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EXTEMPORANEIDADE
PRAZO
MULTA
DISPENSA
Sumário
- Limitando-se o artigo 107.º-A, como o respectivo proémio o diz, a regular a sanção pela prática extemporânea de actos processuais, é inquestionável que ao ali aludir-se, apenas, aos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, não se está a excluir a aplicação do n.º 8 daquele artigo no processo penal, o qual respeita á redução ou dispensa da multa, tanto mais que o legislador teve o cuidado de iniciar o texto do artigo com a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo anterior”, artigo que, como se vê do respectivo texto, estabelece que independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, ou seja, de acordo com o regime aplicável em processo civil.» - O n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil é, assim, aplicável em processo penal por força do disposto no artigo 107.º, n.º 5, do C.P.P. - E, assumido o pressuposto da aplicabilidade em processo penal do disposto no artigo 139.º, n.º8, do Código de Processo Civil, afigura-se-nos que o recurso consente no seu objecto que se aprecie a questão da dispensa do pagamento de multa por ter o arguido interposto recurso no terceiro dia útil subsequente à verificação do prazo normal.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 1075/16.6PCSNT, o Ministério Público deduziu acusação contra G., melhor identificado nos autos, pela imputada prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), 2, 4 e 5, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo disposto no artigo 190.º, n.º 1, do mesmo Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«Pelo exposto, julgo a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Condeno o arguido G. como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b) e 2 do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
B) Condeno o arguido como autor material de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo disposto no artigo 190.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão;
C) Condeno o arguido, em cúmulo jurídico, pela prática dos dois ilícitos mencionados em A) e B) na pena única de DOIS ANOS E NOVE MESES DE PRISÃO;
D) Condeno o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal;
E) Condeno o arguido na pena acessória de proibição de contactos com E. (por qualquer meio) pelo período de três anos, nos termos do artigo 152.º n.º 4 do Código Penal;
F) Condeno o arguido no pagamento à vítima de uma indemnização de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2, da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro e artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, montante sobre o qual acrescerão juros de mora civis, calculados às sucessivas taxas legais, desde a presente sentença até ao efectivo e integral pagamento;
(…)»
2. O arguido interpôs recurso da sentença, alegando que o acto de interposição foi praticado ao abrigo do disposto no artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, “mas com pedido de isenção do pagamento da multa respectiva, nos termos do art.º 139.º, n.º 8, do Cód. do Processo Civil ex vi art.º 4.º do Cód. do Processo Penal, atento circunstancialismo económico-financeiro em que, de acordo com o seu Relatório Social, vive o arguido.”
Notificado pela secretaria para pagar multa pela apresentação tardia do recurso – artigo 107.º-A, al. b), do Código de Processo Penal -, o arguido reclamou junto do Mm.º Juiz, pedindo a apreciação judicial do pedido de isenção da multa.
Por despacho de 10 de Setembro de 2019, foi indeferido o requerido e ordenada a notificação do arguido para proceder ao pagamento da multa devida.
3. Deste despacho recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
1. A remissão constante do n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal não é prejudicada pelo disposto no artigo 107.º-A, do Código de Processo Penal.
2. O artigo 107.º-A, do Código de Processo Penal na sua própria previsão e na remissão para os n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, atualmente artigo 139.º do Código de Processo Civil, trata apenas de um segmento do regime da prática de atos fora de prazo, propositadamente especializado para o processo penal, qual seja o da prática de atos nos três dias seguintes ao términus do prazo processual.
3. Para todas as questões relativas à prática de atos processuais fora de prazo que não digam respeito à realidade prevista no artigo 107.º-A, do Código de Processo Penal vale a letra do artigo 139.º Código de Processo Civil, por remissão do n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal.
4. A possibilidade prevista no n.º 8, do artigo 139.º, do Código de Processo Civil tem, pois, aplicação no processo penal por força do n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal; aliás, o que foi sufragado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/12/2011, bem como pelos Acórdãos dos Venerandos Tribunais da Relação do Porto, em 23/10/2013, e da Relação de Guimarães, em 30/11/2015, respetivamente nos processos n.º 401/07.3GBBAO e n.º 87/13.6GAMGD.
5. Defendemos, pois, que é de ponderar o n.º 8, do artigo 139.º, do Código de Processo Civil, ao caso sub judice. Nem que o seja por via do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
6. Acresce que é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, a interpretação conjugada dos artigos 107.º-A e 107.º, n.º 5, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual não é aplicável ao processo penal o regime ínsito no n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil.
PELO EXPOSTO, E RESSALVADO O DOUTÍSSIMO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS VENERANDOS DESEMBARGADORES DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DEVERÁ SER REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO E ORDENADA A PONDERAÇÃO DO REGIME CONSTANTE DO N.º 8 DO ARTIGO 139.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO CASO EM APREÇO.
4. Respondeu o Ministério Público ao recurso do arguido, concluindo (transcrição das conclusões):
1. Não se conformando com a sentença proferida nos autos, veio o arguido interpor recurso da mesma, referindo no inicio de tal articulado o seguinte "O presente ato é praticado ao abrigo do disposto no artigo 107.º-A do CPP, mas com pedido de isenção do pagamento da multa respetiva, nos termos do artigo 139.º, n.º 8, do CPC "ex vi" artigo 4.º do CPP, alento o circunstancialismo económico-financeiro em quem de acordo com o seu Relatório Social, vive o arguido".
2. O arguido na pessoa do seu II. Mandatário apresentou o recurso no 3.º dia útil seguinte ao termo do prazo legalmente estabelecido e alegada a carência económica por parte do recorrente.
3. Estatui o artigo 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal que "independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações".
4. Por sua vez, o artigo 107.º-A do aludido diploma legal, estabelece que: "sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de atos processuais penais aplica-se o disposto nos números 5 a 7 do artigo 145.º do CPC, com as seguintes alterações: "a) (...); b) (...); c) Se o ato for praticado no 3" dia, a multa é equivalente a 2 UC."
5. Pretende o recorrente que seja dispensado do pagamento da multa devida pela interposição do recurso no 3º dia útil após o termo do prazo, clamando pela aplicação do constante no, agora, artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil (ex artigo 145.º, n.º 8).
6. Estabelece este preceito legal que "o juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte"
7. A simples leitura de ambos os preceitos dá-nos a ideia de que o estabelecido no n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil — ou seja a possibilidade, ainda que em casos de excecionalidade, de o juiz poder reduzir ou dispensar o montante da multa devida pela prática de um ato fora de prazo legalmente estabelecido — não tem aplicação ao processo penal, uma vez que o artigo 107.º-A do Código de Processo Penal refere expressamente que se aplica à prática extemporânea de atos processuais penais o disposto nos números 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil (agora artigo 139º).
8. Ora, na letra da lei não se encontra consagrado o n.º 8. Assim, presumindo-se sempre, na fixação do sentido c alcance da lei que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. São estes os princípios plasmados no artigo 9.º do Código Civil, e que se devem nortear na interpretação a fazer dos preceitos legais que nos cabem aplicar.
9. O artigo 145.º foi introduzido no processo civil português pelo DL n.º 329-A/95 de 12 de dezembro, encontrando-se prevista a possibilidade de redução ou de dispensa da multa em caso de prática extemporânea de ato processual no seu n.º 7 e assim permaneceu após alterações introduzidas pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro c DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro. Só passou a constar do n.º 8 desse artigo com a entrada em vigor do DL n.º 34/2008.
10. O n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal resulta da reforma processual penal operada pelo DL n.º 317/95, mas aí apenas se dizia que independentemente de justo impedimento o ato podia ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, ainda que as necessárias adaptações. A remissão expressa para o artigo 145.º só surge com a introdução de um novo artigo no Código de Processo Penal, o artigo 107.º-A, introduzido pelo DL n.º 34/2008.
11. Ou seja, foi exatamente por este DL que procedeu à aprovação do RCJ, que se alteram — entre outros — o Código de Processo Civil — onde, se fez constar o nº 8 do artigo 145.º do Código de Processo Civil — e o Código de Processo Penal — onde, se introduziu o artigo 107.º-A, artigo onde se fez constar pela primeira vez, expressamente a alusão ao artigo 145.º do Código de Processo Civil à prática extemporânea de atos processuais penais, mas referindo que a ele se aplica o estatuído nos n.ºs 5 a 7 desse normativo.
12. Se o legislador quisesse efetivamente poderia ter harmonizado o que consta do artigo 139.º com o estatuído no artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, se de facto essa harmonização estivesse no seu espirito, e se a remissão para os n.ºs 5 a 7 e não para os n.ºs 5 a 8 do artigo 139.º se tivesse ficado a dever a lapso.
13. Não nos podemos esquecer que o cumprimento dos prazos é a regra e que apenas em situações muito estritas é que estes podem ser ultrapassados. Tal possibilidade não poderá deixar de comportar, para quem assim entenda, sem causa justificativa, um ónus que se traduz no pagamento de uma multa processual.
14. Caso assim não fosse, estava encontrada a forma de, no processo penal, no âmbito do apoio judiciário, o defensor passar a dispor sempre de um prazo maior do que legalmente estabelecido, pois seria dispensado do pagamento da multa.
15. Por tal razão, entendemos que o douto despacho recorrido proferido pelo Mm.º Juiz, mostra-se absolutamente conforme à legislação aplicável, não havendo qualquer reparo a assinalar, não se vislumbrando qualquer vício, muito menos o invocado pelo recorrente, devendo manter-se o despacho proferido, de não aplicação do disposto no artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil, ao caso concreto.
5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), emitiu parecer em que acompanha a posição do Ministério Público junto da 1.ª instância.
6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos. Os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, do mesmo diploma.
II – Fundamentação
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
A questão a apreciar neste recurso consiste em saber se o regime do artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil (antes 145.º, n.º8) tem aplicação no processo penal e se, sendo positiva a resposta a essa questão, devia o arguido/recorrente ser dispensado do pagamento de multa por ter interposto recurso no terceiro dia útil subsequente à verificação do prazo normal.
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«Concordando com o doutamente promovido pelo Ministério Público e na senda do igualmente decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 31-05-2017, no âmbito do Processo n.º2613/16.0T8MAI-A.P1 (disponível no sitio …) indefere-se o requerido pelo arguido e determina-se a notificação do mesmo para proceder ao pagamento da multa devida, nos termos do artigo 139.º n.º 5 alínea c) do CPC, ex vi art.º 107.º, n.º 5 do CPP.»
A promoção referida no despacho recorrido segue o entendimento explanado na resposta do Ministério Público ao recurso, cujas conclusões se transcreveram.
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3. Apreciando
O recurso da sentença foi interposto no dia 16 de Agosto de 2019.
A sentença havia sido lida e notificada no dia 11 de Julho de 2019.
Quer isto dizer que o recurso foi interposto no 3.º dia útil posterior ao termo do prazo, tendo o arguido invocado o disposto no artigo 107.º-A do Código de Processo Penal, “mas com pedido de isenção do pagamento da multa respectiva, nos termos do art.º 139.º, n.º 8, do Cód. do Processo Civil ex vi art.º 4.º do Cód. do Processo Penal, atento circunstancialismo económico-financeiro em que, de acordo com o seu Relatório Social, vive o arguido.”
Questiona-se a aplicabilidade em processo penal do artigo 139.º, n.º 8 do Código de Processo Civil (antes 145.º, n.º 8), tendo o tribunal recorrido decidido no sentido de excluir a sua aplicação.
Não se ignora a posição do acórdão da Relação do Porto, de 31 de Maio de 2017, citado no despacho recorrido e contrária à referida aplicabilidade.
Porém, permitimo-nos discordar de tal entendimento.
Estabelece o artigo 107.º, n.º 5, do C.P.P., introduzido pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro
«Independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações.»
Por sua vez, o artigo 107.º-A, daquele diploma, aditado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, estabelece:
«Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;
b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;
c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.»
O mesmo Decreto-Lei n.º 34/2008 que aditou ao C.P.P. o referido artigo 107.º-A, alterou a redacção do artigo 145.º do Código de Processo Civil, introduzindo no n.º 8 deste artigo o seguinte texto:
«8. O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte.»
Este último normativo fora introduzido no processo civil pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, então no n.º 7 daquele artigo 145.º (ainda que numa redacção algo diversa da introduzida pelo DL n.º 34/2008) e aí tinha sido mantido pela reforma processual civil subsequentemente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, passando àquela sistemática – o n.º8 do dito artigo 145.º - com o Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro e, posteriormente, ao artigo 139.º, n.º 8, por força da Lei n.º 41/2013, de 26/06.
Afigura-se-nos que o disposto no artigo 107.º, n.º 5, do C.P.P., estatuindo que, independentemente do justo impedimento, “pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações”, determinava o entendimento de que, a partir de 03/12/1995 (data da entrada em vigor do DL n.º 317/95, de 28 de Novembro), se aplicava ao processo penal a possibilidade conferida ao juiz de reduzir ou dispensar a multa decorrente da prática de actos processuais nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo respectivo, nos mesmos termos em que o poderia fazer o juiz no processo civil: era o que resultava da remissão do artigo 107.º, n.º 5, do C.P.P. para o regime do processo civil e esse era o previsto pelo art.º 145.º, n.º 7 do Código de Processo Civil (veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 23-10-2013, processo 401/07.3GBBAO-B.P1, em www.dgsi.pt, cuja fundamentação seguimos de perto).
A questão está em saber se, com a entrada em vigor da reforma processual penal que aditou o artigo 107.º-A, a circunstância de se referir nesse artigo “o disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil”, quando aquela possibilidade de redução ou dispensa da multa passara do n.º7 para o n.º 8 do artigo 145.º, significa que o legislador quis excluir tal possibilidade no âmbito do processo penal.
A nosso ver, o artigo 107.º-A, como resulta do respectivo proémio, limita-se a regular o montante da sanção pela prática extemporânea de actos processuais. Em rigor, a norma é mais de “tabela” do que processual, fixando autonomamente os montantes das multas, ainda que alinhando com o regime do processo civil no que toca à actuação da secretaria.
Disse o S.T.J. sobre esta questão, em acórdão de 21 de Dezembro de 2011 (C.J., Acórdãos do S.T.J., Ano XIX, Tomo III, p. 236):
«(…) limitando-se o artigo 107.º-A, como o respectivo proémio o diz, a regular a sanção pela prática extemporânea de actos processuais, é inquestionável que ao ali aludir-se, apenas, aos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, não se está a excluir a aplicação do n.º8 daquele artigo no processo penal, o qual respeita á redução ou dispensa da multa, tanto mais que o legislador teve o cuidado de iniciar o texto do artigo com a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo anterior”, artigo que, como se vê do respectivo texto, estabelece que independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, ou seja, de acordo com o regime aplicável em processo civil.»
É este, também, o nosso entendimento: o n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil é aplicável em processo penal por força do disposto no artigo 107.º, n.º 5, do C.P.P.
Não vislumbramos, sequer, que justificação poderia ter, no quadro constitucional, um regime que só em processo civil permitisse aos interessados a redução ou dispensa do pagamento de multa por apresentação tardia em juízo de peças processuais.
Não deixamos de observar que no Acórdão do S.T.J., n.º 5/2012 (publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 98, de 21 de Maio de 2012), relativo à prática pelo Ministério Público, em processo penal, de acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo, faz-se na respectiva fundamentação a descrição do regime legal aplicável à prática de actos processuais extemporâneos, dizendo-se, a dado passo, “que a lei prevê a possibilidade de redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado (n.º 8 do artigo 145.º do Código de Processo Civil), possibilidade que em processo penal, atentas as suas específicas finalidades, deve ser equacionada e admitida sem o rigor exigível em processo civil, particularmente no que concerne ao arguido, atenta a parte final do n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal, que manda aplicar o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações”.
Também no Código de Processo Penal Comentado por Conselheiros do S.T.J. (2016, 2.ª edição, p. 320), em comentário ao artigo 107.º, refere-se expressamente o n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, sem se excluir a sua aplicação em processo penal.
Assumido o pressuposto da aplicabilidade em processo penal do disposto no artigo 139.º, n.º 8, do Código de Processo Civil, afigura-se-nos que o recurso consente no seu objecto que se aprecie a questão da dispensa do pagamento de multa por ter o arguido interposto recurso no terceiro dia útil subsequente à verificação do prazo normal.
É que, pese embora se diga que o despacho recorrido deve ser revogado e “ordenada a ponderação do regime constante do n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil ao caso em apreço”, certo é que o despacho em questão não omitiu pronúncia, tendo indeferido a requerida dispensa da multa na apreciação que fez do regime legal aplicável.
Por conseguinte, não faz sentido, a nosso ver, determinar a substituição de tal despacho por outro que parta de uma diferente interpretação do regime legal, o que significaria que, na hipótese de continuar a não ser dispensada a multa, mais uma vez o arguido poderia recorrer desse despacho, sem que, entretanto, fosse proferido despacho liminar de admissão ou não admissão do recurso, em processo que tem natureza urgente.
Pois bem: conforme já dissemos, citando o Acórdão do S.T.J., n.º 5/2012, a lei prevê a possibilidade de redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado (n.º 8 do artigo 139.º do Código de Processo Civil).
Tal possibilidade, em processo penal, de acordo com o dito acórdão, atentas as suas específicas finalidades, deve ser equacionada e admitida “sem o rigor exigível em processo civil, particularmente no que concerne ao arguido”, atenta a parte final do n.º 5 do artigo 107.º do Código de Processo Penal, que manda aplicar o Código de Processo Civil “com as necessárias adaptações”.
Estamos perante um processo de natureza urgente, em que o prazo de recurso correu em plenas férias judiciais, com um dia feriado pelo meio, constando dos autos que o arguido, que recorre, além do mais, de condenação em pena de prisão efectiva, apenas iniciara actividade laboral no mês anterior à condenação – não se sabe há quantos dias -, nada se dizendo sobre a remuneração, mas inferindo-se dos autos que a sua condição económica não será particularmente favorável, conforme até decorre da sentença para justificar a fixação do montante indemnizatório a pagar à ofendida.
Assim, tendo sempre em vista que está em causa o recurso de uma pena de prisão efectiva, apelando a um critério mais generoso, como é sugerido pelo citado acórdão do S.T.J., entendemos ser de dispensar a multa pela interposição tardia.
Em suma: o recurso merece provimento e o despacho recorrido deve ser revogado, a fim de ser substituído por outro que, no pressuposto da aplicabilidade em processo penal do disposto no artigo 139.º, n.º8, do Código de Processo Civil e da dispensa do pagamento de multa pela apresentação tardia, se pronuncie sobre a admissibilidade do recurso da sentença condenatória.
***
III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em, no provimento do recurso, revogar o despacho recorrido, dispensando o arguido/recorrente, no pressuposto da aplicabilidade em processo penal do disposto no artigo 139.º, n.º 8, do Código de Processo Civil, do pagamento da multa pela interposição tardia do recurso da sentença condenatória, determinando que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a admissibilidade do recurso da sentença condenatória.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2020
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do C.P.P.)
Jorge Gonçalves
Carlos Espírito Santo