I – Havendo o acórdão recorrido abordado com suficiência e completude o tema em análise, fazendo-o de forma lógica, consistente e devidamente fundamentada, não se verifica, portanto, qualquer vício de nulidade nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b), c), d) e e), do Código de Processo Civil, revestindo estes natureza puramente formal e nada tendo a ver com os fundamentos substantivos (concernentes ao conhecimento da excepção de incompetência em razão da matéria) respeitantes à discussão do mérito da decisão.
II – Limitando-se, no essencial, a arguente a repetir a argumentação que já antes havia apresentado no sentido da procedência da sua revista, o que foi devidamente apreciado no momento processual oportuno, embora em sentido desfavorável à sua pretensão e pelas razões constantes do acórdão proferido, nada justifica acrescentar-se o que quer que seja ao que já consta do acórdão.
Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).
Foi proferido acórdão datado de 16 de Maio de 2023 que negou a presente revista.
Veio agora a recorrente pedir a reforma do acórdão e arguir a sua nulidade pelas seguintes razões:
1. No âmbito do recurso intentado pela Recorrente/Ré e ora Requerente decidiu o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça das seguintes questões:
Da necessária Reforma da Douta Decisão, por força do disposto no artigo 616º, nº 2 ex vi artigo 666º e 679º, todos do CPC
Relativamente à primeira questão:
Reportemo-nos, desde já, ao segundo segmento da decisão proferida no Douto Acórdão de Revista relativamente à primeira questão, do qual o Supremo Tribunal de Justiça, considerando que é o Tribunal da Relação de Coimbra quem tem competência para o efeito, decidiu, nos termos do disposto no artigo 617º, nº 5, do CPC, que não pode conhecer das nulidades invocadas nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), c e d).
Com efeito, alegou a ora Requerente na Apelação que o Tribunal não se pronunciou sobre a questão da errada forma processual/meio processual decorrente da subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa- conclusão 38 e 39 das Alegações de Recurso de Apelação- porquanto, considerando o Tribunal que a Autora/compradora não aceitou- muito embora efetivamente o tenha pago (factos provados 20 a 23)- nem compreendeu a alteração dos 5% para os 10% , a reparação/ restituição deveria ter sido julgado no âmbito da responsabilidade na formação contratual (por força dos disposto no 227º CC) ou no âmbito da responsabilidade contratual, por cumprimento defeituoso na execução do contrato ou ainda no âmbito da responsabilidade civil da Ré (artigo 483º do CC) ou ainda, porque considerado venda “do processo”, a Autora poderia ter sido ressarcida nos termos do disposto no artigo 385º do Código do Processo Civil.
Conexa com a questão da subsidiariedade do instituto de enriquecimento sem causa está a questão da aplicabilidade no processo de insolvência o disposto no Código do Processo Civil quanto ao processo de execução ex vi artigo 1º e 17º, nº 1, do CIRE, atendendo que a “causa” do enriquecimento da encarregada de venda à custa da Autora é o incumprimento/irregularidade cometida por esta da cláusula 6 – relativa à comissão/remuneração de venda da leiloeira – do regulamento/condições de venda do Leilão Presencial.
Provando-se no processo esse incumprimento com todos os seus sujeitos e intervenientes e bem assim, todas as circunstâncias/obrigações a que se vincularam esses sujeitos, (conforme decorre dos factos provados de 1 a 14) obteria a A. a reparação do seu sacrifício por força do disposto no artigo 835º, nº 2, do CPC.
Como tal, considerou o Tribunal da 1ª instância dever aplicar-se ao regulamento da venda em apreço o disposto no processo executivo, designadamente o art. 837º.º do CPC e art. 20.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.
Concordou a Apelante que se aplicava, de facto, o processo executivo, por força do previsto no artigo 1º e 17º, nº 1, do CIRE.
Contudo, tratando-se da modalidade prevista no artigo 811º do CPC “venda em estabelecimento de Leilão”, aplica-se ao presente caso o previsto nos artigos 834º e 835ºdo CPC e não o previsto para o leilão eletrónico.
Invocou ainda a Apelante o cumprimento nesse regulamento do previsto no artigo 812º do CPC, pois definia as condições de venda da globalidade dos bens móveis da MI e foi desse modo que fora publicitado antes do leilão presencial.
Regulamento esse que a A. junta como prova/causa do seu sacrifício -injusto-desacompanhado da listagem de venda dos bens da MI e que, por alteração no próprio dia do Leilão- facto provado 14- foi retirado da venda o “Lote B”, particularidade que motivou e justifica a reposição da comissão de 10% , nos termos acordados com o Administrador de Insolvência (factos provados de 1 a 14).
Resulta, portanto que as condições de venda antes publicitadas foram alteradas, por questões que só o processo de insolvência e os seus sujeitos processuais conhecem, pois é do regulamento/condições de venda da liquidação da Massa Insolvente que a A. fundamenta o seu pedido.
Questões suscitadas pela Recorrente, mas que nenhuma pronuncia obteve da Apelação, o que, de modo evidente configura uma nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, al. d). do CPC (conclusões de 3 a 10 das Alegações da Revista).
Mesmo que não se entendesse falta de pronuncia da Apelação da errada forma do processo/meio processual por conta da subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa e da relação conexa com esta questão o facto da “causa” injustificada do enriquecimento invocado ser a irregularidade cometida pela encarregada de venda relativa à sua comissão/remuneração, da aplicação subsidiária ao processo de insolvência o processo executivo, por força do disposto no artigo 17º, nº 1, do CIRE (conclusão 17), sempre teria de se dar possibilidade à Recorrente de ser apreciada a nulidade invocada da douto Acórdão da Apelação nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, b) e c) (conclusões 19 a 24).
De facto, ao contrária da fundamentação da Apelação e salvo melhor entendimento, a subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa não é discricionário-não depende da vontade das partes-, não poderá ser considerada como “questão nova”, pois a aplicação do Direito ao caso concreto pelo Tribunal decorre do seu poder jurisdicional consagrado na Constituição da República Portuguesa e ao afirmar a Apelação que não há factos que poderia a A. socorrer-se de outros meios de tutela-mesmo nos termos do previsto no artigo 835º do CPC ex vi artigo 17º, nº 1, do CIRE-, não apresenta qualquer fundamento de facto ou de direito para essa conclusão.
Ora, salvo melhor entendimento e o devido respeito, por força do previsto no artigo 617º, nº1, do CPC, competindo ao Juiz do Tribunal da Relação de Coimbra apreciar as nulidades invocadas do acórdão da Apelação no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso e não o fazendo e decidindo o Supremo Tribunal de Justiça não as poder apreciar por lhe estar vedado objetivamente a apreciação dessas nulidades invocadas nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, do CPC ou de qualquer outra nulidade mesmo que de conhecimento oficioso decorrente do disposto nos artigos 193º e 196º do CPC, então deveria o Supremo Tribunal de Justiça ter determinado a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para apreciação das invocadas nulidades, por força dos disposto no artigo 617º, nº 5, do CPC.
2.2. Quanto à apreciação/decisão da 2º questão:
Fundamenta o douto acórdão de revista a sua decisão relativamente à segunda questão que da factualidade essencial de que assenta o pedido da A. e dado que não está em causa a validade da venda dos referidos lotes, que se mantém inteiramente alterada, nem qualquer outro procedimento respeitante, nada tem haver o presente pedido, por sua natureza, à matéria insolvencial, mas ao comportamento ilícito/responsabilidade pessoal da leiloeira.
Salvo melhor entendimento e o devido respeito por opinião contrária, considera a ora reclamante/recorrente que pelo facto de a A. no seu pedido não colocar em causa a vontade em adquirir o “lote A”, mas o valor total de €230.010,00 que suportou nessa aquisição, não deixa de ser matéria insolvencial, assim como a “causa” em que fundamenta o enriquecimento injusto, ilegítimo, ser o incumprimento da cláusula 6 do regulamento/condições de uma venda judicial.
De facto, por força da relação jurídico-processual delineada pela A., este regulamento/condições de venda do Leilão Presencial junto pelo A. -desacompanhado da listagem dos bens publicitados para venda - como prova bastante de “por si só” demonstrar o enriquecimento da Ré à custa do empobrecimento da A., não afasta, por vontade da A., de estarmos perante uma venda judicial, precisamente e como assume a A. no seu pedido, por ser a Ré “escolhida” no processo para a realização do leilão presencial da alienação da Massa Insolvente, processo que corre termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., sob nº 460/20.....
Processo judicial, “especial” em relação aos demais processos, previsto e regulado processual e substantivamente fundamentalmente no Código da Insolvência e da Recuperação de empresas (CIRE) e subsidiariamente, em termos processuais, pelo disposto no Código do Processo Civil, por força do disposto no artigo 1º e 17º, nº 1, do CIRE.
De facto, nos termos do artigo 81º, nº 4 do CIRE, o Administrador de Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à Massa Insolvente, competindo-lhe, além do controlo da massa Insolvente, proceder à sua administração e liquidação (158º, nº 1 e 164º, nº 1 do CIRE), pagar as dívidas da Massa Insolvente e repartir pelos credores o respetivo produto final (artigos 173º e ss ).
Por força do disposto no artigo 55º, nº 2, do CIRE, o Administrador de Insolvência exerce as suas funções de forma pessoal, podendo, nos termos do disposto no artigo no nº 3 deste normativo ser coadjuvado sob sua responsabilidade por “auxiliares” no exercício das suas funções.
Estando prevista a contratação da Ré, enquanto “auxiliar” do Administrador de Insolvência no CIRE, para sua coadjuvação no exercício das suas funções, designadamente, na liquidação da Massa Insolvente, atuando nessa coadjuvação, por força do disposto no artigo 55º, nº 3, do CIRE, sob responsabilidade deste, não se poderá dizer que o caso “sub judice” não é matéria insolvencial.
Com efeito, tendo o Administrador da Insolvência contratado a Leiloeira para o “auxiliar” na alienação da Massa Insolvente, sob sua responsabilidade, aceitando a proposta da sua remuneração pelos serviços prestados e despesas com essa coadjuvação – que efetivamente a Ré suportou com a apreensão e liquidação (factos provado 3, 7 e 12) - a comissão sobre o valor da venda da globalidade dos bens móveis apreendidos a favor da MI, a suportar pelos adquirentes, na percentagem de 10% (factos provados de 1 a 4 e 9), e tendo ademais, no próprio dia do leilão presencial em apreço sido retirado o lote B da venda (facto provado 14), só poderá ser no âmbito do processo de insolvência decidido se efetivamente existe ou não comportamento ilícito e responsabilidade pessoal do “auxiliar” contratado pelo administrador de Insolvência no Leilão Presencial ao ter cobrado a comissão de 10%.
Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 55º, nº 3; artigo 164º , nº 1 e artigos 193º, 723º, nº 1, alínea c) e d), 834º e 835º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º e 17º nº 1 do CIRE, impõe-se considerar nos termos do disposto no artigo 616º, nº 2, do CPC que o douto Acórdão de Revista padece de erro manifesto na aplicação da norma aplicável ao caso concreto e/ou na qualificação jurídica dos factos.
III. Subsidiariamente, da nulidade do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b), c), d) e d) ex vi artigo 666º e 679º, do CPC
Entende o douto acórdão de revista que, atendendo à fixação/limitação processual do recurso de revista, não há lugar relativamente aos fundamentos de ordem substantiva alegados pela recorrente, à apreciação dos mesmos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem sequer as nulidades da Apelação invocadas pela recorrente.
Contudo, fundamenta a sua decisão de improcedência da invocada incompetência material não por fundamentos processuais, mas por fundamentos substantivos: a questão sub judice não integra a matéria insolvencial, porque a A. não colocou em causa a vontade na aquisição dos bens da MI e como tal estamos perante uma ação declarativa de condenação de responsabilidade pessoal, por comportamento ilícito, da leiloeira “escolhida” para no processo de Insolvência realizar o Leilão Presencial.
Não obstante, não especifica concretamente os fundamentos de facto e de direito que justificam esta conclusão/decisão.
Por outro lado, decorre desta decisão que o douto acórdão concorda com a invocada subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 474º do Código Civil e como tal, do alegado erro da forma do processo/meio processual previsto no artigo 193º do CPC, na medida em que entende que estamos perante a responsabilidade civil da leiloeira “escolhida” no processo de insolvência para coadjuvar o Administrador na liquidação da Massa Insolvente à revelia do disposto no artigo 55º, nº 3, do CIRE.
Acresce que o acórdão de revista na sua fundamentação não se pronuncia sobre a junção do Relatório de venda do Leilão de 28 de Outubro de 2022 , nos termos do previsto no artigo 680º do CPC – venda objetivamente ocorrida após a junção das alegações da apelação-, que demonstra que a Ré continua a ser a “auxiliar” do Administrador da Insolvência na liquidação da MI e que a A. pretende adquirir o “lote B”, considerando o valor total a pagar o dos bens, acrescido pelo valor de 10% relativo à comissão/remuneração da encarregada de venda, nos termos do contratualizado pelo Administrador de Insolvência (factos provados de 1 a 4).
É prova bastante que o regulamento/condições de venda apresentado pela A. não demonstra “por si só” que o Juízo Local Cível ... é o juízo idóneo e competente para julgar a presente causa e aferir se o comportamento da “auxiliar” escolhida, sob sua responsabilidade, pelo Administrador da Insolvência teve ou não um comportamento ilícito e da sua inteira responsabilidade pessoal/culpa.
Significa, portanto, que a presente “causa” mesmo que se entenda pretender a condenação da “auxiliar” escolhida pelo Administrador de insolvência, pela sua responsabilidade pessoal/comportamento ilícito desta, por força do disposto no artigo 55º, nº 3 e 164º do CIRE e artigo 723º, 834º, 835º do CPC, aplicáveis ao processo de insolvência por força do disposto no artigo 1º e 17º, nº 1, não deixa de se reportar à liquidação da MI e às obrigações assumidas pelos intervenientes processuais deste processo “especial” e como tal impunha-se que fosse intentada a presente ação por apenso ao processo de insolvência e decidida no âmbito deste processo.
Pela fundamentação do douto acórdão de revista, não existem quaisquer dúvidas que é o juízo de comércio onde corre o processo de insolvência competente para decidir se existe ou não comportamento ilícito e responsabilidade pessoal da “auxiliar”, pelo que se impõe também em relação a este segmento da decisão proferida no douto acórdão considerar que ocorreu erro na forma do processo, nos termos do previsto no artigo 193º do CPC, nulidade de conhecimento oficioso nos termos do disposto no artigo 196º do CPC.
Assim e pelo exposto, deve ser a decisão do douto acórdão de revista considerada nula, nos termos do previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b), c) e d) do CPC ex vi artigo 666º e 679º, do CPC, reconhecendo-se a competência do juízo de comércio onde corre os autos da Insolvência e, bem assim, a nulidade prevista no artigo 193º do CPC, por erro na forma do processo e meio processual da presente ação e/ou se reconheça a nulidade da Decisão nos termos do disposto no artigo 615º nº 1, alínea b), c) e d).
Caso assim não se entenda, que se determine a baixa dos presentes autos para que o Tribunal da Relação de Coimbra conheça das invocadas nulidades da decisão da Apelação, nos termos do disposto no artigo 617º, nº, 1 e 5 do CPC.
Apreciando:
Quanto ao conhecimento da arguição de nulidades nos termos dos artigos 615º, nº 1 e 5, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, face à inadmissibilidade parcial da revista (isto é, quanto aos seus fundamentos substantivos, não incluindo a questão da (in)competência material):
Consta do acórdão em causa:
“(…) a arguição de nulidade do acórdão recorrido, nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, respeitante aos fundamentos do recurso, compete unicamente ao Tribunal da Relação de Coimbra que proferiu o acórdão recorrido, conforme resulta do disposto no artigo 617º, nº 5, 2ª parte, do mesmo diploma legal. Apenas no que concerne unicamente à matéria da excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria – julgada improcedente no acórdão recorrido – a revista é admissível nos precisos termos do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, sendo a sua análise rigorosamente circunscrita à apreciação desta mesma questão jurídica (não abrangendo qualquer outra)”.
Daqui resulta que já constava implicitamente do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça que os autos deveriam ser remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra para efeitos da apreciação das nulidades suscitadas (face ao não conhecimento, por inadmissibilidade, da revista neste tocante).
De todo o modo, esclarecer-se-á neste acórdão a evidência dessa mesma remessa.
Quanto ao pedido de reforma do acórdão:
A recorrente limita-se, no essencial, a repetir a argumentação que já antes havia apresentado no sentido da afirmação das suas pretensões, a qual foi devidamente apreciada, em sentido que lhe foi desfavorável pelas razões constantes do acórdão proferido, para as quais se remete.
Nada justifica acrescentar o que quer que seja ao que já consta do acórdão, cuja reforma infundadamente se pede, nem introduzir nele qualquer tipo de (desnecessária) modificação, uma vez que o mesmo não padece de qualquer erro no âmbito do seu enquadramento jurídico – e muito menos manifesto.
Indefere-se, nessa mesma medida, tal pedido de reforma.
Quanto à arguição de nulidade nos termos dos artigos 615º, nº 1, alíneas b) d) e) e f), do Código de Processo Civil:
Quanto à questão da incompetência dos Juízos de Comércio para o conhecimento da causa o acórdão recorrido já explanou os seus fundamentos que determinaram a negação da revista.
A recorrente vem agora, a pretexto da invocação de nulidades várias, pretender voltar a discutir longamente a questão, repisando inutilmente o seu argumentário que foi devidamente apreciado e decidido no momento processual oportuno.
Não lhe assiste assim a menor razão.
O acórdão recorrido abordou com suficiência e completude o tema em análise, fazendo-o de forma lógica, consistente e devidamente fundamentada.
Nele se afirmou, a este propósito:
“Perante esta factualidade essencial em que assenta, em termos de causa de pedir, a pretensão da A., cumpre concluir que está unicamente em causa o descrito comportamento da leiloeira nomeada em processo de insolvência, alegadamente ilícito, que consistiu na indevida retenção em seu poder e benefício de determinada importância pecuniária, através da ilegal comissão por si cobrada e que foi superior à que constava do Regulamento do Leilão.
Esta questão jurídica muito particular e que constitui o único thema decidendi da presente acção, tal como se encontra estruturada a causa de pedir nos autos, não se insere no âmbito da temática própria do processo de insolvência, a cuja matéria é estranha, dado não estar em causa a validade da venda dos referidos lotes, que se mantém inteiramente intocada, nem qualquer outro procedimento respeitante, por sua natureza, à matéria insolvencial.
Trata-se, ao invés, da instauração de uma acção declarativa comum (autónoma) de responsabilidade em que o pedido formulado pela A. tem a ver unicamente com a actuação pessoal e ilícita da identificada leiloeira ao beneficiar-se ilegitimamente com um montante de comissão superior ao que o Regulamento do Leilão concretamente lhe permita, pagando dessa forma o adquirente/adjudicante mais do que devia haver pago.
Não existe assim motivo para considerar, nestas circunstâncias, a competência específica dos juízos de comércio definida nos termos do artigo 128º, nº 1, alínea a) e nº 3, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), alterado pelo artigo 2º da Lei nº 40-A/2016, de 22 de Dezembro), sendo ao invés competente em razão da matéria para o conhecimento da causa o juízo local cível (com o que a própria recorrente aliás implicitamente concordou aquando da apresentação da sua contestação e durante a audiência prévia, só se lembrando (tardiamente) de invocar a excepção de incompetência em razão da matéria no âmbito das alegações de apelação, após ter sido confrontada com a decisão que lhe foi desfavorável em 1ª instância).
Acrescenta-se ainda que a presente situação nada tem a ver com o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2020 (relator José Rainho), proferido no processo nº 1049/11.9TYLSB-R.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, invocado nas alegações/conclusões da revista. Nesse aresto, estava em causa a prática pelo administrador de insolvência de alegadas irregularidades que interferiam directa e materialmente com o resultado da venda e liquidação no processo de insolvência, tendo aliás o administrador, nesse caso, dado sem efeito a venda já realizada por negociação particular, promovendo de seguida nova venda agora através de leilão público com o consequente prejuízo para os interesses do credor adjudicante que interpôs o recurso de revista (o que manifestamente não sucede in casu)”.
Ora, tal fundamentação jurídica é clara, concisa e elucidativa, cobrindo o essencial da questão jurídica que se discutia, não sendo pois necessário ou justificável o desenvolvimento prolixo e inútil de qualquer outro tipo de argumentário.
O que consta do acórdão justifica, desde logo e inequivocamente, a competência material dos Juízos Locais Cíveis para o conhecimento dos autos (com o que a própria recorrente implicitamente concordou até ser confrontada com a sentença que lhe foi desfavorável), afastando-se assim a competência especializada dos Juízos de Comércio (que inexiste de facto).
Pelo que não se verifica manifestamente qualquer vício de nulidade no acórdão recorrido, mormente os previstos nas diversas alíneas do artigo 615º do Código de Processo Civil que revestem aliás natureza puramente formal e nada têm a ver com os fundamentos substantivos (concernentes ao conhecimento da excepção de incompetência em razão da matéria) respeitantes à discussão do mérito da decisão.
O que a arguente visa no fundo é manifestar de novo a sua total discordância com o que foi decidido o que, sendo legítimo e natural, não equivale à demonstração de qualquer vício de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que inexiste pura e simplesmente.
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em indeferir o pedido de reforma do acórdão e a arguição de nulidade suscitada ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas b), c), d) e e) do Código de Processo Civil (esclarecendo-se, todavia, que os autos deverão ser remetidos para o Tribunal da Relação de Coimbra nos termos e para os efeitos do artigo 617º, nº 5, 2ª parte do Código de Processo Civil).
Custas pela recorrente/arguente, fixando-se a taxa de justiça do incidente em 2 (duas) UCs.
Lisboa, 11 de Julho de 2023.
Luís Espírito Santo (Relator)
Ana Resende
Maria José Mouro
Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.