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TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
TRIBUNAL CENTRAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Sumário
- A competência do tribunal para proceder à instrução tem que ser aferida em face da acusação ou do RAI, porque são os factos nestes indicados, conforme os casos, que fixam o objecto do processo. - Sendo vários os arguidos que se encontram acusados por crime que é abrangido pelo catálogo da competência do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), mais concretamente pelo crime da alínea d) do nº 1 do art.º 120º da Lei nº 62/2013, de 26.8 – crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, de 21.1 e, considerando a natureza, qualidade, quantidade dos estupefacientes, as quantidades de dinheiro, balanças de precisão, escrito de dívidas, apreendidos aos arguidos, temos por acertado, como o entendeu o tribunal recorrido, que a actividade pelos arguidos levada a cabo e o seu circunstancialismo envolvente não podem ser subsumíveis à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor. - Também a situação de dispersão geográfica da prática dos crimes por que se mostram os arguidos acusados, prevista no nº 1 do citado art.º 120º da Lei 62/2013, de 26.08, ( que se terão consumado em mais de uma comarca que pertence a distintos Tribunais da Relação, pois da acusação constam factos criminosos praticados em Loures – Comarca de Lisboa Norte e, consequentemente, ao Tribunal da Relação de Lisboa) e crimes que terão sido praticados na área da Comarca de Faro e, consequentemente, ao Tribunal da Relação de Évora, leva à conclusão de que, face ao disposto nos artigos 119º, nºs. 1 e 2 e 120º, nºs. 1, al. d), 2 e 5, ambos Lei de Organização do Sistema Judiciário, é o Tribunal Central de Instrução Criminal o competente para presidir à fase de Instrução dos autos em apreço.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1. Nos Autos de Instrução nº 12/17.5JBLSB, em que é arguido, entre outros, VP, por despacho de 9 de Outubro de 2019, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Instrução Criminal de Loures, Juiz 2, foi decidido que:
“Por despacho proferido a 4 de Outubro de 2019, constante de fls. 24095 a 24099 destes autos, a Mmº Juiz 3 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa declarou-se, territorialmente incompetente, para proceder à instrução dos mesmos sob o entendimento que a respectiva competência cabe aos Juízos de Instrução Criminal de Loures. Para tanto, refere a Mmº Juiz, em síntese, que o Ministério Público deduziu acusação contra diversos arguidos imputando-lhes, nomeadamente, a prática de quatro crimes de homicídio qualificado na forma tentada previstos e punidos pelos artigos 131º e 132º nº 1 e nº 2 als. e), h) e j) todos o Código Penal agravado pelo uso da arma nos termos do disposto nos artigos Iº nº 1, 2º nº 1 als. m), an), ap), 3º nºs 1 e 2 als. d), e) e f) e 86º nº 1 al. d), 3 e 4 todos da Lei nº5/2006 de 23 de Fevereiro na redacção dada pelas Leis nºs 17/2009 de 6 de Maio, 12/2011 de 27 de Abril e 50/2013 de 24 de Junho. Mais refere que de entre os crimes de que os arguidos se encontram acusados os referidos crimes de homicídio qualificado na fornia tentada são aqueles a que cabe pena mais grave atenta a medida abstracta da pena que lhes é aplicável pois são puníveis cada um com pena de prisão até 16 anos e 8 meses (supondo que a agravação da Lei nº 5/2006 não é cumulativa com a agravação prevista no artigo 132º nº 2 h) do Código Penal sendo ainda mais grave a pena caso se admita tal cumulação). E, ainda, que estabelece o disposto no art.º 19º nº 1 do Código de Processo Penal que a competência para conhecer de um crime é o tribunal da sua consumação ou caso estejamos perante um crime meramente tentado o tribunal onde se verificou o último acto de execução que no caso corresponde às tentativas de agressão dirigidas aos ofendidos MM e CS destinadas a provocar a sua morte (facto 54.2). E, também, que os actos e execução relativos aos mencionados crimes de homicídio qualificado na forma tentada e em concreto o último acima referido ocorreram em Loures (Prior Velho) área da Comarca de Lisboa Norte. No referido despacho aduz a Mmº 1 Juiz que por seu turno dispõe o artigo 28º al. a) do Código de Processo Penal que em caso de conexão de processos de eventual competência de tribunais com jurisdição em diferentes áreas é competente para conhecer de todos o tribunal competente para conhecer o crime a que couber pena mais grave concluindo pela atribuição de competência territorial para a instrução ao Juízo de Instrução Criminal de Loures. Lida a acusação deduzida nos autos verifica-se que o Ministério Público deduziu acusação contra diversos arguidos imputando-lhes a prática de diversos crimes, incluindo os indicados pela Mma Juiz 3 do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa. Acontece, porém, que na miríade de ilícitos imputados na referida acusação se encontram os arguidos: DM (factos 60.1 a 60.11) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do D.L nº15/93 de 22 de Janeiro com referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao referido diploma legal. DV (factos 72.1 a 72.8) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do D.L nº15/93 de 22 de Janeiro com referência às Tabelas I-C e II- A anexas ao referido diploma legal. JM (factos 74.1 a 74.6) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do D.L nº15/93 de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-B anexa ao referido diploma legal. AP (factos 108.1 a 108.9) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº1 do D.L nº15/93 de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-B anexa ao referido diploma legal. NG (factos 116.1 a 116.6) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do D.L nº15/93 de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma legal. TR (factos 151.1. a 151.4, 151.5 al. c) e 151.7) acusado, além do mais, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do D.L nº 15/93 de 22 de Janeiro com referência à Tabela I-B anexa ao referido diploma legal. De acordo com a narrativa factual constante da acusação tais ilícitos foram, indiciariamente, perpetrados em circunstâncias que revelam clara dispersão territorial e, ao que nos interessa, em diferentes localidades situadas em comarcas pertencentes às áreas de competência territorial de dois Tribunais da Relação, mormente, Tribunal de Relação de Lisboa e Tribunal de Relação de Évora. Ora, ensina o artigo 120º nº l al. d) da Lei nº62/2013 de 26 de Agosto, o qual se encontra inserido sistematicamente na Secção correspondente à definição de competência dos Tribunais de Competência Territorial Alargada e que tem como epígrafe Casos Especiais de Competência que a competência dos Juízos de Instrução Criminal quando a actividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes Tribunais da Relação cabe a um Tribunal Central de Instrução Criminal no caso de crime de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição directa ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico. No caso vertente e tendo por base a descrição factual constante da acusação verifica- se, que para além do já afirmado, aos arguidos supracitados é, ainda, imputada a prática de crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 299º nº 1 e também nº2 do Código Penal porquanto pertencem à organização H. a qual se insere num contexto criminal muito específico e cujos respectivos membros surgem também associados à prática organizada de crimes, nomeadamente, de tráfico de estupefacientes... obtendo proventos económicos da prática de tais ilícitos que servem como fonte de rendimento desta organização (vide factos 1 e 2 da acusação cfr. folhas 18497). Acresce que ressalta de tal factualidade bem como da descrita relativamente aos crimes de tráfico de estupefacientes a que nos referimos que não estão em causa situações subsumíveis a uma mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor (vide, v,g. factos 60.1 a 60.11, factos 72.1 a 72.8, factos 74.1 a 74.6, factos 108.1 a 108.9, factos 116.1 a 116.6, factos 151.1. a 151.4,151.5 al c) e 151. 7). À luz do exposto, conclui-se que a situação em apreço exige legalmente a intervenção em sede de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal porquanto configura um caso especial de competência nos termos delimitados pela mencionada norma, aliás, em plena consentaneidade com a natureza da criminalidade em causa, vulgo, criminalidade altamente organizada (alínea m) do artigo Iº do Código de Processo Penal). E, consequentemente, que este Juízo de Instrução Criminal carece de competência em razão da matéria para presidir à instrução dos presentes autos, o que se declara em conformidade com o disposto no artigo 32º nº 1 do Código de Processo Penal, determinando a imediata, (atenta além do mais a sua natureza urgente) remessa dos autos ao Tribunal materialmente competente, ou seja o Tribunal Central de Instrução Criminal. Notifique.”
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2. Inconformado com tal decisão, o mencionado arguido, VP, interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. O douto despacho recorrido declarou-se incompetente em razão da matéria para presidir à instrução dos presentes autos. 2. Em primeiro lugar porque entende que o crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º do Código Penal, se enquadra no catálogo de crimes previsto no n.º 1 do artigo 120º da Lei 62/2013. 3. Em segundo porque nos crimes de tráfico de estupefacientes a que a acusação faz referência não estão em causa situações subsumíveis a uma mera distribuição direta de estupefaciente ao consumidor. 4. Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, entende o recorrente que a acusação imputa expressamente aos arguidos a compra e venda de cocaína e haxixe para posterior revenda a consumidores de tais substâncias. 5. Não lhes é imputada uma única venda de produto estupefaciente a um único revendedor de produto estupefaciente. 6. Para além disso, a quantidade de produto estupefaciente apreendida aos arguidos é compatível com vendas diretas de produto estupefaciente a consumidores. 7. E, por isso, estão em causa situações cabíveis na exceção consagrada no artigo 120.º, nº 1, alínea d) da Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, que afasta o Tribunal Central de Instrução Criminal da competência dos juízos de instrução criminal nesta matéria. 8. Quanto ao crime de associação criminosa, entende o recorrente que o crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º do Código Penal (crime pelo qual os arguidos vêm acusados), não se enquadra no catálogo previsto no artigo 120.º, nº 1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto. 9. O n.º 1 do supracitado artigo 120.º, na sua alínea d), refere- se ao crime de associação criminosa para o tráfico, o qual é expressamente p. e p. pelo artigo 28.º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro. 10. Relativamente a este crime, nenhum dos arguidos vem acusado. 11. Pelo que, falecem os argumentos aduzidos pela decisão recorrida. 12. Nos termos das disposições conjugadas nos artigos 116º e 120º n.º 1 da Lei 62/2013 de 26/08 e artigo 17º,19º, n.º 1, 2 e 4, 28º, al. a) e 32º, n.º 1 e 2, al. a) do CPP, o Juízo de Instrução Criminal de Loures é o competente para tramitar a fase de instrução. NORMAS VIOLADAS: • Artigo 120.º da Lei 62/2013 de 26.8; • Artigos 17, 19º, n.ºs 1, 2 e 4, 28º, al. a) e 32º, n.º 1 e 2, al. a) do CPP.”
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3. Admitido o recurso com subida imediata, em separado, com efeito meramente devolutivo, respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª - Vem o presente recurso interposto pelo arguido Vítor Gonçalo Santos Ramos Pereira do douto despacho de fls. 24265 a 24269, proferido no dia 9 de Outubro de 2019, no qual se declarou incompetente o Tribunal de Instrução Criminal de Loures para presidir à fase de instrução e ordenou a remessa dos Autos ao Tribunal Central de Instrução Criminal, por ser o competente para esse efeito; 2ª.1 - O Tribunal Central de Instrução Criminal declarou-se territorialmente competente para proceder à Instrução dos presentes Autos (cfr. fls. 24340 a 24344), não tendo este douto despacho sido objecto de recurso; 2ª.2 - Não o tendo sido, o recurso ora interposto é inútil, na medida em que, o que o arguido/recorrente está a invocar não é a incompetência “material”, mas sim a incompetência meramente funcional, já que ambos os tribunais, o Tribunal de Instrução Criminal e o Tribunal Central de Instrução Criminal, se inserem na jurisdição criminal, divergindo apenas quanto ao âmbito territorial/funcional; 2ª.3 -- Esta razão é irrelevante, já que a intervenção de juiz diferente do competente segundo as regras da repartição funcional de competências não envolveu nenhuma diminuição de garantias para o arguido, ora recorrente; Mesmo que assim se não entenda, 3ª.1 -- Foi dada notícia que os suspeitos JR, AR, CS e LF se dedicariam à detenção de armas e munições proibida, com vista à sua posterior venda e, bem assim, que 0 fariam de forma organizada, estruturada e, bem assim, que os supra identificados suspeitos se dedicariam à compra de estupefacientes e que, com o dinheiro recebido no âmbito do exercício dessas duas actividades, gastariam tais quantias pecuniárias na aquisição de bens, com vista a esconder a origem dessas daquelas; 3ª.2 -- A factualidade noticiada seria susceptível de integrar a prática, pelos supra identificados suspeitos, dos crimes de detenção de arma proibida, de tráfico e mediação de armas, p. e p. pelos artigos 86º, nº 1, 87º, nº 2, al. b), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299º, do Código Penal, de tráfico de estupefacientes agravado, de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1, 24º ais. b), c) e d) e 28º todos do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro e de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368º-A, do Código Penal. 4ª. 1 - Na sequência das diligências levadas a cabo, logrou o Ministério Público recolher indícios suficientes da prática da factualidade e ilícitos criminais imputados aos arguidos na Acusação, nos locais identificados em VI.2 da presente Resposta ao recurso e, de entre eles, a prática do crime de tráfico de estupefacientes: - (cfr. fls. 18426 a 18966); 4ª.2 - Tendo-se em conta a natureza, qualidade, quantidade dos estupefacientes, as quantidades de dinheiro, balanças de precisão, escrito de dívidas apreendidos aos arguidos, nada há nos Autos que a actividade pelos mesmos levada a cabo e o seu circunstancialismo envolvente sejam subsumíveis à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor. 5ª -- Tendo-se em conta o disposto nos artigos 119º, nºs. 1 e 2, 120º, nºs. 1, al. d), 2 e 5, ambos Lei de Organização do Sistema Judiciário e 17º, do Código de Processo Penal, é o Tribunal Central de Instrução Criminal o competente para presidir à fase de Instrução. E, ainda, sem prejuízo de se entender de modo diverso, 6ª.1 -- O momento da prática dos actos processuais obedece à disciplina consagrada no artigo 103º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal, que dispõe que "se Exceptuam do disposto no número anterior os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas; 6ª.2 - Tendo os presentes Autos natureza urgente, sempre caberia ao Tribunal Central de Instrução Criminal a competência para proceder a todos os actos processuais, diligências instrutórias, debate instrutório e proferir douta Decisão Instrutória, por se tratar de actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas. Em consequência, deverá o presente recurso: a) Ser julgado inútil, por inutilidade superveniente, nos termos mencionados nas Conclusões 2ª.1 a 2ª.3; Ou, assim se não entendendo, b) Ser julgado improcedente, nos termos mencionados nas Conclusões 3ª.1 a 5ª; Ou, assim se não entendendo, c) Ser julgado improcedente, nos termos mencionados nas Conclusões 6ª.1 e 6ª.2. “
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4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, a Ex.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta proferiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
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5. O objecto do recurso, considerando as conclusões, versa a apreciação da questão de saber qual o tribunal competente para presidir à fase de instrução: se o tribunal de Instrução Criminal de Loures, como pugna o recorrente, se o Tribunal Central de Instrução Criminal, como decidiu o tribunal recorrido.
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6. Remetidos os autos ao Tribunal Central de Instrução Criminal para conhecer do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente, o mesmo aceitou tal competência.
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7. Apreciação.
Vem o recorrente alegar que o tribunal competente para presidir à fase de instrução é o Tribunal de Instrução Criminal de Loures, porquanto os crimes pelos quais os arguidos se encontram acusados não constam do catálogo de crimes previstos no art.º 120º nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei 62/2013, de 26.08, relativos à competência do Tribunal Central de Instrução Criminal.
Vejamos:
Antes de mais cumpre precisar que a questão suscitada não se insere na incompetência “material” dos mencionados tribunais, mas sim na incompetência meramente funcional, já que ambos os tribunais, T.I.C. e T.C.I.C., se inserem na jurisdição criminal, divergindo apenas quanto ao âmbito territorial/funcional, tendo este último uma competência territorial mais vasta (nacional), mas apenas para certos tipos de crime, sendo que a intervenção de juiz diferente do competente, segundo as regras da repartição funcional de competências, não envolve nenhuma diminuição de garantias para o arguido, como tem vindo a ser decidido pelo S.T.J., entre outros, no Acórdão de 10-10-2007, processo 07P3777, e no Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2019, Processo 5501/18.1JFLSB-A.L1-5, Relator: Desembargador Jorge Gonçalves, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Estabelece o artigo 119.º da citada Lei 62/2013, de 26.08, que:
“Competência 1 - Compete aos juízos de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações, previstas na lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelos juízos locais criminais ou pelos juízos de competência genérica. 2 - Quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, os juízes em exercício de funções de instrução criminal podem intervir, em processos que lhes estejam afetos, fora da sua área territorial de competência.”
E nos termos do art.º 120º da mesma Lei:
“Casos especiais de competência 1 - A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação, cabe a um tribunal central de instrução criminal, quanto aos seguintes crimes: a) Contra a paz e a humanidade; b) Organização terrorista e terrorismo; c) Contra a segurança do Estado, com exceção dos crimes eleitorais; d) Tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição direta ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; e) Branqueamento de capitais; f) Corrupção, peculato e participação económica em negócio; g) Insolvência dolosa; h) Administração danosa em unidade económica do sector público; i) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; j) Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática; k) Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional. 2 - A competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o número anterior, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação. 3 - Nas comarcas em que o movimento processual dos tribunais o justifique e sejam criados departamentos de investigação e ação penal (DIAP), são também criados juízos de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida. 4 - A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes estritamente militares, cabe às unidades orgânicas de instrução criminal militar dos juízos de instrução criminal de Lisboa e do Porto, com jurisdição nas áreas indicadas no Código de Justiça Militar. 5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a competência do juiz de instrução da área onde os atos jurisdicionais, de carácter urgente, relativos ao inquérito, devam ser realizados.”
A competência do tribunal para proceder à instrução tem que ser aferida em face da acusação ou do RAI, porque são os factos nestes indicados, conforme os casos, que fixam o objecto do processo.
No caso, observados os autos, verificamos que são vários os arguidos que se encontram acusados por crime que é abrangido pelo catálogo da competência do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), mais concretamente pelo crime da alínea d) do nº 1 do art.º 120º da Lei nº 62/2013, de 26.8 – crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93, de 21.1.
E considerando a natureza, qualidade, quantidade dos estupefacientes, as quantidades de dinheiro, balanças de precisão, escrito de dívidas, apreendidos aos arguidos, temos por acertado, como como o entendeu o tribunal recorrido, que a actividade pelos arguidos levada a cabo e o seu circunstancialismo envolvente não podem ser subsumíveis à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor.
Com efeito, a título de exemplo, e no sentido de que não estão em causa situações cabíveis na excepção consagrada no art.º 120º nº 1 al. d) da Lei nº 62/2013, de 26.8, tal como se indicou na decisão recorrida, vejam-se as seguintes situações:
- O arguido DM foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas l-B e l-C, anexas ao referido diploma legal - (Factos descritos na acusação em 60.1 a 60.11) 9 - daqui resultando que o mesmo contacta directamente os seus fornecedores e que as quantias de 13.465,00€, de 2.925,00€ e de 1.070,00€ serão provenientes da venda de cannabis e de cocaína, que por si são divididos e pesados na balança de precisão que lhe foi apreendida, razão pela qual tal actividade não é subsumível à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor;
- O arguido DV foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A, anexas ao referido Diploma legal - (Factos descritos na acusação em 72.1 a 72.8) - daqui resultando que a cannabis e o MDMA eram destinados à sua venda a terceiros (consumidores, ou não) e que a quantia de 5.600,00€ será provenientes da venda daqueles, razão pela qual tal actividade não é subsumível à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor;
- O arguido JM foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-B, anexa ao referido Diploma legal - (Factos descritos na acusação em 74.1 a 74.6) 11 - daqui resultando que cocaína era destinada à sua venda a terceiros (consumidores, ou não), nada havendo nos Autos que tal actividade seja subsumível à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor;
- O arguido AP foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-B, anexa ao referido Diploma legal -- (Factos descritos na acusação em 108.1 a 108.9) - daqui resultando que a quantia de 80,00 € será proveniente da venda de cocaína, a qual era destinada à sua venda a terceiros (consumidores, ou não), cocaína essa que, depois de dividida, era pesada na balança de precisão que lhe foi apreendida, actividade essa que era registada "no papel" alusivo à dívidas resultantes da sua compra e venda , razão pela qual tal actividade e o seu circunstancialismo envolvente não são subsumíveis à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor;
- O arguido NG foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-C, anexa ao referido Diploma legal - (Factos descritos na acusação em 116.1 a 116.6) - nada havendo nos autos que a cannabis que arguido detinha se circunscreva ou seja subsumível à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor;
- O arguido TR foi acusado, para além do mais, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela l-B, anexa ao referido Diploma legal:- (NUIPC 2002/18.1PSLSB - Apenso 7 - (Factos descritos na acusação em 151.1 a 151.4, 151.5, al. c) e 151.7) - daqui resultando que a quantia de 3.400,00€ será proveniente da venda de cocaína, a qual era destinada à sua venda a terceiros (consumidores, ou não), nada havendo nos autos que a cannabis que o arguido detinha para venda se circunscreva, ou seja, subsumível à mera distribuição directa de estupefaciente ao consumidor.
Por outro lado, verifica-se, também, a situação de dispersão geográfica da prática dos crimes por que se mostram os arguidos acusados, prevista no nº 1 do citado art.º 120º da Lei 62/2013, de 26.08, porquanto os arguidos se mostram indiciados da prática de crimes que se terão consumado em mais de uma comarca que pertence a distintos Tribunais da Relação, pois da acusação constam factos criminosos praticados em Loures – Comarca de Lisboa Norte e, consequentemente, ao Tribunal da Relação de Lisboa, e crimes que terão sido praticados na área da Comarca de Faro e, consequentemente, ao Tribunal da Relação de Évora.
Assim, e considerando o disposto nos artigos 119º, nºs. 1 e 2 e 120º, nºs. 1, al. d), 2 e 5, ambos Lei de Organização do Sistema Judiciário, é o Tribunal Central de Instrução Criminal o competente para presidir à fase de Instrução dos autos em apreço, competência, aliás, que foi, desde logo, assumida pelo mesmo, como resulta do despacho proferido em 14.10.2019, nenhuma censura nos merecendo, por isso, a decisão recorrida.
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8. Decisão:
Em conformidade com quanto fica exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em confirmar a douta decisão recorrida e julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido VP.
Condena-se o recorrente em custas, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça.
(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2020
Anabela Simões Cardoso
Cid Geraldo