DIREITO DE HABITAÇÃO PERIÓDICA
CONTRATO-PROMESSA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

1- A natureza punitiva ou penitencial, atribuída ao sinal constituído com a outorga do contrato-promessa, prende-se essencialmente com a possibilidade de arrependimento em celebrar o contrato definitivo prometido.
Assim, onde inexista, como sucede in casu, convenção expressa da faculdade de arrependimento o sinal será confirmatório e apenas quando for convencionada expressamente essa faculdade e existir sinal terá este carácter penitenciário.
2- A extinção de um contrato implica a sua destruição.
O não cumprimento, ou incumprimento do contrato, afere-se a uma vicissitude ou patologia que afecta o mesmo em dado momento da sua vigência, não se traduzindo necessariamente na respectiva destruição.
3- Constituem requisitos do enriquecimento sem causa a existência de uma deslocação patrimonial, ter a mesma ocorrido à custa de outrem e a ausência de causa justificativa para tal deslocação.
4- A compensação é uma causa de extinção das obrigações, sendo que a prevista no artigo 847.º do Código Civil é a chamada compensação legal, nela se integrando a compensação subordinada a decisão constitutiva do tribunal (compensação judiciária).
A compensação traduz-se num encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, não obrigando a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Proc. n.º 2469/21.0T8PTM.E1
Tribunal Judicial Comarca de Faro
Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 1
Apelantes: (…)
(…)
Apelada: (…) Beach Club – Actividades Turísticas, SA
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
***
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – Relatório
(…) e marido, (…), casados entre si no regime de separação de bens, residentes na Rua (…), n.º 8, (…), (…), vieram interpor contra (…) Beach Club – Actividades Turísticas, SA, com sede em Praia da (…), freguesia de (…), concelho de Albufeira, com endereço postal no Apartado (…), Albufeira, a presente ação declarativa condenatória com processo comum, fundada em incumprimento de contrato-promessa de constituição de Direito Real de Habitação Periódica, alegando que o contrato foi celebrado em 1998 e ainda não foi celebrada a escritura definitiva (mesmo depois de ter sido intentada uma ação especial de fixação de prazo para o efeito, que terminou com a fixação de prazo por acordo, sem que a escritura tivesse sido feita).
Concluíram os Autores pedindo que a presente fosse ação julgada procedente e, em consequência:
- Declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda identificado nos autos por incumprimento definitivo imputável à Ré;
- Condenar-se a Ré a pagar-lhes a quantia de € 52.413,68 (o dobro do sinal de € 26.206,84) acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
A Ré contestou, alegando que o contrato-promessa foi feito sob a condição de ser possível a constituição dos DRHP em causa, o que não foi sendo possível, sem culpa da Ré, sendo que, entretanto, os Autores foram gozando férias no empreendimento explorado pela Ré, a um preço inferior ao praticado aos turistas não detentores de DRHP (e pagando, em contrapartida, as taxas que pagam os titulares de DRHP).
Mais alegou, a título de exceção, que os AA. deixaram de pagar as prestações de contrapartida pelo DRHP, o que implica que o contrato se deva ter por incumprido pelos mesmos.
Concluiu a Ré dever a ação ser julgada totalmente improcedente.
Caso assim não se entendendo, subsidiariamente, a Ré deduziu reconvenção, para a eventualidade de ser declarada a resolução do contrato nos termos peticionados pelos Autores., pugnando pela procedência do pedido reconvencional, com vista à: restituição do que foi prestado pela Ré / Reconvinte aos Autores / Reconvindos em montante acumulado nunca inferior a € 55.436,80, sob pena de enriquecimento sem causa dos AA..
Os Autores apresentaram réplica, refutando a matéria de exceção invocada pela R., mantendo o alegado na petição inicial e pugnando pela improcedência da reconvenção.
Realizou-se audiência prévia onde foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litigio, enunciados os temas de prova, admitidos os meios de prova e designada data para audiência final, a qual se realizou, seguindo-se o proferimento de sentença, que contem o seguinte dispositivo:
“III Decisão
Pelo exposto, o tribunal:
- julga parcialmente procedente a presente ação e parcialmente procedente a reconvenção e, declarando resolvido por incumprimento da R. o contrato promessa em causa nos autos, condena a R. a pagar aos AA. o valor de € 32.884,30, acrescido de juros de mora, à taxa de juros civis, desde a citação até integral pagamento.
- absolve a R. e os AA. do demais peticionado contra os mesmos.
- fixa custas de ação e reconvenção pelos AA. e pela R., na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% para os AA. e 75% para a R..
Registe e notifique”.
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Inconformados, com a sentença os Autores/Reconvindos apresentaram requerimento de recurso de Apelação para este Tribunal Superior, contendo um segmento de conclusões recursivas notoriamente extenso.
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A Apelada não apresentou em tempo resposta à motivação recursiva, vindo a dirigi-la directamente ao Tribunal a quo apenas em 05/05/2023 (o qual a remeteu a este Tribunal Superior, sendo por demais evidente a sua extemporaneidade, não tendo sido invocado justo impedimento para a apresentação sobejamente tardia de tal peça processual).
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Foi proferido despacho no Tribunal a quo que admitiu o recurso como apelação a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e ordenou a subida dos mesmos a este Tribunal Superior, para apreciação.
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Já neste Tribunal Superior, houve lugar à prolação pelo relator de despacho convidando ao aperfeiçoamento do segmento recursivo das conclusões atenta a diagnosticada extensão do mesmo.
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Os Apelantes acederam ao convite e apresentaram em tempo novo segmento de conclusões recursivas nos seguintes termos:
“DAS CONCLUSÕES:
O Recorrente discorda da douta decisão e não pode com este conformar-se por razões fundamentais:
A) DO SENTIDO E ALCANCE DO SINAL
1. O Recorrente discorda da conclusão alcançada pelo Tribunal a quo quanto à natureza do sinal em apreço.
2. Por isso, o pagamento da soma resultante do regime do sinal fazia presumir a existência de um sinal penitencial, em que as partes se reservavam no direito de repensar e de se arrepender, pagando como sanção a soma resultante do regime do sinal, tratando-se de uma obrigação de faculdade alternativa, em que o devedor se encontrava vinculado a emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, mas com a faculdade de se desonerar, mediante o pagamento do montante resultante do regime do sinal.
3. Ou seja, discorda-se do entendimento subscrito pelo Tribunal recorrido, nos termos do qual “as partes, quando celebram um contrato, se vinculam, em princípio, de modo irrevogável, e não se reservam na faculdade de retração ou de recesso do contrato, ou seja, na faculdade de arrependimento”.
4. Por esse motivo não foi prevista uma cláusula penal, pelo incumprimento do contrato.
5. No caso, a desistência do contrato deveu-se à Ré. O Autor fez tudo o que estava ao seu alcance, e lhe era exigível, para que o contrato prometido fosse concretizado.
6. Face a tudo quanto exposto, deve a decisão recorrida ser substituída por outra que julgue que o sinal dos autos é um sinal penitencial.
B) DA RETROATIVIDADE DA RESOLUÇÃO
7. O Tribunal recorrido foi também chamado a pronunciar-se sobre a pretensão da Ré no
sentido de que, uma vez desfeito o contrato promessa, o Autor lhe pague o diferencial dos preços do gozo das suas férias, posto que desapareceu a causa (que era esse contrato) para as gozar no seu empreendimento a um preço mais barato.
8. O efeito retroactivo da resolução não é um princípio categórico, uma vez que a própria lei prevê exceções a este – “a retroactividade encontra por limites ou os direitos de terceiros ou as prestações já efectuadas nos contratos de execução continuada ou periódica” – Ribeiro de Faria, “A natureza da indemnização no caso de resolução do contrato. Novamente a questão”, Estudos em comemoração dos cinco anos da faculdade de Direito da Universidade do Porto, 2001, pág. 148; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 2010, pág. 106.
9. Com efeito, não pode deixar de ser concluído que a retroatividade à data da celebração do contrato contraria a vontade das partes. Não podemos olvidar que foram estas mesmas partes que mantiveram o contrato em vigência desde 1998, honrando as obrigações dele decorrentes, não obstante a não realização da escritura definitiva.
10. Acresce que não podemos deixar de considerar que, face à sua própria natureza, e os
termos em que foi cumprido, o contrato em apreço consubstancia um contrato de execução continuada ou periódica.
11. qualquer direito especial no empreendimento gerido pela ré. É verdade, aceita-se, que existiu uma causa para que o autor tivesse gozado férias a um preço inferior aos praticados pela R. para os clientes não detentores de DRHP, mas essa causa desapareceu.
12. Em nosso entender, o efeito retroativo da resolução não se aplica nos moldes em que
o Tribunal recorrido o interpretou.
13. Esse Autor chama a atenção para o cuidado com a retroatividade. Segundo este autor, esta, apenas opera até onde vai a sua razão de ser. Assim, a retroatividade da resolução não elimina as obrigações, sujeitos e situações que tenham surgido na vigência do contrato.
14. Se o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido procedesse – a retroação absoluta dos efeitos do contrato – as partes seriam colocadas simultaneamente na situação em que estariam se não tivesse sido concluído um certo contrato.
15. Acresce que não podemos ignorar que foi a Ré quem incumpriu o contrato, e foi o incumprimento que ditou a resolução do mesmo.
16. A interpretação da sentença de que se recorre implicaria um desequilíbrio na estrutura sinalagmática do contrato, já que prejudicaria o contraente cumpridor e premiaria o contraente incumpridor.
17. Tal interpretação da figura da resolução por incumprimento transformaria o contrato
sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.
18. Ora, parece que não é seguramente essa a solução do nosso direito, que estabelece o carácter retractivo da resolução (artigos 433.º, 289.º e 290.º).
19. A retroatividade da resolução terá, pois então, de ser limitada à data do incumprimento contratual.
20. Termos em que deve a decisão recorrida ser substituída por outra que julgue que os efeitos da resolução retroagem à data do incumprimento, com as legais consequências.
C) DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E DA COMPENSAÇÃO
21. A Ré invocou, em sede de contestação, a figura da compensação prevista no artigo 847.º do Código Civil, pretendendo que, desfeito o contrato promessa, o Autor lhe pagasse o diferencial dos preços do gozo das suas férias, posto que desapareceu a causa (que era esse contrato) para as gozar no seu empreendimento a um preço mais barato.
22. A este propósito, considerou o Tribunal recorrido o seguinte:
23. Tendo em conta o que se provou, afigura-se-nos que o desfazer dos efeitos do contrato promessa, como pretende a demandada, justificará que se reponha a situação que ocorreria se o autor tivesse de gozar férias como um turista sem qualquer direito especial no empreendimento gerido pela ré. É verdade, aceita-se, que existiu uma causa para que o autor tivesse gozado férias a um preço inferior aos praticados pela R. para os clientes não detentores de DRHP, mas essa causa desapareceu.
24. Ademais, o entendimento da Ré e do Tribunal não se reconduz à figura prevista no artigo 473.º do Código Civil, o qual preceitua que:
1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
25. Ora, nos presentes autos, a causa existiu: a celebração e duração do contrato promessa de constituição de Direito Real de Habitação Periódica.
26. Sendo que esse contrato apenas cessou devido ao incumprimento da Ré, com a resolução do referido contrato.
27. Nesta conformidade, entendemos que não há razão para uma compensação na medida
em que não há uma reciprocidade de créditos e de dívidas.
28. Considerando tudo quanto exposto anteriormente quanto aos efeitos da resolução retroagirem à data do incumprimento.
29. Face a tudo quanto exposto, a douta decisão recorrida violou as disposições legais supracitadas, a saber: artigos 432.º, 440.º, 441.º, 442.º, n.º 4, 473.º, 847.º, todos do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência:
a) A decisão recorrida ser substituída por outra que julgue que o sinal dos autos é um sinal
penitencial.
b) A decisão recorrida ser substituída por outra que julgue que os efeitos da resolução retroagem à data do incumprimento, com as legais consequências.
c) A decisão recorrida ser substituída por outra que julgue que a Ré não é titular de qualquer crédito que deva ser objeto de compensação, por inexistir enriquecimento sem causa, julgando improcedente a reconvenção deduzida pela reconvinte.”

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A Apelada não respondeu ao aperfeiçoamento das conclusões recursivas.
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O recurso foi correctamente admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato nos próprios autos e com efeito devolutivo.

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Colheram-se os Vistos legais.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que no caso concreto impõe-se apreciar do mérito da decisão censurada, abarcando designadamente as seguintes questões:
1-Natureza do sinal prestado pelos Apelantes;
2-Do alcance da retroactividade da resolução do contrato-promessa;
3-(In)existência de enriquecimento sem causa dos Apelantes / Reconvindos e compensação devida à Apelada.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida o seguinte:
A) Factos
a) Factos provados
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica a: Arrendamento de Bens Imobiliários; Administração de Hotéis apartamentos com Restaurante; Compra e Venda de bens Imobiliários (resposta aos artigos 1º e 2º da p.i. e 27º da contestação).
2. A sociedade Ré foi constituída em 9 de janeiro de 1986 sob a designação “(…) – Actividades Turísticas (…), Lda.” pelos seus sócios, àquela data, tendo utilizado a designação de “(…) Beach Club” no âmbito da comercialização de Direitos Reais de Habitação Periódica, sobre o empreendimento, designadamente quanto ao prédio urbano com a atual descrição Lote n.º 2 (Bloco D/E) Empreendimento (…) Beach Club, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), da freguesia de Albufeira e inscrito na matriz sob o atual artigo (…), da freguesia de Albufeira e Olhos de Água (resposta ao artigo 28º da contestação).
3. Prédio este onde se situa a atual fração designada pela letra “D”, a que se refere o direito invocado pelos AA. (resposta ao artigo 29º da contestação).
4. O apartamento n.º 018 do empreendimento (…) corresponde à fração autónoma designada pela letra “D” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), freguesia de Albufeira, como consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal celebrada, em 04/09/2014, no Cartório Notarial em Vilamoura, do Dr. … (resposta ao artigo 17º da p.i.).
5. No exercício da referida atividade, a Ré comercializou Direitos Reais de Habitação Periódica no empreendimento turístico designado por “(…) Beach Club”, agora denominado por “(…) Beach Club”, adiante designado por OVBC, sito na Praia da (…), em Albufeira, no loteamento urbano do prédio a que se refere o alvará de loteamento n.º (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), do livro (…), folha 16, composto por quatro blocos de apartamentos turísticos, e celebrou diversos contratos promessa, nomeadamente o celebrado com a A. (resposta aos artigos 3º e 4º da p.i.).
6. Ainda sob aquela designação (“… Beach Club”), a sociedade Ré celebrou com a A. … (que vivia, à data, em união de facto com a A., vindo depois a casar com a mesma) um “Contrato Promessa de Compra e Venda de Direitos Reais de Habitação Periódica” com o n.º (…), datado de 18 de agosto de 1998, o qual constitui o documento junto com a p.i. com o n.º 1 (resposta aos artigos 3º, 6º e 9º a 11º da p.i., 17º, 30º e 31º da contestação e 2º e 16º da réplica).
7. Mediante tal contrato, a Ré prometeu vender à A. que, por sua vez prometeu adquirir, “os Direitos Reais de Habitação Periódica, perpétuos, que incidirão sobre os apartamentos abaixo indicados e corresponderão às semanas seguintes:
Apartamentos: 018 Tipo(s): T.1
Semanas: 29 e 30
Bloco(s): “A”, ora denominado “D/E”
Entrada(s): Sábado
RCI: Vermelha” (resposta aos artigos 10º da p.i. e 31º, 32º, 60º e 61º da contestação).
8. Foi contratualizado que o referido direito seria vendido “livre de ónus ou encargos” e que “(...) O projecto foi submetido à Direcção Geral de Turismo em 22/01/87 e 18/02/87, Proc. nº … cuja classificação de Apartamentos Turísticos de 1ª Categoria será concedida após vistoria a realizar com a conclusão das obras” (resposta aos artigos 11º, 12º e 16º da p.i. e 50º a 52º, 55º a 58º, 61º, 205º e 206º da contestação).
9. E que “Os Blocos A, C e D serão submetidos ao Regime de Habitação Periódica nos termos do Decreto-Lei n.º 130/89 (e demais legislação que venha a ser publicada) (...)” (resposta aos artigos 53º, 205º e 206º da contestação).
10. A Ré, prometeu vender e comprometeu-se a transferir o título de propriedade da referida semana e apartamento para os promitentes-compradores, sem quaisquer ónus ou encargos e apenas pelos custos legais de transmissão, para que os promitentes-compradores o registassem em seus nomes no Registo Predial (resposta aos artigos 11º a 13º da p.i. e 205º e 206º da contestação).
11. A Ré obrigou-se a submeter o bloco A (no lote 6 e lote 2) ao regime de habitação periódica (resposta ao artigo 8º da p.i.).
12. Nos termos do referido contrato, os promitentes-compradores prometeram comprar as referidas semanas 29 e 30 pelo preço, de esc. 5.254.000$00, entretanto convertidos em € 26.206,58 (vinte e seis mil, duzentos e seis euros e cinquenta e oito cêntimos), tendo sido dados de entrada esc. 4.354.000$00, correspondentes a € 21.717,66 (vinte e um mil, setecentos e dezassete euros e sessenta e seis cêntimos) – (resposta aos artigos 10º e 14º da p.i. e 33º, 34º, 37º, 38º, 40º , 41º e 43º da contestação).
13. Os promitentes-compradores entregaram o valor acima enunciado, convencidos que estavam de que o contrato definitivo seria celebrado e de que, para além do referido em 8 e 9 destes factos provados, não existia outro impedimento ou obstáculo à transmissão dos títulos definitivos (resposta aos artigos 13º e 15º da p.i.).
14. Desde a celebração do contrato promessa e até à data da entrada da presente ação, a Ré não constituíra o direito real de habitação periódica objeto dos presentes autos e também não entregara aos AA o documento complementar, referido no artigo 13.º do D.L. n.º 275/93, não permitindo aos AA. venderem, por sua vez, o DRHP prometido comprar, com mais valias, nem constituiu qualquer caução (resposta aos artigos 5º da p.i. e 70º a 72º da réplica).
15. O projeto do empreendimento foi submetido à Direção Geral de Turismo em 22/01/87 e 18/02/87, processo n.º (…), tendo sido atribuída a classificação de Apartamentos Turísticos de 1.ª categoria (resposta ao artigo 7º da p.i.).
16. Todos os apartamentos do empreendimento (…), então “(…) Beach Club” estão a ser utilizados no âmbito da exploração turística que a Ré desenvolve, nomeadamente aquele que é objeto do referido contrato promessa de compra e venda de direitos reais de habitação periódica (resposta aos artigos 16º da p.i. e 36º e 37º da réplica).
17. Através de contratos de locação operacional, a exploração turística do empreendimento foi, entre 2006 e 2018, inclusive, da responsabilidade da Sociedade de Gestão Financeira (…), Lda., NIPC (…) e, a partir de 2019, da responsabilidade da sociedade (…)-Management Company, Unipessoal, Lda., NIPC (…), a quem a Ré sempre pagou as taxas de manutenção, até 2020 (resposta aos artigos 19º a 21º 25º e 27º da p.i. e 59º da réplica).
18. Ambas as sociedades responsáveis pela exploração turística do empreendimento (…) pertencem ao mesmo grupo económico da sociedade proprietária do (…), agora Ré (resposta ao artigo 22º da p.i.). 19. As sociedades gestoras, que se foram sucedendo foram a (…) Empreendimentos Turísticos, Lda., que consta no contrato objeto dos autos, pertencente ao grupo económico que foi proprietário do empreendimento, até 2005, a Sociedade de Gestão Financeira (…), Lda., entre 2006 e 2011, inclusive, período em que o (…) pertenceu ao Grupo (…), da Irlanda, a mesma sociedade, entre 2012 e 2018, neste período já pertencente ao grupo económico (…) Hotels, de Singapura, e a (…) Management Company, Unipessoal, Lda., a partir de 2019, esta também pertencente ao referido grupo de Singapura (resposta ao artigo 10º da réplica).
20. Até 29/10/2015, a Ré constituiu DRHP’s sobre, pelo menos, vinte e cinco dos trinta e quatro apartamentos turísticos que integram o prédio 2420, da freguesia de Albufeira, não tendo constituído DRHP’s sobre o apartamento 018, que corresponde à fração autónoma designada pela letra “D” (resposta aos artigos 18º da p.i. e 40º da réplica).
21. Os AA. não enviaram comunicação a expressamente manifestar a intenção de “interpelar a Ré para o cumprimento, nos termos e condições previstas no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil” (resposta aos artigos 121º e 122º da contestação).
22. Mas, enquanto promitentes-compradores, interpelaram a Ré, por diversas vezes, solicitando-lhe a transmissão do respetivo título de registo do DRHP a seu favor, em cumprimento do contrato prometido (tendo-lhe até, em alternativa, proposto um acordo extra-judicial nos termos constantes do documento nº 5 da p.i., que não mereceu reposta da R.), porém, a Ré não transferiu, até à instauração da presente ação, para os AA., promitentes compradores, o certificado predial (título) do DRHP objeto do contrato promessa (resposta aos artigos 23º, 24º, 26º, 28º, 33º e 34º da p.i. e 145º e 146º da contestação).
23. Não tendo sido estipulado no contrato promessa, nem tendo as partes acordado num prazo para cumprimento definitivo do contrato, por Ação de Fixação Judicial de Prazo, Processo n.º 536/20.7T8ABF, intentada depois do envio da carta junta como documento n.º 5 da p.i., os AA. requereram que fosse fixado um prazo por decisão do Tribunal (resposta aos artigos 30º e 31º da p.i., 95º a 99º e 140º da contestação e 56º da réplica).
24. Em sede de audiência prévia, as partes acordaram, em 16 de dezembro de 2020, na seguinte transação:
Após, e já na presença da Mma. Juiz de Direito pelas partes foi dito que acordam em pôr termo ao litígio, nos seguintes termos:
1. As partes acordam, na presente data, na fixação de um prazo de seis meses para que a Requerida proceda à constituição dos Direitos Reais de Habitação Periódica e por conseguinte, à celebração do contrato definitivo, relativo ao DRHP e à entrega de toda a documentação que estiver se tiver por necessária para a finalização do negócio vertido nos autos.
2. Custas eventualmente em partes iguais por Requerentes e Requerida, prescindindo todos de custas de parte (resposta aos artigos 30º a 32º da p.i. e 95º a 99º da contestação).
25. O Tribunal julgou válida a transação apresentada, por Sentença desse mesmo dia 16 de dezembro de 2020, nos seguintes termos:
Na presente acção para fixação judicial de prazo em que são Requerentes (…) e (…), e é Requerida (…) Beach Club – Actividades Turísticas, S.A., chegaram as partes a acordo nos termos do acordo que antecede.
Atenta a qualidade das partes e a disponibilidade dos direitos em causa, julgo válida e legal a transacção apresentada e homologo-a por sentença, assim declarando extinta a presente instância – artigos 277.º, alínea d), 283.º, 284.º, 287.º, 289.º e 290.º, todos do Código de Processo Civil.
Custas nos precisos termos acordados (resposta aos artigos 31º da p.i. e 95º a 99º da contestação).
26. O prazo acordado de seis meses terminou em 16 de junho de 2021, mas, entretanto, os AA. não receberam o certificado predial do DRHP endossado a seu favor e registado em seus nomes, nem foram constituídos DRHP’s sobre o apartamento 022 do (…), que corresponde à fração autónoma “H” (resposta aos artigos 32º a 32º, 36º e 37º da p.i.).
27. Face à confiança criada entre as partes, os AA. utilizaram plenamente o direito prometido adquirir como se fossem detentores do título definitivo, reservando semanas de férias, no seu apartamento, ano após ano, e usando o empreendimento, suas utilidades e espaços, desde a celebração do contrato dos autos, ou seja, desde 1998, pagando as taxas de manutenção, até 2020 (resposta aos artigos 64º, 66º a 69º, 71º, 130º e 161º da contestação e 60º da réplica).
28. A Ré sempre tratou os AA. como titulares do Direito, aceitando a confirmação das suas estadias, facultando acesso não apenas à unidade de alojamento como aos espaços e serviços do empreendimento, e a todas as comodidades (espaços exteriores, lazer, serviços, restauração, serviço de limpeza), zelando pela manutenção e conservação da fração a que respeitava o direito dos AA., e não usufruindo da possibilidade de explorar a fração através do público em geral, a valores mais elevados, na perspetiva, pelo menos, a partir da assunção do controlo da R. pelos seus atuais sócios, em julho de 2012, de a R. vir a concluir o negócio prometido (resposta aos artigos 70º, 112º, 113º e 197º da contestação). 29. Com a execução do contrato, os AA. puderam usufruir, e usufruíram até 2019, designadamente de:
a) um serviço de reservas personalizado;
b) da “reserva” garantida daquele apartamento, escolhido pelos AA., sempre disponível, no mesmo período (semana), todos os anos, com períodos de confirmação da reserva mais alargados;
c) disponibilidade garantida do apartamento no período escolhido;
d) manutenção e conservação do apartamento escolhido pelos AA.;
e) ausência de constrangimentos comuns no turismo derivados da falta de vagas por overbooking, nunca correndo o risco de ficar sem alojamento no local escolhido pelos AA.;
f) uso, fruição e/ou disponibilidade de todas as áreas do empreendimento e serviços, designadamente: acesso a serviços de SPA e massagens, piscinas, estacionamento, limpeza e lavandaria, serviço de quartos (room service), preços especiais e promocionais de serviços e parceiros, apoio ao cliente;
g) a cedência remunerada do direito, a terceiros, pelo preço que entendessem (resposta aos artigos 66º, 162º a 164º e 182º da contestação).
30. Em julho de 2012, os atuais sócios da Ré adquiriram as participações da sociedade e tomaram o controlo da mesma, e, pretendendo honrar os compromissos assumidos, mantiveram os contratos celebrados, e os projetos pendentes, designadamente, com vista à constituição dos Direitos Reais de Habitação Periódica e entrega dos respetivos títulos a todos os promitentes adquirentes, sendo que a Ré promoveu as diligências que conseguiu desenvolver para concretizar a emissão dos certificados / títulos de DRHP dos AA. e de tantos outros titulares (resposta aos artigos 72º a 74º da contestação).
31. Com a tomada de posse, em julho de 2012, percebeu-se, porém, que ainda havia vários trâmites a percorrer no sentido de honrar os contratos em que, como o dos AA., havia sido prometida a emissão do título correspondente ao DRHP (resposta ao artigo 75º da contestação).
32. Porquanto naquele empreendimento – que se estendia para além do bloco onde se localiza a unidade destinada aos AA. – havia outros blocos de edifícios em situação de impasse idêntica (resposta ao artigo 76º da contestação).
33. Os anteriores sócios da Ré apenas tinham concretizado uma única fase de constituição de Direitos Reais de Habitação Periódica sobre 93 unidades de alojamento dos Blocos A, B e C em 1992 (resposta ao artigo 77º da contestação).
34. Ficando os novos sócios da Ré, com o ónus de honrar os contratos celebrados e resolver o que, até 2012, “a Ré” não havia resolvido (resposta ao artº 79º da contestação).
35. Assim, dando continuidade ao projeto turístico iniciado então pela Ré, na pessoa dos seus anteriores sócios e administradores, a Ré promoveu, em 2014, sobre o referido lote n.º 2 (Bloco D/E) a constituição da propriedade horizontal, que era uma formalidade necessária e imprescindível à autonomização das unidades de alojamento, onde seriam criadas as frações temporais, e constituídos os DRHP, incluindo o dos AA. (resposta aos artigos 80º e 81º da contestação).
36. Então pôde a Ré dar início à constituição dos Direitos Reais de Habitação Periódica, para o empreendimento, tendo concluído em 2015, a designada “2ª Fase”, que abrangeu parcialmente os Blocos D e E e o Bloco F do Empreendimento (resposta ao artigo 82º da contestação).
37. A segunda fase foi concluída e os respetivos DRHP foram constituídos (resposta aos artigos 83º a 85º da contestação).
38. Neste momento, está em curso a conclusão da “3ª Fase” de constituição dos DRHP que inclui – como é do conhecimento dos AA. – o direito real de habitação periódica dos AA. (resposta ao artigo 86º da contestação).
39. Já se encontra emitida certidão do Turismo de Portugal, I.P., de 10 de novembro de 2021, permitindo a constituição dos DRHP dos AA., tendo os mesmos sido constituídos por escritura pública de 17 de novembro de 2021 e entretanto registados (resposta aos artigos 87º a 93º, 101º, 106º e 218º da contestação).
40. Se os AA. fossem hóspedes comuns (não titulares de DRHP) teriam pago, por semana, os seguintes valores (abaixo indicado como “Valor de Mercado”):
Ano Taxa anual Valor Mercado Diferencial
2008: € 415,77 € 1.300,00 € 884,23;
2009: € 415,77 € 1.547,00 € 1.131,23;
2010: € 415,77 € 1.172,00 € 756,23;
2011: € 415,77 € 1.421,00 € 1.005,23;
2012: € 457,35 € 1.434,00 € 976,65;
2013: € 457,35 € 1.477,00 € 1.019,65;
2014: € 480,00 € 1.610,00 € 1.130,00;
2015: € 492,00 € 1.659,00 € 1.167,00;
2016: € 492,00 € 1.708,77 € 1.216,77;
2017: € 504,00 € 1.760,03 € 1.256,03;
2018: € 504,00 € 1.812,83 € 1.308,83;
2019: € 504,00 € 1.867,22 € 1.363,22;
2020: € 504,00 € 1.923,24 € 1.419,24;
2021: € 504,00 € 1.980,93 € 1.476,93 (resposta aos artigos 165º e 166º da contestação).
41. Algumas pessoas utilizaram os seus direitos de ocupação e DRHP como investimento, fazendo a cedência remunerada a terceiros e cobrando os preços que entendessem convenientes, podendo com isso obter um rendimento igual ao valor de mercado (resposta aos artigos 167º e 168º da contestação).
42. Estipulava também o contrato celebrado entre A. e R. que a A. pagaria anualmente a contribuição para as despesas de administração e manutenção à sociedade gestora do empreendimento (Disposições Gerais, cláusula 2ª, do Doc. 1 junto com a P.I.), que atualmente é a sociedade (…) Company, Unipessoal, Lda., como aliás os AA. declaram saber, estando tal contribuição fixada em € 504,00 por cada uma das semanas, desde 2017, referindo o seguinte:
O Promitente comprador compromete-se a pagar a sua contribuição para as despesas de Administração e Manutenção (Taxa de Manutenção) que são fixadas em (...) para o ano de 1998. Esta contribuição será ajustável no futuro [...] (resposta aos artigos 7º, 65º e 133º a 135º da contestação).
43. O mesmo contrato refere ainda, na cláusula 6ª, que: “O incumprimento deste contrato por parte dos promitentes compradores dará lugar à perda por estes de todas as quantias pagas (resposta aos artigos 9º e 242º da contestação).
44. As taxas de manutenção foram pagas pelos AA. até 2020, sendo que, a partir desse ano, os AA. vieram a desistir do direito de ocupação do apartamento, já não pagando as taxas de 2020 e 2021 (num total de € 2.016,00) e que, através de carta registada com aviso de receção, datada de 05/05/2020 (que constitui o documento n.º 5 junto com a p.i.), os AA. informaram a Ré que deixaram de ter qualquer interesse no contrato (resposta aos artigos 25º da p.i., 4º a 6º, 136º, 137º e 241º da contestação e 55º da réplica).
45. A Ré teve de suportar despesas administrativas com vista à emissão dos títulos de DRHP dos AA., em montante não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), considerando elaboração de contrato, papel e estacionário, despesas de CTT, despesas administrativas; encargos com a conservação da unidade de alojamento, despesas administrativas e de pessoal administrativo e de reservas, honorários de advogados e profissionais que acompanharam o processo de constituição dos DRHP em curso, relativamente à fração prometida adquirir pelos AA. (resposta aos artigos 198º e 199º da contestação).
45. Em 06/09/2017 o Turismo de Portugal, IP informou a Ré nos seguintes termos: “(…) considera-se que não estão reunidas as condições para que possa ser apresentada aos membros do Governo responsáveis pelas áreas do ordenamento do território e do turismo uma proposta de alteração da percentagem prevista na alínea b) do artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 275/93, de 5 de agosto, na redação em vigor (…)” (resposta ao artigo 40º da réplica).
46. A Ré informou o Turismo de Portugal, IP, na sua Pronúncia em Sede de Audiência Prévia, de que “(…).os contratos promessa de compra e venda de Direitos Reais de Habitação foram celebrados em 1986, sendo que o regime aplicável àqueles direitos era o estabelecido no Decreto-Lei n.º 355/81, de 3 de dezembro (…)”, pelo que, perante a insistência da Ré de que os contratos tinham sido celebrados em 1986, o Turismo de Portugal, IP, em 06/02/2020, informou a Ré de que: “Em ordem a que o procedimento administrativo em causa possa prosseguir, deverão V. Ex.ªs, no prazo de 30 dias, fazer prova documental da existência dos contratos promessa que invocaram na V. pronúncia em sede de audiência prévia, sobre todas as vinte e quatro unidades de alojamento nas quais se pretendem constituir Direitos Reais de Habitação Periódica, e tendo presente que tais contratos-promessa apenas serão relevantes desde que tenham sido celebrados ao abrigo da legislação que regulava o regime jurídico dos citados direitos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto” (resposta aos artigos 41º e 42º da réplica).
47. A Ré, não obstante os AA. lhe terem concedido o prazo de 30 dias para responder à carta que constitui o documento n.º 5 da p.i., apenas, em 20/08/2020, entregou no Turismo de Portugal uma carta daquela mesma data, acompanhada de vários documentos, conforme consta do documento junto com a réplica com o n.º 6 (resposta ao artigo 43º da réplica).
48. Os AA., com o passar do tempo sem que a situação se resolvesse, ficaram convencidos de que todos os contratos, como o dos autos, celebrados após a entrada em vigor do DL 275/93, de 5 de agosto, nunca seriam constituídos uma vez que o Turismo de Portugal, IP não apresentaria uma proposta para decisão do Ministério da Economia e, mas o Turismo de Portugal, IP não apresentou qualquer proposta à Tutela e decidiu sem mais (resposta aos artigos 44º e 45º da réplica).
49. Os AA. não tinham a perceção de que não eram obrigados a pagar taxas de manutenção se ocorresse uma situação de incumprimento da Ré, o que entretanto lhes veio a ser transmitido pela sua Advogada (resposta ao artigo 79º da réplica).
50. Os AA. haviam já antes celebrado dois contratos com a Ré, um primeiro contrato, com o n.º (…), celebrado entre a 1ª A e a Ré, em 01/09/1994, no valor de esc. 1.700.000$00 (€ 8.478,56), relativo à semana 26 no apartamento T1 n.º 26, e um segundo contrato, com o n.º (…), que cancelou o contrato (…), celebrado entre a 1ª A e a Ré, em 28/05/1995, no valor de esc. 4.354.000$00 (€ 21.717,66), sendo esc. 1.700.000$00, relativos à semana 26, apartamento 315, e os restantes esc. 2.654.000$00, relativos à semana 29 no mesmo apartamento, estando o montante de esc. 4.354.000$00 já integralmente pago, e pago com dinheiro comum dos AA numa período em que já viviam em união de facto (resposta aos artigos 26º a 30 º da réplica).
Consigna-se que se detetou a existência de dois artigos 34º e 35º na réplica, pelo que os segundos desses artigos foram nomeados e respondidos como 34º-A e 35º-A.
Considerou-se não provada a matéria dos artigos 35º, 47º, 66º, 67º e 80º da réplica.
Não se respondeu à matéria dos artigos 35º e 38º a 49º da p.i., 1º a 3º, 8º, 10º a 16º, 18º a 26º, 35º, 36º, 39º, 42º, 44º a 49º, 54º, 59º, 62º, 78º, 94º, 100º a 105º, 107º a 111º, 114º a 120º, 122º a 129º, 131º, 132º, 138º, 139º, 141º a 144º, 147º a 160º, 175º, 169º a 181º, 183º a 196º, 200º a 204º, 207º a 217º, 219º a 240º e 243º a 259º da contestação, 1º, 3º a 9º, 11º a 15º, 17º a 25º, 30º a 34º, 34º-A, 35º-A, 38º, 46º, 51º a 54º, 57º, 60º a 65º, 68º, 69º, 73º a 78º e 81º a 91º da réplica, por se considerar o seu teor conclusivo”.
*
IV- Fundamentação de Direito
Aqui chegados convêm dizer previamente que estando em causa um recurso apenas sobre a matéria de direito, por não ter sido impugnada a decisão relativa à matéria de facto por parte dos Apelantes, a solução jurídica a tomar terá como sustentáculo o factualidade considerada como provada na sentença recorrida.
Feito este lembrete, comecemos por apreciar a primeira das questões apontadas nas conclusões recursivas.
1 – Natureza do sinal prestado pelos Apelantes.
Pretendem os Apelantes que o sinal prestado aquando da outorga com a Apelada do contrato-promessa de compra e venda de direito real de habitação periódica (doravante apenas DRHP), datado de 18/08/1998, seja considerado com o alcance de sinal penitencial e não com natureza de sinal confirmativo, ou confirmatório, como entendeu o Tribunal a quo na sentença recorrida.
Dispõe o artigo 410.º, n.º 1, do Código Civil (doravante apenas CC), que:
1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.
Já o artigo 441.º do mesmo Código estatui que:
No contrato promessa e compra e venda presume-se que tem caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Por seu turno decorre do artigo 442.º, ainda do mesmo diploma legal, o seguinte:
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
[…]
4 – Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento”.
A natureza punitiva ou penitencial, atribuída ao sinal constituído com a outorga do contrato-promessa, prende-se essencialmente com a possibilidade de arrependimento em celebrar o contrato definitivo prometido.
Não pode defender-se no plano jurídico nacional a existência de unanimidade doutrinária e jurisprudencial relativamente a tal natureza, posto que se constata algum dissídio sobre a matéria.
Sem embargo, mais recentemente a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores e maxime do Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que o sinal constituído com a outorga do contrato-promessa não visa acautelar a faculdade do arrependimento, presumindo-se, antes, a natureza confirmatória do sinal.
Na verdade, como bem se explica no ainda relativamente recente acórdão do STJ de 07/06/2016 (Proc.º n.º 2303/08.7TVLSB.L1.S1), acessível para consulta in www.dgsi.pt e citado na sentença recorrida:
“[…] Quando a intenção dos contraentes é a de confirmar o contrato, demonstrando a sua celebração e existência, garantindo e reforçando o vínculo estabelecido e o cumprimento das obrigações assumidas, o sinal tem natureza confirmatória, o que, aliás, se presume, atendendo à regra geral de que as partes quando celebram um contrato se vinculam, em princípio, de modo irrevogável, e não se reservam na faculdade de retracção ou de recesso do contrato, hipótese em que existiria o sinal penitencial, reforçando-se, igualmente, o seu carácter confirmatório, face à anormalidade que o sinal penitencial representa num sistema jurídico que consagra a nulidade da cláusula de irrenunciabilidade prévia do credor ao direito de pedir o cumprimento, atento o estipulado pelo artigo 809.º do CC, pelo que o sinal penitencial, apenas, deve ter lugar quando resulte da lei, de acordo com o prescrito pelo artigo 830.º, n.º 2, também do CC, ou de uma inequívoca vontade das partes […]
Assim sendo, onde inexista convenção expressa da faculdade de arrependimento, o sinal será confirmatório, e só quando for convencionada, expressamente, essa faculdade e existir sinal, este tem carácter penitenciário.
[…]
Na atual redação do n.º 4 do artigo 442.º do CC, mesmo que haja sinal, presume-se que as partes quiseram reservar a possibilidade da execução específica, com a consequente presunção de exclusão do sinal penitenciário, por se verificar antes uma presunção de existência de sinal confirmatório da conclusão do contrato”.
Não vislumbramos óbice a concordar com a posição ora expressa, atenta a válida argumentação que a sustenta.
Ora, baixando ao caso concreto, percebemos pela leitura da matéria elencada sob os pontos n.ºs 6 a 13, 42 e 43 dos factos considerados como provados na sentença recorrida e leitura integral do contrato-promessa anexado à petição inicial, não ter sido expressamente convencionado pelos promitentes outorgantes a aludida faculdade de arrependimento.
Tão pouco se vislumbra decorrer o mesmo de lei expressa aplicável ao caso que nos prende.
Dito isto, é de presumir no caso concreto a natureza confirmatória do sinal constituído no contrato-promessa outorgado entre as Partes.
Improcede, em consequência, a primeira questão objecto do recurso.

2 – Alcance da retroatividade da resolução do contrato-promessa.
Os Apelantes insurgiram-se igualmente nas conclusões recursivas sobre a retroatividade da resolução contratual sustentando que deveria ter sido decidido pelo Tribunal a quo que os efeitos da resolução retroagiam ao momento do incumprimento contratual, acrescentando que a retroatividade à data da celebração do contrato contraria a vontade das Partes.
Estando em causa um contrato-promessa e não havendo que discutir neste recurso da existência e validade da resolução do mesmo, mas apenas estabelecer o alcance e os efeitos decorrentes da resolução operada pelos ora Apelantes, não olvidando que o regime de restituição do sinal em singelo, ou em dobro, consoante a situação concreta, pressupõe a verificação de uma situação de incumprimento definitivo justificativa de resolução contratual incompatível com o regime da mora, mostra-se necessário convocar as normas atinentes à resolução contratual.
E, assim, dispõe o artigo 432.º do CC o seguinte:
1. É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.”
No artigo 433.º prevê-se o seguinte:
Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”.
Já o artigo 289.º do CC, que dispõe sobre os efeitos da declaração de nulidade e da anulação, prevê que:
1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
Porém, decorre ainda do artigo 434.º, sempre do CC, o seguinte:
1. A resolução tem efeito retroativo, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.
2. Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas”.
Sobre o termo “resolução”, diz-nos Carlos Ferreira de Almeida (“Contratos VI”, 2020, Reimpressão, Almedina, pág. 64), o seguinte:
“No âmbito da cessação dos efeitos de um contrato, resolução significa a cessação de vigência por ocorrência de uma condição resolutiva, por declaração unilateral de um dos contraentes ou por decisão judicial, em qualquer das hipóteses com fundamento nesse mesmo contrato ou na lei (artigo 432.º, n.º 1).
Resolução significa sempre, neste contexto, um efeito extintivo e significa também o ato que produz esse efeito, se este for provocado por uma declaração”.
Ora bem a extinção de um contrato implica a sua destruição.
Já o não cumprimento, ou incumprimento do contrato, afere-se a uma vicissitude ou patologia que afecta o mesmo em dado momento da sua vigência, não se traduzindo necessariamente na respectiva extinção ou destruição.
Isto dito, não se afigura fundada a pretensão dos Apelantes de fazer retroagir os efeitos da resolução do contrato-promessa apenas ao momento em que operou juridicamente o incumprimento definitivo, ou seja em 05/05/2020 (cfr. facto vertido sob o ponto n.º 44 do segmento atinente aos factos considerados por provados na sentença recorrida).
Improcedem, assim, as conclusões recursivas no tocante à segunda questão objecto do recurso.

3 – (In)existência de enriquecimento sem causa dos Apelantes / Reconvindos e (in)verificação dos requisitos para compensação à Apelada / Reconvinte.
Os Apelantes insurgem-se finalmente contra a sentença recorrida por entenderem que a Ré-Reconvinte, ora Apelada, não é titular de qualquer crédito que deva ser objecto de compensação com a restituição em dobro do sinal a que têm direito, entendendo ainda inexistir enriquecimento sem causa.
Vejamos, desde já, em que consiste a figura do enriquecimento sem causa que integra, na sistemática do Código Civil, as fontes de obrigações.
Decorre do artigo 473.º do CC que:
1 – Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2 – A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
Por seu turno, prevê o artigo 474.º do mesmo Código, epigrafado “Natureza subsidiária da obrigação”, que:
Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Segundo Galvão Telles (“Obrigações”, 3ª ed., pág. 127), “para que exista enriquecimento sem causa necessário se torna que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: que alguém obtenha um enriquecimento; que o obtenha à custa de outro; e que o enriquecimento não tenha causa justificativa”.
É abundante a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores sobre esta temática existido posições solidificadas mormente sobre os requisitos ou pressupostos constitutivos respeitantes ao instituto em apreço e ónus de prova dos mesmos.
A título de exemplo, refira-se o acórdão do STJ de 20/03/2014 (Proc. 2152/09, “Sumários”, 2014, pág. 183 e Col Jur./STJ, 2014, 1º-167), que nos diz que:
“São pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa: (i) a existência de um enriquecimento: (ii) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem ; e (iii) a falta de causa justificativa para ele”.
Vincando ainda a matéria de ónus de prova dos referidos requisitos do enriquecimento sem causa permitimo-nos salientar também o acórdão do STJ de 02/02/2010 (Proc. 1761/06.97UPRT.S1, acessível in www.dgsi.pt), que sustentou que:
“São pressupostos do enriquecimento sem causa a deslocação patrimonial, o ter ocorrido à custa de outrem e a ausência de causa justificativa“, mais se acrescentando no dito acórdão que:
“O enriquecimento sem causa só pode ser invocado a título subsidiário, sendo que a alegação e prova daqueles pressupostos cumpre ao demandante devendo, in dubio, considerar-se que a deslocação patrimonial teve justa causa”.
O enriquecimento traduz-se numa melhoria da situação patrimonial da pessoa obrigada à restituição, que se apura segundo as circunstâncias e é sempre avaliável em dinheiro, podendo tal vantagem ser encarada sob duas ópticas, a do “enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida e o enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 12ª ed., 2018, a págs. 492-493, referenciando Pereira Coelho, “O enriquecimento e o dano”, Coimbra, 1970, págs. 27 e seguintes e 42 e seguintes – “Revista de Direito e de Estudos Sociais”, separata dos anos XV e XVI).
À dita vantagem patrimonial obtida por alguém corresponde uma perda, também avaliável em dinheiro, sofrida por outrem, isto é, há uma deslocação patrimonial que provoca um enriquecimento à custa de um empobrecimento, sendo lógico que tem de existir correlação entre o enriquecimento e o suporte deste, isto é, o sacrifício económico.
Retornando aos factos descritos na sentença recorrida como provados mormente os descriminados sob os pontos nºs 27, 28, 29 e 40, percebemos que os Apelantes usufruíram de uma vantagem patrimonial traduzida numa quantia monetária de € 9.543,02 relativo à soma do diferencial anual entre o que pagaram a título de taxa de manutenção e conservação e o que pagariam ao valor de mercado anual caso fossem tidos como hóspedes comuns (ou seja não titulares de DRHP).
Essa vantagem consubstancia um enriquecimento patrimonial a favor dos Apelantes e consequente empobrecimento na esfera patrimonial da Apelada, obtida por aqueles à custa desta última.
Acresce que, como se defendeu na sentença recorrida, a dita vantagem teve uma razão de ser ou causa, precisamente o contrato-promessa outorgado entre a Apelante (…) e a Apelada em 18/08/1998, que, todavia, deixou de existir com a resolução contratual extintiva do dito contrato, sendo certo que não se revela aplicável ao caso concreto qualquer uma das situações prevenidas no artigo 474.º do CPC.
Note-se, ainda, que por aplicação ao caso do regime do artigo 434.º, n.º 2, do CC, percebemos ser fundado o quociente aritmético obtido a partir da subtração aos valores anuais de mercado para hóspedes comuns da taxa anual de manutenção referido na sentença recorrida.
Resta apenas saber se o valor a título de diferenciais pode ser juridicamente compensado com o valor a que os Apelantes têm direito fundado na restituição do sinal em dobro.
Uma vez que já concluímos supra não estar em causa no caso concreto um sinal punitivo, ou penitencial, não se vislumbra do ponto de vista da natureza do sinal constituído qualquer óbice jurídico.
Relembremos, todavia, a previsão do instituto da compensação que integra o artigo 847.º do CC, no âmbito das causas de extinção das obrigações além do cumprimento.
Assim, diz-nos o artigo 847.º do Código Civil que:
1 – Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2 – Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente;
3 – A iliquidez da dívida não impede a compensação”.
Por seu turno, resulta do artigo 848.º do dito CC, atinente à efectivação da compensação o seguinte:
1 – A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.
2 – A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”.
A compensação é uma causa de extinção das obrigações, sendo que a prevista no artigo 847.º do Código Civil é a chamada compensação legal, nela se integrando a compensação subordinada a decisão constitutiva do tribunal (compensação judiciária).
A compensação “Representa um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos. Além disso, afigura-se equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respectivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse, entretanto, a insolvência da contraparte” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, 2018, Almedina, pág. 1099).
Tendo em atenção a previsão do n.º 1 do artigo 848.º do CC, é de concluir, outrossim, que a compensação “não opera ipso jure”, isto é, automaticamente.
Na verdade, para que os dois créditos se considerem extintos, “… não basta que se encontrem em condições de poderem ser compensados (situação de compensação), mas torna-se ainda necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido (declaração de compensação)” – (obra cit., pág. 1100).
No caso da compensação legal essa manifestação de vontade, ou declaração de compensação, “pode ser efectuada judicialmente, por notificação judicial avulsa”, nos termos do disposto nos artigos 219.º, n.º 2 e 256.º do CPC, “ou extrajudicialmente”, nos termos do disposto no artigo 217.º do CC, tornando-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, “podendo também invocar-se a compensação numa acção declarativa de simples apreciação”, sendo que no caso do compensante agir na posição de réu equacionar-se se deve ser deduzida por via de reconvenção ou de excepção (idem, pág. 1106).
Prevê o artigo 266.º do CPC, sobre a admissibilidade da reconvenção, na actual redacção, o seguinte:
“1 – O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2 – A reconvenção é admissível nos seguintes casos:[…]
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
Apesar de subsistir, hodiernamente, ainda, alguma discussão sobre a matéria (vide Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Almedina, 4ª edição, Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, págs. 534-536), cremos que a actual redacção da alínea c) permitiu clarificar a anterior redacção do preceito, no sentido de que a reconvenção constitui o instrumento processual adequado para efeitos de invocação de contra-crédito pelo réu, quer no caso de compensação parcial na parte em que o montante do contra-crédito exceda o valor do crédito do autor e o réu pretenda a condenação deste último no pagamento do remanescente, quer nos restantes casos em que se invoque a compensação de créditos e mesmo que a invocação da compensação de créditos não seja feita por via judicial, mas sim extrajudicialmente, ao abrigo do disposto no artigo 848.º, n.º 1, conjugado com o artigo 217.º, ambos do CC.
Neste sentido se pronunciam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2020, 2.ª edição atualizada, pág. 323), reproduzindo-se o seguinte excerto por elucidativo:
“Por agora, o que podemos afirmar é que, sem embargo da pertinência de alguns dos argumentos que ainda se podem extrair do elemento literal (a partir de uma interpretação estrita do segmento “obter a compensação”, por forma a justificar uma distinção entre os casos em que a compensação já operou anteriormente e aqueles em que o autor apenas é confrontado no âmbito da ação pendente), os precedentes históricos (em face do CPC de 1961) e a manifesta vontade do legislador de alterar o anterior paradigma parecem induzir a conclusão de que, sempre que o réu pretenda invocar um contra-crédito com vista a obter a improcedência da ação (por extinção do crédito do autor) , ou a obter a condenação do autor no pagamento do valor remanescente, deve agir através da dedução de reconvenção.
[…], o segmento normativo “obter a compensação” …terá o significado correspondente à pretensão no sentido da extinção do direito invocado pelo autor em consequência do reconhecimento do contra-crédito do réu, independentemente de a compensação já ter sido ou não anteriormente declarada, nos termos do artigo 848.º do CPC. Tal entendimento encontra a sua justificação na circunstância de o fenómeno da compensação implicar sempre a invocação de uma (outra) relação jurídica da qual emerge o crédito invocado pelo réu, a qual é paralela à relação jurídica que sustenta o pedido do autor”.
Na jurisprudência dos Tribunais Superiores, enveredando igualmente pelo entendimento de que a discussão e apreciação da compensação deve ser sempre veiculada mediante reconvenção, inclusive em casos em que a compensação tenha sido declarada extrajudicialmente, vejam-se , por todos , os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto em 15/07/2015 (Proc. 19412/14) e em 30/01/2017 (Proc. 976/15) e pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 23/03/2017 (Proc. 37447/15), todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Revertendo de novo ao caso concreto que temos em mãos impõe-se apenas aferir da verificação dos pressupostos materiais substantivos prevenidos no artigo 847.º do CPC relativos à compensação legal, visto que nenhuma censura foi levantada em tempo oportuno relativamente à verificação dos requisitos processuais constantes do supra mencionado artigo 266.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPC.
E assim, considerando o que acima já ficou expendido sobre o enriquecimento sem causa que, recorde-se e sublinhe-se, releva na presente causa como fonte geradora de obrigação pecuniária dos Apelantes perante a Apelada, estando frente a frente créditos e débitos recíprocos de um para com o outro, sendo também judicialmente exigível o crédito fundado no enriquecimento sem causa e tendo as duas obrigações por objecto valores monetários, percebemos mostrarem-se verificados os requisitos materiais prevenidos no artigo 847.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
Como tal, revela-se fundada a compensação reconvencionalmente peticionada naufragando, também quanto a esta questão, as conclusões recursivas dos Apelantes.
Todavia, temos que reconhecer que relativamente ao montante de € 1.008,00 atinente à taxa de manutenção e conservação anual atinente ao ano de 2020 não se mostra aplicável o instituto do enriquecimento sem causa.
Na verdade, da leitura do facto vertido sob o ponto n.º 29 dos factos considerados como provados na sentença recorrida, percebemos que os Apelantes já não terão usufruído em execução do contrato-promessa anteriormente outorgado das duas semanas (29 e 30), no apartamento 018, tipo T1 no ano de 2020, pois que o puderam fazer (e fizeram), apenas até 2019.
Como tal com a destruição, por extinção decorrente da resolução operada pelos Apelantes, do contrato-promessa que constituíra a causa justificativa para o pagamento da taxa de manutenção e conservação não se verifica qualquer motivo para integrar aquele valor de € 1.008,00 na compensação a efectuar por enriquecimento sem causa uma vez que não existiu no ano de 2020 qualquer enriquecimento por parte dos Apelantes que já não usufruíram das duas semanas no apartamento.
Procede, assim, parcialmente, quanto ao valor total compensado com base no enriquecimento sem causa na sentença recorrida, o recurso interposto pelos Apelantes sendo de subtrair ao sinal pago em dobro apenas a quantia de € 9.543,02 atinente ao montante global de diferenciais entre o que os Apelantes pagaram à Apelada pelas taxas de manutenção e conservação cobradas pela mesma aos detentores de DRHP e o que tiveram que pagar os demais turistas enquanto hóspedes comuns no empreendimento durante o período temporal considerado, obtendo-se o montante definitivo a receber pelos Apelantes de € 33.892,30.
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V- Decisão:
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso interposto por (…) e (…), consequentemente decidindo:
1 – Revogar parcialmente a primeira secção do dispositivo da sentença recorrida que passará a ter a seguinte redacção;
- Julgar parcialmente procedente a presente acção e parcialmente procedente a reconvenção e, declarando resolvido por incumprimento da Ré o contrato-promessa em causa nos autos, condenar a Ré a pagar aos Autores o valor de € 33.892,30 (trinta e três mil, oitocentos e noventa e dois euros e trinta cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa de juros civis, desde a citação até integral pagamento.
2 – Manter o demais decidido na sentença recorrida;
3 – Condenar Apelantes e Apelada nas custas devidas pelo decaimento no recurso, na proporção de 90% para os primeiros e de 10% para a segunda – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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Notifique e registe.
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Évora, 12 de Julho de 2023
José António Moita (Relator)
Maria da Graça Araújo (1ª Adjunta)
Maria Adelaide Domingos (2ª Adjunta)