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AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRESENÇA DO ARGUIDO
NULIDADE INSANÁVEL
AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
TIR
DEVERES
OMISSÃO
SENTENÇA
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
VALIDADE
REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
Sumário
I – É consabido que o julgamento na ausência do arguido, nos casos em que a presença deste é obrigatória, constitui nulidade insanável. II – Numa situação em que o arguido entrou em situação de reclusão depois da data em que prestou o TIR e já após a marcação de três datas para a realização de julgamento e depois da sessão em que decorreu grande parte da produção de prova, tinha o mesmo a obrigação de comunicar ao tribunal a sua situação de preso, nomeadamente, através dos serviços administrativos do EP, e não o fazendo, vindo o tribunal a tomar conhecimento da situação muito depois de lida a sentença, considera-se validamente notificado por via postal simples, mediante cartas enviadas para a morada constante do TIR e aí comprovadamente depositadas, podendo ser julgado na ausência. III – Não constitui nulidade a realização do julgamento na ausência do arguido que se encontre devidamente notificado e cuja presença não se mostre indispensável, apesar de não se terem realizados diligências para a sua comparência sob detenção. IV – Para além dos requisitos formais cumulativos legalmente estatuídos para a reincidência, é ainda necessária a verificação de um pressuposto material, o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. V – Significa isto que a reincidência não decorre de um efeito automático das condenações anteriores, pois tem de assentar em factos concretos, dos quais possa concluir-se que o condenado não interiorizou a advertência contida na anterior condenação, nem se inibiu no seu propósito de voltar a delinquir.
Texto Integral
Recurso Penal n.º 807/18.2PAVCD.P1 Comarca do Porto. Juízo Local Criminal de Vila do Conde
Acórdão, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I - Relatório.
No Processo Comum Singular nº 807/18.2 PAVCD do juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 3, foi submetido a julgamento o arguido AA.
A sentença da 1ª instância lida a 29.11.2022 tem o seguinte dispositivo: «Por todo o supra exposto, decide-se:
- CondenaroarguidoAA pela prática, em autoria material e imediata e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e), por referência ao artigo 202º al. d), todos do Código Penal, como reincidente, nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva;
- Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, cuja taxa de justiça se fixa em 2 UC, nos termos dos artigos 513º nº 1 do Código de Processo Penal.
Deposite a presente sentença, de acordo com o artigo 373º nº 2 do Código de Processo Penal.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal, de harmonia com o disposto no artigo 374º nº 3 d) do Código de Processo Penal e comunique a presente sentença ao T.E.P. e ao E.P.»
*
Após a competente notificação pessoal o arguido inconformado com a decisão veio recorrer apresentando a competente motivação, onde sumariou as seguintes conclusões:
«1. Decorre da douta sentença que, nestes autos, “Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na ausência do arguido (regularmente notificado), com observância do formalismo legal.”
2. Sucede, porém, que nestes autos o arguido foi julgado na ausência, cfr. artigo 333.º, n.º 2 do CPP, cujo figurino se entendeu como preenchido, como resulta da ata da audiência de julgamento de 18 de Novembro de 2022.
3. Sendo que, no dia 29 de Novembro de 2022, o arguido foi julgado na ausência, como resulta da ata da audiência de julgamento dessa data.
4. Porém, aquando das diligências tendentes à notificação da sentença ao arguido, o mesmo toma conhecimento da mesma já na situação de reclusão, desde o dia 10/11/2022.
5. Situação essa em que já se encontrava aquando da realização da audiência de julgamento de 18 de Novembro de 2022, bem como, da expedição da notificação destinada a dar-lhe conhecimento da audiência de julgamento de 29 de Novembro de 2022, a qual veio a ser depositada no dia 22/11/2022, na morada por si indicada aquando da prestação do TIR.
6. E, deste modo, forçoso será concluir que o Arguido não estava regularmente notificado da data designada para julgamento, para as audiências de 18/11/2022 e 29/11/2022.
7. Nas datas supra mencionadas, o arguido estava preso no EP ... e, portanto, não pode concluir-se, sem mais, que teve conhecimento do teor das notificações.
8. Em matéria de notificações, haverá de atender-se à situação especial daquele que se encontra preso, plasmada nos artigos 114.º, n.º 1 e 332.º, n.º 2, derrogando a disposição legal contida no artigo 114.º, n.º 1 a aplicação da norma geral constante do artigo 113.º, todos do CPP.
9. Mais se diga que, a circunstância de o arguido ser posteriormente preso à ordem de outro processo não obsta à formulação do entendimento supra citado, conforme também se entendeu no acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de 25/10/2021, Proc. 505/18.7GASEI.G1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Ora, não tendo o arguido sido notificado por funcionário, nem tendo sido requisitada a sua comparência ao estabelecimento onde se encontrava preso, parece-nos que tanto basta para que se conclua que o arguido não foi “regularmente notificado”, pressuposto exigido pelo citado artigo 333.º, n.º 1 do CPP para o seu julgamento na ausência.
11. Tendo a ausência do arguido sido “forçada”, decorrente do facto de ter sido preso à ordem de outro processo, não recaía sobre o mesmo a obrigação de mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, como resulta do artigo 196.º, n.º 1, al. c), do CPP.
12. Porquanto, a obrigação que decorre do artigo 196.º, n.º 1, al. c), do CPP tem como pressuposto que tal alteração de residência resulte de um ato voluntário do arguido, o que não ocorreu no caso vertente.
13. No caso, e independentemente de o arguido morar, ou não, no local que indicou no TIR, resulta dos autos que está preso desde o dia 10/11/2022, no Estabelecimento Prisional ....
14. Assim sendo, não é aceitável que se trate esta situação como uma ausência voluntária, pois que se trata de uma ausência imposta pelo Estado Português.
15. Nem se mostra razoável onerar o arguido com a obrigação de comunicação da ausência da residência, nem se poderá considerar o arguido como validamente notificado, dos despachos que designaram dia e hora para o julgamento.
16. Estando o arguido aos cuidados do Estado Português desde 10/11/2022, o razoável é que o próprio Estado que o deteve informasse os demais serviços públicos da situação daquele cidadão, neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/12/2021, Relator Cândida Martinho, pesquisável em www.dgsi.pt.
17. Não se verificando os pressupostos do julgamento na ausência, a presença do arguido era obrigatória, cfr. o art. 332.º do CPP, pelo que, ao realizar-se o julgamento sem a sua presença, foi cometida a nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do CPP que aqui expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.
18. Tal nulidade, arguida pelo recorrente, mas que pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, torna inválido o ato em que se verificou, bem como os que dela dependem, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado, conforme disposto no artigo 122.º, n.º 1 do CPP.
19. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio sempre se diga que, salvo o devido respeito por opinião divergente, é nossa profunda convicção, que o tribunal andou mal ao condenar o Arguido/Recorrente.
20. Porquanto, com o devido respeito, somos do entendimento que a matéria de facto constante dos pontos 9 e 10 (apenas nas vertentes transcritas) deverão ser julgados como não provados.
21. Refira-se que a testemunha BB quando inquirido sobre se o arguido estava a remexer em objectos da sua residência, esclarece que quando se apercebe da presença do arguido o mesmo “(...)estava a entrar pela porta dentro, não me chegou a entrar totalmente dentro de casa, entrou a cêntimetros se calhar ou só meio metro para dentro da porta, foi quando eu apareci e ele recuou...”.(cfr. depoimento sido prestado no dia 23/09/2022, conforme ata dessa data, e o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 10 horas e 12 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 25 minutos)
22. Resulta claro e inequívoco do depoimento da testemunha BB que o arguido apenas entrou escassos cêntimetros na sua residência e apenas lá permaneceu por brevíssimos instantes, mais relata que tinha bens na sua habitação, dando conta, que possuía diversos electrodomésticos, fogões, máquinas da loiça e roupa.
23. Resulta, assim, claramente do depoimento da testemunha CC que o Arguido agiu sozinho, que não se encontrava acompanhado por terceiros, nem se fazia acompanhar por equipamentos ou recipientes que o auxiliassem no transporte de bens ou objectos (cfr. o seu depoimento sido prestado no dia 23/09/2022, conforme ata dessa data, e o seu depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 10 horas e 25 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 43 minutos).
24. Acresce notar que resulta notório do depoimento da testemunha DD que a residência furtada se situava num prédio habitacional com andares, sendo manifesto que o arguido para entrar na residência em causa teve subir vários lanços de escadas, (cfr depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, tendo o seu início ocorrido pelas 13 horas e 58 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 06 minutos)
25. De salientar que também esta testemunha refere que o arguido se encontrava desacompanhado de quaisquer equipamentos ou recipientes de transporte.
26. Da globalidade da prova produzida, denota-se que o Tribunal a quo desvalorizou a dinâmica e a forma rudimentar em que os factos decorreram.
27. Porquanto, da prova testemunhal produzida resulta claro que o arguido se encontrava sozinho, apeado e não é referido em momento algum que utilizasse qualquer tipo de veículo.
28. No mais as testemunhas BB e CC aludem sempre, nos seus depoimentos, a bens de grande porte existentes na casa de habitação sita na Av. ... em Vila do Conde, nomeadamente, máquinas da loiça, da roupa, fogão, guitarras...
29. Isto tudo para dizer que, não é crível que um arguido sozinho, que seguiu a pé, sem recurso a quaisquer outros meios, nomeadamente alguma viatura, agisse “na concretização de um plano previamente traçado” e que o arguido tinha prévio conhecimento que dentro da referida habitação encontraria “objetos de valor”.
30. Aliás, acresce notar que a expressão “objetos de valor” é um conceito genérico e, por isso, indeterminável.
31. Sendo que o tribunal nem sequer cuidou de na descoberta da verdade material ter determinado a realização de uma perícia para determinar o real valor dos objectos existentes na habitação.
32. Assim sendo, da análise da prova produzida apenas é forçoso concluir que subsiste a dúvida se dentro da habitação em apreço existiam bens de valor e o que se entende por valor, designadamente permanece a dúvida sobre a existência de jóias, relógios, ou seja objectos de pequena dimensão que possuíam a virtualidade de possuírem um valor considerável.
33. Ora à dúvida sobre o valor dos bens existentes no interior da habitação acresce a dúvida sobre que bens o arguido pretendia furtar.
34. Assim sendo, não havendo nos autos mais nenhum elemento de prova relativamente ao que se tirou ou deixou de tirar de dentro da residência, é mais do que óbvio que, do depoimento das testemunhas jamais se poderá concluir que o arguido agia “na concretização de um plano previamente traçado” e que o arguido tinha prévio conhecimento que dentro da referida habitação encontraria “objetos de valor”.
35. Data venia, não resulta da prova produzida em audiência a comprovação dos conceitos indeterminados e elementos vagos de que se socorreu o Tribunal a quo, quais sejam os constantos do facto 9. “a concretização de um plano previamente traçado” e facto 10. “Mais sabia que os objectos de valor que ali encontravam”.
36. Ora, o Tribunal a quo desconsiderou os elementos de prova produzidos em audiência, bem como desconsiderou a prova que resulta do relatório social junto aos autos.
37. Há, pois, um erro notório na apreciação da prova produzida, não se fazendo apelo as basilares regras da experiência comum, desconsiderando em absoluto que não é lógico e racional dar como provado que o arguido pretendia roubar máquinas da loiça, da roupa, fogão, sozinho, sem ajuda de terceiros ou de equipamentos ou viaturas.
38. Impõe-se, neste contexto, que se proceda a uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto 9) e 10), nos trechos trsncritos, que em modesto entendimentodo do ora recorrente, foram incorrectamente julgados e impunham por conseguinte decisão diversa, nomeadamente, serem tidos como não provados, cfr. art. 412.º, n.º 3, al. a) e b).
39. Atento ao supra exposto, o Tribunal a quo ao dar como provados os factos 9) e 10) violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP.
40. Sem prescindir e admitindo por mera hipótese académica como provados os factos em que assentou a sentença objecto do recurso, constatamos que sempre se terá que concluir que o recorrente não praticou o crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º n.º 2 al. e), por referência ao artigo 202.º al. d), todos do Código Penal.
41. Desde logo, porque da prova produzida nos autos não foi possível apurar em concreto quais os bens e valores dos objectos que o arguido tentou furtar.
42. Nesta senda, haverá de salientar que a referida residência está localizada no 2.º andar, o arguido estava sozinho, seguia a pé e não foi associado a si a utilização de qualquer meios de transporte.
43. Ora, os bens que as testemunhas descreveram existirem na habitação que atingiam os valores elevados da acusação, correspondem a electrodomésticos e objectos de grande dimensão.
44. Pelo que, parece-nos improvável, que o arguido sozinho, furtasse aquele tipo de bens.
45. Sendo que dos factos provados, nomeadamente dos pontos 29, 31, e 35, 39, 40, 44, retira-se que o arguido consumia, à data da prática dos factos, produtos estupefacientes.
46. Mais não se apurou se o arguido procurava comida, se dinheiro, se trocos para o consumo de que padecia, se procurava algum sítio para dormir, se queria tratar da sua higiene pessoal...
47. Em suma, não se sabe, nem da prova produzida se alcança que bens o Recorrente ia furtar. 48. Com efeito, para que se verifique o referido crime, é necessário identificar os concretos bens que o Recorrente ia furtar.
49. Ora, na dúvida e não se tendo apurado em concreto os que bens que o arguido pretendia furtar e quais os valores desses bens, deverá funcionar em favor do arguido o benefício da dúvida.
50. Pois que, não se poderia dar como provado que ele pretendia fazer seus todos os bens da residência, mas apenas os que lhe interessassem, e consequentemente exclui-lo da condenação de furto qualificado, desqualificando o crime e ser apreciada a tentativa de furto simples, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - Processo: 393/12.1GCTND.C1 - Relator Jorge Dias, pesquisável em ww.dgsi.pt.
51. Urge notar que em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32.°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o qual é uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
52. Atento ao supra exposto, o crime de furto tentado deverá ser desqualificado considerando-se que não se provou em concreto que bens é que o arguido pretendia furtar e quais os valores desses bens e, em consequência, ser o arguido condenado por uma tentativa de furto simples, cfr. art. 203.º, 202.º, c) e 204.º, n.º 4, todos do CPP
53. Face ao aludido, o Tribunal a quo ao não decidir em favor do arguido violou entre outros o princípio do in dubio pro reo, consagrado no art. 32.º, n.º 2 da CRP.
54. Sem conceber, sempre se diga que, haverá de ponderar a medida da pena aplicada ao arguido pela prática, em autoria material e imediata e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 al. e), por referência ao artigo 202º al. d), todos do Código Penal, como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva, atendendo ao preceituado no art. 40.º do CP.
55. É daquele quadro normativo que a pena deve ser determinada, tomando em consideração o disposto no art. 71.º n.º 2 do CP, ou seja, todas as circunstâncias – as apuradas – que militem contra o agente e a seu favor.
56. Dos factos provados, nomeadamente dos pontos 29, 31, 35, 39, 40, 44 retira-se que o arguido, à data dos factos destes autos, tem um problema de consumos de produto estupefaciente.
57. Pelo que, se torna necessário fazer uma análise criteriosa, designadamente, da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido.
58. Ora, em face das circunstâncias que militam a favor do arguido e que supra se relatam, sempre se dirá que a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efetiva determinada pelo Tribunal a quo é excessiva e desproporcionada.
59. Data venia, não valorou o Tribunal a quo devida e suficientemente as circunstâncias de carácter atenuante que foram dadas como provadas, pelo que, a pena deverá ser reduzida e, consequentemente, deverá ser aplicada ao recorrente uma pena inferior à que lhe foi aplicada.
60. Nestes termos, entende-se que a medida da pena se deve aproximar aos seus limites mínimos e que uma pena de 1 ano de prisão, não indo além da culpa, será adequada a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.
61. Assim, a pena aplicada pelo tribunal recorrido viola os artigos 40.°, n° 1 e n.º 2, 70.º, 71.º, n° 1 e 2, alíneas a), d) e e), todos do Código Penal, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas.
62. Termos em que, e nos melhores de direito, deverá ser reduzida a pena de prisão aplicada ao ora recorrente, para uma pena de prisão de duração de um ano.
63. Mais se diga que, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, a aplicação da referida pena de prisão efectiva ao recorrente não se revela adequada, tendo em vista, as necessidades de prevenção especial de defesa da sociedade, de protecção eficaz dos bens jurídicos violados, seja ao nível de responsabilização ao arguido, seja ao nível da prevenção geral.
64. Saliente-se também que, do CRC junto aos autos, do ora recorrente, o mesmo vem condenado nos últimos anos pela prática de crimes de desobediência.
65. Verificando-se, por isto, uma acentuada diminuição das exigências de prevenção, na perspectiva da necessidade da pena.
66. Assim, data venia, o Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena de substituição e, mais concretamente, devia ter aplicado a suspensão da execução da pena, sujeita ao regime de prova através de um plano de recuperação/tratamento de drogas, com acompanhamento pelo IRS, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, nomeadamente ao seu problema com consumo de estupefacientes, que acontecia à data dos factos.
67. Por tudo o supra exposto, sempre se dirá que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 50.º n.º 1 do Código Penal.
68. A circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação.
69. Além destes pressupostos formais a verificação da reincidência exige, ainda, como pressuposto material que de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
70. Ora, a decisão recorrida é completamente omissa quanto à discriminação das condenações anteriores que serve para efeitos de fundamentar a aplicação da reincidência, limitando-se a fazer uma remissão indiscriminada para as condenações referidas no ponto 12 da factualidade provada, sem que discorra sobre a natureza dos crimes anteriores, sobre a forma de execução das condenações anteriores, bem como explicite os fins e motivos que presidiram à respectiva prática.
71. Nessa medida, não é admissível retirar a íntima conexão a que alude a decisão recorrida automaticamente e, através de mera remissão, para as condenações anteriores.
72. Pois, no caso concreto, estamos na presença de uma reincidência heterogénea, não é admissível o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime de tipo distinto do anteriormente praticado, cfr Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-01-2017 e Acórdão do STJ de 4.12.2008.
73. Assim, é forçoso concluir que a decisão recorrida teria de assentar num conjunto de factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o arguido, ao praticar o novo crime, não se sentiu suficientemente advertido ou intimado com aquela anterior condenação, para se manter fiel ao direito ou que, pelo contrário, o conjunto das circunstâncias que rodearam a recente vivência, não se podendo emitir aquele juízo de culpa agravada e, então, estaremos apenas mero indício de pluriocasionalidade.
74. O que não sucedeu no presente caso, violando, por esse motivo, a decisão recorrida as disposições legais constantes dos artigos 75.º, 76.º do Código Penal.
75. Pelo que a mesma decisão deverá ser revogada e substituída por outra que não determine o funcionamento da agravante da reincidência.
76. Nesta conformidade, salvo melhor entendimento, a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 333.º, n.º 1 e 2, 334.º, n.º 1 e 2, 61.º, n.º 1, al. a), 113.º, 114.º, n.º 1, 196.º, n.º1, al. c), 119.º, n.º 1, c), 122.º, n.º 1, 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), 412.º, n.º 3, al. a) e b) todos do Código de Processo Penal, artigos 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 75.º, 76.º, 40.º, 50.º, 206, n.º 4, 202.º, c) 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. e), e n.º 4 todos do Código Penal e art. 32.º da CRP
Termina pedindo que o presente recurso seja julgado provado e procedente e em consequência:
A) ser declarada a nulidade invocada a qual torna inválido o ato em que se verificou, bem como os que dela dependem, o que importa a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado, conforme disposto no artigo 122.º, n.º 1 do CPP,
Caso assim se não entenda
B) Deve a sentença recorrida ser revogada na parte impugnada e julgadas procedentes as motivações e conclusões ora apresentadas, decidindo-se em conformidade com as mesmas.
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O recurso foi liminarmente admitido. O MP junto da primeira instância respondeu ao recurso interposto pugnando pela sua improcedência. O Exmo. PGA emitiu fundamentado parecer onde pugna pela improcedência do recurso.
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Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido oferecida resposta onde no essencial se argumentou no sentido da verificação da nulidade do julgamento na ausência do arguido, e no demais se remete para a motivação de recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência cumprindo decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Nulidade do julgamento na ausência do arguido.
- Vicio da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
- Impugnação da matéria de facto.
- Reincidência.
- Redução da medida da pena de prisão.
- Suspensão da pena.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, tal como constam da sentença sob recurso. «A. Factos provados:
Da discussão da causa, e com relevo para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos:
1. No final do ano de 2018, o arguido formulou o propósito de assaltar a residência infra mencionada, em Vila do Conde, por forma a apropriar-se de bens e valores que aí encontrasse;
2. Na prossecução de tal plano, munindo-se de duas chaves de parafuso/fendas e uma chave inglesa, cerca das 16h40m do dia 19 de dezembro de 2018, dirigiu-se, de forma não apurada, à Avenida ..., em Vila do Conde;
3. Aí chegado, subiu até ao 2º andar e, julgando que na residência do 2º direito, propriedade do ofendido BB, não se encontrava, naquele momento, qualquer pessoa,
4. e utilizando as ferramentas que consigo trazia, retirou o canhão da respetiva fechadura;
5. Após, introduziu-se na referida habitação, tendo sido foi surpreendido pelo ofendido que aí se encontrava,
6. E que gritou, o que motivou que o arguido se colocasse em fuga;
7. Vindo a ser intercetado alguns metros decorridos, já na Rua ...;
8. No interior da referida habitação encontravam-se bens com um valor não concretamente apurado, mas sempre muito superior a €102,00 (cento e dois euros);
9. O arguido agiu na concretização de um plano previamente traçado, com o propósito de fazer seus os objetos e valores que encontrasse no interior da referida habitação, e só não se apoderou dos mesmos devido à pronta intervenção do ofendido que aí se encontrava;
10. Mais sabia que os objetos de valor que ali encontravam não lhe pertenciam e que atuava, como atuou, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário, tendo para o efeito arrombado a porta que fechava tal espaço, extraindo o canhão da respetiva fechadura;
11. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
12. O arguido foi condenado a uma pena única de 8 anos e 9 meses de prisão, no processo nº 522/06.1GFVNG, da 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 14.02.2013, englobando as penas:
a) Desse processo nº 522/06.1GFVNG, em que foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 14.05.2012, pela prática, em 21.07.06 e em 22.08.2006, de 1 crime de furto qualificado (2 anos e 8 meses de prisão) e de 1 crime de violência depois da subtração (1 ano e 8 meses de prisão);
b) Do processo nº 765/06.6GAPRD, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, em que foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 22.10.2007, pela prática, em 07.08.2006, de 1 crime de roubo (3 anos e 6 meses de prisão) e de 1 crime de falsificação e documento (1 ano de prisão);
c) Do processo nº 232/05.5TAVNG, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em que foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 04.02.2008, pela prática, em 14.01.2004, de 1 crime de furto qualificado (3 anos e 6 meses de prisão);
d) Do processo nº 225/06.5PDVNG, da 1ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em que foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 12.02.2009, pela prática, em 20.06.2006, de 1 crime de furto qualificado (3 anos de prisão);
e) Do processo nº 482/05.4PAPVZ, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, em que foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 05.01.2010, pela prática, em 14.06.2005, de 1 crime de furto qualificado (3 anos e 6 meses de prisão) e de 1 crime de detenção ilegal de arma (9 meses de prisão);
13. Mais foi condenado, por sentença transitada em julgado em 24.09.2013, numa pena de 12 meses de prisão, no processo nº 8805/12.3TDPRT, do 1º Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial do Porto, pela prática, em 19.09.2011, de 1 crime de falsidade de testemunho, pena esta que cumpriu sucessivamente;
14. O arguido iniciou o cumprimento da pena aplicada no processo nº 765/06.6GAPRD em 30.08.2006, pena esta que veio a ser englobada no cúmulo referido em 12;
15. Tendo sido desligado em 13.12.2013 do processo nº 522/06.1GFVNG, aos 5/6 da pena,
16. E, em tal data, ligado ao processo nº 8805/12.3TDPRT, para cumprimento da pena que aí lhe tinha sido aplicada de 12 meses de prisão,
17. Que cumpriu, ininterruptamente, até 13.10.2014,
18. Data em que lhe foi concedida liberdade condicional;
19. Até ao termo das penas de prisão que lhe faltaria cumprir e que ocorreu a 25.05.2016;
20. Como tal, esteve o arguido privado da sua liberdade, ininterruptamente, de 30.08.2006 a 13.10.2014;
21. A prática dos factos supra descritos, ocorridos em 19.12.2018, demonstra que o arguido nunca pretendeu abandonar os crimes dolosos relacionados contra o património em geral, tendo desrespeitado a solene advertência contida nas inúmeras decisões judicias pelas quais foi condenado anteriormente;
22. Demonstra também que as suas atividades surgem por causas endógenas e habituais relacionadas com a sua deformada personalidade, à sua inaptidão ao mundo do trabalho e à sua vida desordenada e antissocial;
23. As penas de 8 anos e 9 meses de prisão e de 12 meses de prisão que supra se referiram e nas quais o arguido foi condenado, mostraram-se insuficientes para a readaptação social daquele, não tendo constituído suficiente prevenção contra a prática de outros atos contra o património;
24. O arguido não colaborou para a realização dos relatórios sociais elaborados no âmbito dos presentes autos, não tendo comparecido às entrevistas agendadas e não tendo apresentado qualquer justificação para tal;
25. O processo de crescimento/desenvolvimento do arguido decorreu no agregado familiar de origem, do qual faziam parte os progenitores e quatro irmãos, cuja dinâmica familiar era descrita como normativa;
26. A supervisão educativa era caracterizada como predominantemente tradicional e conservadora;
27. O pai era serralheiro e a mãe cozinheira, sendo que o primeiro já faleceu e a segunda está reformada;
28. O arguido integrou em idade própria o 1º ciclo do ensino básico, tendo prosseguido os estudos até ao ensino secundário, concluindo aos dezassete anos o 10º ano de escolaridade e abandonado posteriormente o sistema de ensino;
29. Aos catorze anos de idade, ocorreu a morte de um irmão, o que abalou o arguido e toda a família, iniciando aquele, nessa altura, e uma vez que se encontrava mais fragilizado, o consumo de haxixe, embora de forma esporádica e em contexto de grupo;
30. A escalada dos consumos foi rápida, até que o arguido abandonou a escola e iniciou função laboral, com o objetivo de se autonomizar em termos económicos, passando a trabalhar como administrativo na Associação Vitivinícola da Região..., em que permaneceu durante dois anos;
31. Aos vinte anos, o arguido ingressou na Força Aérea, enquanto voluntário, tendo durante o cumprimento do serviço militar obrigatório permanecido na Base das Lages – Açores, altura em que intensificou os consumos de substâncias aditivas;
32. Em 2014, quando foi libertado condicionalmente, o arguido passou a integrar o agregado familiar de origem, do qual faziam parte a progenitora uma irmã mais velha;
33. O arguido cumpriu com as obrigações determinadas na sentença em que lhe foi concedida a liberdade condicional, nomeadamente no que concerne ao cumprimento das consultas no Cento de Respostas Integradas/CRI Oriental e à integração familiar; todavia era mencionado que a situação de desemprego era uma área em que o arguido deveria inverter o percurso;
34. Na data dos factos supra referidos, o arguido integrava o agregado familiar constituído pelo próprio, pela companheira (desempregada) e pelo filho desta última (de vinte e quatro anos de idade, trabalhador num Call Center);
35. O arguido esteve em paradeiro desconhecido da família de setembro de 2019 a setembro de 2020, situação que se deveu ao facto de ter recaído nos consumos de heroína e cocaína e, consequente, levou ao despedimento de uma estação de serviço da ..., onde trabalhava há cerca três anos; esta situação fez com que se tornasse agressivo para com a sua família;
36. Para fugir a esta conjuntura, o arguido refugiou-se no ..., onde alegadamente trabalhou numa empresa agrícola como servente, auferindo €40,00/dia e tinha direito a um quarto e refeições diárias;
37. Nesta fase, a sua companheira, com quem mantém uma relação desde 2015, ia ter com ele aos fins de semana;
38. A mesma encontra-se em acompanhamento e integra o programa de substituição com metadona, no Programa Integrado de Atendimento Materno/PIAM, em Matosinhos;
39. Apesar de afastado do seu meio social, o arguido continuou a consumir, utilizando o salário para satisfação dos consumos aditivos e acabando por, decorrido um ano, procurar novamente ajuda no Centro de Respostas Integradas/CRI, Porto Oriental, acompanhamento que tinha abandonado em julho de 2018;
40. Assim, o arguido retomou, em setembro 2020, o tratamento e acompanhamento à problemática aditiva, integrando o programa de substituição opiácea, havendo indicadores de que não consome desde que regressou ao seio da família, em agosto de 2020;
41. Residem em casa arrendada, com adequadas condições e habitabilidade, situada num meio conotado com problemáticas de exclusão social; todavia, como não têm procedido ao pagamento da renda o senhorio comunicou-lhes que teriam que deixar a habitação;
42. O arguido não desenvolve qualquer tipo de atividade laboral estruturada há cerca de três anos;
43. Ao nível alimentar, o arguido e a sua companheira têm recorrido aos refeitórios sociais e a associações que lhes vão fornecendo alguns alimentos;
44. O arguido tem comparecido às consultas agendadas no CRI Porto Oriental de forma intermitente, tendo a última consulta sido realizada a 19 de julho do corrente ano, assim como se encontra a fazer o Programa de Substituição Opiácea de Baixo Limiar de Exigência, indo buscar metadona semanalmente;
45. No âmbito do processo nº 60/18.8PTPRT, do DIAP – Secção de Vila do Conde, foi determinada a suspensão provisória do processo, pelo período de 8 meses, com a injunção de prestação de 120 horas de serviço de interesse público, em que o arguido não colaborou;
46. No âmbito do processo nº 9/21.0PTPRT (infra referido) não foi possível dar início à determinação judicial aplicada, uma vez que o arguido não compareceu às entrevistas agendadas nem apresentou qualquer justificação para as suas ausências;
47. No âmbito do processo nº 670/18.3SMPRT (infra referido), não foi possível à equipa da D.G.R.S.P. responsável pelo acompanhamento da pena dar início ao mesmo, tendo o arguido estado ausente durante um ano; todavia, após várias ausências/não comparências e não adesão do arguido, foi elaborado o respetivo plano de reinserção social;
48. No âmbito do processo nº 4348/19.2T9PRT (infra referido), a equipa da D.G.R.S.P. responsável pelo acompanhamento da pena deu conta ao Tribunal, em dezembro de 2021, que, apesar das várias insistências, através de convocatórias, tentativa de contacto telefónico e deslocação domiciliária, todas infrutíferas, o arguido não tinha comparecido nem justificado as suas ausências;
49. Concluiu esta entidade que a não colaboração do arguido comprometia a avaliação das necessidades de intervenção relativamente ao mesmo;
50. Além das condenações mencionadas em 12. e 13., o arguido foi ainda condenado:
a) No processo nº 91/89, do 2º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por acórdão proferido em 16.05.1989, pela prática, em 19.02.1989, de 2 crimes de furto qualificado e de 2 crimes de introdução em lugar vedado ao público, na pena única de 28 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, tendo sido revogada a suspensão e declarado perdoado 1 ano de prisão;
b) No processo nº 267/89, do 2º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por sentença proferida em 19.12.1989, pela prática, em 23.06.1989, de 1 crimes de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que foi perdoada;
c) No processo nº 312/89, do 2º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por acórdão proferido em 12.07.1990, pela prática, em 25.06.1989, de 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 32 dias de prisão, substituída por multa à taxa de 200$00 por dia, a qual foi perdoada;
d) No processo nº 190/90, do 1º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por sentença proferida em 02.10.1990, pela prática, em 05.11.1988, de 1 crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;
e) No processo nº 359/90, do 1º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por sentença proferida em 05.04.1991, pela prática, em 14.12.1985, de 4 crimes de furto qualificado, na pena única de 4 anos de prisão e na pena de 36 dias de multa, à taxa diária de 200$00 (englobando as penas aplicadas nas als, anteriores), tendo sido perdoado 1 ano de prisão;
f) No processo nº 11/91, do 1º Juizo Criminal do Tribunal Judicial do Porto, por acórdão proferido em 10.04.1992, pela prática, em 12.07.1987, de 1 crime de detenção para consumo, na pena de 1 ano de prisão e em multa, tendo a primeira sido perdoada na totalidade e a segunda em metade;
g) No processo nº 18/94, da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 08.03.1994, pela prática, em 18.08.1993, de 1 crime de furto qualificado tentado, na pena de 1 ano de prisão;
h) No processo nº 366/93, da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 08.03.1994, pela prática, em 03.06.1993, de 1 crime de furto qualificado/introdução em casa alheia, na pena única de 3 anos de prisão; após, em cúmulo englobando a pena referida na al. anterior, foi-lhe aplicada a pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, tendo sido perdoado 1 ano de prisão;
i) No processo nº 359/94, da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 21.02.1995, pela prática, em 12.05.1993, de 1 crime de furto qualificado tentado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão (englobando a pena referida na al. anterior), tendo sido perdoado 1 ano de prisão;
j) No processo nº 286/97.6SJPRT, do 4ª Tribunal de Círculo de Gondomar, por acórdão proferido em 19.01.1998, pela prática, em 01.03.1997, de 1 crime de furto qualificado como reincidente e de 1 crime de ofensa à integridade física, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão;
k) No processo nº 244/98, da 4ª Vara Criminal do Porto, por acórdão proferido em 24.03.1993, pela prática, em 07.03.1996, de 1 crime de recetação, na pena de 1 ano de prisão; em cúmulo, englobando a pena referida na al. anterior, foi-lhe aplicada a pena única de 4 anos de prisão;
l) No processo nº 125/99, da Vara Mista de Braga, por acórdão transitado em 17.01.2000, pela prática, em 10.04.1996, de 1 crime de furto qualificado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo sido perdoados 6 meses de prisão;
m) No processo nº 160/99, da 2ª Vara Mista de Guimarães, por acórdão transitado em 23.10.2000, pela prática, em 26.04.1996, de 1 crime de furto qualificado, na pena de 4 anos de prisão;
n) No processo nº 670/18.3SMPRT, do Juízo Local Criminal do Porto J8, por sentença transitada em 03.02.2020, pela prática, em 20.02.2018, de 1 crime de desobediência, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano mediante regime de prova;
o) No processo nº 497/18.2PFPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto J1, por sentença transitada em 24.02.2020, pela prática, em 04.11.2018, de 1 crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €6,00, extinta pelo cumprimento;
p) No processo nº 9/21.0PTPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto J1, por sentença transitada em 05.05.2021, pela prática, em 08.01.2021, de 1 crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, tendo a pena substitutiva sido revogada;
q) No processo nº 55/18.1PDPRT, do Juízo Local Criminal do Porto J6, por sentença transitada em 04.11.2021, pela prática, em 10.02.2018, de 1 crime de consumo de estupefacientes, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00;
r) No processo nº 4348/19.2T9PRT, do Juízo Local Criminal do Porto J3, por sentença transitada em 04.11.2021, pela prática, em 10.02.2018, de 1 crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano mediante regime de prova contemplando a manutenção do tratamento à problemática aditiva.
B. Factos não provados:
Não resultou provado que:
A. No período descrito em 1., o arguido formulou o propósito de assaltar outras residências em Vila do Conde, além da supra descrita;
B. No interior da referida habitação encontravam-se bens com um valor de cerca de €5.000,00.
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III. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, no tocante aos factos provados e não provados, alicerçou-se na análise crítica e conjunta da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada à luz das regras da experiência e da livre convicção do julgador, de harmonia com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim, e no que tange aos factos plasmados de 1. a 8., atendeu-se, desde logo, aos depoimentos do ofendido BB, de CC (filho do mesmo, que referiu estar na residência em causa na data/hora dos factos) e de DD (que disse ser vizinho do ofendido e ter tido intervenção na interceção do arguido). Estas três testemunhas responderam às questões que lhes foram colocadas com clareza, objetividade e aparente sinceridade, razão pela qual lhes foi atribuída credibilidade. Deste modo, a circunstância de se ter verificado a existência de algumas discrepâncias (por exemplo, acerca da questão de saber se era audível, antes de o indivíduo em causa ter aberto a porta, que o mesmo estava a tentar entrar) não levou a que se suscitassem dúvidas sobre a credibilidade destas testemunhas, não se podendo também olvidar o relevante lapso de tempo decorrido desde a data dos factos em análise.
Note-se que BB descreveu que se tinha deparado com um indivíduo a entrar pela sua habitação, cuja localização confirmou (explicitando que o mesmo apenas tinha penetrado cerca de meio metro), quando o próprio se encontrava no interior, tendo aquele retirado o canhão da fechadura. O depoente fez ainda alusão às ferramentas que o indivíduo em causa trazia consigo e ao facto de o mesmo ter fugido e ter sido intercetado pelo seu filho e por um vizinho.
Estas últimas testemunhas confirmaram que tinham levado a cabo a interceção da pessoa em causa e afiançaram que não tinham dúvidas de que tal pessoa, que tinham vindo a “entregar” à polícia era a mesma que, instantes antes, se encontrava no imóvel sido na Avenida ... (devendo frisar-se que DD explicou que, pouco antes de ter ouvido gritos e da subsequente fuga do indivíduo em questão, se tinha cruzado com o mesmo nas escadas do prédio).
Relativamente ao facto enunciado em 8., há que mencionar que, se é certo que não se pôde retirar do que foi dito por BB e CC qual o valor dos bens que se encontravam na descrita residência, não se ficou com qualquer dúvida de que os mesmos tinham um valor muito superior a €102,00, tendo em conta, nomeadamente, que o primeiro assegurou que a habitação tinha, além do mais, eletrodomésticos, e que o segundo afiançou que lá tinha diversas guitarras, na casa dos milhares de euros.
Além destes depoimentos, foram igualmente valorados os elementos constantes do processo, designadamente o cabeçalho do auto de notícia de fls. 3 (apenas para efeitos de maior concretização do específico contexto espácio-temporal dos factos), o auto de apreensão de fls. 5 e a fotografia de fls. 6.
Quanto aos factos atinentes ao foro interno, atendeu-se às regras da experiência comum e aos elementares juízos de normalidade, sendo a conduta objetiva levada a cabo pelo arguido suficientemente elucidativa a este respeito.
No que se refere aos factos respeitantes à situação económica e social do arguido, ao acompanhamento/falta de acompanhamento das penas/injunções aplicadas a este e à postura assumida pelo mesmo neste âmbito, foram tidos em consideração os relatórios sociais elaborados pela D.G.R.S.P., resultando dos mesmos que aquele não colaborou para a sua realização, tendo faltado às respetivas entrevistas.
A factualidade atinente às condenações e aos períodos de privação da liberdade sofridos pelo arguido retirou-se do teor do seu certificado de registo criminal atualizado e das certidões juntas no anexo criado, sendo certo que a matéria vertida de 21. a 23. se extraiu da análise destes elementos e da sua conjugação com as regras da experiência.
Finalmente, quanto aos factos dados como não provados, diga-se que a decisão do Tribunal se prendeu com a inexistência de elementos probatórios que, de forma segura, demonstrassem a verificação de tais factos (reiterando-se, quanto ao facto consignando em B., o que já se expôs acerca da factualidade elencada em 8.)»
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3. Apreciação do recurso. 3.1.- Nulidade do julgamento na ausência do arguido.
O recorrente pretende a anulação do julgamento porque entende que o mesmo foi realizado na sua ausência sem que tenha sido regularmente notificado.
Baseia o seu entendimento no facto de, após a prolação da sentença, ter sido prestada informação aos autos de que o mesmo se encontrava preso desde 10.11.2022.
Para tanto, argumenta em síntese que foi preso no dia 10.11.2022 e que a partir daí decorreu a cessão dos efeitos do TIR quer porque a sua ausência não foi espontânea, não dependendo da sua vontade, uma vez que imposta pelo Estado; e atentas as limitações em que se encontrava, decorrentes da sua situação de reclusão, era excessivo fazer impender sobre si a obrigação de comunicar aos processos que tivesse pendentes a sua situação prisional, nomeadamente para efeitos de notificação.
O MP quer na 1ª instância quer neste tribunal discordam desta pretensão de forma fundamentada. Mostra-se relevante para a decisão desta questão o seguinte: - O arguido prestou termo de identidade e residência no dia 19.12.2018 - fls. 7 -, com as relevantes advertências seguintes:
- a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
- as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para a morada acima indicada ou para outra, que entretanto vier a indicar, através de requerimento, entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do tribunal ou dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
- o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores, legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e, bem assim, a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º do Código de Processo Penal.
O arguido indicou como morada a Rua ..., Porto.
Para esta morada foram enviadas as notificações da acusação –fls. 129/132- e das datas designadas para audiência de julgamento –fls. 138/144, 147/149, ref.ª 432410320 e fls. 162, 183/185 [audiência de 23.09.2022], ref.ªs. 440354268 e 440412186 e fls. 228 [audiência de 21.10.2022], ref.ªs 441425713 e 441444251 e fls. 233 [audiência de 18.11.2022], ref.ªs 442443636 e 442447321 e fls. 236 [audiência de 29.11.2022].
A audiência de julgamento decorreu em quatro sessões, designadamente em 23.09.2022, 21.10.2022, 18.11.2022 e 29.11.2022 (sendo que nesta última data apenas teve lugar a leitura da sentença), todas na ausência do arguido e na presença da sua defensora oficiosa que nunca requereu a sua audição.
A notificação do arguido para a última sessão de produção de prova, a 18.11.2022, ocorreu previamente à data em que o mesmo foi preso, já que a missiva tendente à sua notificação foi depositada em 27.10.2022 e o recorrente só veio a ser preso para cumprimento de pena à ordem do processo 9/21.0PTPRT, no dia 10.11.2022 [referências 33879494, 34225918 e 34848082]; cfr. (fls. 233 e fls. 250) O conhecimento nos presentes autos de que o arguido, aqui recorrente, se encontrava preso em cumprimento de pena desde 10.11.2022, só ocorreu a 21 de dezembro de 2022 - conforme fls. 250. Vejamos.
O julgamento na ausência do arguido, nos casos em que a presença deste é obrigatória, constitui nulidade insanável (art.º 119º/c) do CPP).
Nos termos do artigo 114º do CPP “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao diretor do estabelecimento prisional respetivo e efetuada na pessoa do notificando por funcionário para o efeito designado.”
Os factos elencados dão-nos conta que o arguido se encontrava faltoso à audiência de discussão e julgamento muito antes de ser preso e, nomeadamente, nas sessões de julgamento ocorridas a 19.05.2022 (onde não houve qualquer produção de prova por não se encontrar presente qualquer interveniente) e a 23.09.2022 e 21.10.2022.
Como vimos a notificação do arguido para a última sessão de produção de prova, a 18.11.2022, ocorreu previamente à data em que o mesmo foi preso, já que a missiva tendente à sua notificação foi depositada em 27.10.2022 e o recorrente só veio a ser preso para cumprimento de pena à ordem do processo 9/21.0PTPRT, no dia 10.11.2022.
A única missiva depositada depois do arguido ter sido preso é a respeitante à notificação da data designada para a leitura da sentença.
Não é despiciendo anotar que o arguido – aqui recorrente - faltou injustificadamente às sessões de audiência ocorridas a 19.05.2022, 23.09.2022 e 21.10.2022.
Resulta ainda, dos factos elencados, que o tribunal não teve conhecimento da reclusão antes da prolação da sentença e, nomeadamente, antes de 21 de dezembro de 2023, já que o facto de saber desde 07.10.2022 que pendia contra o arguido mandado de detenção para cumprimento de pena de prisão não impõe a conclusão de que o tribunal conhecia que o arguido tinha sido preso; tanto mais quanto é certo que os presentes autos são oriundos do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, juiz 3 e o mandato de detenção foi emitido pelo Juiz 1, do Juízo local de pequena criminalidade do Porto, sendo os respetivos juízes diferentes.
Dos factos pertinentes elencados resulta claro que o arguido nunca demonstrou qualquer interesse em comparecer em audiência de julgamento, o que poderia ter feito até á data em que foi preso, 10.11.2022, pois tendo as missivas sido endereçadas para a morada que facultou no TIR e vivendo lá com a sua companheira, como decorre do relatório Social a fls. 200 a 201, é claro que teve conhecimento de que o julgamento foi marcado e que estava a decorrer. Todos os factos elencados espelham a vontade implícita de o arguido não estar presente á audiência.
Como se escreve no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal[1], em anotação ao artigo 196.º com a advertência ao arguido de que “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2”, “o arguido passa a estar ciente do modus como as autoridades irão comunicar consigo. Após essa informação vigora um princípio de autorresponsabilização”. Não merecendo tutela “as pretensões de um arguido que revelou desleixo e indiferença pelas suas obrigações”.
E reconhecendo este dever, como um “dever geral de diligência, visto não na perspetiva de um dever de colaboração com o tribunal, mas com o sentido de dar funcionalidade ao seu estatuto de arguido, o que não é compatível com uma atitude de alheamento processual e, menos ainda, de violação dos seus deveres processuais” o acórdão do TRP de 16.05.2012[2].
Numa situação como a presente, entendemos que tendo o arguido entrado em situação de reclusão depois da data em que prestou o TIR e já após a marcação de três datas para a realização de julgamento e depois da sessão em que decorreu grande parte da produção de prova tinha o mesmo a obrigação de comunicar ao tribunal a sua situação de preso, nomeadamente, através dos serviços administrativos do EP, não o fazendo, vindo o tribunal a tomar conhecimento da situação muito depois de lida a sentença, considera-se o arguido validamente notificado por via postal simples, mediante cartas enviadas para a morada constante do TIR e aí comprovadamente depositadas, podendo ser julgado na ausência; sendo de considerar ainda que esteve legitimamente representado na audiência pela sua defensora oficiosa, pois era do seu conhecimento que a partir da prestação do TIR tal eventualidade poderia ocorrer, caso não desse cumprimento às obrigações constantes do mesmo TIR, como acabou por acontecer (arts. 196.º, alínea d) e 333.º do CPP).[3]
Não constitui nulidade a realização do julgamento na ausência do arguido, que se encontre devidamente notificado e cuja presença se não mostre indispensável apesar de não se terem realizados diligências para a sua comparência sob detenção[4];[5].
Como bem explicita o Excelentíssimo PGA no seu bem fundamentando parecer:
«Com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.06.2015, diga-se ainda que a formalidade prevista no artigo 114º serve os casos em que o arguido está preso à ordem dos autos em que se efectua a notificação, ou há conhecimento nos autos de que se encontra preso à ordem de outro processo. Que sentido faz obrigar o tribunal a cumprir esta formalidade quando nem sequer sabe da reclusão e parte do princípio do zelo e autorresponsabilização do arguido estabelecido pelo legislador? Aliás, esta norma convive perfeitamente com o regime decorrente do TIR – se o arguido quiser estar presente na audiência, comunica ao tribunal a sua nova situação e é convocado nos termos do artigo 114.º; se não quiser estar presente, não comunica e é representado pelo defensor [na situação de reclusão, como em qualquer outra]. O Estado, que assegura ao recluso todos os direitos acima elencados, que lhe garante, enquanto arguido, assistência por defensor advogado, não tem ainda a obrigação de comunicar, urbi et orbi, a sua nova localização, como se refere no voto de vencido proferido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.12.2012.»
Pelo exposto entendemos que no caso concreto não se verifica a arguida nulidade.
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3.2. Vicio da insuficiência da matéria de facto para a decisão recorrida.
Defende o recorrente que a sentença sob recurso incorre no vício previsto no artigo 410.º n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal - insuficiência da matéria de facto provada para a decisão recorrida.
Com efeito, argumenta que não se pode concluir que tenha praticado o crime de furto qualificado previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º n.º1, 204.º n.º2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea d), todos do Código Penal, uma vez que não se apurou se o arguido procurava comida, se dinheiro, se trocos para o consumo de que padecia, se procurava algum sítio para dormir, se queria tratar da sua higiene pessoal, não se sabe que bens queria furtar, nem o seu valor, pelo que deve funcionar a seu favor o benefício da dúvida. Vejamos.
Embora se nos afigure que o recorrente incorre em alguma confusão entre o vicio que invoca e o erro na aplicação do direito aos factos provados, o certo é que é este o vicio invocado e a parte do pretenso não apuramento de matéria de facto dá corpo à sua invocação.
Os vícios substanciais[6] da decisão são os elencados nas alíneas a), b) e c) do, n.º 2 do artigo 410º do CPP. E são aqueles que respeitam ao conteúdo da sentença e traduzem erros de julgamento, a partir dos quais se conclui que o juiz julgou ou decidiu mal.
Nos termos do artigo 410º, n.º 2 do CPP a cognoscibilidade dos vícios da decisão constantes das alíneas do n.º 2 do artigo cinge-se ao texto da decisão, ou a este em conjugação com as regras da experiência comum, numa solução de recurso-remédio, e não de reexame da causa.
A sindicância em causa é uma atividade puramente jurídica, pois baseia-se apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, não obstante a correção dos vícios implique uma decisão que se repercute na matéria de facto provada ou não provada – artigo 426.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Pressuposto da afirmação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é uma perspetiva exata do objeto do processo: conjunto de factos, cuja determinação é dada em primeira linha pela acusação ou pronúncia, complementada pela contestação ou defesa, ou ainda pela discussão da causa. E partindo desse pressuposto confrontar com o que o tribunal em concreto indagou, o que passa pela confrontação dos factos provados e/ou não provados.
Só se algum desses factos não tenha sido objeto de apreciação pelo tribunal, é que poderemos concluir pela insuficiência da decisão sobre a matéria de facto provada (ou não provada).
Em conclusão, existirá insuficiência da matéria de facto quando da análise do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, faltam factos, cuja realidade devia ter sido indagada pelo tribunal, desde logo por imposição do artigo 340.º do CPP, porque os mesmos se consideram necessários à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação ou de absolvição
Ora, no caso, o tribunal respondeu a todos os factos constantes da acusação e se, por um lado, o recorrente não discriminou os factos alegados pela defesa ou resultantes da discussão da causa que estão por responder, por outro lado, também não demonstra que os factos que diz em falta sejam necessários para uma decisão segura.
Com efeito, a decisão do tribunal a quo basta-se com os factos provados não havendo qualquer necessidade de identificar os concretos bens de que o recorrente se queria apropriar.
Por outro lado, não se percebe esta invocação de que se não apurou “se o arguido procurava comida, se dinheiro, se trocos para o consumo de que padecia, se procurava algum sítio para dormir, se queria tratar da sua higiene pessoal, que bens queria furtar”, quando está provado que o arguido agiu “com o propósito de fazer seus os objetos e valores que encontrasse no interior da referida habitação” – facto 9[7] - e tal não foi impugnado nesta parte.
Acresce que resulta dos factos provados na decisão recorrida que o arguido pretendia apropriar-se dos bens e valores que encontrasse no interior da casa de residência - facto 1. -e “que no interior da referida habitação encontrava-se bens com um valor sempre muito superior a €102” - facto 8.
Tanto basta para que, juntamente com os demais factos provados, possa ser proferida de forma segura decisão, nomeadamente a que foi proferida apelo tribunal a quo.
Pelo exposto, é improcedente a questão do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
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3.3. - Impugnação da matéria de facto.
O recorrente impugna a matéria de facto provada, considerando erradamente julgados os pontos 9. e 10, na parte que a seguir se reproduz e defende que nessa parte os referidos pontos da matéria de facto deverão ser julgados como não provados. 9.Oarguidoagiunaconcretizaçãodeumplanopreviamentetraçado,comopropósitodefazerseusosobjectosevaloresqueencontrassenointeriordareferidahabitação(…) 10.Maissabiaqueosobjectosdevalorqueali [se] encontravam
Para tanto, argumenta:
- do depoimento das testemunha BB, CC e DD, que transcreve, de decorre que:
- que apenas entrou centímetros se calhar meio metro na residência do ofendido BB
- apenas lá permaneceu por brevíssimos instantes;
- que agiu sozinho, não estando acompanhado por terceiros;
- que não se fazia acompanhar de equipamentos ou recipientes que o auxiliassem no transporte de bens ou objetos;
- que teve de subir vários lanços de escadas; e
- que havia no interior da casa vários bens, nomeadamente eletrodomésticos, fogões, máquinas de loiça, roupa e guitarras.
Perante estes factos que alega decorrerem dos depoimentos das testemunhas identificadas conclui que resulta claro que o arguido se encontrava sozinho, apeado e não é referido em momento algum que utilizasse qualquer tipo de veículo. E quanto aos bens as testemunhas BB e CC aludem sempre, nos seus depoimentos, a bens de grande porte, nomeadamente, máquinas da loiça, da roupa, fogão, guitarras...
Para acabar a defender que da prova produzida subsiste a dúvida sobre a existência de bens de valor de pequena dimensão no interior da casa de residência, que pudessem ser apropriados por si, não se sabendo, por conseguinte, o que ia furtar, pois não é crível, nem lógico, nem racional, que dirigisse a sua acção a fogões e máquinas de lavar, quando actuou sozinho, sem ajuda de instrumentos ou viatura.
Vejamos.
Para aferir do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto, interessa recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto.
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, que as Relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou …”
Assim e de acordo com o artigo 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)(…)”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Para proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, nos termos do n.º 4 do artigo 412º do CPP e identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Por outro lado, “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP) uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.[8]”
Portanto, não há dúvidas que o referido reexame está sujeito aos ónus de impugnação que consistem na indicação dos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e na indicação de provas que sustentem esse entendimento e que imponham uma diversa decisão.
Por isso que também se vem entendendo que esta possibilidade de sindicância de matéria de facto sofre quatro tipo de limitações: «- uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignada na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; - há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral, mas antes um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo; - e a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.[9] »
Com efeito, e de encontro às referidas limitações, muito embora, de harmonia com o disposto no artigo 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, o princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário, pois vincula a convicção do Tribunal às regras da experiência comum, bem como às provas que estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e do “in dubio pro reo”.
Deste último, enquanto emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (32.º, n.º 2, da Constituição), decorre que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, séria, razoável, objetiva e insanável, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime pelo arguido, deve tal dúvida ser resolvida a favor deste.
Assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Posto isto, consideramos que o recorrente especifica os pontos de facto que considera como erradamente julgados.
Quanto às provas que imponham decisão diversa, é claríssimo que não elencou nenhuma.
O furto na forma tentada em que o recorrente vem condenado é qualificado pelo facto de ter arrombado[10] a porta da residência retirando o canhão da respetiva fechadura. Para tanto, como está dado por provado, o arguido muniu-se de duas chaves de parafusos/fendas e uma chave inglesa, que utilizou no dia dos factos que praticou para retirar o canhão da respetiva fechadura.
Tanto basta, juntamente com o facto provado em 1[11], e não impugnado, para que se tenha por provado que o arguido entrou dentro da referida residência na prossecução de um plano que previamente havia traçado. Com efeito, se não tivesse traçado um plano de furto – apropriação de bens - da residência não estaria munido dos objetos necessários para retirar o canhão da fechadura. O comum das pessoas não traz no seu dia a dia as ferramentas necessárias para tal tarefa, sendo que nem sequer se provou que o arguido andasse munido daquelas ferramentas para seu uso profissional.
Ora, se o recorrente praticou tais factos; isto é, se correu o risco de retirar o canhão da fechadura e entrou dentro de casa de outra pessoa, decorre das regras da experiência comum que o seu propósito era levar consigo os bens mais valiosos que aí encontrasse e que pudesse levar consigo para posteriormente vender ou trocar.
Aliás, em abono das regras da lógica e da normalidade do acontecer, nem sequer se vê como estando a residência em causa sita num prédio de apartamentos, como o recorrente confessa no seu recurso, pudesse o recorrente andar na sua deambulação quando se lembrou de, no momento, furtar a residência. Não há qualquer dúvida que o arguido traçou um plano prévio para retirar da residência os bens valiosos que encontrasse e que pudesse transportar.
Quanto ao facto 10, tem ele a seguinte redação: «Mais sabia que os objetos de valor que ali [12] (se) encontravam não lhe pertenciam e que atuava, como atuou, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário, tendo para o efeito arrombado a porta que fechava tal espaço, extraindo o canhão da respetiva fechadura;
A impugnação do recorrente relativamente á parte do facto provado 10 na parte sublinhada a negro, não faz qualquer sentido, porquanto se neste facto não estivesse a palavra valor, o efeito seria o mesmo, já que para efeitos de valor o que releva é o que o tribunal deu como provado no facto 8, não impugnado «No interior da referida habitação encontravam-se bens com um valor não concretamente apurado, mas sempre muito superior a €102,00 (cento e dois euros)». Este último facto não foi posto em causa e decorre do facto de o filho do arguido ter cinco guitarras a que deu o valor de 3.000,00€, atenta a parte do depoimento desta testemunha que o próprio recorrente transcreveu.
Ainda relativamente ao valor, os factos não vêm qualificados pelo mesmo e para a subsunção dos factos à tentativa de furto, nos termos do artigo 203º, n.º1 e 204º, n.º2 al. e) e 22.°, 23.°, e 73.° do C. Penal, só é exigível que as coisas de que o arguido/recorrente se podia apropriar não sejam, ao menos, «de diminuto valor», já que, a sê-lo, não haverá lugar à qualificação, como decorre do n.º 3 do artigo 204.º do mesmo Código. E como provado em 8 no interior da habitação que o recorrente intentou furtar encontravam-se bens sempre de valor muito superior a 102,00€.
Diga-se ainda, já em argumentação subsidiária, que o recorrente sempre poderia ter-se apropriado de qualquer uma das guitarras ou até de mais que uma e ter saído da residência sem sequer ser notado. E o mesmo aconteceria com os televisores e até com pequenos eletrodomésticos.
Pelo exposto e como bem finaliza o Excelentíssimo PGA não só as provas invocadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da recorrida, como o sentido desta é o único compatível com elas.
É, assim, claro que a pretendida alteração da matéria de facto provada é improcedente.
Improcede, portanto, a questão.
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3.4.- Reincidência.
Defende o recorrente que a decisão deve ser revogada e substituída por outra que não determine o funcionamento da agravante da reincidência.
Para tanto argumenta que:
- a decisão recorrida é omissa quanto à discriminação das condenações anteriores que servem para fundamentar a aplicação da reincidência;
- a decisão recorrida se limita a fazer uma remissão indiscriminada para as condenações referidas no ponto 12 da factualidade provada, sem que discorra sobre a natureza dos crimes anteriores, sobre a forma de execução das condenações anteriores, ou explicite os fins e motivos que presidiram à respectiva prática;
- nessa medida, não é admissível retirar a íntima conexão a que alude a decisão recorrida automaticamente e, através de mera remissão, para as condenações anteriores.
- estando em causa, como acontece no caso concreto, uma reincidência heterogénea, não é admissível o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime de tipo distinto do anteriormente praticado;
- impõe-se, em tais casos, um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade;
- Assim, é forçoso concluir que a decisão recorrida teria de assentar num conjunto de factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o arguido, ao praticar o novo crime, não se sentiu suficientemente advertido ou intimado com aquela anterior condenação, para se manter fiel ao direito ou que, pelo contrário, o conjunto das circunstâncias que rodearam a recente vivência, não se podendo emitir aquele juízo de culpa agravada e, então, estaremos apenas mero indício de pluriocasionalidade. O Tribunal justificou a condenação do arguido como reincidente nos seguintes termos:
«Resta aferir se estão reunidos os pressupostos da circunstância modificativa agravante da reincidência.
O artigo 75º do Código Penal estabelece o seguinte: “1.Épunidocomoreincidentequem,porsisóousobqualquerformadecomparticipação,cometerumcrimedolosoquedevaserpunidocomprisãoefectivasuperiora6meses,depoisdetersidocondenadoporsentençatransitadaemjulgadoempenadeprisãoefectivasuperiora6mesesporoutrocrimedoloso,se,deacordocomascircunstânciasdocaso,oagentefordecensurarporacondenaçãoouascondenaçõesanterioresnãolheteremservidodesuficienteadvertênciacontraocrime. 2.Ocrimeanteriorporqueoagentetenhasidocondenadonãorelevaparaareincidênciaseentreasuapráticaeadocrimeseguintetiveremdecorridomaisde5anos;nesteprazonãoécomputadootempoduranteoqualoagentetenhacumpridomedidaprocessual,penaoumedidadesegurançaprivativasdaliberdade”.
O pressuposto material sinequanon para se lançar mão desta circunstância modificativa agravante é um juízo de censura acrescido, decorrente do desrespeito, pelo arguido, da solene advertência contida em condenação anterior. Para se verificar este pressuposto é necessário que exista uma íntima conexão entre o crime ou crimes anteriores e o reiterado, que se possa considerar relevante do ponto de vista da culpa (cfr. Maria João Antunes, “Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina de Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, Coimbra Editora, 2007-2008, p. 30).
Por outra banda, é necessário que tanto o crime anterior como o reiterado sejam dolosos, que a condenação pelo crime anterior tenha determinado a aplicação de uma pena de prisão efectiva superior a seis meses e tenha transitado em julgado e ainda que o crime reiterado deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a seis meses.
Ademais, o nº 2 do citado artigo enuncia um requisito negativo, a saber, que não tenham decorrido mais de cinco anos entre a prática do crime anterior e a do crime reiterado, não sendo, contudo, computado neste prazo o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade. Na verdade, considera-se que enquanto o arguido está privado da liberdade, não se pode dizer propriamente que esteja a respeitar a advertência contida na condenação anterior, por não estar a ser posto à prova.
No caso subjudice, estão preenchidos todos os pressupostos da reincidência, tendo em conta o que se exarou na factualidade provada.
Destarte, não se pode deixar de concluir que, ao praticar os factos objecto dos presentes autos, o arguido revelou uma forte insensibilidade às condenações anteriores, designadamente às condenações referidas no ponto 12. da factualidade provada, as quais, deste modo, não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime, o que é de censurar.
De harmonia com o disposto no artigo 76º nº 1 do Código Penal, o limite mínimo da pena aplicável a cada um dos crimes cometidos pelo arguido será elevado de um terço, permanecendo o limite máximo inalterado. Incasu, ponderando todos os já referidos factores e os critérios gerais de determinação da medida da pena, a maior intensidade da censura ao arguido por se não ter deixado motivar pela advertência resultante das condenações anteriores e as acrescidas exigências de prevenção geral e especial, mas igualmente a data dos factos, entende-se ser adequado aplicar ao arguido a pena de dois anos e quatro meses de prisão, o que respeita o estabelecido no artigo 76º nº 1 infine do Código Penal (de acordo com o qual a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores).» [fim de citação]
Vejamos.
Constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação:
a)- Que o crime agora cometido seja doloso;
b)- Que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a seis meses;
c)- Que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a seis meses, por outro crime doloso;
d)- Que entre a prática dos dois crimes não tenham decorrido mais de cinco anos, suspendendo-se a contagem desse período durante o tempo em que o arguido tenha estado provado da liberdade.
Além destes requisitos formais cumulativos, é ainda necessário a verificação de um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Não se trata de um efeito automático das condenações anteriores, pois tem de assentar em factos concretos, dos quais se possa concluir que o condenado não interiorizou a advertência contida na anterior condenação nem se inibiu no seu propósito de voltar a delinquir.
O crime em apreço nos presentes autos é um crime doloso de furto qualificado na forma tentada punível em concreto, sem incidência da reincidência, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, como vimos.
Conclui-se assim que se mostram verificados os dois primeiros pressupostos formais da reincidência.
E mostram-se também verificados os dois seguintes, isto é, que o arguido foi anteriormente condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a seis meses, por outro crime doloso; no caso, por vários crimes dolosos: [processo 522/06.1GFVNG: 1 crime de furto (2 anos e 8 meses de prisão) + 1 crime de violência após a subtração (1 ano e 8 meses de prisão]; Processo 765/06.6GAPRD: 1 crime de roubo (3 anos e 6 meses de prisão) + 1 crime de falsificação de documento (1 ano de prisão); Processo 232/05.5TAVNG: 1 crime de furto qualificado (3 anos e 6 meses de prisão); Processo 225/06.5PDVNG: 1 crime de furto qualificado (3 anos de prisão); Processo 482/05.4 PAPVZ: 1 crime de furto qualificado (3 anos e 6 meses de prisão) + 1 crime de detenção ilegal de arma (9 meses de prisão); Todos estes crimes vieram a ser englobados num cúmulo jurídico efetuado no processo 522/06.1GFVNG cuja pena de prisão de 8 anos e 9 meses foi executada entre 30.08.2016 e 13.12.2013, com libertação aos 5/6 da pena. A que se seguiu a ligação a 13.12.2013, ao processo 8805/12.3TDPRT, para cumprimento da pena que aí lhe havia saído aplicada de 12 meses de prisão por um crime de falsidade de testemunho (punido com 12 meses de prisão). Todas as penas aplicadas são superiores a seis meses de prisão, sendo que a pena única resultante do cúmulo, como vimos, é de 8 anos e 9 meses de prisão efetiva muitíssimo superior a 6 meses de prisão.
Como o arguido esteve privado da liberdade, ininterruptamente, de 30.08.2006 a 13.10. 2014 e os factos dos presentes autos foram praticados em 19.12.2018, não há qualquer dúvida que em relação ao crime de furto e crime de violência após subtração praticados em 21.07.2006 e em 22.08.2006; e ao crime de roubo, e crime de falsificação praticados em 07.08.2006; e em relação ao crime de furto qualificado praticado em 20.06.2006; e relativamente ao crime de falsidade de testemunho praticado em 19.09.2011 e, bem assim, em relação ao crime de falsificação de documentos (praticado em 07.08.2006) não decorreram cinco anos, descontado o lapso temporal em que o arguido esteve privado da liberdade.
Estão assim preenchidos os pressupostos formais da agravante modificativa reincidência.
E quanto ao pressuposto material da reincidência?
A punição agravada pela reincidência só tem lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
Como escreve Figueiredo Dias[13], «é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e, portanto, para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente».
E, continua o mesmo Professor, «o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de atuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel».
Ora como resulta dos factos provados sob 21, 22 e 23, “a prática dos factos supra descritos, ocorridos em 19.12.2018, demonstra que o arguido nunca pretendeu abandonar os crimes dolosos relacionados contra o património em geral, tendo desrespeitado a solene advertência contida nas inúmeras decisões judicias pelas quais foi condenado anteriormente; demonstra também que as suas atividades surgem por causas endógenas e habituais relacionadas com a sua deformada personalidade, à sua inaptidão ao mundo do trabalho e à sua vida desordenada e antissocial; as penas de 8 anos e 9 meses de prisão e de 12 meses de prisão que supra se referiram e nas quais o arguido foi condenado, mostraram-se insuficientes para a readaptação social daquele, não tendo constituído suficiente prevenção contra a prática de outros atos contra o património.
Não há assim qualquer dúvida que a reincidência em causa é uma reincidência essencialmente em relação a factos da mesma natureza (furtos qualificados) ou em relação a factos com uma natureza semelhante como são os crimes patrimoniais, onde se visa o lucro patrimonial, e que a mesma ocorre, como provado, por causas endógenas e habituais relacionadas com a sua deformada personalidade, a sua inaptidão ao mundo do trabalho e a sua vida desordenada e antissocial.
Os factos provados e o elevado número de crimes contra o património que praticou ao longo dos anos demonstram que a reiteração criminosa não resulta de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, mas radica na sua personalidade, sendo claro que não se trata de uma pluriocasionalidade.
Atentos os factos concretamente provados e dos quais já demos nota, ocorre uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que se funda na personalidade do arguido, que já caraterizamos e que, por isso, lhe é imputável de forma adequada em termos de censura e de culpa agravadas, havendo assim fundamento para a agravação da pena.
Concluímos, assim, que o arguido deve ser considerado reincidente.
É assim correta a decisão da primeira instância, também quanto a este segmento da decisão.
As consequências do funcionamento da reincidência avaliar-se-ão em sede de medida da pena, isto é, na questão seguinte.
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3.5.- Redução da medida da pena e prisão. § Medida da pena sem incidência da agravante reincidência.
O recorrente coloca a questão da excessividade e desproporcionalidade da medida da pena de prisão aplicada, pretendendo a fixação de uma pena de prisão com duração de 1 ano, para tanto, em síntese, argumenta:
- resulta da factualidade dada como provada que à data dos factos destes autos, o arguido tem um problema de consumos de produto estupefaciente;
- o que torna necessário fazer uma análise criteriosa, designadamente, da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido;
- o tribunal não valorou devida e suficientemente as circunstâncias de carácter atenuante que foram dadas como provadas;
- entende que a sua culpa é mediana, a título de dolo e mitigado pelo circunstancialismo do vício da droga, ao mediano grau de ilicitude, consubstanciado no valor dos bens no interior da habitação, na falta de dano causado para perpetrar os factos, por um lado e, no local e na pessoa do ofendido, bem como, problemas com drogas, que em absoluto se coaduna com os factos e, os antecedentes criminais nesta mesma matéria. O Tribunal a quo fundamentou a medida da pena:
«O crime de furto qualificado previsto no artigo 204º nº 2 al. e) do Código Penal é abstractamente punido com pena de prisão de dois a oito anos. Contudo, resulta do preceituado no artigo 23º nº 2 que a tentativa é punível com a pena prevista para o crime consumado especialmente atenuada. A atenuação seguirá a regra prevista no artigo 73º do mesmo diploma legal, fixando-se, por consequência, a moldura a considerar entre um mês e cinco anos e quatro meses [14] (na sentença da 1ª instância é a nota 1). Em consonância com o disposto no artigo 71º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena é feita em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral), sendo nomeadamente as circunstâncias mencionadas no nº2 desse normativo importantes, quer para a culpa, quer para a prevenção. Saliente-se que a culpa constitui o factor limitativo máximo superior da pena. Por outro lado, e como deriva dos artigos 40º nº2 do Código Penal e 1º da Constituição da República Portuguesa, não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Posta esta barreira, a medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos (prevenção geral positiva de integração). Por fim, dentro da moldura penal assim encontrada, a exacta medida da pena advirá das exigências de prevenção especial que se fizerem sentir. Revertendo ao caso em análise, não pode o Tribunal descurar das relevantes exigências de prevenção geral, em face da danosidade que os crimes contra o património geram e da premência da protecção deste bem jurídico, através da revalidação e consolidação da norma incriminadora. No que respeita às exigências de prevenção especial, as mesmas também são significativas, tendo em conta os inúmeros antecedentes criminais do arguido – tendo o mesmo sofrido igualmente diversas condenações posteriores a estes factos – e a sua parca integração social e profissional. Em obediência ao prescrito no artigo 71º nº 2 do Código Penal, cabe atender todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Nestes moldes, para a determinação da medida concreta da pena são de ponderar os seguintes factores: - o grau de ilicitude é médio, atendendo à gravidade objectiva já contida no tipo legal de crime; -o crime foi praticado com dolo directo; - cumpre atender às condições pessoais e à sua situação económica do agente deste crime, reiterando-se nesta sede o exposto nos pontos 25. e ss. da factualidade provada; - milita contra o arguido a conduta anterior, acerca da qual é elucidativo o vasto leque de antecedentes criminais registados, em particular pela prática de crimes contra o património, tendo-lhe sido aplicadas diversas penas de prisão efectiva (e, se é verdade que as condenações por crimes contra o património remontam há diversos anos, também não é menos certo que o arguido esteve privado da liberdade até Outubro de 2014; ainda assim, há que referir que o crime em análise nestes autos foi perpetrado pelo arguido vários anos após a sua libertação e que, por outra banda, o mesmo foi praticado há cerca de quatro anos, o que deverá ser ponderado); quanto à sua conduta posterior, apenas cumpre mencionar que o arguido praticou outros ilícitos após o cometimento do crime em análise, ainda que de natureza diversa. Sopesados estes factores, o Tribunal entende ser adequado aplicar ao arguido a pena de dois anos e dois meses de prisão.» [fim de citação]
Vejamos.
Como dispõe o artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A proteção de bens jurídicos tem ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetam tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral. A aplicação da pena prossegue igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja finalidades de prevenção especial.
As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) prosseguem o objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
As exigências de prevenção geral, no caso concreto, são de acentuada intensidade, uma vez que o tipo de criminalidade em questão gera sentimentos de insegurança e intranquilidade na comunidade, sendo que através da pena se reafirma a validade das normas e se conforta a comunidade.
As exigências de prevenção especial, por seu lado, visam a prevenção da reincidência, pretendendo que o agente passe a pautar a sua conduta através dos valores comunitários, e oriente a sua vida no futuro de acordo com tais valores. Atento o elevado número de crimes anteriormente praticado pelo arguido, como resulta dos factos provados, muitos deles contra o património, temos por claras, só com base neles, as elevadas exigências de prevenção especial. Acresce a prática de crimes posteriormente aos factos em análise.
Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas nas alíneas a) a f) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal.
São, assim, elementos de referência na determinação da pena, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências.
No caso, a ilicitude dos factos apresenta-se, no plano do tipo de crime que está em causa, de mediana /elevada gravidade, considerando as circunstâncias e especialmente o modo de atuação do recorrente, de onde avulta a retirada do canhão da fechadura de uma residência, visando entrar nela e dela retirar os bens de valor que encontrasse e pudesse transportar, comportamento que dado o grau de risco envolvido e perícia, que o comum dos cidadão não tem, espelha perigosidade do agente para este tipo de ilícitos.
A gravidade das consequências não é de monta.
O dolo é direto, já que o recorrente atuou deliberadamente e com plano prévio, determinado a levar a cabo a sua conduta com vista à apropriação de bens alheios.
E a culpa, ao contrário do que pretende o recorrente, não é mitigada é elevada, pois, se iniciou aos 14 anos consumos de haxixe de forma esporádica em contexto de grupo e atualmente, nascido em .../.../1966, tem 57 anos de idade, e ainda deles se não libertou e, pelo contrário, os exacerbou durante muitos anos, só podemos concluir que vem fazendo sucessivamente más escolhas mostrando uma personalidade deformada, com inaptidão laboral e uma vida desordenada e antissocial, como provado. E esta personalidade também exacerba as já elevadas exigências de prevenção especial.
Tendo em consideração todas as referidas circunstâncias e, bem assim, o seu comportamento com delitos posteriormente ao crime aqui em análise, temos por adequada aos fins que as penas visam alcançar e proporcional à culpa do recorrente a pena encontrada pela primeira instância, sem a incidência da agravante da reincidência, de 2 anos e 2 meses de prisão.
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§§ Funcionamento da agravante reincidência
Impõe-se agora fazer funcionar a agravante reincidência, verificamos que a reincidência implica o agravamento do limite mínimo da pena em um terço, desde que tal não exceda a medida da pena mais grave aplicada em condenações anteriores, porque neste caso será esse o agravamento a considerar (art. 76º/CP).
No caso do arguido/recorrente temos que a pena abstratamente aplicável ao crime é de um mês e cinco anos e quatro meses de prisão, e por força do artigo 76º esta pena abstrata é elevada de um terço no limite mínimo ficando inalterada no limite máximo, passando a moldura agravada a ser de 1 mês e dez dias a cinco anos e quatro meses de prisão.
A pena aplicada sem incidência da reincidência é de 2 anos e 2 meses de prisão e a pena agravada pela reincidência foi, na primeira instância, de 2 anos e 4 meses de prisão, sendo que os 2 meses de agravação são inferiores à pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, objeto de cúmulo e, bem assim, muito inferior à pena encontrada no cúmulo, que fundamentam a existência dessa reincidência.
A agravação decorrente da incidência da reincidência mostra-se, portanto, conforme à lei e, nomeadamente, ao disposto no art. 76º, n.º 1 do CP, e adequada e proporcional em termos de censura e de culpa agravadas, pelo que se mantém.
Improcede, nesta parte a pretensão do recorrente.
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3.6. - Suspensão da pena.
O recorrente bate-se pela suspensão da pena de prisão por tempo igual ao da pena aplicada sujeita ao regime de prova através de um plano de recuperação/tratamento de drogas, com acompanhamento pelo IRS, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, nomeadamente ao seu problema com consumo de estupefacientes, que acontecia à data dos factos; ou então subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta.
Para tanto, argumenta:
- do CRC junto aos autos verifica-se que o recorrente, nos últimos anos vem condenado pela prática de crimes de desobediência.
- que tal se traduz numa acentuada diminuição das exigências de prevenção, na perspetiva da necessidade da pena. O Tribunal a quo fundamentou a não suspensão da pena de prisão:
«Tendo sido aplicada uma pena de dois anos e dois meses de prisão, verifica-se que a mesma é passível, em abstracto, de ser suspensa na sua execução. De acordo com o 50º nº 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. No que tange à suspensão da execução da pena de prisão, refira-se que, nas palavras de Figueiredo Dias, “o pressuposto material deste instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente” (Vide “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Edição revista, Aequitas, p. 342 e 343). In casu, tendo em conta a factualidade provada, os múltiplos antecedentes criminais do arguido, a sua parca integração social e a postura de não colaboração que o mesmo vem assumindo, considera-se que não é possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido de a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nestes termos, a pena aplicada ao arguido deverá ser cumprida em regime de efectividade.» [fim de citação]
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Vejamos.
Resulta do disposto no art. 50º, nº 1, do C. Penal que o pressuposto material [o pressuposto formal é a aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos] da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é a formulação pelo Tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão – acompanhadas ou não da imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova – realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Quanto aos fins visados pelo instituto, ensina o Prof. Figueiredo Dias que, “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».”[15]
As finalidades da pena são, como vimos, a tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, a reinserção do agente na comunidade (art. 40º, nº 1, do C. Penal).
Fundamentam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão, razões de prevenção, geral e especial.
O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento do instituto, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, operação da qual resultará como provável, ou não, que o agente sentirá a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Os objetivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Ensina o Prof. Figueiredo Dias, quanto a este especto e relativamente à prevenção geral que, “Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.”[16]
Na formulação do juízo de prognose o tribunal deverá correr um risco prudente pois que esta é apenas uma previsão, uma conjetura e não uma certeza. Por isso, se tem dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para interiorizar a oportunidade de ressocialização que a suspensão é, a prognose deve ser negativa[17]. Volvendo ao caso concreto.
Como resulta dos factos provados o arguido cometeu múltiplos crimes, contra o património e outros, quer antes quer depois dos factos em questão nestes autos e desde o longínquo ano de 1989. E se resulta que os últimos crimes praticados e julgados foram de desobediência também resulta que no processo 4348/19.2 T9PRT tendo sido condenado na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano mediante regime de prova contemplando a manutenção do tratamento à problemática aditiva, também resulta que neste processo e noutros o arguido não colaborou nem compareceu nem justificou as suas ausências junto da DGRSP.
Como já vimos os factos demonstram que o arguido dá mostras de possuir uma personalidade deformada, com inaptidão laboral e uma vida desordenada e antissocial, incumpridor das suas obrigações, nomeadamente junto da DGRSP quando lhe é fixado um regime de cumprimento de penas menos severo.
E, como diz o tribunal a quo, e não se pode escamotear perante os factos provados, “os múltiplos antecedentes criminais do arguido, a sua parca integração social e a postura de não colaboração que o mesmo vem assumindo, considera-se que não é possível fazer um juízo de prognose favorável no sentido de a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ponderando o exposto, todas as circunstâncias do caso e as elevadas exigências de prevenção geral e especial, entendemos não ser possível realizar um juízo de prognose favorável ao recorrente, pois, perante a sua personalidade que já caraterizamos e as suas condutas anteriores e posteriores ao crime não é provável que o recorrente sinta uma condenação com suspensão da execução da pena como uma solene advertência ou que a eventual reincidência fique prevenida com a simples ameaça da prisão, como anteriormente não ficou.
A pena de prisão será, pois, executada nos termos definidos na primeira instância.
Improcede a questão da suspensão da pena de prisão e na totalidade o recurso.
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Atenta a complexidade do recurso e dada a sucumbência total do recorrente no recurso interposto pagará 6 (seis) UC de taxa de justiça, nos termos do artigo 513º, n.º 1 do CPP e artigo 8º, n.º 9 do RCP e tabela anexa n.º III.
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III. Decisão.
Acordam os juízes subscritores em julgar totalmente improcedente o recurso interposto.
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Custas pelo recorrente com taxa de justiça em 6 (seis) UC, artigo 513º, n.º 1 do CPP e artigo 8º, n.º 9 do RCP e tabela anexa n.º III.
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Notifique.
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Revisto pela Relatora.
Porto, 12 de julho de 2023.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Paula Pires
Horácio Correia Pinto
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[1] Tomo III, anotação ao artigo 196.º, §40. [2] Acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/06bb0c4c413f18d080257a0d0051f2d9?OpenDocument [3] Cf. o voto de vencido do no acórdão do TRG de 18.12.2012, com o seguinte teor: «Questão diferente, e que está na origem deste voto de vencido, é a da regularidade ou não da sua notificação. Como diz o Exmº Procurador-Geral Adjunto, a tese do arguido é reprodução do entendimento do acórdão da Relação de Coimbra de 09-02-2011, pº 522/01.6TACBR, com o qual não concorda e nem eu posso concordar. Com efeito, sem prejuízo de contextos factuais diferentes, entendo que o que releva no caso presente é a obrigatoriedade de o arguido não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado – artº 196º CPPenal. Este procedimento é exigível em quaisquer circunstâncias em que o arguido não esteja afectado nos seus poderes de expressão de vontade (coma ou doença que o incapacitasse, por exemplo) e mesmo que seja “forçado” a mudar ou ser mudado para outro lugar ou residência, incluindo para um estabelecimento prisional. O facto de ter sido ordenada, noutro processo, e noutra Comarca, a prisão do arguido não transfere para o Estado a obrigação de comunicar, urbi et orbi, a sua nova localização. O arguido, ele sim, é que sabia que tinha em curso o presente processo, no qual tinha, e continuou a ter, obrigação de actualizar a sua localização. Aliás, no TIR de fls. 34, assinado pelo arguido, consta, não só tal obrigação, como também a advertência expressa de que o seu incumprimento legitima a realização da audiência na sua ausência (artº 333º do CPPenal ), tal como aqui ocorreu. O arguido, pelo facto de se encontrar detido, acaba até por ter uma posição privilegiada quanto aos demais arguidos, pois que em ambos os processos se encontra representado e pode manter contacto com o advogado (que até pode ser o mesmo). Mais ainda, e é um direito que lhe assiste, pode entender ser do seu interesse não vir prestar aos autos a informação de que se encontra detido. Como consequência da tese que fez vencimento, em bom rigor, nenhum julgamento se pode iniciar na ausência do arguido sem que previamente se oficie e obtenha informação junto de todos e cada um dos estabelecimentos prisionais no sentido de saber se por acaso aí não se encontrará o arguido ausente. E ficará a hipótese de se encontrar detido apenas policialmente, antes ou durante uma validação judicial da detenção. Questão diferente, de que aqui não cuidamos, seria a hipotética não notificação para o estabelecimento prisional num caso em que o mesmo Tribunal tivesse conhecimento (oficioso, particular, fosse qual fosse a fonte) da prisão. [4] Neste sentido Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2012, de 10-12-2012, DR, I Série de 10-12-2012. [5] Cfr. ainda o Acórdão do TRL de 04.06.2015, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9b5299b03ac082d880257e5e0051f82f?OpenDocument [6] Por contraposição aos vícios formais que são os respeitantes à forma: inexistência; nulidade; irregularidade. [7] Em relação a este facto o arguido, na veste de recorrente, só impugna a parte do facto 9, “aconcretizaçãodeumplanopreviamentetraçado”. [8] CF. Acórdão do STJ de 28.02.2007, acedido aqui: https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=24761&codarea=2 [9] Cf. Acórdão do STJ de 25.03.2010, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4fac1f2fe11ef86b80257706002ffe50?OpenDocument [10] Redação da al. e) do n.º 2 do art. 204º do CP: e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas; [11] Os quatro primeiros factos provados e não impugnados contêm o plano traçado: 1. No final do ano de 2018, o arguido formulou o propósito de assaltar a residência infra mencionada, em Vila do Conde, por forma a apropriar-se de bens e valores que aí encontrasse; 2. Na prossecução de tal plano, munindo-se de duas chaves de parafuso/fendas e uma chave inglesa, cerca das 16h40m do dia 19 de Dezembro de 2018, dirigiu-se, de forma não apurada, à Avenida ..., em Vila do Conde; 3. Aí chegado, subiu até ao 2º andar e, julgando que na residência do 2º direito, propriedade do ofendido BB, não se encontrava, naquele momento, qualquer pessoa, 4. e utilizando as ferramentas que consigo trazia, retirou o canhão da respetiva fechadura; [12] Claramente falta aqui, entre as palavras “ali” e “encontravam” a palavra “se” [13] Direito Penal Português, As Consequências…”, pág.. 268 [14] Seguindo este Tribunal o entendimento de que, no caso de a circunstância modificativa agravante a considerar ser a da reincidência, a mesma deve actuar após a circunstância modificativa atenuante, neste caso da tentativa, assumindo esta a prioridade – neste sentido, veja-se, por exemplo, o texto “Medida da Pena (agravantes e factores atenuativos especiais), Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1996 [Colectânea de Jurisprudência (Acórdãos do STJ) — 1996 T. II — pp. 175-177”, de José Damião da Cunha, em “Direito e Justiça”, p. 131 e ss. [15] Cf. Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 343. [16] Cf. Obra citada, pág. 333. [17] Cf. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Ed., 444.