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FGADM
LIMITE DO INDEXANTE DOS APOIOS SOCIAIS (IAS)
OBJECTO
CADA DEVEDOR
Sumário
1. No âmbito dos alimentos a menores a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), o limite de 1 IAS estabelecido pelo artigo 2º, nº1 da Lei nº 75/98 de 19/11, respeita a cada devedor, pretendendo o legislador referir-se à pessoa obrigada a alimentos e não ao(s) beneficiário(s) dos mesmos. 2. Assim, tal limite é aplicável da mesma forma às prestações de alimentos a pagar pelo F.G.A.D.M..
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
A deduziu incidente de incumprimento do regime do exercício das responsabilidades parentais contra B, alegando, em síntese, que este, nunca pagou a pensão de alimentos devida aos seus filhos menores, já que não liquidou a quantia em débito no Apenso A e que se comprometeu a pagar em prestações, nem a pensão de alimentos respeitante ao mês de Abril de 2022.
Terminou pugnando pela intervenção do FGAM, caso não seja possível cobrar as pensões em causa, ao requerido.
Notificado o requerido para alegar o que tivesse por conveniente, este nada disse.
Por esta razão, foram considerados confessados os factos alegados pela requerente.
Foi dispensada a realização das diligências previstas nas als. a), c) e d) do art.º 21.º do RGPTC.
Conhecido de mérito o incidente, foi proferida a seguinte decisão:
«Pelo exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio:
- Fixo em €182,34 (cento e oitenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), para cada um dos menores, num total de €364,68 (trezentos e sessenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) a prestação de alimentos a favor dos menores T e C, a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, quantias estas que deverão ser actualizadas anualmente, em Janeiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE para o ano anterior.
As sobreditas quantias deverão ser entregues directamente à mãe dos menores, residente na Rua…
Notifique o Ministério Público, o requerido e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (este ainda com cópia dos assentos de nascimento dos menores), a fim de este iniciar o pagamento.
Notifique igualmente a progenitora da presente decisão e ainda de que deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, sob pena de cessação, nos termos do art.º 9.º, n.ºs 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio.
Nos termos do disposto nos art.ºs 303.º n.º 1 e 304.º n.º 1, ambos do C.P.C., fixo à causa o valor de €30.000,01.
Custas a cargo do requerido.
Inconformado, interpôs o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
I. Na decisão recorrida fixa-se “… em €182,34 (cento e oitenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), para cada um dos menores, num total de € 364,68 (trezentos e sessenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) a prestação de alimentos a favor dos menores T e C, a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, quantias estas que deverão ser actualizadas anualmente, em Janeiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE para o ano anterior.”.
II. Nos termos do nº 1 do art.º 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 183º, da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e do nº 5 do art.º 3º
do DL 164/99, de 13 de Maio, com a redacção que lhes foi dada pelo pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro, as prestações substitutivas de alimentos atribuídas pelo FGADM não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de um IAS, ou seja, €480,43 (cfr. art.º 2º da Portaria nº 298/2022 de 16 de Dezembro), independente do número de filhos menores.
III. Não foi na sentença ora recorrida tomado em consideração pela Mma. Juiz a quo - certamente por não lhe ter sido dado conhecimento pela requerente - que o FGADM já se encontra a proceder, no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, do Tribunal
Judicial da Comarca de Lisboa, ao pagamento de outras prestações substitutivas de alimentos estabelecidas a favor de filhos do requerido.
Na verdade,
IV. Naqueles autos, o FGADM encontra-se a proceder, em cumprimento de sentença nos mesmos proferida em 15.04.2021, devidamente transitada em julgado, e mantida por despacho de 09.06.2022, igualmente transitado, ao pagamento de prestações substitutivas de alimentos a favor de S, B e C, no valor de €152,88 para cada um dos menores, no valor total de €458,64.
V. Por forma a respeitar o limite legal mensal de um IAS por devedor, as prestações substitutivas de alimentos a estabelecer nos presentes autos a favor dos menores T e C não poderiam ser fixadas em valor global superior a € 21,79 (vinte e um euros e setenta e nove cêntimos) – (€480,43 – €458,64 = €21,79).
VI. Há, ainda, que tomar em consideração que na sentença proferida naqueles outros autos foram dados como provados os seguintes factos: “… 2. Por decisão proferida em 5-6-2018, foram reguladas as responsabilidades parentais dos menores, ficando estes a residir com a mãe (cfr. ata de diligência constante dos autos principais). 3. A título de alimentos, está em vigor a seguinte regulação (idem): “8) O pai contribuirá com a importância mensal de 140,00€ a título de alimentos a favor de cada filho, na totalidade de 420,00€, a qual será entregue ao outro progenitor por depósito ou transferência bancária, até ao dia 8 do mês a que disser respeito, com início em Junho de 2018. 9) Esta prestação será sujeita a actualização anual, na proporção que vier a ser fixada para o índice geral de preços no consumidor que for fixado para o ano anterior, ocorrendo a primeira actualização em Junho de 2019.”
VII. No segmento decisório da mesma sentença, estipulou-se que: “Pelo exposto e ao abrigo das disposições dos artigos 1º e 2º, número 1, da Lei número 75/98, de 19 de Novembro e 2º, números 2, e 3º, do Decreto-Lei número 164/99, de 13 de Maio, fixo a prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores em €140 por mês para S, em €140 por mês para B, e em €140 por mês para C, actualizáveis anualmente nos termos supra discriminados, tudo em substituição do devedor S…”.
VIII. Quer isto dizer que por respeito à autoridade do caso julgado anterior, o valor a pagar pelo FGADM a título de prestações substitutivas de alimentos no âmbito dos presentes autos a favor dos menores T e C, filhos da aqui requerente e do requerido, não pode ser estabelecido - em virtude da obrigatoriedade de actualização anual em Junho da prestação substitutiva previamente estabelecida naqueles outros autos - num valor fixo, mas sim num valor correspondente ao diferencial entre o montante pago naqueles autos e o valor estabelecido anualmente por portaria para o IAS.
Ou seja,
IX. O valor global das prestações substitutivas de alimentos a estabelecer nos presentes autos a favor dos menores T e C - que, como se disse antes, não podia exceder, à data da sentença ora em crise, o valor global de €21,79 - tem de ser estabelecido anualmente em Junho em função do montante correspondente ao valor da actualização, a efectuar no mesmo mês, das prestações substitutivas pagas no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, por forma a que o limite legal de um IAS pago pelo FGADM em substituição do devedor seja respeitado.
X. Verifica-se, assim, que a Mma. Juiz a quo ao fixar uma prestação substitutiva de alimentos a cargo do FGADM, no valor global de €364,68 (trezentos e sessenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), actualizável anualmente, em Janeiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE para o ano anterior, sem ter tomado em consideração que o FGADM já se encontra a pagar no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/1 8.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, outras prestações substitutivas de alimentos em substituição do requerido, no valor total de € 458,64 (quatrocentos e cinquenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), actualizável anualmente em Junho, de acordo com a taxa de inflação fixada pelo INE para o ano anterior, violou o limite legal de € 480,43 previsto no nº 1 do art.º 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo art.º 183º, da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro, no nº 5 do art.º 3º do DL 164/99, de 13 de Maio, com a redacção que lhes foi dada pelo pela Lei 64/2012, de 20 de Dezembro, e no art.º 2º da Portaria nº 298/2022 de 16 de Dezembro
Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se:
- a impossibilidade legal do FGADM proceder ao pagamento de prestações substitutivas de alimentos em montante superior a um IAS por devedor, independentemente do número de menores, revogando-se a decisão recorrida no que diz respeito ao valor excedente ao valor global de € 21,79 (vinte e um euros e setenta e nove cêntimos);
- que o valor global das prestações substitutivas de alimentos a estabelecer futuramente nos presentes autos a favor dos menores T e C, tem de ser estipulado anualmente em Junho em função do montante correspondente ao valor da actualização, efectuada no mesmo mês, das prestações substitutivas pagas no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, por forma a que o limite legal de um IAS pago pelo FGADM em substituição do devedor seja respeitado.
No entanto, V. Exas. apreciando e decidindo farão a costumada JUSTIÇA.
O MP contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
I- O FGAM recorreu da sentença proferida nos autos, alegando que já está a suportar os alimentos a favor de outros 3 filhos do mesmo devedor em causa.
II- Defende o recorrente que, ao ser determinada a intervenção do FGAM nos autos ora em causa, foi desrespeitado o limite legal mensal de um IAS por devedor, tendo que ser fixadas pensões de valor global de €21,79.
III- Contudo, defende o MP que a interpretação da norma acima referida efectuada pelo FGAM não pode proceder, sob pena de discriminação de agregados familiares a que seja comum o progenitor devedor face às outras crianças em que o FGAM contribui para o seu sustento, em clara violação do Princípio da Igualdade previsto no Art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
IV- A referência a cada devedor, independentemente do número de filhos, deve restringir-se ao mesmo agregado familiar e não agregados familiares distintos, muito embora tenham “em comum” o progenitor devedor.
V- De acordo com o Art.º 3º do DL nº 164/99, de 13 de Maio (que regula a garantia de alimentos devidos a menores) faz-se sempre referência ao agregado familiar, aos rendimentos do respetivo agregado familiar;
VI- Assim, a interpretação do limite consagrado no Art.º 2º da Lei do Fundo de Garantia a alimentos pressupõe que se tenha em conta que os filhos do devedor residem no mesmo em agregados familiar e não em agregados familiares distintos.
VII- Se fosse como defende o FGAM impunha-se que existisse uma base de dados em que estivessem inseridos todos os devedores que são “substituídos” pelo FGAM no pagamento de alimentos devidos aos filhos e os valores que já são suportados, impondo-se, então, um rateio do limite em causa por todos os filhos do devedor.
VIII- Não pode, pois, proceder a argumentação do FGAM, tendo a Sentença a quo interpretado e aplicado corretamente as normas jurídicas que conduzem ao pagamento pelo FGAM da pensão de alimentos aos dois menores em causa nos autos.
Impõe-se, pois, a sua manutenção, julgando-se o recurso improcedente, e assim,
Superiormente, V. Exas. farão JUSTIÇA».
***
A única questão a analisar neste recurso consiste em saber se o limite de 1AS estabelecido pelo artigo 2.º, 1 da Lei n.º 75/88, de 19 de novembro e pelo artigo 3.º,1 do DL 164/99 de 13 de maio respeita a cada agregado familiar dos menores, como pretende o MP ou a cada devedor de alimentos (ainda que tenha vários agregados), como defende o recorrente. ***
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau.
1. Por acordo homologado por sentença transitada em julgado no dia 19 de Novembro de 2021, foi fixado o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores T, nascido em 28 de Junho de 2018, e C, nascida em 10 de Julho de 2019, tendo sido estipulado, além do mais, que os menores ficariam a residir com a mãe.
2. Na ocasião, o pai dos menores ficou obrigado a contribuir, a título de pensão de alimentos, com a quantia mensal de €180,00, para o sustento de cada um dos menores, num total de €360,00, quantia esta a actualizar anualmente, de acordo com o índice de inflação a publicar pelo INE.
3. O pai nunca pagou a pensão de alimentos devida aos filhos, não sendo possível proceder à sua cobrança coerciva, uma vez que não há notícia de que o mesmo aufira quaisquer rendimentos.
4. Os menores vivem com a mãe, que beneficia de prestação de subsídio de doença, e um irmão, também menor.
5. A capitação do agregado materno ascende a €248,88."
É de considerar ainda assente que no proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferida sentença, em 15.04.2021, transitada em julgado, e mantida por despacho de 09.06.2022, igualmente transitado, que ordenou o pagamento de prestações substitutivas de alimentos a favor de S, B e C, no valor de €152,88 para cada um dos menores, no valor total de €458,64.
***
Do direito
Passemos à apreciação da questão que integra o objecto da apelação e que se prende com a interpretação da disposição normativa do nº 1 do art.º 2º da Lei 75/98, ao estatuir que a prestação alimentar posta a cargo do Fundo não pode exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 1AS.
Esta matéria divide a jurisprudência. Dois acórdãos do STJ sinalizam cada uma das orientações em confronto.
Por ordem cronológica, comecemos pelo Ac. de 4 de junho de 2009, Processo n.º 91/03.2TQPDL.S1.
Estava em causa um caso caracterizado pelo facto de serem 8 os menores privados de prestação alimentar.
Argumenta-se nesse acórdão: «Conforme se dá conta no preâmbulo do Decreto-Lei nº 164/99, foi em execução da tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças “com vista ao seu desenvolvimento integral” (artigo 69º) que a Lei nº 75/98 veio garantir que o Estado assegura o direito a prestações de alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, judicialmente fixado (artigo 1º), através do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo ora recorrente. Assim, determinou que, verificadas as condições para que coubesse ao Fundo o pagamento das referidas prestações (artigo 1º da Lei nº 75/78 e nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99), o montante correspondente fosse fixado tendo em função da “capacidade económica do agregado familiar, [d]o montante da prestação de alimentos fixada e [das] necessidades específicas do menor” (nº 2 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e nº 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99). Esclareceu ainda, com o objectivo manifesto de garantir a adequação do montante apurado, que “a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público” (nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 164/99 e nº 2 do artigo 3º da Lei nº 75/78). Resulta da leitura conjunta das diversas disposições referidas que a lei se preocupou em assegurar ao menor a prestação de alimentos adequada às suas necessidades específicas, que devem ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado (nomeadamente a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha, como esclarece o nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99). (…) Estabelece ainda a lei que o montante assim calculado não pode exceder, “mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC” (nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78). Sob pena de incongruência do regime legalmente previsto e que, em síntese, se descreveu, entende-se que tal montante máximo tem de ser considerado em relação a cada menor, ou seja: não pode ser excedida, por mês, a quantia equivalente a 4 UCs por cada menor a que o obrigado tenha deixado de pagar os alimentos. Com efeito, e em primeiro lugar, esta interpretação é suportada pela letra da lei, nos termos em que o artigo 9º do Código Civil o exige: os diversos preceitos referem-se sempre ao menor a quem os alimentos são devidos, nomeadamente quando definem a forma de calcular o montante a pagar. É particularmente significativo que a lei exija que se atenda “às necessidades específicas do menor” a par da “capacidade económica do agregado familiar” em que ele se integre, esclarecendo que é a “capitação” dos seus rendimentos que conta para se considerar ou não preenchido o requisito relativo àquela capacidade. Daqui resulta uma manifesta preocupação de individualizar as necessidades do menor: a prestação deve ser de montante individualmente adequado à situação de carência do beneficiário. Para além disso, e em segundo lugar, é a interpretação que obedece ao objectivo com que o legislador criou o Fundo e lhe atribuiu o encargo de satisfazer o direito a alimentos de menores carenciados, por não ser cumprida a correspondente obrigação por quem os devia prestar. É à luz deste objectivo que o limite de 4 UCs tem de ser entendido: é o montante que o legislador, em 1998 e em 1999, considerou em qualquer caso suficiente para o efeito.
(…) Não é possível afirmar, como faz o recorrente, que o montante de 4 UCs satisfaz o objectivo a que o legislador se propôs de “garantia dos alimentos devidos” (conclusão 15ª) sem considerar o número de menores pelos quais essa quantia tem de ser repartida (sendo certo, por exemplo, que podem estar integrados em agregados familiares diferentes, o que conduziria a que a quantia atribuída a cada um viesse afinal a ficar dependente, também, das condições dos outros agregados familiares, o que não seria razoável). É certo que a integração de mais de um menor no mesmo agregado familiar provoca economias de escala; no entanto, basta considerar o número de menores abrangidos pela prestação a que este recurso respeita para se ter por concluir que seria manifestamente inadequado afirmar que, em qualquer caso, seria apta a cumprir a tarefa que o legislador se propôs a desconsideração do número de beneficiários para o efeito de fixação do limite previsto no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78 e no nº 3 do artigo3º do Decreto-Lei nº 164/99).
Este acórdão tem um voto de vencido, que, na parte relevante para o caso sujeito agora se reproduz: «A lei reporta-se expressamente ao limite das prestações do Fundo de quatro unidades de conta por cada devedor, e o devedor é a pessoa obrigada, por virtude da concernente decisão judicial, a prestar alimentos a menores. Não se refere a lei à unidade de prestação, mas sim às prestações, expressão que constituiu o sujeito plural da previsão normativa, que deve constituir o ponto de partida da interpretação em causa. Os referidos preceitos legais não inserem, pois, o mínimo verbal que sustente a interpretação no sentido de o mencionado limite correspondente ao valor de quatro unidades de conta se reportar a cada devedor relativamente a cada menor, ou seja, em função da posição de credor de cada um deles. Perante tal base literal das referidas normas, não vemos elementos extra-literais que legitimem a conclusão interpretativa no sentido de o pensamento legislativo ser o que foi considerado no acórdão. A circunstância de as normas se reportarem ao menor e às necessidades específicas deste, e não aos menores, é insusceptível de permitir a conclusão de que o legislador pretendeu relacionar a unidade de sujeito devedor com a unidade de menor credor. Com efeito, noutras normas do conjunto normativo em causa, por exemplo a propósito da incumbência do Fundo quanto ao pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores, como é o caso do artigo 2.º, nº 2, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, refere-se esse elementos plural. Acresce que o mencionado secundário elemento literal, retirado do contexto de contadas normas, queda desvalorizado, não obstante o relevo considerado no acórdão pelo mero confronto com a expressão da lei no nº 1 do artigo 2.º da Lei nº 75/98, onde refere a prestações e não a prestação. Perante este quadro, o que resulta da lei é que o legislador utilizou a expressão menor e menores com o mesmo sentido, ou seja, de pessoas em função das quais foi estabelecido o regime social em causa. O Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, não é o sujeito originário da obrigação de prestação de alimentos aos menores. É como que um provisório substituto daquele devedor em termos de salvaguardar a satisfação mínima da sua necessidade de sustento lato sensu. Acresce que o Estado já realiza prestações sociais para o agregado familiar dos menores em causa, designadamente €1.040 a título de rendimento social de inserção e €170 a título de prestação familiar. Tendo em conta o conteúdo das normas dos artigos 13º e 69º, nº 1, da Constituição, a referida posição do Estado e o escopo da solução normativa que entendemos resultar das aludidas normas, não se vislumbra que a interpretação destas últimas contrarie o conteúdo das primeiras. A interpretação considerada no acórdão não é suportada, nem pelo chamado espírito da lei ou o seu escopo finalístico, isto sem abstrair das circunstâncias específicas envolventes da sua elaboração e as do tempo da sua aplicação, ou da unidade de sistema jurídico. Acresce que nem há fundamento para considerar que o legislador não adoptou a solução mais acertada, na medida em que as deste tipo dependem da existência de recursos financeiros disponíveis no Estado-Comunidade para proporcionar as prestações sociais envolventes. Não se vislumbra, pois, a incongruência do regime legalmente previsto afirmada no acórdão pela circunstância de se interpretar o referido normativo no sentido de o limite da prestação do Fundo se cifrar em €384 por referência ao devedor de alimentos aos menores».
O Supremo foi chamado a tomar posição sobre a matéria em novo acórdão de 7 de abril de 2011, Processo n.º 9420-066TBCSC.L1.S1.
O STJ começa por distinguir os planos da interpretação do direito infraconstitucional e da eventual colisão com normas e princípios da Lei Fundamental do resultado interpretativo alcançado através da utilização dos critérios de interpretação consagrados no CC e por esclarecer que «se situa no âmbito da livre discricionariedade do legislador a opção sobre os montantes financeiros públicos que, em cada momento, é possível adjudicar à tutela dos direitos dos menores carenciados, por privados do apoio familiar que prioritariamente lhes era devido - já que os recursos financeiros públicos disponíveis para a prossecução de políticas sociais, subordinadas à cláusula do possível, sempre inelutavelmente escassos, terão necessariamente de ser repartidos pelos vários grupos de cidadãos carenciados, sendo indispensável a formulação, pelos órgãos democraticamente investidos, de opções, juízos prudenciais e ponderações, situadas no cerne da sua competência político-legislativa e insindicáveis no plano judiciário»-
Prosseguindo, lê-se depois no acórdão: «Terão sido precisamente razões desta natureza, ligadas às reais possibilidades práticas do Estado na implementação das políticas de apoio social, que ditaram o estabelecimento, por via normativa, de um limite, de um «tecto», ao apoio público devido aos menores privados da solidariedade familiar - estabelecendo o legislador que as prestações substitutivas não podem exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 4UC – ou seja, actualmente de €408. Salienta-se que este valor – relativamente elevado para o montante médio dos débitos alimentares, judicialmente fixados para cada filho ( no caso dos autos, a prestação mensal global a cargo do progenitor em falta era de apenas €100) - foi expressamente reportado pela norma em causa a cada devedor da prestação alimentar– ou seja, ao progenitor que está vinculado a prestar alimentos – não nos parecendo que seja possível, em aplicação dos critérios normativos de interpretação da lei, «converter» tal expressão no conceito oposto de credor dos alimentos– o filho que a eles tem direito – de modo a poder atribuir a cada menor/credor de alimentos o referido valor máximo de 4 UC. Constitui, deste modo, obstáculo que temos por inultrapassável a letra do preceito que impõe, de forma clara, um limite legal à responsabilidade «subsidiária» do Estado pelas prestações alimentares em dívida, revelando, de forma explícita, que o programa normativo do legislador passou pelo estabelecimento de um tecto a tal responsabilidade financeira pública, alcançado por referência, não a cada um dos menores/ credores de alimentos, mas a cada progenitor/ devedor inadimplente; pelo que, sendo vários os filhos menores, credores de alimentos, os seus direitos terão de ser objecto de compatibilização prática ou de «rateio» dos montantes a fixar, para que tal limite máximo ( relativamente elevado para os valores médios de prestações alimentares judicialmente arbitradas, deixando alguma margem de segurança ao menos para as situações correntes, em que os filhos carenciados não sejam muito numerosos, como efectivamente sucedia na situação concreta sobre que versou o Ac. de 4/6/09) seja inteiramente respeitado pelo julgador. Violará tal sentido interpretativo «restritivo» - que se extrai da expressa literalidade do nº 1 do art.º 2º da Lei 75/98 - algum preceito ou princípio constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade, como pretende a recorrente? Esta questão foi recentemente apreciada pelo TC, através do Ac. 309/09, em que se julgou não inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com fundamento em alegada violação do disposto nos artigos 13º, 26º e 69º da Constituição, afirmando: «Como se deixou entrever através do contexto legal esquematicamente descrito, a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69º, n.º 1, da Constituição. É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores». Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215). Como se fez notar num recente aresto do Supremo Tribunal de Justiça, o incumprimento da prestação de alimentos por parte do primitivo devedor é que funciona como pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor, e, consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, devendo ser reembolsado do que pagar (acórdão de 10 de Julho de 2008, no Processo n.º 1860/08). Assim se explica que, para a determinação do montante da prestação social, como determina o transcrito artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, o tribunal deva atender, não só à capacidade económica do agregado familiar e às necessidades específicas do menor, mas também ao montante da prestação de alimentos que fora anteriormente fixada e que está em dívida. Certo é que o tribunal, por efeito da actividade jurisdicional que é levado a realizar na sequência do pedido formulado nos termos desse diploma, não está impedido de fixar um montante superior ou inferior à prestação de alimentos que impendia sobre o devedor (ainda que com o questionado limite de 4 UC), mas isso deve-se apenas ao facto de o legislador ter considerado ser exigível, nessa circunstância, uma reponderação pelo juiz da situação do menor à luz da qual foi fixada a pensão de alimentos. Em todo o caso, não há dúvida de que o montante da prestação de alimentos incumprida constitui um índice para o julgador fixar a prestação social a cargo do Fundo e esta será em regra equivalente à anteriormente fixada (Remédio Marques, ob. cit., págs. 234 e 239). Isso porque o que está essencialmente em causa é a reposição do rendimento que deixou de ser auferido por falta de pagamento voluntário de alimentos por parte de quem se encontrava obrigado a prestá-los. Numa aproximação à resolução da questão de constitucionalidade suscitada, deve começar por dizer-se que estamos aqui perante um direito social, cuja concretização e actualização depende de certos condicionalismos sócio-económicos, culturais e políticos que só o legislador poderá, em primeira linha, avaliar, e que não pode ser efectivado pelo juiz por simples interpretação aplicativa do direito (cfr. Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Coimbra, pág. 192). Como refere o autor agora citado, «a escassez dos recursos à disposição (material e também jurídica) do Estado para satisfazer as necessidades económicas, sociais e culturais de todos os cidadãos é um dado da experiência nas sociedades livres, pelo que não está em causa a mera repartição desses recursos segundo um princípio da igualdade, mas sim uma verdadeira opção quanto à respectiva afectação material». Por outro lado, essa opção decorre de uma ampla liberdade de conformação legislativa, não sendo possível definir através da Constituição o conteúdo exacto da prestação e o modo e condições ou pressupostos da sua atribuição, ou imputar-lhe uma intencionalidade que vá além de um conteúdo mínimo que possa directamente resultar das directrizes constitucionais (idem, págs. 190-191 e 398). Estando em causa, no caso concreto, uma prestação estadual subsidiária destinada a suprir o incumprimento da obrigação de alimentos familiar, afigura-se não ser possível invocar a violação do princípio da igualdade, a partir da fixação do limite estabelecido para o montante superior da prestação, com base na discriminação que possa existir entre as diversas situações concretas, designadamente em razão do maior ou menor número de menores a cargo daquele que estava obrigado à prestação de alimentos. Importa notar que a determinação da medida ou extensão dos alimentos, por força do próprio critério legal consignado no artigo 2004º do Código Civil, varia em função das possibilidades daquele que houver de prestá-los e das necessidades daquele que houver de recebê-los, pelo que a fixação do seu montante não pode basear-se no custo médio normal de subsistência do alimentando, mas em diversos outros factores em que entra em linha de conta, com especial relevo, a condição económica e social do obrigado. E não é indiferente, para esse efeito, que o vínculo respeite não a um único, mas a vários menores carecidos de alimentos, como ocorre no caso vertente. Nestes termos, a capacidade económica do progenitor em função do número de menores a quem deve prover ao sustento não pode deixar de constituir um critério objectivo de quantificação dos alimentos, e influenciar o montante da pensão a atribuir a cada um dos alimentandos. E, como vimos, a prestação social prevista na Lei n.º 75/98, visando substituir a obrigação legal de alimentos em caso de incumprimento, corresponde tendencialmente àquela que foi judicialmente fixada e deixou de ser paga, e reflecte, nessa medida, as particularidades do caso concreto e as vicissitudes que condicionaram a fixação do montante da obrigação alimentar originária. Tratando-se uma prestação autónoma de segurança social, não há dúvida que ela é atribuída de acordo com certos critérios objectivos que são aplicáveis a todas as crianças que se encontrem na mesma situação: existência de sentença que fixe os alimentos; residência do devedor em território nacional; inexistência de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional de que o menor possa beneficiar; não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos. Mas pelo seu carácter de subsidiariedade, o montante da prestação substitutiva do Estado está necessariamente dependente da situação económica e familiar em que se encontra inserido o menor, aí relevando, também, o valor da prestação de alimentos que foi fixada judicialmente, as possibilidades económicas do progenitor e a possível pluralidade de vínculos. Em todo este contexto, a situação de desigualdade gerada pela limitação do montante da prestação social a 4 UC por cada devedor, quando se torne necessário efectuar o rateio desse valor máximo entre diversos menores que sejam filhos de um mesmo devedor (no confronto com quaisquer outros casos em que a um devedor corresponda um único credor), decorre da própria situação de vida concretamente considerada, e não propriamente de um critério normativo fixado legislativamente. O que poderia discutir-se é se é constitucionalmente aceitável o estabelecimento desse limite ou se o critério de determinação do montante máximo da prestação não deveria antes ter por base a pessoa do credor dos alimentos, e não a do devedor. Valem aqui, no entanto, as considerações já anteriormente expendidas sobre a tutela jurídico-constitucional dos direitos sociais. Estando em causa direitos a prestações, que, como tal, devam caracterizar-se como actuações positivas do Estado, a sua concretização, para além de um conteúdo mínimo que se torne determinável através dos próprios preceitos constitucionais, depende de conformação político-legislativa e, em muitos casos, da existência e disponibilidade de meios materiais, que, em qualquer caso, não pode ser objecto de reexame ou controlo jurisdicional. Não se vê, por outro lado, em que termos podem considerar-se violadas, no caso, as disposições dos artigos 26º e 69º da Constituição. Este último preceito consagra um direito das crianças à protecção da sociedade e do Estado, que se dirige não apenas aos poderes públicos, em geral, mas também aos cidadãos e às instituições sociais, e que necessariamente envolve, antes de mais, o dever de protecção pela própria família, incluindo os progenitores. Em articulação com esse princípio, o artigo 36º, n.º 5, consigna o direito e o dever dos pais em relação à educação e manutenção dos filhos, permitindo caracterizar um verdadeiro direito-dever subjectivo, e que implica especialmente o dever de prover ao sustento dos filhos. Qualquer dessas disposições destinam-se a assegurar o desenvolvimento integral da criança e, nessa medida, dão cobertura ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que se refere o artigo 26º, n.º 1, da Constituição (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra Editora, págs. 565 e 869). No caso, o Estado, através da Lei n.º 75/98 e do seu diploma regulamentar, veio justamente instituir uma garantia dos alimentos devidos a menores, atribuindo uma prestação social destinada a suprir as situações de carência decorrentes do incumprimento por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, dando assim concretização prática ao direito de protecção às crianças que deriva daquele artigo 69º e, mediatamente, ao direito ao desenvolvimento da personalidade a que alude o também citado artigo 26º. Não é possível, por isso, imputar à questionada norma do artigo 2º, n.º 1, a violação de qualquer dos referidos preceitos constitucionais».
Aderindo inteiramente a esta orientação jurisprudencial do TC, o colectivo do STJ, com um voto vencido, considera que a interpretação normativa do art.º 2º, 1, da Lei 75/98 , de 19 de Novembro, e 3.º, 3, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, é a de que as prestações atribuídas ao seu artigo não podem exceder mensalmente o valor equivalente a quatro unidades de conta, agora 1AS, independentemente do número de menores a que se destinem.
A referida interpretação não envolve a ofensa do disposto nos artigos 13º e 69º, nº 1, da Constituição.
Na linha do ASTJ de 4.6.2009, seguiram os Acs RL de 20 de setembro de 2007, Proc. 5846/2007-6, de 23 de outubro de 2008, Proc. 7448/2008-6, com um voto de vencido, e de 27 de outubro de 2009, Proc. 1953.0TBCSC-A.L17.
Por sua vez, seguindo a orientação do ac. STJ de abril de 2011, podem indicar-se os Acs. RP de 18 de junho de 2007, Proc. 0733397 e de 2 dezembro de 2008, Proc. 0826018, o Ac. RE de 17 de abril de 2008, Proc. 3137/07-2 e o Ac. RL de 22 de setembro de 2009, Proc. 988/07.OTMLSB.A.L1-1.
Neste acórdão argumenta-se: «entendemos que a expressão “por cada devedor” não pode significar senão … “por cada devedor”. Em primeiro lugar, perante o que dispõe o artigo 9º do Cód. Civ.. Isto é: pretender que aquela expressão significa “por cada menor” – o mesmo é dizer “por cada credor” (precisamente o sentido oposto!) – esbarra frontalmente com o nº 2 de tal artigo. Em segundo lugar, porque a expressão “devedor” aparece em vários outros preceitos (artigos 5º, 6º, 9º e 10º do DL 164/99), sem que se suscite qualquer dúvida quanto ao seu alcance: o legislador quer referir-se à pessoa judicialmente obrigada a alimentos. Argumentar com a circunstância de os diplomas em causa referirem quase sempre “o menor” (no singular) é, por um lado, esquecer que não é esse o único elemento a considerar para efeitos de fixação do montante a pagar pelo Fundo e, por outro, ignorar que, nesse preceito, também se referem “as prestações” (no plural). É certo que deverá ser fixada uma prestação para cada menor (porque podem ser diferentes as necessidades específicas de cada um, porque as diferentes idades determinarão que a cessação das prestações, por via da maioridade, ocorra em momentos diferentes, porque é concebível a hipótese de o devedor não pagar a pensão de alimentos de um dos menores na totalidade e não pagar a do outro menor apenas parcialmente, etc.). Mas não é menos certo que outros critérios são/podem ser relevantes, ainda que não respeitem directamente ao menor. Com efeito, e por um lado, a integração de mais de um menor no mesmo agregado familiar provoca economias de escala, sucedendo que, por outro, os recursos financeiros disponíveis são escassos, o que aconselha/impõe a sua repartição criteriosa pelos agregados familiares carenciados. A fixação legal de um limite máximo para o conjunto de prestações a cargo do Fundo substitutivas das prestações alimentares que por um mesmo obrigado são devidas para mais do que um menor integrados no mesmo agregado familiar não fere o disposto nos artigos 63º nº 3 e 69º nº 1 da Constituição (normas programáticas a carecer de concretização), nem se apresenta com contornos diferentes de outros limites legalmente fixados para outras prestações sociais (v.g., rendimento social de inserção ou “abono de família”). Por último também não cremos que a interpretação que perfilhamos viole o princípio da igualdade constitucionalmente assegurado. É que a situação de um único menor integrado num dado agregado familiar não é igual – e, por isso, não exige igual resposta – à de outro menor integrado em outro agregado familiar do qual também fazem parte outros menores. Como já referimos, as despesas de dois (ou mais) menores inseridos no mesmo agregado familiar são inferiores ao somatório das despesas de cada um desses menores se pertencentes a agregados familiares diferentes. Acresce que, ressalvados os casos excepcionais de rendimentos muitíssimo elevados, a regra é que quanto maior for o número de filhos, menor será o rendimento disponível e disponibilizado pelos «entendemos que a expressão “por cada devedor” não pode significar senão … “por cada devedor”. Em primeiro lugar, perante o que dispõe o artigo 9º do Cód. Civ.. Isto é: pretender que aquela expressão significa “por cada menor” – o mesmo é dizer “por cada credor” (precisamente o sentido oposto!) – esbarra frontalmente com o nº 2 de tal artigo -progenitores (mesmo que coabitem) para cada um dos filhos».
Aderimos a esta argumentação coincidente com a do ASTJ de abril de 2011.
A questão da hipotética violação do artigo 13.º da CRP, suscitada pelo MP está suficiente analisada e afastada pelo citado ATC.
Por outro lado, quase todos os códigos civis-italiano, espanhol, etc-dispõem que os textos normativos devem ser interpretados de acordo com o sentido próprio ou comum das palavras, tendo em conta o contexto.
O código português é uma excepção, porquanto preceitua que a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (artigo 9.º, 1 CC). Porém, logo precisa que o intérprete deve presumir que existe correspondência entre texto e intenção e que não está autorizado a atribuir ao legislador uma intenção que não tenha no texto um mínimo de correspondência verbal (artigo 9.º, 2 e 3).
Como bem diz o acórdão da RL acabado de citar, considerar que onde está «por cada devedor» se deve interpretar «por cada menor» – o mesmo é dizer “por cada credor” (precisamente o sentido oposto!), é violar flagrantemente o n.º 2 do artigo 9.º do CC, e, acrescentamos nós, os princípios da legalidade e da separação dos poderes, que vedam o activismo judiciário, ou, dito de outro modo, que o juiz faça de legislador.
Assim sendo, não se pode deixar de dar razão ao IGFSS quando afirma que o valor global das prestações substitutivas de alimentos a estabelecer nos presentes autos a favor dos menores T e C não pode exceder € 21,79, o qual tem de ser estabelecido anualmente em Junho em função do montante correspondente ao valor da actualização, a efectuar no mesmo mês, das prestações substitutivas pagas no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, por forma a que o limite legal de um IAS pago pelo FGADM em substituição do devedor seja respeitado.
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso, e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida no segmento em que fixou além do valor global de €21,79 (vinte e um euros e setenta e nove cêntimos) o montante das prestações substitutivas pagas pelo FGADM, que se substitui por outro segmento que fixa em €21,79 (vinte e um euros e setenta e nove cêntimos)-€10,90 (dez euros e noventa cêntimos) por cada menor, T e C - a prestação de alimentos a favor dos menores a pagar pelo FGADM, quantias que deverão ser actualizadas anualmente, de acordo com a actualização feita em junho das prestações substitutivas pagas no âmbito dos autos que correm termos sob o nº de proc. 1247/18.9T8BRR-A, do Juízo de Família e Menores do Barreiro - Juiz 2, por forma a que o limite legal, em vigor, de um IAS pago pelo FGADM em substituição do devedor seja respeitado.
No mais confirma-se a decisão impugnada.
Sem custas.
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7.06.2023
Luís Correia de Mendonça
Carla Mendes
Maria do Céu Silva