PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
Sumário

- Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
- Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido a que alude o artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
- A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

P. 2312/20.8T8ENT-A.E2

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…) vieram deduzir embargos à execução proposta pelo exequente / embargado (…) – STC, invocando, em suma, não terem sido notificados da cessão de créditos, pelo que o exequente é parte ilegítima, não ter sido dado cumprimento ao PERSI quanto a eles, nem terem sido interpelados ou lhes sendo comunicada a resolução do contrato de mútuo, verificando-se também a prescrição da quantia exequenda.
Os presentes embargos foram admitidos liminarmente, sendo o exequente / embargado regularmente notificado para o efeito, tendo este apresentado a sua contestação, na qual impugnou e excepcionou a factualidade alegada pelos embargantes / executados na sua petição inicial.
De seguida foi realizada audiência prévia, sendo que a Julgadora a quo entendeu que podia conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., pelo que, de imediato, veio a ser proferido saneador-sentença, no qual foram julgados totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos, tendo sido a exequente absolvida dos pedidos, com as legais consequências.

Inconformados com tal decisão dela apelaram os embargantes / executados para esta Relação que, por acórdão datado de 7/4/2022, revogou a mencionada decisão, tendo determinado o prosseguimento dos presentes autos para julgamento, com a prévia fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Após a realização de nova audiência de julgamento foi proferida uma nova sentença, na qual a M.ma Juiz a quo decidiu julgar procedentes os presentes embargos de executado, por a dívida estar prescrita e, em consequência, determinou a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (cfr. artigo 732.º, n.º 4, do C.P.C.).

Não se conformando com tal decisão dela veio agora apelar a embargada / exequente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal recorrido decidiu que a esta relação contratual (crédito hipotecário), passou a ser aplicável, a partir de 01 de Janeiro de 2013, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, conforme decorre do disposto dos artigo 1.º (objeto) e 2.º (âmbito), o qual prevê, designadamente, um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos termos do disposto nos artigos 12.º e seguintes do citado diploma.
2. Ora, originariamente e sem qualquer reparo, a posição inicial da Meritíssima Juiz foi de considerar que não era o mesmo aplicável pois na data de incumprimento do contrato não estava em vigor o diploma do PERSI.
3. No entanto, na ora sentença recorrida, com os mesmos fatos e analisando a mesma documentação considerou ser de aplicar o referido diploma.
4. À data de entrada em vigor do regime PERSI já não estava em vigor o contrato de crédito celebrado entre os recorrentes e o Banco Cedente motivo pelo qual, naturalmente, as disposições deste diploma não lhes eram aplicáveis, motivo pelo qual não há lugar a impugnação por parte da recorrida, para além de tudo quanto foi alegado em sede de contestação e para a qual se remete na íntegra.
5. O incumprimento do contrato de mútuo celebrado entre a recorrida e os executados deu-se, conforme referido, em 11.10.2006, altura em que deixaram de proceder ao pagamento das prestações vencidas e das subsequentes.
6. Nestes termos, o contrato de mútuo supra aludido não foi pontualmente cumprido pelos recorridos, atendendo à verificação reiterada da ausência de pagamentos nas datas certas em que se venciam as prestações mensais.
7. Ora, atendendo ao disposto no artigo 39.º do DL 227/2012, de 25 de outubro, não havia lugar à integração dos executados no PERSI, na medida em que a mora resultante do incumprimento (falta de pagamento das prestações) se iniciara há mais de um ano e na medida em que tal incumprimento determinou a resolução do contrato de mútuo celebrado entre as partes.
8. Ou seja, reafirma-se por ser verdade: o contrato já não estava em vigor à data da entrada em vigor do referido regime legal, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
9. Ainda que por mera hipótese académica assim não se entenda,
10. O não pagamento das respetivas prestações nos exatos termos convencionados pelos recorridos consubstanciou uma situação de mora, independentemente de interpelação, a partir de 2006 – altura em que deixaram de pagar as prestações – por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil.
11. A persistência da mora contratual, que não foi regularizada pelos recorridos, veio, então, a converter-se em incumprimento definitivo, conforme estipula o artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil.
12. Atenta a conversão do incumprimento verificado em definitivo, operou a resolução automática do contrato e concomitantemente, o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil.
13. Nesse sentido, verificou-se sem margem para dúvidas, a resolução automática do contrato sub judice, ao abrigo não só do princípio da liberdade contratual, plasmado no artigo 405.º do CC, mas também do disposto no artigo 436.º, n.º 2, do CC e, bem assim, do estipulado nos próprios contrato.
14. Veja-se, neste sentido, a Cláusula Nona do Documento Complementar à Escritura, muito bem referido nos factos provados 1.3.3.1.3., que dispõe expressamente que “As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem dado em hipoteca, assim como em caso de incumprimento por parte do (s) mutuário (s) de qualquer das obrigações dele decorrentes (…)”.
15. Significa que as partes contratantes, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, regularam especialmente as situações em que o mutuário se encontrasse em mora, incumprimento ou em alguma das situações especificadas na referida Cláusula, ficando estabelecido que bastava a ocorrência do incumprimento para que pudesse considerar resolvido o contrato e de imediato constituir-se o Banco no direito de exigir globalmente a obrigação de reembolso do capital mutuado, igualmente resultando que as partes afastaram a necessidade de o mutuante usar do seu direito de resolução para exigir tudo o que se mostrasse devido nos termos do contrato, e ainda que não vencido.
16. Repisa-se, por ser verdade: as partes regularam especial e especificamente cada uma das situações que levariam imediata exigibilidade da obrigação não o tendo feito de forma genérica ou abstracta.
17. Deste modo, e salvaguardando sempre e para todos os efeitos que à data da entrada em vigor do regime legal do DL 227/2012 os contratos já estavam resolvidos por incumprimento, conclui-se que a resolução operada e motivada pelo incumprimento foi imediata, legítima e eficaz, tendo produzido validamente os seus efeitos.
18. Por outro lado, e tal como não pode deixar de ser do conhecimento dos Executados, por se tratar de factos pessoais, o aqui recorrente (…) figurou como executado no processo de execução fiscal n.º (…), no qual, à data, o Banco (…), S.A. reclamou os créditos respetivos.
19. A oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada no contrato, concretizada através da reclamação de créditos apresentada.
20. Assim, mais uma vez se diga, não exista obrigação de integração dos devedores no regime do PERSI.
21. O douto Tribunal a quo decidiu que a divida se encontra prescrita.
22. Tendo o Tribunal recorrido igualmente pela procedência dos embargos, nesta parte, com a seguinte fundamentação: Na verdade, é aqui de considerar a aplicação da prescrição de cinco anos, prevista nas várias alíneas do artigo 310.º do Código Civil, à relação causal em apreço.
23. Salvo o devido respeito – que é, obviamente, muito – não pode a Recorrente concordar com o teor da sentença proferida.
24. Desde logo, porque se o Tribunal considera que o incumprimento se deu em 2006 não pode considerar que é devido a aplicação do PERSI.
25. Dispõe o artigo 781.º do CC, que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”
26. E no contrato de mútuo aqui em causa, junto com o requerimento inicial executivo, foi acordado o pagamento do capital mutuado em prestações.
27. Do sinalagma contratual resulta para o mutuário uma obrigação composta, de vencimento periódico, que compreende capital e juros remuneratórios e, em caso de incumprimento e subsequente vencimento imediato da globalidade do empréstimo, nos termos do preceituado pelo artigo 781.º do CC, uma singela obrigação de restituição do valor de capital em dívida, acrescido dos juros remuneratórios e dos juros moratórios.
28. Ora, atendendo ao caso em concreto, apenas foi efetuado o pagamento das prestações vencidas no contrato de mútuo até 11.10.2006, não obstante as diligências efetuadas pelo Banco Cedente e pela ora recorrida no sentido do pagamento das restantes, o que determinou o vencimento e exigibilidade de toda a dívida.
29. Tal facto determina, como determinou, por aplicação da norma contida no já referido artigo 781.º do CC, o imediato vencimento da totalidade do capital mutuado ainda em falta, acrescido dos juros remuneratórios e moratórios, contados à taxa convencional em vigor, acrescida da sobretaxa de mora, desde a data do incumprimento e até efetivo e integral pagamento.
30. Ou seja, deixam de existir as cumulativas obrigações, de vencimento mensal, de restituição de parte do capital e juros remuneratórios e passa a existir uma só obrigação, com génese no incumprimento do contrato, de restituição em bloco.
31. Trata-se de uma obrigação já não decorrente do contrato, mas sim do incumprimento deste.
32. Assim, é inaplicável o regime disposto nas referidas alíneas do artigo 310.º do CC, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
33. Isto porque, o vencimento da totalidade do capital em dívida, nos termos do disposto no artigo 781.º do CC, dá origem a uma nova dívida, não fracionada nem periodicamente renovável, com génese no momento e por causa do incumprimento.
34. Assim, e considerando o exposto, em caso de incumprimento do mutuário que deixa de pagar as prestações, tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado, e nessa medida o montante em dívida retoma a sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil.
35. De acordo com a interpretação feita na douta sentença recorrida, o interesse protegido – o direito do devedor a não ver a sua dívida acumulada desmesuradamente, que já se encontra garantido pela prescrição de juros – é substituído por um benefício excessivo, tornando inexigíveis valores que recebeu e de que se apropriou a título de capital, em prejuízo direto do credor.
36. A única forma adequada a contratos de crédito com a duração de várias décadas é, precisamente, considerar que o capital obedece ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
37. De outra forma, a certeza e a segurança jurídica do crédito ficam irreparavelmente desconsideradas, com isso se violando também o princípio constitucional da confiança consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
38. Admitir a interpretação legislativa consignada na decisão recorrida, apenas lesa o cidadão comum, pois resultará num acréscimo de dificuldade na obtenção de créditos junto das entidades bancárias, que por diminuição das garantias inerentes à concessão de créditos, apenas tornarão acrescidamente difícil a obtenção de financiamentos, o que apenas irá impactar uma economia que no enquadramento nacional / global se encontra altamente fragilizada pela realidade económica pós-pandemia Covid-19.
39. Nos termos da cláusula 9.º do documento complementar anexo à escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e dela parte integrante, no qual foram estabelecidas as cláusulas que regulavam o empréstimo concedido, encontra-se disposto o seguinte: “As importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente deste contrato tornar-se-ão imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem dado em hipoteca”.
40. A oneração do bem dado em hipoteca, no caso em apreço através da penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal, implica a imediata exigibilidade das prestações vincendas e, como tal, a resolução antecipada no contrato, concretizada através da reclamação de créditos apresentada.
41. Por esta via, fica também demonstrada a falta de fundamentação legal quanto à argumentação relativa à falta de resolução contratual e a que diz respeito à inexigibilidade da obrigação, que, assim, deverão também improceder.
42. Acresce que, na execução fiscal, com a reclamação de créditos pela exequente, operou-se a interrupção do prazo prescricional, nos termos do artigo 323.º do Código Civil, o que os embargantes não contrariam no presente processo.
43. Acresce, ainda, que é importante realçar a autonomia das quotas de amortização, para efeitos de prescrição quinquenal.
44. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ de 04 de Maio de 1993: “III – Deixando o devedor de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas.” Ora, no caso dos presentes autos, ainda que se considerasse, hipoteticamente, que às quotas de amortização de capital pagáveis até 27/09/2016 se aplicaria a alínea e) do artigo 310.º do CC, o que não se concede, com o vencimento antecipado das prestações vincendas, no incumprimento, deixamos de ter várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida. Menezes Cordeiro, por referência ao citado Acórdão do STJ de 04 de Maio de 1993, realça, também, este ponto, dizendo que “(…) a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização;”. Assim, também por esta razão, bem se vê que a alíneas e) do artigo 310.º do CC, não pode ser aplicada ao crédito exequendo. Face ao supra exposto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
45. Pois, no caso em apreço, não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” nem “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.
46. Por tudo quanto foi alegado, deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que faça correta interpretação e aplicação do direito.
47. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, faça inteira Justiça.
Pelos embargantes/executados não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela exequente, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se a exequente – antes da instauração da execução a que estes autos estão apensos – não tinha de dar cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente aos executados, uma vez que, na data em que entrou em vigor tal diploma legal (1/1/2013), já o contrato de mútuo estava resolvido por incumprimento destes últimos;
3º) Por outro lado, saber se a quantia exequenda continua a ser exigível, pois tal dívida não se encontra prescrita, uma vez que tem aqui aplicação o prazo prescricional de 20 anos a que alude o artigo 309.º do Código Civil.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo e que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Nos autos principais, de execução ordinária, foi apresentado como título executivo o acordo, datado de 30 de Agosto de 2000, pelo qual o Banco (…), S.A. concedeu aos aqui requeridos-executados um crédito sob a forma de mútuo na razão monetária de 25.000.000$00 (vinte e cinco milhões de escudos), a moeda atual € 124.699,57 (cento e vinte e quatro mil, seiscentos e noventa e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), quantia essa destinada a aquisição de imóvel afeto a habitação própria e permanente dos referidos, junto como documento n.º 3 ao requerimento executivo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Nos termos do acordo:
(…)
3. Ainda nos termos do acordo:
(…)
4. Para caução e garantia das obrigações assumidas no indicado contrato foi constituída hipoteca voluntária a favor do banco mutuante, identificado supra, sobre o seguinte imóvel: Prédio misto sito no lugar denominado “(…)”, freguesia de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º …/19961028 da mencionada freguesia e inscrito na matriz, parte urbana, sob o artigo (…) e parte rústica sob o artigo (…).
5. Os requeridos-executados obrigaram-se a liquidar o referido empréstimo durante um período de 20 (vinte anos), em 240 (duzentas e quarenta) prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros.
6. Os requeridos-executados deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações a que estavam obrigados, desde 11 de Outubro de 2006.
7. Os créditos em questão nos autos principais de execução foram cedidos à exequente.
8. No requerimento executivo, a exequente indica:
«Capital: € 102.942,70
Juros à taxa contratual de 6,2%, acrescida da sobretaxa de 2%: € 118.998,90
I. Selo: € 4.760,00»
9. Nos autos principais, foi penhorado o prédio hipotecado, avaliado pelo Banco (…), SA em € 40.365,00 e ao qual foi atribuído no auto de penhora o valor de € 84.967,32.
10. A acção executiva (Processo principal) deu entrada em 22-09-2020.
11. O bem hipotecado referido nos factos provados foi penhorado a 15 de Dezembro de 2004, no âmbito do processo de execução fiscal n.º (…), anteriormente à penhora dos autos principais.
12. O Banco (…), S.A. reclamou os créditos respectivos, no processo de execução fiscal n.º (…).
13. Somente o embargante (…) figurou como executado no processo de execução fiscal n.º (…).

Apreciando, de imediato, as questões suscitadas pela exequente importa referir que iremos conhecer, desde já, da segunda questão, uma vez que a sua eventual improcedência – que acarreta a prescrição da dívida exequenda – prejudica a análise da primeira questão recursiva.
Assim sendo, analisando a referida segunda questão – saber se a quantia exequenda continua a ser exigível, pois tal dívida não se encontra prescrita, uma vez que tem aqui aplicação o prazo prescricional de 20 anos a que alude o artigo 309.º do Código Civil – haverá que dizer a tal propósito que, no entender da exequente, com a resolução operada por incumprimento das prestações mensais por parte dos executados, deu-se o vencimento imediato de todas elas e, por via disso, a dívida em causa assume a natureza de obrigação unitária, a qual engloba não só o capital como também os juros, encontrando-se sujeita ao prazo de prescrição ordinário fixado no citado artigo 309.º.
Ora, a questão supra elencada, relativa ao prazo prescricional a aplicar no caso em apreço, não tem merecido unanimidade na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, muito embora constatemos que a jurisprudência do STJ – nomeadamente nos seus mais recentes arestos (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 14/1/2021, disponível in www.dgsi.pt) – veio a sufragar o entendimento no sentido da aplicação do prazo prescricional de 5 anos, tal como foi sustentado pela Julgadora a quo na sentença recorrida.
E, a propósito da aplicação do referido prazo prescricional de 5 anos, importa ter presente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ n.º 6/2022) do STJ de 30/6/2022, disponível in www.dgsi.pt, no qual veio a ser fixada a seguinte jurisprudência:
- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Por isso, como bem foi sustentado no Ac. do STJ de 12/7/2022, também disponível in www.dgsi.pt, “ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º/e), do Código Civil; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. artigo 306.º/1, do Código Civil).
Efetivamente, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na ação de cumprimento) quando, ao abrigo do artigo 781.º do Código Civil, se pede o pagamento de todas as prestações.
O que ainda significa, no que aqui interessa, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no artigo 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações”.
Ora, voltando ao caso em apreço, atenta a factualidade apurada (cfr. ponto 6 dos factos provados), constata-se que os executados deixaram de proceder ao pontual pagamento das prestações mensais a que estavam obrigados, desde 11 de Outubro de 2006, pelo que, nos termos do citado artigo 781.º do Código Civil, a exequente tinha a faculdade de, a partir daí, poder exigir o pagamento de todas as prestações em dívida (cfr. artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, o prazo de prescrição quinquenal (em relação a todas as prestações) iniciou-se pelo menos em Outubro de 2006, tendo tal prazo já decorrido na totalidade quando, em Setembro de 2020, a aqui recorrente intentou a presente execução (cfr. ponto 10 dos factos provados) e, por isso, quando os executados foram citados no âmbito da execução, já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data em que todas as prestações (de capital e juros) podiam ter sido exigidas aos mutuários, pelo que todas as prestações que integravam esse crédito se encontravam prescritas – tal como foi declarado e decidido na sentença recorrida – conduzindo, indubitavelmente, à procedência dos presentes embargos e à consequente extinção da execução em relação aos aqui embargantes.
Pelo exposto, face à improcedência desta questão recursiva – e a consequente prescrição da dívida exequenda, que aqui se reitera – forçoso é concluir que fica prejudicado o conhecimento e análise da primeira questão suscitada pela embargada, ora apelante (saber se não havia lugar ao cumprimento do PERSI relativamente aos executados, uma vez que, na data em que entrou em vigor tal diploma legal – 1/1/2013 – já o contrato de mútuo estava resolvido por incumprimento destes últimos).
Assim sendo, na linha da jurisprudência acima mencionada, com a qual concordamos integralmente, resulta claro que a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo - ao aplicar ao caso dos autos o prazo quinquenal de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil – razão pela qual improcedem, in totum, as conclusões de recurso formuladas pela embargada, aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela invocados.

***

Por fim, face ao estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…)
***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela embargada/exequente, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pela M.ma Juiz a quo.
Custas pela embargada/exequente, aqui apelante.
***
Évora, 12 de Julho de 2023
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, págs. 286 e 299).