OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
INCUMPRIMENTO
COBRANÇA COERCIVA
MEIOS PROCESSUAIS A UTILIZAR
ARTIGOS 41.º E 48 º DO RGPTC
EXECUÇÃO ESPECIAL POR ALIMENTOS
Sumário

I – O mecanismo processual previsto no artigo 48.º do Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis pode ser utilizado sem o prévio recurso ao incidente de incumprimento previsto no mais abrangente artigo 41.º do mesmo diploma.
II - O artigo 41.º possui um âmbito mais alargado (por abranger a regulação das várias possibilidades de incumprimento do regime definido para as responsabilidades parentais concernentes ao/à menor, desde a sua entrega à guarda de um dos progenitores, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação e assistência, ao desrespeito pelo fixado regime de visitas, etc.), que o do artigo 48.º (que se reporta em exclusivo ao incumprimento da prestação de alimentos).
III – No caso do artigo 48.º não existe qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que, tal como ocorre no caso da execução especial por alimentos (ou em qualquer execução de sentença), o/a progenitor/a em falta-devedor/a-executado/a é sempre notificado/a para se pronunciar depois de serem efectivados os descontos (ou a penhora, no caso das execuções), o que lhe permite nessa altura tomar posição sobre a situação e poder colocar em causa o incidente de incumprimento da prestação de alimentos.
IV - O artigo 48.º constitui um procedimento célere e eficaz, especial, para situações especiais e por razões especiais, mas que – por outro lado – só pode funcionar adequadamente nos casos em que o devedor tem aquele tipo de rendimentos (porque se assim não for é totalmente inócuo).
V – A execução especial por alimentos, prevista e regulamentada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil procura dar uma especial protecção às obrigações de alimentos.
VI - O legislador cria uma malha normativa traduzida num sistema adaptável que permite ao credor de alimentos decorrentes de uma acção de regulação das responsabilidades parentais, a ponderação sobre a escolha do caminho mais adequado à concretização dos seus objectivos e conveniências:
 - o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC;
 - o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC; e
 - a execução especial por alimentos, prevista nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil.
VII - Cabe ao credor dos alimentos optar, em alternativa, pelo uso de um desses três instrumentos processuais, em função da avaliação que realize, em concreto, sobre a configuração concreta dos intervenientes e dos seus circunstancialismos (nomeadamente valores em dívida, tipo de rendimentos em causa, tipo de bens do devedor, premência da necessidade, danos provocados susceptíveis de gerar indemnização, capacidade de a aplicação de uma multa poder constituir um “incentivo” ao cumprimento), fazendo a escolha pelo que se afigurar ser o mais conveniente.
VIII – Nada obsta à utilização da execução especial por alimentos, a seguir à do mecanismo do artigo 48.º, desde que esteja em causa a afectação de bens do devedor distintos dos previstos neste último. 

Texto Integral

Decide-se na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
O Ministério Público veio, nos termos do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e em representação do menor N… (por apenso à acção de regulação do exercício de responsabilidades parentais n.º 6804/18.0T8FNC-A), efectivar a prestação alimentar devida.
Por decisão de 03 de Maio de 2023, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
“Estando em causa um incumprimento efetivo de uma obrigação de alimentos, poderá o credor de alimentos, na pessoa do seu representante, lançar mão do processo executivo especial consagrado no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro.
O objetivo é o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos através da retenção na fonte de rendimentos periodicamente auferidos pelo devedor, como são os salários, pensões, subsídios, etc., efetuada pela entidade empregadora a pedido do tribunal, sendo posteriormente entregue ao credor as quantias devidas.
Na senda de uma análise comparativa entre o mecanismo do artigo 41.º e 48.º, afigura-se necessário apurar se para lançar mão do segundo é requisito obrigatório socorrer-se do primeiro em primeira linha.
A corrente doutrinária maioritária entende que pode ser aplicado o mecanismo do artigo 48.º sem incitar o incidente de cumprimento do artigo 41.º quando em causa esteja tão-só o incumprimento efetivo da obrigação de alimentos devida a menor. (Entre outros, RAMIÃO, TOMÉ D’ALMEIDA. Organização Tutelar Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa, 10.ª Edição, Lisboa: Quid Juris, 2012, p. 152. BOLIEIRO, HELENA e GUERRA, PAULO, A Criança e a Família – Uma Questão de Direitos, Coimbra Editora, Coimbra, 2009., p. 243 e Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.02.2008, Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de janeiro de 2016, consultáveis em www.dgsi.pt)
Sustentam, aliás, esta tese através da própria tendência jurisprudencial, que vem entendendo que para o cumprimento coercivo do crédito e alimentos, o credor pode lançar mão quer do mecanismo do artigo 48.º quer da própria ação executiva especial por alimentos, deixando de fora o artigo 41.º, uma vez que este mesmo artigo “nem sequer se refere ao incumprimento da obrigação de alimentos”.
Por outro lado, CLARA SOTTOMAYOR (Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5ª edição (revista, aumentada e atualizada), Almedina, Coimbra, 2011, p. 359 e 360), na senda de RUI EPIFÂNIO E ANTÓNIO FARINHA (Organização Tutelar de Menores. Contributo para uma visão interdisciplinar do direito dos menores e da família, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1992), entende que o facto da obrigação de alimentos ser fixada em ação de regulação das responsabilidades parentais, dá azo a que o mecanismo do artigo 48.º seja suscitado em incidente do artigo 41.º “pois todos os aspetos da regulação das responsabilidades parentais, porque relacionados entre si, devem ter um tratamento global e unitário”.
Neste sentido também se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa (de 01.03.2012, processo n.º 622/09.4TMFUN-G.L1-2), entendendo que “existem razões de ordem sistemática, processuais e de respeito pelo princípio do contraditório, que impõem que face a alegado incumprimento do pagamento da prestação de alimentos, estipulado no âmbito de Regulação do Exercício do Poder Paternal, se intente o incidente de incumprimento previsto no art.º 181 da OTM (atual artigo 41.º RGPTC), e não se enverede desde logo para a atuação coerciva prevista no art.º 189 OTM (atual artigo 48.º RGPTC).” – cfr. ainda CANHA, ANDREIA Cristina Nascimento, Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares (a Crianças e a Jovens), Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, 2016, p. 36. 39; por todos cfr MORGADO, MARTA DA FONSECA, A CRISE JURISPRUDENCIAL NA FIXAÇÃO DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa no âmbito do Mestrado em Direito e Prática Jurídica, Especialidade de Ciências Jurídico-Forenses, Lisboa, 2018, págs 24 e segs.
Assim, e aderindo ao segundo dos entendimentos e considerando ainda que o artigo 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro se dirija especificamente para alguns dos aspetos do exercício das responsabilidades parentais (artigo 9º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham, este não será manifestamente o caso) conclui-se da necessidade prévia da instauração de um incidente de incumprimento, aplicando-se, verificando as necessárias condições, o artigo 48º do mesmo diploma preferencialmente às ações executivas: se o devedor de alimentos for funcionário público, serão deduzidas as quantias em dívida do seu vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública. (n.º 1 al a) se o devedor de alimentos for empregado ou assalariado, a entidade empregadora será notificada para proceder à dedução das quantias em falta no ordenado ou salário do devedor, ficando na posição de fiel depositário (n.º 1 al b); se o devedor está desempregado, mas recebe rendas, pensões, subsídios, comissões, gratificações, comissões, percentagens, emolumentos. Neste caso, as quantias serão deduzidas nessas prestações quando tiverem de ser pagas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários (n.º 1 al c).
“O mecanismo do artigo 48.º é um sistema ideal para os pais que trabalham por conta de outrem ou para aqueles que têm rendimentos certos. Todavia, este sistema de descontos não resulta para quem trabalha para conta própria e não dispõe dos rendimentos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 48.º do RGPTC ou para o devedor que esteja desempregado. Também poderá ocorrer que o obrigado a prestar alimentos se despeça quando a medida seja decretada.
Pelo que, “a dedução deverá incidir sobre os subsídios, rendimentos de trabalho ou compensações que o trabalhador tenha direito a receber, cujo pagamento será congelado até se fazer a respetiva dedução, sendo a entidade patronal obrigada a informar o tribunal da última morada do trabalhador e do novo emprego deste caso o conheça”. CLARA SOTTOMAYOR (Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 5ª edição (revista, aumentada e atualizada), Almedina, Coimbra, 2011, p. 359 e 360.
Pelo exposto, deverão os presentes autos seguir como ação de incumprimento – artigo 41º, n.º 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) aprovado pela lei n.º 141/2015 de 08 de setembro.
Notifique.
Transitado proceda à competente correção”.
O Ministério Público veio recorrer desta decisão, apresentando Alegações, que culminam com as seguintes Conclusões:
“1 - O mecanismo de cobrança coerciva previsto no artigo 48 do RGPTC e à semelhança da execução especial por alimentos, (artigo do CPC) e á semelhança com a cobrança de alimentos fixados no estrangeiro (Regulamento 4/2009), não carece nem exige uma prévia passagem pelo incidente de incumprimento previsto no artigo 41 do RGPTC.
2 - Fixar a obrigatoriedade de passagem pela tramitação do artigo 41 do RGPTC, para poder desencadear a cobrança coerciva do artigo 48 do RGPTC, é pura invenção ilógica, sem apoio no texto da Lei nem em nenhum princípio aplicável em direito dos menores.
3 - Assim sendo, deve a decisão recorrida ser substituída por outra que determine a tramitação legal do artigo 48 do RGPTC, ordenando-se a solicitada cobrança e desconto da dívida no vencimento do requerido devedor.
4 - Só assim se fará, Ilustres Desembargadores a devida e saudável e LÚCIDA JUSTIÇA e mais. Só assim se defenderão e rapidamente, os direitos dos pobres MENORES. Que deveriam ser, afinal, num processo do RGPTC, a principal fonte de inspiração e PREOCUPAÇÃO”.
Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões do Recorrente importa verificar se o mecanismo de cobrança coerciva previsto no artigo 48.º do RGPTC exige uma prévia passagem pelo incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º do mesmo diploma.
Cumpre decidir.
Os Factos
A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório.
*
O Direito
É o Regime Geral do Processo Tutelar Cível-RGPTC[2] que - de acordo com o seu artigo 1.º (objecto) - regula o processo aplicável às providências tutelares cíveis (descriminadas nas doze alíneas do artigo 3.º) e respectivos incidentes, assumindo a natureza de jurisdição voluntária (artigo 12.º - natureza do processo) e correndo termos durante férias judiciais sempre que a demora possa causar prejuízo aos interesses da criança (artigo 13.º - processos urgentes).
Entre essas providências está a da alínea c) desse normativo: a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões subsequentes que lhe respeitem.
No regime fixado quanto às responsabilidades parentais dos progenitores da criança em nome da qual o Ministério Público se apresenta nestes autos[3], o pai ficou obrigado ao pagamento de uma prestação de alimentos que não tem cumprido.
O Ministério Público recorreu ao regime do artigo 48.º (meios de tornar efectiva a prestação de alimentos).
O Tribunal a quo entendeu que deveria ter seguido o regime estabelecido pelo artigo 41.º (incumprimento).
A decisão quando a esta matéria impõe que, antes de mais, não esqueçamos que este tipo de processos (tutelares cíveis) devem sempre estar enquadrados pelos princípios orientadores de intervenção a que se reporta o artigo 4.º: os estabelecidos na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo-LPCJP[4], e os da “Simplificação instrutória e oralidade”[5], “Consensualização”[6] e “Audição e participação da criança”[7].
A questão implica o recurso à concatenação – pelo menos – dos artigos 41.º (incumprimento) e 48.º (meios de tornar efectiva a prestação de alimentos) do RFPTC.
O artigo 41.º[8] começa por estabelecer o seguinte:
“1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos.
2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento.
3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente.
4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança.
5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal.
6 - Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa.
7 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide.
8 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos”.

Por seu turno, o artigo 48.º[9] consagra um processado especial que pretende ser célere e eficiente no tocante à efectivação da prestação de alimentos, estabelecendo que:
“1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las”.
Uma liminar leitura permite constatar que o artigo 41.º (como antes o artigo 181.º da Organização Tutelar de Menores-OTM), possui um âmbito mais alargado (por abranger a regulação das várias possibilidades de incumprimento[10] do regime definido para as responsabilidades parentais concernentes ao/à menor, desde a sua entrega  à guarda de um dos progenitores, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação e assistência, ao desrespeito pelo fixado regime de visitas, etc.), que o do artigo 48.º (que se reporta em exclusivo ao incumprimento da prestação de alimentos[11] e que corresponde, por seu turno, ao artigo 189.º da OTM).
E é esta especialidade do artigo 48.º que nos parece que não tem sido considerada devidamente nas situações que, a este propósito, têm gerado controvérsia doutrinal e jurisprudencial.
De forma pertinente, o Acórdão da Relação de Lisboa de 06 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 1642/19.6T8PDL.L1-2-Carlos Castelo Branco), assinala, explica e resume este regime, afirmando que “artigo 48.º do RGPTC tem por objetivo a cobrança coerciva da prestação de alimentos, traduzida na dedução de rendimentos do devedor. Concomitantemente, se o obrigado a alimentos não satisfizer as quantias que se encontram em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, a lei prevê a sua realização coativa, sendo necessário que a prestação de alimentos, bem como a sua periodicidade, tenham sido fixadas judicialmente, devendo o mecanismo ser intentado no processo que as fixou (assim, Tomé Ramião; Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa, 10.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2012, p. 190). Se o devedor de alimentos for funcionário em funções públicas, deduzem-se-lhe, do respetivo do vencimento, as quantias em dívidas, “sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública”. Se o obrigado a prestar alimentos for empregado ou assalariado, a respetiva entidade patronal é notificada para que deduza as quantias em falta no ordenado ou salário do devedor, ficando na situação de fiel depositário. Se, não trabalhando, o devedor de alimentos receber rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, as quantias são deduzidas nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, “fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários”. Após a dedução das quantias em dívida no rendimento do devedor, estas deverão ser diretamente entregues a quem deva recebê-las, abrangendo as prestações que se forem vencendo. A dedução de rendimentos abrange o montante dos atrasos e as prestações de alimentos a vencer no futuro”.
Sobre este artigo 48.º, na anotação de João Nuno Barros feita no REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL ANOTADO, escreve-se que, de “um ponto de vista de caracterização do processo colocado à disposição do credor que viu a obrigação de alimentos de que é beneficiário ser incumprida no art. 48º do RGPTC, o mesmo reflete a especial importância conferida pelo legislador à obrigação em causa, na medida em que se prevê um mecanismo que deve, atento o seu caráter especial, e segundo Tomé D’Almeida Ramião, ser intentado antes do recurso à ação executiva, de celeridade acrescida, e que visa, acima de tudo, assegurar a tutela do superior interessa da criança (vd. Ramião, Tomé D’Almeida, Regime Geral do Processo Tutelar Cível – Anotado e Comentado, 3ª ed., Lisboa, Quid Juris – Sociedade Editora, 2018, p. 199).
A respeito do termo “pré-executivo” usualmente utilizado para efeitos de caracterização do processo previsto no art.º 48º RGPTC, veja-se que o Ac. TRC 13/11/2018 (1780/16.7T8CBR-C.C1), ensina que “[s]e se usava referir o processo do art.º 189º da OTM e hoje o do art. 48º do RGTC, como processo “pré-executivo”, é bom que se note que esta expressão não tem a ver com uma gradação inferior à do processo executivo, como se se tivesse em face de uma “quase-execução”, mas apenas com a circunstância de se estar «à margem de uma acção executiva e independente dela, no sentido de que a não procede», mas que a pode dispensar, pela satisfação que se quis mais expedita do interesse do credor através da já referida consignação de rendimentos”. Em sentido distinto, importa trazer à colação o ensinamento de J. P. Remédio Marques, que entende que o mecanismo previsto no art.º 48º RGPTC (embora a análise do Autor se centre no estudo do art.º 189º OTM, a verdade é que o mesmo corresponde, no seu essencial, ao art.º 48º sob anotação) constitui um processo executivo “especialíssimo”, assumindo uma verdadeira natureza executiva, em face da premissa de o mecanismo em questão constituir a “precípua realização coactiva de uma prestação não cumprida”, o que se justifica na medida em que já existe um verdadeiro título executivo no qual se baseou a existência da dívida alimentícia: segundo o Autor, o mecanismo do art.º 48º RGPTC visa a “realização coactiva de uma prestação atribuída pelo direito material”, não se apresentando com uma verdadeira “função conservatória ou de garantia do cumprimento de uma obrigação alimentar” (vd. Marques, J. P. Remédio, ob.cit., pp. 427-428)”[12].
Em concreto e quanto esta específica questão de saber se, perante o incumprimento de uma obrigação de prestação de alimentos, o seu credor deve seguir o processado previsto no artigo 41.º, ou se deve recorrer ao mecanismo previsto no artigo 48.º, o mesmo João Nuno Barros assinala que “como opina Rogério Pereira, pese embora existam doutrina e jurisprudência que defendam posições opostas, a verdade é que nada parece obstar a que numa situação como a que se vem de referir, o beneficiário da obrigação de prestação de alimentos, por si só ou representado, possa socorrer-se tanto do art.º 41º (nas situações em que, por hipótese, pretenda peticionar a condenação do progenitor faltoso em multa até vinte UC, ou em indemnização, com o propósito de dissuadir futuros e hipotéticos incumprimentos), como do mecanismo previsto no art.º 48º RGPTC, neste caso justificando-se tal possibilidade na medida em que i) já existe um título executivo prévio que sustenta o recurso ao referido preceito legal, e ii) ainda considerando “[a] própria inserção sistemática “Secção III, Da efetivação da prestação de alimentos”, do artigo 48º, com a epígrafe “Meios de tornar efetiva a prestação de alimentos”, no “Capítulo III, Processos especiais”, (sendo a “SECÇÃO I” relativa à “Regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas” e a “SECÇÃO II” respeitante aos “Alimentos devidos a criança” e esta, III, à efetivação da prestação claramente denunciam uma intenção clara do legislador no sentido de autonomizar este procedimento do consagrado no artigo 41º, cabendo a cada um deles um escopo definido, tendo em conta o próprio caminho processual traçado” (por tudo quanto se refere, designadamente no que respeita à doutrina e à jurisprudência que defendem uma e outra posição, vd. AA.VV., Questões do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, CEJ – Jurisdição da Família e das Crianças, coord. de Paulo Guerra, Lisboa, 2019, pp. 108-109).
A respeito da querela sob discussão, vd. o Ac. TRL 06/02/2020 (1642/19.6T8PDL.L1-2), e Bolieiro, Helena / Guerra, Paulo, A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s), 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 243.
A este respeito, cumpre destacar a posição defendida por Maria Clara SottoMayor, que pese embora refira que o mecanismo previsto no art.º 48º RGPTC, para determinada parte da doutrina e jurisprudência, deva ser suscitado em sede de incidente do art.º 41º RGPTC quando nos deparemos com a prestação de alimentos fixada em sede de ação de regulação das responsabilidades parentais, justificando a sua opinião na premissa de que todos os aspetos relacionados com a regulação das responsabilidades parentais, como é o caso da obrigação de alimentos a cargo de um dos progenitores, devem ser objeto de um tratamento único, global e unitário, a verdade é que será mais razoável permitir o recurso direto ao procedimento estabelecido no art.º 48º, independentemente do recurso prévio ao incidente do art.º 41º, já que caso tal não suceda poder-se-á obstar à tutela célere e urgente que as necessidades do filho beneficiário da obrigação de alimentos reclamam (vd. Sottomayor, Maria Clara, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7a ed. revista, aumentada e atualizada, Coimbra, Almedina, 2021 pp. 480-481). Por seu turno, veja-se ainda o Ac. TRL 06/02/2020 (1642/19.6T8PDL.L1-2), que consagra que em caso de violação da obrigação de alimentos devidos à criança fixado em sede de processo de regulação das responsabilidades parentais, o MP, tendo legitimidade para o efeito em face do disposto no art.º 17º RGPTC, tanto pode optar por lançar mão do mecanismo de incumprimento previsto no art.º 41º RGPTC, como, em alternativa, socorrer-se do processo especial de efetivação da prestação de alimentos estabelecido no art.º 48º do mesmo diploma legal, sem que haja a necessidade de previamente recorrer ao incidente previsto no supra referido art.º 41º”[13].
E esta longa citação permite-nos, desde já, sublinhar que, embora a Juíza Conselheira Clara Sottomayor seja como que invocada pelo Tribunal a quo em favor da posição adoptada, de facto, é-o de uma forma desadequada, desde logo porque a conclusão final que é por ela defendida acaba por ir no sentido da possibilidade de recurso directo ao mecanismo do artigo 48.º[14] do RGPTC, nomeadamente quando refere,  a propósito do âmbito de aplicação do incidente previsto nele previsto, que:
- “não é específico da ação de alimentos, aplicando-se não só quando os alimentos são fixados em processo de alimentos, nos termos dos art.ºs 45º e seguintes do RGPTC, mas também quando fixados em processo de regulação das responsabilidades parentais, ou, ainda, em qualquer ação em que tenham sido fixados alimentos”;
- “Apesar de a letra da lei não excluir a possibilidade de utilização de outros meios para obtenção de alimentos, designadamente, o processo especial de execução de alimentos previsto no art.º 1118º e seguintes do CPC/2007949 (agora art.º 933º e seguintes do CPC/2013), sempre que seja possível a cobrança de alimentos através do desconto no vencimento ou nos rendimentos referidos nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 48º do RGPTC), deve ser utilizado este procedimento especial, por ser mais célere e eficaz, afastando-se o uso da ação executiva especial de alimentos”[15];
- apesar de haver um sector da doutrina e da jurisprudência que defende que, tratando-se de uma obrigação fixada numa acção de regulação das responsabilidades parentais, a sua efectivação deva ser feita “em incidente de incumprimento suscitado ao abrigo do art. 41º do RGPTC (…), pois todos os aspetos da regulação das responsabilidades parentais, porque relacionados entre si, devem ter um tratamento global e unitário”, entende, contudo, que o procedimento previsto nesse artigo 41.º, “porque exige determinadas diligências, nos termos do nºs 3 e 7 do preceito (conferência de pais ou a audição do requerido, mediação familiar ou audição técnica especializada), implicará um atraso processual incompatível com a urgência das necessidades das crianças[16], motivo pelo qual conclui ser “mais razoável o recurso direto às medidas previstas no art.º 48º, nº 1, do RGPTC, independentemente do incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do RGPTC. Se o progenitor devedor dos alimentos quiser discutir o seu montante, porque, por exemplo, se alterou a sua capacidade de pagar, deverá propor uma ação de alteração de regulação das responsabilidades parentais (art.º 42º do RGPTC)”[17];
 - é mesmo o “sistema é o ideal para obter pagamentos regulares dos pais que trabalham por conta de outrem ou têm rendimentos certos”[18].

Em sentido semelhante, Tomé Ramião, defende que escreve que quando estão em causa apenas atrasos no pagamento da pensão de alimentos, será diretamente aplicável o regime do artigo 48.º para de forma mais célere se proceder à execução coerciva dos alimentos através do desconto nos vencimentos (e não o incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º)[19].

Sancionando o mesmo entendimento para além dos já referidos Helena Bolieiro-Paulo Guerra e Rogério Pereira[20], também Helena Lamas[21] e Diogo Ravara[22].

Andreia Canha, depois de referir que “no caso de incumprimento das responsabilidades parentais quanto ao pagamento da prestação de alimentos, o credor (ou o seu representante legal) poderá utilizar quer o artigo 41.º, respeitante ao incidente de incumprimento, quer o artigo 48.º, que se consubstancia numa forma coativa de obter o seu direito (violado)”, sublinha que “ambos os artigos do RGPTC trazem vantagens e desvantagens relativamente ao credor e ao devedor de alimentos”, concluindo que “o artigo 48.º afigura-se mais célere para satisfazer o interesse da criança ou jovem, traduzido na satisfação das suas necessidades básicas” e que cabe ao credor de alimentos optar por qualquer uma das vias, podendo, em primeira instância, intentar o incidente de incumprimento e, num momento posterior, acionar o mecanismo dos descontos”[23].

Marta da Fonseca Morgado, por seu turno, conclui – assertivamente, e seguindo Maria Clara Sottomayor – que o mais razoável é “permitir o recurso ao mecanismo do artigo 48.º independentemente do recurso prévio ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, porquanto se assim fosse, tal implicaria “um atraso processual incompatível com a urgência das necessidades das crianças”, o que atrasaria a satisfação da prestação de alimentos”[24], pelo que “sempre que seja possível a cobrança de alimentos através do desconto no vencimento ou nos restantes rendimentos considerados no artigo 48.º, deve ser utilizado este procedimento especial em detrimento da ação executiva especial de alimentos”[25].

Do mesmo modo, Maria João da Cruz Fernandes, depois de considerar ser possível a utilização sucessiva do mecanismo do artigo 48.º e da acção prevista nos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo Civil (“nomeadamente quando, uma vez acionado o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC, este se revelar insuficiente para garantir as prestações alimentícias que se encontrem em atraso”[26]) e de entender não o ser “se o devedor de alimentos estiver já sujeito às deduções automáticas de rendimentos, encontrando-se estas a ser cumpridas” pela via do artigo 48.º, manifesta a sua concordância com Maria Clara Sottomayor e Tomé Ramião, “pelo que, uma vez verificados os pressupostos para a efetivação da prestação de alimentos pelo artigo 48.º do RGPTC, será a sua utilização mais adequada, atendendo à celeridade e maior eficácia em assegurar o interesse da criança e a satisfação da prestação de alimentos”.

Helena C. Tomaz na análise que faz ao processo especial por alimentos, escreve - com pertinência - que “da lei não podemos extrair qualquer relação de prejudicialidade do incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º do RGPTC, nem, tão pouco, do regime coactivo previsto no (…) artigo 48.º do mesmo diploma. Efectivamente, para além de nada na letra da lei dar suporte a uma tal relação prejudicial (o que sempre nos dificultaria uma interpretação conforme ao disposto no artigo 9.º, CC). Na verdade, mesmo tendo presente o contraditório a que alguns apelam para afirmar tal prejudicialidade, parece-me dever ser tido em conta que o devedor de alimentos não está impedido, em sede de execução, de apresentar a sua defesa e que o direito fundamental a obter alimentos do obrigado deve merecer o reconhecimento da sua primazia constitucional. Por outro lado – e, sobretudo, no domínio dos alimentos devidos a menores – a prática demonstra que não é despiciendo o número de casos em que o “alerta” trazido pela prévia instauração do incidente ou das medidas previstas no artigo 48.º do RGPTC leva o devedor a dissipar património, tornando a posterior execução um exercício vazio de eficácia. Com isto não quero significar que a questão não mereça ser ponderada caso a caso e que, em várias situações, não seja útil e, até, suficiente, o recurso a qualquer destes caminhos”[27].      

Apesar de todos estes entendimentos e em apoio da posição que defende a utilização obrigatória do artigo 41.º (mesmo que com matizes quanto ao seu processado), apenas os acima referidos Rui Epifânio/António Farinha e ainda Carla Francisco[28].
Na jurisprudência e neste sentido:
 - Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Dezembro de 2018 (Processo n.º 623/16.6T8CSC-A.L1-6-Cristina Neves) - admitindo a aplicação do 48.º dentro do 41.º;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 01 de Março de 2012 (Processo n.º 622/09.4TMFUN-G.L1-2-Sousa Pinto), onde se assinala que “existem razões de ordem sistemática, processuais e de respeito pelo princípio do contraditório, que impõem que face a alegado incumprimento do pagamento da prestação de alimentos, estipulado no âmbito de Regulação do Exercício do Poder Paternal, se intente o incidente de incumprimento previsto no art.º 181.º da OTM, e não se enverede desde logo para a actuação coerciva prevista no art.º 189.º”;
- Acórdão da Relação do Porto de 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 2948/20.7T8MTS-B.P1-Joaquim Correia Gomes) - admitindo a aplicação do 48.º dentro do 41.º;
 - Acórdão da Relação do Porto de 24 de Setembro de 2020 (Processo n.º 3082/05.5TBPVZ-G.P1-Paulo Duarte Teixeira);
- Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1780/16.7T8CBR-C.C1-Maria Teresa Albuquerque), no qual se decidiu que, para defesa do progenitor incumpridor, o artigo 189.º da OTM (actual 48.º do RGPTC) não podia prescindir do procedimento constante do artigo 181.º (actual 41.º do RGPTC), sendo que “a via executiva do art.º 189º da OTM e hoje do art.º 48º do RGTC se configura como diferente da via executiva normal, na medida em que, ao contrário do que sucede nesta, em que o titulo executivo faz presumir a existência do direito a certa prestação concreta, aqui, em matéria de incumprimento da obrigação alimentar decorrente de responsabilidades parentais, o legislador pretendeu que a execução só se iniciasse depois de confirmada a inexecução”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 25 de Novembro de 2013 (Processo n.º 910/10.7TBGMR-C.G1-Edgar Gouveia Valente), onde se assinala que a “sede processual própria para apreciar um incumprimento de alimentos devidos a menores (através de regulação do exercício do poder paternal) é o incidente previsto no artº 181º da OTM, em eventual conjugação com o art.º 189º, podendo ocorrer a desnecessidade de elaboração do relatório social”;
- Acórdão da Relação de Évora de 26 de Maio de 2022 (Processo n.º 53/04.2TBABT-F.E1-José Lúcio), onde se assinala que “no incidente de incumprimento de responsabilidades parentais em que está em causa apenas a falta de pagamento de prestações alimentícias, tendo sido convocada conferência de pais em que estes não chegaram a acordo, nada obsta a que o juiz decida desde logo, se o processo contiver os elementos necessários e suficientes para tal”.  

No sentido que defendemos – e que contraria esta Jurisprudência, bem como a posição assumida no Tribunal a quo – ainda que sem preocupações de exaustividade (uma vez que, a título lateral, a questão acaba por ser abordada em muitos mais Acórdãos), vale a pena aqui deixar nota do decidido no:
 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Outubro de 2009 (Processo 305-H/2000.P1.S1-Lopes do Rego), onde se assinala que o “incidente «pré- executivo» regulado no art.º 189º da OTM [actual 48.º RGPTC] não pode configurar-se – atento o âmbito limitado dos bens do devedor que nele podem ser atingidos com vista à satisfação da prestação alimentar – como um processo «especialíssimo», relativamente à execução especial por alimentos, regida pelo CPC, e que deva ter necessária prioridade sobre a via da execução autónoma, em termos de só poder lançar-se mão desta quando não for possível obter o pagamento pelo meio ali previsto”, acrescentando que, cabe “ao credor dos alimentos optar , em alternativa, por um desses meios procedimentais , em função da avaliação que realiza, em concreto, acerca do seu próprio interesse na reintegração efectiva do direito lesado com o incumprimento da obrigação alimentar”;

- Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2021 (Processo n.º 74/15.0T8SXL-T.L1-2-Carlos Castelo Branco), onde se decidiu que em “caso de incumprimento da obrigação alimentar, o credor tem ao seu dispor três meios que se articulam entre si numa relação alternativa, segundo escolha do credor, de acordo com os respetivos pressupostos de cada um: o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC; o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC; e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 09 de Março de 2021 (Processo n.º 60/11.9TBCSC-E.L1-7-Carla Câmara), onde se decidiu que a “cobrança coerciva de alimentos estabelecidos por sentença que regule as responsabilidades parentais, pode ser acionada por via do mecanismo previsto no artigo 48º do RGPTC, ou da execução especial por alimentos, com previsão no artigo 933º do CPC”, cabendo ao credor “optar pelo meio que se lhe afigurar ser o mais conveniente”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 516/16.7T8TVD-A.L1-7-Diogo Ravara), no qual se decidiu que perante o incumprimento de uma obrigação alimentar, o credor tem ao seu dispor três meios: o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC, o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º, do Código de Processo Civil, cabendo-lhe optar, em alternativa, por um desses meios procedimentais, em função da avaliação que realiza, em concreto, acerca do seu próprio interesse na reintegração efetiva do direito lesado com o incumprimento da obrigação alimentar;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Dezembro de 2020 (Processo n.º 373/14.8TMPDL-B.L1-2-Jorge Leal), onde se decidiu que se pode “recorrer aos procedimentos previstos nos artigos 41.º e 48.º do RGPTC, para reclamar o pagamento, pelo progenitor/requerido, das quantias correspondentes à data posterior à aquisição da maioridade por cada um dos filhos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Setembro de 2020 (Processo n.º 3867/11.3TBALM-A.L1-2-Inês Moura), onde se decidiu que o “credor de alimentos, estabelecidos no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, ao pretender a cobrança coerciva das prestações de alimentos em dívida, tanto pode optar pelo meio previsto no art.º 48.º do RGPTC como pela instauração de uma execução”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 1642/19.6T8PDL.L1-206.02.2020-Carlos Castelo Branco), onde se decidiu que no caso da falta de pagamento da prestação alimentícia fixada no processo de regulação das responsabilidades parentais, se “pode lançar mão do mecanismo previsto no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) ou, em alternativa, do processo especial de “efetivação da prestação de alimentos”, regulado pelo artigo 48.º do RGPTC, não tendo previamente de recorrer ao incidente de incumprimento previsto no mencionado artigo 41.º”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Abril de 2019 (Processo n.º 769/15.8T8LRS.1.L1-Jorge Leal), onde se decidiu que, sendo “certo que em sede de tutela do direito à prestação de alimentos a favor dos filhos, face à multiplicidade de meios processuais concebidos e proporcionados pelo legislador, cabe ao credor optar pelo meio adjetivo que melhor entender servir o interesse em presença, sem prejuízo do controle jurisdicional da adequação do meio utilizado)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05 de Fevereiro de 2019 (Processo n.º 15180/17.8T8LSB-A.L1-7-Ana Rodrigues da Silva), onde se decidiu que o “credor de alimentos devidos a menor pode optar pela cobrança coerciva da sentença proferida em sede de regulação das responsabilidades parentais através do mecanismo previsto no art.º 48º do RGPTC ou através da execução especial por alimentos prevista na lei processual civil, de natureza diversa daquela”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Junho de 2009 (Processo –Fátima Galante), onde se decidiu que o “incidente de incumprimento previsto no art.º 189º da OTM constitui um meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo, cuja utilização é preferível por ser mais célere e garantir mais facilmente os interesses do menor, antes ou independentemente da acção executiva.
- Acórdão da Relação de Lisboa de 09 de Fevereiro de 1988 (Amâncio Ferreira - Colectânea de Jurisprudência, Ano XIII, 1988, Tomo 1, páginas 127-129), onde se decidiu que o “procedimento previsto na al. a) do art.º 189º da OTM não tem que ser precedido por notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente, nem de inquérito sumário, pois não lhe é aplicável o estabelecido no art.º 181º do citado diploma. O requerido só tem que ser notificado do despacho que haja ordenado os descontos no seu vencimento, após estes se terem iniciado”;
- Acórdão da Relação do Porto de 20 de Abril de 2009 (Processo n.º 2907/05.0TBPRD-A.P1-Pinto dos Santos), onde se decidiu que pode ser intentada execução especial por alimentos devidos a menor, para pagamento destes, com base numa sentença de regulação de responsabilidades parentais, não havendo necessidade de recurso prévio ao incidente de incumprimento, previsto no artigo 181.° da OTM (actual 41.º do RGPTC), o qual considera nem sequer ser aplicável quando estejam em causa prestações de alimentos
 - Acórdão da Relação do Porto de 06 de Dezembro de 2011 (Processo n.º 3258/09.6TBVCD-B.P1-Fernando Samões), onde se decidiu que, quando o incumprimento diz respeito apenas a alimentos, se deve aplicar o procedimento regulado no artigo 189.º da OTM;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 08 de Março de 2022 (Processo n.º 454/14.8T2OBR.C1-José Avelino Gonçalves), onde se decidiu que a “cobrança coerciva de alimentos estabelecidos por sentença que regule as responsabilidades parentais pode ser peticionada pelo mecanismo previsto no artigo 48.º do RGPTC ou pela execução especial por alimentos com previsão no artigo 933.º do CPC, cabendo ao credor caberá optar pelo meio processual que se lhe afigurar ser o mais conveniente”;
 - Acórdão da Relação de Guimarães de 28 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 668/13.8TBCHV-B.G1-Eva Almeida), onde se decidiu:
 - que o “incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível não tem por objecto a falta de pagamento de alimentos ou outras quantias pecuniárias a cujo pagamento a sentença obrigou o incumpridor. Destina-se apenas a outros incumprimentos relativos à situação do menor, nomeadamente relativos a visitas, cujo incumprimento, por se tratar de prestação de facto positivo ou negativo infungível, exige a imposição de outros meios de coerção, nomeadamente sanções de natureza compulsória e indemnizatória”;
 - e que podia a credora “ter recorrido directamente ao incidente previsto no art.º 48º do RGPTC (Lei 141/2015), semelhante ao previsto no art.º 189º da LTM (meios de tornar efectiva a prestação de alimentos) ou ao processo executivo, pois a sentença que condenou o recorrente a pagar os alimentos é título executivo suficiente – cfr. art.ºs 703º, nº 1, al. a) e nº 2, e 716º nº 5 do CPC (este último relativamente às despesas da componente variável)”;
 - Acórdão da Relação de Guimarães de 05 de Novembro de 2020 (Processo n.º 1188/03.4TBBCL-C.G1-Rosália Cunha), onde se decidiu que, para obter a cobrança coerciva da prestação de alimentos fixada na menoridade, podendo optar por qualquer um dos que a lei lhe faculta, seja o incumprimento previsto no RGPTC, seja a execução por alimentos;
 - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21 de Junho de 2018 (Processo n.º 458/18.1T8BCL.G1-Margarida Sousa), onde se decidiu que o credor de alimentos “tem ao seu dispor três meios: o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no artigo 41.º do RGPTC; o mecanismo do artigo 48.º do RGPTC; e a execução especial por alimentos, regulada nos artigos 933.º a 937.º, do Código de Processo Civil)”;
 - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08 de Junho de 2017 (Processo n.º 991/14.4T8GMR-F.G1-João Diogo Rodrigues), onde se decidiu que o “filho maior, credor de alimentos de um dos seus progenitores, baseando-se em sentença homologatória proferida em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tanto pode cobrar coercivamente esses alimentos por via das providências executórias tutelares cíveis, como através da execução especial por alimentos prevista na lei processual civil”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Maio de 2022 (Processo n.º 520/21.3T8STC.E1-Isabel Imaginário), onde se decidiu que:
 - “o procedimento consagrado no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) é aplicável quando esteja em causa o incumprimento do que tiver sido acordado ou decidido relativamente à situação da criança”;
 - “em caso de incumprimento da obrigação de prestar alimentos tem já lugar o procedimento previsto no artigo 48.º do RGPTC”;
 - “a execução especial por alimentos prevista nos artigos 933.º e ss. do CPC constitui um instrumento alternativo de cobrança relativamente ao consagrado no artigo 48.º do RGPTC”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25 de Janeiro de 2018 (Processo n.º 737/15.0T8STR-F.E1 –Tomé Ramião), onde se decidiu:
 - que “o despacho judicial a ordenar o desconto no vencimento do requerido, ao abrigo da alínea b) do n.ºs 1 e 2 do art.º 48.º do RGPTC, não tem de ser obrigatoriamente procedido de notificação ao requerido para dizer o que tiver por conveniente”;
 - e que tal “procedimento não viola o princípio do contraditório, já que o requerido será sempre ouvido, após a efetivação dos descontos, podendo tomar posição sobre o requerimento do incidente suscitado pela requerente, nomeadamente impugnar o incumprimento, comprovando o pagamento voluntário no prazo acordado ou fixado judicialmente, ou seja, demonstrando inexistir fundamento legal para o desconto no vencimento”.
Em face de todo este enquadramento, que cremos - repete-se, se não exaustivo – pelo menos expressivo, não se nos suscitam dúvidas particularmente relevantes quanto à procedência do recurso.
Embora a decisão do Tribunal a quo se mostre bem fundamentada, adoptou um entendimento que não parece ser o que mais se adeque aos interesses em jogo nesta matéria e aos próprios instrumentos jurídicos aplicáveis.
De facto, o legislador cria uma malha normativa traduzida num sistema adaptável que permite ao credor de alimentos decorrentes de uma acção de regulação das responsabilidades parentais, a ponderação sobre a escolha do caminho mais adequado à concretização dos seus objectivos e conveniências.
Certo é que – para o que nos interessa – está sempre em causa um incumprimento da obrigação de alimentos fixada numa acção de regulação das responsabilidades parentais, e, portanto nada obsta a que possa recorrer ao incidente de incumprimento disponibilizado pelo artigo 41.º do RGPTC (e, com ele, lograr não só “as diligências necessárias para o cumprimento coercivo”, como “a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta”, como até uma “indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos” - n.º 1).
Este incidente possui um âmbito alargado ao incumprimento de qualquer das obrigações constantes da regulação das responsabilidades parentais, pois que se “destina a regular as hipóteses de incumprimento do regime relativo à situação do menor, designadamente a entrega do menor à guarda de um dos progenitores, de terceira pessoa ou de estabelecimento de educação e assistência e a fixação do regime de visitas (cfr. Ac. Rel. Porto, de 0-2-85, BMJ 344, pág. 463)”[29].
Utilizando este mecanismo e mesmo com as adaptações que o processo de jurisdição voluntária pode permitir ao Tribunal realizar, segue-se a convocação dos pais para uma conferência, ou a notificação do devedor para em cinco dias dizer o que lhe aprouver, seguindo-se depois os termos dos artigos 38.º a 40.º.
Trata-se, portanto, de um mecanismo genérico para casos de incumprimento por um dos progenitores do que tiver sido acordado ou decidido “relativamente à situação da criança” e que não cremos que possa ser excluído de cogitação quanto à falta de pagamento das prestações alimentares (como vimos já decidido nalguma Jurisprudência), uma vez que não nos parece fazer sentido que se possa excluir, sem mais, a utilidade da possibilidade da aplicação da multa[30] e da condenação no pagamento de uma indemnização (sendo essa a opção).
Por outro lado, estando em causa apenas uma questão de falta de pagamento da prestação alimentar, ao credor coloca-se-lhe a possibilidade de recorrer ao mecanismo previsto no artigo 48.º do RGPTC, o qual, especificamente nesta matéria, procura, “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento”, reintegrar ou restaurar o direito do credor de alimentos, permitindo que o Tribunal ordenando - de imediato (sem precedência de notificação ao/à Requerido/a para dizer o que tivesse por conveniente, nem de qualquer inquérito sumário) - a dedução de tais quantias - não só para cobrir as prestações vencidas, mas também as que se forem vencendo (n.º 2) - no seu vencimento ou nas suas rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes (por requisição - se for trabalhador em funções públicas; por notificação à entidade patronal - se for empregado ou assalariado; por requisição ou notificação a quem tenha de efectuar esses pagamentos - no caso dos outros descritos rendimentos).
Importa sublinhar, neste ponto e quanto a esta possibilidade, que a putativa violação do princípio do contraditório que dela resultaria (para defender que o seu uso deveria ocorrer no âmbito do incidente do artigo 41.º), carece de fundamento, uma vez que, tal como ocorre no caso da execução especial por alimentos (ou em qualquer execução de sentença), o/a progenitor/a em falta-devedor/a-executado/a é sempre notificado/a para se pronunciar depois de serem efectivados os descontos (ou a penhora, no caso das execuções), o que lhe permite nessa altura tomar posição sobre a situação e poder colocar em causa o incidente de incumprimento da prestação de alimentos (nomeadamente comprovando o pagamento ou defendendo a falta de razão para a utilização do mecanismo).
Nada de novo, portanto. Nada que não se mostre justificado quer pela existência de um título executivo (a sentença), ou pelos interesses em jogo (os alimentos devidos à criança).
Estamos, assim, diante de um procedimento célere[31] e eficaz[32], especial, para situações especiais e por razões especiais, mas que – por outro lado – só pode funcionar adequadamente nos casos em que o devedor tem aquele tipo de rendimentos (porque se assim não for é totalmente inócuo[33]).
E a terceira alternativa[34] passa pelo intentar de uma execução especial por alimentos, prevista e regulamentada nos artigos 933.º a 937.º do Código de Processo Civil (que procura dar uma especial protecção às obrigações de alimentos), através da qual, para lograr o pagamento das prestações de alimentos vencidas e vincendas, não só é possível proceder à adjudicação (n.ºs 1 e 2 do artigo 933.º) de parte das quantias, vencimentos ou pensões que o/a executado/a aufira (que passam a ser directamente entregues ao/à exequente), como à consignação dos seus rendimentos (n.ºs 1, 3 e 4 do mesmo preceito), como à penhora de quaisquer outros bens que ao/à  executado/a pertençam (ficando as sobras da execução, no caso – por exemplo - de concretização de uma venda), afectas à garantia das prestações vincendas (artigo 937.º).
Também aqui (e diferentemente do que sucede na execução para pagamento de quantia certa – artigo 726.º, n.º 1), o executado é citado depois de efectuada a penhora (artigo 955.º, n.º 5).
Assim sendo, concluímos que cabe ao credor de alimentos (ou ao Ministério Público) lançar mão de qualquer destes três instrumentos, de acordo com o que entender – em face da configuração concreta dos intervenientes e dos seus circunstancialismos (nomeadamente valores em dívida, tipo de rendimentos em causa, tipo de bens do devedor, premência da necessidade, danos provocados susceptíveis de gerar indemnização, capacidade da aplicação de uma multa poder constituir um “incentivo” ao cumprimento[35]), escolhendo o que se afigurar ser o mais conveniente.
Não está, pois, obrigado o credor a recorrer ao incidente do artigo 41.º, antes de recorrer ao do 48.º, se for essa a sua estratégia e for essa a sua conveniência na concreta situação que tiver diante de si.
E é esta não obrigação, que torna ainda mais pertinente a argumentação desenvolvida pelo Recorrente Ministério Público, no sentido de que, se essa obrigação existisse se colocaria o credor português numa situação mais limitada que a do credor estrangeiro, ou mesmo de, aplicando a este tal obrigação, se estar a incumprir o Sistema Europeu de Cobrança de Alimentos no estrangeiro ou vindo do estrangeiro, que decorre do Protocolo de Haia aplicável às Obrigações de Alimentos[36] e Regulamento 4/2009 do Conselho de 18-12-2008[37] (o qual, nos  artigos 56.º e seguintes, não prevê nem exige nenhum recurso prévio ao artigo 41.º do RGPTC), devendo o Tribunal perante o pedido de cobrança vindo de uma Autoridade Central Estrangeira, seguir os trâmites ou do artigo 48.º do RGPTC ou da execução especial por alimentos prevista no CPC, sem necessidade de nenhuma prévia decisão de incumprimento nos termos do artigo 41.º do RGPTC.
Em consequência de tudo o exposto, impõe-se a procedência do Recurso, com a revogação da Decisão proferida pelo Tribunal a quo, determinando-se que os autos prossigam os seus termos tal como requerido inicialmente pelo Ministério Público, com a tramitação decorrente do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (o que será feito assim que os autos voltarem à 1.ª Instância).
*
Decorre do artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que a “decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”, acrescentando o n.º 2 que “dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for”.
Na situação dos presentes autos, as custas não podem ser imputadas a nenhuma das partes, porquanto o recurso incide sobre decisão proferida oficiosamente e por iniciativa do Tribunal e sem qualquer intervenção do Requerido, pelo que se entende não serem devidas.
***
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos dos artigos 663.º e 656.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e às disposições legais citadas, julgar procedente o recurso e, em conformidade, revogar a Decisão recorrida, determinando que os autos prossigam os seus termos tal como requerido inicialmente pelo Ministério Público, com a tramitação decorrente do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (o que será feito assim que os autos voltem à 1.ª Instância).
Sem custas.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2023
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
Ana Rodrigues da Silva

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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.
[3] Ao abrigo do artigo 17.º (iniciativa processual).
[4] Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro.
[5] Alínea a) “- a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto”.
[6]Alínea b) “- os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito”.
[7] Alínea c) “- a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”.
[8] Integrado na Secção I (Regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas), dos Processos Especiais.
[9] Integrado na Secção II (alimentos devidos à criança), dos Processos Especiais. 
[10] Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 06 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 1642/19.6T8PDL.L1-2-Carlos Castelo Branco), o “incumprimento pode derivar de um vasto leque de fatores. Entre estes podem enumerar-se, a título exemplificativo: as grandes dificuldades de sobrevivência; o difícil relacionamento entre os progenitores, etc..
O incumprimento pode incidir sobre o direito de visitas, sobre a divisão e partilha de períodos festivos ou sobre outros aspetos atinentes à regulação estabelecida para as responsabilidades parentais.
No caso de o incumprimento derivar de ambos os pais ou de terceira pessoa não será pelo mecanismo do artigo 41.º, mas sim pelo do artigo 42.º - respeitante à alteração de regime de responsabilidades parentais – que o diferendo se resolverá (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-01-1988, in C.J., Tomo I. 1988)”.
[11] Podendo ainda, recorrer-se – com o objectivo de obter o cumprimento coercivo da obrigação de alimentos – à acção executiva especial por alimentos, que se mostra regulada actualmente nos artigos 933.º e seguintes do Código de Processo Civil.
[12] João Nuno Barros, in Regime Geral Do Processo Tutelar Cível Anotado (Coordenado por Cristina Araújo Dias, João Nuno Barros e Rossana Martingo Cruz), Almedina, 2021, páginas 411-412. 
[13] João Nuno Barros, in Regime Geral Do Processo Tutelar Cível Anotado, cit., páginas 413-414. 
[14] Aliás, o que começa mesmo por afirmar é que “Entre nós, o sistema de execução, após atrasos no cumprimento da obrigação de alimentos, é composto, para além do processo de execução especial por alimentos previsto no art.º 933º e ss. do CPC, por uma dedução do montante de alimentos nos rendimentos da pessoa judicialmente obrigada a pagá-los (art.º 48º do RGPTC) e por uma sanção penal prevista no art.º 250º do CP” (Maria Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 7.ª edição, Almedina, 2021, página 241).
[15] Maria Clara Sottomayor, Regulação…, página 242 (carregado e sublinhado nossos).
[16] Maria Clara Sottomayor, Regulação…, cit., página 241 (carregado e sublinhado nossos).
[17] Maria Clara Sottomayor, Regulação…, cit., página 242.
[18] Maria Clara Sottomayor, Regulação…, cit., página 241.
[19] Tomé D’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, Jurisprudência e Legislação Conexa, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2018, página 161.
[20] Este conclui mesmo que “caso o credor pretenda utilizar o mecanismo do artigo 41.º do RGPTC porque à partida, por exemplo, pretende solicitar a condenação do devedor faltoso em multa até vinte UC ou em indemnização como fatores dissuasores de futuros incumprimentos aí o mesmo poderá utilizar o mecanismo do artigo 41.º do RGPTC. Da nossa parte, entendemos que, nada obsta a que no caso de incumprimento das responsabilidades parentais quanto ao pagamento da prestação de alimentos, o credor (ou o seu representante legal) possa utilizar quer o artigo 41.º, respeitante ao incumprimento das prestações vencidas, quer o artigo 48.º do RGPTC (in Questões Do Regime Geral Do Processo Tutelar Cível, [em linha], Colecção Formação  Contínua, e-book CEJ, Julho de 2019, página 109, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=wpeLi5nKGq0%3D&portalid=30).
[21] In Questões Do Regime Geral Do Processo Tutelar Cível, [em linha], Colecção…, cit., páginas 118-119 (sublinhando a maior celeridade do artigo 48.º).
[22] Ainda que a propósito da tutela dos alimentos a filhos maiores, conclui que “tal pretensão poderá ser exercida através dos seguintes meios processuais, podendo o credor de alimentos escolher aquele que entender mais adequado:
− Incumprimento das responsabilidades parentais
– art.º 41.º RGPTC
− Efetivação da prestação de alimentos
– art.º 48.º RGPTC − Execução especial por alimentos
– art.ºs 933.º a 937.º CPC” (Alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais e questões de particular importância: Dúvidas e interrogações, in IV Jornadas do Direito da Família e das Crianças, [em linha], e-book CEJ/CRLOA, 2019, páginas 216-217, disponível em
https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=say6SHNnRKk%3d&portalid=30).
Carregado e sublinhado nossos.
[23] Andreia Cristina Nascimento Canha, Cumprimento Coercivo das Obrigações Alimentares (a Crianças e Jovens), [em linha], Dissertação apresentada ao Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra orientada por André Sousa Marques, 2016, página 38, disponível em
https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/17870/1/Andreia_Canha.pdf.
[24] Marta da Fonseca Morgado, A crise jurisprudencial na fixação de alimentos devidos a menores, [em linha], Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (orientada por Margarida Silva Pereira), 2018, página 25, disponível em
https://repositorio.ul.pt/jspui/bitstream/10451/38309/1/ulfd138239_tese.pdf.
[25] Marta da Fonseca Morgado, A crise jurisprudencial…, cit., página 26.
[26] Maria João da Cruz Fernandes, A Obrigação de Alimentos: Medida, Cálculo e Incumprimento, [em linha], Dissertação de Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões apresentada na Escola de Direito da Universidade do Minho e orientada por Eva Sónia Moreira da Silva, 2019, páginas 52-53, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/74283/1/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20Maria%20Jo%c3%a3o%20da%20Cruz%20Fernandes.pdf.
[27] Helena C. Tomaz, A Execução Especial por Alimentos, in Processos Especiais, Volume I, AAFDL, 2020, página 202.
[28] Ainda que com um processado mais “leve”: “não faz sentido marcar-se uma conferência de pais, nem recorrer a audição técnica especializada ou a mediação” (In Questões Do Regime Geral Do Processo Tutelar Cível, [em linha], Colecção Formação  Contínua, e-book CEJ, Julho de 2019, páginas 119-120, disponível em  https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=wpeLi5nKGq0%3D&portalid=30.
[29] Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2018 (Processo n.º 1780/16.7T8CBR-C.C1-Maria Teresa Albuquerque).
[30] O “incidente de incumprimento do artigo 41.º permite ao credor solicitar a condenação do devedor faltoso em multa até vinte UC95, o que configura um elemento desvantajoso para o devedor relativamente ao mecanismo especial executivo do artigo 48.º”Andreia Canha, Cumprimento Coercivo… cit., página 38.
[31] Constitui “tão só um meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos (já fixada pelo Tribunal) através de procedimento pré-executivo, de utilização célere e que por isso garante mais facilmente os interesses do menor” – Acórdão da Relação de Guimarães de 23 de Outubro de 2017 (Processo n.º 942/12.0TAFAF.G1-Alda Tomé Casimiro).
[32] Com “vantagem ligada à informalidade e simplicidade do procedimento previsto(…) (expressa na dispensa de instauração de uma instância executiva autónoma, com os custos que lhe vão normalmente associados)”-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Outubro de 2009 (Processo 305-H/2000.P1.S1-Lopes do Rego).
[33] “Tal simplicidade procedimental tem (…) como contraponto, uma substancial limitação do âmbito das medidas coercitivas possíveis, já que naturalmente apenas podem ser «agredidos» os rendimentos auferidos pelo devedor de alimentos, aí especificamente previstos, e não quaisquer outros bens de que este seja titular” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Outubro de 2009 (Processo 305-H/2000.P1.S1-Lopes do Rego).
[34] Cuja ponderação de utilização assume especial relevância, “pelo menos nos casos em que se tenha acumulado um valor significativo de pensões em atraso e sejam conhecidos outros bens, susceptíveis de penhora, do devedor”, em que “é manifesta a vantagem do credor da prestação alimentar em lançar mão da acção executiva, já que esta lhe pode eventualmente assegurar uma rápida e plena obtenção dos montantes acumulados e em dívida, sem ter de se submeter ao moroso processo de só faseadamente ir recebendo o montante correspondente à dívida acumulada, através dos descontos mensais efectuados no vencimento auferido pelo devedor” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Outubro de 2009 (Processo 305-H/2000.P1.S1-Lopes do Rego) e, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2021 (Processo n.º 74/15.0T8SXL-T.L1-2-Carlos Castelo Branco) e de 19 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 516/16.97T8TVD-A.L1-7-Diogo Ravara) e da Relação de Guimarães de 08 de Junho de 2017 (Processo n.º 991/14.4T8GMR-F.G1-João Diogo Rodrigues).
Curiosamente, Helena Bolieiro e Paulo Guerra (A Criança e a Família – Uma Questão de Direitos, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2014, página 247) entendem que é possível ao credor intentar esta acção executiva especial de alimentos sem se ter anteriormente recorrido intentado ao incidente previsto no artigo 48.º do RGPTC (por a lei o não proibir), mas que, uma vez utilizado esse mecanismo, fica precludida tal possibilidade para o credor (o que, perante diferente tipo de bens abrangidos, parece ser uma conclusão excessiva se lida nesses termos).
Referência ainda a Ana Coutinho Dias, que assinala não haver “impedimento ao credor da utilização primeira da execução especial prevista no CPC português, nesse diapasão, o mesmo poderá preferir adotar a via regulada pela OTM, tudo a depender de qual melhor atender aos interesses do menor” (Ana Driely Coutinho Dias, A Obrigação de Alimentos Devidos a Menores enquanto Objeto da Responsabilidade Parental após o Divórcio perante a Solidariedade Estadual em Matéria Alimentícia, [em linha], Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra orientada por João Remédio Marques, 2014, página 39, disponível em
https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/34843/1/A%20Obrigacao%20de%20Alimentos%20Devidos%20a%20Menores%20enquanto%20Objeto%20da%20Responsabilidade%20Parental%20apos%20o%20Divorcio%20perante%20a%20Solidariedade%20Estadual%20em%20Materia%20Alimenticia.pdf.
[35]  De todo o modo, a “condenação em multa e em indemnização prevista no art.º 181º, nº 1 da OTM apenas se justifica em face de um incumprimento reiterado, grave e culposo por parte do progenitor relapso” - Acórdão da Relação de Guimarães de 25 de Novembro de 2013 (Processo n.º 910/10.7TBGMR-C.G1-Edgar Gouveia Valente).
[36]https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/convencao_lei_aplicavel_obrigacoes_alimentares.pdf.
[37] https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1359&tabela=leis&nversao=&so_miolo=.