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REJEIÇÃO DO RECURSO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
RESTITUIÇÃO DE BENS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
Sumário
1 – Os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, considerando-se parte vencida aquela que é afectada objectivamente pela decisão. 2 – A possibilidade conferida às pessoas, que não sendo partes, são, na realidade, directa e efectivamente prejudicadas pela decisão de interporem recurso apenas surge protegido o interesse directo e tal exclui a invocação de um mero interesse indirecto, reflexo, eventual ou incerto. 3 – Os incidentes de restituição de bens e de verificação e de graduação créditos tem um objecto específico distinto e uma programação processual distinta e as decisões que coloquem a causa a defesa os direitos de terceiros contra a apreensão de bens em processo de insolvência são impugnadas autonomamente na sede própria e não no âmbito da graduação. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 3/22.4T8LGA-I.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J1
* Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Por despacho datado de 12/04/2023, o Juízo de Comércio de Lagoa não admitiu o recurso interposto por (…) Limited, (…) e (…).
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Em 03/02/2023, o Tribunal de Primeira Instância havia proferido sentença de reclamação de créditos, que, na parte que para aqui releva, tinha o seguinte conteúdo decisório:
«1. Pelo valor da venda dos imóveis que constituem as verbas n.ºs 1 a 32 e 34 a 56, do auto de apreensão, pagar-se-ão:
1. Os créditos dos trabalhadores;
2. Os créditos por IMI, respeitantes a estes imóveis;
3. Os créditos da Hefesto STC, S.A.;
4. Os demais créditos comuns em pé de igualdade e rateadamente.
2. Pelo valor da venda dos bens móveis, verbas n.ºs 57 a 74 auto de apreensão:
1. Os créditos dos trabalhadores;
2. Os créditos da Hefesto STC, S.A. até ao limite de € 51.000,00;
3. Os demais créditos comuns em pé de igualdade e rateadamente.
III – Graduação Geral:
Pelo produto da venda dos restantes bens sobre os quais não incidem garantias nem privilégios, pagar-se-ão os demais créditos reconhecidos, incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados não pagos por força dos bens sobre os quais tais direitos de garantia incidem, em pé de igualdade e rateadamente».
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O crédito reclamado por (…) Limited foi integralmente reconhecido.
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No recurso interposto, os reclamantes pretendiam que as verbas 61[1] e 62[2] fossem excluídas do acervo de bens da insolvente.
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Foi formulado um pedido de restituição e separação dos bens em causa, o qual ainda não foi objecto de decisão.
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Com interesse para a justa resolução do incidente, o despacho de não admissão do recurso interposto encontra-se assim fundamentado:
«Vem o recurso interposto pela sociedade (…) Limited, e por (…) e (…). Esse recurso visa impugnar a decisão proferida neste apenso de reclamação de créditos. (…) No caso em apreço, a recorrente (…) Limited, reclamou créditos nos autos no valor de € 652.675,00, valor que lhe foi reconhecido, e (…) e (…), não reclamaram qualquer crédito nem deduziram qualquer pretensão que tivesse ou devesse ter sido apreciada na sentença proferida. Da sentença proferida não resulta para a (…) Limited qualquer vencimento, uma vez que a sua pretensão de ver reconhecido um crédito de € 652.675,00 procedeu na totalidade. (…) e (…) não são credores, por isso, não são partes no processo, nem têm qualquer interesse que diretamente esteja afetado com a decisão proferida. Carecem, pois, os recorrentes de legitimidade para recorrer. Em face do exposto, e de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 641.º, n.º 2, alínea a) e 631.º do Código de Processo Civil, não admito o recurso».
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Proferido despacho que manteve a decisão de não admissão, foi solicitada a intervenção da conferência.
* II – Factos com relevância para resolução do caso:
Os factos com relevância para a justa decisão do caso são aqueles que constam do relatório inicial.
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III – Fundamentação de direito:
Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o Tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão (artigo 643.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
(…) Limited, (…) e (…) vieram reclamar do despacho de não admissão do recurso por si interposto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 643.º do Código de Processo Civil.
A questão a resolver demanda a análise do preceituado nos artigos 631.º[3] e 641.º[4] do Código de Processo Civil.
Os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido. Na sempre pertinente lição de Castro Mendes parte vencida é a que «seja afectada objectivamente pela decisão»[5], ou seja é necessário que «não obtenha a decisão mais favorável possível»[6]. No mesmo sentido, pronunciam-se, entre outros, Alberto dos Reis[7], Ribeiro Mendes[8][9], Cardona Ferreira[10], Abrantes Geraldes[11][12], Teixeira de Sousa[13], Amâncio Ferreira[14] e Rui Pinto[15].
Da análise de todo o processo de reclamação de créditos torna-se incontestável que a decisão contém-se e coincide com o pedido formulado, validando-se assim a afirmação que a (…) Limited não teve qualquer vencimento, «uma vez que a sua pretensão de ver reconhecido um crédito de € 652.675,00 procedeu na totalidade».
Aliás, no despacho preparatório que incide sobre a nulidade suscitada em sede de impugnação por via recursal, a Meritíssima Juíza de Direito numa vertente pedagógica explica de forma absolutamente certeira e assertiva as diferenças substantivas e processuais entre a reclamação de créditos e a acção de restituição e separação dos bens.
Concorda-se em absoluto que cada um dos incidentes de insolvência tem um objecto específico distinto. Um deles visa a definição dos bens que integram a massa, enquanto o outro aponta a forma como vão ser pagos por aqueles bens.
Como é amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, a Julgadora «a quo» esclarece que a restituição e separação de bens é um outro incidente do processo de insolvência que visa a defesa dos direitos de terceiros contra a apreensão de bens em processo de insolvência e destina-se a apurar se o terceiro, que pede a restituição ou separação, tem um direito incompatível com a apreensão, decidindo-se então se, face à prova produzida, é de manter a apreensão do bem ou ordenar a sua separação da massa ou restituição a quem demonstre ter direito sobre ele incompatível com a apreensão.
Efectivamente, se esse convocado direito incompatível com a apreensão for reconhecido é então patente e óbvio que o saldo das contas bancárias acima referenciadas será retirado dos bens que integram o acervo da massa insolvente e, consequentemente, não será repartido entre os credores que putativamente poderiam gozar desse benefício de pagamento.
Porém, não é este o tempo nem o procedimento adequado a fazê-lo. E, se porventura, essa pretensão não for aceite, a reclamante poderá interpor o competente recurso no apenso onde se discute a titularidade dos saldos bancários das aludidas contas bancárias.
Aquilo que não pode é contestar a referida decisão a dois tempos. Isto é, neste apenso em que apenas se verificaram e graduaram créditos não existe qualquer decisão concreta sobre a reclamada restituição e separação de bens.
É assim de validar a compreensão contida no despacho que «não podia o tribunal conhecer na sentença proferida no incidente de reclamação de créditos do pedido de restituição de bens formulado pelos aqui requerentes, ainda que tivesse dele conhecimento».
Quanto às pessoas singulares que reclamam do despacho de não admissão do recurso interposto, é inegável que não assumem a posição de credores e assim não «têm qualquer interesse que diretamente esteja afectado com a decisão proferida».
Na realidade, apenas as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias. E esse não é o caso, de todo. E se fossem partes, a legitimidade seria rejeitada pelos mesmos motivos que determinam a improcedência da pretensão da pessoa colectiva, carecendo aqui de validade o argumentário do litisconsórcio voluntário.
Aliás, na possibilidade conferida às pessoas, que não sendo partes, são, na realidade, directa e efectivamente prejudicadas pela decisão de interporem recurso apenas surge protegido o interesse directo e tal, como avança Abrantes Geraldes[16], exclui a invocação de um mero interesse indirecto, reflexo, eventual ou incerto[17]. E aqui, como refere Amâncio Ferreira, não existe gravame ou prejuízo real sofrido[18].
Desta sorte, a bem estruturada e fundamentada decisão de não admissão do recurso interposto não merece qualquer reparo, mantendo-se o despacho reclamado.
* IV – Sumário:
(…)
* V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, mantém-se o despacho reclamado, não se admitindo o recurso interposto.
Custas a cargo dos reclamantes, com taxa de justiça reduzida ao mínimo.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 12/07/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Eduarda Branquinho
José Manuel Lopes Barata
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[1] A verba 61 (sessenta e um) corresponde ao saldo bancário no montante de € 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) depositado em conta bancária titulada pela Insolvente com o n.º (…), da Caixa Económica Montepio Geral.
[2] A verba 62 (sessenta e dois) corresponde ao saldo bancário no montante de € 214.995,00 (duzentos e catorze mil, novecentos e noventa e cinco euros) depositado em conta bancária titulada pela Insolvente com o n.º (…), da Caixa Económica Montepio Geral.
[3] Artigo 631.º (Quem pode recorrer):
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
3 - O recurso previsto na alínea g) do artigo 696.º pode ser interposto por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado com a sentença, considerando-se como terceiro o incapaz que interveio no processo como parte, mas por intermédio de representante legal.
[4] Artigo 641.º (Despacho sobre o requerimento):
1 - Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.
2 - O requerimento é indeferido quando:
a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer;
b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
3 - No despacho em que admite o recurso, deve o juiz solicitar ao conselho distrital da Ordem dos Advogados a nomeação de advogado aos ausentes, incapazes e incertos, quando estes não possam ser representados pelo Ministério Público.
4 - No caso previsto no número anterior, o prazo de resposta do recorrido ou de interposição por este de recurso subordinado conta-se da notificação ao mandatário nomeado.
5 - A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.
6 - A decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643.º.
7 - No despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º, deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento.
[5] Castro Mendes, Recursos, AAFDL, Lisboa, 1980, págs. 12-14.
[6] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 45.
[7] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão 1984, Coimbra Editora, Coimbra.
[8] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos Em Processo Civil, Lex, Lisboa, pág. 210.
[9] Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil. Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009.
[10] Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, à luz do novo CPC de 2013, Coimbra Editora, Coimbra, 2014.
[11] Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2016.
[12] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 2023, págs. 816-817.
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997.
[14] Fernando Amâncio Ferreira, Manual de recursos em processo civil, 9ª edição – revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2009.
[15] Rui Pinto, O Recurso Civil, Uma Teoria Geral, reimpressão 2018, AAFDL, Lisboa, págs. 166-200.
[16] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 816.
[17] Acórdão do Supremos Tribunal de Justiça de 20/10/15 e 15/12/2011, consultáveis em www.dgsi.pt.
[18] Fernando Amâncio Ferreira, Manual de recursos em processo civil, 9ª edição – revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 139.