LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
PRESUNÇÕES
PROVA PERICIAL
Sumário

- A garantia de legalidade da "livre convicção" terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova, sendo certo que convicção livre não é, nem pode equivaler, a livre arbítrio na formação dessa convicção, antes terá de ser o reflexo de uma apreciação objectiva das provas produzidas, permitindo um controlo por parte dos interessados e do tribunal de recurso.
- Se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido «à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível», outra alternativa não é deixada ao julgador senão aplicar o aludido princípio.
- Em processo penal, nada obsta a que o julgador se socorra de presunções para formar a sua convicção, na medida em que, sendo admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º, do CPP), aquelas não estão abrangidas por qualquer proibição legal.
- Os danos verificados nas viaturas objecto de furtos, quando estas estavam estacionadas em parqueamento interior de um edifício de acesso restrito, nas quais os assaltantes entraram e desmontaram a consola da ignição, após arrombamento da porta (no caso da primeira), com vista à sua subtracção e posterior apropriação contra a vontade dos donos, são factos que foram confirmados por várias testemunhas e que os arguidos não chegam a impugnar.
- A comparticipação dos arguidos no crime foi estabelecida com base na existência das suas impressões digitais no exterior dos aludidos veículos e com o recurso a presunções. Todavia, desde que do conjunto dos factos - essenciais e instrumentais - que foram apurados pelo tribunal, através das provas directas que foram produzidas, se possam retirar ilações, coerentes, que demonstrem ou tornem fortemente admissíveis outros factos, ainda que destes não haja prova directa, de acordo com as habituais regras da experiência e segundo juízos correntes de probabilidade, de lógica, e intuição humanas, estar-se-á ainda dentro da regra da “livre convicção”, tal como decorre do já citado art.º 127.º, do CPP.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. Sob acusação do Ministério Público, os arguidos JM e HR foram submetidos a julgamento, em processo comum e perante tribunal singular (ao abrigo do artigo 16.º, n.º 3, do CPP), no Juízo Local Criminal de Lisboa – juiz 7, Comarca de Lisboa.
No final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo (transcrição):
«Por todo o exposto, o Tribunal decide:
A) Absolver os arguidos HR e JM da prática de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
B) Após alteração da qualificação jurídica dos factos, condenar o arguido HR pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203 º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão efetiva;
C) Após alteração da qualificação jurídica dos factos, condenar o arguido JM pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), no total global de €900 (novecentos euros);
D) Condenar o arguido no pagamento das custas criminais (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais), fixando-se em 2 U.C. a taxa de justiça.»

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2. Inconformados com o decidido, aqueles arguidos interpuseram recurso, que motivaram, formulando as seguintes conclusões:
2.1. O JM:
1.º O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1 do Código Penal na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5,00 (cinco euros), no total global de 900,00 Euros (novecentos euros).
2.º O tribunal ad quo deu como provados factos sem que para tal tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido, tendo formado a sua convicção com base na análise conjugada da prova testemunhal e quanto à autoria dos factos, com base nos vestígios lofoscópicos encontrados no exterior das viaturas.
3.º Os vestígios lofoscópicos recolhidos no centro do vidro da porta traseira, lado esquerdo do veículo 90... e vestígios recolhidos no vidro da porta da frente esquerda da viatura 79..., nenhum deles no interior dos veículos nem nas peças dos mesmos que foram encontradas no chão no exterior das viaturas, nem tão pouco nas portas dos mesmos nomeadamente na fechadura.
4.º O único elemento de prova que permitiu relacionar o arguido com os factos incriminados reside nos vestígios lofoscópicos, o que é manifestamente insuficiente para sustentar a condenação do arguido.
5.º Contudo, a perícia lofoscópica apenas permite provar, diretamente, que o arguido, em algum momento anterior à recolha dos vestígios esteve junto das viaturas dos autos e tocou com as mãos no vidro exterior das mesmas.
6.º Para se chegar à prova de que foi o arguido quem abriu as portas e retirou as consolas da ignição das viaturas, terá que se proceder por via indireta, considerando conjuntamente a factualidade diretamente provada pela perícia e os factos, que resultariam provados por outros meios, o que in casu não se verifica.
7.º O postulado in dubio pro reo constitui um afloramento, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção da inocência consagrado no artigo 32.º, nº 2, da Lei Fundamental e obriga o Tribunal a julgar não provado um facto desfavorável ao arguido sempre que prevaleça uma dúvida razoável, racional, e insanável sobre a sua ocorrência.
8.º Daqui resulta que o tribunal fez uma errónea apreciação da prova, chegando mesmo a contrariar as regras da lógica e da experiência e a retirar relevância probatória a alguns factos apreciados, cometendo, neste particular, erro de julgamento.
9.º De acordo com postulado in dubio pro reo impõe-se que se julgue não provado que o arguido praticou os factos de que vem acusado e que a sentença recorrida deu como provados, encontrando-se a decisão recorrida ferida dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 alínea a) e d) do Código de Processo Penal.
10.º Em consequência, deve determinar-se a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada fixada pela decisão recorrida em termos de ser relegada para a matéria não provada os factos constantes nos pontos 1 a 7 da matéria provada.
11.º O acervo de factos provados impõe uma decisão quanto à medida da pena diferente da que foi decidida, uma vez que a mesma não respeita os princípios consagrados no artigo 71.º do CP, nomeadamente o de que o arguido não deve ficar privado de prover às suas necessidades básicas.
12.º Resultou provado que o arguido se encontra desempregado sendo que a sua subsistência recai exclusivamente sobre o agregado próximo, é toxicodependente e sofre de esquizofrenia.
13.º A decisão recorrida, também neste ponto, é ferida do vício previsto no artigo 410º nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal, sendo de alterar a decisão no sentido de se fixar os dias da multa no mínimo legal.

2.2. O HR:
1.ªÉ consabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, a saber, uma, mais restrita, que se reporta aos vícios contemplados no art.º 410º, n.º 2 CPP, e outra, mais ampla, que respeita à impugnação da matéria de facto, conforme previsto no art.º 412º, n.ºs 3, 4 e 6 CPP.
2.ª No caso dos vícios contemplados no art.º 410º, n.º 2 CPP, têm os mesmos que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras de experiência comum (que se escalpelizarão em título infra).
3.ª Já no caso da impugnação da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, mas sim é alargada à análise do que se contém e se pode extrair da prova documentada produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
4.ª  Para consignar tal factualidade como provada, o Tribunal a quo estriba-se nos seguintes fundamentos:
Ora, segundo as regras da experiência, o facto de serem encontradas impressões digitais dos arguidos no vidro dos veículos que foram objeto da tentativa de furto, significa que os arguidos aí estiveram presentes e mexeram nos referidos veículos. E considerando que estes estavam guardados numa garagem utilizada por seis condóminos é seguro concluir-se que os arguidos aí se introduziram, de forma não autorizada, para subtrair os objetos de valor que se encontrassem no interior daquela garagem.
5.ª Ora, não se compreende como pode o Tribunal a quo exarar e enveredar por tais termos e fundamentos.
6.ª Considerou o Tribunal a quo como provado que ao Arguido Recorrente "resultou que os vestígios lofoscópicos recolhidos do veículo 79... correspondem à região hipotenar da palma da mão direita, correspondendo-lhe, (...), treze pontos evidentes".
7.ª   Para o efeito, o Tribunal a quo estriba-se nos depoimentos das testemunhas PO (agente da PSP), FG (proprietário de uma das viaturas) e AM (proprietária do veículo Chevrolet) e do relatório pericial, a fls. 8 a 15; 80 a 88; 92 a 99.
8.ª Desde logo, porque as testemunhas não presenciaram quaisquer factos, tendo chegado à garagem, depois da alegada prática dos factos, afirmando, no entanto, terem visto as viaturas danificadas.
9.ª  Neste sentido, no próprio auto de notícia, constante de fls. 2, faz-se constar expressamente que a PSP não presenciou os factos tendo sido chamados ao estabelecimento onde, alegadamente, terá ocorrido a prática dos factos.
10.ª Nos presentes autos, a testemunha AM foi peremptória a afirmar que não conhecia o arguido e que a situação lhe fora transmitida pelo seu marido, Pedro Santos.
11.ª  Declara aquela testemunha que a garagem é frequentada, não só pelos condóminos, mas por todos os funcionários/clientes da concessionária Soauto. Cujo acesso é feito pelo piso -1, uma vez que não têm acesso pelo piso -2.
12.ª Temos portanto, o único elemento de prova relacionado com os factos incriminados reside nos vestígios lofoscópicos, cujo exame pericial revelou tratar-se da impressão digital do Arguido Recorrente, detectada no EXTERIOR do veículo, a qual por definição é um objecto vocacionado para circular ou estar parado, estando por isso sujeito ao contacto com a generalidade das pessoas.
13.ª Pelo que, as normas de experiência comum e a livre convicção, sendo juízos hipotéticos ou conclusões livres, pelo facto de terem sido encontradas impressões digitais na viatura, coloca o Arguido Recorrente naquele lugar, mas não significa que tenha sido este a mexer nos referidos veículos. Até porque a garagem era utilizada pelos 6 condóminos e pelos funcionários/clientes da concessionária Soauto!
14.ª  Não é portanto, seguro concluir o Tribunal como concluiu "que os arguidos aí se introduziram, de forma autorizada, para subtrair os objectos de valor que se encontrassem no interior da garagem".
15.ª  Ora, o exame efectuado ao vestígio lofoscópico, que o identificou como tendo sido deixado pelo arguido, tem natureza de prova pericial e presume-se, como tal, subtraído à livre apreciação pelo julgador, nos termos do art.º 163º do CPP.
16.ª Contudo, a perícia lofoscópica apenas permite provar, que o arguido, em momento anterior à recolha dos vestígios esteve junto da viatura.
17.ª Assim sendo, para se chegar à prova de que foi o arguido quem retirou do interior do veículo, descrito na matéria de facto assente, terá de se proceder por via indirecta, considerando conjuntamente a factualidade directamente provada pela perícia e os factos, que resultaram demonstrados por outros meios.
18.ª  O vestígio dactiloscópico, que associou o arguido aos factos acusados no presente processo, foi encontrado na parte exterior de uma viatura automóvel, a qual por definição é um objecto vocacionado para circular ou para estar parado na via pública, estando por isso sujeito ao contacto com a generalidade das pessoas que nela igualmente transitam ou permanecem.
19.ª Ainda assim, de acordo com a experiência comum não é habitual as pessoas tocarem com as mãos em veículos automóveis que não lhes pertencem e nos quais não fazem tenção de se fazerem transportar, a menos que alimentem em relação aos mesmos e/ou a objectos situados no seu interior intuitos apropriativos.
20.ª Como tal, a garagem não é seguramente um sítio de passagem, mas é público e pode ser acedido por uma generalidade de pessoas.
21.ª O postulado «in dubio pro reo» constitui um afloramento, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção de inocência consagrado no nº 2 do art.º 32º da Lei Fundamental e obriga o Tribunal a julgar não provado um facto desfavorável ao arguido sempre que prevaleça uma dúvida razoável, racional e insanável sobre a sua ocorrência.
22.ª Nesta conformidade, e de acordo com o critério adoptado, o postulado «in dubio pro reo» impõe que se julgue não provado que o Arguido Recorrente praticou os factos por que vinha acusado e que o Tribunal a quo deu como demonstrados.
23.ª  É por tudo quanto se acaba de enunciar que se verifica que mal andou o Tribunal a quo, incorrendo nos vícios supra indicados, bem como por incorrecta avaliação e valoração da prova e consequente violação das regras de experiência comum e da lógica, tudo em respeito do art.º 127º CPP, violando ainda os art.ºs 206º, n.º 2 e 73º, ambos do CPenal.
Assim, por tudo quanto se elaborou, que são as Motivações, os fundamentos e as Conclusões do presente Recurso do Aresto proferido em 30MAIO2019, constante de fls. ...,
E sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.,
Deve ser concedido provimento ao Recurso interposto pela ora Arguido Recorrente HR, nos exactos termos apresentados na Motivação e Conclusões de Recurso e, em consequência:
A) Reapreciar-se e proceder-se à alteração da matéria de facto, nos termos supra expostos, revogando-se a Sentença recorrida e, consequentemente,
B) ABSOLVER-SE o Arguido da prática do crime que vinha acusado.
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3. Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público, defendendo a sua improcedência e concluindo nos seguintes termos:
3.1. Ao do arguido JM:
1. No presente processo, considera-se que o Tribunal a quo deu como provados ou não provados todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa, bem como os factos de que podia e devia conhecer, pelo que se considera que a douta sentença em crise não padece do vício previsto no artigo 410.º, n.º2, alínea a) do Código de Processo Penal.
2. No mais, para efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, considera-se que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
3. Acresce que, no caso presente, o Tribunal, após a produção de prova, não teve dúvidas sobre o sentido da mesma, não se vislumbrando, assim, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.
4. Já o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é sindicável em sede de recurso, na medida em que o juiz de julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria e insubstituível.
5. Neste âmbito, apenas se impõe aferir se tal convicção é contrariada pelas regras de experiência comum ou pela lógica do homem médio, o que não se considera que tenha sucedido no presente caso.
6. No presente caso, resulta da douta sentença em crise que o Tribunal a quo cumpriu o iter procedimental estabelecido para o emprego da prova por presunção judicial, uma vez que foram indicados os factos instrumentais que suportam a ilação extraída, não se detectando nas razões invocadas qualquer falta de lógica, nem se vislumbrando motivos que possam conduzir a solução diversa.
7. Assim sendo, atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento e ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, considera-se que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos do modo como o fez e ao condenar o arguido em conformidade.
8. Por último, atendendo ao disposto nos artigos 23.º, n.º 2, 47.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.º 1 73.º, n.º 1 e 203.º, n.º1, todos do Código Penal e aos factos provados na douta sentença, considera-se que andou igualmente bem o Tribunal a quo ao aplicar a pena de multa de cento e oitenta dias à taxa diária de cinco euros, a qual se considera adequada e suficiente.
3.2. Ao do arguido HR:
1. Desde logo, para efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º2, alínea c), do Código de Processo Penal, considera-se que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
2. Acresce que, no caso presente, o Tribunal, após a produção de prova, não teve dúvidas sobre o sentido da mesma, não se vislumbrando, assim, qualquer violação do princípio in dúbio pro reo.
3. Já o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é sindicável em sede de recurso, na medida em que o juiz de julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria e insubstituível.
4. Neste âmbito, apenas se impõe aferir se tal convicção é contrariada pelas regras de experiência comum ou pela lógica do homem médio, o que não se considera que tenha sucedido no presente caso.
5. No presente caso, resulta da douta sentença em crise que o Tribunal a quo cumpriu o iter procedimental estabelecido para o emprego da prova por presunção judicial, uma vez que foram indicados os factos instrumentais que suportam a ilação extraída, não se detectando nas razões invocadas qualquer falta de lógica, nem se vislumbrando motivos que possam conduzir a solução diversa.
6. Assim sendo, atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento e ao disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, considera-se que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos do modo como o fez e ao condenar o arguido em conformidade.
4. Subidos os autos, neste Tribunal da Relação a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 345 a 350, defendendo igualmente a «improcedência dos recursos» e consequente «confirmação da decisão recorrida».
5. Após cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.
6. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos a que se refere o art.º 418.º, n.º 1, do aludido Código, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
1 - Vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto (transcrição):
«Matéria de facto provada
Da instrução e discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
Da acusação:
1. Entre o período compreendido entre o dia 21 de Agosto de 2017, pelas 02h00 e o dia 20 Agosto pelas 15h40m, os arguidos dirigiram-se à Rua da Laranjeira n.º 14, em São Domingos de Benfica, em Lisboa, ao parque de estacionamento interior, onde os veículos que ali se encontravam estacionados, para se apropriarem dos mesmos;
2. Ali chegados, e em execução de tal desígnio, os arguidos, por forma não concretamente apurada, dirigiram-se ao veículo de matrícula 79..., arrombaram a porta da frente esquerda, e entraram no interior da viatura, retirando a consola da ignição e colocando-a no chão;
3. Nesse mesmo dia e ocasião, os arguidos, por forma não concretamente apurada, dirigiram-se ao veículo de matrícula 90..., entraram no interior da viatura, retirando a consola da ignição e colocando-a junto do exterior da viatura;
4. Os arguidos não conseguiram por motivos alheios a sua vontade colocar o veículo em funcionamento;
5. Com a conduta supra descrita os arguidos causaram danos no veículo de matrícula 79…no montante €2.261,48€ (dois mil, duzentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos);
6. Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de se apoderar dos veículos supra mencionados, com vista a fazê-lo seu, apenas não conseguiram, por motivos alheios à sua vontade, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que atuavam contra a vontade dos seus legítimos donos;
7. Os arguidos agiram livre e conscientemente, querendo causar estragos em bens que sabiam que não lhe pertenciam, causando assim um prejuízo no montante referido no ponto 5;
8. Mais sabiam, os arguidos, que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
Mais se provou:
9. JM  está habilitado com o 12º ano de escolaridade, alcançado após frequência de ação formativa, com a duração de 3 anos, na empresa “Salvador Caetano”. O arguido averbou pelo menos duas retenções escolares, no 8.º ano de escolaridade por falta de assiduidade. Ainda adolescente, registou experiência profissional sobretudo nos períodos de férias escolares. Posteriormente, manteve alguma ocupação laboral ainda que de modo pouco expressivo. Foi só numa fase mais recente que conseguiu manter-se inserido durante sete anos, aproximadamente, como funcionário (operador de armazém) da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, de onde terá sido despedido em 2011, aproximadamente, devido a consecutivas ausências do trabalho. Aparentemente,
10. JM  sofre de esquizofrenia desde os 24 anos de idade;
11. No plano afetivo JM viveu maritalmente duas vezes, tendo nesse âmbito residido no Algarve durante alguns anos. Para além do quadro de saúde complexo por si registado, o arguido começou desde há sensivelmente cinco anos a consumir estupefacientes (sobretudo cocaína) problemática que potenciou a vivência de um quotidiano ainda mais desorganizado, e perante o qual o agregado familiar, ainda que sempre apoiante, se tem revelado impotente;
12. JM reside com o seu núcleo familiar de referência, ora constituído apenas pelos progenitores, mantendo-se ausente do agregado com regularidade, durante alguns dias por semana, permanecendo então na zona da grande Lisboa, onde alegadamente manterá consumos regulares de estupefacientes em paradeiro desconhecido dos familiares;
13. A toma da medicação para a problemática de saúde mental é assegurada, sempre que possível pelos familiares próximos;
14. O arguido manteve até muito recente acompanhamento específico para esta questão no “Espaço Terapêutico Com unitário de Vila Franca de Xira”, entidade integrante do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Contudo, este espaço encerrou muito recentemente, passando agora o acompanhamento médico em causa a ser assegurado pelo “Hospital Júlio de Matos”;
15. Já no que concerne ao quadro aditivo, JM iniciou muito recentemente acompanhamento para esta questão no Núcleo de Atendimento de Toxicodependentes da Castanheira do Ribatejo, onde contudo apenas compareceu duas vezes, deixando posteriormente de ali comparecer;
16. A subsistência do arguido recai exclusivamente sobre o agregado próximo. Paralelamente JM  recorre à mendicidade, pelo menos na zona urbana de Vila Franca de xira, como modo de obter alguns recursos financeiros para satisfazer a sua dependência aditiva;
17. O arguido JM tem os seguintes antecedentes criminais registados:
18. Condenação pela prática em 29.06.2004 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de injúria agravada, por decisão proferida em 07.07.2004, transitada em julgado em 21.09.2004, no âmbito do processo n.º 291/04.8GTTVD, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €4 e 3 meses e 15 dias de prisão, suspensa por 2 anos e 6 meses e na proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 9 meses;
19. Condenação pela prática em 06.01.2006 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão proferida em 19.01.2006, transitada em julgado em 03.02.2006, no âmbito do processo n.º 26/06.0PAPTM, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por 2 anos e na proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 2 anos;
20. Condenação pela prática em 12.05.2006 de um crime de ofensa à integridade física, por decisão proferida em 12.05.2006, transitada em julgado em 12.05.2006, no âmbito do processo n.º 391/05.7GCPTM, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €3;
21. HR é natural de Lisboa, é o elemento do meio de uma fratria de 3 elementos germanos. O seu processo de sociabilização decorreu num ambiente de grande fragilidade e instabilidade, inserido numa família com acentuadas carências de ordem socioeconómica. Aos 4 anos de idade, altura em que os pais se separaram, o arguido ficou a residir com a progenitora, o padrasto e dois irmãos. Descreve uma dinâmica familiar pouco funcional, com dificuldade por parte das figuras parentais em exercerem adequadamente os seus papéis, não tendo o arguido estabelecido com o padrasto uma relação gratificante;
22. Desde muito cedo que HR se associou a grupos de pares conotados com condutas desviantes, revelando comportamentos instáveis, saindo de casa por diversas vezes, ficando a pernoitar na rua ou, por vezes, integrando o agregado familiar de uma tia paterna. Aos 16 anos de idade, após o falecimento da progenitora, o arguido abandonou o agregado familiar, passando a viver na rua na condição de sem abrigo. HR refere que manteve contactos esporádicos com o progenitor e outros familiares para satisfação de necessidades pontuais, mantendo-se isolado ao nível sociofamiliar;
23. No que diz respeito ao percurso académico, o arguido iniciou a frequência escolar com 6 anos de idade, contudo, a ausência de um suporte familiar adequado e a diminuta motivação e interesse no percurso formativo, determinaram o abandono escolar após sucessivas reprovações aos 14 anos de idade, tendo o arguido concluído o 4.º ano de escolaridade do Ensino Básico. HR refere que, quando esteve internado num centro educativo, frequentou um curso profissional na área da Serralharia.
24. Do ponto de vista laboral, o arguido refere que no final de 2016, após o cumprimento de pena, exerceu alguns trabalhos pontuais de caráter precário que não lhe proporcionaram condições de segurança e de estabilidade;
25. Em termos de saúde, HR refere um percurso de consumo regular de heroína e cocaína com início aos 16 anos de idade que, segundo o próprio, rapidamente evoluiu para um quadro de dependência aditiva. Assume uma atitude de desvalorização face ao seu comportamento aditivo, considerando o mesmo controlado, negando necessidade de acompanhamento terapêutico especializado na área dos comportamentos aditivos;
26. Do ponto de vista afetivo, não refere relacionamentos significativos.
27. HR encontrava-se a cumprir a liberdade condicional desde 12/08/2016, medida cujo término ocorreu em 07/11/2017. De acordo com informação constante no dossier da DGRSP foram registados incumprimentos ao longo da medida relacionados com uma postura de alheamento face às exigências estipuladas deixando o arguido de estar contactável e de comparecer às entrevistas agendadas;
28. Desde a anterior libertação que HR integrou o agregado familiar de uma prima paterna, constituído pela própria, pelos filhos desta de 14 e 7 anos de idade e pela tia do arguido, residentes numa habitação situada num bairro clandestino no concelho da Amadora caracterizado pela existência de problemáticas sociais;
29. Numa perspetiva de fazer face às suas necessidades, o arguido realizava alguns trabalhos pontuais na área de mudanças e transporte de mobiliário. Por não se conseguir autonomizar, HR dependia do contributo económico do agregado familiar onde as despesas eram suprimidas com o valor proveniente do rendimento auferido da atividade laboral da tia enquanto cozinheira e, do vencimento da prima proveniente da sua atividade enquanto empregada de balcão;
30. Ao longo da presente reclusão, HR depende essencialmente do apoio do irmão, embora não tenha beneficiado da sua visita ou de qualquer outro familiar ou amigo;
31. O arguido HR tem os seguintes antecedentes criminais:
32. Condenação pela prática em 24.01.2007 de um crime de furto simples, por decisão proferida em 01.02.2007, transitada em julgado em 05.03.2007, no âmbito do processo n.º 131/07.6PBAMD, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €2;
33. Condenação pela prática em 16.01.2008 de um crime de furto qualificado, por decisão proferida em 09.03.2009, transitada em julgado em 17.02.2010, no âmbito do processo n.º 115/18.7PBAMD, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova, tendo a suspensão da pena sido revogada por decisão transitada em julgado em 20.09.2012;
34. Condenação pela prática em 2010 de 4 crimes de roubo; 1 crime de furto qualificado; 7 crimes de furto qualificado; 1 crime de furto simples, por decisão proferida em 12/01/2011, transitada em julgado em 14.02.2011, no âmbito do processo n.º 199/10.8PBAMD, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
35. Condenação pela prática em 30.03.2010, de um crime de dano, por decisão proferida em 27/10/2011, transitada em julgado em 03.01.2012, no âmbito do Proc. N.º 344/10.3PDAMD na pena de 8 meses de prisão;
36. Condenação pela prática em 25.05.2010, de um crime de furto qualificado, por decisão proferida em 15.12.2011, transitada em julgado em 17.01.2012, no âmbito do Proc. N.º 204/10.8PGAMD, na pena de 2 anos de prisão;
37. Condenação pela prática em 24.04.2010, de um crime de furto qualificado, por decisão proferida em 23.02.2012, transitada em julgado em 19.03.2012, no âmbito do Proc. N.º 646/10.9PBAMD, na pena de 1 ano de prisão;
38. Condenação em cúmulo jurídico de penas abrangentes das penas fixadas nos processos 204/10.8PGAMD, 646/10.9PBAMD; 199/10.8PBAMD e 344/10.3PDAMD, no âmbito do Proc. N.º 1941/12.0T2SNT por decisão proferida em 09.12.2012, transitada em julgado em 22.10.2012, na pena única de 6 anos e 6 meses, tendo sido concedida liberdade condicional ao arguido a partir de 12.08.2016;
39. Condenação pela prática em 27.02.2017, de um crime de furto simples, por decisão proferida em 09.03.2017, transitada em julgado em 03.04.2018, no âmbito do Proc. N.º 273/17.0PASNT na pena de seis meses de prisão;
40. Condenação pela prática em 02.10.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, por decisão proferida em 09.11.2018, transitada em julgado em 10.12.2018, no âmbito do Proc. N.º 1020/17.1PDAMD na pena de dez meses de prisão;
41. Condenação pela prática em 24.10.2017 e em 13.10.2017, de dois crimes de furto simples, por decisão proferida em 13.07.2018, transitada em julgado em 28.09.2018, no âmbito do Proc. N.º 1061/17.9PDAMD na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;
Matéria de facto não provada
1. Que o valor da reparação do veículo de matrícula 79…seja superior àquele que consta do ponto 5 dos factos provados;
2. Que os veículos de matrícula 79... e 90...tenham valor superior a 6.000€ (seis mil euros);
3. Não resultaram provados, nem não provados, quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação quanto à matéria de facto
A convicção do tribunal formou-se com base na análise conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas PO (agente da Polícia de Segurança Pública); FG e AM e dos seguintes documentos juntos aos autos:
- Auto de notícia fls. 2;
- Relatórios de inspeção judiciária de fls. 28 a 36, 39 a 47, 50 a 56;
- Exame e informação pericial de fls. 8 a 15; 80 a 88, 92 a 99;
- Declaração emitida pela Seguradoras Unidas, S.A. junta a fls. 242.
Em síntese:
PO, agente da Polícia de Segurança Pública, descreveu a forma como encontrou os veículos identificados nos autos, depois de ter sido chamado ao local onde estes se encontravam.
FG, proprietário de outras viaturas que se encontravam na garagem referida na acusação, visualizou o estado em que ficaram as viaturas, referindo que aquelas que estão identificadas nos presentes autos ficaram com a consola “completamente destruída”
Foi confrontado com as fotografias juntas aos autos a fls. 31 a 35 e 42 a 47 referindo ter verificado pessoalmente os danos visíveis nas referidas fotografias.
AM, proprietária do veículo Chevrolet identificado na acusação, explicou que este se encontrava no local indicado na acusação, referindo que o seu marido, PS, lhe explicou que o volante tinha sido arrancado.
Mais explicou em que 2013 comprou o veículo por €10.000 e que a reparação dos estragos descritos na acusação custou “dois mil e tal euros” €2.261,48.
Explicou ainda que a garagem onde o veículo estava era um espaço fechado, utilizado por seis condóminos e por um stand de automóveis que usa o piso -2.
Confrontada com os arguidos disse não os conhecer.
PS, marido da proprietária do veículo 79..., esclareceu o estado em que encontrou o veículo, referindo que o volante do mesmo estava caído.
Declarou não conhecer os arguidos e explicou que o carro estava pelo menos há uma semana estacionado na garagem não tendo sido intervencionado por ninguém.
Assim, no que concerne ao facto de, pela forma descrita na acusação, terem sido retiradas as consolas da ignição dos veículos 79... e 90… atendeu-se ao conjunto formado pelos depoimentos prestados pelas supra referidas testemunhas - todos prestados de forma objetiva, séria e aparentemente isenta - em conjunto com as fotografias juntas aos autos a fls. 31 a 35; 42 a 47 e 52 a 55.
No que respeita ao valor da reparação do veículo 79..., o tribunal atendeu ao depoimento prestado pela sua proprietária, AM, em conjunto com o documento junto aos autos a fls. 242 e do qual resulta que o valor da reparação foi de €2.261,48.
Não se demonstrou que o valor dos veículos identificados nos autos seja aquele que se fez constar da acusação, já que a proprietária do veículo 79... declarou não saber o valor do mesmo, referindo apenas que o comprou em 2013 pelo valor de €10.000 e quanto ao valor do veículo de matrícula 90...nenhuma prova foi produzida.
Já quanto à autoria dos factos, a convicção do Tribunal formou-se da seguinte forma:
Ora, sendo inquestionável a admissibilidade em processo penal de todas as provas que não sejam proibidas por lei (cfr. artigo 125.º do Código de Processe Penal), nestas incluem-se as presunções judiciais, que são as ilações que o julgador retira de factos conhecidos para firmar outros factos, desconhecidos (cfr. artigo 349.º do Código Civil).
Não sendo a presunção judicial um meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados.
Este é, de resto, um mecanismo recorrente na formação da convicção, de utilização necessária na prova de todos aqueles factos que pela sua própria natureza não são diretamente percecionáveis pelos sentidos do espetador, havendo que inferi-los a partir da exteriorização da conduta. E o que sucede, por exemplo, com a prova da intenção criminosa que, constituindo acontecimento da vida psicológica, não admite prova direta, podendo, no entanto, ser inferido a partir de outros factos que tenham sido diretamente provados.
Por recurso à presunção judicial, diluída naquilo que em processo penal se designa por “livre convicção”, podem esses factos ser comprovados através de outros factos susceptíveis de perceção direta e das máximas da experiência, extraindo-se como conclusão o facto presumido, que assim se pode ter como assente. Desde que as máximas da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postas em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas.
Necessário é que haja uma relação direta e segura, claramente percetível, sem necessidade de elaboradas conjeturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge (sendo inadmissíveis “saltos” lógicos ou premissas indemonstradas para o estabelecimento dessa relação).
Por outro lado, há de exigir-se que a presunção conduza a um facto real, que se desconhece, mas que assim se firma (por exemplo, a autoria - desconhecida - de um facto conhecido, sendo conhecidas também circunstâncias que permitem fazer funcionar a presunção, sem que concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam pôr em causa o resultado assim atingido).
Por fim, a presunção não poderá colidir com o princípio in dubio pro reo.
Na ausência de confissão, total ou parcial, a demonstração dos factos que consubstanciam a tipicidade do evento criminoso terá que decorrer de prova direta ou indireta (ou de ambas, como normalmente sucede).
No caso dos autos, em 25.08.2017, foram recolhidos nos veículos 79... e 90-10- RB (cfr. relatórios de inspeção judiciária de fls. 39 a 40 e 50 a 51 e relatórios de exame pericial de fls. 9 a 15; 21 a 23 e 81 a 87 e 93 a 98), vestígios lofoscópicos, entre os quais impressões digitais retiradas do vidro da porta da frente esquerda do veículo 79... e do vidro da porta traseira do lado esquerdo do veículo 90-10-RB.
Do relatório de exame pericial de fls. 09 a 15 resultou que os vestígios lofoscópicos recolhidos do veículo 79…correspondem à região hipotenar da palma da mão direita do arguido HR, correspondendo-lhe, tal como consta de fls. 12, treze pontos evidentes.
Ora, atendendo a que a partir de doze pontos característicos coincidentes, verifica-se, em termos técnicos, um grau de certeza absoluta quanto à identificação das impressões digitais, não restam quaisquer dúvidas que o vestígio lofoscópico recolhido no supra referido veículo pertence ao arguido HR.
Por outro lado, do exame pericial de fls. 93 a 98 resultou que existem vestígios lofoscópicos igualmente recolhidos do veículo 79... que correspondem à região hipotenar da palma da mão direita do arguido JM e, por fim, do exame pericial de fls. 81 a 87, conclui-se que os vestígios recolhidos na viatura 90... correspondem à palma da mão direita do arguido JM , correspondendo-lhe, tal como consta de fls. 84, treze pontos evidentes.
Dúvidas não restam, pois, que os vestígios recolhidos nos supras referidos veículos pertencem aos arguidos.
Os arguidos, optaram por não prestar declarações, não tendo fornecido qualquer explicação para o facto supra referido.
Sucede que inquirido o proprietário do estabelecimento EN, que era também quem trabalhava no estabelecimento, este referiu não reconhecer o arguido como cliente.
Através dos depoimentos prestados pelas testemunhas AM e NS, apurou-se que a viatura 79... já se encontrava parada dentro daquela garagem há cerca de uma semana, não tendo sofrido qualquer intervenção por terceiros. Apurou-se ainda que os proprietários da referida viatura não conhecem os arguidos, não tendo qualquer justificação para que as impressões digitais destes se encontrem no vidro do referido veículo.
As normas da experiência, como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira, “são definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além das quais têm validade”.
E a livre convicção, segundo o mesmo Professor “é o meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”, portanto, “uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores”.
Ora, segundo as regras da experiência, o facto de serem encontradas impressões digitais dos arguidos no vidro dos veículos que foram objeto da tentativa de furto, significa que os arguidos aí estiveram presentes e mexeram nos referidos veículos. E considerando que estes estavam guardados numa garagem utilizada por seis condóminos é seguro concluir-se que os arguidos aí se introduziram, de forma não autorizada, para subtrair os objetos de valor que se encontrassem no interior daquela garagem.
Da prova testemunhal produzida, nada mais se pode concluir quanto à autoria do furto, mas a prova pericial correspondente aos vestígios lofoscópicos, permitem concluir, com certeza, que foram os arguidos os autores dos furtos a que se referem os autos.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-9-2007, disponível em www.dgsi.pt, “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência”.
Assim, não tendo o tribunal sido confrontado com qualquer outra explicação válida para a existência de vestígios lofoscópicos dos arguidos no local onde estes foram encontrados, não nos restam quaisquer dúvidas em concluir, através de um juízo de certeza e não de mera probabilidade - que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.
As condições sociais do arguido apuraram-se com base nos relatórios sociais juntos aos autos.
Quando aos antecedentes criminais dos arguidos tiveram-se em conta os respetivos certificados do respetivo registo criminal.»

***

2. Apreciação do objecto dos recursos:
2.1. Perante as conclusões formuladas pelos recorrentes - as quais, conforme tem sido repetidamente afirmado, delimitam e fixam o objecto dos respectivos recursos -, pretendem os mesmos submeter à apreciação deste tribunal superior as seguintes questões:
- A decisão recorrida padece dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP;
- Os vestígios lofoscópicos recolhidos nas viaturas não permitem concluir que os arguidos cometeram os factos que lhes são imputados;
- Tais factos deviam ter sido declarados não provados, face à insuficiência da prova e com base no princípio in dúbio pro reo, conduzindo à absolvição dos arguidos;
- A pena de multa em que foi condenado o arguido JM deve ser reduzida ao mínimo legal.
***
2.2. Apreciemos:
2.2.1. Inexistem nulidades de sentença (art.º 379.º, n.º 1, do CPP), nem há outras nulidades do procedimento de que cumpra neste momento conhecer.
Apesar de invocados pelos recorrentes, a sentença também não padece dos vícios previstos no n.º 2, do art.º 410.º, do referido Código.
Sem nunca os identificar pelo respectivo nome, o arguido JM  refere que se verificam os vícios das alíneas a) e d) – crendo-se que pretende referir-se à alínea c), do aludido n.º 2 do art.º 410.º, porquanto, este não tem alínea d) -, sem que concretize de que segmentos da decisão eles decorrem, não fazendo sequer qualquer tentativa para demonstrar a sua existência. Apenas relativamente ao eventual erro notório na apreciação da prova - previsto na aludida alínea c), não mencionada pelo recorrente JM ) -, este parece sugerir que o mesmo decorreria da inobservância do princípio in dúbio pro reo, o qual imporia que fossem declarados não provados os factos que a sentença deu como provados (cfr. conclusão 9.ª), enquanto o da alínea a) decorreria do facto de não dispor de meios que lhe permitam proceder ao pagamento da multa em que foi condenado, recaindo a sua subsistência «sobre o agregado próximo, é toxicodependente e sofre de esquizofrenia». O HR limita-se a referir que os vícios previstos na aludida norma têm de resultar do texto «da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum».
Ora, esta afirmação, que é correcta e decorre claramente da norma em causa, implica que, para demonstrar a existência de qualquer vício da sentença, o recorrente não pode socorrer-se de elementos estranhos à decisão, ainda que constantes do processo, nomeadamente ao teor das provas gravadas, ainda que tenham sido transcritas para os autos (Vd. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, pág. 367; Ac. do STJ de 4/12/2003, Proc. 3188/03, in “Verbojuridico.com/Jurisprudência /STJ”).
No que concerne ao vício da alínea a) – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -, para que o mesmo se verifique «… é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito». «É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada» - autor e obra citada, p. 339 in fine e 340. Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contêm, nomeadamente, os elementos necessários à graduação da pena, ou à decisão sobre a verificação ou não de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.
Assim, tal vício só existe quando o tribunal se vê perante a impossibilidade de decidir, porque a matéria de facto provada é tão escassa que o não permite, situação que nada tem a ver com a insuficiência da prova produzida – a qual poderá justificar a impugnação dos factos provados -, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito, caso em que poderá haver erro, mas que respeita à qualificação jurídica daqueles mesmos factos.
No presente caso, os factos declarados provados mostram-se, porém, suficientes para que uma decisão seja proferida, não sendo apontados pelos recorrentes quaisquer outros, diferentes dos alegados e daqueles que foram apreciados pelo tribunal, que possam ser reputados como essenciais à decisão da causa e que tenham sido esquecidos pelo tribunal na investigação que realizou, com vista à descoberta da verdade material.
Quanto ao vício da alínea b) do mesmo normativo - contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão -, ele só existe quando há uma oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre aqueles e a fundamentação respectiva em termos probatórios. Ocorre, ainda, quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica devidamente esclarecida, ocorrendo contradição entre os fundamentos invocados.
Nada disso acontece, nem tal é alegado.
Por fim, no que concerne ao vício da alínea c) - erro notório na apreciação da prova -, como já dissemos, a lei não legitima o recurso ao conteúdo das provas, para aferir da sua verificação ou não.
Tem sido recorrentemente afirmado pela jurisprudência que tal vício se verifica «quando se retira de um facto dado como provado uma consequência logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida» - Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, 2.ª edição, vol. II, pág. 740.
Para ser notório, tem o mesmo vício de consubstanciar uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, denunciadora de uma violação manifesta das regras probatórias ou das legis artis, ou ainda das regras da experiência comum, ou de que aquela análise se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Porém, a desconformidade da matéria de facto provada relativamente à prova produzida, podendo conduzir à verificação de um eventual erro na apreciação dessa mesma prova, susceptível de fundar a impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, implicando o reexame das provas que eventualmente tenham sido mal valoradas, nunca consubstanciará o vício de erro notório na apreciação dessas provas, antes se tratando de erro encoberto, porque não é visível perante uma simples leitura da sentença.
Consequentemente, a conclusão é necessariamente no sentido de que a sentença não padece dos alegados vícios, nem de qualquer nulidade, ao abrigo do artigo 379.º, n.º 1, do CPP.

2.2.2. Passando à impugnação da matéria de facto, os recorrentes alegam a inexistência de provas que sustentem a imputação que lhes é feita, ou seja, de que tentaram furtar os dois automóveis referidos na factualidade provada.
Argumentam que, perante a inexistência de prova directa testemunhal de que tenham entrado na respectiva garagem, a existência de impressões digitais suas, no exterior dos veículos em causa, não se mostra suficiente para que o tribunal conclua que os arguidos foram os autores do furto tentado, pelo que, houve erro na valoração de tal meio de prova, impondo-se a absolvição, face ao princípio in dubio pro reo, o qual devia ter sido aplicado.
Sobre esta matéria, assim como sobre as restantes, o MP teve oportunidade de emitir douto parecer, defendendo que «o tribunal fez bom uso das presunções de que poderia ter lançado mão – da prova indirecta ou indiciária …» e que não houve violação do in dúbio pro reo.
Também nesta questão, entendemos que os arguidos não têm razão.
Segundo dispõe o art.º 127.º, do CPP, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Por um lado, a apreciação que o tribunal de primeira instância fez da prova não infringiu as regras da experiência, pois, nenhum dos factos provados, de per si ou no conjunto da matéria de facto que foi fixada pelo tribunal a quo, viola essas regras.
Como tem sido recorrentemente salientado, a garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude aquele normativo processual penal, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.
Sendo certo que convicção livre não é, nem pode equivaler, a livre arbítrio na formação dessa convicção, antes terá de ser o reflexo de uma apreciação objectiva das provas produzidas, permitindo um controle por parte dos interessados e do tribunal de recurso, é manifesto que o presente caso não revela qualquer arbítrio ou discricionariedade na análise da prova, tendo sido respeitados os princípios atinentes.
Por outro lado, manda o princípio in dubio pro reo que, em sede de decisão da matéria de facto, em caso de dúvida se decida a favor do arguido.
Como explica, mais uma vez, o Prof. Germano Marques da Silva (obra citada, vol. I, pág. 84): «A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de um ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia admissão da sua responsabilidade, ou seja, o princípio contrário ao da presunção de inocência».
Se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, tiver conduzido «à subsistência no espírito do Tribunal de uma dúvida positiva e invencível», outra alternativa não é deixada ao julgador senão aplicar o aludido princípio. O in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
No caso em apreciação, não resulta da fundamentação da decisão de facto que o julgador tenha ficado com quaisquer dúvidas quanto à verificação dos factos que declarou provados e da sua autoria pelos arguidos, de molde a justificar a aplicação do aludido princípio, antes tendo a decisão sido proferida no pleno convencimento de que aqueles factos ocorreram da forma como são descritos na sentença, onde se descreve de forma pormenorizada o processo lógico e racional que foi seguido pelo tribunal, no respectivo raciocínio, para chegar à conclusão a que chegou, com base nas provas produzidas em audiência de julgamento e socorrendo-se de presunções que tiveram como ponto de partida a existência das aludidas impressões digitais dos arguidos nos veículos acima identificados, imputando-lhes a autoria dos respectivos factos.
Na verdade, em processo penal, nada obsta a que o julgador se socorra de presunções para formar a sua convicção, na medida em que, sendo admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º, do CPP), aquelas não estão abrangidas por qualquer proibição legal.
Os danos verificados nas viaturas 79... e 90...quando estas estavam estacionadas em parqueamento interior de um edifício de acesso restrito, nas quais os assaltantes entraram e desmontaram a consola da ignição, após arrombamento da porta (no caso da primeira), com vista à sua subtracção e posterior apropriação contra a vontade dos donos, são factos que foram confirmados por várias testemunhas e que os arguidos não chegam a impugnar verdadeiramente, porquanto, a negação da autoria desses mesmos factos tem como pressuposto que os recorrentes não estiveram no local e que desconhecem quem os tenha praticado.
Estes têm alguma razão quando afirmam que a sua comparticipação no crime foi estabelecida com base na existência das suas impressões digitais no exterior dos aludidos veículos e com o recurso a presunções.
Todavia, desde que do conjunto dos factos - essenciais e instrumentais - que foram apurados pelo tribunal, através das provas directas que foram produzidas, se possam retirar ilações, coerentes, que demonstrem ou tornem fortemente admissíveis outros factos, ainda que destes não haja prova directa, de acordo com as habituais regras da experiência e segundo juízos correntes de probabilidade, de lógica, e intuição humanas, estar-se-á ainda dentro da regra da “livre convicção”, tal como decorre do já citado art.º 127.º, do CPP.
Após demonstrar a legalidade do recurso às presunções como meio de prova, afirma-se no acórdão da Relação de Coimbra de 09/05/2012, proferido no processo n.º 347/10.8PATNC.C1, o seguinte:
«Diga-se até que a associação entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho – cfr. Mittermaier Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
A utilização de presunções exige todavia, da parte do tribunal, um particular esforço de fundamentação. Desde logo porque estas apresentam uma estrutura mais complexa que os restantes meios de prova.
Com efeito, não só há-de resultar provado o ou os factos básicos mas há-de determinar-se, ainda, a existência ou conexão racional entre esses factos e o facto consequência. Além de se permitir, em concreto, a análise de toda a prova produzida em sentido contrário com vista a desvirtuar quer os indícios quer a conexão racional entre esses indícios e o facto consequência.
Daí que, para a valoração de tal meio de prova (também chamada circunstancial ou indiciária), devam exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência. Neste sentido, cfr. Francisco Alcoy, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003 ob. cit., p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência sobre o tema. No mesmo sentido, desenvolvidamente, cfr. Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 626 e segs., em especial p. 633.
No mesmo sentido o Tribunal Constitucional de Espanha (citado por Climent Climent, ob. cit. p. 580) “considerou admissível a prova indiciária, equivalente da prova circunstancial no âmbito penal, sempre que com base num facto plenamente acreditado e demonstrado, também possa inferir-se a existência de um outro, por haver entre ambos um enlace preciso e directo segundo as regras do critério humano mediante um processo mental racional. Em definitivo trata-se de uma operação lógica, consistente num raciocínio indutivo cujo discurso há-de reflectir-se na sentença”. …
Assim, radicando a presunção concreta no sentido explanado, assente em meios de prova objectivos, concretos, devidamente analisados e explicitados na motivação da sentença, com efectivo exercício do contraditório, nada impede a sua utilização em processo penal.”

O tribunal recorrido fez a demonstração como, a partir dos dados conhecidos, chegou à conclusão de que foram os arguidos os autores dos factos imputados na acusação pública e que resultaram provados em audiência, destacando-se da aludida explicação o texto da fundamentação da decisão de facto, que consta supra - essencialmente, desde o penúltimo parágrafo da página 15 deste acórdão, onde se refere “No caso dos autos …” e até ao parágrafo da página 17, em que o tribunal concluiu não restarem quaisquer dúvidas em como os arguidos praticaram os factos que lhes são imputados -, texto para o qual remetemos, dispensando-se aqui a sua repetição.
Perante as premissas formuladas, a conclusão é justificada, está suficientemente fundamentada, cabendo aos recorrentes demonstrar, no respectivo recurso, que se impunha uma decisão em sentido contrário.
Objectivo que ficou longe de ser atingido.
A alegação da inexistência de provas directas relativas à participação dos arguidos nos factos relatados, ou o aflorar de meras hipóteses alternativas sem qualquer apoio na prova e que, por isso, não passam de conjecturas, que permitiriam a colocação das impressões digitais dos arguidos nos aludidos veículos, em diferentes circunstâncias das relatadas na factualidade apurada, não tem a virtualidade de abalar a convicção do tribunal. O eventual acesso de outros condóminos do prédio à garagem em que estavam os veículos, ou mesmo de clientes ou funcionários da Soauto, não explica nem justifica as impressões digitais dos arguidos nas viaturas, nem como aquelas impressões ali foram parar, sendo certo que os arguidos também não alegam qualquer situação concreta da qual possa ter decorrido a possibilidade de terem aposto as aludidas impressões digitais, fora da garagem em causa e em diferentes circunstâncias.
Ou seja, não demonstram que o tribunal recorrido incorreu em erro na valoração das provas, ou que tenha havido violação de quaisquer princípios aplicáveis neste domínio - tais como, o da livre apreciação da prova, o da presunção de inocência e do in dúbio pro reo, - ou das normas que os enformam, nomeadamente, dos artigos 127.º do CPP e 32.º, n.º 2, da CRP.
Improcede, por isso, a impugnação dos factos provados, ficando estes definitivamente fixados e a eles devendo ser aplicado o Direito.

2.2.3. Perante tais factos, mostra-se correcta a subsunção jurídica dos mesmos, efectuada pelo tribunal recorrido, tendo os arguidos cometido o crime de furto, na forma tentada, pelo qual foram condenados.
Todavia, tal como alerta o MP no seu douto parecer, verifica-se que existe lapso no dispositivo da sentença, onde se omite que o crime é na forma tentada, tal como decorre da respectiva fundamentação da sentença, quer na parte em que se discute a qualificação jurídica da conduta, quer na respeitante à determinação da medida da pena, omissão que se deve a evidente lapso, cuja reparação não importa modificação essencial da decisão, mantendo-se esta precisamente igual, apenas com o aditamento de que o crime em causa é tentado, rectificação que se determina ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1 al. b) e 2, do CPP.   

2.2.4. Quanto à medida da pena:
Tendo em conta que se trata de crime tentado, a respectiva pena é especialmente atenuada, por referência à pena aplicável ao crime consumado, reduzindo-se a respectiva moldura para prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, como referido na sentença.
A opção pela pena privativa da liberdade quanto ao arguido HR e pela multa quanto ao JM, não foi impugnada, nem nos merece qualquer censura.
Aquela foi graduada em um ano e dois meses de prisão, efectiva, enquanto a multa foi fixada em 180 dias, a €5,00 por dia, perfazendo €900,00.
O arguido Hugo menciona os artigos 206.º, n.º 2 e 73.º, ambos do CP, como tendo sido violados pelo tribunal a quo. Trata-se de normas que dizem respeito à atenuação especial da pena, a qual foi efectivamente atenuada, mas com base no disposto no art.º 23.º, n.º 2, em conjugação com aquele artigo 73.º, do referido Código, ou seja, por estarmos perante uma tentativa, não tendo, porém, aplicação, no presente caso, o mencionado artigo 206.º, n.º 2, desde logo porque não preenchida a respectiva previsão no diz respeito à reparação integral dos prejuízos causados, a qual não teve lugar. Razão por que, não podia a referida norma ter sido violada. Quanto à medida concreta da respectiva pena de prisão, aquele arguido nada alegou, assim como, não impugnou a sua efectividade.
Em contrapartida, o arguido JM , com base na matéria constante dos factos provados sob os números 10 a 14 e invocando que houve violação do artigo 71.º, do CP, pede a redução dos dias de multa para o mínimo legal, argumentando que está desempregado, recaindo a sua subsistência sobre os elementos mais próximo do agregado familiar, que é toxicodependente e sofre de esquizofrenia, não tendo quaisquer possibilidades de cumprir a sentença.
Na pena de multa, a situação económica e financeira do arguido tem especial relevância na determinação do respectivo montante diário, o qual foi fixado, no presente caso, no mínimo legal de €5,00 (cinco euros), o que impossibilita qualquer redução desse montante, não assumindo aquela mesma situação, praticamente, qualquer relevo na determinação do número de dias de multa. Estes são determinados primordialmente em função dos demais critérios que decorrem do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do CP, tais como, o grau de ilicitude dos factos, modo de execução, suas consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos determinantes da conduta, condições pessoais do arguido, conduta anterior e posterior aos factos e eventuais atenuantes ou agravantes que se verificarem em cada caso concreto.
Apesar do condicionalismo vertido nos factos 10 a 14 - que foi ponderado na decisão recorrida -, perante uma ilicitude superior à média, o desvalor do resultado em função dos danos causados, as elevadas exigências de prevenção, a inexistência de qualquer circunstância atenuante, havendo, em contrapartida, um passado criminal com quatro condenações registadas, a aplicação de 180 dias de multa, dentro da aludida moldura, não pode considerar-se exagerada e desproporcionada, não havendo, do nosso ponto de vista, razão alguma que justifique a sua redução, sendo mesmo utópica a pretensão de lhe ser aplicado o mínimo legal, de 10 dias. 
Consequentemente, não havendo outras questões para decidir, porque não invocadas, os recursos são improcedentes.
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III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julgam-se improcedentes os recursos dos arguidos JM e HR, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo da rectificação a introduzir no seu dispositivo, no sentido de que o crime de furto é na forma tentada, ao abrigo do artigo 380.º, n.º 1 al. b) e 2, do CPP.
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Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC para cada um.
Notifique.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020
(Elaborado em computador e revisto pelo relator)
José Adriano
Vieira Lamim