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APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ARRENDAMENTO URBANO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
Sumário
1 – A Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. 2 – Tendo o contrato sido celebrado em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal, apesar de a nova lei lhe ser aplicável, impõe-se a interpretação conjunta dos artigos 1096.º e o artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil. 3 – Quer a regra sobre o prazo mínimo de renovação dos contratos de arrendamento (n.º 1 do artigo 1096.º), quer a regra da dilação da eficácia da primeira oposição à renovação (n.º 3 do artigo 1097.º), só deverão ser aplicadas a contratos novos visto que não se pode considerar que abstraem do facto jurídico contratual que lhes deu origem e, eventualmente, em determinadas circunstâncias, a acordos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 em que não haja já ocorrido uma renovação, mas já não quanto a pactos em que já se mostra esgotada a possibilidade de efectivar o primeiro prolongamento contratual. 4 – Assim, independentemente de se tratar de uma lei nova imperativa ou supletiva, o que é absolutamente decisivo é o problema da aplicação da lei no tempo e o “estatuto do contrato”, que é determinado pela lei vigente ao tempo da sua conclusão, mostrando-se ao tempo esgotados os hipotéticos efeitos jurídicos da oposição à primeira renovação contratual, por já estar acautelada a confiança do arrendatário num determinado tempo de duração efectiva do contrato e de permanência no locado. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 786/22.1T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local de Competência Cível de Portimão – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
* I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…) e (…), na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…), contra (…), a Ré veio interpor recurso da sentença proferida.
*
As Autoras pediram que fosse:
i) reconhecida e declarada a cessação do contrato de arrendamento urbano celebrado entre as partes, com produção de efeitos a 30/06/2021, concretizada através de oposição à renovação do contrato pelos senhorios e, consequentemente, a Ré condenada na entrega do imóvel, livre de pessoas e bens no estado de conservação em que o recebeu.
ii) condenada a Ré a pagar-lhes uma indemnização pelo atraso na restituição do locado, prevista no artigo 1045.º do Código Civil, elevada ao dobro devido à mora no pagamento, e que à data da instauração da ação ascende a € 5.158,65, acrescida das indemnizações correspondentes até efectiva restituição do locado, bem como no pagamento de juros de mora à taxa legal, sobre cada um dos valores em dívida, contados da citação até efectivo e integral pagamento.
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Em benefício da sua tese, as Autoras invocaram que são donas e legítimas comproprietárias de uma fracção autónoma, que, por contrato celebrado em 01/04/2014, foi arrendada à Ré, pelo período de um ano, sucessivamente renovado até 01/04/2020.
Com vista à não renovação do contrato, que se efectivaria em 01/04/2021, por carta registada com aviso de recepção, enviada para o domicílio convencionado, em 07/04/2020, as Autoras comunicaram à Ré a oposição à renovação do contrato de arrendamento, informando-a que o contrato cessaria em 31/03/2021.
As Autoras indicam ainda que a carta foi devolvida por não ter sido reclamada, mas enviaram também uma carta por correio simples em 07/04/2020, a qual foi recepcionada pela Ré em 16/06/2020, seguida de uma notificação judicial avulsa, e que, não obstante o contrato ter cessado em 31/03/2021 por oposição à renovação, a Ré não desocupou o imóvel.
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Regularmente citada, a Ré apresentou contestação onde, em síntese, afirmou que o contrato celebrado se mostrava renovado até 31/03/2022, vigorando até ao dia 31/03/2025, não estando caducado o acordo de arrendamento e que efectuou o depósito liberatório das rendas devidas.
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Foi exercido o direito ao contraditório por parte dos Autores relativamente à matéria de excepção invocada pela Ré na sua contestação.
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Designada data para a realização de uma tentativa de conciliação, a mesma surtiu frustrada.
*
Foi dispensada a audiência prévia e as partes foram notificadas para, ao abrigo do principio do contraditório previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil, apresentarem as suas alegações, o que fizeram.
*
O Tribunal a quo decidiu:
a) declarar cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por oposição à renovação pelos senhorios, com efeitos a partir de 30/06/2021.
b) condenar a Ré (…) a desocupar imediatamente o locado e a proceder à sua entrega às Autoras, devoluto de pessoas e bens.
c) condenar a Ré (…) a pagar às Autoras (…) e (…) uma indemnização no valor mensal equivalente ao da renda, desde o dia 30/06/2021, elevada ao dobro a partir de 27/07/2021, até à efectiva entrega do locado, acrescida dos juros legais à taxa civil, a contar da citação, até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«1 – Foi a Ré, ora Recorrente, condenada pelo Tribunal a quo a desocupar o locado onde reside e proceder à sua entrega livre de bens e pessoas aos Autores, por ter sido declarado cessado o contrato de arrendamento celebrado entre os Autores e a Recorrente, através da oposição à renovação do referido contrato operada pelos Autores.
2 – Foi ainda a Ré, em virtude disso mesmo, condenada ao pagamento de uma indemnização no valor mensal equivalente a uma renda, desde o dia 30.06.2021 (dia em que supostamente teria de ter desocupado o imóvel e não o fez), elevada ao dobro a partir de 27.07.2021, até efectiva entrega do locado pela Ré, ora Recorrente, acrescida de juros à taxa civil, a contar da citação, até integral pagamento.
3 – Entre Autores e a Ré, ora Recorrente, foi celebrado um acordo denominado contrato de arrendamento urbano, celebrado em 1 de Abril de 2014, pelo prazo de um ano, com início em 01-04-2014 e término em 31-03-2015 e renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo.
4 – Os Autores remeteram à Ré, ora Recorrente, uma carta registada com aviso de recepção, em 07-04-2020, comunicando à Ré, ora Recorrente, a sua intenção de se oporem à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 01-02-2021.
5 – Depois de algumas cartas que vieram devolvidas, a Ré, ora Recorrente, recebeu a carta dos Autores, e responde à mesma em 26-06-2020, discordando da data da cessação do contrato.
6 – Em 15-02-2021, os Autores remeteram nova comunicação informando a Ré, ora Recorrente, que os efeitos do término do contrato se encontravam suspensos até dia 30-06-2021, data em que deveria desocupar o imóvel.
7 – A Ré, ora Recorrente, não desocupou o imóvel, pois entende que o contrato de arrendamento não cessou, uma vez que a oposição à renovação levada a cabo pelos Autores não produziu os seus efeitos, mediante a aplicação da nova redacção do artigo 1096.º do Código Civil.
8 – Por força da citada Lei n.º 13/2019, de 12/02, a redação do artigo 1096.º passou a ser a seguinte:
“1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”
9 – O Tribunal a quo vem entender que esta oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano celebrado entre os Autores e a Ré, ora Recorrente, operou os seus efeitos, na medida em que, ao princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do C.C.), a regra prevista no artigo 1096.º do C.C. tem natureza supletiva, e assim prevalece o estipulado pelas partes no contrato que celebraram, no sentido em que o contrato se renovava por períodos de um ano, uma vez que o período de renovação do contrato por três anos, previsto na norma, não tem natureza imperativa e pode ser afastado por vontade das partes.
10 – A Recorrente entende que o Tribunal a quo violou o previsto o disposto no artigo 1096.º do Código Civil e deveria ser outra a interpretação dada a este dispositivo.
Porquanto,
11 – O contrato de arrendamento foi celebrado no âmbito de vigência do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, tendo sido, por isso, celebrado ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
12 – O regime introduzido pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, tem aplicação ao contrato celebrado entre as partes, não obstante o mesmo ter sido celebrado em data anterior à sua entrada em vigor, pois, no que respeita à aplicação da lei no tempo, estas alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, em conformidade com a regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil.
13 – Segundo a Recorrente a interpretação da norma violada pelo Tribunal deverá ser outra, a que se passa a descrever, e que por consequência, daria lugar a outra decisão também,
Vejamos,
14 – Uma breve leitura das alterações introduzidas com a Lei n.º 13/2019, de 12/02 permite facilmente concluir que o legislador teve como propósito a protecção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato.
15 – Nos arrendamentos para habitação tendencialmente duradora, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofre significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12/02.
16 – A questão principal para os presentes autos prende-se em saber se, relativamente ao artigo 1096.º do Código Civil, o alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” pode excluir a possibilidade de renovação do contrato, ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação, e ainda saber se as partes podem estipular um prazo de renovação do contrato inferior a três anos.
17 – Atendendo ao segmento literal, que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes poderiam também ter essa liberdade para convencionar igual prazo de renovação, todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parecer ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação.
18 – Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
19 – Quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1, do CC. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, do CC diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º do C.C., só produzirá efeito no final de um período de 4 anos.
20 – Ora, no seu termo, os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente se renovam automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 1096.º do C.C..
21 – O que significa que se o contrato de arrendamento for celebrado por prazo inferior a três anos, e não foi excluída a renovação, o contrato se irá renovar automaticamente com o estipulado no n.º 1 do artigo 1096.º do C.C..
22 – Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no n.º 1 do artigo 1096.º do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13 de Fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou em 01-04-2019 pelo período de três anos, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja, em 31-03-2025, e assim sucessivamente.
23 – A comunicação efectuada pelos Autores em 07.04.2020 e em 11.05.2020, informando a Ré, ora Recorrente, de que não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento, e que este, por sua vontade cessaria em 01.04.2021 (bem como a comunicação datada de 15.01.2021 segundo a Lei n.º 75-A/2020, de 30 de Dezembro, que alterou o artigo 8.º da Lei 1-A/2020, de 19-03, suspendendo a produção de efeitos da oposição à renovação até 30-06-2021) não respeitam aquele prazo, e não produzem quaisquer efeitos relativamente à Ré, ora Recorrente, encontrando-se em curso o prazo da renovação ocorrida a 01.4.2021, pelo que mantém-se o contrato de arrendamento em vigor.
24 – Com efeito, aquando da renovação do contrato em 01.4.2019, a referida Lei n.º 13/2019, de 12/02 já se encontrava em vigor, pelo que é aplicável a tal renovação o período de três anos, por ser o período mínimo legalmente obrigatório; ou seja, atendendo à nova redacção do artigo 1096.º do CC e ao período mínimo de renovação consagrado de três anos, aplicável aos caso dos autos, o próximo término do contrato apenas se verificaria a 01.4.2022, e assim sucessivamente, pelo que os Autores só poderiam opor-se à renovação no termo do período da renovação do contrato, ou seja, em 01.04.2022, mediante a antecedência mínima de 240 dias, reportada a essa data (cfr. artigo 1097.º, n.º 1, alínea a), do C.C.).
25 – Conclui-se, assim, que a oposição à renovação promovida pelos Autores não produziu qualquer efeito sobre o contrato de arrendamento celebrado, considerando que o mesmo se renovou quer em 01.4.2019, quer em 01.4.2022, por períodos de três anos, encontrando-se, actualmente, em vigor, até 31.03.2025.
26 – Não vê a Recorrente qualquer razão jurídica válida que se corrobore a interpretação que a 1.ª Instância acolheu no caso sub judice.
27 – O invocado carácter supletivo do n.º 1 do artigo 1096.º do C.C. reporta-se apenas e tão só ao direito das partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por períodos superiores a três anos, pois este é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, logo subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes, ou seja, a liberdade de estipulação prevista no preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática.
28 – Assim, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação do contrato ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior; no caso em apreço nos autos, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com um prazo de um ano, tendo-se renovado sucessiva e automaticamente por igual período, após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12-02, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos.
29 – É esta a interpretação que deveria ter sido acolhida pelo Tribunal a quo, porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, de 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior protecção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
30 – Razão pela qual deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a ineficácia e a não produção de efeitos da oposição à renovação perpetrada pelos Autores, em relação ao contrato de arrendamento celebrado com a Ré, ora Recorrente, declarando que o referido contrato se encontra em vigor e por isso, não há qualquer obrigação legal da Ré desocupar o locado, em sumula, substituir a Sentença recorrida por outra que absolva totalmente a Ré ora Recorrente do peticionado pelos Autores.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se assim a sentença recorrida que condena a recorrente, sendo substituída por outra que a absolva do peticionado pelos Autores, declarando-se que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes se encontra em vigor e que para além da Ré não ser desobrigada a desocupar o locado, não tem nada a pagar aos Autores, com todas as consequências.
Com o que se fará a costumada Justiça!».
*
A parte contrária apresentou resposta, advogando que fosse mantida a decisão recorrida.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro na aplicação do direito.
* III – Dos factos com interesse para a causa: 3.1 – Matéria de facto provada:
Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. As Autoras são donas e legítimas comproprietárias da fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 2.º andar, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), n.º 60/62 e Rua (…), n.º 1, 8500-627 Portimão, freguesia e concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …/20130827 (resultante da anexação dos prédios n.º … e …), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de Portimão, e com licença de habitação n.º (…), emitida pela Câmara Municipal de Portimão em 13 de Novembro de 2003.
2. A Autora (…) é cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…), seu falecido marido.
3. Por acordo denominado de contrato de arrendamento urbano celebrado em 1 de Abril de 2014, foi dada de arrendamento à Ré a fracção autónoma referida em 1), para sua habitação.
4. O contrato foi inicialmente celebrado com (…), na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…) e com (…), tendo estes assumido a qualidade de senhorios.
5. Em 31 de Julho de 2015 foi celebrado um aditamento ao contrato de arrendamento, alterando a relação dos comproprietários do locado e passando a constar como senhorios (…) e por (…).
6. O contrato de arrendamento foi celebrado, por 12 meses, com início em 01/04/2014 e término em 31/03/2015, renovando-se automática e sucessivamente, por iguais períodos de tempo.
7. A renda foi convencionada no valor de € 300,00 mensais.
8. Foi acordado um prazo de 120 dias, para que os senhorios se pudessem opor à renovação do contrato.
9. Com vista à não renovação do contrato, que se efectivaria em 01/04/2021, por carta registada com aviso de recepção, enviada para o domicílio convencionado, em 07/04/2020, foi comunicada pelas senhorias, aqui Autoras, à inquilina, aqui Ré, a oposição à renovação do contrato de arrendamento.
10. A carta veio devolvida por não reclamada.
11. Foi enviada nova carta registada com aviso de recepção em 11/05/2020.
12. A carta voltou a vir devolvida, por não reclamada.
13. Na referida carta de oposição à renovação, foi a Ré informada de que o contrato cessaria em 31/03/2021, não sendo objecto de qualquer renovação.
14. As senhorias, aqui Autoras, enviaram também uma carta por correio simples, em 07/04/2020, a qual foi rececionada pela Ré em 16/06/2020.
15. Em resposta, datada de 26/06/2020, a Ré confirma a recepção da carta das Autoras discordando do seu teor e, nomeadamente, da data de cessação do contrato.
16. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 15/01/2021, as Autoras informaram a Ré de que os efeitos do término do contrato estavam suspensos até 30 de Junho de 2021, data em que deveria desocupar o imóvel de pessoas e bens, sob pena de instauração imediata da competente ação judicial.
17. A carta foi recebida pela Ré em 22/01/2021.
18. A Ré foi notificada pessoalmente, em 27/07/2021, por Oficial de Justiça da Unidade de Serviço Externo do Tribunal, para desocupar o locado.
19. A Ré não desocupou o imóvel.
20. Até ao dia 27 de Julho de 2021, a Ré procedeu ao pagamento da renda através de transferência bancária.
21. No dia 29 de Julho de 2021, a Ré recebeu um email do Banco (…) com a indicação de que o valor de € 303,45 e por ordem da “(…) Management, Lda.”, seria devolvido para a sua conta com o IBAN PT (…).
22. Nos dias 6 e 7 de Agosto de 2020, na conta bancária da Ré, foi creditado o montante de € 291,30, proveniente das contas bancárias dos senhorios.
23. Em face da recusa de recebimento da renda por parte das Autoras, em 2 de Agosto de 2021, a Ré procedeu à notificação daquelas, informando-as que efectuaram o pagamento da renda referente ao mês de Agosto de 2021, através de depósito liberatório na Caixa Geral de Depósitos.
24. A Ré efectuou depósitos liberatórios na Caixa Geral de Depósitos, onde referiu serem relativos às rendas referentes aos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2021, bem como às rendas referentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2022.
25. O último recibo de renda emitido foi o recibo referente ao mês de Junho de 2021.
*
3.2 – Matéria de facto não provada[1]:
Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
a) A última renda paga pela Ré às Autoras foi a correspondente ao mês de Junho do ano 2021, no valor de € 303,45, tendo sido emitido o respectivo recibo.
*
IV – Fundamentação: 4.1 – Do erro de direito – Da duração. Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais:
Está assente que foi celebrado com a Ré um contrato de arrendamento para fins habitacionais e a questão judicanda radica na interpretação da regra inscrita no artigo 1096.º[2] do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019.
As regras aplicáveis à duração e à cessação do contrato de arrendamento têm sido objecto de alterações significativas, passando de um paradigma vinculístico em que imperavam razões de tutela dos interesses do arrendatário para uma matriz assente no primado do liberalismo que conferia às partes uma maior liberdade às partes para definirem o tempo de vigência do contrato, acompanhada de uma redução dos prazos de exercício dos direitos de oposição à renovação e denúncia do acordo. Entretanto, esta linha de actuação foi transformada com a introdução progressiva de medidas de protecção do inquilino.
Na síntese de Maria Olinda Garcia as alterações ocorridas entre 1990 e 2012 revelam uma progressiva mudança de paradigma em matéria de política legislativa, porquanto acentuam a natureza temporária do contrato de arrendamento em substituição da anterior marca da indeterminação temporal, resultante da automática prorrogação do contrato por vontade unilateral do arrendatário. A estabilidade do gozo do imóvel, interesse do arrendatário tradicionalmente tutelado, deixa de ser, assim, a nota dominantemente caracterizadora da disciplina legal do arrendatário[3].
Mais recentemente, essa tendência foi atenuada com a introdução da Lei n.º 79/2014, de 19/12, que previa medidas de protecção dos arrendatários com idade ou superior a 65 anos ou com incapacidade igual a superior a 60%. Posteriormente, a par desta legislação, em 2018, por via da entrada em vigor da Lei n.º 30/2018, de 16/07, foi inserido um regime extraordinário e transitório de protecção de idosos e pessoas portadoras de deficiência que residissem no locado há mais 15 anos, que estabelecia a suspensão até 31/03/2019 das oposições à renovação, denúncias e acções ou procedimentos de despejo. Também com a edição da Lei n.º 43/2017, de 14/06, foi dificultada a denúncia de contratos de arrendamento com fundamento na demolição ou realização de obras no locado e, posteriormente, a Lei n.º 64/2018, de 29/10, ampliou o regime de exercício do direito de preferência dos arrendatários na venda do locado.
No texto da própria Lei n.º 13/2019, de 12/02, ficou consagrado que a referida lei estabelecia um conjunto de medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade[4].
Antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, o artigo 1096.º do Código Civil previa que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo se renovava automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de igual duração. Contudo, a norma tinha carácter supletivo e, por isso, conferia às partes a liberdade de excluir a renovação automática do contrato, bem como a possibilidade de estabelecer livremente os prazos de renovação aplicáveis, sem sujeição a qualquer prazo mínimo[5].
A dúvida interpretativa suscitada pelo já citado artigo 1096.º do Código Civil está associada à natureza supletiva ou imperativa da norma e ao tempo de renovação mínimo do contrato. No sentido da imperatividade pronunciam-se Maria Olinda Garcia[6], Elsa Sequeira Santos[7], Rui Ataíde e António Rodrigues[8], Ana Isabel Afonso[9] e França Pitão[10]. Com posição a favor da supletividade apresentam-se Pinto Furtado[11], Edgar Martins Valente[12], Fernando Baptista de Oliveira[13] e Jéssica Rodrigues Ferreira[14].
Maria Olinda Garcia afirma que «ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos»[15]. E Elsa Esteves vai mais longe ao asseverar que «a liberdade de estipulação quanto à renovação automática parece ter ficado comprometida»[16].
Pinto Furtado discorda e propugna que «os contratos com duração de um ano que, findo o seu prazo de duração, se renovaram pelo mesmo período e o completaram antes de entrar em vigor a nova lei, continuam a renovar-se pelo mesmo período depois disso; mas aqueles que ainda não consumiram esse período de renovação terão de prosseguir no tempo já decorrido até perfazer o triénio de duração para que ocorra uma nova renovação»[17].
Também na jurisprudência nacional se nota uma divergência sobre o alcance normativo da alteração. Existem arestos que firmam posição no sentido que os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente se renovam automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil[18]. E outros que sublinham a limitação temporal mínima de três anos, do período de duração do contrato de arrendamento, após a sua renovação (constante do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção resultante da Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro), não assume natureza imperativa, podendo, por isso, ser reduzido esse período até um ano, por acordo das partes[19].
A decisão recorrida assenta em boa parte no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2022, do Relator Nuno Lopes Ribeiro, proferido no processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, que assume que aquilo que é «imperativo é que o contrato de arrendamento tenha a duração mínima de um ano. Duração inicial ou sucessiva de um ano. Não se antevendo da Lei n.º 13/2019 qualquer intenção de conferir maior protecção ao arrendatário no período sucessivo daquela concedida no período inicial. Desde logo, por não se demonstrar constituir o período sucessivo à renovação uma situação de maior desequilíbrio entre arrendatário e senhorio, de maior necessidade de segurança e estabilidade do arrendamento urbano e de maior fragilidade do arrendatário relativamente ao período inicial de duração do mesmo contrato de arrendamento».
Esta decisão foi objecto de anotação crítica de Ana Isabel Afonso que assinala que «as partes podem opor-se à renovação do contrato, mas, caso não o façam, este prorrogar-se-á por pelo menos mais três anos ou pelo tempo correspondente à duração inicial, se superior. Este é o resultado hermenêutico a que nos conduz a indagação de ser da norma, isto é, o fim visado pelo legislador, para o que contamos essencialmente com a designada occasio legis, “as circunstâncias em que a lei foi elaborada”, ou seja, o conjunto de factores de ordem política e económico-social que esteve na base da intervenção legislativa[20].
Todavia, aquilo que, in casu, é absolutamente decisivo é o problema da aplicação da lei no tempo[21] e o que Baptista Machado denomina por “estatuto do contrato”, que é determinado pela lei vigente ao tempo da sua conclusão[22] e não propriamente um conflito ideológico sobre a natureza imperativa ou supletiva da norma.
Efectivamente, tal como proclamam Pires de Lima e Antunes Varela, no ordenamento jurídico português mantém-se o princípio da não retroactividade das leis, «e mesmo que se apliquem para o passado – eficácia retroactiva – presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos»[23].
Sobre o critério axiológico da dúvida presente no texto do artigo 12.º do Código Civil podem ser consultados Oliveira Ascensão (se não houver nenhum preceito específico ou se os preceitos existirem não bastarem para afastar a ambiguidade, aplicam-se então as regras do artigo 12.º, com a mesma imperatividade de qualquer outra regra jurídica)[24] e Menezes Cordeiro (importa esclarecer que “na dúvida” significa: sempre que não resulte da própria lei que ela visa mesmo os factos antigos (ou os seus efeitos), assumindo eficácia retroactiva)[25], que assinalam que a lei só visa os factos novos, valendo aqui o primado dos direitos adquiridos.
Em caso de dúvida, na senda melhor doutrina, deve entender-se que as mesmas só se aplicam a factos novos, isto é, ocorridos após a sua entrada em vigor, não ficando submetidos ao seu império nem os factos passados nem os respectivos efeitos, os quais mantêm a configuração que resulte da lei velha[26].
O contrato de arrendamento sub judice foi celebrado entre as partes em 01/04/2014, foi renovado em 01/04/2015 (1ª renovação), 01/04/2016 (2ª renovação), 01/04/2017 (3ª renovação), 01/04/2018 (4ª renovação), 01/04/2019 (5ª renovação) e 01/04/2020 (6ª e última renovação). E, ao visar a prorrogação por mais um ano – a 7.ª renovação –, os senhorios com uma antecedência de 288 (duzentos e oitenta e oito) dias comunicaram à Recorrente a oposição à renovação do contrato.
Neste caso, mesmo que se aplicasse a lei nova imediatamente, por se tratar de situação constituída à sombra da lei antiga, teriam de ser respeitados os efeitos já produzidos, donde ressalta que a baliza cronológica[27] já se mostrava esgotada. Na verdade, aquilo que a lei pressuponha era a manutenção do contrato por mais um período após a renovação, impondo assim um tempo mínimo de vigência e não nos podemos abstrair que esse prazo de renovação não se pode destacar do clausulado (estatuto) do contrato e que estavam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destinava a regular em momento anterior ao da entrada em vigor da legislação aqui em debate.
Nas palavras de Baptista Machado o estatuto do contrato é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato e a retroactividade «respeita os efeitos de direito já produzidos pela SJ sob a LA)[28].
Deste modo, somos assim forçados a acompanhar o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça[29], quando afiança que: “I. A Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. II. Tendo o contrato sido celebrado em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal, apesar de a nova lei lhe ser aplicável, impõe-se a interpretação conjunta destes dois normativos, o artigo 1096.º e o artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil».
Como a primeira renovação do contrato de arrendamento habitacional celebrado entre as partes (a que teve lugar em 01/04/2015, data em que se completou o prazo inicial de um ano convencionado para a sua vigência) ainda ocorreu à sombra do regime jurídico anterior à entrada em vigor da citada Lei n.º 13/2019, a renovação subsequente (a que teria lugar em 01/04/2016) escapou à disciplina instituída pela mesma Lei n.º 13/2019, que regula a extensão e os efeitos da primeira renovação dos arrendamentos habitacionais com prazo certo.
Assim sendo, a exemplo daquele foi o sentido decisório do Supremo Tribunal de Justiça, a oposição a esta última renovação, comunicada pelo senhorio à arrendatária não deixou de produzir efeitos, visto ter sido feita com observância da antecedência exigida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º do Código Civil, obstando assim à renovação (por mais um ano) do contrato de arrendamento.
Deste modo, parece ser assim de sufragar a posição de Ana Isabel Afonso, quando avança que «quer a regra sobre o prazo mínimo de renovação dos contratos de arrendamento (artigo 1096.º, n.º 1, do CC), quer a regra da dilação da eficácia da primeira oposição à renovação (artigo 1097.º, n.º 3, do CC), só deverão ser aplicadas a contratos novos visto que não se pode considerar que abstraem do facto jurídico contratual que lhes deu origem, do qual o senhorio poderia ter feito constar a extinção do contrato por caducidade no fim do respectivo prazo de duração, conforme então era, e continua a ser, permitido pelo sistema legal»[30].
Acrescentando nós que, eventualmente, em determinadas circunstâncias, também é viável fazê-lo relativamente a acordos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 em que não haja já ocorrido uma renovação.
Deste modo, sem embargo da letra da Lei n.º 75-A/2020, de 30/12, que alterou o artigo 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que determina que a produção de efeitos da oposição à renovação de contratos de arrendamento por parte do senhorio ficaria suspensa até 30/06/2021, o prazo de oposição à renovação foi cumprido e não existe assim qualquer entrave a cessação do contrato de arrendamento.
Na realidade, já está acautelada «a confiança do arrendatário num determinado tempo de duração efectiva do contrato e de permanência no locado»[31], ao já ter sido assegurada a estabilidade da relação contratual de pelo menos três anos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual de modelação e definição do conteúdo do contrato[32][33] e por já ter sido garantida a eficácia do mesmo[34].
Ao ser válida e tempestiva a comunicação de cessação do arrendamento, terá de proceder o pedido de desocupação do locado, por se tratar, como bem diz a sentença recorrida, de uma consequência directa daquela forma de cessação, por força da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 1081.º[35] do Código Civil, com referência ao estatuído no artigo 1087.º[36] do mesmo diploma.
Quanto ao pedido indemnizatório, por força da regra precipitada no artigo 1045.º[37] do Código Civil, atendendo a que o acervo factual apurado demonstra um quadro de mora, o montante fixado é devido.
Valida-se, assim, o segmento decisório que afirma que as Autoras tem o direito a serem indemnizados pela Ré no valor mensal equivalente ao da renda, desde a data em que a oposição à renovação se tornou eficaz, ou seja, a data da cessação do contrato, designadamente, desde o dia 30/06/2021, elevada ao dobro a partir do momento em que foi notificada judicialmente para proceder à desocupação do locado (27/07/2021), até à efectiva entrega do mesmo.
Em função disto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. * V – Sumário:
(…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique. *
Processei e revi.
*
Évora, 12/07/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Domingas Simões
Voto vencida
Sem embargo de reconhecer as muitas dificuldades interpretativas colocadas pela redacção dada ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, afigura-se-me, atendendo aos elementos histórico e teleológico, que a melhor interpretação é a acolhida no acórdão deste TRE de 10/11/2022, proferido no processo 126/21.7T8ABF.E1, aderindo assim às conclusões a que nele se chegou: “I. A Lei n.º 13/2019, de 12-02, que alterou a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil (renovação automática do contrato de arrendamento) aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, já antes celebrados e vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, por aplicação do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
II. A redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto de três anos”.
Daria, assim, provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida.
_________________________________________________
[1] Ficou consignado na sentença recorrida que: «não foram considerados os demais factos vertidos nos respectivos articulados, por irrelevantes para a decisão da causa, bem como os factos conclusivos, e os que consubstanciam matéria de direito, só tendo sido selecionados, para além dos constantes dos articulados, considerando o disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os factos essenciais, complementares e instrumentais que se consideraram relevantes para a decisão e compreensão da matéria e litígio em causa nos presentes autos.
De referir também que os factos relativos à situação económica e à saúde da Ré não foram levados aos factos elencados supra, por irrelevantes para a decisão da causa, porquanto apenas seriam pertinentes, caso tivesse sido deduzido pedido de diferimento da desocupação do locado, o que não aconteceu».
[2] Artigo 1096.º (Renovação automática):
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.
[3] Maria Olinda Garcia, Contrato de arrendamento urbano. Caracterização do seu regime e reflexão crítica, Scientia Iuridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, n.º 335, pág. 294.
[4] Exposição de motivos da lei disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar /Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542).
[5] André Mena Hüsgen, As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano, Estudos de arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pág. 85.
[6] Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Julgar online, Março, n.º 25.
[7] Elsa Sequeira Santos, em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil Anotado, vol. I, 2ª edição revista e actualizada (coordenação Ana Prata), Almedina, Coimbra, 2019, pág. 1390.
[8] Rui Paulo de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues, Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, Revista de Direito Civil, n.º 2.
[9] Ana Isabel Afonso, Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano, Estudos de arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020.
[10] José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano – Anotado. De acordo com as Leis n.º 12/2019 e n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa.
[11] Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2019.
[12] Edgar Alexandre Martins Valente, Arrendamento Urbano – Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Almedina, Coimbra.
[13] Fernando Baptista de Oliveira, A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra.
[14] Jéssica Rodrigues Ferreira, in “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, Revista Eletrónica de Direito, Fevereiro, 2020, página 82, in https://ciie.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-iessica-ferreira1584.pdf.
[15] Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Julgar online, Março, n.º 25, pág. 11.
[16] Elsa Sequeira Santos, em anotação ao artigo 1096.º do Código Civil Anotado, vol. I, 2ª edição revista e actualizada (coordenação Ana Prata), Almedina, Coimbra, 2019, pág. 1390.
[17] Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 656- 657.
[18] Pode ser encontrado o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/02/2021, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2022, de 10/01/2023 e de 24/05/2022 e do Tribunal da Relação do Porto de 23/03/2023, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[20] Ana Isabel Afonso, O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo – Ac. do TRL de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, Cadernos de Direito Privado, n.º 78, Abril-Junho 2022, pág. 70.
[21] Artigo 12.º (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral):
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
[22] Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 237-242.
[23] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, reimpressão, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 61.
[24] J. Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13ª edição refundida, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 560.
[25] A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 212, pág. 855.
[26] Maria João Matias Fernandes, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 61.
[27] Fernando J. Bronze, Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 768.
[28] Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 227.
[29] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2023, consultável em www.dgsi.pt.
[30] Ana Isabel Afonso, O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo – Ac. TRL de 17.3.2022, Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, Cadernos de Direito Privado, n.º 78, Abril-Junho 2022, pág. 70.
[31] Ana Isabel Afonso, Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano, Estudos de arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pág. 27.
[32] Artigo 405.º (Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
[33] Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 238, assinala que: «o fundamento deste regime específico da sucessão das leis no tempo em matéria de contratos estaria no respeito das vontades individuais expressas nas suas convenções pelos particulares – no respeito pelo princípio da autonomia privada, portanto. O contrato aparece como um acto de previsão em que as partes estabelecem, tendo em conta a lei então vigente, um certo equilíbrio de interesses que será como que a matriz do regime da vida e da economia da relação contratual. A intervenção do legislador que venha modificar este regime querido pelas partes afecta as previsões destas, transtorna o equilíbrio por elas arquitectado e afecta, portanto, a segurança jurídica».
[34] Artigo 406.º (Eficácia dos contratos):
1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
[35] Artigo 1081.º (Efeitos da cessação).
1 - A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.
2 - Com antecedência não superior a três meses sobre a obrigação de desocupação do local, o senhorio pode exigir ao arrendatário a colocação de escritos, quando correspondam aos usos da terra.
3 - O arrendatário deve, em qualquer caso, mostrar o local a quem o pretender tomar de arrendamento durante os três meses anteriores à desocupação, em horário acordado com o senhorio.
4 - Na falta de acordo, o horário é, nos dias úteis, das 17 horas e 30 minutos às 19 horas e 30 minutos e, aos sábados e domingos, das 15 às 19 horas.
[36] Artigo 1087.º (Desocupação):
A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.
[37] Artigo 1045.º (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa):
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.