2013). Por dolo entende-se, designadamente, qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração (art.º 253.º do CC). Por sua vez, e acolhendo a noção empregue no âmbito da impugnação pauliana, a má fé corresponde à consciência do prejuízo que o ato causa ao interessado não interveniente na partilha extrajudicial (art.º 612.º, n.º 2, do CC). De acordo com a lei é ainda pressuposto a existência do conluio entre todos os interessados no sentido de afastarem da partilha qualquer um com direito a intervir, não bastando que só algum ou alguns dos interessados hajam procedido com fim malicioso e ilegal (J. LOPES CARDOSO, Partilhas Judiciais, Volume II, 1980, pág. 556).
bb) Como nos presentes autos ficou demonstrada que a actuação de má-fé dos intervenientes na partilha levou à preterição de um interessado apenas restaria ao Tribunal a quo interpretar os artigos 294º e 2102º no sentido de que a partilha extrajudicial é anulável atenta a actuação de má-fé dos intervenientes e a preterição de um interessado, não o tendo feito tais normas foram violadas;
cc) Também a nulidade da partilha deveria ter sido considerada – nos termos do artigo 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil – quando o Tribunal considerou que“(…) ao celebrarem a escritura de partilha (…) os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e ainda de impedir o acesso do autor à meação do Ms (cfr. pontos 13º e 14º do elenco dos factos provados), pois que se esperassem pelo final da acção de investigação de paternidade não poderiam celebrar a partilha como celebraram, designadamente, no aspecto de “abrir mão” das tornas/meação do M… ( cfr. fundamentação da decisão da matéria de facto quanto aos factos provados), ao que acresce que o réu H… é o único herdeiro da ré Ma… o que ela “recebeu a mais”, reverterá, in futuro, para o réu H…; e ambos sabiam disso, quanto mais não seja atenta a formação profissional do réu ( professor de Direito) ( cfr. fundamentação da decisão da matéria de facto quanto aos factos não provados);
dd) Uma vez pedida a nulidade e perante tais conclusões, o facto de o Tribunal a quo nada ter dito, deve ter-se como omissão de pronúncia violando o artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC);
ee) Nos termos do disposto no art.º 2121º do Código Civil, a partilha extrajudicial é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, o que significa que, à impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis não só as disposições gerais directamente referentes aos contratos em geral, mas também as disposições sobre a impugnação dos negócios jurídicos em geral, (…) são, portanto, aplicáveis, em princípio, as normas relativas, não apenas à anulabilidade (por erro, dolo, coacção, usura ou estado de necessidade, incapacidade, etc.), mas também as referentes aos casos de nulidade e até de inexistência do negócio jurídico – todos eles cobertos pelo conceito de impugnação lato sensu (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 198).
ff) Na verdade, para o que à nulidade importa, considerar-se a escritura de partilha sub judice como uma partilha do património comum do casal após o divórcio ou como uma partilha da herança do de cuius é absolutamente indiferente, pois que o que se verificou foi que, por via dessa partilha, os Recorridos esvaziaram, por completo, o património do falecido , por forma a que o recorrente não pudesse receber quaisquer bens em sucessão.
gg) E ou o fizeram directamente, considerando-se que a escritura de partilha consiste numa partilha de herança ; ou o fizeram indirectamente, por via da partilha do património comum do casal, em que o Primeiro Réu, em suposta representação do falecido, renuncia a quaisquer bens, renuncia a tornas e provoca o efeito jurídico de se dever considerar que o de cuius não deixou quaisquer bens em sucessão. Ora, como refere, e bem, o Tribunal a quo, a renúncia a tornas do Primeiro Réu a favor da sua mãe, Segunda Ré, é tudo menos inocente, pois que o Primeiro Réu é o único herdeiro da Segunda Ré e tudo o que pertence à segunda, um dia caberá ao primeiro.
hh) Impunha-se, pois, ao Tribunal a quo declarar a nulidade daquela escritura de partilha e de todos os actos nela compreendidos, incluindo a renúncia às tornas, cuja suposta fundamentação claramente não convenceu o Tribunal (fundamentação da decisão da matéria de facto quanto aos factos não provados).
ii) Independentemente do peticionado pelo Autor (de anulação da escritura de partilha), certo é que cabia ao Tribunal a quo o dever de declarar a nulidade daquele negócio, nos termos do disposto no art. 286º do Código Civil, nos termos do qual a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
jj) Tratou-se a escritura em causa de um negócio imoral e contrário à ordem pública.
kk) Os intervenientes conheciam bem as circunstâncias do negócio, atento até a formação jurídica, e que o mesmo era apto a acarretar uma ofensa à legítima do Recorrente. Esta falta de inteireza e rectitude ofende sobremaneira a ordem pública, os bons costumes de acordo com o artigo 280.º, n.º 2 do Código civil, merecendo a reprovação do direito e como tal este negócio deve ter-se como nulo.
ll) Tendo feito tábua rasa desta contextualização o Tribunal violou as invocadas normas: artigos 280.º, nº 2, 281.º e 286.º do código civil;
mm) A interpretação do regime de anulação de partilha extrajudicial no sentido que apenas poderá ser requerida a anulação por herdeiros legítimos à data da escritura de partilha é inconstitucional por violação do artigo 36º, n.º 4 da CRP, por constituir uma discriminação de filho nascido fora do casamento, na sua vertente material.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão da matéria de facto impugnada e consequentemente revogando a sentença, substituindo-a por outra que condene os Recorridos no peticionado em sede petição inicial, com o que se cumprirá o desiderato último de qualquer processo que é a correta aplicação do Direito.
1.6 – Os RR H… e Ma… , vieram contra-alegar, “aproveitando” para impetrar a título subsidiário a ampliação do âmbito do recurso.
Nas contra-alegações apresentadas, deduziram ambos as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e de Direito que foi proferida no âmbito dos presentes autos que tiveram início com a acção declarativa, intentada, em 16 de Maio de 2016, contra os ora Recorridos, na qual foi peticionado: (i) O reconhecimento da qualidade de herdeiro legitimário do Autor; (ii) A anulação da partilha extrajudicial celebrada entre os Réus em 27 de Abril de 2006 por alegada preterição do direito à herança; (iii) A condenação da Ré Ma… na restituição à herança aberta por óbito de M… dos bens que lhe foram atribuídos na referida partilha e, ainda, do montante recebido pela alienação dos imóveis descritos no artigo 38º da petição inicial; (iv) subsidiariamente, a anulação da partilha extrajudicial celebrada em 27 de Abril de 2006, por violação da lei ou dolo.
B. O processo seguiu os seus termos e veio, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo reconhecido o Autor como herdeiro legitimário de M… e absolvido os Réus dos demais pedidos contra eles peticionados.
C. O Autor apresentou alegações de recurso, pugnando, no seu conjunto, pela alteração da decisão recorrida, de modo a que os Recorridos sejam condenados no peticionado em sede de petição inicial.
D. Antes de se avançar para a análise das questões suscitas pelo Recorrente, cumpre, desde já, requerer a ampliação do objecto do recurso pelos Recorridos. Porquanto, o Tribunal a quo ao concluir pela absolvição dos Réus – decisão que naturalmente se impunha atenta a falta de fundamento legal do peticionado pelo Autor –, conferiu, aos ora Recorridos, o estatuto de parte vencedora da causa. Por conseguinte, estavam os Réus impedidos de interpor recurso da decisão sub judice, pois careciam de legitimidade, atenta a manifesta falta de interesse em agir por ausência de decaimento.
E. No entanto, na mesma decisão, considerou o Tribunal a quo que, pese embora tal questão estivesse prejudicada pela decisão proferida quanto aos pedidos formulados pelo Autor, estaria ainda em condições de conhecer da excepção peremptória de aquisição da propriedade dos bens objecto da partilha por usucapião, invocada pelos Réus a título subsidiário.
F. Tendo-a julgado improcedente por considerar ser aplicável ao caso em apreço, para efeitos de aquisição da propriedade dos imóveis por usucapião, o prazo de 15 anos – e não o prazo de 10 anos pugnado pelos Réus – por entender que a Ré Ma… procedeu de má-fé.
G. Este fundamento do Tribunal a quo, apesar de errado, não teve qualquer influência no resultado da douta sentença e, bem assim, não se projectou negativamente na esfera jurídica dos Réus, uma vez que as razões de facto e de direito deduzidas pelos Réus na sua defesa, a título principal, foram consideradas procedentes.
H. No entanto, com a interposição de recurso, têm agora os ora Recorridos todo o interesse e legitimidade para requerer, a título subsidiário, a reapreciação da referida questão, porquanto, do eventual provimento do recurso interposto pelo Autor decorreria uma decisão condenatória de restituição à herança dos bens objecto da partilha por dissolução de casamento celebrada a 27 de Abril de 2006.
I. Decisão condenatória que, apesar de se vir a revelar absolutamente infundada e injusta - e que apenas se considera por mera cautela de patrocínio, sem conceder -, poderá ser impedida, por via da reapreciação da excepção peremptória de usucapião erradamente julgada pelo Tribunal a quo.
J. Assim, nos termos do nº 1 do artigo 636º do Código de Processo Civil (“CPC”), têm os Recorridos fundamento e legitimidade para requerer, ainda que a título subsidiário, a ampliação do objecto do presente recurso.
K. O Tribunal a quo considerou como provados, entre outro, o seguinte facto: “7º No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura de partilha extrajudicial, em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre M, representado por H e, Ma, que teve por objecto os seguintes bens (...).”.
L. O Recorrente pretende ver reapreciada a decisão relativa ao ponto 7º da matéria de facto, por entender que “o que as partes efectivamente fizeram foi partilha por óbito de M…”, fundamentando a sua pretensão no alegado facto de as declarações prestadas pelas partes que intervieram na escritura extrajudicial de partilha de 27 de Abril de 2006 não terem sido sinceras nem verdadeiras.
M. Sobre este ponto cumpre, desde já, referir que esta é tese altamente falaciosa que o Autor sempre tentou demonstrar – sem qualquer sucesso – nos presentes autos. Pois, em momento algum resultou da prova trazida aos autos que fosse intenção e finalidade única dos Réus celebrar uma escritura de partilha por óbito de M….
N. Pelo contrário, resultou amplamente provado que em 27 de Abril de 2006 foi celebrada a escritura de partilha por dissolução do casamento entre M..e a aqui Recorrida . Tendo, sobre este ponto, a Ré Ma.. prestado um depoimento claro e credível (minutos 02m:10s a 02m:30s da gravação com a referência 20180122110909_19322954_2871019).
O. O Tribunal a quo fundou, igualmente, a sua convicção na prova documental apresentada, designadamente, no documento autêntico que corresponde à escritura de partilha extrajudicial celebrada em 27 de Abril de 2006 e que faz fé-pública por ter sido atestado por entidade notarial e, ainda, na evidência de não existir qualquer razão de facto ou de direito para suspeitar da veracidade das declarações dos outorgantes.
P. Pois, por um lado, apesar de aquando da celebração da referida escritura os Réus admitirem ter conhecimento de ter sido interposta uma acção de reconhecimento da paternidade intentada pelo Autor, a verdade é que tal acção não tinha sido julgada e que o falecido M… nem sequer era parte legítima na mesma.
Q. Sendo certo que só por sentença de 4 de Julho de 2013, proferida no âmbito de outro processo, com o nº 1621/11.1TVLSB e que correu termos na 4ª Vara Cível de Lisboa), foi declarado que o pai do autor era M….
R. Factos que foram dados como assentes e provados por se encontrarem documentados nos presentes autos. Pelo que, os aqui Recorridos não tinham, nem tinham porque ter, conhecimento das alegadas pretensões do Recorrente (como a de ver reconhecida, mais tarde, a sua qualidade de herdeiro), sobretudo quando nem sequer conheciam ou sabiam da sua existência e sendo certo que, nessa data, o Recorrente era apenas uma criança de 10 anos de idade que tinha sido perfilhada por outro pai, a saber (..).
S. Pelo que, pelo menos até à perícia médico-legal realizada no âmbito do processo de reconhecimento da paternidade intentado em Julho de 2011, não existia qualquer elemento (mormente de carácter científico) que pudesse fazer os aqui Recorridos sequer suspeitar que o aqui Recorrente fosse filho biológico do falecido M..
T. Acresce que, durante anos, designadamente desde a separação (1995), os Recorridos não mantinham qualquer contacto com M.., desconhecendo a sua rotina, as pessoas com quem se relacionava e convivia, etc.
U. Razão pela qual, não era – nem podia ser – exigível aos Recorridos que conhecessem e confiassem de forma ofuscada num terceiro que lhes era completamente desconhecido e, bem assim, conhecessem em absoluto as respectivas pretensões.
V. Bem como, não era legítimo exigir que Recorrida Ma.. mantivesse a sua vida estagnada (não procedendo à partilha dos bens comuns, em especial depois de tudo o que já tinha sofrido durante o matrimónio e no processo de divórcio) e, bem assim, ficasse com património imobilizado (por exemplo, sem poder alienar) até à prolação de uma decisão num processo judicial que ainda nem sequer exista!
W. Acresce que, conforme resultou da prova gravada nos presentes autos, nos últimos anos da sua vida, o estado de saúde de M… estava bastante debilitado, designadamente com sintomas médicos de doença de Alzheimer, estando o mesmo já incapacitado de reger a sua pessoa e bens.
X. Em virtude disso, o Recorrido H.. decidiu aproximar-se do pai, tendo, nessa ocasião, sido alertado por terceiros, de alegados créditos contraídos por M… nesta fase, bem como da prática de outros actos que podiam comprometer o património do mesmo.
Y. Razão pela qual é compreensível e perfeitamente legítimo que os Recorridos tivessem interpretado a instauração da acção de reconhecimento da paternidade como mais uma (entre muitas outras) situação de aproveitamento do património de M…, por parte de terceiros.
Z. Nos autos foi produzida prova abundante que corrobora tudo o que se referiu supra, designadamente através do depoimento de parte do Recorrido (…), e do depoimento das testemunhas (…).
AA. Como resulta do exposto e de toda a prova produzida, nada obstava, nem poderia obstar – legal ou moralmente – a que os Recorridos procedessem à escritura de partilha do património conjugal do casal, em decorrência da sentença que decretou o divórcio entre a aqui Recorrida e o falecido M...
BB. Não existia à data da mencionada escritura qualquer direito do aqui Recorrente, nem mesmo qualquer expectativa jurídica, no sentido de expectativa merecedora de tutela jurídica, pelo que é inconcebível que se possa extrair do mero conhecimento de que havia sido instaurada a acção de investigação da paternidade que correu termos sob o nº 6723/04.8TVLSB, uma alegada má fé na celebração da referida escritura.
CC. Aliás, se de facto fosse intenção dos Recorridos afastar o Recorrente da herança aberta por óbito de M.., nenhum sentido faria a celebração de uma escritura para partilha do património conjugal, deixando intactos todos os demais bens (de valor significativo) que, por serem bens próprios do falecido, integram a sua herança.
Designadamente a Quinta da (…) e os prédios rústicos denominados por (…).
DD. Pese embora este facto não conste da matéria de facto – por o Tribunal a quo ter entendido que não fazia parte do pedido do Recorrente – tem importância fundamental para prova de que a intenção dos Recorridos, reduzida a escrito pela referida escritura e atestada por autoridade notarial, foi precisamente a de realizar a partilha do património comum do casal em resultado da dissolução do casamento por divórcio.
EE. O mesmo resultou amplamente provado, quer por pela documentação junta pelo próprio Recorrente aos autos, designadamente pelo articulado superveniente, que veio a ser indeferido, mas no qual não só identifica os imóveis em questão, como junta as respectivas fotografias do local, como pela prova testemunhal produzida em audiência (veja-se, a este propósito, o depoimento de testemunha (..).
FF. No entanto, ao longo do processo, o Recorrente, apesar de bem saber que tais bens existem e que estão por partilhar, não fez qualquer referência a esse facto, com o único propósito de fazer transparecer que a escritura extrajudicial de 27 de Abril de 2006 foi uma escritura por óbito e que, por consequência, a herança ficou desprovida de bens!
GG. O Recorrente, como tentativa desesperada de dar consistência e de provar a sua tese falaciosa, acrescenta ainda, que o Recorrido, na referida escritura extrajudicial, actuou em nome próprio e nunca em representação do seu falecido pai, baseando-se, para efeito, nas ilações extraídas do depoimento prestado pela testemunha (..)r, designadamente no facto de esta ter referido que o Recorrido H.. entendeu ser justo “momento da partilha dar à mãe aquilo que ela merecia”.
HH. Tentando, com isso, deturpar a realidade e transparecer a ideia de que a atitude do Recorrido H.. se resumiu a um acto meramente altruísta para com a mãe, sem qualquer ligação ou mesmo nexo de causalidade com o divórcio.
II. Com efeito, da prova produzida resulta que o Recorrido, no exercício de um direito próprio que lhe foi transmitido por via de sucessão, tomou a decisão compensar a mãe de todo o mal e sofrimento a que a mesma esteve sujeita durante o matrimónio e, por em consequência directa disso, por ter assumido o papel de mãe e de pai. Veja-se, a este propósito o depoimento da testemunha (…) JJ. Assim, em face da prova documental e testemunhal acima transcrita, deverá ser mantida a decisão do Tribunal a quo no sentido de considerar o ponto 7º da matéria de facto como provado.
KK. Em referência ao facto do Apelante considerar que deveria ter sido dado como provado que “O Réu H… é Professor de Direito”, sempre se diga que tal circunstância não levanta quaisquer dúvidas, sem prejuízo de não ter qualquer relevância para a decisão da causa, pois resume-se a uma mera formalidade processual, não se tratando, portanto, de um facto constitutivo do direito do Autor, como este pretende transparecer ao longo das suas alegações, ao fazer referência de forma vaga e absolutamente descontextualizada à profissão do aqui Recorrido como se tal fosse um facto absolutamente essencial que integra e fundamenta o seu pedido.
LL. Se alguma relevância apresenta a capacidade técnica do Recorrido para a compreensão de temas jurídicos (por ser, como é, Professor de Direito) é precisamente para concluir que a existência de um mero acto de citação para uma acção de investigação da paternidade - (i) feito a terceira pessoa (era parte ilegítima pois ainda corria uma acção de impugnação da paternidade), (ii) numa altura em que o citando (seu pai) se encontrava absolutamente incapacitado de reger a sua pessoa e bens e de compreender o teor da mesma, (iii) e tendo o citado já sido alvo de aproveitamento por parte de terceiros, em virtude de tal condição de saúde - nunca poderia produzir os efeitos jurídicos que o Recorrente pretendia.
MM. Assim, por se tratar de matéria sem interesse, é por demais evidente que o Tribunal a quo esteve bem ao não incluir tal circunstância, absolutamente acessória, no leque de factos provados ou não provados.
NN. Relativamente aos pontos 13º e 14º da matéria de facto, os mesmos têm interesse para a apreciação da questão suscitada a título subsidiário, e no entender dos aqui Recorridos foram incorrectamente julgados.
OO. O Tribunal a quo considerou como provado que “13º Ao celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir. 14º E impedir o acesso do autor à meação do M….”, julgamento este que teve subjacente, conforme decorre da sentença recorrida, a prova por presunção judicial.
PP. Importa, portanto, frisar que as presunções judiciais não podem ser legitimadas à luz de meras suposições, mais ou menos arbitrárias e subjectivas: antes pressupõem que a operação de pensamento constitua uma consequência lógica, à luz das regras da experiência, ou seja, uma espécie de “silogismo dedutivo” em que o facto base constitua o postulado da conclusão, ou seja, do facto que se presume.
QQ. Tal operação de pensamento pressupõe que a mesma seja efectuada sem “saltos lógicos” ou “premissas indemonstradas” e que o raciocínio seja cauteloso, ou seja, que os factos base permitam conduzir às conclusões (factos presumidos), sem recurso a meras conjecturas.
RR. Ora, se atentarmos ao caso concreto, concluímos que o Tribunal a quo baseou toda a sua convicção sobre a questão em causa, no mero facto de os Recorridos terem declarado ter tido conhecimento da existência da instauração da acção para reconhecimento de paternidade com o nº 6723/04.8TVLSB em 07/12/2004.
SS. Ou seja, in casu, o facto-base – a partir do qual o Tribunal a quo concluiu pela demonstração dos factos constantes dos pontos 13º e 14º da sentença – é apenas e tão só a circunstância de os Recorridos terem tido conhecimento da existência da referida acção em data anterior à data da escritura de partilha por divórcio. Inexistindo, indubitavelmente, qualquer outro elemento ou facto – ainda que instrumental ou acessório – que tenha levado o Tribunal a quo a atingir a referida decisão.
TT. Não obstante, o Tribunal a quo resolveu “supor” que os Recorridos “sabiam, com forte probabilidade, que ele [o Recorrente] era filho do falecido M.. porque, no seu entender, “ninguém instaura acções do género “só por instaurar”.
UU. Veja-se, inclusive, que o Tribunal a quo, neste segmento da sentença, ignorou por completo que o Recorrente apenas veio efectivamente a ser reconhecido como filho biológico de M.. em acção instaurada em 2011, ou seja mais de 6 anos após o seu falecimento e mais de 5 anos após a escritura de partilha do património conjugal.
VV. E isto em directa contradição com a fundamentação expendida na mesma sentença ao referir que “Ora, à data em que foi celebrada a escritura, o autor não era herdeiro do M…, a sentença que lhe reconheceu essa relação biológica de filiação é posterior. Não se pode falar em dolo ou qualquer outro vício da vontade gerador da invalidade da partilha extrajudicial.” (sublinhados e realces nossos).
WW. Ora, precisamente no caso em apreço, temos uma situação de confronto entre a convicção ou “crença” pessoal do próprio julgador – de que “ninguém instaura acções do género “só por instaurar” – e a demais prova produzida nos autos que confirma precisamente o contrário, no sentido de que, perante os circunstancialismos pessoais em que se encontrava o falecido M… e perante a relação pessoal (ou falta dela) entre os intervenientes em causa, era perfeitamente plausível, provável e compreensível que os Recorridos não tivessem atribuído ao conhecimento sobre a mera instauração da acção nº 6723/04.8TVLSB qualquer aura de credibilidade.
XX. Toda a prova produzida é precisamente sustento fáctico para a demonstração contrária ao entendimento do Tribunal a quo, pois, se é verdade que os Recorridos tiveram conhecimento da instauração da referida acção em Dezembro de 2004, é igualmente verdade e encontra-se provado nos presentes autos que: (i) Desde 1995 os Recorridos não mantinham qualquer relação com o falecido M… de tal forma que, em 1999, o Recorrido nem sequer o convidou para o seu casamento; (ii) A acção de divórcio litigioso apenas conheceu sentença em 09/06/2004, pelo que, até ao trânsito em julgado da mesma, não era possível celebrar a escritura de partilha dos bens comuns do casal; (iii) O referido divórcio foi decretado com culpa exclusiva do réu M..; (iv) O sofrimento familiar decorrente dos factos constantes da sentença de divórcio, não apenas de Ma.., mas também do seu filho, o Recorrido H…, foi elevado; (v) Os Recorridos desconheciam, nunca tinham visto ou ouvido falar do Recorrente até à referida data de 07/12/2004; e (vi) Quando os Recorridos e, em particular o Recorrido, retomou contacto com seu pai, o mesmo encontrava-se totalmente incapacitado de reger a sua pessoa e bens, já tendo sido diagnosticado com a doença de Alzheimer e estando a ser alvo de diversas burlas e aproveitamento de terceiros em resultado do referido estado de saúde, (vii) sendo certo que veio a falecer pouco tempo depois, no dia 11 de Junho de 2005, sem que, evidentemente, tivesse recuperado as capacidades físicas e mentais necessárias à celebração da escritura de partilha do património conjugal.
YY. É manifesto, por tudo o acima exposto, que o entendimento em causa não pode proceder, sob pena de serem violados elementares direitos dos Recorridos, em particular da recorrida, em directa derrogação dos princípios da segurança e certeza jurídicas.
ZZ. Acresce que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que concerne os referidos pontosa factualidade dada como provada na sentença, viola a presunção legal decorrente do nº 2 do artigo 1260º do Código Civil e, em particular, confere à “prova” por presunção judicial uma superioridade face àquela.
AAA. Porquanto, o Tribunal a quo ao concluir factualmente que a actuação dos Recorridos foi pautada pela má fé e que, consequentemente, a referida posse da Recorrida é, também ela, de má fé, conferiu à prova por presunção judicial um valor superior e derrogatório da presunção legal decorrente do citado artigo 1260º do Código Civil.
BBB. Salvo nos casos em que a presunção legal não chega a actuar por falta de verificação dos seus pressupostos (nomeadamente em resultado da prova produzida pela parte contrária), nunca poderá ser conferida à presunção judicial a capacidade de colocar em causa ou impedir a verificação do efeito decorrente daquela. Ou seja, no caso em apreço, cabia ao Recorrente o efectivo ónus da prova da existência de má-fé por parte dos Recorridos, uma vez que a Recorrida beneficia de presunção legal em sentido contrário.
CCC. No entanto e por tudo o acima exposto, é manifesto que tal ónus da prova não foi cumprido, uma vez que toda a prova produzida nos autos veio precisamente reforçar a boa-fé dos Recorridos na celebração da escritura de partilha em causa, não tendo, o mero conhecimento da instauração da acção com o nº 6723/04.8TVLSB a virtualidade de prova em contrário de tal decorrência da presunção legal.
DDD. Quanto à factualidade dada como não provada, refira-se que o Tribunal considerou apenas como não provado que “A intenção do réu H… ao prescindir do recebimento de tornas, fosse a compensar a ré Ma… dos danos psicológicos e físicos sofridos durante o casamento com o M…”.
EEE. Não podem os aqui Recorridos concordar com a decisão do Tribunal a quo em considerar como não provado este facto, já que nos autos foi produzida prova abundante, designadamente prova documental (certidão de sentença que decretou o divórcio), mas em especial prova testemunhal, no sentido de que o Réu H… assistiu durante muitos anos à violência verbal e física exercida pelo seu pai sobre a sua mãe e que, em virtude disso, anos mais tarde e por questões manifestamente pessoais, sentiu que tinha o dever moral de compensar a mãe pelos danos sofridos.
FFF. Veja-se, a este propósito, o depoimento das testemunhas (…).
GGG. Tendo em consideração os referidos depoimentos – cuja credibilidade, razão de ciência e coerência, não foi posta em causa, nem foi minimamente abalada – outra não podia ter sido a decisão do Tribunal a quo que não a de julgar como provado que a intenção do Recorrido ao prescindir das tornas devidas pela partilha do património conjugal do seu pai e da sua mãe era precisamente a de compensar esta última pelos incalculáveis danos físicos e morais sofridos durante o casamento.
HHH. Relembre-se que o Recorrido era, à data, o único e universal herdeiro de seu pai e que, nessa qualidade, detinha o direito de, em conjunto com a sua mãe, decidir qual a forma de partilha que se revelava adequada.
III. Nesta conformidade, o acto praticado pelo Recorrido, no cumprimento de estritas obrigações morais e de justiça, obedeceram ao cumprimento de uma obrigação natural, sendo que a Recorrida era portadora de um direito (de ordem natural) a fazer valer (cfr. artigo 402º do CC).
JJJ. Por tudo o exposto e atenta a prova produzida nos autos, não se pode aceitar o entendimento do Tribunal a quo na decisão da factualidade dada como provada sob os pontos 13º e 14º da sentença recorrida, mais se considerando imperioso, em face de todo o exposto, que se dê como provado o ponto 29º da matéria de facto no sentido de que “A intenção do réu(…)”.
KKK. Quanto à impugnação sobre a matéria de direito vertida pelo Recorrente, em referência natureza da partilha, cumpre, desde já, reiterar que a tese falaciosa do Recorrente, no sentido de que a escritura extrajudicial foi por óbito de M… além de não provada, carece de qualquer fundamento legal.
LLL. Com efeito, em consequência do divórcio entre M… e a aqui Recorrida Ma…, impunha-se a realização da partilha decorrente da dissolução do casamento, destinada à divisão do património comum do casal. No entanto, M. estava já incapaz à data do trânsito em julgado da sentença de divórcio (e, consequentemente, impedido de celebrar qualquer tipo de escritura) vindo a falecer entretanto (em 11 de Junho de 2005), razão pela qual a partilha em causa foi celebrada pelo aqui Recorrido H…, como sucessor de seu pai.
MMM. Situação, aliás, perfeitamente legal e legítima, pois, como é consabido, o óbito de um dos ex-cônjuges não extingue o direito à partilha por parte do ex-cônjuge sobrevivo, devendo este último exercer o seu direito com o envolvimento de todos os herdeiros do de cujus, que lhe sucedem quer nos direitos quer na posição processual (cfr. 1785º, nº 3 do Código Civil).
NNN. No entanto, parece que o Recorrente tem dificuldade em entender a legalidade, validade e mesmo a ratio inerente à realização da presente escritura de partilha de partilha por divórcio, já que afirma – erradamente – que “após o óbito, Ma.. já não poderia partilhar bens. E sendo imediatamente aberta a sucessão, não poderia haver partilha por divórcio – nem que M.. fosse representado pelo filho –, porquanto estes bens já constituíam o objecto da sucessão.”.
OOO. Fazendo, assim, tábua rasa do direito expressamente reconhecido no artigo 2101º do CC, designadamente o direito do cônjuge meeiro exigir e, bem assim, executar a partilha dos bens pertencentes ao património comum.
PPP. Em bom rigor o Recorrente confunde – propositadamente – a circunstância de existirem duas operações de partilha distintas: em primeiro plano, a partilha do casal, ou seja, a separação de meações e, em segundo plano, a partilha da herança do cônjuge falecido pelos herdeiros deste. E limita-se a invocar normas que regulam o direito sucessório e, bem assim, jurisprudência sobre o processo de inventário com vista à partilha dos bens da herança, ignorando, em absoluto, as especificidades do caso concreto (nomeadamente, a circunstância de os bens comuns do casal ainda se encontrarem por partilhar),
QQQ. por consequência, conjectura teses falaciosas e extrai conclusões erradas, como se os Réus, aqui Recorridos, tivessem violado e defraudado a lei – o que não ocorreu.
RRR. Outro exemplo patente surge quando o Recorrente refere que “parece despiciendo que o Recorrido H… não poderia representar uma pessoa falecida num negócio jurídico de partilha de bens!”, identificando, assim, o acto de representação aqui em causa como uma situação de mandato, em concreto, como se o mandante M…tivesse conferido ao seu filho H… os poderes necessários para o representar na escritura de partilha por divórcio.
SSS. No entanto, e conforme acima exposto, quando se refere que o Recorrido H.. actuou em representação de M… significa tão só e apenas que este actuou, na qualidade de herdeiro, mas no exercício de um direito próprio que lhe foi legalmente transmitido por via de sucessão por morte. Razão pela qual na escritura de partilha extrajudicial é, naturalmente, mencionada a qualidade de herdeiro do Réu pois, à data, era ele o único descendente e, por consequência, o único e universal herdeiro legitimário que poderia exercer o direito à partilha do património conjugal, assim representando o falecido na referida escritura.
TTT. Importa, ainda, salientar que ao longo das alegações o Recorrente extrai outras conclusões, igualmente erradas. Designadamente quando advoga que a escritura em causa só poderá ser qualificada como partilha por óbito, porquanto, de outra forma, a mulher do Recorrido não teria prestado o seu consentimento.
UUU. Como já exposto, o Recorrido H…actuou ao abrigo de um direito que lhe foi legalmente conferido, estando assim a exercer um direito que nasce na sua esfera jurídica na decorrência do óbito do seu falecido pai e, bem assim, da necessidade de se proceder à partilha por divórcio em virtude de existirem bens comuns. E uma vez que o património comum em causa incluía diversos bens imóveis, sempre se impunha o respeito pelo disposto no artigo 1682º-A do CC, segundo o qual, no regime da comunhão de adquiridos, a alienação e oneração de bens, ainda que sejam próprios, carece do consentimento de ambos os cônjuges.
VVV. Aqui chegados, cumpre concluir que é por demais evidente que a partilha extrajudicial só pode ser qualificada como partilha por divórcio, decretado por sentença judicial, entre a aqui Recorrida M e M...
WWW. Relativamente à alegada verificação dos requisitos subjacente à acção de petição da herança, saliente-se que se subscreve o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que não se encontram verificados os respectivos requisitos, porquanto não se verificando um dos requisitos, designadamente o segundo ( uma vez que a escritura não está inquinada de qualquer vício e, bem assim, a posse da Recorrida não pode ser qualificada como indevida ), o Tribunal a quo só poderia ter concluído como concluiu, portanto, no sentido de que “ não há fundamento para a acção de petição da herança nem para anulara partilha com esse fundamento.”.
XXX. Quanto ao pedido de anulação e nulidade da partilha apresentado pelo Recorrente, importa, uma vez mais, salientar que conforme amplamente exposto e provado, a partilha teve por objecto o património comum do casal que foi formado por M… e pela aqui Recorrida e inexiste qualquer fundamento legal que leve a considerar a presente partilha extrajudicial nula por violação da lei ou dolo.
YYY. Pois, por um lado, inexiste, qualquer facto que comprove que a referida escritura é contrária à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes, nos termos e para os efeitos do artigo 280º e 281º do CC.
ZZZ. E, por outro, é falsa a afirmação do Recorrente no sentido de que “No caso em apreço, o Tribunal a quo, embora tenha verificado que o negócio jurídico em questão violava um princípio fundamental e injuntivo do ordenamento jurídico – o princípio da intangibilidade da sucessão legitimária (...)”.
AAAA. Como, ao contrário do alegado pelo Recorrente, é totalmente falsa e ofensiva a afirmação deduzida nas suas alegações no sentido de que “Os Recorridos esvaziaram, por completo, o património do falecido, por forma a que o Recorrente não pudesse receber quaisquer bens em sucessão.”.
BBBB. Pelo que improcede, na íntegra, todo o argumentário deduzido pelo Recorrente no sentido de que os Recorridos com a sua actuação violaram os mais elementares princípios de direito sucessório.
CCCC. Sobre estes últimos pontos, os Recorridos não podem desconsiderar o facto do Recorrente, ao longo de todo o processo, ignorar e adulterar propositadamente o facto de na partilha extrajudicial não terem sido incluídos diversos bens (referidos no ponto II, a) das presentes alegações e melhor identificados nos autos).
DDDD. Tecendo, por conseguinte, considerações manifestamente falsas que se concretizam na alteração da verdade dos factos, nomeadamente quando alegam que os Reús actuaram em conluio, na partilha extrajudicial e, em consequência, “esvaziaram, por completo, o património do falecido...”
EEEE. Quando resultou da prova produzida nos presentes autos que o Recorrente tem consciência e demonstrou expressamente (e inclusive perante o próprio Tribunal a quo) conhecer a existência do património que efectivamente se encontra por partilhar.
FFFF. É, pois, patente, que o Recorrente alterou, intencionalmente, a verdade dos factos para conseguir, através do presente processo, obter, a final, a condenação da aqui Recorrida na restituição à herança dos bens constantes da escritura de 27 de Abril de 2006, actuado ostensivamente de má fé, violando os deveres de cooperação, probidade e boa-fé a que estava sujeito ( cfr. artigos 7º, 8º e 9º do CPC), impedindo a descoberta da verdade e entorpecendo a realização da evidente justiça em proveito próprio.
GGGG. Assim, o Recorrente ao adulterar a verdade dos factos ao longo do processo com vista a evitar, a final, um resultado que lhe seria manifestamente desfavorável, litigou com má-fé material e processual, recaindo, por consequência, a sua conduta na previsão da alínea b) e d) do artigo 542º do CPC, devendo, por conseguinte, ser condenado em indemnização a fixar por V. Exas., de acordo com os critérios de justiça e equidade.
HHHH. Cumpre-nos, ainda, salientar que independentemente dos argumentos aduzidos pelo Recorrente (anulabilidade, nulidade e inadmissibilidade legal, inconstitucionalidade) para sustentar a inadmissibilidade da partilha por óbito após o divórcio de um dos ex-cônjuges, cumpre, desde já, referir que tal interpretação é, não só ilegal, como também inconstitucional.
IIII. Pois, por um lado, de acordo com a lei adjectiva o cônjuge meeiro tem o direito de partilhar o património comum do casal, ou seja, o direito de concretizar a sua meação quando lhe aprouver, sendo este um direito irrenunciável e imprescritível, sendo certo que uma interpretação em sentido contrário – que se reconduz à interpretação advogada pelo aqui Recorrente – colide frontalmente com a letra e com a ratio daquelas normas jurídicas, bem como, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e do direito fundamental à propriedade vertidos nos artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa.
JJJJ. Por um lado, estaríamos perante um caso patente de violação do princípio da igualdade, porquanto, a interpretação restritiva no sentido de que a cônjuge meeira não pode partilhar o património comum em virtude do falecimento do ex-cônjuge, representaria uma ostensiva discriminação negativa.
KKKK. Por outro lado, a presente interpretação é igualmente ofensiva do direito de propriedade privada, designadamente por não permitir ao cônjuge sobrevivo a divisão e concretização do património, pois impõe que se permaneça na indivisão – circunstância que o legislador manifestamente não quis – e coíbe o ex-cônjuge de beneficiar dos mecanismos que a lei prevê para sua protecção (direito à partilha).
LLLL. Por fim, à cautela e a título subsidiário, caso o presente recurso venha a ser julgado procedente com base nos fundamentos invocados pelo Recorrente, os aqui Recorridos, requerem, desde já, a reapreciação da excepção peremptória de aquisição por usucapião deduzida atempadamente na contestação.
MMMM. Ora, os imóveis identificados, nas alienas a) a l) do referido ponto A) da sentença de que recorre, nunca poderão ser objecto de restituição, uma vez que, mesmo que se considere por inválida a aquisição da propriedade em resultado da partilha celebrada em2006, sempre a sua propriedade teria sido adquirida pela Recorrida através do instituto da usucapião.
NNNN. Em primeiro lugar, dúvidas não podem existir quanto à existência de título de aquisição, na medida em que, para além da parte que originalmente lhe cabia a título de meação no património comum do casal, a Ré adquiriu a propriedade total dos bens em causa através da escritura de partilha celebrada em 2006.
OOOO. Da mesma forma, dúvidas não podem igualmente existir quanto ao facto da posse da Recorrida ser pública e ininterrupta. Pois, existe abundante prova documental e testemunhal gravada sobre tal facto, já que sobre o mesmo foram inquiridas várias testemunhas e todas elas identificaram, de forma assertiva e coincidente, que a aqui Recorrida sempre actuou como única proprietária dos referidos bens.
PPPP. Veja-se, nesse sentido, o depoimento das seguintes testemunhas: (…)
QQQQ. E não se diga, como o Recorrente tentou demonstrar nos presentes autos, que era o Recorrido H quem, em termos pragmáticos, geria os referidos bens. Com efeito, ficou amplamente provado que era a Recorrida quem assumia todas e quaisquer responsabilidades relacionadas relativas aos referidos bens. Nesse sentido atente-se o depoimento da (…)
RRRR. Em referência à posse, a única conclusão a que se poderá chegar nos presentes autos é no sentido de que a presente posse é titulada, pública, pacífica e de boa-fé.
SSSS. No que concerne concretamente a boa fé, reitere-se que, estando em causa a posse da Recorrida resultante da escritura de partilha em análise, tal é posse é indiscutivelmente titulada, o que lhe confere a presunção legal de existência de boa fé, pelo que, ao concluir factualmente que a actuação dos Recorridos foi pautada pela má fé e que, consequentemente, a referida posse da Recorrida é, também ela, de má fé, o Tribunal a quo conferiu à prova por presunção judicial um valor superior e derrogatório da presunção legal decorrente do citado artigo 1260º do Código Civil, em violação da Lei.
TTTT. Assim e em referência à posse, como já foi extensivamente referido nas presentes contra-alegações, a única conclusão a que se poderá chegar nos presentes autos é no sentido de que a presente posse é de boa-fé.
UUUU. Aliás, pese embora o Tribunal a quo tenha em parte considerado, com base em meras presunções judiciais, que os Réus agiram de má-fé, acabou por concluir na fundamentação da sentença sub judice – como naturalmente se impunha – que “Não pode falar em dolo ou qualquer vício da vontade gerador da invalidade da partilha extrajudicial”.
VVVV. Posto isto, em referência aos imóveis em causa, verifica-se a existência de título de aquisição – escritura de partilha outorgada na sequência do divórcio – e que a Recorrida procedeu, em boa fé, ao registo do referido título em 30 de Maio de 2006, sendo evidentemente aplicável o disposto na al. a) do artigo 1294º do CC, isto é, deve ser tido em conta, para efeitos de aquisição da propriedade dos imóveis por usucapião, o prazo mais favorável de 10 anos.
WWWW. Devendo, nos termos da alínea a) do artigo 1294º do CC, o prazo de 10 anos deve ser contado desde a data do registo, tendo este sido efectuado em 30 de Maio de 2006, a propriedade dos imóveis foi adquirida pela Recorrida em 30.05.2016. Por sua vez, a petição inicial que originou os presentes autos foi intentada em 16 de Maio de 2016. No entanto, o Recorrente requereu expressamente que a citação dos Recorridos apenas fosse efectuada após o registo da presente acção, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, alínea b) e 8.º B, n.º 3 alínea a) do Código do Registo Predial. Ou seja, a interrupção do prazo para efeitos de aquisição do direito de propriedade dos imóveis supra mencionados por usucapião ocorreu apenas em 15 de Setembro de 2016, data em que a Recorrida foi citada.
XXXX. Da mesma forma e no que concerne o veículo automóvel, saliente-se que, conforme dispõe o artigo 1298º a) do CC, os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-se por usucapião havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos, estando o possuidor de boa fé.
Pelo exposto e, sempre com o V/mui douto suprimento, requer-se a V. Exas. seja o presente recurso julgado totalmente improcedente, porque não provado, mantendo-se a douta decisão proferida e, consequentemente, a absolvição dos Recorridos dos pedidos contra si formulados, mantendo-se ainda a condenação do Recorrente nas custas do processo.
Subsidiariamente, na eventualidade do presente recurso ser julgado procedente –, o que se equaciona por mera hipótese de patrocínio, sem conceder – deverão V/Exas. julgar como provada a posse titulada, pública e de boa-fé da Recorrida e, em consequência, declarar procedente a excepção peremptória de aquisição dos bens incluídos na partilha extrajudicial de 27 de Abril de 2006, através do instituto da usucapião, em virtude de ter decorrido o prazo de 10 anos desde 30 de Maio de 2006 em referência ao bens imóveis e de 2 anos relativamente aos bens móveis.
Mais se requer a V. Exas. seja o Recorrente condenado por litigância de má fé, em indemnização a fixar por V. Exas., de acordo com os critérios de justiça e equidade, na medida em que, conforme demonstrado supra, ao adulterar a verdade dos factos ao longo do processo com vista a evitar, a final, um resultado que lhe seria manifestamente desfavorável, o mesmo litigou com má-fé material e processual, recaindo, por consequência, a sua conduta na previsão da alínea b) e d) do artigo 542º do CPC.
1.8. – O Autor, respondendo à ampliação pelos RR do âmbito do recurso, veio afirmar que os Recorridos faltam à verdade nas suas contra-alegações, isto é, “mentem deliberadamente”, actuando com má-fé, e deturpando, deliberadamente os factos com o intuito de induzir o Tribunal em erro, adulterando a verdade como melhor lhes convém, razão porque deverão ser condenados como litigantes de má-fé nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542º do CPC.
Por fim, reiterando tudo quanto foi oportunamente alegado no recurso de apelação deduzido, impetra o Autor que seja dado provimento ao recurso de apelação que oportunamente interpôs, revogando-se a decisão da matéria de facto impugnada e consequentemente revogando a sentença, substituindo-a por outra que condene os Recorridos no peticionado em sede petição inicial.
* Thema decidendum
1.9. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes;
I) Na Apelação do Autor A….
A) Aferir se a sentença apelada padece do vício de NULIDADE, por omissão de pronúncia - violando o artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC -, em face de não se ter debruçado sobre a questão da nulidade da partilha nos termos do artigo 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil;
B) Aferir se importa alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo [alterar a redacção do item de facto nº 7 e adicionar um novo ponto de facto, com a redacção “O 1º Réu ... é Professor de Direito”];
C) Apurar se, em razão da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, ou, independentemente de quaisquer alterações, se impõe forçosamente a revogação da sentença apelada, devendo a acção ser julgada procedente, pelo menos anulando a partilha, e isto porque a interpretação do regime de anulação de partilha extrajudicial no sentido que apenas poderá ser requerida a anulação por herdeiros legítimos à data da escritura de partilha é inconstitucional por violação do artigo 36º, n.º 4 da CRP, por constituir uma discriminação de filho nascido fora do casamento, na sua vertente material;
II) No âmbito da ampliação do recurso a pedido dos Recorridos H.. e M….
A) Aferir se importa alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo [julgar não provados os itens de facto nºs 13º e 14º; e julgar como provado o ponto de facto nº 29º no sentido de que “A intenção do réu H..ao prescindir do recebimento de tornas, foi a compensar a ré (…)
B) Decidir se o Recorrente porque adulterou a verdade dos factos ao longo do processo com vista a evitar, a final, um resultado que lhe seria manifestamente desfavorável, litigou com má-fé material e processual, recaindo, por consequência, a sua conduta na previsão da alínea b) e d) do artigo 542º do CPC, devendo, por conseguinte, ser condenado em indemnização ;
C) Verificar se, os RR , porque faltam à verdade nas suas contra-alegações, isto é, “mentem deliberadamente”, actuando com má-fé, e deturpando, deliberadamente os factos com o intuito de induzir o Tribunal em erro, adulterando a verdade como melhor lhes convém, devem tal como o solicitado pelo apelante ser condenados como litigantes de má-fé nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542º do CPC.
D) Verificar se o tribunal a quo incorre em erro de direito ao julgar que não se verificam in casu os pressupostos da excepção peremptória de aquisição por usucapião deduzida atempadamente na contestação pelos RR;
*
2.- MOTIVAÇÃO DE FACTO
Da sentença recorrida, consta a indicação da seguinte FACTUALIDADE:
A) PROVADA.
2.1 – M…. faleceu no dia 11 de Junho de 2005, no estado civil de divorciado de Ma.. (certidão do assento de óbito a fls 227).
2.2 – M.. e Ma..a haviam casado entre si, em 07/12/1968, sem convenção antenupcial. (certidão a fls 155).
2.3 - Por sentença de 09/06/2004, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre M.. e Ma..com culpa exclusiva do réu (certidão..)
Nessa acção de divórcio, a autora, Ma.., pediu também a condenação do réu apagar indemnização de 10 000€ por danos não patrimoniais, mas, na sentença foi decidida a procedência da excepção de caducidade com base no (então) art.º 1786º do CC (certidão, a fls 153).
2.4 - Na sentença que decretou o divórcio constam, entre outros, os seguintes factos: “4 - A e R encontram-se separados desde o dia 22/10/95; 5 -Desde essa data que não existe comunhão de mesa, leito e habitação entre A e R; 6 - (…) 7- Durante muitos anos e com maior assiduidade nos dois últimos anos em que a A viveu na mesma casa que o R, este batia na A, agredia-a a soco e pontapé, empurrava-a; 8- O R manteve com outras mulheres um relacionamento amoroso; 9- O R nunca prestou qualquer tipo de socorro, auxílio e ajuda à A; 10- Nunca colaborou nos assuntos respeitantes ao filho de ambos, sendo sempre a A que lhe prestava todo o tipo de ajuda e assistência: levantar da cama, dar o pequeno almoço, obrigações escolares, ida aos médicos, doenças etc; 11- (…) 12- Era a A quem fazia face, muitas vezes, à totalidade das despesas da vida familiar.” (certidão a fls 150 verso a 151).
2.5 – H… nasceu a 08/04/1970 e mostra-se registado como filho de M…e de Ma… (certidão a fls 47).
2.6 - Em 07/07/2005 foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de M…na qual H.. declarou ser o único herdeiro do falecido. (certidão a fls 102).
2.7 - No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura de partilha extrajudicial, em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre M.., representado por H.. e, Ma.., que teve por objecto os seguintes bens: (…)
Nessa escritura de partilha os réus atribuíram aos bens o valor de 453 265,63€.
Esse valor foi dividido em duas partes iguais, sendo uma a meação de Ma.. e outra a meação de M...
Que à Ma..s foram adjudicados todos os prédios e o automóvel.
O segundo réu, em representação do falecido, declarou “Que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal ”. (certidão da escritura fls. 31 a 36).
2.8. - O autor, A.., nasceu a 09/01/1996, inicialmente registado como filho de Ma.. e de P.. (…)
2.9 - Por sentença da 15ª Vara Cível Liquidatária, de 25/06/2009, proferida no Proc. 9451/03.8TVLSB, foi declarado que o P.. não é pai biológico do autor. (…)
2.10. - Por sentença de 04/07/2013, proferida no proc. 1621/11.1TVLSB, da 4ª Vara Cível de Lisboa, foi declarado que o pai do autor é M…
2.11. - Pela 5ª Vara Cível, com o nº de Proc. 6723/04.8TVLSB, (interposta a 28/10/2004) correu termos acção de investigação de paternidade, instaurada pelo autor, A.., contra Ma.. e contra M.., o qual foi citado, na pessoa de terceiro, 06/12/2004.
Nessa acção, o ora réu, H.. dirigiu requerimento ao processo, em 17/12/2004, dando a conhecer que contra o M.., réu, corria termos acção de interdição por anomalia psíquica. (certidão a fls 45 e segs).
O ora réu, H.. foi habilitado como herdeiro do M…, e dirigiu requerimento ao processo, pugnando pela absolvição do réu da instância (…) e por decisão de Setembro de 2006, o réu foi absolvido da instância.
2.12 - Os réus, H.. e Ma.. tiveram conhecimento da acção para reconhecimento de paternidade em 07/12/2004.
2.13 - Ao celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir.
2.14 - E impedir o acesso do autor à meação do M….
2.15 - Pela Ap. 6 de 2006/05/31, a 2ª ré registou a seu favor a aquisição dos prédios referidos (…)
2.23- Por escritura de 27/07/2010, a 2º ré declarou vender e J.. declarou comprar, pelo preço total de 585 000€, os seguintes prédios (…):
-
2.24 - A fracção autónoma “W” e a garagem, sitas (…), constituíam a casa de morada de família do casal então formado pela 2ª ré Ma… e pelo M… e, após o divórcio, a 2ª ré passou a residir nessa fracção, pagando as respectivas despesas, encargos e impostos e convidando amigos e visitas para essa casa.
2.25 - A fracção autónoma sita (…) encontra-se arrendada, há cerca de 40 anos, sendo a 2ª ré quem desde a partilha referida em 2.7 recebe as rendas pagas as despesas da fracção e se relaciona com a inquilina.
2.26 - A fracção autónoma sita (…) foi adquirida pelo M.. na pendência do casamento com a 2ª ré, com destino a ser casa de férias e de fins de semana ; desde a partilha referida em 2.7, a 2ª ré tem usado essa fracção aos fins de semana e em férias, convida amigos e familiares para essa fracção, pagas as despesas e encargos respectivos, relaciona-se com a administração do condomínio e participa nas assembleias gerais do condomínio, comportando-se como dona dessa fracção.
2.27 - O veículo automóvel referido sempre foi utilizado pela 2ª ré, desde a respectiva aquisição, situação que se mantém.
2.28 - A 2ª ré, desde a escritura de partilhas passou a relacionar-se com os inquilinos dos prédios (…) recebendo as rendas, visitando os imóveis, efectivando cessações das relações de arrendamento e suportando as despesas inerentes a esses imóveis.
B) NÃO PROVADA
Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
2.29 – (a)- Que a intenção do réu H.., ao prescindir do recebimento de tornas, fosse a de compensar a ré Ma… dos danos psicológicos e físicos sofridos durante o casamento com o M….
***
3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO
3.1 – Da Apelação do Autor A….
3.2. - Se a sentença apelada padece do vício de NULIDADE, por omissão de pronúncia - violando o artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC -, em face de não se ter debruçado sobre a questão da nulidade da partilha nos termos do artigo 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil.
No âmbito das conclusões [cc e dd ] recursórias , defende o apelante A.. que exigia-se que o tribunal a quo tivesse reconhecido/considerado a nulidade da partilha – nos termos do artigo 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil – e isto porque julgou provado que “(…) ao celebrarem a escritura de partilha (…) os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e ainda de impedir o acesso do autor à meação do M.. “, pois que se esperassem pelo final da acção de investigação de paternidade não poderiam celebrar a partilha como celebraram, designadamente, no aspecto de “abrir mão” das tornas/meação do M…, ao que acresce que o réu H…é o único herdeiro da ré Ma… .
Ora, independentemente do peticionado pelo Autor na acção ( a anulação da escritura de partilha), certo é que cabia – no entender do apelante - ao Tribunal a quo o dever de declarar a nulidade daquele negócio, nos termos do disposto no art.º 286º do Código Civil, nos termos do qual a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, razão porque o facto de o Tribunal a quo nada ter dito, deve ter-se como omissão de pronuncia violando o artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC).
Sobre a apontada nulidade, e como se impunha que o tivesse feito [cfr. nº1, do artº 617º, do CPC], certo é que nada decidiu [omissão que, lamentavelmente, se vem revelando prática recorrente em sede de instâncias recursórias] o tribunal a quo no âmbito do despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Porém, porque não indispensável, importa de imediato conhecer do vício supra referido sem necessidade de se ordenar a baixa dos autos, nos termos do nº5, do artº 617º, do CPC. E, conhecendo.
Antes de mais, importa salientar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas ( quais nulidades especiais (2) discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, importante é outrossim ter sempre em atenção que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento ( de facto e/ou de direito), confundindo-se o mero error in procedendo [ que é o que se mostra previsto no artº 615º, do CPC ] com o error in judicando ou erro praticado pelo Juiz em sede de julgamento das questões de direito material.
Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença, resolver todas as questõesque as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).
Sobre o Juiz recai, portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4), a obrigação de apreciar/conhecer “todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…),sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “ (…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…)“, então o “ não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito advertia José Alberto dos Reis (5), não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e ,outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questãosubmetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº 1, do art.º 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº 2, do art.º 607º, e art.º 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e ,sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art.º 615º, nº 1, al. d), in fine. (6)
Postas estas breves considerações, pacífico é que o autor/apelante, na respectiva petição inicial, veio alegar [art.ºs 58º a 65º] que a partilha foi realizada pelos Réus com dolo e intenção de afastar o Autor da herança do falecido , querendo ambos apoderarem-se do acervo patrimonial deste último, ou seja, actuaram os RR em conluio com o intuito de afastar o Autor da herança que a este cabia, em suma, actuaram os Réus com má-fé, devendo a partilha extrajudicial ser anulada.
Porém, pacifico é também que em sede de fundamentação de direito da sentença apelada, e no respectivo item 2.4., aprecia o Exmº Juiz a quo a referida questão, integrando-a na pretensão deduzida pelo autor na acção e em quarto lugar, ou seja, na sua preterição enquanto herdeiro, e no dolo e na má fé de ambos os réus na realização da escritura de partilha.
E, apreciando-a, discorre o Exmº julgador nos seguintes termos:
“(…) A pretensão mencionada em quarto lugar: a anulação da partilha e a consequente condenação da ré a restituir à herança os bens que lhe foram adjudicados ou, quanto aos entretanto alienados, o respectivo valor. O autor fundamenta esta pretensão invocando, por um lado, a sua preterição enquanto herdeiro, e o dolo e a má fé dos réus na realização da escritura de partilha. Vejamos.
(…) Há que distinguir entre anulação da partilha celebrada por vontade das partes (partilha extrajudicial) da que é homologada por decisão definitiva em inventário. A primeira, porque configura um contrato é impugnável nos mesmos termos em que o sejamos contratos, incluindo com fundamento em ofensa aos bons costumes e á ordem pública (cf. TRP, de 11/05/2010, Maria Eiró, www.dgsi.pt). Ora, à data em que foi celebrada a escritura, o autor não era herdeiro do M…, a sentença que lhe reconheceu essa relação biológica de filiação é posterior. Não se pode falar em dolo ou qualquer outro vício da vontade gerador da invalidade da partilha extrajudicial. A ré não está obrigada a entregar à herança do M.. os bens que lhe foram adjudicados. E, contra o réu, não é peticionada a sua condenação a restituir à herança do M.., o valor da meação que aquele cabia e que o réu declarou prescindir de receber, dizendo “que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal”. Na contestação, os réus defendem que se tratou de obrigação natural e por isso não pode ser repetida. Ora, conforme resulta da prova produzida, não foi demonstrado que a intenção do réu H…, ao prescindir do recebimento de tornas, fosse a de compensar a ré Ma.. dos danos psicológicos e físicos sofridos durante o casamento com o M... Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, importa não confundir obrigação natural com deixa em cumprimento de um dever moral ou social. No primeiro caso há a consciência de que se cumpre uma obrigação; no segundo, o que se faz é uma liberalidade (CC Anotado, Vol. I, pág. 350). Recorde-se o que foi provado nos pontos 13º e 14º: o celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e, impedir o acesso do autor à meação do M... Não se me afigura que o acto de prescindir de tornas constitua uma obrigação natural. Poderá o réu vir a ser sujeito a ter de restituir essa quantia à herança do M…. Mas isso é questão que aqui não importa. Assim, a acção procede apenas quanto à pretensão de reconhecimento do autor como herdeiro legitimário de M….”
Em suma, perante o acabado de expor, pertinente não é imputar á sentença apelada o vício de NULIDADE subsumível à previsão do artigo 615º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPC , pois que, convenhamos, apreciou o julgador – na sentença -a questão invocada na petição inicial [ artºs 58 a 65º ] pelo autor e relacionada com a má-fé e o dolo de ambos os Réus na realização da escritura de partilha.
Se, ao apreciar/tratar da referida questão, não o fez o Exmº julgador com o acerto que se impunha e extraindo a conclusão que a aplicação adequada do DIREITO exigia e obrigava, então o vício que afectará a sentença apelada será já de natureza material, que não formal, logo não é ele subsumível ao artigo 615º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do CPC.
Em razão do acabado de expor, improcedem portanto as conclusões recursórias do apelante interligadas com a invocada nulidade da sentença e relacionadas com a alegada omissão de pronúncia pelo Exmº Juiz a quo sobre questão incluída na causa petendi dos pedidos que formulou na acção [ recorda-se que, tendo presente o disposto no artº 581º, nº4, do CPC , “ nas acções constitutivas e de anulação” a causa de pedir “é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido” ].
3.4. - Da impugnação da matéria de facto
3.4.1. - Se importa alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo [alterar a redacção do item de facto nº 2.7 e adicionar um novo ponto de facto, com a redacção de “O 1º Réu é professor de Direito” ].
Analisadas as alegações e conclusões do apelante A…, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugna o recorrente a resposta/julgamento da primeira instância dirigida para concreto ponto de facto da referida decisão, considerando para tanto ter sido ele incorrectamente julgado.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu o apelante as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando o concreto ponto de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgado, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando qual a diferente resposta que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos - das testemunhas e parte - pelo apelante indicados, procedeu o mesmo, outrossim, à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração da resposta ao ponto de facto impugnado [que é o reproduzido no item nº 2.7 do presente Ac.].
Ainda no âmbito da impugnação deduzida, impetra o apelante A.. que ao elenco dos factos provados seja adicionado um outro, com a redacção de “O 1º Réu é Professor de Direito”, porque provado com base no depoimento de parte prestado pelo Recorrido H... Apreciando.
Começando pelo fim, que o mesmo é dizer, pela reclamada recondução ao elenco dos factos provados de um novo, com a redacção de “ (…)”, importa desde logo deixar claro que não basta a observância pelo impugnante de todos os ónus plasmados no artº 640º, do CPC, para, por si só, se exigir que o tribunal ad quemconheça forçosamente do mérito da impugnação deduzida pelo recorrente.
É que, não raro, verifica-se que a alteração almejada se revela manifestamente inútil para a alteração do julgado, postulando em última análise a impugnação deduzida a realização pelo tribunal de recurso de uma concreta actividade cognitiva judicial de todo dispensável, porque inócua e irrelevante, logo não exigível.
É que, explicando-nos melhor, e em obediência ao princípio da limitação dos actos [ do qual decorre que não é lícito realizarem-se no processo actos inúteis - cfr. artº 130º, do CPC ], também em sede de impugnação de decisão proferida pela primeira instância e relativa à matéria de facto, hão-de os concretos pontos de facto impugnados pelo recorrente poderem - segundo as diversas soluções plausíveis das variadas questões de direito suscitadas - contribuir para a boa decisão da causa, maxime a respectiva e solicitada modificação há-de minimamente relevar para uma almejada alteração do julgado.
Na verdade, como bem se decidiu em Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (7) “ Não há que conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por desnecessidade, mesmo que verificados os requisitos legais, se a alteração pedida for meramente instrumental em relação à solução jurídica pretendida por via do recurso“, razão porque , ainda que ao ad quem incumba apreciar todas as questões que lhe sejam colocadas pelo respectivo recorrente (cfr. artº 608º,nº2, ex vi artº 663º,nº2, ambos do CPC) , devem porém tais questões estar “numa relação directa com o aquilo que se pretende obter com o provimento do recurso, pelo que tudo o que seja espúrio e desnecessário ao efeito pretendido não pode, nem deve, ser apreciado” . Alinhando por igual entendimento, também o Tribunal da Relação do Porto (8) decidiu ( e bem ) que “ Se os factos cuja reapreciação é pretendida não têm a virtualidade de influir na possível solução jurídica do caso, o tribunal ad quem, em estrita observância da regra legal de que são proibidos os actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), deve recusar-se a conhecer dessa matéria juridicamente inócua”.
É que, diz-se na douta decisão indicada em último lugar, se a matéria de facto impugnada é inócua , então “não tem aptidão para constituir objecto de uma impugnação da decisão da matéria de facto, já que do que se trata em qualquer caso, não é do apuramento de uma qualquer verdade absoluta ou ontológica, mas sim e de modo mais modesto, de uma verdade factual prática apta a desencadear ou suportar certas consequências jurídicas”.
E, ainda o mesmo Tribunal da Relação do Porto, em nova e posterior decisão (9), refere que, “se a reapreciação de concreta matéria de facto é inócua, à luz das diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, e atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis”.
O entendimentoacabado de evidenciar, recorda-se, foi muito recentemente considerado pertinente e “lícito” por parte do nosso mais Alto Tribunal, o STJ, em Ac. que proferiu em 17/5/2017 (10), nele se decidindo que o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, pode/deve igualmente ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”.
Dito isto, e sendo portanto exigível que subjacente a uma qualquer impugnação de decisão de facto há-de estar sempre a viabilidade e a pertinência de a pretendida modificação da decisão - de facto - proferida pela primeira instância poder contribuir ( claro está, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito) com relevância para a alteração do julgado, bem se compreende que, por regra ,a impugnação da decisão de facto tenha por objecto os pontos da matéria de facto que se integram, ou no núcleo duro da causa de pedir dos pedidos do Autor/apelante , ou , então, no âmbito das excepções invocadas pelo Réu, e sendo este último naturalmente o apelante/impugnante.
Ou seja , também no âmbito do NCPC, desejável é que na decisão a que alude o seu artº 607º, nºs 3 a 5 , se insiram apenas quais os factos provados e não provados e, de entre eles, apenas os essenciais (cfr. artº 5º, nº1, do CPC) que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas [ ou seja, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos termos do nº1, do artº 511º, do pretérito CPC ], sendo que, para todos os efeitos, a instrução da causa apenas pode/deve recair sobre factos necessitados [ou a matéria de facto essencial controvertida e contida nos temas de prova ] de prova que as partes tenham alegado nos articulados (cfr. artº s 5º, nº1 , 147º e 410º, todos do CPC ).
Não se olvida que, do nº 2, do artº 5º, do CPC, resulta que pelo juiz são ainda considerados os factosinstrumentais, rezando mais adiante o nº 4, do artº 607º, do mesmo diploma legal, que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos provados e não provados , analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais , e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Porém, e sabendo-se que os factos instrumentais , por contraposição aos factos essenciais, são “ aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material” (11), certo é que , é precisamente o referido artº 607º, nº 4, do actual CPC, que nos indica/elucida que os factos instrumentais hão-se fazer parte tão só da motivação da convicção da decisão de facto, que não já da decisão de facto/fundamentação de facto stricto sensu , sendo que esta última apenas deve integrar os factos essenciais , ou, dito de uma outra forma, os relevantes à luz do direito substantivo aplicável . (12)
Aqui chegados e postas estas breves considerações, é para nós manifesto que o ponto de facto que o apelante pretende seja reconduzido ao rol dos factos provados [com a redacção de (…)] , em rigor, mais não consubstancia do que mero facto instrumental que nada tem a ver com a substanciação da acção, maxime não tem ele qualquer relevância para a decisão da causa, estando o mesmo longe de consubstanciar facto essencial que integre a causa de pedir.
Consequentemente, no seguimento de tudo o acima exposto, e porque manifestamente o novo facto está longe de ter qualquer relevância a ponto de poder influir na possível solução jurídica do caso, bem pelo contrário, e em estrita observância da regra legal de que são proibidos os actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), não se nos exige de todo aferir do mérito da impugnação da decisão de facto nesta parte.
Ademais, e como resulta do disposto na alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC, também o vício de deficiência da decisão de facto apenas existe quando a ampliação desta última se revele indispensável.
Vejamos, de seguida, a solicitada alteração da redacção do ponto de facto nº 2.7. .
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Ao invés da actual redacção, reclama o apelante que deve o ponto de facto nº 2.7 passar a expressar que “ No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura designada de partilha extrajudicial que, pese embora, nesta se declarar que foi celebrada em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre M, representado por H.. e, Ma… e que o segundo réu, em representação do falecido, declarou “Que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal”. (certidão da escritura fls. 31 a 36), a verdade é que o que as partes efectivamente fizeram foi a partilha por óbito de M, intervindo o segundo Réu não em representação do falecido, mas, por si, na qualidade de herdeiro legitimário daquele.”
A fundamentar a reclamada alteração da redacção do ponto de facto nº 2.7, invoca o apelante a análise das escrituras de Fls. 31 a 36 e de Fls. 102 e, bem assim, o depoimento da testemunha ...
Já para o tribunal a quo, a justificação da redacção conferida ao ponto de facto nº 2.7. assenta essencialmente no teor da certidão da escritura junta a fls. 31 a 36, ou seja, limita-se o julgador a reproduzir o conteúdo da aludida certidão. Ora bem.
É entendimento jurisprudencial pacífico do nosso mais “Alto” tribunal aquele que sustenta “que a determinação da vontade real do declarante constitui matéria de facto e, como tal, da exclusiva competência das instâncias”, ou seja, “ a determinação da intenção dos contraentes, designadamente do animus decipiendi, integra matéria de facto cujo apuramento é apanágio exclusivo das instâncias e cujo ónus de dedução e de prova impende sobre o demandante-arguente." (13)
Também a “melhor” Doutrina (14), pacífico é que “ Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem – ex propriis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (v. g., a vontade real do declarante (…); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário (…); o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (…); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou uma injúria (…).”
Consequentemente, nada obstava a que, alegando o autor [ na petição inicial – cfr. artºs 5º,nº1 e 552º,nº1, alínea d) , ambos do CPC ] que a escritura de partilha extrajudicial celebrada em 27/04/2006 e apesar do que do respectivo conteúdo fizeram constar, foi pelos respectivos intervenientes outorgada com o desiderato/propósito de realizarem a partilha por óbito de .., que sobre tal alegação pudesse incidir prova testemunhal , e , se convincente, viesse a referida alegação a integrar a decisão de facto.
Acresce que, como é outrossim entendimento doutrinal e jurisprudencial consensual, quer a exclusão da prova testemunhal imposta pelo artº 393º, nº1, do CC [ “ Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal “ ] , quer a proibição do uso da prova testemunhal que decorre do artº 394º,nº1, do CC [ “ É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores “], não são aplicáveis quando se trate de provar, não o contrato, mas factos que tendem a esclarecer a vontade das partes, bem como a divergência, não convencionada, ente a vontade real e a vontade declarada, porquanto tais situações não consubstanciam quaisquer pactos contrários ou adicionais ao conteúdo do documento, mas simples factos estranhos a esse conteúdo. (15) e (16)
Em suma, não obstam as disposições legais supra indicadas que “ se faça prova testemunhal que tenha por objecto o motivo ou o fim do negócio, o qual não é contrário ao conteúdo do documento nem constitui uma cláusula adicional à declaração “(17), ou, como concluiu já este Tribunal da Relação e Secção Cível, “A exclusão/inadmissibilidade de produção daqueles meios de prova (testemunhal, ou confissão) para demonstração de declaração negocial sujeita a forma ad substantiam não abrange a possibilidade de provar, não o contrato, mas os factos que tendem a esclarecer a vontade dos declarantes ou os vícios de vontade que a inquinaram “. (18)
Isto dito, e descendo de seguida ao processado nos autos, verifica-se que no âmbito da petição inicial não se mostra alegada qualquer factualidade relacionada com a efectiva e real vontade das partes no âmbito da celebração da escritura de partilha extrajudicial outorgada no dia 27/04/2006.
Mais se constata que, também da redacção proposta pelo impugnante/autor para o ponto de facto nº 2.7., e em rigor, não consta qualquer alusão à vontade dos outorgantes, antes integra um juízo conclusivo [ “o que as partes efectivamente fizeram foi a partilha por óbito de M” ], ou seja, e servindo-nos de Temudo Machado (19), integra “ (…) a conclusão , em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva”.
Ora, porque não obstante o actual CPC não incluir uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º, n.º 4, do pretérito CPC ( o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito ), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e comodamente [ porque têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem (20) ], acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção, resolvendo de imediato o thema decidendum, tudo sopesado tanto basta para que a impugnação do apelante dirigida para o item de facto nº 2.7 não se justifique ser atendida.
Seja como for, certo é que, ouvido o depoimento prestado pela Testemunha (…)Também não justifica o mesmo, por si só , a alteração de redacção do item de facto nº 2.7, porque não conclusivo e categórico em relação à vontade dos outorgantes subjacente à partilha, e , porque se limita a redacção actual do mesmo ponto de facto a reproduzir o que foi declarado na escritura, outrossim pertinente não é considerar que contradiz ele a factualidade vertida no item 2.13
Em suma, a impugnação do Autor/apelante da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, improcede in totum.
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3.4.2. - Se importa alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, no seguimento da ampliação do âmbito do recurso a requerimento dos recorridos [art.º 636º, nº 1, do CPC].
Não se conformam os RR/apelados com a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo , quer na parte em que julgou provados os itens de facto nºs 2.13º e 2.14º , quer relativamente ao ponto de facto nº 2.29º [ “A intenção do réu H, ao prescindir do recebimento de tornas, foi a compensar a ré Ma dos danos psicológicos e (…)” ] , este último julgado “ Não Provado” .
No essencial, e a ancorar a discordância dos apelados em relação ao referido julgamento de facto, invocam ambos que os pontos de facto nºs nºs 2.13º e 2.14º assentam exclusivamente em utilização – pelo Exmº Juiz a quo - desadequada, imprudente e injustificável de meras presunções judiciais e, já o ponto de facto nº 2.29º , mostra-se bem suportado em prova testemunhal concludente e credível.
Sobre a referida factualidade, e em sede de cumprimento do disposto no nº 4, do artº 607º, do CPC, discorreu o Exmº Juiz a quo nos seguintes termos:
“(…) Quanto aos pontos 13º e 14º, por se tratar de factos subjectivos/psicológicos, (…) – é razoável supor, face às regras da experiência e normalidade das coisas, dar como provado que os réus, ao celebrarem a escritura de partilha extrajudicial, pretendiam afastar o autor de nela intervir e, por consequência de afastar o autor de aceder aos bens da meação do M..( Antunes – em termos de razoabilidade sabiam que ninguém instaura (…)Acresce a circunstância de o réu ser Professor de Direito e, inerentemente, conhecer os institutos jurídicos e suas consequências. (…) Quanto aos Factos Não Provados. (…) Por conseguinte, o tribunal não ficou convencido que a intenção do primeiro réu, ao prescindir do recebimento de tornas, foi a de compensar a mãe pelos maus tratos físicos e psicológicos. Por isso, deu-se por não provado o facto, até porque, conforme decorre do princípio estabelecido no artº 414º do CPC/13, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
Conhecidas as razões que alicerçam as discordâncias dos RR dirigidas para a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, designadamente para os fundamentos que presidiram à formação da convicção do Exmº Julgador e a qual se mostra subjacente aos pontos de facto impugnados, vejamos de imediato se justificam elas a modificação por este tribunal da Relação das respostas conferidas aos itens nºs 2.13º , 2.14º e nº 2.29º .
Começando pelos itens de facto nºs 2.13º e 2.14º, e sendo pacífico que na génese das respectivas respostas/julgamentos está a utilização pelo Exmº julgador de presunções judiciais, importa começar por precisar que as provas [ as presunções integram a Secção II, do Capítulo II ( com a epígrafe de PROVAS ), do titulo II, do Livro I, do CC ] , tendo é certo por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artº 341º, do CC), certo é que tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens .(21)
Ao invés, e para o referido efeito, o que releva e é exigível é , tão só , que (22) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou , dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida ) da sua verificação.
Porém, se basta que o convencimento do julgador se baseie numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, a verdade é que não deve a formação de tal convicção assentar também em “mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz, antes tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.(23)
É que, como bem nota Luís Filipe de Sousa (24), no âmbito da livre apreciação da prova, o juiztem o deverde raciocinar correctamente e de utilizar oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em princípio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida.
É que, precisamente em sede de função probatória, hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas , actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar, é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deva em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas faria o bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável.
O entendimento acabado de expor, há muito que era assumido por CALAMANDREI (25), pugnando ele que o convencimento do órgão jurisdicional deva operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir ao juiz que atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade ou não de uma determinada pretensão, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior.
Em conclusão, e em sede de julgamento da factualidade controvertida, não apenas ao julgador não lhe está vedado o recurso a presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC, como antes se lhe exige que se socorra das regras da experiência ( cfr. artº 607º,nº4, in fine, do CPC ), sendo que, o uso das mesmas, consubstancia também “ (…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”. (26)
Dito de uma outra forma, não sendo as regras da experiência meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitem eles muitas vezes atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça. (27)
Postas estas breves considerações a propósito do uso das regras/máximas da experiênciae presunções judiciais em sede de julgamento de facto, e , porque o respectivo uso implica em rigor a recondução ao elenco de factos provados de factos que são presumidos a partir de meros factos base-indiciários, exigível é em todo o caso que estes últimos disponham de uma força de convicção e de persuasão tal que permita/justifique - em termos de probabilidade - considerar como verificado/provado o facto presumido.
Na verdade, pressupondo a utilização de uma máxima da experiência a existência de um nexo lógico entre o facto-base e o facto presumido, qual relação lógica de causa-efeito, deve a sua utilização estar reservada para as situações em que existe uma probabilidade qualificada entre ambos (28), ou seja, deve sempre qualquer generalização derivada do id quod plerumque accidit ser utilizada com especiais cuidados, devendo pautar-se por critérios de racionalidade (29), e , sobretudo, estar o seu aproveitamento condicionado a uma aplicação prudente e sensata , logo, isenta de excessivo voluntarismo. (30)
Isto dito, e descendo finalmente à raiz do problema, importa à partida reconhecer a dificuldade de prova [probatio diabólica] que à partida enfrenta todo aquele que tem o ónus de provar factos do foro interno, razão porque adequado é que o julgador reduza o rigor exigível no tocante à convicção necessária com vista a considerar como assente tal matéria.
Na verdade, ainda que a intenção e o convencimento, enquanto realidades do mundo psicológico, façam também parte das realidades de facto, e cujo apuramento é da exclusiva competência das instâncias” (30), a dificuldade da respectiva prova justifica que o julgador não acrescente também um rigor acrescido em sede da respectiva prova, sob pena de em última análise estar a contribuir para a negação efectiva da tutela de direitos cujo exercício depende essencialmente da prova de factos do foro interno.
Depois, também não se nos afigura que, em face da factualidade/realidade provada a montante da escritura de partilha extrajudicial outorgada no dia 27/04/2006, se mostra de todo desajustada [antes pelo contrário] à luz das regras da experiência comum a “intenção” provada nos itens 2.13 e 2.14 da motivação de facto.
Com efeito, não apenas mostra-se aquela [intenção] perfeitamente consentânea com o modo de agir/reacção de qualquer “herdeiro” de são/normal critério e em face do modo de agir/litigar do ora autor/apelante, como, de todo, não padece a mesma também de excessivo e insensato voluntarismo , qual salto no escuro.
Por último, do próprio conteúdo da escritura de partilha extrajudicial outorgada a 27/04/2006, máxime no tocante acordado relativamente às tornas/meação do M…, prudente e judiciosa se mostra a recondução ao elenco dos factos provados dos itens 2.13. e 2.14.
Consequentemente, improcede a impugnação dos apelados relativamente aos pontos de facto provados correspondentes aos itens nºs 2.13. e 2.14.
Por último, já a “intenção” do réu H.., ao prescindir do recebimento de tornas, ainda que prima facie amparada em depoimento testemunhal, certo é que [ como bem se explica na Sentença apelada ] “casa muito mal” com a manifesta desproporcionalidade entre o valor das tornas e a compensação moral a atribuir a Ma…, tratando-se em última análise a versão dos depoimentos testemunhais em contrário nada verosímil e razoável, logo difícil de aceitar com base em razão esclarecida e, sobretudo, à luz de padrões comuns/normais de comportamento.
Em conclusão, também a impugnação dos RR/apelados da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, improcede in totum.
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4.- Da Apelação do Autor A….
4.1. – Se, em razão da factualidade provada na sentença apelada, se impõe forçosamente a alteração do julgado.
Como decorre do Relatório do presente acórdão, a acção pelo apelante proposta foi julgada in totum como improcedente, mas, para o apelante, e prima facieescudado no mérito da impugnação da decisão de facto proferida pela primeira instância, forçoso é que este tribunal de segunda instância altere o julgado, sendo a Ré condenada [ conforme o peticionado ] a restituir à herança aberta por óbito de Mos bens que lhe foram atribuídos na partilha e que se encontram devidamente identificados no artigo 20º da petição inicial.
Ora, não tendo o Autor/apelante logrado alterar [na sequência da impugnação deduzida] a redacção do ponto de facto nº 2.7, nenhuma censura é merecedora a sentença apelada na parte em que discorre/pronúncia nos seguintes temos :
“A questão enunciada em terceiro lugar: condenação da ré a restituir à herança os bens que lhes foram adjudicados ou o valor dos entretanto alienados. Esta pretensão do autor tinha como pressuposto que a partilha realizada teve por objecto os bens que integravam a herança aberta por óbito de ... Já vimos que assim não sucedeu: a partilha teve por objecto o património comum do casal que foi formado pelo M.. e pela Ma.. Por isso, não há que condenar a ré a restituir à herança do M.. bens que lhe foram adjudicados na escritura de partilha dos bens comuns do casal.”
É vero que, contra o entendimento perfilhado pela primeira instância, esgrime o apelante que os primeiros pedidos formulados na acção se basearam em instituto de petição de herança, sendo que, e em rigor apenas tem por desiderato a acção de petição de herança um duplo fim, a saber, por um lado o reconhecimento judicial da qualidade sucessória que o autor se arroga e, por outro, a restituição e integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro (31), logo, prima facie nada obstava – para o apelante - que in casu o tribunal a quo tivesse desde logo julgado procedente o pedido de petição de herança, condenando a ré restituir à herança aberta por óbito de M os bens que lhe foram atribuídos na partilha outorgada a 27/04/2006.
É que, e tal como igualmente se concluiu no mesmo Ac do STJ citado por último, “a causa de pedir na acção de petição de herança consiste na sucessão mortis causa e na subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária”, ou seja, não é pressuposto [ como o afirma, prima facie com pertinência, o apelante ] da respectiva procedência a invalidade de um qualquer acto jurídico .
Sucede que, in casu, não pode olvidar o Autor/apelante que na petição inicial atravessada nos autos e em sede de cumprimento do disposto nos artºs 5º, nº1 e 552º, nº1, alíneas d) e e) , não apenas os pedidos principais e cumulados se mostram formulados por determinada ordem/sequência , sendo o de condenação da Ré na restituição dos bens deduzido em consequência e no seguimento da procedência de um outro, anterior [ o de Anulação da partilha extrajudicial celebrada entre os Réus ], como, ademais, também relativamente à explicitação da competente e subjacente causa de pedir é o autor claro [ no artº 48º da petição ] em explicitar que “ Uma vez que o acervo patrimonial se encontra na posse de Ma.., atenta a partilha realizada entre os Réus, deverá ser anulada a partilha extrajudiciale serordenada a restituição dos bens que fazem parte do acervo patrimonial por óbito de ...
Ora, dispondo o nº 4, do artº 581º, do CPC [ tal como o seu antecessor artº 498º, do CPC ] que “ Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico “ e que,” Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”, pacifico é que, como há muito ensinava o Professor Manuel A. DOMINGUES DE ANDRADE (32) , que a causa de pedir é “ o acto ou facto de jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (art.º 498.º, n.º 4)” , ou seja, o referido direito “não pode ter existência sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir” .
Consequentemente, e em cumprimento do disposto no artº 552º, nº1, alíneas d) e e), obrigado está o autor, quando invoca determinado direito, a especificar qual a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido.
Ainda ancorados nos sábios ensinamentos do Professor Manuel A. Domingues de Andrade, pacifico é também que, em face da nossa lei adjectiva, e independentemente da natureza do direito pela parte deduzido em juízo, “tem de declarar-se qual o acto ou facto jurídico donde provenha, e a sentença apenas tomará em conta tal acto ou facto”, só nessa medida lhe corresponde a força e a autoridade do caso julgado (…) , o que significa que “vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (acto ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo Autor”, razão porque, conclui o ilustre Professor, “o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir ( arts. 497.º e 498.º)”. (33)
Em conclusão, em face do acabado de expor, e em sintonia também com o disposto nos artºs 260º [ principio da estabilidade da instância ] , 264º e 265º, todos do CPC , inquestionável é que a causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o, e balizando a actividade e o poder jurisdicional do Juiz , o qual , ao julgar a causa e ao apreciar o pedido, não pode basear a sentença em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença – cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 615º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC.
Não se olvidando que , tal como o dispõe o nº 3, do artº 5º, do CPC, “ O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, certo é que ainda assim só pode servir-se dos factos essenciais que sejam articulados pelas partes, o que pressupõe que igualmente a livre actuação do julgador plasmada no nº 3, do artº 5º, está também delimitada pela causa de pedir enunciada na petição inicial.
Aqui chegados, e tendo bem presente a forma como o autor balizou/formatou o objecto do processo, quer ao formular os pedidos principais [fazendo-o numa determinada relação/sequência lógico-jurídica], quer explicitando qual a correspondente e subjacente causa de pedir [especificando o facto jurídico da invalidade da partilha extrajudicial como consubstanciando ele o suporte/fundamento da peticionada condenação da Ré Ma.. a restituir à herança aberta por óbito de M..s os bens que lhe foram atribuídos na partilha ], difícil não é assim concluir que as conclusões recursórias do apelante e vertidas nas respectivas alíneas g) a t), improcedem forçosamente [ pois que vedado estava ao tribunal a quo enveredar pela prolação de decisão de condenação da Ré a restituir à herança aberta por óbito de .. os bens que lhe foram atribuídos na partilha e sem para tanto aferir/conhecer da in/validade da partilha outorgada]
Em suma , não incorre em error in judicando a sentença apelada na parte em que, relativamente às questões especificadas – na sentença – com sendo a 2 dª [ se existe fundamento para a acção de petição de herança e para anular a partilha com tal fundamento ] e a 3 dª [ se deve a ré ser condenada a restituir à herança os bens que lhes foram adjudicados ou o valor dos entretanto alienados ] a resolver a título principal, considerou que a pretensão do Autor não merecia ser atendida.
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4.2. – Se, em razão da factualidade provada, máxime em face da vertida nos itens de facto nºs 2.13 [ “ Ao celebrarem a escritura de partilha, referida em 2.7 , os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir”] e 2.14 [ “E impedir o acesso do autor à meação do M..], diversa teria que ser a solução decretada na sentença apelada no tocante à apreciação dos pedidos subsidiários .
A questão jurídica que o tribunal a quo, em sede de sentença, classifica como sendo a 4 tª a resolver, estando a mesma relacionada com os pedidos subsidiários pelo autor/apelante deduzidos na acção [ pretensão de anulação da partilha e a consequente condenação da ré a restituir à herança os bens que lhe foram adjudicados ou, quanto aos entretanto alienados, o respectivo valor ], foi outrossim pelo tribunal a quo resolvida negativamente.
Para tanto, recorda-se, fundamentou-se o Exmº Juiz a quo nos seguintes fundamentos:
“(…) Ora, à data em que foi celebrada a escritura, o autor não era herdeiro do M..s, a sentença que lhe reconheceu essa relação biológica de filiação é posterior. Não se pode falar em dolo ou qualquer outro vício da vontade gerador da invalidade da partilha extrajudicial. A ré não está obrigada a entregar à herança do M.. os bens que lhe foram adjudicados. E, contra o réu, não é peticionada a sua condenação a restituir à herança do M.., o valor da meação que aquele cabia e que o réu declarou prescindir de receber, dizendo “que prescinde das tornas, como forma de compensação de dívidas não quantificáveis ao património comum do casal”. Na contestação, os réus defendem que se tratou de obrigação natural e por isso não pode ser repetida. Ora, conforme resulta da prova produzida, não foi demonstrado que a intenção do réu H, ao prescindir do recebimento de tornas, fosse a de compensar a ré Ma.. dos danos psicológicos e físicos sofridos durante o casamento com o M... Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, importa não confundir obrigação natural com deixa em cumprimento de um dever moral ou social. No primeiro caso há a consciência de que se cumpre uma obrigação; no segundo, o que se faz é uma liberalidade (CC Anotado, Vol. I, pág. 350). Recorde-se o que foi provado nos pontos 13º e 14º: o celebrarem a escritura de partilha, referida em 7º, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e, impedir o acesso do autor à meação do M…. Não se me afigura que o acto de prescindir de tornas constitua uma obrigação natural. Poderá o réu vir a ser sujeito a ter de restituir essa quantia à herança do M... Mas isso é questão que aqui não importa.”
Dissentindo igualmente o Autor apelante da fundamentação que antecede, considerando-a “errada”, porque violadora dos artigos 280.º, nº 2 , 281.º e 286.º , todos do código civil, invoca o recorrente em abono do seu entendimento [ e consequente e forçosa prolação de decisão que decrete a anulação da partilha extrajudicial celebrada no dia 27 de Abril de 2006 e condene a Ré restituir os bens identificados na mesma escritura de partilha ] , no essencial, os seguintes argumentos [ a ordem dos mesmos não corresponde exactamente á vertida pelo apelante nas alegações/conclusões recursórias ]: Primus - Nos termos do disposto no art.º 2121º do Código Civil, a partilha extrajudicial é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, o que significa que, à impugnação da partilha extrajudicial são aplicáveis não só as disposições gerais directamente referentes aos contratos em geral, mas também as disposições sobre a impugnação dos negócios jurídicos em geral, (…) são, portanto, aplicáveis, em princípio, as normas relativas, não apenas à anulabilidade ( por erro, dolo, coacção, usura ou estado de necessidade, incapacidade, etc.), mas também as referentes aos casos de nulidade e até de inexistência do negócio jurídico – todos eles cobertos pelo conceito de impugnação lato sensu ; Secundus – Sabendo os Réus que o Autor era um interessado na partilha, porquanto era um pretenso herdeiro do falecido .. e que a referida partilha o iria prejudicar, deveria o Tribunal a quo ter concluído que sendo a partilha realizada sem o acordo de um interessado e potencial herdeiro, a mesma é nula por violação de lei nos termos conjugados do disposto nos artigos 2102º, 294º e 285º do Código Civil; Tertius – É que, o facto de à datada celebração da escritura o Recorrente não ser herdeiro em nada releva juridicamente, porquanto a doutrina aponta no sentido de que “Há falta de intervenção «quando posteriormente às declarações do cabeça de casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro; Quartus - A nulidade da partilha deveria também ter sido considerada, nos termos do artigo 280.º, n.º 2 e 281.º do Código Civil, e com fundamento na factualidade provada nos itens de fato nºs 2.13 e 2.14; Quintus - Independentemente do peticionado pelo Autor cabia ao Tribunal a quo o dever de declarar a nulidade daquele negócio, nos termos do disposto no art.º 286º do Código Civil, nos termos do qual a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, sendo que a escritura em causa de um negócio imoral e contrário à ordem pública se tratou ; Sextus - O Tribunal a quo violou assim as normas dos artigos 280.º, nº 2 , 281.º e 286.º, todos do código civil e, ademais, a interpretação do regime de anulação de partilha extrajudicial no sentido que apenas poderá ser requerida a anulação por herdeiros legítimos à data da escritura de partilha é inconstitucional por violação do artigo 36º, n.º 4 da CRP, por constituir uma discriminação de filho nascido fora do casamento, na sua vertente material. Quid Juris?
Pugnando o Autor/apelante pela anulação da partilha extrajudicial celebrada entre os Réus, desiderato que visa alcançar no seguimento da procedência do pedido principal e outrossim alternativo, importa começar por precisar que, como ensina LOPES CARDOSO (34), se através da emenda da partilha esta mantém-se na sua essência e apenas se corrige a parte que carece de correcção, já com a anulação a partilha é completamente invalidada, fica destruída .
Por outra banda, importando no âmbito da anulação da partilha também distinguir entre a que foi amigavelmente celebrada ( escritura pública) da que foi homologada por decisão com trânsito (inventário), temos assim que porque a primeira consubstancia em rigor um contrato, é também a mesma apenas susceptível de impugnação nos casos em que o sejam os contratos [ cfr. art.º 2121º, do Código Civil, o qual reza que “A partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o sejam os contrato” ].
Tal equivale a dizer, ainda segundo LOPES CARDOSO (35), que em rigor o art.º 2121º, do Código Civil, remete para as regras sobre a NULIDADE e ANULABILIDADE do negócio jurídico contantes dos artºs 285º e seguintes do CC e não para as regras estabelecidas para qualquer contrato.
Em suma, como com total acerto se concluiu em doutro Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (36), “ Em matéria de declaração da ineficácia da partilha, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos ( art.ºs 286º e seguintes, do CC ), sendo que a declaração de ineficácia global tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente ao momento da abertura da sucessão ( cf. os art.ºs 289º e 2119º, do CC), os efeitos próprios da partilha hereditária, repondo a situação de indivisão hereditária ( que só poderá ser superada com nova partilha, face à ineficácia global da primitiva ) “.
Isto dito, e tendo presente o OBJECTO/THEMA DECIDENDUM dos presentes autos, recorda-se que, como decorre expressis verbis da CRP, [art.º 36º, nº 4], “ Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação”.
A CRP, através do referido princípio, quebrou de vez “ a distinção entre filhos “legítimos” e os filhos “ilegítimos” que vigorava até então no ordenamento jurídico, derrogando todas as normas que consigo eram inconciliáveis”, o que implica que, no seu sentido formal, sejam proibidas a utilização de termos discriminatórios entre os filhos nascidos fora e dentro da relação de casamento e, no seu sentido material, passe a ser proibido que os filhos nascidos fora do matrimónio sejam, por essa razão, objecto de qualquer discriminação, como por exemplo, a distinção quanto a efeitos da filiação ou efeitos sucessórios da filiação. (37)
Mais importa atentar que, nos termos do disposto no art.º 1797º, nº 1, do CC, se os poderes e deveres decorrentes da filiação só são atendíveis se esta se encontrar legalmente estabelecida, certo é que, uma vez fixada/estabelecida, então o estabelecimento da filiação tem eficácia retroactiva [nº 2, do art.º 1797º ], desencadeando de imediato efeitos pessoais e efeitos patrimoniais (38) , máxime conferindo ao “novo” filho a competente vocação sucessória , ou seja, o direito a suceder, ou o direito, após a morte do pai, a comungar na sucessão a par dos outros herdeiros ( cfr. artº 2157º,do CC )
Ou seja, “Com o estabelecimento do vínculo de filiação, o filho passa a possuir o estatuto de filho, o qual se caracteriza por um conjunto de direitos e obrigações resultante da relação pai-filho com as supraditas consequências jurídicas decorrentes do vínculo reconhecido de paternidade”. (38)
Perante o exposto e recapitulando , e socorrendo-nos para tanto do douto Ac. do STJ de 16-01-2014 (39) , temos assim que concretizado o reconhecimento da paternidade, a filiação gera para os envolvidos na relação parental efeitos de ordem diversa, podendo ser divididos em duas categorias, os efeitos pessoais e os efeitos patrimoniais e, de entre os de ordem patrimonial, os principais serão os referentes à obrigação de alimentar e o direito à vocação hereditária, sendo que, o princípio da igualdade de filiação impõe que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adopção, tenham os mesmos direitos.
Postas estas breves considerações, dirigidas essencialmente para os efeitos decorrentes do estabelecimento do vínculo de filiação, e, perante o acima exposto no tocante ao alcance/efeitos do disposto no art.º 2121º, do Código Civil, é tempo de dirigir a nossa atenção para as regras sobre a NULIDADE e ANULABILIDADE do negócio jurídico contantes dos artºs 280º e seguintes do CC. Ora bem.
O artº 280º, nºs 1 e 2, do CC, reza que “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável ”, e, bem assim, “o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.
Já o normativo subsequente (art.º 281º), dispõe que “Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes “.
A nulidade, diz-nos o artº 286º, do CC, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” e, no que à anulabilidade concerne, resulta do normativo seguinte (art.º 287º, nº 1), que “Só têm legitimidade para a arguir …. as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”.
Por último, reza o artº 294º, do CC, que “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei “.
Com referência ao negócio jurídico em geral, respectivo objecto, requisitos e fim, pacifico é, assim, que o legislador alude especificamente à ordem pública e à ofensa aos bons costumes como fundamento geral de invalidade.
Mas, outrossim em sede de regulamentação de matéria relacionada especificamente com o Direito substantivo das Sucessões, se descortina que o legislador se socorre dos mesmos conceitos de ordem pública e de ofensa aos bons costumes.
Fá-lo vg no artº 967.º, no artº 2186º e, também no artº 2230.º, nº 2, e concomitantemente [tal como ocorre no art.º 280º e 281º] com a alusão à contrariedade à lei, consubstanciando todas as referidas “patologias” fundamentos de controlo da validade do contrato/negócio.
Mais incisivo é, porém, o legislador no art.º 334.º, do CC, ao expressar que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Estando em causa, em rigor – em todos os supra aludidos normativos -, conceitos indeterminados, quais cláusulas gerais a ser concretizadas/preenchidas caso a caso pelo intérprete, tendo em conta as circunstâncias especiais da situação, servem todas elas para, e máxime quando a lei não regula em concreto determinada situação, impor limites à autonomia privada dos contraentes, disciplinando e controlando a regulamentação contratual e salvaguardando a integridade e unidade do sistema jurídico.
Ou seja, é através dos referidos conceitos [cfr. ENZO ROPPO (40)] que é o Juiz chamado a avaliar se a “ operação realizada com o contrato se coloca, nalguma das suas facetas, em conflito com os objectivos fundamentais e valores de natureza ética , social, económica, pelos quais se rege o ordenamento jurídico, ou até com as contingentes escolhas políticas do legislador, por outras palavras, se os interesses privados prosseguidos com o contrato violam o interesse público, o interesse geral da colectividade “.
Isto dito, e vg. ainda ENZO ROPPO (41), caracteriza a Ordem pública como integrando o “complexo dos princípios e valores que informam a organização política e económica da sociedade, numa certa fase da sua evolução histórica, e que, por isso, devem considerar-se imanentes no ordenamento jurídico que vigora para aquela sociedade”, explicitando que muitos deles – princípios – encontram-se enunciados na CONSTITUIÇÃO, neles estando incluídos todos os princípios que regem a organização e o funcionamento da Família, dada a importância social que esta reveste.
O mesmo professor de direito civil, coloca na órbita dos bons costumes, a regras não escritas de comportamento, cuja observância corresponde á consciência ética difundida na generalidade dos cidadãos e cuja violação é, portanto, considerada moralmente reprovável.
Finalmente, já os negócios jurídicoscontrários à lei, e segundo o Professor Manuel A. Domingues de Andrade (42), são os que ofendem aberta ou declaradamente uma proibição legal , sendo que, a merecerem igualdade no tratamento legal , encontram-se os negócios jurídicos em fraude à lei [in fraudem legis], ou seja, aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição, sobretudo quando se mostre [haverá então fraude relevante] que o intuito da lei foi proibir não apenas os negócios que especificamente visou, mas quaisquer outros tendentes a produzir o mesmo resultado. (43)
Neste conspecto, e lançando mão dos ensinamentos de Menezes Cordeiro (44), dir-se-á que “(…) a denominada fraude à lei é uma forma de ilicitude que envolve, por si, a nulidade do negócio. A sua particularidade residirá, quando muito, no facto de as partes terem tentado, através de artifícios formais mais ou menos assumidos, conferir ao negócio uma feição inócua. No fundo, a fraude à lei apenas exige uma interpretação melhorada dos preceitos vigentes: - se se proíbe o resultado, também se proíbem os meios indirectos para lá chegar (…)”.
Munidos dos considerandos de natureza doutrinal supra explicitados, e tendo presente a questão fundamental sobre a qual incide o objecto dos nossos autos e, bem a propósito, recorda-se que o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 2010.05.11 (45), foi já chamado a aplicar/resolver uma questão de pretensa NULIDADE de uma partilha, socorrendo-se para tanto de alguns dos conceitos indeterminados supra explicitados.
É assim que, no referido acórdão, se veio a concluir ser manifesto que a partilha [ em causa esteve, tal como consta do mesmo acórdão, uma escritura titulando a partilha do património do casal composto pelo D… e pela então falecida F……, e em que ficou totalmente fora da herança a filha do 1º, ora autora e sua herdeira legitimaria, conhecida de todos os intervenientes, dado que o D…………. veio entretanto a falecer ] que exclui da sucessão da herança a filha, herdeira legitimaria, obtendo-se dessa forma um benefício injustificado para os filhos intervenientes com prejuízo directo da ausente, agride os bons costumes, correspondente em termos gerais à moral social dominante, aos valores positivos dominantes na sociedade em que estamos inseridos, em suma, ofende também a ordem pública.
Mais se concluiu no referido e douto Aresto, que “ Se o negócio realizado entre as partes se mostra formalmente válido, o seu conteúdo, atenta não só contra a ordem pública mas também contra os bons costumes”, e , porque os intervenientes conhecem as circunstâncias do negócio, ou não as devem ignorar, que acarretam a ofensa à legitima da autora, então esta falta de inteireza e rectitude ofende sobremaneira a moral pública, os bons costumes de acordo com o art.º 280º, nº 2 do CC (cf. Art.º 294º do CC), merecendo a reprovação do direito e como tal o negócio é nulo.”
Analisando/comentando este mesmo Acórdão, veio porém JORGE MORAIS CARVALHO (46) considerar que se alguma critica se justifica fazer à decisão em apreço, respeita a mesma à circunstância de a resolução da questão decidenda não exigir o recurso de imediato à cláusula dos bons costumes, por se tratar de um último recurso, e quando a lei, num primeiro momento, ou a ordem pública, num segundo momento, não resolvam a questão.
É que, segundo JORGE MORAIS CARVALHO , na situação em causa “ é a própria lei que impede o conteúdo da partilha em causa, na medida em que não pode ser afastada a sucessão legitimária de um filho, independentemente de esse afastamento ser directo ou indirecto, sendo que, nesta última situação, a partilha deve ser declarada nula, nos termos do art.º 280.º, n. 1, por fraude à lei que impede o afastamento da sucessão legitimária “.
ORA BEM, é tempo de descer e revisitar os FACTOS.
Mostra-se provado que [item 2.7] “No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura de partilha extrajudicial, em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre (..), que teve por objecto ….” Bens avaliados no VALOR total de 453.265,63€.
Praticamente todos os bens relacionados [a totalidade dos imóveis] foram adjudicados a Ma.. e, H.., em representação de M.., veio a prescindir das tornas, no valor de metade de 453 265,63€.
Mais se provou que [itens 2.13 e 2.14 ] ao celebrarem a escritura de partilha, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e de impedir o acesso do autor à meação do M..s.
Perante o acabado de aduzir, pacífico se nos afigura que a outorga da escritura de partilha extrajudicial e no que à respectiva causa de celebração ou causa final (47) diz respeito, não pode deixar de integrar a previsão do artº 281º, do CC, sendo que, a “ilicitude” do respectivo fim/motivo é comum a ambas as partes, porque em rigor visam ambos , não preterir um herdeiro cujo direito esteja já reconhecido, mas lograr a “falta de intervenção“ em partilha e na qualidade de também herdeiro de um filho “ilegítimo” de falecido .(48)
Ou seja, e como assim o decidiu o STJ em caso que apresenta alguns pontos de contacto com o dos nossos autos , pertinente se nos afigura concluir que se prima facie “ São legais o conteúdo e objecto do negócio jurídico realizado e que foi, como vimos, a partilha feita em notário (…)” , certo que que “ nele prosseguiu-se um fim proibido por lei e que foi querido por todos os que nele intervieram” . (49)
Acresce que, ainda que não aplicável ao caso sub judice [ como assim também se considerou na sentença apelada, e cujo trecho pertinente se transcreveu/reproduziu neste acórdão ] o disposto no artº 1388º do CPC/1995 [ “Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada, pela mesma razão ] , certo é que servem também os pressupostos da aplicação do nº1, do normativo referido para outrossim [ na parte alusiva aos conceitos de má fé e dolo ] se poder concluir fundadamente que agiram/procederam os outorgantes da partilha ultimada a 27/04/2006 com ânimo e/ou procedimento malicioso, viciando o alcance e finalidade da partilha efectuada (49) , em suma, com dolo e má fé, e , no mínimo por fraude à lei .
Em suma, também por aplicação do art.º 280º, nº 1, do CC, inevitável se nos afigura concluir que efectivamente padece a partilha ultimada a 27/04/2006 do vício de NULIDADE, o que prima facie justifica a procedência da apelação no tocante ao pedido de Anulação da partilha extrajudicial celebrada entre os Réus e a condenação da Ré .. a restituir à herança aberta por óbito de M.. dos bens que lhe foram atribuídos [isto caso não venha a ser atribuída razão aos Recorridos H.. e Ma.. e em relação à excepção peremptória de aquisição por usucapião deduzida atempadamente na contestação pelos RR , questão que se apreciará já de seguida ].
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5. – Da ampliação do recurso a pedido dos Recorridos H.. e Ma.
5.1. – Se o tribunal a quo incorre em erro de direito ao julgar que não se verificam in casu os pressupostos da excepção peremptória de aquisição por usucapião deduzida atempadamente na contestação pelos RR.
A excepção peremptória de aquisição por usucapião pela Ré/apelada invocada na contestação foi pela primeira instância julgada improcedente, sendo que para o efeito serviu-se, em parte, dos seguintes argumentos:
“(…) No caso dos autos, importa desde já verificar se a ré ao adquirir a posse dos bens estava de boa fé, como alega, ou de má fé, como invoca o autor. De acordo com o artº 1260º do CC, sob epígrafe “Posse de boa fé”: “1. A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem. 2. A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.” Do preceito decorre, em primeiro lugar, que a posse se presume de boa fé se for titulada. Porém, nos termos gerais do art.º 350º nº 2 do CC, trata-se presunção ilidível e, por conseguinte, admite-se que seja provada a má fé do possuidor no momento de aquisição da posse que, no fundo, é o momento relevante para determinar a qualificação da posse como de boa ou má fé. Ora bem, conforme decorre do nº 1 do mencionado artº 1260º do CC, a posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la que lesava o direito de outrem. Discute-se na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se a boa fé deverá ser meramente psicológica ou também ética. Defendendo que o legislador optou por uma boa fé meramente psíquica, podemos encontrar, entre outros, Orlando Carvalho (Introdução à Posse, RLJ, ano 122 e segs), Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 20), Henriques Mesquita (Direitos Reais, Sumários, pág. 91),Durval Ferreira (Posse e Usucapião, 3ª edição, pág. 312 e segs). Alinhando pela defesa de uma boa fé ética, podemos encontrar entre outros, Menezes Cordeiro (A posse: perspectivas dogmáticas actuais, pág. 96), José Alberto Vieira (Direitos Reais, pág. 569), Carvalho Fernandes (Lições de Direitos Reais, 4ª edição, pág. 286) Bonifácio Ramos (Manual de Direitos Reais, 2017, pág. 165), Menezes Leitão (Direitos Reais, 6ª edição, pág. 129) Fernando Pereira Rodrigues (Usucapião – Constituição originária do direito através da posse, pág. 66). Pois bem, no caso dos autos, não se mostra necessário tomar posição sobre esta questão dogmática na medida em que resultou provado que ao celebrarem a escritura de partilha, os réus tiveram intenção de afastar o autor de nela poder intervir e impedir o acesso do autor à meação do M ( pontos 13º e 14º dos Factos Provados ). Ou seja, destes dois factos resulta que os réus, ao celebrarem a escritura de partilha estavam de má fé porque sabiam que lesavam o direito do autor. Ora, estando a ré de má fé, resulta do art.º 1294º al. b) do CC, que o prazo para aquisição dos bens partilhados por usucapião só se verifica passados 15 anos contados desde a data do registo do título de aquisição. Tendo a escritura tido lugar em 27/04/2006, ainda não decorreram 15 anos (apenas serão atingidos em 28704/2021); isto sem ter em conta a data de registo do título. Por conseguinte e concluindo: não pode proceder a excepção de aquisição, pela ré, dos bem partilhados por usucapião”.
Ora, em face do decidido no presente acórdão no item 4.2., manifesto nos parece que o entendimento sufragado pela primeira instância no âmbito da apreciação/decisão da excepção da prescrição aquisitiva sai substancialmente reforçado, obrigando forçosamente à improcedência da pretensão da Ré deduzida em sede de ampliação do recurso.
É que, considerando nós que a partilha ultimada a 27/04/2006 pelos RR padece do vício de NULIDADE, e porque nos termos do artº 289º,nº1, do CC, a declaração de nulidade tem eficácia retroactiva da declaração de nulidade , tudo se passando como se o negócio não tivesse sido celebrado, ou produzido quaisquer efeitos, incongruente seria considerar-se que a POSSE da Ré presume-se de “boa fé” porque ancorada em titulo, ainda que este último seja NULO, não devendo produzir efeitos.
Perante o exposto, e mais não se justifica acrescentar, não merece assim ser atendida a pretensão dos RR/apelados deduzida em sede de ampliação do recurso.
Destarte, importando extrair da “decisão” vertida no item 4.2. as necessárias consequências legais e, tendo presente que , nos termos do disposto no artº 289º,nº1, do CC, ” Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente“, deva assim a Apelação ser provida e, consequentemente, e em substituição da SENTENÇA recorrida na parte objecto do recurso , decretar-se :
a) A Anulação da partilha extrajudicial celebrada no dia 27 de Abril de 2006 entre os Réus;
b) A condenação da Ré Ma..a restituir à herança aberta por óbito de M… os bens identificados na escritura partilha celebrada no dia 27 de Abril de 2006;
c) O cancelamento do registo a favor da Ré Ma… dos imóveis identificados nos artigos 20º petição inicial;
d) A Condenação da Ré Ma… a restituir à herança o montante recebido pela alienação dos imóveis identificados no artigo 38º da petição inicial.
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6. – Da solicitada condenação do Recorrente como litigante de má fé, e por ter adulterado a verdade dos factos ao longo do processo com vista a evitar, a final, um resultado que lhe seria manifestamente desfavorável, integrando a sua conduta a previsão da alínea b) e d) do artigo 542º .
Nas suas contra-alegações, vêm os recorridos ..impetrar a condenação do recorrente A. como litigante de má fé, para tanto invocando ter o Recorrente alterado, intencionalmente, a verdade dos factos para conseguir, através do presente processo, obter, a final, a condenação da aqui Recorrida Ma.. na restituição à herança dos bens constantes da escritura de 27 de Abril de 2006.
Em rigor, dizem os recorridos que o Recorrente veio ao longo do processo adulterar a verdade dos factos e com vista a evitar, a final, um resultado que lhe seria manifestamente desfavorável, tendo litigado com má-fé material e processual, recaindo, por consequência, a sua conduta na previsão da alínea b) e d) do artigo 542º do CPC, devendo, por conseguinte, ser condenado em indemnização a fixar e de acordo com os critérios de justiça e equidade. Ora bem.
Como é consabido, a condenação como litigante de má fé não está sujeita ao princípio do pedido, podendo ser decretada oficiosamente pelas instâncias [ in casu por este tribunal da Relação ] e outrossim pelo Supremo Tribunal de Justiça, apenas sendo de exigir, sob pena de se proferir uma decisão-surpresa, que a parte sancionanda seja previamente ouvida sobre a matéria, para que se possa defender.
É que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 3 do Código de Processo Civil, "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Isto dito, recorda-se que a questão da condenação do ora apelante como litigante de má-fé é despoletada pelos RR/apelados prima facie apenas no âmbito da presente instância recursória, não tendo a mesma sido suscitada na primeira instância por qualquer uma das partes, e , ademais, não foi outrossim apreciada sequer ex officio pelo tribunal a quo, sendo a sentença recorrida em absoluto omissa relativamente a questão relacionada com a viabilidade da responsabilização de qualquer das partes como litigante de/com má-fé processual .
Em face do exposto, e à partida, exigível não é a este tribunal de recurso que repondere a justificabilidade de qualquer decisão, antes – qual ius novarum ou inovação recursal – prima facie pretendem os apelados que verifique este tribunal de recurso, e em primeira mão, se em face do processado em sede de primeira instância, mostra-se adequado um juízo de censura dirigido para a conduta do apelante/autor, vg porque agente de um comportamento contrário à ideia de um processo justo e leal, tendo designadamente excedido os limites do direito de acção.
Ora, na sequência do já acima exposto no que concerne ao regime adoptado pelo nosso legislador em sede de regime recursório, e , porque questão nova não é apenas aquela que pela primeira vez é suscitada no recurso ( omitida, portanto desde o início da causa ) mas ainda toda a questão que, tendo sido embora suscitada nos autos, não foi objecto de apreciação, por aí não ter sido colocada, pelo tribunal recorrido (50), e em coerência com o que por nós foi já acima exposto, mostra-se assim no nosso entendimento e em principio vedado a este tribunal sancionar uma parte – como litigante de má fé - por factos praticados no tribunal ad quo e sobre os quais este último não haja apreciado/decidido com valor de caso julgado.
Sobre esta especifica questão – e no sentido acabado de aduzir - pronunciaram-se já o STJ (51) e, bem assim, CARDONA FERREIRA (52) , tal como o refere RUI PINTO [ in Elementos do Processo Recursal , 2010 (53) ], ainda que este último reconheça tratar-se de questão duvidosa já que formalmente se trata de questão exterior ao objecto da causa e sem relevância formal no sentido da decisão final.
Consequentemente, admite ainda RUI PINTO, nesta parte concordando com CARDONA FERREIRA, que o impedimento do tribunal ad quem apenas será compreensível quando estiver em causa tão só o que tiver sido praticado no tribunal a quo, mas [ porque importa não olvidar que em causa estão exigências de honestidade e de correcção processual ] , se o “ tipo de conduta de má-fé também se tiver revelado em actos da própria tramitação recursória, posto que é perspectivável continuidade desse tipo de conduta, então os anteriores actos podem e devem contribuir para clarificação e valoração dos inseridos em fase de recurso, ou seja, pelo menos nesta base, não podem deixar de ser relevados pelo tribunal ad quem “
Ora, em face do acabado de expor, e não olvidando que o apelante /autor veio em sede de instância recursória a obter ganho de causa, e , porque apesar de no âmbito da mesma instância recursória ter este tribunal conhecido do mérito de impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo , certo é que modificações não foram introduzidas [ o que à partida mais difícil se torna a viabilidade de integrar a conduta de quaisquer das partes vg na alínea b), do nº2, do artigo 542º, do Código de Processo Civil ], manifesto é que não existe qualquer fundamento pertinente para sancionar o recorrente/apelante por um qualquer uso abusivo/censurável da sua parte em sede de utilização de meios adjectivos e/ou comportamentos/intervenções processuais - ou por uma litigância sem iusta ou probabilis causa – no âmbito do processado na primeira instância.
Restando em última análise também aferir se, perante o que resulta da instância recursória da apelação pelo autor interposta, existe também fundamento para a sua condenação como litigante de má-fé, a verdade é que não brota do respectivo processado que tenha o apelante incorrido na violação de uma qualquer posição ou dever processual e, de resto, porque vencedor no recurso interposto, difícil seria descortinar a existência de uma tal violação .
Acresce que, consubstanciando o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça um direito fundamental – cfr. art.º 20º da Constituição da República Portuguesa – importa que o mau uso do referido direito se mostre claramente patenteado em factualidade concreta e claramente reveladora [ o que os nossos autos não evidenciam ] de ter a parte feito um uso reprovável de meio adjectivo com o propósito exclusivo de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Concluindo, porque a responsabilização de uma parte como litigante de má fé, maxime com base em comportamentos susceptíveis de preencher a previsão das alíneas a),b) e d), do nº1, do artº 542º, do CPC, apenas deve ocorrer perante situações de facto clarividentes, que não em face de casos de dúvida e/ou de fronteira entre o mero uso processual de concreto instituto e o seu abuso, e sem necessidade de mais considerações, inevitável também a improcedência do incidente despoletado pelos recorridos no que à almejada condenação como litigante de má-fé do apelante concerne.
E, porque parte vencida no que se reporta ao incidente de litigância de má fé, que despoletaram em sede de instância recursória, devem forçosamente os apelados pagar custas pelo mesmo [ cfr. artº 527º, do CPC e artigo 7.º/4, do Regulamento de Custas Processuais/RCP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, com alterações posteriores, e pela Tabela II ( incidentes e procedimentos anómalos - 1 a 3 UC ]. (54)
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7. – Da solicitada – pelo autor/recorrente – condenação dos RR/recorridos como litigantes de má-fé, nos termos do disposto no artigo 542º do CPC, e porque alegadamente faltam à verdade nas suas contra-alegações.
Solicita também o Autor/recorrente que sejam os recorridos condenados como litigantes de má-fé, nos termos do disposto no artigo 542º do CPC, e isto porque alegadamente faltam à verdade nas suas contra-alegações.
Servindo-nos dos considerandos aduzidos em 6 a propósito da solicitada – pelos RR - condenação do Autor como litigante de má fé, e aplicando-os mutatis mutandis à questão ora em análise, é para nós pacifico que também a condenação dos RR – como litigantes de má fé – em sede de instância recursória não faz sentido, isto é, não se justifica.
Desde logo, recorda-se que em rigor a posição dos RR veio a ser sufragada pela primeira instância, tanto assim que a acção foi julgada improcedente quase in totum.
Logo, e à partida, pertinente não é integrar a conduta dos RR na alínea a), do artº 542º, do CPC, a que acresce que a mesma também não extrapolou de todo os limites da intenção de fazer valer um direito que entendiam ser-lhes devido e ademais já reconhecido por uma sentença judicial.
Depois, exigindo a condenação de uma parte a título de má-fé, uma lide dolosa, e, outrossim uma lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave, também a circunstância de os RR terem sido absolvidos na 1ª instância torna mais difícil concluir que em sede de contra-alegações foram os RR agentes de um comportamento doloso e consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça, e/ou conseguir um objectivo ilegal .
Concluindo, e porque como vimos supra a responsabilização de uma parte como litigante de má fé apenas deve ocorrer perante situações de facto clarividentes, temos como desadequada aceder à impetrada condenação como litigante de má-fé dos RR/apelados.
E, porque parte vencida no que se reporta ao incidente de litigância de má fé, que despoleto em sede de instância recursória, deve igualmente o Autor pagar custas pelo mesmo.
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8.- Em conclusão (cfr. art.º 663º, nº7, do CPC):
8.1- Em matéria de declaração de invalidade de uma partilha de bens, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 280º e seguintes, do CC), sendo que a declaração da sua nulidade tem como consequência forçosa a de repor a situação de indivisão ;
8.2- Provando-se que ao celebrarem uma concreta escritura de partilha, os respectivos outorgantes tiveram intenção de afastar o autor [que à data havia já interposto – estando a correr termos – uma acção de investigação de paternidade, visando ser reconhecido como filho/herdeiro do titular e ou/co-titular do grosso dos bens objecto da partilha] de na referida partilha poder intervir e , concomitantemente, de impedir o seu acesso aos bens que integravam a meação do falecido, a referida partilha mostra-se ferida do vício de NULIDADE, nos termos dos artºs 280º e 281º, do CC;
8.3. – É que, se a partilha indicada em 7.2. não ofende aberta ou declaradamente uma proibição legal, merece todavia o mesmo tratamento legal, por ter sido outorgada com a finalidade de contornar ou circunvir uma proibição legal [fraude relevante], de resto respeitante a um Direito contemplado na Lei Fundamental [CRP, art.º 36º,nº4].
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9.- DECISÃO
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, concedendo provimento ao recurso de apelação interposto por A..;
9.1.- Revogar a sentença da primeira instância na parte objecto da apelação [ Matem-se assim a decisão da primeira instância no tocante ao Reconhecimento do autor como herdeiro legitimário de M..;
9.2 - Decretar, em substituição da SENTENÇA na parte objecto do recurso e revogada; i) A Nulidade da partilha extrajudicial celebrada no dia 27 de Abril de 2006 entre os Réus; ii) A condenação da Ré a restituir à herança aberta por óbito de M os bens identificados na escritura partilha celebrada no dia 27 de Abril de 2006; iii) O cancelamento do registo a favor da Ré dos imóveis identificados nos artigos 20º petição inicial; iv) A Condenação da Ré a restituir à herança o montante recebido pela alienação dos imóveis identificados no artigo 38º da petição inicial.
9.3. - Condenar os apelados H e Ma nas custas do incidente de litigância de má fé que despoletou em sede de instância recursória, e em taxa de justiça de 1,5 Ucs.
9.4. - Condenar o apelante A.. nas custas do incidente de litigância de má fé que despoletou em sede de instância recursória, e em taxa de justiça de 1,5 Ucs.
*** As custas na apelação e, primeira instância, são da responsabilidade dos apelados e RR .
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(1) Cfr. ANTUNES VARELA e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(6) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014).
(7) Ac. de 14/3/2013, Proc. nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2, e disponível in www.dgsi.pt.
(8) Ac. de 17/3/2014, Proc. nº 7037/11.2TBMTS-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(9) Ac. de 19/5/2014, Proc. nº 2344/12.0TBVNG-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(10) In Proc. nº 4111/13.4TBBRG.G1.S1, sendo Relatora a Exmª Juiz Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, e disponível in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. LOPES DO REGO, in Comentário ao CPC, pág. 201.
(12) Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013.
(13) Neste sentido, vide, de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 25-06-1997 [proferido no Processo nº 97S024] e de 14-11-2006 [proferido no Processo nº 06B3584], ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
(14) Cfr ANTUNES VARELA e outros, ibidem, págs. 392/392.
(15) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Testemunhal, 2013, Almedina, págs. 203 e 221 e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ 112, pág. 236 e segs..
(16) Cfr. ALMEIDA COSTA, anotação na RLJ, Ano 129, Nº 3872, pág 361, e citado por Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, pág 221, nota 470
(17) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, págs. 221.
(18) Acórdão de 19-12-2019, proferido no Processo nº 9778/18.4T8LSB.L1-6 e disponível in www.dgsi.pt
(19) citado por José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 209.
(20) Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605.
(21) Cfr. Prof. ANTUNES VARELA e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(22) Cfr. Prof. ANTUNES VARELA e outros, ibidem.
(23) Cfr. Tomé Gomes, in “Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil”, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158.
(24) In Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, págs. 77 e segs..
(25) In Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova, CEDAM, 1955.
(26) Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt..
(27) Cfr. ainda Ac. do STJ acima indicado e de 6/7/2011.
(28) Cfr. Sánchez de Movellán, apud Luís Filipe de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 45.
(29) Cfr. Luís Filipe de Sousa, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 82.
(30) Cfr. Ac. do TRL, Proc. nº 2155/2003-7, sendo Relator ABRANTES GERALDES e in www.dgsi.pt.
(31) Cfr. Ac. do STJ de 18/12/2003, Proc. nº 03B3794, in www.dgsi.pt
(32) Ac. do STJ de 2 de Março de 2004, proferido no Proc. nº 04A126 , sendo Relator AZEVEDO RAMOS e in www.dgsi.pt.
(33) Em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, página 111.
(34) Ibidem, páginas 319/320.
(35) In Partilhas Judiciais, Volume II, Almedina, pág. 567 e segs..
(36) Ibidem, pág. 568
(37) Acórdão de 08/3/2016, proferido no Processo nº 1419/15.8T8FIG.C1, e in www.dgsi.pt.
(38) Cfr. ANA CRISTINA ALMEIDA FERNANDES, em “O princípio da igualdade da filiação Dissociação entre os efeitos pessoais e os efeitos patrimoniais do estabelecimento da filiação, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses, em Janeiro de 2017, pág. 16, in https://eg.uc.pt/bitstream/10316/81097/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf .
(39) Cfr. ANA CRISTINA ALMEIDA FERNANDES, ibidem, pág.42.
(40) Proferido no Processo nº 905/08.0TBALB.P1.S1, sendo Relator JOÃO TRINDADE e in www.dgsi.pt..
(41) In O CONTRATO, Almedina, 1988, pág. 177.
(42) Ibidem, pág. 182.
(42) Em Teoria Geral da Relação Jurídica, 1953, págs 355 e segs..
(43) Cfr DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, 1953, págs 335/339.
(44) In Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 1999, pág. 440, citado no Acórdão do STJ, de 02/11/2017, proferido no Processo nº 420/16.9T8STR.E1.S1, e in www.dgsi.pt.
(45) Proferido no Processo nº 2135/04.1TBPVZ.P1, sendo Relatora MARIA EIRÓ e in www.dgsi.pt.
(46) Professor na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, em artigo (A Moral Como Limite À Autonomia Privada) de 02.01.2016, e em Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 8., Ano 3., págs. 303-326. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2016, página 318.
(47) Cfr. JORGE MORAIS CARVALHO, in Os Limites À Liberdade Contratual, Almedina, 2016.
(48) Cfr Lopes Cardoso, ibidem, pág. 579, nota (3182).
(49) Acórdão indicado na NOTA 44 que antecede, de 02/11/2017, e em que foi Relatora Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho.
(50) Cfr. expressões utilizadas por Lopes Cardoso, ibidem, pág. 580.
(51) Cfr. Ac. do STJ de 09-10-2002 (proc. nº 03B1168), sendo Relator ARAÚJO BARROS, e in www.dgsi.pt
(52) Acórdão de 9/Outubro/2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 171, pág. 93.
(53) In GUIA DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, Coimbra Editora, 5ª. Edição, págs 139 e segs..
(54)https://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/elementos_de_processo_recursal_110211.pdf , página 83.
(55) Vide António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol. 1998, págs. 337 e 338
* LISBOA, 6/2/2020 António Manuel Fernandes dos Santos Ana de Azeredo Coelho Eduardo Petersen Silva