I- O caso julgado abrange a parte decisória do despacho/sentença, mas sendo a decisão a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, incide sobre tal silogismo no seu todo, isto é, sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão, enquanto questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
II- Quanto a tais questões preliminares, importa distinguir a sua dimensão interpretativa, geralmente aceite, em termos objetivos, relativos ao pedido e causa de pedir, que não estendendo a eficácia do caso julgado a toda matéria apreciada enquanto motivos objetivos da sentença, constituam o antecedente lógico indispensável da parte dispositiva, da respetiva consideração autónoma.
III- Os fundamentos de facto da sentença quando autonomizados da mesma, não adquirem valor de caso julgado.
IV- Ao Desembargador relator, que tramita todos os termos da instância recursiva distribuída e até final, a quem o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal foi apresentado, compete ordenar a subida do recurso, se a tal nada obstar, sendo o requerimento indeferido, se entender que a decisão não admite recurso, foi interposto fora do prazo, ou o requerente/recorrente carece das condições necessárias para recorrer.
V- A decisão proferida, se admitir o recurso, não vincula o tribunal superior e não pode ser impugnada pelas partes, enquanto aquela que não o admita pode ser impugnada através de reclamação.
VI- A rejeição do recurso deve resultar da análise do requerimento e respetivas alegações apresentados, tal como foram delineadas pelas partes, numa apreciação que passa pela sua leitura e atendimento dos preceitos legais atendíveis no concerne à admissibilidade do recurso particular em causa, e assim não pode necessariamente importar no conhecimento do mesmo, reservado para o Tribunal superior.
VI- A devida aferição do pedido recursório no concerne à sua admissibilidade, incumbe ao relator do Tribunal superior a quem o processo for distribuído, que não se limitando ao simples assentimento, não implica de modo algum, o conhecimento do mérito do recurso.
VII- Quando houver reclamação contra o indeferimento, é distribuída ao Conselheiro relator que profere decisão que o admita ou mantem o despacho reclamado, pelo que se a reclamação for deferida, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o fará subir.
Reclamação n.º 3158/11.0TJVNF-N.G1-A.S1
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – RELATÓRIO
Resulta da certidão eletrónica remetida, bem como da consulta de elementos processuais efetuada no Citius:
1. Por sentença de 23 de novembro de 2011 foi declarada a insolvência de POUSADACONSTRUÇÕES, LDA.
2. Em 16.02.2012 veio a Senhora Administradora da Insolvência (AI) juntar ao processo o auto de apreensão dos bens da Insolvente, reportado a 9.02.2012, relativamente a bens imóveis, verba n.º 1 – prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...77, verba n.º 2, prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...78, e bens móveis – Apenso A.
3. Por sentença de 5.09.2013 foi homologada a lista de credores apresentados pela AI, julgando-os verificados, e procedeu-se à respetiva graduação – Apenso D.
4. Em 26.11.2012, (Apenso E) AA e mulher BB vieram interpor ação para a verificação ulterior de créditos e eventualmente separação de bens contra a Insolvente, credores da massa insolvente e massa insolvente, pedindo que a) fossem verificados os créditos dos Autores, um deduzido condicionalmente, no montante de 174.579,26€, o qual tem a natureza garantida, outro de 90.000,00€, com a natureza de crédito comum, a serem graduados em local próprio; b) na hipótese de os prédios cuja transmissão de propriedade para os Autores se reclama se encontrarem apreendidos para a Massa, declarada a sua separação e a restituição dos Autores.
4.1. Em 23.11.2015 foi proferida sentença julgando improcedente o pedido de separação e restituição aos Autores dos bens apreendidos para a massa insolvente sob os n.ºs 1 e 2 do auto de apreensão e em litígio, prosseguindo os autos para o conhecimento do demais peticionado.
4.2. Admitida a ampliação do pedido dos Autores quanto a alínea a) verificados os créditos dos Autores supra referidos, no montante de 285.527,46€, com a natureza de créditos garantidos e serem graduados no local próprio, em 28.04.2016, foi proferida sentença, na qual se consignou provado com relevância:
A - No processo n.° 3158/11.0TJVNF, do ... Juízo Cível do Tribunal Judicial desta comarca ...), a que os presentes autos estão apensos, a sociedade por quotas Pousaconstruções, Lda., foi declarada insolvente, conforme sentença produzida no dia 23 de Novembro de 2011, e já transitada em julgado, tendo sido nomeada como administradora da insolvência a Senhora Dr.ª CC, com escritório na Rua ..., 21, 1.°, nesta cidade.
B - Em 27 de Julho de 1999, a Ré Pousaconstruções, Lda., representada pelo seu sócio gerente com poderes para o ato, DD e os aqui Autores, celebraram por escrito um contrato promessa de compra e venda (doc. n° ... junto aos autos no apenso de reclamação de créditos dos aqui Autores, com cópia a fls. 104 a 106 deste), contrato esse que por vontade das partes, nele declarada, constitui parte integrante e complemento de um outro, no mesmo dia celebrado entre as mesmas partes – fls. 48 a 50.
C - Nesse contrato, os aí outorgantes declararam que por escritura pública nesse dia outorgada no 1° Cartório Notarial ..., entre os Autores e a referida Pousaconstruções, Lda., foi celebrado um contrato de compra e venda através do qual os Autores venderam à citada Pousaconstruções, Lda. pelo preço de 30.000.000$00, que não foi pago, os seguintes prédios que lhes pertenciam:
1) ... com ramada, situado no Lugar ... ou ..., da freguesia ..., concelho ..., com a área de 5838 m2, a confrontar de Norte com EE, de Sul com a estrada, de Nascente com FF e de Poente com GG, HH e II, inscrito na matriz rústica sob o artigo ...12 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ...99 (fls. 77/78);
2) Prédio urbano de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 92 m2, uma dependência com 10 m2 e quintal com 600 m2, situada no mesmo Lugar ... ou ..., da indicada freguesia ..., a confrontar de Norte com o ..., de Sul e Poente com caminho público e de Nascente com JJ, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...44 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ...99 (fls. 75/76).
D - Tais prédios integravam-se no património dos Autores, em cujo nome se encontravam registados na Conservatória do Registo Predial ... (cf. documentos a fls. 76 e 78).
E - Esse contrato formal de compra e venda constituía apenas uma parte do compromisso outorgado pelas mesmas partes, representando a expressão da vontade das partes nele outorgantes, como aí declararam, o dever de pagamento do preço pela Pousaconstruções, Lda., representado por bens futuros a construir pela mesma Pousaconstruções, Lda.
F - A Ré Pousaconstruções, Lda., nos termos do contratado, prometeu vender aos Autores, dando desde logo quitação integral do preço, e os Autores prometeram comprar-lhe, duas casas geminadas, localizadas no extremo nascente dos terrenos vendidos pelos Autores pela citada escritura, casas essas a construir nos lotes n°s 9 e 10 devidamente assinaladas em planta anexa ao contrato e que dele se declarou parte integrante (cf. documento n.° ... já referido).
G - Conforme o referido contrato-promessa, a Ré Pousaconstruções, Lda. obrigou-se a construir tais casas, nos prédios adquiridos aos Autores pela referida escritura, construção que teria lugar de acordo com caderno de encargos próprio conhecido pelas partes, sendo as casas exatamente iguais às restantes que iam ser construídas pela Pousaconstruções, Lda., no local.
H - Tais casas seriam, e foram efetivamente, dotadas de cave, com garagem para 3 automóveis, rés-do-chão com sala, cozinha, casa de banho completa, marquise e despensa e 1.° andar com 3 quartos, um com quarto de banho privativo e um outro quarto de banho para os restantes quartos, correspondendo aos lotes n°s 9 e 10 do loteamento referido.
I - A Pousaconstruções, Lda. no contrato-promessa, parte integrante da escritura, conforme a vontade das partes, obrigou-se ainda a entregar tais casas aos Autores construídas e prontas a habitar no prazo de 2 anos após o levantamento da licença de construção na Câmara Municipal ..., levantamento esse que teve lugar no dia 30 de Janeiro de 2001 – fls. 54 a 61.
J - Os Autores e a Ré Pousaconstruções, Lda., conferiram às respetivas declarações nesse contrato consignadas a eficácia de execução específica, prevista no artigo 830° do Código Civil – fls. 50,cláusula seis.
K - A Pousaconstruções, Lda. obrigou-se, outorgando já como reconhecida proprietária dos imóveis em causa, que registou a seu favor, a celebrar futuramente a favor dos Autores a escritura definitiva de que o mesmo contrato era promessa, escritura essa que, nos termos referidos, devia ser outorgada até ao dia 30 de Janeiro de 2003, com a entrega das citadas casas até essa mesma data.
L - A Pousaconstruções, Lda., não entregou aos AA as referidas casas até 31 Janeiro de 2003, apesar de as ter construído efetivamente no local e conforme o loteamento por si requerido e aprovado.
M - A Pousaconstruções, Lda., em 31 de Janeiro de 2003, tinha os prédios construídos e prontos, há muito requerera para os mesmos licença de habitabilidade, ou de utilização, que lhe foi concedida pela Câmara Municipal ... em 27/10/2003 – fls. 68/69.
N - Além disso, a Pousaconstruções, Lda., já inscrevera tais prédios na matriz urbana, tendo-lhes sido atribuídos os artigos, ...77... e ...78° (fls. 71/72 e 73/74) urbanos de ..., ..., que assim se descrevem:
Art°. 1277
Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público e poente com lote 8, de cave, rés do chão e 1° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1° andar – fls. 129/130.
Art°. 1278
Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público e poente com lote 9, de cave, rés do chão e 1° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1° andar – fls. 131/132.
O - Os Autores resolveram propor no Tribunal Judicial ... uma ação, à qual viria a caber o n° 664/03.... e que correu termos pela ... Vara Cível – fls. 106.
P - Na petição inicial dessa ação, os Autores pediram a condenação da identificada Pousaconstruções, Lda. a, verificado o incumprimento do contrato-promessa, ver lavrada sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial desta última, operando a transmissão da propriedade dos prédios em causa dela para os Autores, completamente livres de ónus e encargos.
Q - Os Autores promoveram o registo dessa ação na Conservatória do Registo Predial ..., em 13 de Julho de 2005 – fls. 88 e 92.
R - A referida ação foi contestada pela Pousaconstruções, Lda., sustentando esta que retardou a entrega das casas, porque o seu compromisso de por essa forma pagar o preço devido, deveria ser modificado,
S - na medida em que, ao celebrar a escritura de compra e venda dos mencionados prédios, no que respeita ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...12, ela representara um terreno com a área de 5838 m2, área essa que para si fora determinante em relação à assunção das obrigações que para ela resultavam do contrato (pagamento de 30.000.000$00, com entrega de duas casas geminadas e de 22% da construção futura), mas constatara, posteriormente, que esse prédio tinha, afinal, uma área menor, apenas 5111 m2, já que os restantes 727 m2 pertenciam antes a um prédio vizinho, propriedade de um irmão do Autor marido, a quem essa Ré teve de os comprar para poder concretizar o projeto de loteamento que tinha para o local.
T - Daí pretender a Ré uma redução proporcional da sua contraprestação, em relação ao referido contrato, para o que deduziu reconvenção, que obteria provimento em 1.ª instância, pois a ação foi julgada improcedente e a reconvenção procedente, sendo em consequência os Autores condenados a verem modificado o contrato referido, "por forma a que o preço aí consignado, relativamente ao primeiro dos prédios descritos (prédio rústico denominado ..., situado no Lugar ... ou ..., freguesia ... deste concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...38, de ... e inscrito na matriz sob o artigo ...12) seja reduzido na proporção da área em falta").
U - Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que foi julgado parcialmente procedente, com a consequência de se ter então decidido, além da improcedência da reconvenção:
"Julgar procedente o pedido formulado pelos Autores e consequentemente comprovado que se mostre o cumprimento das respetivas obrigações fiscais, declara-se que a Ré Pousaconstruções, Lda. cede aos Autores AA e KK, por permuta - na sequência do contrato de compra e venda celebrado em 27.7.1999 (…) a propriedade dos seguintes prédios urbanos de ...:
(artigo 1277) Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público e poente com lote 8, de cave, rés- do-chão e 1 ° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés-do-chão e três divisões e duas casas de banho no 1 ° andar;
(Art°. 1278) Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público e poente com lote 9, de cave, rés-do-chão e 1 ° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés-do-chão e três divisões e duas casas de banho no 1.° andar".
V - Imediatamente após a notificação desta decisão, a Ré Pousaconstruções, Lda., procedeu à entrega das chaves dos dois prédios aos Autores, Autores estes que, em consequência da mesma decisão, procederam à regularização fiscal das transmissões.
X - No dia 16 de Agosto de 2010, a Pousaconstruções, Lda., vendeu, com destino à construção urbana, à sociedade “G..., SA”, com sede no Edifício ..., Rua ..., ..., freguesia ..., do concelho ..., que se dedica a obras de construção e urbanização, mediante o pagamento do preço, conforme declararam, de 50.000,00 €, a totalidade do prédio rústico denominado “... ou ...”, com a área de 3711 m2, sito no lugar ..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...12, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...38 - ..., conforme escritura pública lavrada no Cartório Notarial ..., situado na Rua ..., Edifício ..., ..., nesta cidade ....
Y - O prédio vendido pela Pousaconstruções, Lda., constitui a parte sobrante do prédio transmitido pelos Autores à referida Pousaconstruções, Lda., e em relação ao qual esta se comprometera a, em complemento ainda do preço devido, entregar aos Autores ou aos seus herdeiros legais 22% da construção a edificar, conforme cláusula QUATRO a), a fls. 49.
Z - Na escritura referida, esse prédio, que constitui a parte remanescente das construções já efetuadas pela Ré nos 10 lotes que compunham o loteamento, foi declarado possuir a área de 3711 m2.
AA - A referida venda, só por si, tornou impossível, como direta e necessária consequência, o futuro cumprimento, nessa parte, da obrigação assumida pela Pousaconstruções, Lda., perante os Autores de lhes pagar ainda, em complemento do preço devido, com a entrega de 22% da construção futura.
BB - A Ré interpusera recurso daquele acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, produzido em 5 de Janeiro de 2010, para o Supremo Tribunal de Justiça.
CC - O Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu acórdão de 13 de Janeiro de 2011, viria a conceder parcialmente a revista da Ré, absolvendo-a do pedido de execução específica do contrato-promessa acionado e, "não se proferindo, consequentemente, a declaração em falta, e confirmando-se o acórdão recorrido quanto ao mais", isto é, confirmando-se a improcedência da reconvenção deduzida pela referida Ré - cf. docs de fls. 118 a 138.
DD - Segundo o aí decidido, o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça formulou as seguintes conclusões e resumo:
"- A interpelação do promitente faltoso no âmbito do contrato promessa, para a concretização da sua prestação, designadamente para a realização da escritura referente ao contrato definitivo, é dispensável sempre que ocorra recusa expressa e antecipada, por parte deste, ao seu cumprimento.
A alteração superveniente e anormal das circunstâncias que estiveram na base das negociações e formação do contrato promessa, designadamente na fixação das contrapartidas, justificam a modificação do contrato de forma a restabelecer-se o equilíbrio contratual inicial, quando delas resulta injustificada diminuição da prestação de uma das partes.
- O promitente, que ainda não tenha cumprido integralmente a sua prestação, pode, perante a exigência do seu cumprimento pelo outro promitente, opor a este a exceção de não cumprimento resultante da diminuição da sua prestação em consequência da alteração anormal e superveniente das circunstâncias que estiveram na base das negociações e formação do contrato promessa até que, por modificação do contrato, seja reposto o equilíbrio entre as respetivas contraprestações" – fls. 137 v.º e 138
EE - O Supremo Tribunal de Justiça julgou definitivamente fixados os seguintes factos que teve por assentes, e que se vão transcrever integralmente, com saliência dos que mais relevam para efeitos desta ação: fls. 107 a 127.
"1 °- A aquisição, por partilha judicial de LL e MM do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em ... ou ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ° ...38, matricialmente inscrito sob o artigo ...12, foi inscrita, em 14 de Maio de 1999, a favor de AA, casado com NN (alínea A) dos factos assentes).
2°- A aquisição, por partilha judicial de LL e MM, do direito real de propriedade sobre o prédio urbano, sito em ... ou ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ° ...39, matricialmente inscrito sob o artigo ...44, foi inscrita em 14 de Maio de 1999, a favor de AA, casado com NN (alínea B) dos factos assentes).
3°- AA e KK, por um lado, e DD, em representação da sociedade comercial com a firma Pousaconstruções Lda., por outro, declararam, por escritura pública, no dia 27 de Julho de 1999, os primeiros venderem à representada do segundo, o que este declarou aceitar para a sua representada, os seguintes prédios:
1) Pelo preço de 15.000.000$00, já recebido, o prédio rústico denominado ..., situado no Lugar ... ou ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ° ...38 e matricialmente inscrito sob o artigo ...12;
2) Pelo preço de 15. 000. 00$00, já recebido, o prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, dependência e quintal, situado no Lugar ... ou ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ° ...39, e matricialmente inscrito sob o artigo ...44 (alínea C) dos factos assentes).
4° - AA e KK, por um lado, e DD, em representação da sociedade comercial com a firma Pousaconstruções Lda., por outro, declararam, por escrito, datado de 27 de Julho de 1999, que intitularam de "Contrato-Promessa" que:
"Um - Que, por escritura desta data, outorgada no 1 ° Cartório Notarial ..., entre os primeiros e a representada do segundo outorgante, foi celebrada uma Escritura de Compra e Venda, em que os primeiros venderam à firma Pousaconstruções Lda., representada pelo segundo outorgante, os prédios referidos naquela escritura, pelo preço de 30.000.000$00 (Trinta milhões de escudos);
Dois - A referida escritura concretiza, em parte, o Contrato-Promessa de Compra e Venda assinado pelos outorgantes em 05 de Maio de 1999;
Três - No entanto, a parte que se refere ao pagamento com bens futuros, cujo objetivo não se concretizou pela referida escritura, irá ser feita pela seguinte forma:
a) A representada do segundo outorgante entregará as primeiros outorgantes por venda, duas casas geminadas, localizadas no extremo nascente, devidamente assinaladas na planta anexa e que faz parte integrante deste contrato;
b) As casas atrás referidas irão ser construídas nos prédios transmitidos nesta data;
c) As casas a entregar aos primeiros outorgantes, referidos na alínea a), serão construídas de acordo com o caderno de encargos a elaborar e que serão exatamente iguais às restantes casas que irão ser construídas;
d) A entrega das casas atrás referidas será feita no prazo de dois anos, após o levantamento da licença de construção na Câmara Municipal ...;
Quatro - Também em relação ao número cinco do Contrato-Promessa outorgado em 05 de Maio último, não foi aquele ponto concretizado na escritura outorgada hoje, pelo que a representada do segundo outorgante obriga-se desde já ao seguinte:
a) A parte do terreno objeto da escritura de Compra e Venda assinada nesta data que não será construída de imediato, dada a inviabilidade de construção nesta oportunidade, fica sujeita à entrega aos primeiros ou aos seus herdeiros legais, de 22% da construção a edificar, no caso de, no futuro, se concretizar essa possibilidade;
b) A parte do terreno referida na alínea anterior está devidamente assinalada na planta anexa e que faz parte integrante do presente contrato;
c) Concretizando-se a futura construção na parte do terreno referida na alínea a), a casa ou casas a entregar aos primeiros outorgantes serão localizadas nos extremos dos lotes a construir (...);
Seis - Pelos outorgantes é dito que atribuem às respetivas declarações deste contrato a eficácia de execução específica, prevista no artigo 830° do Código Civil " (alínea D) dos factos assentes).
5° - As casas referidas em 4 ° seriam dotadas de cave, com garagem para três automóveis, rés-do-chão com sala, cozinha, casa de banho completa, marquise e despensa, e 1 ° andar com 3 quartos, um com quarto de banho privativo e outro quarto de banho privativo e um outro quarto de banho para os restantes quartos (alínea E) dos factos assentes).
6° - A aquisição por compra do direito real de propriedade sobre o prédio urbano sito em ... ou ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° ...39, matricialmente inscrito sob o artigo ...44 encontra-se inscrita, desde 11 de Agosto de 1999, a favor de Pousaconstruções Lda. (alínea F) dos factos assentes).
7° - Numa área de 2892,00 m2 dos prédios referidos em 3° - 1) e 3°- 2), a Ré Pousaconstruções Lda. levou a efeito um projeto de loteamento, a que correspondeu o alvará ...0, para a constituição de 10 lotes, tendo em vista a construção de outras tantas habitações unifamiliares (alínea G) dos factos assentes).
8° - A licença de construção respeitante a esse projeto foi levantada em 30 de Janeiro de 2001 (alínea H) dos factos assentes).
9° - As habitações referidas em 7° já se acham edificadas (alínea I) dos factos assentes).
10° - A Diretora do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal ..., em cumprimento do despacho do Vereador com poderes subdelegados, OO, datado de 14 de Maio de 2003, exarado no requerimento registado no departamento de Administração Geral sob o n° D-303, datado de 5 de Maio de 2003, em que AA requeria a emissão de certidão onde constasse se os prédios construídos ao abrigo dos alvarás de licença de construção números ...01, ...02, ...01 e ...2, lotes n°s 9 e 10 do alvará de loteamento n° ...0, possuem licença de utilização, certificou, em 14 de Maio de 2003, que os prédios licenciados pelos alvarás de construção números 112/2001, 933/2002, 113/20001 e 1098/02, lotes números 9 e 10, do alvará de loteamento número ...0, não possuem licença de habitação (alínea J) dos factos assentes).
11 °- Na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio referido em 3.° - I) encontra-se descrito como tendo a área de 5838 m2 (alínea Z) dos factos assentes).
12 °- Na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio referido em 3.°. 2) encontra-se descrito como tendo a área de quintal de 600 m2 (alínea M) dos factos assentes).
13 °- No processo de inventário judicial n ° 90/98, requerido por óbito de LL e MM, a cabeça-de-casal relacionou, sob a verba n ° 10, um prédio rústico, ... em ramada, sito no Lugar ... ou ..., com a área de 7500 m2, a confrontar do norte e poente com GG, do sul com HH e do nascente com estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...12, e relacionou, sob a verba n° 11, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no Lugar ..., com a área coberta de 92 m2, dependência com 10 m2 e quintal com 600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...84, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...44 (alínea N) dos factos assentes).
14°- A referida cabeça-de-casal relacionou, ainda, sob a verba n ° 12, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no Lugar ..., com a área coberta de 36 m2, dependência com 7 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de LL, e do sul com ..., parte do descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...47, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...29, e relacionou, sob a verba n°13, um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, dependência e quintal, sito no Lugar ..., com área coberta de 41 m2, dependência com 8 m2 e quintal com 100 m2, a confrontar do norte, nascente e poente com herdeiros de LL e do sul com ... de fora, parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...47, inscrito na matriz sob o artigo ...30 (alínea O) dos factos assentes).
15° - II e PP intentaram, em 27 de Outubro de 1999, por apenso ao processo de inventário n° ...8, ação declarativa, com processo ordinário, contra QQ, RR, SS, TT, AA, KK, UU, VV, WW e XX, que, sob o n° 162/00, correu termos na ... Vara Mista de ..., pedindo a condenação dos réus a procederem à emenda da partilha, quanto à área dos quintais dos prédios urbanos descritos nas verbas números 12 e 13, a verem retificadas, no título, as descrições daquelas verbas, por forma a constar, na verba n° 12, que o quintal tem a área de 637 m2 e, na verba n°13, que o quintal tem a área de 331 m2 (alínea P) dos factos assentes).
16° - Por sentença, confirmada por Acórdãos da Relação de Guimarães de 18 de Junho de 2003 e do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2004, a ação referida em 15.° foi julgada parcialmente procedente, determinando-se, em consequência, a emenda da partilha a que se procedeu por óbito de LL e MM, por forma a ficar a constar, na verba n° 12 da relação de bens, que o quintal tem a área de 390 m2 e, na verba n° 13 dessa relação, que o quintal tem a área de 337 m2 (alínea Q) dos factos assentes).
17° - Na ação referida em 15.° ficaram assentes, entre outros, os seguintes factos:
1. No dia 17 de Dezembro de 1998, realizou-se a conferência de interessados;
2. Nessa conferência, os interessados acordaram que os prédios relacionados sob as verbas n°s 10 e 11 eram adjudicados ao interessado AA e que os prédios relacionados sob as verbas n°s 12 e 13 eram adjudicados ao interessado II;
3. Por sentença de 29 de Janeiro de 1999, transitada em julgado, foi homologada a partilha, adjudicando-se aos interessados os respetivos quinhões;
4. Os prédios relacionados sobre as verbas números 12 e 13 encontravam-se separados do prédio relacionado sob a verba n° 10 por um muro de suporte existente, a nascente daqueles dois primeiros prédios;
5. Todos os interessados (...) tinham conhecimento que cada uma das áreas dos quintais dos prédios relacionados sob as verbas números 12 e 13 abrangia todo o terreno que em cada um deles se estendia até ao muro sito a nascente;
6. A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n ° 12, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia, é de 390 m2;
7. A área de quintal do prédio relacionado sob a verba n° 13, tendo como limite, a nascente, um muro que aí existia é de 337 m2;
8. Após o trânsito em julgado da sentença referida em 17. °-3., o réu YY derrubou o muro referido em 17. ° - 4 (alínea R) dos factos assentes).
18° - A ré Pousaconstruções, Lda. requereu para os prédios ou casas referidas em 7.° as licenças de habitabilidade ou utilização, que foram concedidas pela Câmara Municipal ... por alvarás números 1914/2003 e 1915/2003, de 21 de Outubro de 2003 (alínea S) dos factos assentes).
19° - A ré Pousaconstruções, Lda. inscreveu esses prédios na matriz urbana, tendo-lhes sido atribuídos os artigos ...77 e ...78 urbanos de ... com a seguinte descrição:
artigo 1217 Sito na lugar ..., ..., confrontando, de norte, com Pousaconstruções, Lda. e FF, de sul, com caminho público, de nascente, com FF e terreno do domínio público e, de poente, com lote 8; cave, rés-do-chão e 1 ° andar, destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1.º andar;
artigo 1278 Sito no lugar ..., ..., confrontando, de norte, com Pousaconstruções, Lda. e FF, de sul, com caminho público, de nascente, com FF e terreno do domínio público e, de poente, com lote 9; cave, rés do chão e 1.º andar, destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1.º andar (alínea T) dos factos assentes).
20 - Autores e ré Pousaconstruções, Lda. atribuíram às duas casas geminadas referidas em 4° - Três o valor de 35 000 000$00, a que corresponde o atual contravalor de € 174 579,26 (alínea T) dos factos assentes).
21 - Na sequência da carta junta a fls. 192, remetida pelo ilustre mandatário dos autores à ré, o sócio- gerente desta assinou e remeteu aos autores a carta junta a fls. 163 (resposta aos quesitos 3° e 4°)
22 - Ao celebrar a escritura referida em 3°, relativa ao prédio identificado em 3° - I), a ré representou um terreno com a área de 5 838 m2, que se estendia para além do muro que aí existia (resposta ao quesito 6°)
23 - Foi nesse pressuposto que acordou as contrapartidas referidas nessa escritura (resposta ao quesito 7°).
24 - E acordou as contrapartidas discriminadas em 4. ° Três a) e 4. ° - Quatro a) (resposta ao quesito 8°).
25 - A ré Pousaconstruções, Lda. optou por não proceder à entrega das casas referidas em 4. ° - Três a) até se apurar das consequências decorrentes da ação referida em 15. ° (resposta ao quesito 9°)
26 - A ré Pousaconstruções, Lda. prometeu a venda referida em 4.° - Três dando, desde logo, quitação integral do preço aos autores (resposta ao quesito 11°).
27 - A ré Pousaconstruções, Lda. protelou a entrega dos imóveis (resposta ao quesito 13°).
28 - O prédio rústico referido em 3° - I) possui, a menos, a área que, sensivelmente, corresponde à projetada em amarelo no documento junto a fls. 79 dos autos do processo apenso (resposta ao quesito 14°).
FF - O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi objeto de um pedido de aclaração e de uma arguição de nulidades, tendo os Exmos. Julgadores consignado, em resposta a esses pedidos, que "o contrato-promessa persiste nos precisos termos em que foi elaborado, enquanto não for cumprido ou modificado" – fls. 140 a 144 do apenso F.
GG - Os Autores, sabendo da produção da sentença que decretou a insolvência da Pousaconstruções, Lda., logo em 19 de Março de 2012 abordaram a Senhora Administradora da Insolvência propondo-se com ela, em cumprimento do dito acórdão do Supremo, que transitaria em julgado apenas em meados de Abril, negociar extrajudicialmente a fixação do preço devido na sequência do aludido contrato de permuta, para o que propunham que se desse por compensada a obrigação dos Autores de verem modificada a sua prestação, com o crédito destes sobre a Insolvente de receberem 22% da construção a edificar.
HH - Até hoje não foi, porém, possível obter qualquer posição definitiva da Massa Insolvente, apesar de variadas interpelações e conversações, mas em 11.10.2012 a Ex.ma Administrador solicitou a entrega das chaves dos prédios, o que os AA. recusaram.
II - As partes - Autores e Ré Pousaconstruções, Lda. - estão condenadas, por sentença transitada em julgado, a fixarem entre si o necessário a restabelecer o equilíbrio das prestações no referido contrato.
JJ - Os Autores propuseram, após a notificação da decisão definitiva do STJ, à Administradora da Insolvência, e com vista ao cumprimento daquela decisão, alterar o contrato inicial, por forma a receberem os dois referidos prédios e renunciarem à indemnização que lhes seria devida pela impossibilidade de, atenta a venda do prédio pela Ré Pousaconstruções, Lda., receberem os 22% de construção futura que lhes era devido.
KK - Porém, a demandada Administradora da Insolvência viria, embora muito tardiamente, a recusar essa possibilidade de transação.
LL - Os imóveis litigados foram apreendidos para a insolvência em 9.2.2012, constituindo as verbas 1 e 2 do respetivo auto de apreensão.
Da audiência de discussão resultaram provados os seguintes factos:
1 - Depois de construídas as casas e porque não foram entregues aos AA, estes interpelaram a Pousaconstruções, Lda., pessoalmente e por diversas vezes após 31/1/2003, para que designasse qualquer Cartório, data e hora para a escritura, e para que lhes entregasse a posse, uso e fruição das casas, mas sem sucesso.
2 - Depois de lhes serem entregues as chaves das casas pela Pousaconstruções, Lda. – al. V – os AA ocuparam os prédios, fazendo-os seus, no mês de Janeiro de 2010.
3 - Desde então, os Autores, a quem a Ré Pousaconstruções, Lda., fez a entrega das chaves dos referidos prédios, encontram-se na posse dos mesmos prédios, com ânimo de quem usa e frui coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo-a à vista de toda a gente, incluindo os Réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado.
4 e 5 - Aquando da entrega e da ocupação dos prédios pelos Autores, constataram estes que os mesmos apresentavam defeitos de construção e de conservação que imediatamente denunciaram à Pousaconstruções, Lda.
6 - Na Casa construída no lote n.° 9:
a) Cave-Garagem:
I - O pavimento não possuía revestimento de acabamento, encontrando-se em cimento.
II - As paredes apresentavam-se manchadas e com a tinta a descascar, devido às águas provenientes do pavimento.
III - O portão não possuía automatismo.
…
d) Exterior:
…
II - A habitação e as caixilharias, por expostas à ação do tempo, sem utilização, precisavam de uma limpeza geral.
III - Os logradouros precisavam de desmatação e limpeza, visto que se encontravam pejados de vegetação com altura superior a um metro.
7 - Na Casa construída no lote n.° 10:
a) Cave - Garagem:
I - O pavimento não possuía revestimento de acabamento
II - As paredes apresentavam-se com algumas infiltrações de humidades ascensionais, provenientes da caixa de visita existente no logradouro localizado a nascente.
….
IV - O portão não possuía automatismo.
…
d) Exterior:
II – A habitação e as caixilharias e vidros precisavam de uma limpeza geral.
III. - Os logradouros precisavam de desmatação e limpeza, tal como na habitação anteriormente referida.
IV - O muro posterior não foi executado.
8 e 9 - Em consequência do exposto, os Autores exigiram à Pousaconstruções, Lda., dias após a entrega dos prédios, a eliminação dessas deficiências e erros de construção e, por isso, que a Pousaconstruções, Lda., realizasse as obras adiante descritas.
10 - Ante evasivas e falsas promessas dessa Ré, tiveram eles de fazer as obras.
11 - Na casa construída no lote n.° 9 os AA. procederam às seguintes obras:
a) Cave - Garagem:
I - Execução de grelha entre o passeio e o início da rampa de acesso à garagem, para minimizar a entrada das águas da chuva provenientes do passeio;
II - Revestimento do pavimento com tijoleira cerâmica de acordo com o descrito no mapa de acabamentos;
III - Colocação de automatismo no portão da garagem;
IV - Verificação e correção dos aros e porta de madeira, devido às humidades;
V - Limpeza e pintura geral.
b) Rés-do-chão:
I – no Alpendre da entrada foi criado pendente no pavimento para evitar acumulação de águas,
II – procedeu-se à raspagem e envernizamento do teto de madeira
III – e a uma limpeza geral no interior,
IV - bem como ao envernizamento das madeiras (escadas e pavimentos) e correção de imperfeições.
c) Andar:
I – Procederam os AA à retificação da fissura na parede e pintura geral do quarto
II – a uma limpeza geral do interior,
III – ao envernizamento das madeiras (escadas e pavimentos) e correção de imperfeições.
d) Exterior:
I - Após lavagem geral com máquina de pressão, todos os muros foram decapados para posteriormente serem pintados.
II – Procederam os AA à pintura de fachadas.
III – As caixilharias e vidros precisavam de uma limpeza geral.
IV – Havia a necessidade de verificar se existiam obstruções nos caleiros e chaminés e se havia deslocação de telhas, como sucedia.
12 - Na casa construída no lote n.° 10:
a) Cave - Garagem:
I – Procederam os AA. ao revestimento do pavimento com tijoleira cerâmica de acordo com o descrito no mapa de acabamentos,
II – colocaram automatismo no portão da garagem,
III - resolveram eficientemente as infiltrações provenientes da caixa localizada no logradouro a nascente,
IV – bem como procederam à limpeza e pintura geral.
b) Rés-do-chão:
I – No Alpendre da entrada criaram os AA. pendente no pavimento para evitar acumulação de águas,
II – procederam à raspagem e envernizamento do teto de madeira
III – e à limpeza geral do interior,
IV – bem como ao Envernizamento das madeiras (escadas e pavimentos) e correção de imperfeições.
c) Andar:
I – Procederam os AA à retificação das fissuras nas paredes e pintura geral do quarto,
II – bem como à limpeza geral do interior,
III – ao envernizamento das madeiras (escadas e pavimentos) e correção de imperfeições.
d) Exterior:
I – Mandaram os AA. executar o muro de vedação Nascente/Norte.
II - Após lavagem geral com máquina de pressão, todos os muros foram decapados para posteriormente serem pintados.
II – Os AA. mandaram proceder à pintura geral das fachadas.
III - As caixilharias e vidros precisavam de uma limpeza geral.
IV - Havia necessidade de verificar se existiam obstruções nos caleiros e chaminés e se havia deslocação de telhas.
14 - Estas obras podiam ter sido executadas pelo preço de 18.191,70 €, já incluindo IVA a 23%.
16 - O terreno onde seria executada construção de que os AA. reclamam 22% situa-se, de acordo com o PDM ..., em “...”.
17 - A venda total da construção aí possível valeria 385.000,00 €uros, de que 22% são 84.700,00
18 - A Pousaconstruções, Lda., adquiriu ao vizinho cerca de 740 m2.
19 - O valor do metro quadrado do terreno assim adquirido é de 83,75 €uros.
21 - A então Massa Insolvente da "Pousaconstruções", após a notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pediu a devolução das chaves dos imóveis aos AA.
Não se provaram os seguintes factos:
13 - Na execução destas obras despenderam os AA. cerca de 30.000,00 €?
15 - Porque deixaram definitivamente de receber a parte do preço correspondente aos referidos 22% da construção, os Autores tiveram um prejuízo mínimo de 60.000,00 €, considerando a perda que sofreram, não apenas em relação ao valor do terreno, mas também em relação ao valor da construção que aí podia e pode ser efectuada, e à percentagem dessa construção a que os Autores teriam direito, em espécie ou em valor?
20 - Pela compra do terreno do prédio vizinho a II e mulher pagou a Pousaconstruções, Lda., a quantia de 7.000.000$00 ou 34.915,85 €uros?
22 - A Pousaconstruções Lda., jamais logrou obter licenciamento para construção no prédio vendido a “G..., SA?
23 - A Ré vendeu a parte sobrante como prédio rústico à referida sociedade "G..., Lda.", face à sua impossibilidade de obter licenciamento urbano?
Foi proferida a seguinte decisão :
A – Julgo reconhecido e verificado o crédito dos Autores sobre a insolvência, do montante de 174. 579,26 €uros;
B – Reconheço e declaro que este crédito dos Autores está garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no artº 755º, nº 1, alínea f) e 759.º, do Código Civil, sobre os seguintes bens imóveis:
Artigo 1277
Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público e poente com lote 8, de cave, rés do chão e 1° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1° andar – fls. 129/130.
Art°. 1278
Sito no Lugar ..., ..., confrontando de norte com Pousaconstruções, Lda. e FF, sul com caminho público, nascente com FF e terreno do domínio público
e poente com lote 9, de cave, rés do chão e 1° andar destinado a uma habitação, composto por garagem na cave, uma divisão, cozinha, casa de banho e despensa no rés do chão e três divisões e duas casas de banho no 1° andar – fls. 131/132.
C – Mando que este crédito dos Autores seja pago pelo produto da venda dos imóveis identificados na alínea anterior, após graduação do mesmo crédito, nos termos dos art.ºs 759 e 751, ou seja, a seguir a privilégios especiais mas antes de eventual crédito hipotecário, ainda que ainda que este tenha sido antes registado.
D) – Mais reconheço aos AA. o crédito comum de 90.916,70 €uros, a ser pago com os mais créditos comuns, rateadamente, se necessário.
5. Em 27.11.2012, (Apenso F) AA e mulher BB vieram interpor ação contra a Insolvente, credores da massa insolvente e massa insolvente, pedindo que: a) a Ré Insolvente, e assim a massa insolvente têm o dever de cumprir o contrato-promessa de compra venda celebrado entre aquela primeira Ré e os Autores em 27 de julho de 1999, após a sua modificação segundo juízos de equidade; b) verem modificado o contrato-promessa em causa segundo juízos de equidade, por forma a que seja atribuída à Massa Insolvente uma importância em dinheiro correspondente ao valor efetivo do terreno que a Ré ora insolvente alega ter pago a II, valor a liquidar no decurso do processo, por arbitramento ou afinal, em execução de sentença, em substituição da declaração de quitação feita por essa Ré no contrato celebrado em 27 de Julho 1999; c) fixado o valor a considerar em numerário em substituição da quitação dada pela Ré insolvente, e verificado o incumprimento dos contratos, verem lavrada sentença que opere a transmissão da propriedade dos dois prédios para os Autores; d) verem compensado o crédito da Ré insolvente, mencionada na alínea b), com o conta crédito que os Autores têm sobre ela em resultado da impossibilidade culposa de cumprimento pela Ré insolvente da obrigação de entregar 22% da construção possível na parte restante do prédio, valores esses a liquidar por arbitramento no decurso do processo ou em execução de sentença; e) Reconhecerem que a Ré Insolvente e a massa insolvente não pode optar pelo incumprimento do contrato ou em alternativa para o caso de se entender que a massa insolvente pode recusar o cumprimento e o faça, f) serem os Réus condenados a reconhecer que os Autores, porque obtiveram a tradição dos prédios que lhe deviam ser entregues em pagamento do preço acima referido, e porque a Insolvente não cumpriu total ou parcialmente o contrato ajuizado, gozam do direito de retenção sobre esses prédios, com preferência a quaisquer outros credores, pelo crédito resultante do incumprimento no montante de 174.579,26€ e que vier a ser apurado na venda dos seus prédios.
5.1. Por sentença de 23.11.2015 foi julgado improcedente o pedido de execução específica do contrato promessa em litígio, bem como verificada a litispendência, absolvendo os RR do pedido, confirmada por Acórdão da Relação de Guimarães de 23.06-2016.
6. No âmbito da Liquidação (Apenso K) os Recorrentes/reclamantes adquiriram os imóveis em referência por Escritura Pública de 5.03.2020, sendo a liquidação encerrada em, 16.03.2020.
7. Em 26.02.2021 foram aprovadas as contas apresentadas pelo AI – Apenso L.
8. No processo principal a AI por requerimento de 19.05.2021 veio informar que aquando a elaboração do mapa de rateio final apercebeu-se que o valor das rendas das verbas 1 e 2 que os compradores, ora Reclamantes, tinham de devolver à massa, ainda não fora entregue, e que iria afetar o rateio a efetuar, ia insistir junto do seu Mandatário.
8.1. Em 1.07.2021 a AI solicitou a notificação dos compradores por não ter sido satisfeito o pedido.
8.2. Por requerimento de 8.07.2021 vieram os ora Reclamantes dizer que nada deviam, alegando que em 5.03.2020 tinham comprado os imóveis que arrendaram em data anterior à respetiva aquisição, ficando saldadas as contas dos mesmos com a vendedora, massa insolvente, mais aludiram que na ação que interpuseram (Apenso E), foi reconhecido o seu crédito sobre a insolvente, garantido por direito de retenção, sendo que ficaram na posse pública, contínua, pacífica e de boa fé dos imóveis, cujas chaves lhe foram entregues, pela agora insolvente, em janeiro de 2010, na sequência de ação interposta pelos mesmos para que a sentença produzisse os efeitos da declaração faltosa, quanto à transferência da propriedade dos ditos imóveis, verificando-se que a matéria de facto provada naquela ação faz inequivocamente caso julgado contra a insolvente.
8.3. Foi proferido o Despacho de 15.09.2021, que não aceitando as razões invocadas pelos Reclamantes, determinou que procedessem à entrega do valor das rendas percebidas, indevidamente.
9. Inconformados, vieram os Reclamantes interpor recurso de Apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido o Acórdão de 2.02.2023, que decidiu:
“(…) os Requeridos/Recorrentes procedam à restituição à Massa Insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos dos bens imóveis que integram as Verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, rendas essas que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI, relativos mesmos bens, que os Requeridos/Recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas.”
10. Novamente inconformados, vieram os Recorrente interpor recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça mencionando no seu requerimento de recurso, ser o recurso admissível ao abrigo do regime regra do recurso de revista, sempre devendo ser recebido tendo como fundamento a violação de caso julgado, nos termos do art.º 629, n.º 2, a), do CPC, e caso se entenda não existir, deverá subsidiariamente ser considerado a propositura de um recurso de revista excecional, conforme o disposto no artigo 672, n.º1, a), b) e c) também do CPC, de acordo com as considerações explanadas.
10.1. Nas suas alegações formulam as seguintes conclusões: (transcritas)
1ª – Os ora recorrentes, enquanto proprietários de um prédio rústico venderam-no em 27 de julho de 1999, à agora insolvente Pousaconstruções, Lda., que nele pretendia construir um loteamento, sem recebimento imediato de qualquer preço, que ficou representado pela entrega futura de duas moradias integradas nesse loteamento, mas, concluídas as moradias, a compradora recusou a sua entrega, pretendendo forçar uma redução do preço.
2ª – Demandada judicialmente para proceder à entrega, o tribunal de primeira instância reconheceu à empreiteira esse direito à redução do preço, mas, em recurso de apelação, a empreiteira veio a ser condenada a entregar de imediato aos recorrentes essas duas moradias, ao que procedeu em janeiro de 2010, com entrega das respetivas chaves, facto que os recorrentes aproveitaram para, regularizada fiscalmente a transmissão, tomarem conta dos prédios, que estavam carecidos de obras destinadas à sua conclusão, que fizeram, dando-os posteriormente de arrendamento a terceiros, e embolsando as respetivas rendas.
3ª – Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça revogou a decisão da Relação que determinara a entrega dos prédios e a empreiteira Pousaconstruções, Lda. requereu a sua insolvência, que veio a ser declarada judicialmente em processo em que as casas em causa foram apreendidas para a massa insolvente, em 9 de fevereiro de 2012, tendo os recorrentes requerido no processo, na impossibilidade de transmissão formal da propriedade dos imóveis, a verificação dos seus créditos sobre a massa insolvente, que deu origem ao apenso E) no qual foi produzida sentença, em 28 de abril de 2016, julgando reconhecido e verificado o crédito dos recorrentes sobre a insolvência, no montante de €174.579,26, reconhecendo a sentença desse crédito ficava garantido por direito de retenção dos referidos imóveis.
4ª – A mesma sentença de verificação de créditos (apenso E), fixou os seguintes factos materiais com interessavam para a decisão:
- “depois de lhes serem entregues as chaves das casas ela Pousaconstruções, Lda., os autores ocuparam os prédios, fazendo-os seus, no mês de janeiro de 2010.”
-“Desde então, os autores, a quem a ré Pousaconstruções, Lda. fez a entrega das chaves dos referidos prédios, encontram-se na posse dos mesmos prédios, com ânimo de quem usa e frui coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo à vista de toda a gente, incluindo os réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado.”
- “desta factualidade resulta: (…)
II- a entrega das chaves está assente (…) entrega a que se seguiu a posse com animus sibi habendi”.
5ª – Na sequência, a administradora da insolvência decidiu vender essas moradias aos recorrentes, com dispensa de pagamento de parte de preço, dando-lhes quitação integral e sem reserva, em escritura notarial junta aos autos, ficando, em consequência, os prédios em causa definitivamente propriedade dos recorrentes, a quem, finalmente foi pago o preço da transmissão inicialmente referida.
6ª - Inesperadamente, a administradora de insolvência, muito depois veio requerer que os recorrentes entregassem à massa insolvente o valor das rendas recebidas pelo arrendamento desses imóveis desde a data da sua apreensão até à data da venda efetiva, o que os recorrentes recusaram com o argumento de que tinham direito ao valor dessas rendas e tinham obtido quitação sem reserva do que lhes era devido, pretensão que, no entanto, foi indeferida por despacho em que se defendeu que os recorrentes, após a apreensão dos bens para a massa insolvente, ficaram sendo possuidores de má fé, pelo que não tinham direito aos frutos da coisa, nem o direito de retenção lhes concedia o direito de arrendar.
7ª - Desse despacho apelaram os recorrentes, pedindo a revogação da decisão, por serem possuidores de boa fé, e arguindo a comissão pela primeira instância de duas nulidades, ambas por omissão de pronúncia, porque haviam alegado e sobre essa alegação a primeira instância não se pronunciara que haviam obtido quitação integral do que eventualmente por eles fosse devido, com a escritura de compra e venda, e porque o tribunal não cumprira, devendo fazê-lo, o dever de comunicar aos serviços fiscais as irregularidades fiscais do comportamento da massa insolvente, em violação do artigo 272.º n.º 2 do CPC.
8ª – O acórdão recorrido julgou a apelação parcialmente procedente, por ter entendido que os recorrentes só deviam proceder à restituição do valor das rendas dos imóveis arrendados após dedução dos pagamentos de IMI correspondentes, e julgou ocorrerem as apontadas nulidades que, porém, entendeu não merecerem outras consequências, limitando, nessa parte, a decisão a “declarar a nulidade da decisão recorrida (despacho de 15/09/2021) por omissão de pronúncia”, sem decisão expressa da matéria que fora suscitada e que dera origem às invocadas exceções, rematando, surpreendentemente, com a condenação dos recorrentes nas custas totais.
9ª - Para assim decidir, o acórdão recorrido, em termos de direito, sustentou que o direito de retenção dos recorrentes não lhes concedia o poder de utilizar os prédios, porque os recorrentes eram meros depositários dos imóveis e “detentores em nome de outrem”, cabendo assim à massa insolvente o direito de embolsar as rendas por eles recebidas, e quanto à fixação dos factos materiais da causa, decidiu, apenas que “os factos que relevam para a presente decisão são os que se encontram descritos no relatório que antecede” (isto é, o auto de apreensão de bens de 9/02/2012, ação declarativa de condenação, apenso E), entrada em 26/11/2012, o teor da decisão no despacho saneador dessa mesma ação, o requerimento da administradora de insolvência no apenso K) pedindo a entrega das rendas e o despacho recorrido).
10ª – Dessa decisão vem interposto o presente recurso de revista, através do qual os recorrentes pretendem a revogação da decisão recorrida, com decisão no sentido de que têm o direito de fazer suas as rendas recebidas, por serem possuidores de boa fé dos imóveis, tendo o acórdão recorrido violado o caso julgado, por negar veementemente, e contra a verdade, que aos recorrentes havia sido reconhecida essa qualidade de possuidores de boa fé, para além de entenderem que as matérias a que se referem as nulidades reconhecidas à sentença carecem de decisão expressa e, por último, sem esquecer a errada decisão recorrida quanto a custas, por falta absoluta de fixação dos factos materiais da causa.
11ª – Com efeito, no que se refere ao conhecimento das nulidades imputadas à decisão recorrida, o acórdão recorrido limitou-se a declarar a existência dessas nulidades, o que se afigura enfermar de dois vícios manifestos de que importa conhecer (por um lado, alude apenas a uma nulidade, quando se trata de duas, e não julga procedentes nem improcedentes as questões que devia analisar, em concreto a de saber se a declaração de quitação dada na escritura de venda era quanto bastava para impedir a massa insolvente de reclamar o pagamento das rendas, e, por outro lado, embora parecendo reconhecer que ocorreu incumprimento do disposto no artigo 274.º n.º 2 do CPC, não decide, nem determina, coerentemente, que seja comunicado às autoridades fiscais o manifesto incumprimento da massa insolvente.
12ª – E no que se refere à fixação da matéria de facto, a remissão para o que consta do relatório enferma também de dois vícios: um, resultante da manifesta insuficiência dessa matéria de facto, outro resultante da necessidade de completa decisão e análise da matéria de facto que foi fixada no apenso de reclamação de créditos e que é extremamente relevante para a decisão, que acabou por negar uma evidência que só a falta de leitura dessa matéria pode explicar (refere-se que “em nenhum momento foi reconhecido” aos recorrentes “um direito de posse (e muito menos de boa fé) sobre tais imóveis”, quando esse direito de posse, de boa fé, e até de animus rem sibi habendi estavam expressamente declarados na sentença, como se demonstrou).
13ª - Esse processo de fixação de factos viola manifestamente o disposto nos artigos 662.º e 663.º do CPC, e o Supremo Tribunal de Justiça tem competência, que se lhe pede que exerça, para decidir e analisar sobre esse prisma a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, o que significa que, salvo o devido respeito, a decisão nessa parte é, pelo menos nula, e o reconhecimento desta nulidade tem uma de duas possíveis consequências: ou se anula a decisão recorrida para que o processo baixe à segunda instância, e aí, em nova decisão, veja fixados os factos em regra, ou este Tribunal de revista procede desde já ao julgamento do fundo da questão completando os factos que a segunda instância já fixou e aditando-lhes aqueles que indevidamente omitiu.
14ª – Com efeito, na execução pela Relação do dever de julgar a matéria de facto, dever que está constitucionalmente consagrado no artigo 205.º da CRP, a Relação deve proceder como se julgasse em primeira instância (acórdão do STJ de 8 de janeiro de 2015, proc. 3719/10, Sumários, janeiro/2015, pág. 9), o que o acórdão recorrido não fez, e só se o tivesse feito ficaria assegurado plenamente, nessa parte, o duplo grau de jurisdição que a lei exige, pelo que os recorrentes, a fim de ser avaliado o mérito desta crítica procederem à transcrição integral da matéria de facto constante da sentença de 28/04/2016, salientando a que se lhe afigura mais relevante e, após essa transcrição, e a partir dela, sustentaram, transcrevendo-a, aquela que, a seu ver, deve ser fixada em definitivo, aceitando aquela que, embora deficientemente já consta do acórdão recorrido e aditando-lhe 26 factos (que aqui se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais).
15ª – Desse conjunto de factos, embora a título meramente exemplificativo, os recorrentes consideram imprescindível que se tenha por assente a matéria que consta dos números 5, 8, 22, 23, 24 e 25, que se afigura para melhor inteligibilidade deverem ser transcritos:
5- F - A Ré Pousaconstruções, Lda., nos termos do contratado, prometeu vender aos Autores, dando desde logo quitação integral do preço, e os Autores prometeram comprar-lhe, duas casas geminadas, localizadas no extremo nascente dos terrenos vendidos pelos Autores pela citada escritura, casas essas a construir nos lotes n°s 9 e 10 devidamente assinaladas em planta anexa ao contrato e que dele se declarou parte integrante (cf. documento n.° ... já referido).
8- L - A Pousaconstruções, Lda., não entregou aos AA as referidas casas até 31 Janeiro de 2003, apesar de as ter construído efetivamente no local e conforme o loteamento por si requerido e aprovado
22- LL - Os imóveis litigados foram apreendidos para a insolvência em 9.2.2012, constituindo as verbas 1 e 2 do respetivo auto de apreensão.
23- 1 - Depois de construídas as casas e porque não foram entregues aos AA, estes interpelaram a Pousaconstruções, Lda., pessoalmente e por diversas vezes após 31/1/2003, para que designasse qualquer Cartório, data e hora para a escritura, e para que lhes entregasse a posse, uso e fruição das casas, mas sem sucesso.
24 -1 - Depois de lhes serem entregues as chaves das casas pela Pousaconstruções, Lda. – al. V – os AA. ocuparam os prédios, fazendo-os seus, no mês de Janeiro de 2010.
25- 3 - Desde então, os Autores, a quem a Ré Pousaconstruções, Lda., fez a entrega das chaves dos referidos prédios, encontram-se na posse dos mesmos prédios, com ânimo de quem usa e frui coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo-a à vista de toda a gente, incluindo os Réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado.
16ª – Em matéria de julgamento de direito, importa insistir em que os recorrentes compraram, por escritura de compra e venda celebrada em 05/03/2020, à Massa Insolvente da Pousaconstruções, Lda., dois prédios urbanos, mas essa compra não é mais do que o pagamento do que lhe era devido, tendo-lhes na escritura a Massa Insolvente concedido integral quitação, pelo que não faz qualquer sentido a atitude da administradora da insolvência ao pretender que eles procedam à entrega à Massa das rendas que em momento anterior à escritura eles haviam arrecadado, por estarem na posse dos prédios, que lhes fora transmitida pela proprietária em momento anterior à declaração de insolvência, que teve lugar por sentença de 23 de Novembro de 2011.
17ª – A afirmação da primeira instância, mantida pelo acórdão recorrido, segundo a qual, em resumo, a ocupação dos imóveis, a partir da data da apreensão dos bens para a Massa Insolvente, que ocorreu em 9 de Fevereiro de 2012, teve como consequência que os recorrentes passaram a possuir os bens de má fé, sendo deles meros detentores, o que confere à Massa Insolvente, nos termos dos artigos 1271º e 212º nº2 o direito de fazer seus os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse, sendo as rendas frutos civis, é frontalmente desmentida pelo conjunto de factos ignorados pelas instâncias, mas que estas deviam ter considerado.
18ª – Na sua pronúncia, os recorrentes invocaram, por um lado, que a quitação integral e sem reserva dada na escritura de compra impedia a Massa Insolvente de posteriormente fazer qualquer exigência, e, por outro lado, a impossibilidade de exigência do que quer que fosse aos recorrentes sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, em obediência ao disposto no artigo 274º nº 2 do Código do Processo Civil.
19ª – Arguiram assim os recorrentes duas nulidades, previstas pelo artigo 615º nº1 alínea d) do Código do Processo Civil, por omissão de pronúncia, nulidades que pretendiam que na procedência do recurso fossem conhecidas e, em consequência, que se julgasse a Massa Insolvente já concedeu quitação integral do devido e nada mais pode exigir, mais a mais quando o processo já está em fase de rateio, e, por outro lado que a pretensão da Massa Insolvente teria, de qualquer modo, de levar o tribunal a comunicar aos serviços fiscais a violação dos seus deveres tributários, uma vez que não participou quaisquer rendas nem pagou o IMI correspondente, que, pelo contrário, foi suportado pelos recorrentes.
20ª – Não é, porém, possível duvidar sequer que os recorrentes sempre tiveram a posse pública e de boa fé dos prédios em questão, e não apenas porque isso foi decidido com trânsito em julgado no processo nº 3158/11.OTJVNF-E, apenso a este, mas também porque todo o seu comportamento processual visou a satisfação de um direito inegável – o direito a receberem o preço que lhe era devido.
21ª – De resto, ainda que fossem considerados possuidores de má fé isso não os obrigava a devolver o valor das rendas recebidas, mas apenas a devolver o valor dos rendimentos, se os houvesse, uma vez que o artigo 215º do Código Civil determina que quem for obrigado por lei à restituição de frutos tem direito a ser indemnizado das despesas efetuadas para os obter e, no caso, os recorrentes para poderem arrendar as casas, como arrendaram, tiveram de fazer nelas obras de adaptação ao arrendamento e de pagar, ano a ano, o Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente.
22ª - Com efeito, encontra-se provado no processo E apenso, por sentença de 28 de Abril de 2016, o conjunto de factos acima transcritos, o que significa que, não obstante a apreensão dos prédios, por decisão transitada em julgado, muito posterior à apreensão, os recorrentes foram depois julgados como possuidores de boa fé (artigo 1260º nº1 do Código Civil e acórdãos da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 1979, BMJ 284,286 e do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1980, BMJ 293,378).
23ª – A circunstância de os recorrentes terem de ser considerados como possuidores de boa fé significa que a sua posse se encontra a coberto da doutrina do artigo 1270º do Código Civil, que lhes confere o direito de fazer seus os frutos civis correspondentes a essa posse, e daí o direito de não os atribuírem à Massa Insolvente, que não tem qualquer direito a percebê-los.
24ª – Mas ainda que os recorrentes fossem, em violação expressa do decidido, considerados possuidores de má fé, a decisão recorrida nunca seria justificável porquanto ignorou o disposto no artigo 215º do Código Civil que dispõe que quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem o direito de ser indemnizado das despesas necessárias para esses frutos serem obtidos, desde que essas despesas não sejam superiores ao valor dos frutos, naturais ou civis, o que tem como consequência que se os recorrentes tivessem, por serem possuidores de má fé, de entregar à Massa Insolvente o valor das rendas recebidas, teriam o direito de da Massa Insolvente receber o valor das despesas efetuadas para poderem fazer frutificar os prédios.
25ª – De resto, essa posição jurídica dos recorrentes e a sua total boa fé foi bem reconhecida nos autos, no referido apenso E), decisão transitada em julgado que limpidamente refere:
a) “Aquando da entrega e da ocupação dos prédios, pelo autores, constataram estes que os mesmos apresentavam defeitos de construção e de conservação que imediatamente denunciaram à Pousaconstruções, Lda.”, o que levou os recorrentes a, ante a inércia da empreiteira, levar a cabo nos prédios obras indispensáveis ao seu arrendamento posterior (pavimentos na garagem, manchas nas paredes, pintura, limpeza geral dos prédios, desmatação, falta de automatismo no portão, falta de muros de vedação), que a mesma sentença transitada em julgado descreveu e julgou necessárias, fixando-lhes o preço de 18.191,70€;
b) Os recorrentes após receberem as chaves dos dois prédios, “procederam à regularização fiscal das transmissões”, o que significa que, conforme aliás está provado também, os recorrentes ficaram desde então a pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis correspondente.
26ª – Sem prescindir, conforme a mesma sentença, (alíneas GG, HH, II, JJ e K) ficou inteiramente provado que os recorrentes sempre pretenderam negociar com a administradora de insolvência a fixação de um novo preço de venda, a alteração do contrato, o que ela sempre recusou.
27ª – Por último, tendo a decisão recorrida julgado o recurso parcialmente procedente, em caso algum se admitia que os recorrentes tivessem suportado a totalidade das custas, decisão que, por isso, nunca poderia ser sufragada.
Termos em que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que:
a) pronunciando-se sobre a matéria de facto, determine a baixa do processo à instância recorrida para, em novo julgamento, e após adequada e canónica fixação dessa matéria, nos termos preconizados, se proceda a novo julgamento da causa à luz desses factos,
ou, quando se entenda que o Supremo pode desde já julgar essa matéria, proceda à fixação dessa matéria de facto;
b) e, desde já ou posteriormente, se julgue inteiramente procedente provado o requerido pelos ora recorrentes, a quem deve ser reconhecido o direito de fazerem suas as rendas percebidas em relação aos prédios que adquiriram.
11. O Senhor Desembargador relator não admitiu o recurso de revista, consignando:
“1.Relatório
Nos presentes autos, em 02/02/2023, foi proferido Acórdão com o seguinte decisório: “Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Requeridos/Recorrentes e, em consequência, mais decidem:
1) Declarar a nulidade da decisão recorrida (despacho de 15/09/2021) por omissão de pronúncia;
2) E em substituição do Tribunal a quo, determina-se que os Requeridos/Recorrentes procedam à restituição à Massa Insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos dos bens imóveis que integram as Verbas nºs. 1 e 2 do Auto de Apreensão, rendas essas que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriram os bens (05/03/2020), às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI, relativos mesmos bens, que os Requeridos/Recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas.
Custas do recurso pelos Requeridos/Recorrentes”.
Através de requerimento apresentado em juízo na data de 20/02/2023, os Requeridos/Recorrentes vieram interpor recurso para o Supremo Tribunal da Justiça invocando que o «recurso é de revista-regra e como tal deve ser recebido, uma vez que vai interposto de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que conheceu do mérito da causa, e sempre deveria ser como tal recebido, por, além do mais, ter como fundamento, nos termos do artigo 629º n.º 2, alínea a) do CPC, ofensa de caso julgado», e mais invocando que: «Sem prescindir, os recorrentes pretendem precaver-se contra a possibilidade de vir a ser entendido que essa violação do caso julgado, apesar de evidente, não vir a ser considerada existir. Para essa hipótese, o recurso seria ainda admissível, e como tal deve subsidiariamente ser entendido o presente requerimento, como revista excecional, não obstante o acórdão recorrido ter dado parcial provimento ao recurso de apelação»
2. Fundamentação
Constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, o recurso pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu. Mas nenhum sistema comporta em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso de toda e qualquer decisão judicial, sendo necessário estabelecer limites à possibilidade de interposição de recurso, fixando critérios[1].
Ora, os Recorrentes pretendem interpor o presente recurso olvidando, por completo, que o mesmo respeita a um processo especial de insolvência e que, neste tipo de processo, o recurso de revista tem um regime específico previsto no art. 14º do C.I.R.E., que o afasta das regras comuns da revista previstas no C.P.Civil de 2013 (incluindo a revista excecional prevista no art. 672º)[2].
Prescreve o aludido art. 14º do C.I.R.E. (na parte que aqui releva): “1. No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”.
Decorre, clara e inequivocamente, deste normativo que os Tribunais da Relação são, por regra, a última instância em processos de insolvência, dada a natureza urgente do processo em causa (art. 9º do C.I.R.E.), e, por via disso, para que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) seja chamado a pronunciar-se, orientando a jurisprudência em tais tipos de processos, é necessário concluir, previamente, que existe uma frontal oposição de entendimentos (expressos em dois acórdãos) sobre a aplicação de determinada solução legal, e que tal divergência se projeta decisivamente no modo como os casos foram decididos[3].
Como se decidiu no Ac. do STJ de 10/12/2019[4]: “I. O artigo 14º, 1, do CIRE estabelece uma regra de não admissibilidade de recurso para o STJ, em terceiro grau de jurisdição, em litígios respeitantes a decisões, finais ou interlocutórias, relativas ao processo de insolvência, desde que tramitadas endogenamente ou por incidente, com exceção do apenso legalmente contemplado na parte final do art. 14º, 1. II. A revista é exclusivamente admitida no art. 14º, 1, do CIRE para a oposição de julgados e, sendo restritiva, afasta o regime geral recursivo e as impugnações gerais excecionais previstas pelo art. 629º, 2, do CPC”.
Portanto, a intervenção do STJ nestas matérias está reservada para as hipóteses em que se demonstre a clara oposição de decisões dos tribunais da Relação prevista no citado art. 14º, cabendo ao recorrente o ónus de demonstrar tal oposição[5].
No caso em apreço, o recurso que foi interposto para este Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) respeita a uma decisão (datada de 15/09/2021) proferida pelo Tribunal de 1ªInstância nos autos principais de processo especial de insolvência, decisão que incidiu sobre a questão da existência, ou não, da obrigação dos Requeridos/Recorrentes restituírem à Massa Insolventes o valor das rendas que receberam relativamente aos imóveis que adquiriram na respetiva liquidação, e que foi no sentido da existência da obrigação de restituição.
Tal recurso foi objeto de decisão através acórdão deste TRG, proferido na data de 02/02/2023, o qual, para além do mais, considerou existir a obrigação de restituição do valor total das rendas, mas devendo ser deduzido o valor total dos pagamentos de IMI (os Requeridos/Recorrentes obtiverem, portanto, procedência, embora parcial, no seu recurso).
É deste acórdão, proferido pelo TRG, que os Requeridos/Recorrentes pretendem interpor o presente recurso para o STJ, o que lhes está legalmente vedado pelo disposto na 1ªparte do art. 14º do CIRE (“No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”), normativo este que, como supra se explicou, afasta a aplicação dos processos de insolvência regras comuns do recurso de revista previstas nos arts. 671º, 629º/2 e 672º do C.P.Civil de 2013.
Como resulta do teor do requerimento de interposição de recurso, os Requeridos/Recorrentes fundamentam a impugnação judicial no “regime-regra da revista”, ou seja, nos termos do art. 671º do C.P.Civil de 2013, que é inaplicável, e na ofensa do caso julgado previsto no art. 629º/2a) do mesmo diploma legal, que é igualmente inaplicável. Assim sendo, a decisão (acórdão do TRG) que pretendem impugnar, não admite recurso de revista.
E embora deduzam subsidiariamente um recurso de revista excecional, analisando os fundamentos do mesmo, verifica-se que os Requeridos/Recorrentes não identificam nem concretizam que aquele acórdão do TRG está em oposição com outro, proferido por algum dos Tribunais das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito (isto é, a obrigação dos Requeridos/Recorrentes restituírem à Massa Insolventes o valor das rendas que receberam relativamente aos imóveis que adquiriram na respetiva liquidação), pelo que não está preenchida a situação prevista na 2ª parte do art. 14º do CIRE (único caso em que seria admissível o recurso para o STJ).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, porque nos processos de insolvência os Tribunais da Relação são, por regra, a última instância (cf. 1ªparte do art. 14º do C.I.R.E.) e porque não está preenchido o único caso de recorribilidade prevista na 2ªparte do art. 14º do C.I.R.E., o acórdão que se pretende impugnar é irrecorrível e, por via disso, impõe concluir-se, de forma tão inequívoca quanto manifesta, que o recurso em apreciação é legalmente inadmissível, e, por via disso, nos termos do art. 641º/2a) do C.P.Civil de 2013, o presente recurso não deve ser admitido.
Não sendo o recurso admissível, deverão os Requeridos/Recorrentes suportar as respetivas custas judiciais (cf. art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013).
3. Decisão
Face ao exposto, nos termos do art. 641º/2a) do C.P.Civil de 2013, por não ser legalmente admissível, decide-se não admitir o presente recurso de revista interposto pelos Requeridos/Recorrente relativamente ao acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães na data de 02/02/2023.
Custas pelos Requeridos/Recorrentes. Notifique-se.”
12. Os Recorrentes/reclamantes não concordando com essa decisão vieram apresentar a presente reclamação, na qual formularam as seguintes conclusões: (transcritas)
1ª – No processo principal, n.º3158/11.... do ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., a sociedade por quotas Pousaconstruções, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 23/11/2011, há muito transitada em julgado, e na sequência dessa declaração de insolvência, em processo por apenso, foi produzida sentença de reclamação de créditos (apenso D) em 6/09/2013, há muito transitada em julgado, foram prestadas contas da administradora, notificadas aos interessados em 26/02/2021, foi vendido todo o património apreendido e, com o produto da venda, foram efetuados pagamentos aos credores, determinados por despacho judicial, transitado em julgado.
2ª – Após esses sucessivos momentos processuais, a administradora da insolvência requereu no processo principal a notificação dos ora reclamantes – credores a quem fora reconhecida a natureza de privilegiados e de titulares de direito de retenção sobre dois imóveis que haviam adquirido à massa insolvente e que representavam o preço que lhes era devido pela venda do solo onde esses imóveis foram construídos – para pagarem à insolvente o valor das rendas que haviam percebido pelo arrendamento desses imóveis, entre a data da apreensão dos mesmos para a massa insolvente e a data da escritura de venda.
3ª – Esse requerimento foi deferido, com o fundamento de que os reclamantes eram apenas, nesse período, detentores dos imóveis e possuidores de má fé, pelo que não podiam fazer suas as rendas recebidas, que deviam pertencer à insolvente, nos termos dos artigos 1271.º e 212.º n.º 2 do CC – e desse despacho, os reclamantes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde foi então produzido o acórdão recorrido, que, julgando parcialmente procedente o recurso da apelação, condenou, porém, os reclamantes a procederem “à restituição à massa insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos (…) que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriam os bens (05/03/2020 às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI relativos aos mesmos bens que os requeridos/recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas.”
4ª – Para assim decidir, o referido acórdão da Relação de Guimarães considerou que os reclamantes não eram possuidores dos imóveis, mas apenas seus “detentores em nome de outrem” e nunca os haviam detido de boa fé, porque “em nenhum momento lhes foi reconhecido um direito de posse (e muito menos de boa fé) sobre tais imóveis”.
5ª - Essa motivação, porém, está completamente desconforme com a verdade, porquanto há muito se encontrava provado, por sentença produzida no apenso E de reclamação de créditos, junta aos autos que “os imóveis litigados foram apreendidos para a insolvência em 9.2.2012”, mas “depois de lhes terem sido entregues as chaves das casas pela Pousaconstruções, Lda., os autores ocuparam os prédios fazendo-os seus, no mês de janeiro de 2010” data a partir da qual os autores “encontram-se na posse dos mesmos prédios, com ânimo de quem usa e frui de coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo-a à vista de toda a gente, incluindo os réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado” significando esses factos que, como concluía a sentença, “à entrega das chaves (…) seguiu-se a posse com animus rem sibi habendi”.
6ª - Interposto recurso de revista desse acórdão, invocando-se nele não apenas o fundamento da violação do caso julgado formado pela referida decisão e de que o acórdão não conheceu sem se perceber porquê, veio, no entanto, o despacho sob reclamação a decidir que o recurso não era admissível, face aos disposto nos termos do artigo 641.º/2 a) do CP Civil de 2013, porque os recorrentes o interpuseram “olvidando, por completo, que o mesmo respeita a um processo especial de insolvência, e que, neste tipo de processo, o recurso de revista tem um regime específico previsto no artigo 14.º do CIRE que o afasta das regras comuns de revista previstas no CP Civil de 2013”, pelo que o recurso de revista só seria admissível se houvesse “uma frontal oposição de entendimentos (expressos em dois acórdãos) sobre a aplicação de determinada solução legal, e que tal divergência se projeta decisivamente no modo como os casos foram decididos”.
7ª - Decidiu, assim, o despacho sob reclamação que, em resumo, “como resulta do teor do requerimento de interposição de recurso, os Requeridos/Recorrentes fundamentam a impugnação judicial no “regime – regra da revista previsto no artigo 671.º do CP Civil de 2013, que é inaplicável, e na ofensa do caso julgado prevista no artigo 629.º/2 a) do mesmo diploma legal, que é igualmente inaplicável” de onde “impõe concluir-se, de forma tão inequívoca quanto manifesta, que o recurso em apreciação é legalmente inadmissível”, decisão de que se leva a presente reclamação, uma vez que o artigo 14.º n.º1 do CIRE nunca teria aplicação, uma vez que foi invocada a violação de caso julgado, e, ainda que assim não fosse, a situação descrita não permitia qualquer enquadramento nesse normativo.
8ª – Com efeito – sem prejuízo de entendermos que a pretensão da massa insolvente devia ter sido objeto de uma ação própria, e nunca de um despacho produzido no processo de insolvência (cf. o acórdão do STJ de 22/06/2021, proc 1072/18.7T8VNF-D.G2A.S1, Direito em Dia)– certo é que:
a) visando o artigo 14.º do CIRE a necessidade de o processo de insolvência, de carácter urgente, ser resolvido rapidamente, não há já qualquer ato urgente a praticar nos autos, uma vez que a insolvência foi declarada por sentença transitada em julgado de 23 de novembro de 2011 (isto é, de há 11 anos) a sentença de reclamação de créditos, transitada em julgado, foi produzida a 6 de setembro de 2013 (ou seja, tem mais de 9 anos), a sentença homologatória de prestação de contas da administradora foi notificada a 26/02/2021 e há muito transitou em julgado (ou seja, tem mais de 2 anos), a venda do ativo já foi efetuada e os pagamentos determinados pelo tribunal aos vários credores também já tiveram lugar;
b) a jurisprudência tem inequivocamente entendido, por forma que supomos unânime, que “com exceção do apenso de embargos deduzidos à sentença declaratória de insolvência, não é aplicável a restrição recursiva prevista no artigo 14.º n.º1 do CIRE aos apensos do processo de insolvência” (conselheira Ana Paula Boularot, Jurisprudência Temática Sobre o Direito das Insolvências, anos de 2012 a 2014) “a irrecorribilidade especial das decisões de segunda instância definida nos termos do artigo 14.º n.º1 do CIRE é circunscrita apenas aos processos de insolvência, aos embargos à insolvência e aos incidentes que sejam tramitados no âmbito do próprio processo de insolvência (…) (acórdão do STJ de 22/06/2021, proc. 1072/18.7T8VNF-D.G2A.S1, Direito em Dia, citado com expressa referência de que a sua doutrina constitui jurisprudência unânime dos membros da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça);
c) Por outro lado, o último dos acórdãos referidos, após enumerar um conjunto extenso de acórdãos, onde a questão foi abordada e decidida, conclui que o recurso a que se refere “ não é tramitado endogenamente, mas de forma processualmente autónoma, obedecendo a regras gerais de recorribilidade (artigo 17.º n.º1 do CIRE), não se sujeitando à exigente previsão do artigo 14.º do CIRE”, e o acórdão do STJ de 22/06/2021 (relatora Graça Amaral, Direito em Dia, processo n.º 881/15.3T8AVR-F.P1.S1) expressamente refere que o recurso em sede falimentar sempre será admissível se tiver cabimento no n.º2 do artigo 629.º do CPC ou se for subsumível a qualquer das exceções contempladas no artigo 671.º do mesmo diploma (ou seja, precisamente no caso de se basear em ofensa de caso julgado) sentido em que, também se orientaram os acórdãos do STJ de 7/06/2022 e de 17/01/2023 (relator António Barateiro Martins, processos n.º 2749/15.4T8STS-J.P1.S1, 6ª secção e 9888/19.1T8VNG-G.P1.S1 da 6ª secção).
9ª – Para além do exposto, manifesto é que o despacho sob reclamação veicula uma interpretação do artigo 14.º n.º 1 do CIRE claramente violadora do princípio constitucional da tutela judicial efetiva que implica em primeiro lugar o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam esse acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tronar impossível de concretização ou de a dificultar de forma não objetivamente exigida (artigos 2.º e 20.º n.º4 da CRP), pelo que se a interpretação sufragada pelo despacho reclamado fosse admissível, os tribunais teria de rejeitar a aplicação da norma, em nome da sua manifesta inconstitucionalidade.
13. Os Reclamantes formularam também o seguinte requerimento:
Os reclamantes referiram no decurso das alegações precedentes que pretendiam juntar 5 documentos, o que agora reiteram.
Prescreve o artigo 423.º n.º3 do CPC que após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Ocorre que os reclamantes pretenderam no presente recurso, contrariando a posição expressa pelo relator, demonstrar que o estado do processo de insolvência não justificaria de qualquer modo a adoção dos cuidados que estão subjacentes ao disposto no artigo 14.º n.º1 do CIRE, e fizeram-no através da junção de 5 documentos, identificados e numerados nas alegações precedentes.
Assim sendo, a junção desses documentos neste momento e com essa motivação, afigura-se justificada, por a sua apresentação se ter tornado necessária em virtude de ter sido produzido, agora, o despacho de rejeição do recurso, pelo que, muito respeitosamente se requer que esses documentos sejam admitidos, com vista a fazerem prova das ocorrências neles referidas.
14. Foi proferido despacho que, considerando que a reclamação deduzida merecia parcial deferimento, entendeu não ser de conhecer o objeto do recurso, considerando-o findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679, ambos do CPC
15. Os Recorrentes/reclamantes vieram reclamar para a Conferência, formulando no seu requerimento, as seguintes conclusões: (transcritas)
1ª – Os recorrentes venderam à recorrida, empreiteira de construção civil, um prédio rústico de sua propriedade, tendo sido convencionado entre uns e outra que o preço seria representado pela entrega futura de dois prédios urbanos, a construir pela compradora, e que seriam parte de um loteamento que esta aí ia promover, tendo a empreiteira, concluído esse loteamento, entregue os dois prédios urbanos aos recorrentes que, regularizada a transmissão em termos fiscais, os ocuparam e deram de arrendamento a terceiros, ficando investidos na respetiva posse.
2ª – No presente processo, n.º 3158/11.... do ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., a referida empreiteira, sociedade por quotas Pousaconstruções, Lda. foi declarada insolvente por sentença de 23/11/2011, há muito transitada em julgado, em momento em que, tendo já entregue os prédios aos recorrentes, no entanto ainda não havia celebrado a competente escritura pública.
3ª – Em consequência dessa omissão, os recorrentes, através do processo apenso E n.º 3158/11...., reclamaram os seus créditos, que foram reconhecidos por sentença de 06/09/2013, há muito transitada em julgado, seguindo-se a venda formal dos dois imóveis, decidida pela administradora da insolvência, e por esta efetuada.
4ª – Posteriormente, a administradora da insolvência requereu no processo a notificação dos requerentes – credores a quem fora reconhecida a natureza de privilegiados e de titulares de direito de retenção sobre os dois imóveis que haviam adquirido à massa insolvente e que representavam o preço que lhes era devido pela venda do solo onde esses imóveis foram construídos – para pagarem à insolvente o valor das rendas que haviam percebido pelo arrendamento desses imóveis, entre a data da apreensão dos mesmos para a massa insolvente e a data da escritura de venda.
5ª – Esse requerimento foi deferido em 1ª instância, com o argumento de que os recorrentes eram apenas, nesse período, detentores dos imóveis e possuidores de má fé, pelo que não podiam fazer suas as rendas recebidas, que deviam pertencer à insolvente, nos termos dos artigos 1271.º e 212.º n.º 2 do CC – e desse despacho, os recorrentes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
6ª - O Tribunal da Relação de Guimarães, decidindo o recurso, julgou parcialmente procedente o recurso da apelação, condenando ainda assim, os recorrentes a procederem “à restituição à massa insolvente do valor total das rendas advindas dos arrendamentos (…) que serão aquelas que tenham recebido desde a data da apreensão (09/02/2012) até à data em que adquiriam os bens (05/03/2020 às quais será deduzido o valor total dos pagamentos de IMI relativos aos mesmos bens que os requeridos/recorrentes realizaram no mesmo período temporal, tendo esta dedução o limite máximo do valor global das rendas a serem restituídas.”
7ª – Dessa vez, o referido acórdão da Relação de Guimarães considerou que os recorrentes não eram possuidores dos imóveis, mas apenas seus “detentores em nome de outrem” e nunca os haviam detido de boa fé, porque “em nenhum momento lhes foi reconhecido um direito de posse (e muito menos de boa fé) sobre tais imóveis”, motivação que, porém, é completamente desconforme à verdade.
8ª – Com efeito, há muito se encontrava provado, por sentença produzida no referido apenso E de reclamação de créditos, junta aos autos que “os imóveis litigados foram apreendidos para a insolvência em 9.2.2012”, mas “depois de lhes terem sido entregues as chaves das casas pela Pousaconstruções, Lda., os autores ocuparam os prédios fazendo-os seus, no mês de janeiro de 2010” data a partir da qual os autores “encontram-se na posse dos mesmos prédios, com ânimo de quem usa e frui de coisas próprias, na convicção de não lesarem direitos de quem quer que seja, sem oposição de ninguém, exercendo-a à vista de toda a gente, incluindo os réus e quem nos factos descritos mais diretamente pudesse estar interessado” significando esses factos que, como concluía a sentença, “à entrega das chaves (…) seguiu-se a posse com animus rem sibi habendi”.
9ª – Do acórdão vindo de referir, os recorrentes interpuseram recurso de revista, invocando não apenas o fundamento da violação do caso julgado formado pela referida decisão, e de que o acórdão nem sequer conheceu, mas veio, no entanto, a ser produzido despacho de rejeição do recurso, por se entender que este não era admissível, nos termos do artigo 641.º/2 a) do CP Civil de 2013, porque os recorrentes o interpuseram “olvidando, por completo, que o mesmo respeita a um processo especial de insolvência, e que, neste tipo de processo, o recurso de revista tem um regime específico previsto no artigo 14.º do CIRE que o afasta das regras comuns de revista previstas no CP Civil de 2013”, pelo que o recurso de revista só seria admissível se houvesse “uma frontal oposição de entendimentos (expressos em dois acórdãos) sobre a aplicação de determinada solução legal, e que tal divergência se projeta decisivamente no modo como os casos foram decididos”.
10ª - Fundou esse despacho a decisão de não receber o recurso também no facto de “como resulta do teor do requerimento de interposição de recurso, os Requeridos/Recorrentes fundamentam a impugnação judicial no “regime – regra da revista previsto no artigo 671.º do CP Civil de 2013, que é inaplicável, e na ofensa do caso julgado prevista no artigo 629.º/2 a) do mesmo diploma legal, que é igualmente inaplicável” de onde “impõe concluir-se, de forma tão inequívoca quanto manifesta, que o recurso em apreciação é legalmente inadmissível”, decisão de que os recorrentes reclamaram para o STJ, sustentando, entre o mais, que o artigo 14.º n.º1 do CIRE nunca teria aplicação, uma vez que foi invocada a violação de caso julgado, e, ainda que assim não fosse, a situação descrita não permitia qualquer enquadramento nesse normativo.
11ª – Na reclamação deduzida, os recorrentes sustentaram, em resumo, que:
a) A pretensão da massa insolvente não podia ser atendida, porque teria de ser objeto de uma ação própria, e nunca de um despacho, que não fora sequer precedido de qualquer instrução (cf. o acórdão do STJ de 22/06/2021, proc. 1072/18.7T8VNF-D.G2A.S1, Direito em Dia);
b) Visando o artigo 14.º do CIRE a necessidade de o processo de insolvência, por ter carácter de urgência, ser resolvido rapidamente, tal necessidade já não se verifica porque a insolvência foi declarada por sentença transitada em julgado de 23 de novembro de 2011 (isto é, de há 11 anos) a sentença de reclamação de créditos, transitada em julgado, foi produzida a 6 de setembro de 2013 (ou seja, tem mais de 9 anos), a sentença homologatória de prestação de contas da administradora foi notificada a 26/02/2021 e há muito transitou em julgado (ou seja, tem mais de 2 anos), a venda do ativo já foi efetuada e os pagamentos determinados pelo tribunal aos vários credores também já tiveram lugar;
c) a jurisprudência tem inequivocamente entendido, por forma que supomos unânime, que “com exceção do apenso de embargos deduzidos à sentença declaratória de insolvência, não é aplicável a restrição recursiva prevista no artigo 14.º n.º1 do CIRE aos apensos do processo de insolvência” (conselheira Ana Paula Boularot, Jurisprudência Temática Sobre o Direito das Insolvências, anos de 2012 a 2014) “a irrecorribilidade especial das decisões de segunda instância definida nos termos do artigo 14.º n.º1 do CIRE é circunscrita apenas aos processos de insolvência, aos embargos à insolvência e aos incidentes que sejam tramitados no âmbito do próprio processo de insolvência (…) (acórdão do STJ de 22/06/2021, proc. 1072/18.7T8VNF-D.G2A.S1, Direito em Dia, citado com expressa referência de que a sua doutrina constitui jurisprudência unânime dos membros da 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça);
d) O último dos acórdãos referidos, após enumerar um conjunto extenso de acórdãos, onde a questão foi abordada e decidida, conclui que o recurso a que se refere “ não é tramitado endogenamente, mas de forma processualmente autónoma, obedecendo a regras gerais de recorribilidade (artigo 17.º n.º1 do CIRE), não se sujeitando à exigente previsão do artigo 14.º do CIRE”, e o acórdão do STJ de 22/06/2021 (relatora Graça Amaral, Direito em Dia, processo n.º 881/15.3T8AVR-F.P1.S1) expressamente refere que o recurso em sede falimentar sempre será admissível se tiver cabimento no n.º2 do artigo 629.º do CPC ou se for subsumível a qualquer das exceções contempladas no artigo 671.º do mesmo diploma (ou seja, precisamente no caso de se basear em ofensa de caso julgado) sentido em que, também se orientaram os acórdãos do STJ de 7/06/2022 e de 17/01/2023 (relator António Barateiro Martins, processos n.º 2749/15.4T8STS-J.P1.S1, 6ª secção e 9888/19.1T8VNG-G.P1.S1 da 6ª secção).
12ª – Alegaram ainda os recorrentes que o despacho sob reclamação veicula uma interpretação do artigo 14.º n.º 1 do CIRE claramente violadora do princípio constitucional da tutela judicial efetiva que implica em primeiro lugar o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam esse acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível de concretização ou de a dificultar de forma não objetivamente exigida (artigos 2.º e 20.º n.º4 da CRP), pelo que se a interpretação sufragada pelo despacho reclamado fosse admissível, os tribunais teria de rejeitar a aplicação da norma, em nome da sua manifesta inconstitucionalidade.
13ª – Neste STJ foi então produzida a decisão singular de que se reclama para a conferência, na qual, ponderando-se embora que a reclamação dos recorrentes deve proceder, porque, e tanto bastava, se alega a violação de caso julgado, nos termos do artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC, no entanto, devia decidir-se desde já pelo não conhecimento do objeto do recurso, que assim foi considerando findo, nos termos dos artigos 652.º n.º 1 al. b) e 679.º ambos do CPC, porquanto:
a) Não obstante o despacho previsto pelo artigo 643.º do CPC, ter como “finalidade única a alteração do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso (…) não cabendo no seu âmbito o conhecimento de questões que extravasam os fundamentos nos quais a decisão reclamada fundou o juízo formulado”, como, em cumprimento do artigo 218.º do CPC, declarada que fosse a anulação da decisão recorrida, o recurso deveria ser distribuído à mesma relatora, no uso dos poderes de gestão processual conferidos pelos artigos 6.º n.º1 e 547.º do CPC, por uma questão de economia processual, podia desde já ser decidido do mérito do recurso, o que se passou a fazer;
b) E, decidindo-se do mérito, foi entendido que o recurso não tem fundamento pois a decisão que pretensamente faria caso julgado não passa de uma decisão preliminar, à qual se não pode estender a eficácia do caso julgado, por serem produzidas uma e outra em processos autonomizados, não podendo confundir-se o valor extraprocessual das provas, que, essas sim, podiam ser objeto de apreciação noutro processo com os factos que no anterior foram tidos como assentes;
c) Por isso “transpor os factos provados de uma ação para outra constituiria pura e simplesmente conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado, que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui”, o que tudo significa que a matéria de facto apurada por sentença no apenso E “não adquire o valor de caso julgado passível de constituir fundamento para a admissão do recurso”.
14ª – A decisão assim produzida é de todo inaceitável por razões de fundo e de forma, que foram alegadas e que seguidamente vão ser explicitadas.
15ª - Se, como se refere, com rigor nessa parte, o despacho contra o indeferimento do recurso previsto pelo artigo 643.º do CPC tem como finalidade única a alteração do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso, os art.ºs 6.º n.º1 e 647.º não permitem que o objeto do processo ultrapasse essa única finalidade, em nome do princípio da gestão processual que foi invocado;
16ª - De facto, nem o artigo 6.º n.º1 nem o artigo 547.º do CPC permitem ao julgador evitar o percurso processual que a lei determina, uma vez que apenas lhe consentem que providencie pelo andamento célere do processo, que recuse diligências impertinentes ou dilatórias, que assegure a agilização processual, subordinada à justa composição do litígio em prazo razoável, e em nenhuma dessas hipóteses cabe a possibilidade de antecipar juízos sobre o mérito de recurso, quando o tribunal é chamado apenas a fazer um juízo sobre a sua admissibilidade.
17ª - No caso concreto, aliás, temos um único processo ao que não obsta ao facto de ter vários apensos, sucedendo que a decisão transitada em julgado que se sustenta dever ser aplicada no processo principal, foi produzida, desde os articulados até ao saneador e à sentença, com amplo contraditório e decisão do pleito, opondo-se a um despacho, que segundo a natureza das coisas devia até ser produzido pelo mesmo juiz, que não foi precedido de qualquer prova nem de audição de qualquer testemunha.
18ª - O acórdão da Relação do Porto de 17/05/2011 (proc. 42/07.5TBCPV.P1.dgsi.net) é perentório a decidir que num contexto que nenhuma prova testemunhal havia sido produzida, o juiz não pode rejeitar um meio de prova indispensável à descoberta da verdade, e não é a necessidade de privilegiar o andamento célere do processo que pode impedir, por questões de economia processual a plena execução do princípio supremo da descoberta da verdade material.
19ª - No mesmo sentido, quer o acórdão da Relação de Coimbra de 14/10/2014 (proc. 507/10, dgsi.net) quer o acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2013 (proc. 2642/04.6TBBRR.L1-1 dgsi.net) foram também perentórios em decidir que o princípio da adequação formal formulado no art.º 547.º do CPC não transforma o juiz em legislador, nem lhe permite decidir a seu belo prazer adaptar o conteúdo e a forma dos atos, pois “os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas”, sendo que “o poder-dever que lhes confere o preceito em causa deve ser usado tão somente quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa e, da decorrência, colida frontalmente com o atingir de um processo equitativo” pois a norma é apenas “uma válvula de escape” e não “um instrumento de utilização corrente”.
20ª - Não parece sequer defensável, como o despacho decidiu que julgada a reclamação procedente, nos termos do artigo 218.º do CPC, o processo deverá voltar ao mesmo relator, pois, sem prejuízo de se aceitar o preceito inovador, certo é que este visa obter ganhos de celeridade e homogeneidade decisória, mas apenas quando, como se refere no texto do artigo 218.º do CPC, estamos em face de uma decisão que apenas anula a decisão recorrida, não quando estamos perante uma decisão que anula a decisão recorrida, mas também passa logo a decidir do fundo da questão, como no caso sucedeu, porque neste caso o recorrente estaria à partida em perda, porque em vez de ter três juízes conselheiros que em cumprimento do artigo 647.º do CPC, após estudo individual da questão, iriam decidi-la colegialmente, teríamos dois juízes conselheiros a preparar a decisão da revista com a colaboração de outro que já assumira a sua posição sobre o fundo da causa e cuja intervenção podia até influenciar negativamente o melhor juízo dos outros.
21ª – A interpretação dada pelo despacho sob reclamação ao art.º 218.º do CPC no sentido de que o recurso é sempre que possível distribuído ao mesmo relator, quer quando na decisão precedente apenas tenha sido anulada a decisão, única hipótese que o texto prevê, quer quando na decisão precedente, além da nulidade da anterior, se decidiu já do fundo da causa, para além de ser incomportável pelo texto interpretando, é também de considerar inconstitucional, por violação dos artigos 2.º e 20.º n.º4 da CRP, ou seja, por violação da necessidade de garantir a efetivação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, da proteção da confiança e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, pelo que não pode ser sufragada pelos tribunais.
22ª - Sem prejuízo do exposto não é concebível também configurar a decisão produzida no apenso de verificação de créditos atrás referido como uma questão preliminar em relação ao despacho recorrido, do mesmo modo que não é possível sustentar que os fundamentos de facto da sentença produzido no apenso E são autonomizados em relação à matéria objeto do despacho recorrido, nem que só podem ser considerados em termos de relevância do valor extraprocessual das provas, nem, por último, pode sustentar-se que a autonomia dos processos corresponde à existência de dois processos distintos sobre duas questões distintas e sucessivas.
23ª – A questão de conhecer o estado psicológico dos recorrentes quando lhes foram entregues os prédios que legitimamente eram seus por corresponderem ao pagamento do preço que lhes era devido, ou seja, a questão de saber se estavam de boa ou má-fé quando os bens foram apreendidos não é uma questão distinta num e noutro momento em que foram produzidas as duas decisões em confronto, é a mesma questão, sendo verdadeiramente intolerável que, para mais, os recorrentes sejam fulminados com a afirmação absolutamente falsa de que nem tinham a posse de boa-fé nem isso lhes fora alguma vez reconhecido pelo tribunal, o que é absolutamente falso.
24ª – O despacho sob censura ignorou de todo não apenas o facto de estarmos perante um só e o mesmo processo – ao que não obsta o facto de esse processo ter vários apensos – como ainda que o processo de insolvência é um processo único em todos os apensos em que se desdobra (como refere o artigo 9.º do CIRE) e ainda é um processo de vocação universal, ou de execução universal (isto é um processo que se refere a todo o património do insolvente e a todos os credores – Adelino da Palma Carlos, Direito Processual Civil, Ação Executiva, 1967, 18), o que significa que todas as peças de todos os processos, principal e apensos, são oponíveis quer ao insolvente quer a todos os credores (no mesmo sentido Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação das Empresas, Anotado, 2ª Edição, páginas 67, 68, 72 e 115), e assim sendo não é possível sequer imaginar que em algum desses processos possa existir qualquer decisão que não seja oponível a qualquer credor ou ao insolvente.
25ª – Importa lembrar o que são questões de facto instrumentais (as que só servem para resolver as chamadas questões fundamentais ou de mérito – Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1968, 2º, 77) distingui-las das questões de facto fundamentais, de fundo ou de mérito (as que respeitam ao objeto do processo e que não o precedem (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1968, 2º, 68) e umas e outras do que sejam questões prejudiciais (aquelas que, possuindo objeto e natureza diferente das que são principais no processo e que podem ser objeto de um processo autónomo, são de resolução prévia indispensável para se conhecer da questão principal, que depende do sentido que lhes for dado (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º, 164 e J. A. Dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 1º, 286) para se concluir, só desse conjunto de definições que não estamos no caso sequer ante qualquer dessas questões, mas apenas e sempre de uma única.
26ª - O despacho sob reclamação convoca a favor das suas teses três acórdãos, que não se vê como podem ajudar qualquer ideia de merecimento do decidido, antes pelo contrário.
Com efeito:
a) o acórdão do STJ de 05/12/2017 (proc. 1565/15.8T8VFR-AP1.S1 da 1ª Secção de que foi relator Pedro Lima Gonçalves) decidiu que, entre o mais, “objetivamente a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico da parte dispositiva de julgado”;
b) O acórdão do STJ 04/02/2018 (proc. 190/16.0T8BCL.G1.S1, 1ª Secção de que foi relator Cabral Tavares, decidindo um caso de ofensa de caso julgado sustenta que sendo “no essencial o mesmo conjunto de factos concretos (…) a decisão proferida no anterior processo (…) não importando que a decisão tenha sido no sentido de os dar por provados ou não (…) vale enquanto resposta aos fundamentos de facto invocados pela autora no pedido formulado” não obstante inexistir identidade de pedido “deverá vincular o tribunal neste processo, resultado precludida a possibilidade de nova demanda, visando diferente resposta relativamente aos mesmos factos”.
c) O Acórdão do STJ de 17/11/2021, no processo n.º 9561/19.0TVNG.P1.S1, da 6ª Secção de que foi relator Ricardo Costa decidiu, num processo de exoneração do passivo restante existia oposição de julgados em relação ao decidido na sentença de declaração de insolvência, pelo que “o valor provisório fixado na sentença de insolvência (…) é constitutivo de caso julgado formal, (…)” pelo que “não pode ser manifestamente admitida e conhecida a revista”.
Nestes termos, deve ser dado provimento à presente reclamação, revogando-se a decisão da Exma. Relatora e substituindo-se por outra, da conferência que:
a) Determine que o recurso seja recebido, com remessa dos autos ao tribunal recorrido, ou, a não se entender assim, desde já com remessa dos autos à distribuição, neste Tribunal;
b) Se julgue incomportável pelo texto da norma e inconstitucional a interpretação dada pelo despacho sob reclamação ao art.º 218.º do CPC no sentido de que ele se aplica mesmo quando a decisão recorrida, para além de anular a decisão precedente, julga desde logo o fundo da causa.
16. Cumpre apreciar.
II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
1. Na decisão sob reclamação consignou-se:
“Ponto prévio:
Os Reclamantes vieram pedir a junção de documentos aos autos, ao abrigo do art.º 423, n.º3, do CPC[6], pretendendo contrariar o entendimento que o estado dos autos não justifica os cuidados resultantes do disposto n.º 14, n.º1, do CIRE, no concerne ao limite de recorribilidade, face a um caráter urgente perpassando pelo processo de insolvência.
Como os próprios Reclamantes invocam e do consultado, via “Citius” verifica-se que se tratam de peças processuais do presente processo de insolvência e seus apensos, a que este Tribunal tem acesso por permissão de consulta eletrónica da globalidade dos autos.
Assim, e porque estamos perante elementos do processo, não há nada a determinar quanto a uma junção, que inexiste, por se reportarem aos próprios autos deles fazendo parte.
Apreciando.
1. Em termos breves, o procedimento previsto no art.º 643, do CPC, consubstancia-se num mecanismo legal de reação à não admissão de um recurso, tendo assim por finalidade, única, a alteração do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso, em termos de indeferimento, não cabendo no seu âmbito o conhecimento de questões que extravasam os fundamentos nos quais a decisão reclamada fundou o juízo formulado, importando necessariamente a motivação com os fundamentos que na perspetiva do reclamante devem determinar a revogação do despacho, e desse modo a admissão do recurso.
A decisão proferida importará na confirmação do despacho reclamado, ou na procedência da reclamação, admitindo liminarmente o recurso antes rejeitado, este será atribuído ao juiz que apreciou a reclamação, sem necessidade de nova distribuição[7], e desse modo na observância do dever de gestão processual, na vertente específica da adequação formal, artigos 6, n.º1 e 547, compreende-se que o relator, no caso de procedência da reclamação, possa verificar se existe alguma circunstância que obste ao conhecimento do recurso, art.º 652, n.º1, b), tendo sempre presente que tal apreciação não se confunde, em nenhum aspeto, com o conhecimento do mérito da pretensão recursiva.
2. Reportando a reclamação dos autos à (in)admissibilidade de recurso de revista, sem prejuízo do demais a considerar no conhecimento do em concreto pretendido, releva frisar que merece acolhimento o entendimento que o atual regime do recurso de revista, ordinária e excecional, previsto no art.º 671, nos parâmetros estabelecidos, não visa garantir, genericamente, um terceiro grau de jurisdição, resultando tais limitações não só da aludida disposição legal, e do consignado no art.º 672, com os demais normativos correlativos do regime em causa, mas também tendo em conta citérios decorrentes do art.º 629, para além das limitações especificamente consignadas em matérias diversas, tais como, entre outras, a insolvência e os processos de jurisdição voluntária[8].
Podendo dizer-se que no art.º 671, encontram-se as regras essenciais da revista, no artigo 672, são previstos os casos de revista excecional - interesse jurídico, relevo social e contradição jurisprudencial - aquando da existência de dupla conforme, nos termos expressos do n.º 3, do aludido art.º 671, por reporte ao n.º 1 desta última disposição legal, desde que se mostrem reunidos os demais pressupostos da admissibilidade da revista (normal), e tão só nestas situações.
3. Nos presentes autos, contudo, não pode ser obliterado, que estamos perante o regime de recursos restrito, previsto no art.º 14, n.º1, do CIRE, que exclui de forma expressa e clara a admissibilidade de recurso de revista dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, estando em causa o processo de insolvência assim como os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, salvo se for verificada oposição de julgados.
Tem merecido consenso que a admissibilidade da revista prevista no art.º 14, do CIRE, pressupõe que seja demonstrado pelo recorrente que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, não tendo sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme[9], exigindo também que se mostrem verificados os pressupostos gerais de admissão dos recursos previstos no art.º 629, n.º 1, do CPC, que se configuram como confirmados no caso dos autos.
4. Enquanto desvio à regra do art.º 671, n.º1, mas também do art.º 14, n.º1, do CIRE, será admissível o recurso de revista do Acórdão da Relação, preenchida que se mostre alguma das situações indicadas no n.º 2, do art.º 629, para o caso que nos interessa, no enquadramento efetuado pelos Reclamantes, e necessariamente a atender, no n.º 2, alínea a), isto é, nas situações respeitantes à violação do caso julgado.
5. Aqui chegados, evidencia-se que o Despacho reclamado, na observância do regime aplicável aos autos, do art.º 14, n.º1, do CIRE, não merece reparo, em termos de inadmissibilidade do recurso à luz do restritivo sistema recursório no que concerne aos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, no caso como dos autos, em sede do processo insolvência, que para além das razões que possam levar a ser instituído, não pode ser afastado, casuisticamente, em função de uma maior ou menor duração do processo.
6. Pugnando os Reclamantes, ainda, pela admissibilidade do recurso por violação de caso julgado, art.º 629, n.º 2, a), distintamente do que foi entendido no despacho reclamado, é aplicável aos autos tal regime, pressupondo genericamente a admissão do recurso de revista, para além, até, dos requisitos gerais de admissibilidade de curso constantes do n.º1, do aludido art.º 629, isto é, independentemente do valor e da sucumbência.
Na defesa da sua pretensão, alegaram os Reclamantes/Recorrentes que devia ter sido considerada a sentença proferida no Apenso E, na qual foi reconhecido e verificado o seu crédito sobre a massa insolvente, garantido por direito de retenção quanto aos imóveis em causa nos autos, no devido atendimento da factualidade ali apurada, tendo o Acórdão recorrido violado o caso julgado, pois aos Reclamantes já tinha sido reconhecida a qualidade de possuidores de boa fé, no atendimento do ali apurado e desse modo coberto pelo invocado caso julgado.
Aqui chegados e na sequência do já explanado, procede a reclamação formulada pelos Reclamantes, e devendo o processo ser-nos atribuído, carecia de sentido remeter para outro momento saber da existência de obstáculos à admissibilidade do recurso, tendo em consideração a alegada existência de caso julgado, matéria que já foi conhecida nos autos, sendo certo que na formulação do pedido recursório pelo interessado que a perspetiva, sempre tem que ser aferida a respetiva admissão na análise que incumbe ao relator, nos termos dos artigos 652, n.º1, b) e 679.
7. O caso julgado consubstancia-se na expressão dos valores da segurança e da certeza precisos em qualquer ordenamento jurídico, numa exigência de boa administração da Justiça, com o correto funcionamento dos tribunais, obstando que sobre a mesma situação recaiam decisões contraditórias, assegurando assim a sempre pretendida paz social.
O caso julgado material reporta-se à decisão que se prende com o mérito da causa, no concerne à relação material controvertida, com força obrigatória dentro e fora do processo, obstando que o mesmo ou outro tribunal possa definir de modo diverso o direito concreto aplicável à relação material em litígio, art.º 619 n.º 1, o designado efeito negativo – exercido através da exceção dilatória do caso julgado, cuja finalidade é evitar a repetição das causas, art.º 580, com a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente outros à decisão proferida – e o chamado efeito positivo, a autoridade de caso julgado, no sentido que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida[10].
Em termos do alcance do caso julgado sobretudo material, apesar da discussão quanto a tal âmbito, é prevalecente o entendimento que o caso julgado abrange a parte decisória do despacho/sentença, mas sendo a decisão a conclusão de certos pressupostos de facto e de direito, o caso julgado incide sobre tal silogismo no seu todo, isto é, o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão, como conclusão de certos fundamentos, no reconhecimento de autoridade de caso julgado a todos os motivos objetivos, enquanto questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado[11].
Quanto a tais questões preliminares, importa distinguir a sua dimensão interpretativa, geralmente aceite, em termos objetivos, relativos ao pedido e causa de pedir, que não estendendo a eficácia do caso julgado a toda matéria apreciada enquanto motivos objetivos da sentença, constituam o antecedente lógico indispensável da parte dispositiva, da respetiva consideração autónoma[12].
Com efeito os fundamentos de facto da sentença quando autonomizados da mesma, não adquirem valor de caso julgado, porquanto “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser objeto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem o valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão. (…) Transpor os factos provados numa ação para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui”[13].
8. No que ao caso concreto respeita, como os próprios Reclamantes/recorrentes alegam, a violação do caso julgado reporta-se a factualidade que foi apurada no Apenso E, que indicaria e que permitiria concluir que: “tinham a posse e estavam de boa fé, desde Janeiro de 2010, pelo que quando em 16 de Fevereiro de 2012 esses bens foram apreendido para a massa insolvente já tinham essa posse de boa fé e nenhuma decisão a modificou”.
Sem entrar no mérito da pretensão, como se aludiu a pretendida factualidade enquanto fundamentação de facto, autonomizada, da sentença proferida no apenso E, ação de verificação ulterior de créditos, não adquire, conforme o exposto, o valor de caso julgado, pelo que não se mostra desenhada a existência da violação de caso julgado passível de constituir fundamento para a admissão do recurso.
9. Sem prejuízo de possíveis nulidades do acórdão sob recurso serem conhecidas nos termos do art.º 615, n.º4, e pedida a reforma quanto a custas, art.º 616, n.º 1, diga-se, quanto à violação de princípios constitucionais, em mera nota, no que concerne a esses princípios, caso dos prosseguidos pelo Estado de Direito, art.º 2, da CRP, e quanto ao direito de acesso aos tribunais, art.º 20, do CRP, sendo consensual a Jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, que o legislador tem um “amplo poder de conformação na concreta modelação processual[14]”, competindo ao julgador, assim, aferir dos pressupostos de admissibilidade do recurso, com vista ao conhecimento do seu objeto, não se divisa que esteja configurado um impedimento ilegal ou arbitrário, contrariando o acesso à tutela jurisdicional, no desrespeito pela conformação constitucional.
10. Nestes termos, e pelo exposto, ainda que merecendo parcial deferimento a reclamação deduzida, não se conhece do objeto do recurso, que assim se considera findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679, ambos do CPC”.
2. Do consignado no Despacho ora em crise, comparando-o com o teor da reclamação da não admissão do recurso interposto, bem como da reclamação formulada para a Conferência, resulta que não só foram acolhidas todas as questões suscitadas, como não se vislumbra razões para alterar o decidido.
Com efeito, e no que concerne à última reclamação, é manifesto que os reclamantes revelam manifestos equívocos que deturpam o seu argumentário.
Senão vejamos:
A lei processual civil estabelece regras que regem a admissibilidade do recurso, próprias do que venha a ser interposto, mas que se centram na observância de requisitos essenciais que se prendem com a legitimidade do recorrente, a possibilidade da decisão ser recorrível, e a observação do prazo estabelecido para a respetiva interposição.
Deste modo, ao Desembargador relator, que tramita todos os termos da instância recursiva que lhe foi distribuída, até final, art.º 652, n.º1, do CPC, como é o caso sob análise e a quem o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal foi apresentado, compete ordenar a subida do recurso, se a tal nada obstar, art.º 641, n.º1, do mesmo diploma legal, indicando-se neste preceito legal, agora no n.º 2, que o “requerimento é indeferido”, se entender que a decisão não admite recurso, foi interposto fora do prazo, ou o requerente/recorrente carece das condições necessárias para recorrer.
A decisão proferida, se admitir o recurso, não vincula o tribunal superior, não pode ser impugnada pelas partes, n.º5, enquanto aquela que não o admita pode ser impugnada através de reclamação, n.º 6, ambos do mesmo art.º 641.
A rejeição do recurso deve resultar da análise do requerimento e respetivas alegações apresentados, tal como foram delineadas pelas partes, numa apreciação que passa pela sua leitura e atendimento dos preceitos legais atendíveis no concerne à admissibilidade do recurso particular em causa, e assim não pode necessariamente importar no conhecimento do mesmo, reservado para o Tribunal superior, sendo que em situações como a convocada pelos Reclamantes, isto é, em que está em causa uma situação de excecionalidade como resulta do art.º 629, n.º 2, a), a devida aferição do pedido recursório no concerne à sua admissibilidade, incumbe ao relator do Tribunal superior a quem o processo for distribuído, nos termos dos artigos 652, n.º1, b) e 679, do CPC, que não se limitando ao simples assentimento, não implica de modo algum, o conhecimento do mérito do recurso.
Quando houver reclamação contra o indeferimento, diz-nos o art.º 643, do CPC, é distribuída ao Conselheiro relator que profere decisão que admita o recurso ou mantem o despacho reclamado, prevendo o n.º 6 da mesma disposição legal, que se a reclamação for deferida, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o fará subir, sendo certo que o relator pode munir-se de todos os elementos que entenda necessários, solicitando ao tribunal recorrido os esclarecimentos tidos por relevantes, n.º5, do art.º 643.
Carece assim de fundamento, a referência ao art.º 218, do CPC, e todas as considerações à volta do mesmo, bem como a preterição de algum direito ou poder das partes, na prossecução do dever de gestão processual, que sobre o julgador impende, sempre podendo os Reclamantes solicitar a intervenção da Conferência, como o fizeram.
Por sua vez no que concerne à existência de caso julgado, enquanto fundamento de admissibilidade do recurso, que saliente-se, não se confunde com o mérito ou desmérito do objeto do recurso, manifesto se torna que se está perante entendimentos divergentes, já explicitada a posição deste Tribunal, aproveitando-se a referência para quanto aos apontamentos relativamente a alguns dos Acórdãos mencionados, salientar novamente o equívoco dos Reclamantes, pois a sua identificação mais não foi que permitir que seja localizada a fonte da afirmação prestada, caso das referencias doutrinais no Acórdão do STJ de 4.02.2018, ou a orientação tendencialmente seguida, Acórdão do STJ de 5.12.2017, e por último o Acórdão do STJ de 17.11.2021, relativo ao poder constitucionalmente atribuído ao legislador de conformar o regime recursório, e que em conformidade não se perceciona de que modo desabonam o teor do decidido no Despacho reclamado.
Esclarecidas as imprecisões dos Reclamantes, conclui-se que foram ponderadas todas questões que se prendiam como admissibilidade do recurso, excluindo-se conclusões sobre aspetos materiais do objeto do recurso, que os Reclamantes profusamente fazem, e que sublinhe-se de novo, não foram tratados no Despacho reclamado, nem obviamente, no presente aresto.
Pelo exposto, indefere-se a Reclamação apresentada pelos Reclamantes/recorrentes.
Custas pelos Reclamantes, com três Ucs de taxa de justiça.
Lisboa, 11 de julho de 2023
Ana Resende (Relatora)
Maria José Mouro
Graça Amaral
Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC).
______________________________________________
[1] Cf. Ac. RG 13/06/2019, Juiz Desembargador José Cravo, proc. nº7444/18.0T8VNF-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
[2] Cf. Ac. STJ 09/11/2022, Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia, proc. nº 13509/20.0T8SNT-D.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Cf. o citado Ac. STJ 09/11/2022, Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia, proc. nº13509/20.0T8SNT-D.L1.S1
[4] Juiz Conselheiro Ricardo Costa, proc. nº2386/17.9T8VFX-A.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
[5] Cf. o citado Ac. STJ 09/11/2022, Juíza Conselheira Maria Olinda Garcia, proc. nº13509/20.0T8SNT-D.L1.S1.
[6] Diploma a que se fará referência se nada mais for dito.
[7] Veja-se em termos pacíficos, entre outros, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, 7.ª edição atualizada, pág. 229.
[8] Cf. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, pág. 99 a 102, e Lopes do Rego, O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 764, apud Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, pág. 401.
[9] A oposição de acórdãos pressupõe que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação (ou STJ), o denominado acórdão fundamento, tendo ambos os acórdãos sido proferidos no domínio da mesma legislação, e sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido da “contradição ou oposição de julgados há de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultado da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas, in Ac do STJ de 14.09.2021, processo n.º 380/20.0T8ESP.P1.S1., www.dgsi.pt, que se revele essencial para a resolução do litígio em ambos os processos, sendo consequentemente irrelevantes questões marginais ou que se reportem a argumentos sem valor determinante para a decisão emitida, Cf. Ac. do STJ de 14.07.2021, processo n.º 12889/20.9T8PRT-A.P1.S1, referenciando Jurisprudência do STJ nesse sentido, in www.dgsi.pt.
[10] Cf.. Ac. STJ de 17.12.2019, processo n.º 1181707.8TTPRT-H-P1.S1, in www.dgsi.pt
[11] Cf. Ac. STJ de 8.03.2018, processo, n.º 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, com ampla referência doutrinária, in www.dgsi.pt.
[12] Cf. entre outros no sentido maioritariamente acolhido, o Ac. STJ de 5.12.2017, processo n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1., in www.dgsi.pt
[13] Cf. Ac. STJ de 4.12.2018, processo n.º 190/16.0T8BCL.G1.S1, apud, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág. 579/580, Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, 2015, pág. 29/31, “não ser o caso julgado um meio de prova, mas um instituto respeitante à tutela jurisdicional dos direitos, por força do qual o conteúdo de uma decisão judicial adquire uma particular eficácia”.
[14] Ac. STJ de 17.11.2021, processo n.º 9561/19.0T8VNG.P1.S1., in www.dgsi.pt.