Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PACTO DE PERMANÊNCIA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
1- Nos termos do disposto no art.º 137º do Código do Trabalho, só quando o empregador tenha de suportar avultadas despesas, no sentido de muito significativas ou análogas às despesas extraordinárias, com a formação do trabalhador, se pode justificar a assunção por parte deste de uma obrigação de permanência de prestação de trabalho para aquele por período determinado de tempo que não ultrapasse os três anos. 2. Não repugna considerar que apenas uma formação que exceda a formação genérica ou essencial dada pelo empregador ao trabalhador para que exerça cabalmente as suas funções, pode justificar a assunção por parte deste de uma obrigação de permanência de prestação de trabalho durante aquele período de tempo, como forma de retorno ou compensação pelo investimento económico em formação feito pelo empregador. 3. Trata-se de uma formação profissional que assuma relevo em termos do enriquecimento curricular do trabalhador mediante a aquisição de novas capacidades técnicas ou teórico-práticas no âmbito das funções para que foi contratado ou quando a formação profissional esteja relacionada com necessidades de atualização dessas capacidades, sobretudo, quando o trabalhador desempenhe funções que impliquem o manuseamento de equipamentos de forte pendor tecnológico, que, como é notório, estão sujeitos a frequentes evoluções, com a consequente necessidade de atualização por parte dos seus operadores ao longo do tempo. (Do relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
AAA, residente na Rua (…), instaurou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BBB, com sede no (…).
Alega, em síntese, que celebrou contrato de trabalho com a Ré, contrato que veio a cessar por sua (dele Autor) iniciativa.
Sucede que, aquando da cessação do contrato, a Ré apresentou ao Autor um documento que traduzia uma assunção de dívida por parte deste em face do incumprimento de um pacto de permanência, situação que o Autor repudiou.
O valor do recibo de vencimento correspondente ao último mês que o Autor trabalhou para a Ré, espelha o valor que àquele era devido por esta. Contudo, o Autor nada recebeu em virtude de a Ré ter retido o respetivo valor.
Por outro lado, quando posteriormente a Ré procedeu ao pagamento de um prémio de produtividade que ao Autor era devido, aquela descontou no valor do mesmo o remanescente que pretendia que o Autor assumisse aquando da cessação do contrato.
O comportamento da Ré e a retenção por esta de valores salariais que ao Autor eram devidos, causou-lhe danos não patrimoniais que devem ser ressarcidos pela Ré.
Concluiu pedindo que:
“A) A Ré seja condenada a proceder ao pagamento dos créditos salariais devidos ao Autor, no montante de €7.761,52 (sete mil setecentos e sessenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos):
B) A Ré seja condenada no pagamento, atento o nexo de causalidade, do montante que o Autor deixou de auferir enquanto lesado pelo ganho frustrado e prejuízo sério, a título indemnizatório o montante de €2.500.00 (dois mil e quinhentos euros);
C) A Ré seja condenada no pagamento de juros de mora vencidos à taxa legal em vigor, sobre todas as quantias peticionadas e contadas desde a data da citação, tudo com as legais consequências quanto às custas, procuradoria e demais encargos.
Realizada a audiência de partes a que se alude no n.º 2 do art.º 54º do Código de Processo do Trabalho (CPT), frustrou-se a tentativa de conciliação entre as mesmas como forma de se pôr termo ao litígio.
Contestou a Ré, alegando, em síntese, que durante a execução da relação contratual de trabalho com o Autor e por via da especificidade das funções por este desempenhadas, foi-lhe disponibilizada pela Ré formação regular e contínua, sendo que, face aos custos das formações por aquele recebidas, a Ré propôs ao Autor a celebração de pactos de permanência que este aceitou e subscreveu, frequentando as respetivas ações de formação.
Alega ainda que foi o incumprimento pelo Autor de um dos referidos pactos de permanência, que determinou a retenção dos valores que este agora reclama e que, atento o referido incumprimento e o teor do próprio pacto, lhe não são devidos.
Concluiu pela improcedência da ação.
O Autor apresentou articulado que denominou de resposta às exceções invocadas e no qual se pronuncia sobre o teor da contestação da Ré, peticionando a condenação da mesma como litigante de má-fé.
A Ré insurgiu-se contra a admissibilidade desse articulado e respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho de saneamento do processo, no qual se determinou a inadmissibilidade processual do articulado de resposta apresentado pelo Autor, com exceção da parte em que se peticiona a condenação da Ré como litigante de má-fé.
Fixou-se o valor da ação em €10.261,52, assim como se fixaram os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:
«Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito enunciada, se decide julgar a presente acção parcialmente procedente por provada:
a) Condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de 5.011,58€ (cinco mil e onze euros e cinquenta e oito cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, contabilizados desde 29-6-2018 e até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver da Ré do mais contra si peticionado nos autos;
c) Condenar Autor e Ré nas custas do processo que serão suportadas na proporção dos seus decaimentos.»
*
Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
A. O Recorrido propôs ação contra a Recorrente, em processo comum, peticionando o pagamento por parte da R. de alegados créditos salariais no montante ilíquido global de €7.761,52 (sete mil setecentos e sessenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos), de uma indemnização no montante de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e da condenação da R. como litigante de má-fé em multa e indemnização.
B. Vem o presente recurso interposto da Sentença, que julgou a ação declarativa comum intentada pelo A., ora Recorrido, contra a R., ora Recorrente, parcialmente procedente condenando, em consequência a R., ora Recorrente, a pagar ao A., ora Recorrido, € 5.011,58 (cinco mil cento e onze euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 29 de Junho de 2018 e até à data do efetivo e integral pagamento, absolvendo a R., no mais peticionado pelo A., absolvendo a R., no mais peticionado pelo A.
C. No entendimento do Tribunal a quo o pacto de permanência formalizado entre Recorrente e Recorrido em 22 de Junho de 2016 é inválido, por falta de fundamentos substantivos.
D. No entender da Recorrente o pacto de permanência que formalizou com o Recorrido cumpre com os requisitos legalmente previstos pelo que o Tribunal a quo deveria ter julgado a ação totalmente improcedente.
E. Atenta a data da cessação do contrato de trabalho que uniu A. e R. - 22.01.2018 - e a data do acordo entre ambos firmado correspondente ao «pacto de permanência» - Junho de 2016 – é aplicável o regime jurídico estabelecido no Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com as subsequentes alterações legais.
F. Em concreto, com relevo para os autos, é aplicável o artigo 137.º do Código de Trabalho de 2009 na sua redação atual.
G. De acordo com o entendimento do Tribunal a quo “(…) Impõe-se, pois, concluir que o curso de formação que a Ré facultou ao Autor em 2016, que o mesmo frequentou e serviu de justificação para o pacto de permanência, com base no qual a Ré justifica a dedução de valores efectuada, não determinou a aquisição de novas competências profissionais ao Autor para o desempenho da sua actividade ao serviço da Ré.
Tal conclusão não pode deixar de conduzir à invalidade, por falta de fundamentos substantivos, da justificação do pacto de permanência celebrado e que a Ré invoca determinando uma injustificada limitação da liberdade de trabalho do Autor, liberdade na qual compreende o seu direito de denúncia do contrato previsto no art.º 400º do Código do Trabalho.
Deste modo, tendo o Autor observado os procedimentos e condicionamentos temporais previstos neste último preceito - o que, aliás, a Ré não colocou em causa - ao mesmo eram devidos os valores consignados no recibo de retribuição de Fevereiro de 2018 e, posteriormente, no de Abri e referente ao pagamento do prémio, sem a dedução de 4.257,85€ e 753,73€, valores que são devidos ao Autor num total de 5.011,58€.” [cfr. página 15 da Sentença]
H. A No entender do Tribunal a quo “(…) apenas uma interpretação restritiva no sentido de considerar legitimadora de pacto de permanência as despesas avultadas que exorbitam a formação prevista no art.º 131º do Código do Trabalho e que configuram um enriquecimento profissional do trabalhador para além dessa formação pode obviar à excessiva restrição da liberdade de trabalho que, recorde-se, resulta da projecção de principio constitucional.
Deste modo, a formação terá não apenas de se traduzir em despesas que sejam consideradas avultadas, mas também de ser mais - um plus - que a formação contínua que o empregador se encontra legalmente obrigado a ministrar, isto é, que seja uma formação extraordinária.”
I. Recorrente discorda do entendimento do Tribunal a quo por entender que o mesmo não é condizente com a letra e o espírito do disposto no artigo 137.º do Código do Trabalho de 2009.
J. No entanto, o Tribunal a quo não coloca em causa que o pacto de permanência assenta numa formação profissional que foi realizada pelo Recorrido, intimamente relacionada com a atividade que o mesmo prestava à Recorrente e cujos custos foram suportados pela Recorrente.
K. No essencial, o Tribunal a quo entende que a alteração de redação do texto do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003 para o texto do artigo 137.º do Código do Trabalho de 2009 é inócua do ponto de vista material, e que os conceitos de “despesa extraordinária” e “despesa avultada” têm praticamente o mesmo alcance.
L. Com o devido respeito, entende a Recorrente que a alteração de redação que o legislador operou no Código do Trabalho de 2009 foi intencional, sendo indubitável que o atual artigo 137º do Código do Trabalho tem uma formulação substancialmente diferente da formulação que constava do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003, em que o acento tónico passa a ser colocado não na natureza extraordinária das despesas de formação profissional feitas mas sobretudo no quantum elevado das mesmas.
M. Pelo que, ao abrigo do atual regime, impõe-se entender que pode licitamente fundamentar a formalização de um pacto de permanência a formação que acarrete um custo avultado para o empregador, conforme indicado pela letra do preceito legal em causa, e realçado por avalizada doutrina, designadamente, por Joana Vasconcelos, Luís Almeida Carneiro e Diogo Marecos e por jurisprudência.
N. Não sendo, portanto, legalmente exigido que esteja em causa uma formação que para além de implicar despesas de relevo suportadas pelo empregador seja, necessariamente, além do dever de formação do mesmo, conforme o Tribunal a quo entendeu.
O. Também a jurisprudência já assinalou que a alteração de redação entre as disposições reguladoras do pacto de permanência constantes do Código de Trabalho de 2003 e 2009 aponta para uma solução diferente que passou a vigorar desde 2009.
P. Sem prescindir, é entendimento da Recorrente que a formação que o Recorrido realizou em Junho de 2016 a expensas da Recorrente extravasa o cumprimento dos deveres de formação profissional a que o empregador está adstrito na medida em que em 2016, ano em que a formação foi realizada e o pacto de permanência foi formalizado entre a Recorrente e o Recorrido, aquela proporcionou a este outras tantas formações, com custos suportados pela Recorrente, conforme resulta «ficha do empregado» respeitante ao Recorrido, com cópia a fls. 64-65 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Q. Dessa «ficha do empregado» com cópia a fls. 64-65 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, resulta a existência em 2016 de 13 ações de formação que totalizam um número de horas que excede em muito as 35 horas anuais que são, em regra, tidas por referência de acordo com o disposto no número 2 do artigo 131.º do Código do Trabalho de 2009.
R. Uma atenção detalhada ao documento em causa não pode deixar de causar um efeito impressivo quanto ao elevado número de formações regulares proporcionadas pela Recorrente ao Recorrido enquanto este foi seu trabalhador sendo certo que a Recorrente apenas propõe aos seus trabalhadores a formalização de pactos de permanência quando estão em causa formações que impliquem custos especialmente avultados para a Recorrente conforme resultou provado.
S. Acresce que, no entender da Recorrente o Tribunal a quo não ponderou devidamente o facto, que resultou provado, que o Recorrido tendo denunciado o contrato de trabalho com a Recorrente com efeitos a 22 de Janeiro de 2018 passou a prestar a mesma atividade de técnico de manutenção aeronáutica logo em Fevereiro de 2018 para a empresa “(…)”, que também procede à reparação e manutenção de aeronaves “Airbus” e lhe reconheceu a formação decorrente do curso que fundamentou a formalização do pacto de permanência.
T. Na medida em que aquele que passou a ser o novo empregador do Recorrido, a “(…)”, procede, tal como a Recorrente, à reparação e manutenção de aeronaves “Airbus”, não poderá deixar de ser entendido que está em causa um concorrente da Recorrente.
U. O Recorrido, tendo incumprido o programa contratual associado ao pacto de permanência com a Recorrente, indubitavelmente retirou benefícios da formação ministrada pela (…) cujos custos foram integralmente suportados pela Recorrente.
V. É indubitável que resulta da experiência comum que formações deste tipo em funções e atividades diferenciadas, como era o caso do Recorrido no seio da Recorrente, constituem um elemento diferenciador e valorizador dos trabalhadores que acedem às mesmas, tanto ao nível das suas aptidões e certificações como do seu CV.
W. E o facto de estar em causa uma formação profissional, um curso, idêntica ao que o Recorrente tinha feito em 2009 (junto, note-se, de uma entidade formadora diferente daquela que foi responsável pela formação de 2016) não afasta que a formação de 2016 deva ser considerada uma formação apta a reforçar e aprofundar capacidades, atitudes e formas de comportamento ou conhecimentos adquiridos durante a formação profissional de 2009, necessários ao melhor desempenho de algumas das tarefas profissionais a cargo do Recorrente e por isso enriquecendo o mesmo profissionalmente.
X. Estão em causa, desde logo, duas entidades formadoras distintas sendo que entre uma e outra formação passou um período relevante, de, em concreto, quase 7 anos.
Y. Sendo perfeitamente compreensível que a Recorrente, que também tinha, naturalmente, interesse em que o Recorrido fizesse a formação em causa, pretenda assegurar que tais trabalhadores permaneçam ao seu serviço desempenhando as funções que justificaram a formação, o que sucedeu no caso.
Z. O Tribunal a quo não põe em causa que o pacto de permanência em discussão cumpre formalmente todos os requisitos legais relacionados, como o Tribunal a quo corretamente refere, “(…) com a sua duração e com as despesas realizadas”, que, subjacente ao pacto, está uma formação estritamente relacionada com a atividade prestada pelo Recorrido no seio da normal atividade da Recorrente, e, ainda, que tal formação implicou despesas avultadas suportadas pela Recorrente.
AA. Resultou provado que com a formação em causa, que se realizou na Suíça, a Recorrente incorreu num custo total de € 8.699,86, que suportou na totalidade, devendo indubitavelmente considerar-se que este custo representa uma despesa avultada atendendo a critérios de experiência comum quanto ao custo de formações profissionais de curta duração e tendo em conta, em concreto, que o Recorrido auferia em Julho de 2016 um salário base mensal de €2.107,60 conforme resulta do Doc. 8 da Contestação junto a fls. … dos autos (na data em que o Recorrido deixou a Recorrente auferia um salário base mensal de € 2.281,50, conforme recibo de janeiro de 2018 junto como Doc. 8 da P.I., junto a fls. … dos autos).
BB. Conforme indicado nos Factos Provados (cfr. n.ºs 17, 20, 22) a formação profissional que justificou a formalização do Pacto de Permanência em discussão nos autos, foi a formação profissional que o Recorrido realizou de 27 a 30 de Junho de 2016 que se traduz no curso de “Airbus A320 Run-Up (CFM56 & V2500)”, o qual também abrange outros modelos da família de “narrow bodies” A318/A319/A320/A321, que se realizou em Zurique, na Suíça.
CC. Tal curso foi ministrado pela (…)., entidade de reconhecido prestígio internacional, conforme indicado de forma expressa no Pacto de Permanência formalizado.
DD. O que implica que a formação profissional em causa, realizada no período de 27 a 30 de Junho de 2016, datas que incluem as viagens de ida de Portugal para a Suíça e depois de regresso da Suíça para Portugal, acarretou um custo para a Recorrente de montante equivalente ao que o Recorrido auferiria como salário base mensal, à data, em mais de 4 meses de trabalho.
EE. Para DIOGO VAZ MARECOS, em posição que assinalamos, refere que “(…) a realização de formação profissional relativamente a um determinado colaborador, que exceda as 50 unidades de conta, já poderá ser considerada uma despesa avultada” (in, DIOGO VAZ MARECOS, Código do Trabalho Comentado, Almedina, Coimbra, 3.ª Edição, 2017, p. 393), critério que estaria preenchido no caso.
FF. Pelo que será forçoso concluir que a formação em apreço implicou uma despesa avultada para a Recorrente.
GG. A formação que o Recorrido realizou na Suíça permitiu-lhe que, no seio da Recorrente, ficasse qualificado para a atividade de pontos fixos e rolagem das aeronaves Airbus, atividade essa que se insere no âmbito das funções e da posição de Técnico de Manutenção Aeronáutica que o Recorrido ocupava no seio da Recorrente na altura da realização da formação na Suíça e continuou a ocupar até à data em que a cessação do seu contrato de trabalho operou por efeito da denúncia operada pelo Recorrido.
HH. Não deixa de ser (negativamente) impactante o facto de o Tribunal a quo no entendimento que adota e no percurso interpretativo que realiza não faça qualquer menção ao facto de o Recorrido ter ficado vinculado à obrigação de permanência de forma livre e consciente.
II. Obrigação de permanência à qual nem sequer faz qualquer alusão na comunicação de denúncia do contrato de trabalho que entregou à R.
JJ. Não tendo o Recorrido entregue à Recorrente qualquer outra comunicação a comunicar a intenção de desvinculação do Pacto de Permanência, conforme o princípio da boa-fé imporia e lhe seria exigível.
KK. Dos 3 anos de permanência aos quais se vinculou o Recorrido apenas cumpriu 18 meses e 7 dias de permanência.
LL. Por força desse incumprimento a Recorrente ficou credora do Recorrido no montante de €4.257,85 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) tendo considerado para efeitos do montante a reembolsar pelo Recorrido pela violação do pacto de permanência o montante proporcional ao tempo de permanência incumprido.
MM. Em cumprimento do disposto na Cláusula 6.ª do Pacto de Permanência (cfr. Cláusula 6.ª do Doc. 5 da P.I. junto a fls.… dos autos), a Recorrente veio a operacionalizar a compensação do montante em dívida com créditos que detinha sobre o Recorrido.
NN. Assim, tal como consta do recibo de vencimento de Fevereiro de 2018, o qual corresponde ao recibo final referente à cessação do vínculo laboral em causa, junto como Doc. 8 da P.I., que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Recorrente procedeu ao desconto do montante de €4.257,85 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) em dívida à Recorrente identificado como “Indem. Incumprimento Pacto Permanência”.
OO. Pelo que não dúvidas não há que a Recorrente apenas procedeu ao desconto do montante de 4.257,85€ a título de incumprimento do pacto de permanência.
PP. Razão pela qual a Requerente crê que a Sentença tem um erro de cálculo no ponto 31. Da fundamentação de facto, que oportunamente, requereu que fosse corrigido desconhecendo, neste momento, tal correção foi ou não operacionalizada, pelo que a Recorrente, à cautela, requer tal correção.
QQ. Assim, onde no ponto 31. em causa se lê que “No recibo de remuneração de Fevereiro de 2018 a Ré fez constar um valor ilíquido de 6.502,17€ sobre o qual efectuou, para além dos descontos legais referentes a contribuições para a segurança social e retenção de IRS, o desconto de 4 257,85€ de indemnização por incumprimento de pacto permanência, com o que o Autor nada recebeu a título de valores constantes de tal recibo.” deverá, antes constar o seguinte texto: “No recibo de remuneração de Fevereiro de 2018 a Ré fez constar um valor ilíquido de 6 502,17€ sobre o qual efectuou, para além dos descontos legais referentes a contribuições para a segurança social e retenção de IRS, o desconto de 3504,12€ de indemnização por incumprimento de pacto permanência, com o que o Autor nada recebeu a título de valores constantes de tal recibo, ficando ainda devedor à Ré do montante de 753,73€.” (sublinhado nosso).
RR. Caso o erro não tenha sido corrigido pela Meritíssima a quo, a redação, do ponto 31. “II - Fundamentação de facto” e da alínea a) do ponto “IV – Dispositivo” da Sentença” consubstancia uma desconformidade com o contexto factual em causa, e aquilo que realmente sucedeu,
SS. E também com o que, de forma correta, é indicado no ponto 29. “II - Fundamentação de facto” onde pode ler-se: “Na sequência de tal comunicação a Ré solicitou ao Autor o montante de 4.257,85€ que considerou proporcional ao tempo de incumprimento do pacto de permanência e cujo pagamento solicitou até 6-1-2018.”
TT. Assim sendo, salvo se já o tiver sido, carece necessariamente de ser corrigido o texto da alínea a) do ponto “IV – Dispositivo” da Sentença, em conformidade, o que desde já expressamente se requer.
UU. Em concreto, na alínea a) do ponto “IV – Dispositivo” da Sentença onde está indicado
“Condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de 5.011,58€ (cinco mil e onze euros e cinquenta e oito cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, contabilizados desde 29-6-2018 e até efectivo e integral pagamento” deverá passar a constar “Condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia de €4.257,85 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, contabilizados desde 29-6-2018 e até efetivo e integral pagamento” (sublinhado nosso).
VV. Assim, sem conceder, caso viesse a ser entendido que o pacto de permanência está ferido de nulidade, o que não se aceita, mas apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, a Recorrente teria de pagar/devolver ao Recorrido o montante retido de €4.257,85 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, contabilizados desde 29-6-2018 e até efetivo e integral pagamento e nunca o montante de €5.011,58.
WW. No entender da Recorrente, insiste-se, pelos motivos aduzidos, o pacto de permanência formalizado entre Recorrente e Recorrido é válido pelo que deve, por um lado, a Recorrente ser absolvida por nada dever ao Recorrido considerando-se improcedente, na totalidade, o pedido do Recorrido,
XX. Em face do exposto, deverá a decisão sob recurso ser totalmente revogada e, em consequência, ser a Recorrente absolvida considerando-se improcedente, na totalidade, o pedido do Recorrido.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, revogando-se a douta Sentença recorrida nos termos peticionados e, em consequência, absolvendo-se a Recorrente considerando-se improcedente, na totalidade, o pedido do Recorrido. Caso assim não se entenda, e sem prescindir, deverá a Sentença ser devidamente reformada/corrigida nos termos acima peticionados.
Só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!»
*
Não foi apresentada contra-alegação de recurso.
Em 03/09/2019 foi proferido despacho no qual a Mma. Juíza do Tribunal “a quo” apreciou o requerimento deduzido pela Ré/apelante tendo em vista a retificação de erros materiais que, no entender desta se verificavam na sentença recorrida, mormente no que concerne à matéria dos pontos 31 e 32 dos factos aí tidos por provados, requerimento que, contudo, foi indeferido.
Foi deferida, porém, a pretensão de prestação de caução por parte da Ré/apelante, tendo em vista assegurar o efeito suspensivo do recurso interposto, concedendo-se prazo para o efeito.
A Ré/apelante, notificada do aludido despacho de indeferimento de erros materiais da matéria de facto que consta da sentença recorrida não lhe deduziu impugnação.
Foi proferido despacho de admissão do recurso interposto pela Ré/apelante, com adequado regime de subida e efeito suspensivo face à prestação da aludida caução.
Remetidos os autos para esta 2ª instância e mantida a admissão do recurso, determinou-se que se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 87º do CPT, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o douto parecer de fls. 178 no sentido da improcedência do mesmo e consequente manutenção da sentença recorrida.
Tendo as partes sido notificadas deste parecer, respondeu apenas o Autor/apelado em termos concordantes com o mesmo.
Foram os autos apresentados aos vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir do mérito do recurso em causa.
* APRECIAÇÃO
Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto perante o Tribunal “ad quem”, em face das que foram extraídas pela Ré/apelante e acima transcritas e sem prejuízo da análise de questões de conhecimento oficioso, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:
Questões de recurso: . Validade e eficácia do pacto de permanência estabelecido entre ambas as partes em 22 de junho de 2016 e consequências daí decorrentes face à sentença recorrida; . Necessidade de retificação da matéria que consta do ponto 31 dos factos tidos por provados na sentença recorrida; . Necessidade de retificação da al. a) do ponto IV do dispositivo da mesma sentença.
* Fundamentos de facto Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. A Ré dedica-se, entre outras atividades, à manutenção, reparação e modificação de aeronaves motores aviónicos, acessórios e equipamentos terra; fabricação e montagem de componentes e estruturas de aeronaves e de equipamento aeroespacial; estudo, desenvolvimento, ensaio e produção de material aeronáutico e aeroespacial e equipamentos militares, designadamente armamento e outros sistemas afins.
2. Sendo a manutenção, reparação e modificação de aeronaves, motores aviónicos, acessórios e equipamentos terra propriedade dos clientes da Ré a sua principal atividade.
3. Em 1-9-2008 Autor e Ré celebraram contrato de trabalho no qual o Autor se obrigou ao exercício, sob as ordens direção e fiscalização da Ré, das funções inerentes à categoria profissional de Técnico de Manutenção de Aeronaves 24, vulgo TMA, recebendo como contrapartida o vencimento base o montante de 1.983,50€, valor que em 2018 era de 2.281,50€.
4. A partir de 1-5-2013, por força de acordo formalizado entre Autor e Ré em 23-4-2013, Autor assumiu as funções de Team Leader cabendo-lhe em tal exercício a orientação e coordenação do trabalho da equipa, distribuir, priorizar e orientar tecnicamente o trabalho da equipa, garantindo o cumprimento de prazos, a qualidade e a satisfação do cliente.
5. A Ré estabeleceu procedimentos internos de qualificação de pessoal em ponto fixo e de rolagem de aeronaves.
6. Sendo um dos requisitos de tal qualificação um curso de especialização em ponto-fixo da respetiva aeronave.
7. Estabelecendo que a qualificação obtida pelos seus trabalhadores era válida por um ano, findo o qual os detentores de qualificação teriam de passar “por um processo de recertificação e não de revalidação”.
8. Mais estabelecendo que a validade da certificação cessava quando o operador não executar um ponto fixo e uma rolagem dentro de um período de noventa dias na aeronave para o qual possui qualificação.
9. Durante a execução do contrato a Ré facultou ao Autor diversas formações, internas e externas suportando os respetivos custos.
10. Quando tal sucedia e em face dos custos que a formação envolvia a Ré celebrava com o Autor, tal como com os demais trabalhadores, pactos de permanência.
11. Uma dessas formações teve lugar entre 5-10-2009 e 10-10-2009, na Lufthansa e teve por objeto A318/319/320/321 (CFM56/V2500) Engine Run-up.
12. Permitindo ao Autor qualificar-se para a realização de pontos fixos e rolagem de aeronaves, dos referidos modelos, quando ao serviço da Ré.
13. O Autor obteve certificação da frequência do curso frequentado.
14. Após a formação em 2009 o Autor efetuou as manobras de run-up para as quais obtivera formação de três em três meses em aeronaves, dos referidos modelos, que a Ré tinha nas suas instalações.
15. Efetuando desse modo a sua recertificação de acordo com os procedimentos internos estabelecidos pela Ré.
16. A partir de 2015 a Ré deixou de ter nas suas instalações aeronaves dos referidos modelos para o Autor efetuar a sua recertificação.
17. Em 22-6-2016 Autor e Ré celebraram um pacto de permanência com referência à frequência de um curso de “Airbus A320 Run-Up (CFM56 & V2500)” que, foi ministrado pela (…), em Zurique.
18. No referido pacto estabeleceram que o Autor se comprometia a manter a sua prestação laboral à Ré durante um período de três anos e como compensação das despesas extraordinárias com tal formação que a Ré suportaria.
19. Mais estabelecendo que em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor antes de decorrido aquele período de três anos o mesmo suportaria os custos da formação que foram fixados em 8.650,00€.
20. Para efeitos da frequência da formação em causa o Autor viajou para a Suíça no dia 26-6-2016 e daí regressou no dia 1-7-2016.
21. A referida formação foi frequentada igualmente por (…) trabalhador da Ré e também Técnico de Manutenção Aeronáutica e Team Leader.
22. A formação frequentada pelo Autor incluiu horas de formação teórica e horas de treino em simulador.
23. Sendo a mesma, em termos formativos, igual à frequentada pelo Autor em 2009.
24. O Autor obteve, novamente, certificação da frequência do curso frequentado.
25. Com a formação prestada na Suíça em Junho de 2016, aos seus dois trabalhadores, a Ré despendeu e 14.040,00€ com o curso ministrado pela (…), 549,36€ com viagens entre Lisboa/Zurique/Lisboa, 747,91€ com o alojamento do Autor em Zurique, 397,74€ com despesas de alimentação e acessórias durante o período de deslocação para formação.
26. Os cursos de Run-up A320, como os realizados pelo Autor, não possuem prazo de validade.
27. Em 1 de Setembro de 2017 o Autor recebeu indicação dos serviços da Ré que a sua qualificação para ponto fixo e rolagem A319/A320/A321 se encontrava, cancelada e que estava inibido de exercer os privilégios de certificação no âmbito dos quais estava qualificado/Autorizado.
28. Em 8-11-2017 o Autor comunicou à Ré que resolvia o contrato que haviam celebrado com efeitos reportados a 7-1-2018.
29. Na sequência de tal comunicação a Ré solicitou ao Autor o montante de 4.257,85€ que considerou proporcional ao tempo de incumprimento do pacto de permanência e cujo pagamento solicitou até 6-1-2018.
30. O Autor recusou proceder a tal pagamento ou reconhecer ser devedor do mesmo à Ré.
31. No recibo de remuneração de Fevereiro de 2018 a Ré fez constar um valor ilíquido de 6.502,17€ sobre o qual efetuou, para além dos descontos legais referentes a contribuições para a segurança social e retenção de IRS, o desconto de 4.257,85€ de indemnização por incumprimento de pacto permanência, com o que o Autor nada recebeu a título de valores constantes de tal recibo.
32. Em Abril de 2018 a Ré emitiu, em nome do Autor, um recibo de participação nos lucros com o montante ilíquido de 1.304,25€, sobre o qual fez incidir descontos a título de IRS e ainda 753,73€ para regularização de valor em dívida, entregando ao Autor e com referência a valores de tal recibo a quantia de 22,45€.
33. Em 31-7-2018 a Ré solicitou à Autoridade Nacional de Aviação Civil a remoção das aeronaves Airbus A319/A320/A321 do âmbito da sua aprovação técnica.
34. Após cessação do contrato com a Ré o Autor foi trabalhar para uma empresa do mesmo sector de atividade da Ré.
*
Relativamente à invocada necessidade de retificação da matéria de facto que foi consignada como assente no ponto 31 dos factos tidos por provados na sentença recorrida, já referimos no precedente relatório que, em 03/09/2019 foi proferido despacho no qual a Mma. Juíza do Tribunal “a quo” apreciou o requerimento deduzido pela Ré/apelante tendo em vista a retificação de erros materiais da sentença recorrida, mormente os que, em seu entender, se verificavam na matéria dos pontos 31 e 32 dos factos ali tidos por provados, requerimento que, contudo, foi objeto de despacho de indeferimento sem que a Ré/apelante, notificada desse despacho, tivesse deduzido sobre, o mesmo, qualquer impugnação.
Não cabe, portanto, a este Tribunal da Relação proceder, agora, à pretendida retificação da matéria que figura desses pontos, até porque, em relação à mesma e à restante matéria de facto tida por provada na sentença recorrida, não foi deduzida, no recurso em causa, qualquer impugnação, sendo certo que se não vê motivo para uma alteração oficiosa da mesma.
Deste modo, considera-se como definitivamente assente a matéria de facto tida por provada na sentença recorrida e que anteriormente reproduzimos.
*
Quanto à necessidade de retificação da al. a) do dispositivo da sentença recorrida, será questão a abordar no final da apreciação do mérito da primeira das suscitadas questões de recurso, relegando-se para esse momento a apreciação de uma tal questão.
* Fundamentos de direito
Fixada que se mostra a matéria de facto, importa, agora, passar à apreciação da principal questão de direito suscitada no recurso em causa, a qual se prende com saber se se mostra válido e, desse modo, eficaz o pacto de permanência estabelecido entre ambas as partes em 22 de junho de 2016 e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
Antes, porém, importa considerar que, perante a matéria de facto provada, em particular a que consta dos pontos 3 e 28, quando conjugada com o estabelecido, quer no art.º 1152º do Código Civil (CC), quer no art.º 10º do Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 e então em vigor, se mostra incontroverso que em 1 de setembro de 2008 foi celebrado e passou a existir entre ambas as partes um contrato de trabalho, sendo que constituía dever do empregador o de contribuir para a elevação do nível de produtividade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional [cfr. art.º 120º al. d) do referido CT], dever que se manteve após a entrada em vigor, em 17/02/2009, do atual Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 [cfr. art.º 127º al. d) deste CT], verificando-se que, embora tal já decorresse da norma do anterior Código do Trabalho, na do atual prevê-se, claramente, que a formação profissional que o empregador deve proporcionar ao trabalhador deve ser a adequada ao desenvolvimento da sua qualificação.
Ainda no âmbito da formação profissional, estipulava-se no anterior e continua a estabelecer-se no atual Código do Trabalho que a mesma tinha e continua a ter por objetivo, entre outros que aqui não relevam, o de promover ou assegurar a formação contínua dos trabalhadores, cabendo ao empregador o dever de garantir um número mínimo anual de horas de formação a cada um deles (35 horas, nos termos do art.º 130º n.º 2 do atual CT), formação que pode ser desenvolvida pelo próprio empregador, por entidade formadora certificada para o efeito ou por estabelecimento de ensino reconhecido por ministério competente, dando lugar à emissão de certificado e a registo na caderneta individual de competências do trabalhador [cfr. art.ºs 124º al. b) e 125º do CT/2003 e art.ºs 130º al. b) e 131º do atual CT/2009].
Ora, tendo-se demonstrado que a Ré se dedica principalmente à atividade de manutenção, reparação e modificação de aeronaves motores aviónicos, acessórios e equipamentos terra propriedade dos seus clientes, também se provou que, mediante o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes, o Autor se obrigou a desempenhar as funções inerentes à categoria de «Técnico de Manutenção de Aeronaves», vulgo TMA, sendo que o mesmo, a partir de 1 de maio de 2013, assumiu as funções de «Team Leader», cabendo-lhe a orientação e coordenação do trabalho da equipa, distribuindo, priorizando e orientando tecnicamente o trabalho da mesma, garantindo, desse modo, o cumprimento de prazos, a qualidade e a satisfação dos clientes da Ré (v. matéria que consta dos pontos 1 a 4 dos factos provados).
Para além disso, também se provou que a Ré estabeleceu procedimentos internos de qualificação de pessoal em ponto fixo e de rolagem de aeronaves, sendo um dos requisitos dessa qualificação (a frequência, presume-se, de) um curso de especialização em ponto fixo da respetiva aeronave, estabelecendo ainda que a qualificação obtida pelos seus trabalhadores era válida por um ano, findo o qual os detentores de qualificação teriam de passar por um “processo de recertificação” e que a validade da certificação cessava quando o operador não executasse um ponto fixo e uma rolagem dentro de um período de noventa dias na aeronave para a qual possuísse qualificação (v. matéria que consta dos pontos 5 a 8 dos factos provados).
Verifica-se, deste modo, que a própria Ré estabeleceu – com o compreensível rigor que a sua principal atividade exigirá – procedimentos internos destinados à qualificação e recertificação dos seus trabalhadores em matéria de ponto fixo e rolagem de aeronaves durante a execução dos respetivos contratos de trabalho, sendo requisitos de qualificação a frequência de curso de especialização em ponto fixo da respetiva aeronave, ao mesmo tempo que estabeleceu periódicos (no curto espaço de três em três meses) processos de recertificação dos trabalhadores detentores de qualificação naquelas matérias.
Posto isto, resultou demonstrado que, durante a execução do referido contrato de trabalho, a Ré facultou ao Autor diversas formações internas e externas, suportando os respetivos custos, provando-se, também que, dependendo dos custos que a formação envolvia, celebrava com este, tal como com os demais trabalhadores, pactos de permanência, sendo que uma dessas formações teve lugar entre os dias 5 e 10 de outubro de 2009, na (…), tendo por objeto as aeronaves modelo A318/319/320/321 (CFM56/V2500) Engine Run-up, permitindo ao Autor qualificar-se para a realização de pontos fixos e rolagem de aeronaves desses modelos, enquanto ao serviço da Ré, tendo o Autor obtido certificação da frequência desse curso e efetuado, posteriormente, manobras de run-up em aeronaves dos referidos modelos que a Ré tinha nas suas instalações, efetuando também, desse modo, a sua recertificação de acordo com os procedimentos internos estabelecidos (v. matéria que consta dos pontos 9 a 15 dos factos provados).
Sucede haver-se igualmente demonstrado que, a partir de 2015, a Ré deixou de ter nas suas instalações aeronaves dos referidos modelos que permitissem ao Autor efetuar a sua recertificação e que, em 22 de junho de 2016, este e a Ré celebraram um pacto de permanência destinado à frequência de um curso de “Airbus A320 Run-up (CFM56 & V2500)”, curso que foi ministrado pela (…). em Zurique, sendo que no referido pacto de permanência as partes estabeleceram que o Autor se comprometia a manter a sua prestação de trabalho para a Ré durante um período de três anos, como compensação das despesas extraordinárias que a Ré suportaria com tal formação, estabelecendo ainda ambas as partes, na formulação desse pacto, que, em caso de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor antes de decorrido aquele período de três anos, o mesmo suportaria os custos de formação, os quais foram fixados em €8.650,00 (v. matéria que consta dos pontos 16 a 19 da matéria de facto provada).
Provou-se também que, para efeitos da frequência da referida formação, o Autor viajou para a Suíça no dia 26 de junho e daí regressou no dia 1 de julho de 2016, curso que incluiu horas de formação teórica e horas de treino em simulador, tendo o Autor obtido, novamente, certificação da frequência desse curso e a Ré despendido com essa formação um montante global que se pode considerar ter sido de €7.867,50 (v. matéria que consta dos pontos 20, 22, 24 e 25 da matéria de facto provada).
Perante esta matéria de facto provada, a questão colocada à apreciação deste Tribunal consiste, como se referiu, em saber se este último pacto de permanência estabelecido entre ambas as partes em 22 de junho de 2016 se mostra válido e, desse modo, eficaz e quais as consequências daí decorrentes face à sentença recorrida.
Importa, desde já, frisar que se trata de questão não suscitada pelas próprias partes, designadamente pelo Autor, nos articulados que produziram nos presentes autos, mas que, ainda assim, foi apreciada pela Mma. Juíza do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, referindo a mesma, a dado passo desta sentença e com relevo, que «[a]dmitido o pacto de permanência como limitação da liberdade de trabalho do trabalhador a lei sujeita-o a requisitos específicos relacionados com a sua duração e com as despesas realizadas com vista à ponderação de interesses do empregador que suporta a formação e o já referido princípio constitucional.
Em primeiro lugar, a limitação dele decorrente não pode ultrapassar os três anos.
Depois as despesas têm de ser avultadas, conceito indeterminado em cujo preenchimento importa, salvo melhor opinião, não perder de vista que o pacto é uma limitação de um princípio com assento constitucional.
Tal consideração torna-se mais clara se tivermos em atenção a evolução da norma do Código do Trabalho sobre o pacto de permanência e efectuando o seu confronto com a obrigação de formação prevista no art.º 127º nº 1 al d) e o art.º 130º do Código do Trabalho.
É que, nos termos destes preceitos, a prestação de formação profissional é uma obrigação do empregador decorrente do contrato de trabalho, sendo que o cumprimento dessa obrigação implicará sempre, em maior ou menor medida, custos ou despesas para o empregador.
A relatividade do conceito de despesas avultadas pode, por exemplo, ser preenchido por referência a valores que excedam injustificadamente os devidos por crédito de horas de formação não prestada nos termos do art.º 134º do Código do Trabalho – assim os ligando ao valor da retribuição auferida --, à dimensão e volume de negócios da empresa, à sua duração ou às características do mercado de trabalho para a categoria do trabalhador ou, até e eventualmente, acorado pelas partes.
Mas não pode perder de vista que a formação em causa tem de ser algo mais que a normal formação contínua prevista no art.º 131º em termos de enriquecimento curricular do trabalhador.
Sob pena de a liberdade de trabalho ser facilmente colocada em causa por um pacto de permanência, a formação que justifica este tem de ser de valor avultado para o empregador, mas também ser de avultado relevo para o enriquecimento curricular do trabalhador, da mesma resultando uma qualificação que o mesmo não possuía ou nunca obteria pelo simples exercício da sua actividade profissional, a actividade contratada.
Isto sob pena de, com a actual redacção da norma – no anterior Código do Trabalho (2003) a menção era a despesas extraordinárias e não a despesas avultadas – toda e qualquer despesa de formação profissional que seja qualificada como avultada ser susceptível de configurar fundamento de celebração do pacto de permanência com a consequente limitação da liberdade de trabalhador.
Assim, apenas uma interpretação restritiva no sentido de considerar legitimadora de pacto de permanência as despesas avultadas que exorbitam a formação prevista no art.º 131º do Código do Trabalho e que configuram um enriquecimento profissional do trabalhador para além dessa formação pode obviar à excessiva restrição da liberdade de trabalho que, recorde-se, resulta da projecção de principio constitucional – vd, defendendo interpretação restritiva, Palma Ramalho em Tratado de Direito do Trabalho, II, , pág. 211 da ed..
Deste modo, a formação terá não apenas de se traduzir em despesas que sejam consideradas avultadas, mas também de ser mais – um plus -- que a formação contínua que o empregador se encontra legalmente obrigado a ministrar, isto é, que seja uma formação extraordinária».
Concluiu-se, depois, na mesma sentença que «…o curso de formação que a ré facultou ao autor em 2016, que o mesmo frequentou e serviu de justificação para o pacto de permanência, com base no qual a ré justifica a dedução de valores efectuada, não determinou a aquisição de novas competências profissionais ao autor para o desempenho da sua actividade ao serviço da ré.
Tal conclusão não pode deixar de conduzir à invalidade, por falta de fundamentos substantivos, da justificação do pacto de permanência celebrado e que a ré invoca determinando uma injustificada limitação da liberdade de trabalho do autor, liberdade na qual compreende o seu direito de denúncia do contrato previsto no art.º 400º do Código do Trabalho».
Vejamos se, ao extrair-se esta conclusão, com as consequências daí decorrentes, se decidiu com acerto na 1ª instância!
Tendo em consideração a data de formalização do mencionado pacto de permanência entre ambas as partes (22/06/2016), deveremos levar em linha de conta o que, nessa matéria, se estabelece no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02.
Sob a epígrafe «Pacto de permanência», estabelece o art.º 137º deste diploma que:
«1. As partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional. 2. O trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do acordo previsto no número anterior mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas».
A propósito deste preceito legal, refere a Sr.ª Prof.ª Maria do Rosário P. Ramalho em Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais – 3ª Edição, pág. 232/233 que «[o] pacto de permanência é o acordo entre o empregador e o trabalhador (que pode integrar o próprio contrato de trabalho ou ser celebrado durante a sua execução) pelo qual o segundo se obriga a manter-se ao serviço do primeiro durante um determinado período. Estes pactos ou cláusulas contratuais estão previstos no art.º 137.º do CT e configuram, como facilmente se compreende, uma auto-limitação do princípio constitucional da liberdade de trabalho, que passa, naturalmente, pela liberdade de denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador.
O art.º 137.º do CT admite os pactos de permanência em circunstâncias bem definidas, com um alcance temporal delimitado, e permitindo-se, ainda assim, a desvinculação antecipada do trabalhador. Estes requisitos asseguram a adequação da restrição ao princípio constitucional da liberdade de trabalho, que decorre destes pactos, dentro de limites de razoabilidade. Assim:
- o pacto ou a cláusula de permanência só são admitidos como compensação ao empregador por despesas avultadas por ele feitas na formação profissional do trabalhador (art.º 137.º n.º 1);
- o pacto de permanência tem a duração máxima de três anos (art.º 137º n.º 1);
- o trabalhador pode desvincular-se do pacto de permanência restituindo ao empregador as importâncias por ele dispendidas (art.º 137.º n.º 2)».
Acrescenta a mesma autora (ob. cit. pág.ªs 233/234) que, «[e]m primeiro lugar cabe reter que a lei se refere agora a despesas «avultadas» do empregador com a formação do trabalhador, quando anteriormente se referia a despesas «extraordinárias». A referência a despesas extraordinárias permitia distinguir estas despesas das despesas «normais» do empregador na formação profissional do trabalhador, em cumprimento dos seus deveres legais nessa matéria (art.º 131.º do CT). Ora, na actual redacção do preceito, esta distinção já não é tão clara, o que justifica uma interpretação restritiva do preceito, neste ponto, como única forma de evitar uma limitação excessiva do princípio constitucional da liberdade de trabalho.
Em segundo lugar, observa-se que a lei continua a reportar as despesas avultadas que justificam o pacto de permanência, à «formação profissional» do trabalhador, ao passo que a norma correspondente do período prévio à codificação laboral (art.º 36.º n.º 3 da LCT) se referia a despesas extraordinárias feitas pelo empregador «na preparação profissional» do trabalhador. Compreendendo-se o intuito de unificação terminológica que parece ter estado na origem da actual referência, julga-se que esta redacção foi para além do desígnio terminológico, reduzindo o âmbito de aplicação da norma, uma vez que o conceito de formação profissional é mais restrito do que o conceito de preparação profissional. Assim, se, por exemplo, o empregador custeia um programa de mestrado de um trabalhador numa determinada área, que seja de relevante interesse para a actividade profissional por ele desenvolvida na empresa, essa despesa é extraordinária e contribui para melhorar a preparação profissional do trabalhador, ainda que não corresponda, rigorosamente, a formação profissional e sim a formação académica. Não se vendo razão plausível para esta limitação e sendo reconhecido o interesse destes pactos tanto para os empregadores como para os trabalhadores, sustenta-se, neste aspecto, uma interpretação ampla do preceito, no sentido de englobar despesas análogas às despesas extraordinárias com a formação profissional».
Embora com reporte ao disposto no art.º 147º do anterior Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08-2003 – preceito que, em termos semelhantes, previa a celebração do mesmo tipo de pacto entre empregador e trabalhador – refere o Sr. Prof. António Monteiro Fernandes em Direito do Trabalho 12ª Edição, pág.ªs 613/614/615 que «o pacto de permanência actua na vigência do contrato e destina-se a garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem compensadas… pode ser acordada entre o empregador e o trabalhador uma duração garantida do contrato, implicando a obrigatoriedade da prestação de serviço durante certo prazo – que não pode ultrapassar três anos – como compensação de despesas avultadas de formação. Estamos perante algo de semelhante a um “termo estabilizador”, concebido como instrumento de protecção de interesses do empregador. A garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação… o sentido do próprio pacto de permanência é o de uma garantia de “amortização” ou de “retorno” para um investimento particularmente significativo em formação. Se a duração estipulada não é cumprida, a restituição deve, a nosso ver, limitar-se à proporção do tempo em falta».
Por sua vez, reportando-se à possibilidade legal de estabelecimento de pacto ou cláusula de permanência e ainda que também à luz do referido art.º 147º do CT/2003, refere o Sr. Prof. e atual Juiz Conselheiro Júlio M. Vieira Gomes em Direito do Trabalho – Volume I – Relações Individuais de Trabalho, pág.ªs624/625 que, «[n]ela o trabalhador obriga-se a não denunciar o contrato, renunciando, pois, à “demissão livre”… em qualquer sistema que se baseie como o nosso na liberdade de trabalho este tipo de cláusulas deve ter-se por excepcional. A cláusula não deve ter tanto como objectivo primário ou directo dificultar a cessação do contrato pelo trabalhador, mas antes proteger a contrapartida de um investimento significativo e excepcional… realizado pelo empregador que custeia, por exemplo, um curso de formação profissional, um estágio no estrangeiro. É, portanto, imprescindível que o empregador tenha suportado um custo real e efectivo com a formação… o interesse do empregador que justifica a cláusula está no retorno que este legitimamente espera obter do investimento económico que realizou na especialização profissional do trabalhador».
Posto isto e muito embora a norma em causa (art.º 137º do CT/2009) não aluda a qualquer tipo de formação profissional necessária para justificar a celebração de um pacto de permanência no âmbito da relação contratual de trabalho, não repugna considerar que apenas uma formação que exceda a formação genérica ou essencial dada pelo empregador ao trabalhador para que exerça cabalmente as suas funções, possa justificar a assunção por parte deste de uma obrigação de permanência de prestação de trabalho durante determinado período de tempo que não ultrapasse os três anos, como forma de retorno ou compensação pelo investimento económico em formação feito pelo empregador.
Trata-se, a nosso ver, de uma formação profissional que assuma relevo em termos do enriquecimento curricular do trabalhador mediante a aquisição de novas capacidades técnicas ou teórico-práticas no âmbito das funções para que foi contratado ou quando a formação profissional esteja relacionada com necessidades de atualização dessas capacidades, sobretudo, quando o trabalhador desempenhe funções que impliquem o manuseamento de equipamentos de forte pendor tecnológico, que, como é notório, estão sujeitos a frequentes evoluções, com a consequente necessidade de atualização por parte dos seus operadores ao longo do tempo.
Como refere o Sr. Prof. e Juiz Conselheiro Júlio Gomes (ob. cit., pág. 625), citando, em nota de rodapé Hans Georg Meier/Rolf Schulz, «o empregador, como é óbvio, ao custear as despesas da formação do trabalhador, não o faz por altruísmo, mas na expectativa de vir a beneficiar do acréscimo de competência do trabalhador. Este, por seu turno, depois da conclusão da formação, vê, segundo a qualidade e a extensão da formação ministrada, melhoradas as suas chances no mercado, de modo que aumentaria o risco de o trabalhador fazer cessar o contrato e de frustrar, assim, a expectativa legítima do empregador amortizar o seu investimento».
Em qualquer dos casos e ainda assim, só quando o empregador tenha de suportar avultadas despesas, no sentido de muito significativas ou análogas às despesas extraordinárias, com a formação do trabalhador, se pode justificar a assunção por parte deste de uma obrigação de permanência de prestação de trabalho para aquele por período determinado de tempo que não ultrapasse os três anos nos termos do já mencionado normativo legal.
É certo haver-se provado que a formação frequentada pelo Autor em 2016, em termos formativos (passe o pleonasmo) era igual à que o mesmo efetuara em 2009 (v. matéria que consta do ponto 23 dos factos provados). Sabe-se, no entanto, que foi conferida por diferentes entidades estrangeiras o que, em termos curriculares, também pode constituir um “apport” ou uma mais-valia para o trabalhador aqui Autor, para além de que o dispêndio por parte da Ré de um valor de € 7.867,50 (sete mil oitocentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) com a formação frequentada por aquele durante um período de apenas quatro dias na Suíça não pode deixar de ser considerado como muito significativo, logo, bastante avultado.
Ora, tendo em consideração todos estes aspetos, quando conjugados como a matéria de facto provada a que fizemos anterior referência, afigura-se-nos que, contrariamente ao que se decidiu na sentença recorrida, o pacto de permanência celebrado, de forma livre e consciente (nada se alegou e demonstrou em sentido contrário), entre o Autor e a Ré em 22 de junho de 2016, mediante a observância dos requisitos impostos pela lei e sem que se possa concluir que o mesmo tenha constituído excessiva restrição à liberdade do Autor, violadora do princípio constitucional da liberdade de trabalho que decorre do art.º 58º da CRP – até porque, como demonstrado também ficou, o Autor em 8 de novembro de 2017, ou seja, volvidos apenas 16 meses e 17 dias após a celebração do mencionado pacto de permanência, comunicou à Ré que resolvia o contrato de trabalho que com esta havia celebrado, fazendo-o com efeitos reportados a 7 de janeiro de 2018 – se deve considerar como válido e, desse modo, eficaz.
É certo haver-se demonstrado que em 1 de setembro de 2017 o Autor recebeu indicação dos serviços da Ré de que a sua qualificação para ponto fixo e rolagem A319/A320/A321 se encontrava cancelada e que estava inibido de exercer os privilégios de certificação no âmbito dos quais estava qualificado/autorizado, (v. matéria que consta do ponto 27 dos factos provados). Contudo, a cessação de contrato de trabalho assumida pelo Autor em 8 de novembro de 2017, para produzir efeitos a partir de 7 de janeiro de 2018, não se fundou na invocação de qualquer justa causa, constituindo, por isso, uma denúncia de contrato decidida unilateralmente pelo Autor naquela data (art.º 400º do CT/2009).
Ora, tendo as partes celebrado de forma válida e eficaz, em 22 de junho de 2016, o mencionado pacto de permanência, pacto que estipulava um período de três anos de prestação de trabalho por parte do Autor como compensação das despesas extraordinárias feitas pela Ré com a sua formação profissional na Suíça e tendo-se demonstrado que em 8 de novembro de 2017 o Autor comunicou à Ré a cessação do contrato de trabalho que os vinculava, cessação com efeitos a partir de 7 de janeiro de 2018, fácil é concluir não haver o Autor respeitado integralmente o acordado com a Ré no aludido pacto, razão pela qual, considerando o estabelecido no já mencionado art.º 137º do CT/2009, devia o mesmo restituir a esta o montante de despesas por ela suportado, correspondente ao período de tempo de incumprimento de um tal pacto.
Relativamente a este aspeto, entendemos que se deve levar em consideração o montante efetivamente despendido pela Ré com a formação profissional do Autor frequentada na Suíça em junho de 2016, ou seja, o montante de €7.867,50 (sete mil oitocentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), e, por outro lado, o tempo de incumprimento pelo Autor do pacto de permanência estabelecido entre ambas as partes, o qual corresponde ao período que mediou entre 7 de janeiro de 2018 e 22 de junho de 2019, isto é, 17 meses e 15 dias.
Verifica-se, deste modo, que o Autor deveria restituir à Ré a importância de €3.824,39 (três mil oitocentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos) correspondente a 48,61% daquele outro valor.
Verifica-se, porém, que, na sequência da denúncia de contrato de trabalho levada a cabo pelo Autor com efeitos a partir de 7 de janeiro de 2018, a Ré solicitou-lhe o pagamento, até 6 de janeiro de 2018, do montante de €4.257,85 que considerou ser o proporcional ao tempo de incumprimento do pacto de permanência, sendo que o Autor recusou proceder a tal pagamento, bem como reconhecer ser devedor desse montante à Ré (v. matéria que consta dos pontos 29 e 30 dos factos provados).
Por outro lado, provou-se que no recibo de remuneração de fevereiro de 2018 a Ré fez constar um valor ilíquido de 6.502,17€ sobre o qual efetuou, para além dos descontos legais referentes a contribuições para a segurança social e retenção de IRS, o desconto de 4.257,85€ de indemnização por incumprimento de pacto permanência, com o que o Autor nada recebeu a título de valores constantes de tal recibo (v. matéria que consta do ponto 31 dos factos provados).
Ora, perante esta matéria de facto provada, a questão que agora se coloca é a de saber se a Ré podia proceder à compensação de um seu crédito sobre o Autor, decorrente do não cumprimento integral, por parte deste, do pacto de permanência estabelecido entre ambos, crédito que já vimos cifrar-se no valor de €3.824,39 (três mil oitocentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos) com o crédito remuneratório do Autor sobre a Ré decorrente da cessação de contrato de trabalho em 7 de janeiro de 2018, compensação que foi levada a efeito em fevereiro de 2018 e, na afirmativa, se a Ré procedeu a uma correta compensação de créditos.
O art.º 279º do Código do Trabalho não permite que, na pendência do contrato de trabalho, o empregador proceda à compensação de crédito que tenha sobre o trabalhador com retribuição que a este seja devida, ou, sequer, que proceda a qualquer desconto ou dedução sobre a mesma, salvo nas situações previstas no n.º 2 daquele preceito legal.
Sucede que, no presente caso, quando a Ré procedeu à aludida compensação de créditos, já não se estava na pendência do contrato de trabalho que existira entre ambas as partes, uma vez que este cessara em 7 de janeiro de 2018 e essa compensação foi concretizada em fevereiro desse mesmo ano, no âmbito de um acerto final de contas decorrente da referida cessação de contrato.
Por outro lado, verifica-se que, tendo-se estipulado na cláusula 5ª do pacto de permanência estabelecido entre as partes em 22 de junho de 2016 que, «[n]o caso de haver cessação do contrato por iniciativa da Segunda Outorgante (o aqui Autor) antes de terminado o prazo mencionado na Cláusula anterior, este obriga-se a restituir à Primeira Outorgante (a ora Ré) os custos suportados referentes à acção extraordinária de formação mencionada na Cláusula Segunda, no valor estimado de 8.650,00 Euros (oito mil seis centos e cinquenta Euros)», estipulou-se na cláusula 6ª desse mesmo pacto que «[c]aso se verifique a necessidade de restituição prevista na Cláusula anterior, a Segunda Outorgante (o aqui Autor) autoriza a Primeira Outorgante (a ora Ré) a proceder ao desconto ou compensação necessária a satisfazer o seu crédito, sobre a remuneração base ou acessória, bem como sobre qualquer outro valor que a Segunda Outorgante tenha a receber no momento de acerto final de contas após a cessação do vínculo laboral, independentemente do título a que ocorra».
Em face desta cláusula contratual livremente estabelecida entre ambas as partes, nada obstava a que a aqui Ré, terminado o contrato de trabalho que a vinculava ao Autor – cessação que, como se referiu, ocorreu em 7 de janeiro de 2018 por denúncia de contrato levada a efeito por este antes de esgotado o prazo de três anos estipulado entre ambos os contratantes no mencionado pacto de permanência –, procedesse à compensação do seu crédito com o crédito do Autor decorrente da cessação do contrato de trabalho que os vinculara. Estamos perante uma compensação decorrente de declaração feita nesse sentido pela Ré e aceite pelo Autor no âmbito do referido pacto para concretizar nas mencionadas circunstâncias. A isto chama-se compensação voluntária ou contratual a qual está sujeita à disciplina geral dos contratos e não às regras estabelecidas nos artigos 847º e seguintes do Código Civil, como referem os Srs. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela no seu Código Civil Anotado, Volume II – 2ª Edição – pág. 119.
Posto isto, verifica-se que a Ré, ao proceder à aludida compensação, a concretizou em montante superior àquele a que teria direito. Com efeito, resulta da matéria de facto provada que, tendo a Ré direito a receber do Autor o montante de €3.824,39 (três mil oitocentos e vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos) por força do incumprimento parcial, por parte deste, do pacto permanência entre ambos firmado e que constitui o objeto dos presentes autos, no acerto final de contas decorrente da cessação do contrato de trabalho que os vinculara, a Ré descontou o montante de €4.257,85 (quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de indemnização por esse incumprimento, fazendo esse desconto sobre o crédito remuneratório que o Autor tinha direito a receber naquele acerto de contas, excedendo, portanto, em € 433,46 (quatrocentos e trinta e três euros e quarenta e seis cêntimos) a compensação que poderia operar, importância esta que o Autor tem direito lhe seja restituída pela Ré, acrescida de juros moratórios a contar da data de citação como pedido.
*
Relativamente à segunda das suscitadas questões de recurso, já nos pronunciámos anteriormente e quanto à terceira questão obviamente que, ao invés de uma mera retificação, impõe-se a alteração da al. a) do dispositivo da sentença recorrida face ao que anteriormente deixámos exposto.
* DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidem alterar a al. a) do dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de €433,46 (quatrocentos e trinta e três euros e quarenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contabilizados desde 29/06/2018 e até efetivo e integral pagamento.
No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo de Autor e Ré na proporção do respetivo decaimento.
Lisboa, 2020.01.15
José António Santos Feteira
Filomena Maria Moreira Manso
José Manuel Duro Mateus Cardoso