PENHORA
IMPENHORABILIDADE DO VENCIMENTO
LIMITES
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Sumário

1.  Os subsídios de natal e de férias têm, para efeitos do disposto no art.º 738.º do CPCivil, a mesma natureza dos vencimentos salariais ou pensões de reforma pelo que podem, dentro dos limites legais, ser objecto de penhora;
2. Considerando a natureza do subsídio de Natal e do subsídio de férias há-de considerar-se que da quantia de 1/3 da parte líquida da remuneração mensal, incluindo-se o subsídio de férias e de Natal na parte duodecimal respectiva, apenas é efectivamente penhorável a parte que exceder o valor do salário mínimo nacional à data.»

Texto Integral

1. Relatório
«… - Instituição Financeira de Crédito, SA», com sede…, exequente na acção executiva para pagamento de quantia certa a seguir a forma ordinária que moveu contra,
A…, residente na …,
e,
B…residente na …,
para deles haver o pagamento da quantia de € 26.379,62 (vinte e seis mil trezentos e setenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), titulada por livrança, acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, e do respectivo imposto do selo,
veio interpor o presente recurso de apelação do despacho, que considerando que a executada aufere uma pensão de reforma de valor mensal inferior ao do salário mínimo nacional e não lhe sendo conhecidos outros rendimentos, declarou que o valor pago a título de pensão de reforma, incluindo os subsídios de férias e de Natal, é impenhorável, determinando a devolução do valor penhorado em tais subsídios no ano de 2022, devendo este critério ser adoptado no que respeita à penhorabilidade dos subsídios entretanto vencidos e vincendos.
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Inconformado com tal decisão, veio o exequente do mesmo apresentar o presente recurso de apelação, alinhando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
1. O artigo 738° n.°1 do CPC determina a impenhorabilidade 2/3 do rendimento;
2. Apenas é contabilizado para apuramento deste valor, o valor líquido das prestações, pelo que, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios;
3. Considerou o douto tribunal a quo que os subsídios de férias e natal são também eles impenhoráveis, apesar de o valor auferido nos meses em questão exceder o valor do salário mínimo nacional;
4. De acordo com o tribunal a quo os subsídios de natal e de férias são direitos dos trabalhadores/cidadãos e não meros complementos facultativos, que também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo nacional;
5. O douto tribunal a quo referiu ainda que os subsídios contribuem para a garantia de uma subsistência condigna;
6. Para o tribunal a quo tais prestações são sempre impenhoráveis;
7. A ora Recorrente não se conforma com a douta decisão desde logo, porque, a impenhorabilidade de 2/3 do vencimento/pensão mensal auferida pela executada destina-se a assegurar um montante mínimo necessário à sua subsistência condigna, principio com consagração constitucional;
8. Aos subsídios deveremos aplicar os limites da lei, de impenhorabilidade 2/3 do rendimento, e não isenção de penhora;
9. Assim é admissível a penhora da parte que exceder o valor correspondente ao salário mínimo nacional uma vez que fica salvaguardado o mínimo indispensável ao sustento do devedor, conforme legalmente estabelecido;
10. Na jurisprudência, existem posições dominantes, nomeadamente a que permite a penhora dos subsídios de férias e de Natal, i.e., a corrente aquela que obteve maior aceitação na jurisprudência e deveria ter sido a adotada pelo tribunal a quo;
11. Assim deve ser entendido o valor auferido como subsídio, como um valor ou montante e não como a definição pressuposta de um determinado tipo de remuneração;
12. A previsão legal do artigo 738° do CPC, e a sua ratio legis, consistem em assegurar ao executado um montante mensal que lhe permita fazer face às despesas básicas, ou seja, a salvaguardar uma sobrevivência condigna e não deve o tribunal sobrepor-se à previsão legal;
13. O que releva para o cálculo da parte penhorável da retribuição mensal é a globalidade das prestações auferidas mensalmente;
14. Por conseguinte, constituindo os subsídios de férias e de natal prestações adicionais à retribuição mensal, deverá ser admissível a penhora da parte que ultrapassar o valor correspondente ao salário mínimo nacional, uma vez que o mínimo indispensável ao sustento do executado não é colocado em questão;
15. De acordo com a jurisprudência, tendo em conta a globalidade do rendimento, o princípio constitucional protegido pelo 738° CPC não é ferido, e a penhora dos subsídios poderá ser realizada nos limites da lei, tendo em vista a satisfação da prestação a que o credor tem direito;
16. Face ao exposto, requer-se que o despacho de 13/03/2023 seja revisto e substituída por decisão conforme à maioria da jurisprudência dos tribunais superiores, permitindo prosseguir com a penhora dos subsídios de férias e natal auferidos pela Executada por forma a satisfazer o crédito da Exequente.
Termos em que, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão do tribunal “a quo”, e deverá a douta decisão ser substituída por outra acompanhe a jurisprudência maioritária.
COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!»
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Devidamente notificada, a executada contra-alegou, alinhando as seguintes conclusões:
«V- Conclusões,
A) A norma do artigo 738, nºs 1 e 3 do CPC não foi violada, foi devidamente interpretada com dignidade e de expoente elevação máximo
A) Os subsídios de férias e natal são impenhoráveis, quando globalmente sejam inferiores ao SNM. Assim o entende a jurisprudência maioritária,
B) A penhora que recai nos subsídios de férias e Natal da Recorrida, afeta a subsistência da Recorrida
C) Os subsídios de férias e Natal são impenhoráveis, quando globalmente sejam inferiores ao SNM.
D) A pensão de velhice da recorrida recebida em duodécimos é inferior ao SMN quando dividido por 12 meses, apesar de receber 14 meses, subsídio mínimo garantido
E) A pensão de 590,21 € é o seu único meio de subsistência
F) A penhorabilidade do subsídio de ferias e de Natal da Recorrida a manter- se afeta sua dignidade
G) Devem ser os subsídios impenhoráveis, enquanto situação global e não isolada
H) O SNM é impenhorável quando esta em causa a dignidade da vida humana
I) Devem ser restituídos à Recorrida os indevidos penhorados
J) Deve ser ordenado à CNP o levantamento da penhora
K) Deve manter -se a decisão recorrida inalterada, por estar conforme a jurisprudência e ser conforme o espírito da lei do SNM
L) Deve ser assegurado à Recorrida a condição possibilidade de viver, condignamente, levantando- se a penhora nos subsídios e restituindo- se o indevido.
Termos em que, deve ser negado total provimento ao recurso e consequentemente manter -se a decisão recorrida, confirmando-a e ser ordenado a devolução dos valores indevidos recebidos e os a receber na pendencia deste, bem como, ser ordenado o levantamento imediato da penhora que incide na pensão de velhice da Recorrida,
Como é de inteira Justiça!»
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Objecto do Recurso
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC), verifica-se que cumpre decidir:
- da (im)penhorabilidade do subsídio de Natal/Férias auferido pela Executada.               
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3. Fundamentação de Facto
A matéria de facto a considerar para a decisão é a seguinte:
1) Feita a consulta aos Serviços da Segurança Social, em 5.11.21, resulta que a executada aufere a título de pensão de velhice a quantia de €590,21 ilíquidos;
2) Com data de 7.2.2022, e face à penhora efectuada sobre o sobredito montante, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de 20/01/2022:
Sendo de €590,21 o valor da pensão mensal auferida pela Executada, e, por conseguinte, inferior ao salário mínimo nacional (665 € em 2021), a dita pensão é impenhorável (artigo 738.º, n.º 3 do CPC).
Nesta sequência, por não terem sido respeitados, na penhora concretizada, os limites legais da penhorabilidade, de onde decorre a ilegalidade daquela, determina-se desde já o levantamento imediato da penhora sobre a pensão realizada, com a subsequente restituição à executada das quantias penhoradas provenientes da dita penhora.
Notifique.»
3.  Veio então atravessado nos autos requerimento da Sra. A.E. do seguinte teor:
«…Agente de Execução nomeada nos presentes autos vem no seguimento das comunicações enviadas pela Patrona da executada, …. muito respeitosamente INFORMAR e REQUERER o seguinte:
INFORMAR
- Nos presentes autos foi enviada a 05/11/2021 a notificação para penhora de pensão da executada B ao Centro Nacional de Pensões (CNP).
- Em resposta o CNP informou que a executada recebia de pensão o valor ilíquido de 590,21 euros.
- Atento a resposta do CNP, em 26/11/2021, foi lavrado o respectivo auto de penhora uma vez que seria possível a penhora nos meses em que a executada recebesse os subsídios de férias e de natal.
- Do referido auto foram as partes notificadas.
- Nos termos do artigo 738º, nº1, do Código de Processo Civil (CPC) que “São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, mais acrescentando o n.º 3 da mesma disposição legal que “A impenhorabilidade prescrita no nº1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”;
- Resulta da disposição legal citada, que é legalmente inadmissível a penhora quando dela resulte um rendimento disponível inferior ao salário mínimo nacional, por se entender ser este montante a referência para se aferir do mínimo de subsistência, tendo em atenção o princípio constitucional da dignidade humana.
- Os subsídios de férias e de natal, pela sua natureza, são penhoráveis e devem entrar na base de cálculo para a realização da penhora, sejam estes pagos pela forma habitual ou em duodécimos.
- Assim, nos termos do n.º 3 do art.º 738.º do CPC, na determinação do valor a penhorar mensalmente e considerando sempre o limite de impenhorabilidade de determinado mês deverá o Centro Nacional ter em consideração o valor de pensão acrescido do valor dos subsídios de férias e de natal, nos meses em que estes são pagos.
- Em 30/06/2022 o CNP informou que o valor da pensão em 7/2022 seria de 1.180,42 euros (pensão acrescida de subsídio de férias), conforme página 1 do documento anexo.
- Atento a informação do CNP, apesar da pensão mensal auferida pela executada ser de valor inferior ao salário mínimo nacional legalmente fixado, a verdade é que nos meses em que recebe os subsídios de férias e de natal o rendimento líquido é superior ao salário mínimo nacional e efectivamente esse é o seu rendimento disponível.
- No caso em concreto de Julho de 2022 a executada, após a penhora, recebeu o valor líquido de 866,95 euros, valor este superior ao salário mínimo nacional.
- Mais se informa que em 28/01/2022 a aqui AE não tinha tido acesso à informação do Centro Nacional de Pensões de que em Dezembro de 2021 a executada havia recebido 1.180,42 euros e por esse motivo informou V. Ex.ª que a pensão era de 590.21€.
- Contudo, em Dezembro de 2021, a executada havia efectivamente recebido o valor líquido de 786,95€, superior ao salário mínimo nacional, conforme página 3 do documento anexo
- Atento a informação prestada pela AE que desconhecia o valor líquido total recebido em Dezembro de 2021 e conforme despacho de fls. … datado de 7/2/2022 foi efectuada a devolução do valor penhorado e relativo ao subsídio de Dezembro de 2021 (393.47€).
- De acordo com o Acórdão do TC n.º 770/2014 de 12/11/2014, tendo-se decido por “(...) não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do C.P.C. [de 1961], na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante”.
- No mesmo sentido decidiu a também o Tribunal da Relação do Porto – Acórdão da RP 26/10/2020, 2165/10.4TBGDM-B.P1 – “I - Tanto o subsídio de férias como o de Natal são prestações que acrescem à retribuição habitual e, por isso, prestações penhoráveis.
II - Assim, a remuneração auferida pelo executado, acrescida de subsídio de férias ou de natal, será penhorável na proporção de um terço, nos termos do n.º 1 do artigo 738 do CPC, desde que esteja garantida a perceção do valor mensal correspondente ao salário mínimo nacional, como resulta do disposto no n.º 3 do citado artigo 738 do CPC”
Pelo exposto, e salvo opinião em contrário de V. Ex.ª, entende a aqui AE que deve ser admissível a penhora da cumulação da pensão auferida pela executada com os subsídios, nos meses em que o pagamento ocorra em simultâneo, até ao limite de 1/3 daquela soma, deduzidos os descontos legalmente obrigatórios, e salvaguardando sempre à executada o valor correspondente a uma retribuição mínima nacional em vigor no momento da apreensão.
Pelo que REQUER a V. Exª, sempre muito humildemente, que se digne ordenar o que muito superiormente entender por mais conveniente sobre a eventual devolução do valor penhorado à executada.»
4. Considerando o requerimento que se deixou transcrito em 3. foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento de 08-03-2022:
Refere a Sra. Agente de Execução que, conforme despacho datado de 7/2/2022, foi efetuada a devolução do valor penhorado e relativo ao subsídio de dezembro de 2021 (393.47€) e termina pedindo que se ordene «o que muito superiormente entender por mais conveniente sobre a eventual devolução do valor penhorado à executada».
Depreendendo-se dos elementos juntos que a Sra. Agente de Execução já procedeu à devolução do valor em causa à Executada, nada haverá a decidir quanto à “eventual devolução de tal valor”.
Assim, deverá a Sra. Agente de Execução clarificar o requerido, informando, designadamente, está em causa qualquer questão respeitante à devolução do mencionado valor ou, antes, a qualquer outro valor entretanto penhorado.»
5. Vem então informado pela Sra. A.E.:
«- Existem duas situações diversas:
1ª Quanta a devolução realizada 22/02/2022, no valor de 393,47 euros, respeitante ao subsídio de natal do ano de 2021. Que foi concretizada conforme ordenado por despacho datado de 07/02/2022.

Após esta devolução venceu-se o subsídio de férias, a ser pago pelo CNP em julho/2022.
Onde foi penhorada igualmente a verba de 393,47 euros.
Tendo a Ilustre Mandatária da Executada, solicitado a devolução do referido valor, com a justificação do despacho datado de 07/02/2022.
A aqui signatária, detém um entendimento diferente. O despacho de 07/02/2022, referia-se apenas ao subsídio de natal de 2021. E por outro lado, a quando da devolução do subsídio de natal, a aqui signatária não tinha conhecimento dos valores efetivamente auferidos pela Executada, por falta de informação do CNP, que pelo requerimento apresentado pela Executado fazia crer que esta tinha auferir de pensão valor inferior ao SMN.
O que, depois de indagar junto do CNP, e este ter respondido. Constatou -se que a quando do pagamento dos subsídios quer de natal, quer de férias a Executada aufere um valor de 1.180,42 (passível de penhora).
Que sendo descontado o valor penhorado, 393,47 euros, a Executada aufere o valor líquido de 866,95 euros (superior SMN).
Neste sentido, entende a signatária, que não há lugar a devolução de qualquer valor relativo ao subsídio de férias e natal pago em 2022.
Inclusive, a bom rigor, a Executada deveria proceder à devolução do valor devolvido quanto ao subsídio de natal de 2021, por falsas declarações, quando informa, que recebeu líquido valor inferir ao SMN, quando na verdade auferiu o valor de 866,95 euros.
Face ao exposto,
REQUER, que se pronuncie, sobre se há lugar à devolução do valor penhorado nos subsídios de férias e natal pagos no ano de 2022, bem como aos subsídios vincendos.»
6. Nessa sequência é proferido o despacho recorrido que se transcreve na íntegra:
«Requerimentos de 08-03-2022 e de 20-01-2023:
A questão da penhorabilidade dos subsídios de férias e de Natal, de montante inferior ao do salário mínimo nacional, tem merecido controvérsia na doutrina e na jurisprudência.
Está em causa, no fundo, saber de que modo deverá ser interpretado, a esse respeito, o disposto no artigo 738º do Código de Processo Civil.
Este artigo, sobe a epígrafe «Bens parcialmente penhoráveis», no que ora particularmente releva, estabelece o seguinte nos seus n.ºs 1 a 3:
«1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.».
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [cf., Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, 2014, Almedina, págs. 260-261], sustentam que os subsídios de férias e de Natal são penhoráveis nos mesmos termos em que o é a retribuição mensal, argumentando que, importando considerar a unidade do sistema jurídico (cf. artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), há que ter em atenção que o valor do salário mínimo nacional é fixado no pressuposto de ser recebido 14 vezes num ano. Concluem, por isso, que «ao fixar a retribuição mínima mensal garantida, e sabendo que será paga 14 vezes, o legislador está também a fixar o subsídio mínimo garantido (de Natal ou de férias) que acompanha o seu valor – só assim se assegurando a remuneração anual mínima pretendida», pelo que «não é social, jurídica ou matematicamente correto considerar os subsídios de Natal e de férias como rendimentos que acrescem à retribuição do mês em que são pagos, a esta se somando, esquecendo que a fixação do salário mínimo nacional também pressupõe – logo, garante – o recebimento destes subsídios obrigatórios em igual valor mínimo.».
Marco Carvalho Gonçalves [cf., Lições de Processo Civil, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, págs. 336-339], por sua vez, sustenta que da leitura dos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, bem como nos artigos 263.º, n.º 1, e 264.º, n.º 2,do Código do Trabalho, se extrai a conclusão de que as prestações pagas a título de subsídio de férias e de Natal não revestem a mesma natureza dos vencimentos, salários e prestações periódicas a título de aposentação, não podendo ser equiparadas, para efeitos da impenhorabilidade prevista no artigo 738.º, n.º 1, do CPC, aos vencimentos, salários ou prestações periódicas a título de aposentação, sendo antes «prestações complementares ou suplementares dos salários e das pensões». Conclui, assim, este autor «que os subsídiosde férias e de Natal constituem prestações penhoráveis, razão pela qual a remuneração auferida pelo executado, acrescida do subsídio de férias ou de Natal, será penhorável na proporção de um terço (art.º 738.º, n.º 1), devendo, em todo o caso, garantir-se a perceção, por parte do executado, do montante correspondente ao salário mínimo nacional, atento o disposto no art.º 738.º, n.º 3».
Na jurisprudência, existem, sobre esta matéria, essencialmente, três posições: - Uma primeira, que permite a penhora dos subsídios de férias e de Natal, se, nos meses em que estes são pagos, o seu valor, somado ao valor do vencimento ou salário recebido nesse mês, for superior ao salário mínimo Nacional, sendo penhorável na parte em que exceda tal montante [cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 11-01-2022, proferido no proc. n.º 1979/11.2TBGDM-C.P1, e de 26-10-2020, proferido no proc. n.º 2165/10.4TBGDM-B.P1, acessíveis, tais como dos demais acórdãos indicados sem outra expressa menção, a partir da hiperligação www.dgsi.pt];
- Uma segunda, entende que são impenhoráveis os subsídios de férias e de Natal quando o correspondente rendimento anual (incluindo o subsídio de Natal e de férias), dividido por doze meses, apresenta um valor inferior ao salário mínimo nacional [cf. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-05-2020, proferido no proc. n.º 41750/04.6YYLSB-A.L1-2];
- Uma terceira, que entende serem impenhoráveis, em qualquer caso, os subsídios de férias e de Natal de montante inferior ao do salário mínimo nacional [neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-06-2017, proferido no proc. n.º 114/96.0TAVLG-A.P1 e o Acórdão do o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-02-2021, proferido no proc. n.º 435/10.0TCFUN-L1-7].
Entende-se ser de sufragar esta última posição.
Com efeito, é de considerar que os subsídios de férias e de Natal estão compreendidos na garantia de remuneração do trabalho, sendo que esse pagamento, efetuado em 14 meses, integra o mínimo necessário para que, quem aufere tais rendimentos, tenha uma subsistência condigna. Assim, tais subsídios devem ser considerados impenhoráveis, seja para quem os aufere como rendimentos de trabalho, seja para quem os aufere a título de pensão.
Com efeito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28- 06-2017, acima citado, “[…] os subsídios de Natal e de férias, que são direitos do trabalhador nos termos gerais (e não complementos facultativos), também estão garantidos pela legislação que garante o salário mínimo (ver artigos 263.º, 264.º e 273.º do Código do Trabalho). Também eles se incluem na garantia de uma subsistência tida por minimamente condigna. Ou seja, essa garantia de um salário mínimo e de uma existência minimamente condigna não diz respeito apenas a doze prestações mensais por ano, mas a catorze.
Assim, os subsídios de Natal e de férias (de trabalhadores no ativo ou de pensionistas) que sejam inferiores ao montante legalmente fixado para o salário mínimo nacional serão, em qualquer caso, impenhoráveis, nos termos do artigo 738.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil.».
Ou seja, os subsídios de férias e de Natal, pagos aos trabalhadores, não têm natureza diversa da remuneração salarial.
A esse respeito, refere-se o seguinte no Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional [acessível a partir da hiperligação www.tribunalconstitucional.pt]:
«[… A]tualmente, tanto o subsídio de férias como o de Natal, quer no regime jurídico do direito privado, quer no do direito público, têm a natureza de retribuição, isto é, de contrapartida ligada ao trabalho prestado, integrando a remuneração anual.
No que respeita aos trabalhadores que exercem funções públicas, esta natureza foi reconhecida, desde logo, no Decreto-Lei n.º 372/74, de 20 de agosto, que instituiu, com caráter de obrigatoriedade, o subsídio de Natal, e criou o subsídio de férias. Conforme resulta do preâmbulo desse diploma, teve-se em vista, com o mesmo, aumentar “substancialmente os vencimentos do funcionalismo público civil”, cujo poder de compra havia sido fortemente abalado pela evolução dos preços nos anos anteriores. Ainda de acordo com o referido preâmbulo, esse aumento foi efetuado “segundo um esquema de aumentos degressivos em valor absoluto”, bem como com a instituição, com caráter de obrigatoriedade legal, do 13.º mês (subsídio de Natal) e com a criação do subsídio de férias (cujo valor era, então, equivalente a metade da remuneração mensal).
Atualmente, a ideia de que estes subsídios constituem parte da “remuneração anual”, resulta claramente do artigo 70.º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, o qual dispõe que “A remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.”[…]
De forma idêntica devem ser encarados os subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, pagos por verbas públicas aos aposentados, reformados e pré-aposentados, os quais mais não são do que prestações complementares, com a mesma natureza das prestações mensais pagas a estas pessoas, caracterizadas por uma periodicidade distinta, mas que se integram no cômputo global anual da pensão.».
Entretanto, a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, veio revogar a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (cf. artigo 42.º, n.º 1, alínea c), da referida Lei n.º 35/2014, de 20 de junho) e aprovou, em anexo, a Lei do Trabalho em Funções Públicas (cf. artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), em cujo artigo 150.º, n.º 2, no que ora releva, se manteve o conceito anterior de remuneração base, dispondo-se igualmente que «[a] remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.».
Em suma, pelas razões expostas, deverá considerar-se, para efeitos do disposto no artigo 738.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, que os subsídios de férias e de Natal, pagos aos trabalhadores e aos pensionistas, são impenhoráveis caso sejam de montante igual ou inferior ao do salário mínimo nacional.
Em face do exposto, uma vez que a Executada aufere uma pensão de reforma de valor mensal inferior ao do salário mínimo nacional, não lhe sendo conhecidos outros rendimentos, o valor pago a título de pensão de reforma, incluindo os subsídios de férias e de Natal, é impenhorável, pelo que se determina a devolução do valor penhorado em tais subsídios, no ano de 2022, devendo este critério ser adotado no que respeita à penhorabilidade dos subsídios entretanto vencidos e vincendos..
Notifique.
Comunique à Sra. Agente de Execução.»
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4. Fundamentação de Direito
Cumpre então decidir se o valor pago à executada a título de pensão de reforma por velhice, designadamente e no que à decisão da apelação interessa, no que aos subsídio de Férias e de Natal diz respeito (não lhe sendo conhecidos outros rendimentos), se tal montante é impenhorável, por singelamente considerado, ser de valor inferior ao valor do salário mínimo nacional, impondo-se, assim, proceder à sua devolução à executada.
Dispõe o art.º 738.º do CPCivil, sob os nº1 a 3 e sob a epígrafe, “Bens parcialmente penhoráveis”:
«1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.»
De acordo esta disposição legal, o conceito de vencimento ou de salário deve ser interpretado em sentido amplo tendo em atenção os artigos 258.º, n.ºs 2 e 3, e 260.º, nº 3, do Código do Trabalho, bem como o art.º 2.º, n.º 2, do CIRS. Aqui se mostram abrangidos a possibilidade de penhora, enquanto elemento integrante da retribuição dos subsídios de férias e de Natal. Cfr., neste sent. Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil”, 2.ª edição, 2018, Almedina, págs. 292-293.
Nos rendimentos periódicos aqui referidos deverão considerar-se abrangidos, entre outros, os «rendimentos de causa pessoal: rendimentos de trabalho, lato sensu, seja por conta de outrem, seja semelhante (incluindo direitos de autor), prestações sociais, como abonos, subsídios e pensões de reforma, prestações pagas regularmente a título de seguro ou indemnização». Cfr. Rui Pinto, “Notas do Código de Processo Civil”, Vol. II, pág. 34.
O subsídio de Natal está previsto no artigo 263.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (com sucessivas alterações), nos seguintes termos:
«1 - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
2 - O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:
a) No ano de admissão do trabalhador;
b) No ano de cessação do contrato de trabalho;
c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.
3 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.»
Trata-se, pois, de um direito do trabalhador. Mesmo considerando que o subsídio de Natal não integra o conceito de vencimento ou salário em sentido estrito, não pode deixar de entender-se que está abrangido pelo conceito de vencimento ou salário em sentido amplo, na linha, aliás, do previsto no CIRS: todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado. Nos termos do art.º 2.º, n.º 2, desse diploma legal, tais remunerações «compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não».
Por tal se deve considerar que os subsídios de natal e de férias têm, para efeitos do disposto no art.º 738.º do CPCivil, a mesma natureza dos vencimentos salariais ou pensões de reforma pelo que podem, dentro dos limites legais, ser objecto de penhora.
Com a redacção do art.738º do NCPC pôs-se fim à questão que se vinha pondo de saber se a penhora incidia sobre o montante líquido ou ilíquido das prestações a ela sujeitas. Agora dúvidas não subsistem que a penhora incidirá sobre o montante líquido esclarecendo o nº 2 da referida disposição legal que para apuramento da parte líquida das prestações, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
Sendo, em regra, impenhoráveis 2/3 da parte líquida da remuneração do executado, não há dúvida que, a contrario sensu, é penhorável 1/3 da parte líquida dessa remuneração.
Esta regra tem duas limitações de acordo com o art.º 738º, nº 3 do CPCivil:
A primeira limitação: o montante impenhorável não pode ser superior ao montante equivalente a 3 salários mínimos nacionais à data de cada apreensão; a segunda limitação: impõe um limite mínimo de modo a assegurar que o executado receba pelo menos uma quantia líquida equivalente ao salário mínimo nacional, neste caso condicionado ao facto da pessoa não dispor de qualquer outro rendimento.
Assim se conclui, que o montante impenhorável, ou seja, o rendimento disponível, nunca poderá ser inferior ao montante equivalente ao salário mínimo nacional (ou salário mínimo regional se for esse o caso) quando o executado não tenha outra fonte de rendimento; portanto, o rendimento líquido ou disponível do executado não pode nunca ficar abaixo do montante equivalente ao salário mínimo nacional: se isso acontecer, não pode ser efectivada a penhora.
O salário mínimo nacional visa garantir a todos os trabalhadores por conta de outrem, uma remuneração mensal mínima, tendo em vista a melhoria da situação da classe trabalhadora.
O seu valor é anualmente revisto pelo que para efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 738.º do CPCivil, haverá que levar em conta o valor em vigor à data da penhora.
Resulta dos factos provados que a executada auferiu em 2022 uma pensão de reforma de velhice no valor ilíquido de €590,21; No mesmo ano auferiu subsídio de férias e de Natal, no mesmo valor mensal, sendo que nos meses em que tal subsídio foi pago, o montante ilíquido pago foi de €1.180,42.
Considerando a natureza do subsídio de Natal e do subsídio de férias há-de considerar-se que da quantia de 1/3 da parte líquida da remuneração mensal, incluindo-se o subsídio de férias e de Natal na parte duodecimal respectiva, apenas é efectivamente penhorável a parte que exceder o valor do salário mínimo nacional à data.
In casu, está provado que nos meses em que foram pagos tais subsídios, os montantes mensais ascenderam a €1.180,42.
Assim, não tendo a Executada outros rendimentos e tendo em conta os valores comprovadamente pagos, haverá que dividir por 12 meses o valor líquido dos aludidos subsídios de férias e de Natal, a que se somarão os demais valores mensais líquidos pagos título de pensão de reforma. A esse montante se atenderá para verificar se é inferior ao salário mínimo nacional em 2022 e, portanto, impenhorável. In casu, é certo, que o valor pago à executada a título de pensão por inferior ao salário mínimo nacional, não está sujeito a descontos.
Feita a indicada operação aritmética obtemos um total de €8.262,94 que, dividindo por 12 meses totaliza o valor de €688,57/mês.
O Decreto-Lei n.º 109-B/2021, de 7 de Dezembro veio fixar retribuição mínima mensal garantida (RMMG) a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2022 em território continental em €705. Cfr. art.3º.
Resulta assim que o valor auferido pela executada a título de pensão de velhice é inferior ao salário mínimo nacional e, portanto, impenhorável.
Em face do exposto, ainda que por distinta fundamentação, confirma-se a decisão recorrida.
Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas do presente recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPCivil).
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5. Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Registe e Notifique.
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Cristina da Conceição Pires Lourenço
Rui Pinheiro de Oliveira