INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
ALIENAÇÃO
APLICAÇÃO FINANCEIRA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS PRIVILEGIADOS
JUROS REMUNERATÓRIOS
COMISSÃO
BANCO
Sumário


I- No âmbito de resolução de instituição de crédito insolvente deliberada pelo Banco de Portugal, traduzida na transferência da actividade para uma “instituição de transição” tendo em vista a sua alienação futura, da titularidade exclusiva do Fundo de Resolução, a este cabe funcionalmente disponibilizar o apoio financeiro e prestar as garantias necessárias destinadas à execução de tal medida. 

II- A alienação das participações sociais da “instituição de transição”, assim como os mútuos contraídos em face da necessidade de constituição do património social da instituição de transição e da execução de garantias convencionadas com o adquirente dessas participações, encontram-se no raio de abrangência jurídico-patrimonial da medida de resolução, uma vez que a criação dessa instituição de transição visava a sua robustez patrimonial e posterior alienação, incluindo a prestação de garantias convencionadas em face do adquirente das participações destinadas a viabilizar essa alienação. Se tais operações são ainda consequência e têm a sua raiz de exigibilidade na medida de resolução que incide sobre a instituição insolvente, os créditos, no âmbito da sua circunscrição legal, resultantes dessas operações levadas a cabo pelo Fundo de Resolução, como entidade de financiamento e de garantia da resolução bancária (arts. 153º-C, 153º-M, 1, 153º-N, 153º-O, 145º-AA, 1, a), RGICSF), são devidos pela instituição de crédito objecto da resolução, pois são ainda correspondentes a prejuízos(-dívidas) imputáveis a esta instituição em razão da situação insolvencial de incumprimentos e perdas conducente à resolução. Isto é, a situação de insolvência de instituição de crédito intervencionada, fundante da medida de resolução e da intervenção financeira do Fundo de Resolução, constituem o quadro legitimador ex vi legis da constituição de contrapartidas para o Fundo de Resolução – uma delas é ser credor no montante correspondente aos recursos disponibilizados em face da instituição insolvente e resolvida.
               
III- De acordo com o art. 153º-M, 2, do RGICSF, «[o]s recursos disponibilizados nos termos do disposto no número anterior que não sejam utilizados para a realização do capital social da instituição de transição conferem ao Fundo um direito de crédito sobre a instituição de crédito objeto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de ativos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.»

IV- Tendo em conta o art. 145º-L, 4 e 5, do RGICSF, «[o] Banco de Portugal e o Fundo de Resolução podem recuperar as despesas razoáveis incorridas por força da aplicação das medidas de resolução, do exercício dos poderes de resolução ou dos poderes previstos no artigo 145.º-I, da seguinte forma: b) Da instituição de crédito objeto de resolução (…).» / Para efeitos do disposto no número anterior, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução, consoante aplicável, são titulares de um direito de crédito sobre a instituição de crédito objeto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de ativos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.»

V- As operações e providências adoptadas e os negócios celebrados pelo Fundo de Resolução, de acordo com a lei e os seus poderes como único titular das participações da “instituição de transição”, encontram sempre o seu fundamento jurídico-legal matricial na medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal para o saneamento da instituição financeira intervencionada, tendo em conta (na versão actual) os arts. 139º, 1 e 2, 140º, 1 e 2, 145º-C, 1 e 2, 145º-E, 1, b), 145º-O, 1, 145º-P, 1 a 3, 145º-AB, 1, 153º-C, 153º-M, 1, 153º-N e 153º-O, a) e b), do RGICSF.

VI- Para o efeito de aplicação do art. 47º, 1, do CIRE e tempestividade dos créditos reclamados, normativo aplicável por força do art. 8º, 1 e 2, do DL 199/2006, de 25 de Outubro, sendo credores da insolvência todos aqueles que são «titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração», tal «fundamento» só pode ser visto no facto jurídico do qual deriva o nexo causal entre os créditos obtidos e a sua reclamação no processo de liquidação com natureza insolvencial, em concatenação com o momento de produção de efeitos da declaração de insolvência (revogação da autorização para o exercício da actividade bancária).

VII- Só com base nesse fundamento, encontrado em termos globais na deliberação resolutiva do CA do Banco de Portugal e na constituição do “banco de transição” detido pelo Fundo de Resolução, se podem configurar as relações jurídicas e garantias imputadas ao Fundo de Resolução na relação com o banco intervencionado-resolvido em razão da medida de resolução: por um lado, decorrentes da celebração do “Acordo de Capitalização Contingente” associado à alienação parcial das participações do banco de transição, que levou ao pagamento à instituição de transição do valor das “perdas” relativas aos “activos improdutivos” da instituição intervencionada (de acordo com o denominado “mecanismo de capitalização contingente”), assim como a comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado para adquirir os meios de cumprimento dessa garantia de ressarcimento tal como convencionado (como “mecanismo de protecção”); por outro lado, os juros vencidos e pagos em relação aos contratos de mútuo celebrados com o Estado português e com um consórcio de bancos para efeitos da sua “capacitação financeira” enquanto titular único do banco de transição e obrigado à entrada para o património social da anónima (realização e subscrição do “capital social” em € 4.900.000.000).

VIII- O conceito de «despesas razoáveis», que a lei permite serem ressarcidas enquanto direito de crédito privilegiado, abrange esse juro remuneratório e essa comissão, pois tais despesas como crédito assentam num nexo de instrumentalidade e necessidade para as operações de financiamento da instituição de transição e de alienação das suas participações sociais, sendo estas inequivocamente operações destinadas à concretização das finalidades da medida de resolução aplicada à instituição de crédito agora em liquidação, e, ademais, num nexo de autonomia relativamente ao capital para financiamento do Fundo de Resolução (decisivo para não associar o juro enquanto remuneração à insusceptibilidade de qualificar como crédito privilegiado os montantes de capital mutuados para a “realização do capital social”, nos termos do art. 153º-M, 2, do RGICSF).

IX- Os créditos reclamados pelo Fundo de Resolução na liquidação judicial de natureza insolvencial da instituição objecto de resolução, relativos ao pagamento e execução de garantia em sede de alienação parcial das participações da instituição de transição, assim como o pagamento de tais juros remuneratórios e comissão, devem ser reconhecidos e qualificados como privilegiados, à luz da aplicação dos arts. 153º-M, 1 e 2, 145º-L, 4 e 5, e 166º, 1 e 2, do RGICSF.

Texto Integral




Processo n.º 18588/16.2T8LSB-EJ.L1.S1
Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção



Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I) RELATÓRIO

1. O Banco de Portugal, ao abrigo do regime previsto no Cap. II do DL 199/2006, de 25 de Outubro (regime de dissolução e liquidação de instituições de crédito com sede em Portugal), em face da revogação de autorização, emitida pelo Banco Central Europeu, para o exercício da actividade de instituição de crédito pela «Banco Espírito Santo, S. A.» (doravante, «BES, S. A.») e consequente declaração de insolvência e entrada em liquidação da instituição cuja autorização foi revogada, veio requerer a liquidação judicial da aludida «BES, S. A.», pedindo despacho de prosseguimento e nomeação dos membros da Comissão Liquidatária.  
            Foi proferida sentença (21/7/2016) em que foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial da «BES, S. A.» e nomeados os membros da Comissão Liquidatária, entre outras decisões relativas ao art. 36º do CIRE, transitada em julgada.

2. Por despacho proferido em 07/1/2019 nos autos de liquidação, foi fixado o dia 8 de Março de 2019 como termo para a apresentação das reclamações de créditos por parte dos credores.
Por despacho proferido em 25/2/2019, foi determinada a criação de apenso para o qual deveriam transitar todas as reclamações de créditos recebidas e a receber neste processo (cfr. ainda despachos de 28/2 e 4/3/2019).

3. Após anterior reclamação, o Fundo de Resolução apresentou Reclamação de Créditos, em substituição da anteriormente apresentada, requerendo que fossem reconhecidos os créditos reclamados no montante de € 791.694.980, € 448.873.911,25 e € 2.000.000 (dois milhões de euros), bem como os direitos de créditos emergentes do cumprimento de obrigações futuras que o Fundo de Resolução poderia ainda ser chamado a cumprir nos termos e para os efeitos dos acordos da operação de venda da sua participação na «Novo Banco, S. A.», assim como dos contratos de mútuo ainda em vigor e no âmbito dos quais ainda se venceriam obrigações de pagamento associados aos juros. Fundou-se no estabelecido pelos arts. 153º-M, 1 e 2, e 145º-L, 4 e 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, constante do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF).

4. A Comissão Liquidatária da «Banco Espírito Santo, S. A. – Em Liquidação» apresentou a lista de créditos reconhecidos, tendo os créditos reclamados pelo Fundo de Resolução sido incluídos na lista dos créditos não reconhecidos.
Foram apresentadas impugnações relativamente à lista em causa, entre elas, pelo Fundo de Resolução. Na impugnação, concluiu este credor reclamante pela procedência da impugnação e pelo reconhecimento dos créditos reclamados nos termos constantes da reclamação que apresentou, assim como requerer o reconhecimento do crédito de € 1.149.295.190 relativamente a um pagamento efectuado à «Novo Banco, S. A.» em 6/5/2019, alegando que ocorreu em momento posterior à dedução da respectiva reclamação de créditos.
A Comissão Liquidatária da «BES, S. A. – Em Liquidação» veio apresentar resposta à referida impugnação, alegando que o pagamento dos créditos reclamados pelo Fundo de Resolução não seria devido pela «BES, S. A.». Sustentou que nem os recursos financeiros disponibilizados pelo Fundo de Resolução no âmbito das obrigações por si assumidas no Acordo de Capitalização Contingente, nem os juros e as comissões suportados pelo Fundo de Resolução com a contratação de empréstimos e linhas de crédito com o Estado Português e um sindicato bancário, conferiam ao mesmo um direito de crédito sobre o BES; concluiu pela improcedência da impugnação.

5. Após exercício do contraditório nos termos do art. 3º, 3, do CPC, foi proferido despacho:

“Atento o número elevado de impugnações à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos (cerca de 1.946, sendo que o valor total impugnado ascende a 8,1 mil milhões de euros) e a importância que o reconhecimento ou não dos créditos reclamados pelo Fundo de Resolução (e respectiva natureza privilegiada ou não) terá no destino de todos os demais créditos, entende o Tribunal tratar autonomamente a impugnação apresentada por este credor ao abrigo dos princípios da economia e da adequação processual.”

Seguidamente, conhecendo directamente do pedido nos termos do art. 595º, 1, b), do CPC, o Juiz ... do Juízo de Comércio ... proferiu sentença na qual julgou a impugnação da lista de credores parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
“I – Reconheço ao Fundo de Resolução os seguintes créditos:
a) Um crédito privilegiado no montante de € 791.694.980,00;
b) Um crédito privilegiado no montante de € 448.873.911,25;
c) Um crédito privilegiado no montante de € 2.000.000 e
II – Absolve-se a ré Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S. A. – Em Liquidação do demais peticionado.”

6. Inconformada, a Comissão Liquidatária interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão julgando o recurso improcedente e mantendo a decisão recorrida, com voto de vencido.

7. Novamente inconformada, a Comissão Liquidatária veio interpor recurso de revista para o STJ, visando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que julgue integralmente improcedente a impugnação do Fundo de Resolução quanto à lista de credores.
A finalizar as suas alegações, aprentou as seguintes Conclusões:

“1.ª O presente recurso de revista tem por objeto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 24 de janeiro de 2023, o qual manteve a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

2.ª Apesar de o Tribunal da Relação de Lisboa ter confirmado a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, o Acórdão recorrido contém o voto de vencido da 1.ª Juíza Adjunta, Excelentíssima Senhora Desembargadora Paula Cardoso, no qual manifesta a sua discordância contra a decisão proferida e os seus fundamentos essenciais.

3.ª Deste modo, não restam dúvidas de que, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 671.º do CPC, cabe recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 24 de janeiro de 2023.

4.ª Por outro lado, constituindo o objeto do presente recurso o Acórdão proferido no apenso de verificação e graduação de créditos, não são aplicáveis as restrições de recorribilidade previstas no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE.

5.ª       Conforme tem sido o entendimento pacífico na Jurisprudência dos Tribunais superiores, a previsão da norma em apreço não abrange os apensos do processo de insolvência, designadamente o apenso da verificação e graduação de créditos.

6.ª       Face ao exposto, o presente recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC.

7.ª       No que diz respeito ao mérito do recurso, a questão que se coloca é a de saber se os créditos reclamados pelo Fundo de Resolução, no montante global de € 1.242.568.891,25, devem ou não ser reconhecidos nos autos de reclamação de créditos relativos à liquidação do BES.

8.ª       Neste contexto, as questões jurídicas decisivas que cumpre dilucidar referem-se, em síntese, à interpretação dos números 1 e 2 do artigo 153.º-M do RGICSF, à definição do conceito de despesas razoáveis previsto no número 4 do artigo 145º-L do RGICSF e à determinação do momento relevante para o surgimento de um crédito para os efeitos do disposto no artigo 47.º do CIRE.

9.ª       O Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu a primeira parcela do crédito reclamado, correspondente às quantias entregues pelo Fundo de Resolução ao Novo Banco ao abrigo do mecanismo de capitalização contingente, por entender que consubstanciam ainda recursos disponibilizados pelo Fundo de Resolução por determinação do Banco de Portugal para efeitos da aplicação de medidas de resolução (artigo 153.º-M, n.º 1 do RGICSF) que não foram utilizados para a realização do capital social da instituição de transição (artigo 153.º-M, n.º 2 do RGICSF).

10.ª No entanto, a ratio do artigo 153.º-M, n.º 2, do RGICSF, não permite que se distinga uma entrada para realizar capital social de uma cobertura de um prejuízo que permite equilibrar os capitais próprios em termos equivalentes.

11.ª O valor de uma participação social depende do valor dos capitais próprios (situação líquida)dasociedadee ovalor doscapitaisprópriosaumentasempre e na exata medida de qualquer entrada de capital feita pelos acionistas a título de realização do capital, de reintegração do capital ou de cobertura de perdas. A valorização de uma participação social não se verifica apenas quando são emitidas e realizadas novas ações. Naturalmente, uma participação social também se valoriza (e na exata mesma medida) sempre que os acionistas aportem capitais para cobertura de perdas/reintegração do capital social.

12.ª Caso tivesse o Fundo de Resolução optado por, previamente ao negócio, reforçar os capitais próprios do Novo Banco através de uma operação de redução e aumento do capital social – o que teria efeitos equivalentes – não se colocaria a possibilidade de invocação de qualquer direito perante o BES. Não podem, portanto, operações com efeitos similares conduzir a resultados diferentes quanto à posição do Fundo de Resolução.

13.ª A norma deve, pois, ser interpretada, ou ser a mesma instrumento de integração analógica, tendo em conta a sua razão de ser que é a de evitar um enriquecimento sem causa do Fundo de Resolução.

14.ª O número 2 do artigo 153.º-M do RGICSF não determina o surgimento automático de um crédito sobre a instituição de transição pois refere que o crédito pode surgir sobre a instituição de crédito objeto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de ativos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos (sublinhado nosso). Exige, deste modo, a norma uma análise casuística das pretensões creditícias, nomeadamente para determinar o fundamento do eventual crédito e os beneficiários dos recursos utilizados.

15.ª Ora, no caso, o BES não foi o destinatário ou beneficiário dos recursos. Na verdade, não existe qualquer crédito na medida em que em causa está o aporte de montantes destinados a reforçar o capital próprio do Novo Banco, sem geração de qualquer passivo na esfera deste.

16.ª O acórdão recorrido entendeu ainda fundamentar a decisão no entendimento de que a venda do Novo Banco se incluiu ainda na medida de resolução adotada em agosto de 2014. No entanto, se é certo que o artigo 145.º-O, n.º 1 do RGCISF, que regula a medida de resolução aplicada ao BES, se refere ao objetivo de posterior alienação da instituição de transição, já não determina os termos em que a venda de tal instituição deve ser concretizada. Foi o Fundo de Resolução que entendeu, porventura em consonância com as instituições europeias, garantir ao adquirente o valor de determinados ativos do Novo Banco, mas não era forçoso que o fizesse.

17.ª O BES não prestou qualquer garantia quanto ao valor de determinados ativos, nem houve qualquer intervenção sua na definição dos perímetros patrimoniais das duas instituições. Tal definição foi da responsabilidade exclusiva do Banco de Portugal (artigo 145.º-Q, n.º 1 do RGICSF).

18.ª O facto de os ativos improdutivos terem a sua origem no BES não pode fundamentar qualquer responsabilidade deste quanto ao seu alegado valor contabilístico.

19.ª O reconhecimento do crédito reclamado implica, em termos materiais, uma violação do princípio da estabilidade dos perímetros patrimoniais das duas instituições que o legislador quis ver garantido. Sendo certo que tal estabilidade – pretendida pelo legislador em benefício dos princípios da certeza e segurança jurídica – é por referência a ativos e passivos concretos e não por referência ao valor dos ativos integrados na instituição de transição.

20.ª O Banco de Portugal, enquanto autoridade competente, determinou que a estabilização definitiva dos perímetros ocorreu no dia 29/12/2015 por efeito da deliberação adotada pelo mesmo nessa data.

21.ª Relativamente à parcela remanescente do crédito reclamado pelo Fundo de Resolução, correspondente aos juros e à comissão paga nos contratos de financiamento, o Tribunal da Relação entendeu que configuravam despesas razoáveis incorridas por força da aplicação das medidas de resolução, do exercício dos poderes de resolução ou dos poderes previstos no artigo 145.º-I nos termos do artigo 145.º-L, n.º 4 do RGICSF.
 
22.ª Na perspetiva do Acórdão, o requisito da razoabilidade das despesas estaria por defeito preenchido, no entanto não pode tal tese vingar pois se se impôs que as despesas geradoras de um crédito fossem as razoáveis é porque necessariamente há outras que não o são.

23.ª A Autoridade Bancária Europeia (EBA) já se pronunciou sobre esta matéria a propósito do artigo 37.º, n.º 7 da Diretiva 2014/59/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (BRRD) que constitui a fonte próxima da norma do RGICSF em análise. Esta autoridade considerou que no conceito de despesas razoáveis não se incluem os custos de financiamento das medidas de resolução.

24.ª O recurso ao financiamento assume um caráter substitutivo da utilização de recursos próprios do Fundo de Resolução, logo a possibilidade de imputar à instituição resolvida os custos referentes a juros e comissões teria como consequência a desresponsabilização daqueles que devem ser os contribuidores do Fundo de Resolução e que são, em geral, as demais instituições de crédito.

25.ª No específico caso dos juros reclamados, importa ter presente que estes decorrem da realização do capital social que representa, em si, um custo não suscetível de gerar um crédito a favor do Fundo de Resolução. Por conseguinte, se os montantes utilizados para realizar o capital social da instituição de transição não podem ser imputados à instituição resolvida, por maioria de razão também os juros relativos aos montantes mutuados para realizar esse capital não o podem ser.

26.ª Nãopodepretender imputar-seao BESasortedaexistênciaounão derecursos próprios no Fundo. Também a comissão paga para efeitos de obtenção de capitais necessários para a realização de aportes no Novo Banco corresponde a um custo adicional em função da inexistência de recursos no Fundo de Resolução, logo não é o BES – um terceiro – que deve ser responsabilizado pelos custos da inexistência de recursos suficientes na esfera do Fundo de Resolução.

27.ª Por último, mas de modo não menos relevante, importa atender aos fundamentos dos créditos reclamados pelo Fundo de Resolução para efeitos do artigo 47.º do CIRE. Com efeito, o facto de tais fundamentos serem posteriores à declaração de insolvência impede, só por si, o reconhecimento dos créditos reclamados relativos ao Acordo de Capitalização Contingente e à comissão paga para capacitação financeira necessária ao cumprimento do mesmo.

28.ª Salienta-se que nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 199/2006, de 25 de outubro, a decisão de revogação da autorização bancária produz os efeitos da declaração de insolvência, pelo que o BES foi declarado insolvente no dia 13/07/2016.

29.ª Deste modo, apenas podem ser reconhecidos como créditos sobre a insolvência aqueles que tenham um fundamento anterior ao dia 13/07/2016, nos termos do artigo 47.º, n.º 1 do CIRE, aplicável ex vi do artigo 8.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 199/2006, de 25 de outubro.

30.ª O facto de os alegados créditos sobre o BES terem o seu antecedente na medida de resolução, não significa que seja esse o seu fundamento. O fundamento de um eventual crédito não pode ser outro que não o facto que vinculou o sujeito – no caso o Fundo de Resolução – a deveres concretos e, pelo menos, determináveis.

31.ª Não vale a teoria a que adere o acórdão que encontra o fundamento das pretensões do Fundode Resolução na medida de resolução adotadaem agosto de 2014, pois se é certo que a medida de resolução pressupõe a venda futura da instituição de transição, já não a exige nos termos em que foi concretizada.

32.ª Face ao exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado e, consequentemente, ser substituído por outro que julgue integralmente improcedente a impugnação do Fundo de Resolução da lista de credores, com todas as consequências legais.”
*
O Fundo de Resolução apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido na parte em que reconhece os mencionados créditos.
*

Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso

1.1. Não obstante a coincidência de julgados e, no essencial, da fundamentação, o voto de vencido declarado no acórdão recorrido impede a formação de dupla conformidade decisória obstativa da revista normal (art. 671º, 3, do CPC), que assim é de admitir.
Não se aplica o regime de revista restrita e atípica do art. 14º, 1, do CIRE, uma vez que estamos perante decisão proferida em apenso correspondente ao regulado nos arts. 128º e ss do CIRE (cfr. art. 132º do CIRE), aplicável por força dos arts. 8º, 1 e 2 («A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.»), e 9º, 3, do DL 199/2006.

1.2. Vistas as Conclusões da revista, que delimitam o objecto do recurso (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), a questão a decidir é saber do acerto na interpretação e aplicação dos arts. 153º-M, 1 e 2, e 145º-L, 4 e 5, do RGICSF, assim como do art. 47º, 1, do CIRE, no reconhecimento dos créditos reclamados pelo Fundo de Resolução perante a instituição de crédito objecto de Resolução pelo Banco de Portugal e assim julgados pelas instâncias no apenso de reclamação e verificação de créditos tramitado no âmbito da liquidação judicial da «BES, S. A.».
A Recorrente exerce no processo de liquidação judicial as funções cometidas ao administrador da insolvência pelo CIRE (art. 10º, 1, DL 199/2006).  

2. Factualidade

Foram considerados pelas instâncias os seguintes factos provados:

1) Por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução").[1]

2) Nos termos da Medida de Resolução, foi ainda determinada a constituição de um banco de transição – Novo Banco –, e a transferência para o mesmo da quase totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele.

3) No que respeita ao Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo "[Q]uaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais" (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação “Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA”[2]).

4) Com a subsequente clarificação de que “não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES.” (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra-referida Deliberação[3]).

5) O Banco de Portugal nomeou, ainda, no dia 3 de Novembro de 2014, novos administradores do Banco Espírito Santo, S.A., com o objectivo de gerirem os activos que não foram transferidos para o Novo Banco, S.A..

6) Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014:
a) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo;
b) Proibição de recepção de depósitos;
c) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias.

7) Estas medidas determinaram que, a partir de 3 de Agosto de 2014, o Banco Espírito Santo, S.A., tenha deixado de exercer qualquer actividade bancária, pois ficou impedido de efectuar qualquer uma das operações previstas no artigo 4.º, do RGICSF, limitando-se o novo órgão de administração a prosseguir os objectivos delineados na Medida de Resolução e nas demais normais legais aplicáveis, designadamente nas que regulam a adopção dessa mesma medida.

8) De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014").

9) Na referida comunicação, o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M.

10) Assim, segundo o Banco de Portugal "As perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individual e consolidado, colocando-o globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam actualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8% para o rácio total…".

11) O que configurou "um grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada, não respeitando, deste modo, os rácios mínimos de capital exigidos pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 94.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras…".

12) Neste contexto, por carta datada de 29 de Julho de 2014, o Banco de Portugal solicitou ao Banco Espírito Santo, S.A., a sua recapitalização, tendo este último comunicado, no dia 31 de Julho de 2014, que não era possível concretizar tal solução.

13) De acordo com o Banco de Portugal o Banco Espírito Santo, S.A., encontrava-se numa “situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de Junho até 31 de julho [de 2014], a posição de liquidez do Banco Espírito Santo, SA diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros", o que determinou que o BES se tivesse visto "forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA - Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de Agosto, cerca de 3.500 milhões de euros", porquanto já não podia recorrer "a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos activos de garantia aceites para o efeito e também pela limitação imposta pelo BCE em relação ao aumento do recurso do BES às operações de política monetária”.

14) No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu:

(i) Suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês; e
(ii) Obrigar o Banco Espírito Santo, S.A., a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao EUROSISTEMA.

15) De acordo com o Banco de Portugal, "a decisão do BCE de suspensão do Banco Espírito Santo, SA, como contraparte de operações de política monetária tornou insustentável a situação de liquidez deste, que já o tinha obrigado a recorrer excepcionalmente, com especial incidência nos últimos dias, à cedência de liquidez em situação de emergência por parte do Banco de Portugal.".

16) Ainda segundo o Banco de Portugal, os factos supra expostos "colocaram o Banco Espírito Santo, S.A., numa situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e, em consequência, dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, nos termos dos n.ºs 1 e 3, alínea c) do artigo 145.º - C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), pelo que, não sendo tomada, com urgência, a medida de resolução ora adoptada, a instituição caminharia inevitavelmente para a suspensão de pagamentos e para a revogação da autorização nos termos do artigo 23.º do RGICSF, com a consequente entrada em processo de liquidação, o que representaria um enorme risco sistémico e uma séria ameaça para a estabilidade financeira.".

17) Na sequência da aplicação da Medida de Resolução nos termos expostos, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco.

18) Esta decisão do Banco Central Europeu não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral da União Europeia, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

19) Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo n.º 18588/16.2T8LSB-J1, da ... Secção do Comércio da Instância Central da Comarca ....

20) Em 26 de Agosto de 2016, o Fundo de Resolução reclamou junto da Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S.A. - Em Liquidação ("BES") a verificação dos seus créditos, nos termos do artigo 128.º, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.

21) Em concreto, o Fundo de Resolução reclamou a verificação de:

a) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 298.685.378,23, emergente dos juros pagos no âmbito dos contratos de mútuo celebrados, quer com o Estado Português, quer com um consórcio de oito instituições de crédito, para efeitos do cumprimento pelo Fundo de Resolução da sua obrigação legal de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução conforme determinado pelo Banco de Portugal (€ 254.415.338,86 relativos ao contrato de mútuo celebrado com o Estado Português e € 44.270.039,27 relativos ao contrato de mútuo celebrado com um consórcio de bancos);
b) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 9.671.445,00, emergente das despesas com os serviços de assessoria externa prestados no contexto do processo de alienação de acções representativas do capital social do Novo Banco, S.A., detidas pelo Fundo de Resolução;
c) Um direito de vir reclamar outros créditos futuros à liquidação emergentes (a) dos dois contratos de mútuo acima identificados, que ainda se encontram em vigor e a ser executados, e no âmbito dos quais novas obrigações de pagamento de juros e comissões se irão vencer ao longo do tempo e (b) da contratação de assessoria externa de apoio ao processo de alienação da participação do Fundo de Resolução no capital social do Novo Banco, S.A. e que, à data da apresentação da reclamação de verificação de créditos, ainda não estava concluída.

22) Em 8 de Março de 2019, o Fundo de Resolução apresentou uma nova reclamação de verificação de créditos em substituição da sua anterior reclamação.

23) Nesse segundo momento, o Fundo de Resolução veio reclamar a verificação de:

a) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 791.694.980,00, correspondente aos montantes já disponibilizados pelo Fundo de Resolução no cumprimento das suas obrigações assumidas ao abrigo e nos termos dos acordos da operação de venda do Novo Banco, S.A. (concretamente, do mecanismo de capitalização contingente);
b) Um direito de crédito privilegiado no montante de € 448.873.911,25, correspondente aos montantes despendidos pelo Fundo de Resolução, entre 31 de Março de 2015 e 28 de Fevereiro de 2019, no pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e o consórcio de instituições de crédito, para efeitos da sua capacitação financeira para a realização do capital social do Novo Banco, S.A., em 3 de Agosto de 2014, no momento da adopção da Medida de Resolução;
c) Um direito de crédito privilegiado no montante de € 2.000.000, correspondente ao montante da comissão já paga no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento das obrigações assumidas ao abrigo e nos termos dos acordos da operação de venda do Novo Banco, S.A. (concretamente, do mecanismo de capitalização contingente).

24) O Fundo de Resolução reservou-se, ainda, o direito de vir a reclamar outros créditos futuros, emergentes quer do cumprimento de obrigações futuras nos termos e para os efeitos dos acordos da operação de venda da sua participação no Novo Banco, S.A., quer dos contratos de mútuo ainda em vigor e no âmbito dos quais ainda se vencerão obrigações de pagamento associados aos juros.

25) Por carta de 30 de Maio de 2019 (recebida pelo Fundo de Resolução no dia 31 seguinte), a Comissão Liquidatária comunicou-lhe a decisão da respectiva inclusão “na lista de credores não reconhecidos”.

26) Constam desta decisão os seguintes fundamentos:

a) Quanto ao referido direito de crédito de € 791.694.980, a Comissão Liquidatária considerou que “os recursos financeiros disponibilizados pelo Fundo de Resolução no âmbito das obrigações por si assumidas no Acordo de Capitalização Contingente […] não conferem ao Fundo de Resolução um crédito sobre o BES ao abrigo do artigo 153.º-M do RGICSF”
b) Por um lado, por nessa norma se prever que “os recursos disponibilizados conferem um direito de crédito sobre a instituição objecto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de activos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos”, sugerindo “[a] disjuntiva […] que o direito de crédito não é gerado indistintamente sobre qualquer uma destas entidades, o que é confirmado pela utilização da expressão «conforme os casos»” e por não ter sido “o banco objeto de resolução o destinatário dos recursos disponibilizados pelo Fundo de Resolução, mas antes o banco de transição”.
c) A Comissão Liquidatária acrescentou, ainda, que tal “interpretação apoia-se ainda no facto de o legislador ter expressamente vedado que os recursos disponibilizados com a aportação do capital social ao banco de transição pudessem conferir um direito de crédito ao Fundo de Resolução, pelo que em qualquer caso seria controverso que um recurso disponibilizado como mecanismo de capitalização do banco de transição pudesse ter tal efeito”.
d) Em segundo lugar, quanto ao direito de crédito reclamado pelo Fundo de Resolução pelos juros e comissões pagos nos termos dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e com um consórcio de bancos – referido nas alíneas b) e c) do artigo 4.º supra –, considerou a Comissão Liquidatária que “os mesmos não se subsumem na previsão normativa do artigo 145.º-L, n.º 4 e 5, do RGICSF”, sendo que “apenas estão compreendidos neste artigo despesas acessórias (custos com pessoal, assessoria, avaliações, etc.) e não os custos relativos aos acordos de financiamento da medida de resolução, incluindo os custos de capacitação financeira do Fundo de Resolução (sendo certo que a lei prescreve outras vias para a capacitação financeira do Fundo de Resolução)”.

27) Em 31 de Março de 2017, na sequência do procedimento de alienação do banco de transição desencadeado para o efeito, foi celebrado o contrato de compra e venda e de subscrição de acções do Novo Banco (o “SPA”) entre o Fundo de Resolução e o respectivo adquirente (a Nani Holdings, SGPS, S.A., uma sociedade do grupo LONE STAR constituída para o efeito), através do qual foi alienado 75% do capital social do banco de transição detido pelo Fundo de Resolução.

28) No SPA vem previsto um mecanismo de capitalização contingente (o “CCA”).

29) Os documentos da operação de venda do Novo Banco, incluindo, portanto, o SPA e o CCA, foram aprovados pelo Banco de Portugal, através de Deliberação de 31 de Março de 2017, que, nessa sequência, determinou ao Fundo de Resolução, por deliberação dessa mesma data, que procedesse à assinatura dos documentos contratuais e que praticasse todos os actos e operações adequados e necessários à boa execução da globalidade dos acordos da operação.

30) O referido mecanismo de capitalização contingente previsto no SPA viria a ser formalizado através da celebração do Acordo de Capitalização Contingente ou CCA, em 18 de Outubro de 2017.

31) Nos termos previstos nas respectivas cláusulas, o vendedor (o Fundo de Resolução) comprometeu-se a realizar pagamentos ao Novo Banco (com um limite de 3.890 milhões de euros) no caso de se materializarem certas condições cumulativas relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de activos do Novo Banco e desde que sejam adversamente afectados os níveis de capitalização a que este está obrigado.

32) Concretizando, através de tal mecanismo, o Fundo de Resolução assumiu e declarou ao comprador, no contexto da venda de uma participação do capital social do Novo Banco, que determinados activos desse banco tinham um determinado valor (contabilístico), a uma determinada data de referência, e assumiu a obrigação de – caso esses activos viessem a registar perdas em relação ao valor declarado pelo Fundo de Resolução na data de referência em causa e tais perdas seriam geradoras da uma situação de insuficiência pelo Novo Banco dos limiares mínimos de capital – injectar a diferença no Novo Banco.

33) Trata-se de um conjunto de activos cujo titular originário era o Banco Espírito Santo, S.A., que foram objecto de transferência para o Novo Banco com a medida de resolução e que, por razões relacionadas com a sua consistência e qualidade, foram seleccionados para efeitos do referido mecanismo.

34) No essencial, estão em causa activos improdutivos, em muitos casos créditos em incumprimento e outros activos, incluindo algumas participações, e que, em grande medida, integravam já a chamada carteira “non-core” do Novo Banco, tal como definida nos compromissos assumidos pelo Estado Português perante a Comissão Europeia em Dezembro de 2015, altura em que a Comissão Europeia começou por exigir a separação da actividade do Novo Banco entre core e non-core e fixou requisitos de redução progressiva aos activos non-core, de forma a garantir a viabilidade do banco de transição.

35) Esta condição, ou este mecanismo de capitalização contingente, constitui um elemento estruturante da venda do Novo Banco e mostrou-se indispensável para a sua viabilização.

36) Ao longo do processo de venda, os participantes foram manifestando dúvidas quanto ao valor ou ao risco associado a determinados activos que integravam o “legado” do Banco Espírito Santo, S.A. – os referidos activos improdutivos, que não são considerados estratégicos face à missão central do Novo Banco.

37) A existência de um mecanismo de protecção relativo ao valor de certos activos provenientes do Banco Espírito Santo, S.A., foi, assim, condição essencial de diferentes propostas recebidas no âmbito do processo de venda e foi também considerada essencial pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia para garantir a viabilidade da instituição e, portanto, para permitir a aprovação da operação de venda por aquelas autoridades.

38) Neste contexto, em 24 de Maio de 2018, o Fundo de Resolução, após verificar que as condições contratualmente previstas se encontravam reunidas, realizou um pagamento ao Novo Banco resultante da aplicação do mecanismo de capitalização contingente, no valor de € 791.694.980.

39) Em virtude de julgar asseguradas as finalidades da resolução do Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal determinou a cessão da aplicação do regime das instituições de transição ao Novo Banco, no dia 3 de Outubro de 2017, com efeitos imediatamente após a conclusão da operação de venda.

40) Em 6 de Maio de 2019, o Fundo de Resolução procedeu a um pagamento ao Novo Banco, S.A., no âmbito do accionamento do mecanismo de capitalização contingente previsto nos contratos celebrados relativos à venda do Novo Banco.

41) Este pagamento ascendeu a € 1.149.295.109 (mil cento e quarenta e nove milhões, duzentos e noventa e cinco milhares e cento e nove euros).

42) O Fundo de Resolução despendeu os montantes de:

a) € 448.873.911,25, até 28 de Fevereiro de 2019, no pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e com um consórcio de bancos para efeitos da sua capacitação financeira para a realização do capital social do Novo Banco;

b) € 2.000.000, a título de comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento do apoio financeiro previsto no CCA.

43) No contexto da aplicação da medida de resolução do Banco Espírito Santo, S.A., em 3 de Agosto de 2014, foi determinado pelo Banco de Portugal a intervenção do Fundo de Resolução para a realização e subscrição do capital social do banco de transição constituído nessa data, no valor de € 4.900.000.000.

44) Para esse efeito, foi necessário obter, num curtíssimo espaço de tempo, os correspondentes meios financeiros, o que exigiu o recurso a meios complementares de financiamento, atendendo a que o Fundo de Resolução só tinha sido constituído em 2012 e, volvidos 2 anos, dispunha de recursos próprios de montante muito inferior (€ 377.000.000) ao que se revelou necessário para a realização do capital social do Novo Banco.

45) Dado o carácter excepcionalmente urgente e inadiável da medida de resolução, o apoio financeiro concedido pelo Fundo de Resolução à realização do capital social do Novo Banco exigiu o recurso a um empréstimo pelo Estado (no valor de € 3.900.000.000) e por um conjunto de instituições de crédito participantes no Fundo (no valor de € 700.000.000).

46) Por outro lado, posteriormente, a fim de assegurar que o Fundo de Resolução reunia as condições necessárias para satisfazer tempestiva e pontualmente as obrigações financeiras para si decorrentes da venda do Novo Banco (nomeadamente, as previstas no CCA), foram celebrados com o Estado Português o “Acordo Quadro quanto à Disponibilização de Meios Financeiros para a Satisfação das Obrigações do Fundo de Resolução” e o Contrato de Abertura de Crédito.

47) Não obstante o facto de o Fundo de Resolução, ter continuado a receber, desde 3 de Agosto de 2014, as contribuições das instituições de crédito nele participantes e as demais fontes de receita previstas na lei, continuou naturalmente a não dispor de meios financeiros suficientes para acorrer ao apoio financeiro que, no momento da conclusão da venda, se revelou necessário.

48) Em 3 de Agosto de 2014, deixou de dispor de fundos e, por outro lado, teve de acorrer, ao longo de todo esse tempo, ao pagamento dos juros previstos nos primeiros contratos de mútuo celebrados (com o Estado e com um consórcio de bancos), acima referidos.

49) Por despacho datado de 7 de Janeiro de 2019, o Tribunal fixou o dia 8 de Março de 2019 como termo para a apresentação das reclamações de créditos por parte dos credores.


3. Fundamentação de direito

3.1. O acórdão recorrido desenvolveu a seguinte argumentação para as questões que agora devem ser reapreciadas.

Transcreve-se:
           
3.1.1. “[Quanto aos fundos disponibilizados ao Novo Banco nos termos do mecanismo de capitalização contingente serem susceptíveis de gerar um crédito a favor do Fundo de Resolução, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 153º-M do RGICSF, por poderem ser considerados recursos disponibilizados para efeitos da aplicação de medidas de resolução não utilizados para a realização do capital social da instituição de transição, uma vez ter sido considerado verificado como privilegiado o crédito reclamado pelo credor/recorrido Fundo de Resolução no montante de € 791.694.980,00.]

Encontra-se provado que, por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, às 20 horas, foi determinada a sujeição do Banco Espírito Santo, S.A., à medida de resolução prevista no artigo 145.º-G, n.º 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ("Medida de Resolução").
Nos termos da Medida de Resolução, foi determinada a constituição de um banco de transição - Novo Banco - e a transferência para o mesmo da quase totalidade dos activos, licenças e direitos do Banco Espírito Santo, S.A., incluindo direitos de propriedade, bem como todos os trabalhadores e prestadores de serviços que, até então, se integravam naquele.
No que respeita ao Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal deliberou que permaneceriam no mesmo "[Q]uaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais" (cfr. a alínea H) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 11 de Agosto de 2014, às 17 horas, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra referida Deliberação "Activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espírito Santo objeto de transferência para o Novo Banco, SA"). Com a subsequente clarificação de que "não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES." (cfr. a alínea A) da Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovada em Reunião Extraordinária a 29 de Dezembro de 2015, destinada a clarificar e ajustar determinados aspectos das medidas aprovadas na supra-referida Deliberação).
Paralelamente, no dia 11 de Agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou ao Banco Espírito Santo, S.A., as seguintes medidas de intervenção correctiva e providências, com efeitos a 3 de Agosto de 2014:

d) Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu activo;
e) Proibição de recepção de depósitos;
f) Dispensa, pelo prazo de um ano (posteriormente prorrogado pelo período adicional de um ano, na sequência de Deliberação do Banco de Portugal de 30 de Novembro de 2015, e com produção de efeitos a 3 de Agosto de 2015), da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal poderia autorizar as operações necessárias.

De acordo com o Banco de Portugal, a Medida de Resolução foi desencadeada na sequência e devido à informação divulgada pelo Banco Espírito Santo, S.A., junto da CMVM, em 30 de Julho 2014 ("Comunicação BES de 30 de Julho de 2014"), nos termos da qual o Banco Espírito Santo, S.A., divulgou prejuízos no montante global de € 3.577,3M com referência à actividade do primeiro semestre de 2014, resultantes, por sua vez, de encargos com imparidades e contingências no montante global de € 4.253,5M.

No dia 1 de Agosto de 2014, o Conselho do Banco Central Europeu decidiu:

(iii) Suspender o estatuto de contraparte do Banco Espírito Santo, S.A., com efeitos a partir do dia 4 desse mês; e
(iv) Obrigar o Banco Espírito Santo, S.A., a reembolsar o crédito de aproximadamente € 10.000M ao EUROSISTEMA.

Na sequência da aplicação da Medida de Resolução nos termos expostos, que esteve em vigor durante cerca de dois anos, em 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da actividade bancária, a partir das 19 horas desse dia, o que implicou a dissolução e a entrada em liquidação do banco, decisão essa que não foi objecto de impugnação para o Tribunal Geral da União Europeia, nos termos do artigo 263.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Na sequência dessa deliberação, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do Banco Espírito Santo, S.A., tendo sido proferido despacho de prosseguimento em 21 de Julho de 2016, no âmbito do Processo de que a Reclamação de Créditos constitui apenso.
Em 26 de Agosto de 2016, o Fundo de Resolução reclamou junto da Comissão Liquidatária do Banco Espírito Santo, S.A. - Em Liquidação (“BES”) a verificação dos seus créditos, nos seguintes termos:

a) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 298.685.378,23, emergente dos juros pagos no âmbito dos contratos de mútuo celebrados, quer com o Estado Português, quer com um consórcio de oito instituições de crédito, para efeitos do cumprimento pelo Fundo de Resolução da sua obrigação legal de prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução conforme determinado pelo Banco de Portugal (€ 254.415.338,86 relativos ao contrato de mútuo celebrado com o Estado Português e € 44.270.039,27 relativos ao contrato de mútuo celebrado com um consórcio de bancos);
b) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 9.671.445,00, emergente das despesas com os serviços de assessoria externa prestados no contexto do processo de alienação de acções representativas do capital social do Novo Banco, S.A., detidas pelo Fundo de Resolução;
c) Um direito de vir reclamar outros créditos futuros à liquidação emergentes (a) dos dois contratos de mútuo acima identificados, que ainda se encontram em vigor e a ser executados, e no âmbito dos quais novas obrigações de pagamento de juros e comissões se irão vencer ao longo do tempo e (b) da contratação de assessoria externa de apoio ao processo de alienação da participação do Fundo de Resolução no capital social do Novo Banco, S.A. e que, à data da apresentação da reclamação de verificação de créditos, ainda não estava concluída.
Em 8 de Março de 2019, o Fundo de Resolução apresentou uma nova reclamação de verificação de créditos em substituição da sua anterior reclamação, tendo nessa reclamado a verificação de:
a) Um direito de crédito privilegiado, no montante de € 791.694.980,00, correspondente aos montantes já disponibilizados pelo Fundo de Resolução no cumprimento das suas obrigações assumidas ao abrigo e nos termos dos acordos da operação de venda do Novo Banco, S.A. (concretamente, do mecanismo de capitalização contingente);
b) Um direito de crédito privilegiado no montante de € 448.873.911,25, correspondente aos montantes despendidos pelo Fundo de Resolução, entre 31 de Março de 2015 e 28 de Fevereiro de 2019, no pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e o consórcio de instituições de crédito, para efeitos da sua capacitação financeira para a realização do capital social do Novo Banco, S.A., em 3 de Agosto de 2014, no momento da adopção da Medida de Resolução;
c) Um direito de crédito privilegiado no montante de € 2.000.000, correspondente ao montante da comissão já paga no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento das obrigações assumidas ao abrigo e nos termos dos acordos da operação de venda do Novo Banco, S.A. (concretamente, do mecanismo de capitalização contingente).
O Fundo de Resolução, ora recorrido, reservou-se, ainda, o direito de vir a reclamar outros créditos futuros, emergentes quer do cumprimento de obrigações futuras nos termos e para os efeitos dos acordos da operação de venda da sua participação no Novo Banco, S.A., quer dos contratos de mútuo ainda em vigor e no âmbito dos quais ainda se vencerão obrigações de pagamento associados aos juros.
Por carta de 30 de Maio de 2019 (recebida pelo Fundo de Resolução no dia 31 seguinte), a Comissão Liquidatária comunicou-lhe a decisão da respectiva inclusão “na lista de credores não reconhecidos”, invocando os seguintes fundamentos:
a) Quanto ao referido direito de crédito de € 791.694.980, a Comissão Liquidatária considerou que “os recursos financeiros disponibilizados pelo Fundo de Resolução no âmbito das obrigações por si assumidas no Acordo de Capitalização Contingente […] não conferem ao Fundo de Resolução um crédito sobre o BES ao abrigo do artigo 153.º-M do RGICSF”
b) Por um lado, por nessa norma se prever que “os recursos disponibilizados conferem um direito de crédito sobre a instituição objecto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de activos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos”, sugerindo “[a] disjuntiva […] que o direito de crédito não é gerado indistintamente sobre qualquer uma destas entidades, o que é confirmado pela utilização da expressão «conforme os casos»” e por não ter sido “o banco objeto de resolução o destinatário dos recursos disponibilizados pelo Fundo de Resolução, mas antes o banco de transição”.
c) A Comissão Liquidatária acrescentou, ainda, que tal “interpretação apoia-se ainda no facto de o legislador ter expressamente vedado que os recursos disponibilizados com a aportação do capital social ao banco de transição pudessem conferir um direito de crédito ao Fundo de Resolução, pelo que em qualquer caso seria controverso que um recurso disponibilizado como mecanismo de capitalização do banco de transição pudesse ter tal efeito”.
Encontra-se igualmente demonstrado que, em 31 de Março de 2017, na sequência do procedimento de alienação do banco de transição desencadeado para o efeito, foi celebrado o contrato de compra e venda e de subscrição de acções do Novo Banco (o “SPA”) entre o Fundo de Resolução e o respectivo adquirente (a Nani Holdings, SGPS, S.A., uma sociedade do grupo LONE STAR constituída para o efeito), através do qual foi alienado 75% do capital social do banco de transição detido pelo Fundo de Resolução. Nesse contrato vem previsto um mecanismo de capitalização contingente (o “CCA”), o qual viria a ser formalizado através da celebração do Acordo de Capitalização Contingente ou CCA, em 18 de Outubro de 2017.
Nos termos previstos nas respectivas cláusulas, o vendedor (o Fundo de Resolução) comprometeu-se a realizar pagamentos ao Novo Banco (com um limite de 3.890 milhões de euros) no caso de se materializarem certas condições cumulativas relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de activos do Novo Banco e desde que sejam adversamente afectados os níveis de capitalização a que este está obrigado.
Através de tal mecanismo, o Fundo de Resolução assumiu e declarou ao comprador, no contexto da venda de uma participação do capital social do Novo Banco, que determinados activos desse banco tinham um determinado valor (contabilístico), a uma determinada data de referência, e assumiu a obrigação de – caso esses activos viessem a registar perdas em relação ao valor declarado pelo Fundo de Resolução na data de referência em causa e tais perdas seriam geradoras da uma situação de insuficiência pelo Novo Banco dos limiares mínimos de capital – injectar a diferença no Novo Banco.
Trata-se de um conjunto de activos cujo titular originário era o Banco Espírito Santo, S.A., que foram objecto de transferência para o Novo Banco com a medida de resolução e que, por razões relacionadas com a sua consistência e qualidade, foram seleccionados para efeitos do referido mecanismo.
No essencial, estão em causa activos improdutivos, em muitos casos créditos em incumprimento e outros activos, incluindo algumas participações, e que, em grande medida, integravam já a chamada carteira “non-core” do Novo Banco, tal como definida nos compromissos assumidos pelo Estado Português perante a Comissão Europeia em Dezembro de 2015, altura em que a Comissão Europeia começou por exigir a separação da actividade do Novo Banco entre core e non-core e fixou requisitos de redução progressiva aos activos non-core, de forma a garantir a viabilidade do banco de transição.
Esta condição, ou este mecanismo de capitalização contingente, constitui um elemento estruturante da venda do Novo Banco e mostrou-se indispensável para a sua viabilização.
Ao longo do processo de venda, os participantes foram manifestando dúvidas quanto ao valor ou ao risco associado a determinados activos que integravam o “legado” do Banco Espírito Santo, S.A. – os referidos activos improdutivos, que não são considerados estratégicos face à missão central do Novo Banco.
A existência de um mecanismo de protecção relativo ao valor de certos activos provenientes do Banco Espírito Santo, S.A., foi, assim, condição essencial de diferentes propostas recebidas no âmbito do processo de venda e foi também considerada essencial pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia para garantir a viabilidade da instituição e, portanto, para permitir a aprovação da operação de venda por aquelas autoridades.
Neste contexto, em 24 de Maio de 2018, o Fundo de Resolução, após verificar que as condições contratualmente previstas se encontravam reunidas, realizou um pagamento ao Novo Banco resultante da aplicação do mecanismo de capitalização contingente, no valor de € 791.694.980.
Em virtude de julgar asseguradas as finalidades da resolução do Banco Espírito Santo, S.A., o Banco de Portugal determinou a cessação da aplicação do regime das instituições de transição ao Novo Banco, no dia 3 de Outubro de 2017, com efeitos imediatamente após a conclusão da operação de venda.
À data dos factos, existiam na ordem jurídica portuguesa quatro vias ao dispor das autoridades para intervir no âmbito da crise do BES: a aplicação de uma medida de resolução prevista nos artigos 145.º-A e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante RGICSF), a recapitalização com recurso ao investimento público – cfr a Lei nº 1/2014, de 16 de Janeiro, que procedeu à oitava alteração e à republicação da Lei n.° 63-A/2008, de 24 de Novembro, aplicável à concessão de medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira e da disponibilização de liquidez nos mercados financeiros –, a nacionalização – solução aplicável por força da Lei n° 62-A/2008 de 11 de Novembro, que nacionalizou todas as acções representativas do capital social do Banco Português de Negócios, S.A. – e a liquidação judicial.
No caso do BES, o Banco de Portugal optou pela aplicação de uma medida de resolução em detrimento das restantes. Não obstante à data não se encontrar ainda em vigor o Regulamento EU nº 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2014, regulamento que teve como objectivo a criação de um poder centralizado de resolução ao nível europeu e que veio complementar a Directiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014 (doravante Directiva RRB), que estabeleceu um enquadramento para a Recuperação e a Resolução de Bancos, a lei portuguesa continha já parte substancial das inovações europeias, fruto de alterações efectuadas ao RGICSF a partir da aprovação do Decreto-Lei n.° 31-A/2012, de 10 de Fevereiro.
Como refere André Mendes Barata, “O Mecanismo Único de Resolução: Análise à luz do caso BES”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2018, I, pág. 24:
“Na prática, a legislação portuguesa em vigor à data da resolução do BES correspondia em grande medida as regras contidas no MUR ao nível do elenco de medidas de resolução, dos seus princípios orientadores, da criação de um Fundo de Resolução e da atribuição de poderes a uma instituição que deveria operar como Autoridade de Resolução. Além de tais semelhanças, o legislador nacional procedeu ainda a uma transposição parcial da Directiva RRB através do Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1 de Agosto, e do Decreto-Lei n.° 114-B/2014, de 4 de Agosto, que novamente alteraram o RGICSF, dotando-o de uma ainda maior conformidade com o novo regime de resolução europeu.
Foi assim de acordo com uma legislação nacional inspirada nas novas regras europeias que o BdP decidiu aplicar ao BES uma medida de resolução. Nesse seguimento, procedeu-se a uma separação entre os “activos problematicos (...) por cujas perdas respondem os accionistas e os credores subordinados do Banco Espirito Santo, S.A. e os restantes activos e passivos, que são integrados no Novo Banco, um banco devidamente capitalizado e que assegura a plena continuidade da actividade da instituição, sem impactos para os seus clientes, colaboradores ou fornecedores”. Esta separação foi construída de forma a não implicar custos para os contribuintes, na medida em que o capital social do Novo Banco, no valor de 4,9 mil milhões de euros, foi integralmente subscrito pelo Fundo de Resolução.
Porém, no momento da resolução, foi necessária a mobilização de dinheiros públicos para a capitalização do Novo Banco, pois tendo o Fundo de Resolução existente em Portugal sido criado apenas em 2012, não estava “ainda dotado de recursos financeiros em montante suficiente para financiar a medida de resolução aplicada, e assim sendo o Fundo contraiu um empréstimo junto do Estado Português (...) temporário e substituível por empréstimos de instituições de crédito.
O BdP utilizou os poderes que estavam ao seu dispor ao abrigo do artigo 145.º do RGICSF de modo a criar um banco de transição, para onde transferiu parte da actividade do BES de acordo com a medida de resolução prevista no artigo 145.° C, nº1. alínea b) do RGICSF. Esse banco de transição, denominado Novo Banco, viu o seu capital social ser integralmente detido pelo Fundo de Resolução Português, sendo este o responsável por realizar os fundos dessa instituição, nos termos dos nos 3 e 4 do artigo 145.º G do RGICSF.
Quanto ao BES, perante a sua situação de debilidade no mercado e posterior transferência de parte significativa do seu património e actividade para o Novo Banco, o BdP decidiu-se pela aplicação de três medidas: a “proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que esta aplicação de fundos se revele necessária para a preservação e valoração do seu activo”, nos termos do artigo 141.º n.º 1 alíneas e) e f) do RGICSF; a “proibição de recepção de depósitos”, nos termos do artigo 141.º n.º 1, alinea f) do RGICSF; e a “dispensa, pelo prazo de um ano, da observância das normas prudenciais aplicáveis e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente mente contraídas, excepto se esse cumprimento se revelar indispensável para a preservação e valorização do seu activo, caso em que o Banco de Portugal pode autorizar as operações necessárias”, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 145.º J do RGICSF.
Em termos sintéticos, e fazendo uma utilização conjugada de medidas de resolução e de medidas de intervenção correctiva dirigidas ao BES, que conduziram à criação do Novo Banco, assistiu-se a uma verdadeira separação da actividade da instituição intervencionada em duas entidades: um banco bom e um banco mau.
Nesta intervenção foi notória a preocupação do BdP em dar seguimento a dois dos princípios estabelecidos nas novas regras europeias: a protecção dos contribuintes e dos depositantes, e a imputação das perdas aos accionistas e credores das instituições-alvo de medidas de resolução”.
A medida de resolução vem sendo apontada pelos autores como uma medida de ultima ratio. Diz Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, in Direito Civil e Sistema Financeiro, Princípia, 2016, pág. 88, citando Mariana Duarte da Silva, “Os novos regimes de intervenção e liquidação aplicáveis às instituições de crédito”, pág. 405 e ss: “A este propósito, Mariana Duarte da Silva aduz que a medida de resolução tem lugar quando as perspetivas de recuperação e saneamento de uma instituição financeira se mostram goradas na sequência de uma intervenção corretiva na instituição, ou não tendo esta tido lugar, se mostram irrealistas. Poderá, ainda, ter lugar se a liquidação da instituição de crédito puser em causa o interesse público, definido por referência às finalidades estabelecidas no art. 145º-A (…).
Compreende-se que assim seja. Na verdade, se a liquidação da instituição bancária visa, primeiramente, a salvaguarda dos interesses dos credores daquela, a medida de resolução cumpre muito claramente as finalidades enunciadas no artigo 145º -C RGICSF: assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais para a economia; prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente o contágio entre entidades, incluindo as infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; proteger os fundos e os ativos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados.
Nas palavras de Menezes Cordeiro, a ideia fundamental é evitar que o erário público e, portanto, todos os contribuintes sejam chamados a arcar com os prejuízos de uma gestão da instituição financeira. Entre os que são chamados a suportar os prejuízos contam-se, segundo uma ordem definida pelo legislador, nos termos do artigo 145º-D, nº1, alíneas a) e b) do RGICSF, os acionistas da instituição financeira objeto da medida de resolução e os credores da instituição financeira, em condições equitativas e de acordo com a hierarquia das várias classes de credores”.

À data da medida de resolução do BES, estabelecia o artigo 153.º-M, do RGICSF:

“1 - O Fundo disponibiliza os recursos determinados pelo Banco de Portugal para efeitos da aplicação de medidas de resolução.
2 - Os recursos disponibilizados nos termos do disposto no número anterior que não sejam utilizados para a realização do capital social do banco de transição conferem ao Fundo um direito de crédito sobre a instituição participante que seja objeto da medida de resolução, sobre o banco de transição ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos e beneficiando dos privilégios creditórios previstos no n.º 3 do artigo 166.º-A.
O nº 2 desta norma foi introduzido pelo Dec. Lei 114-A/2014, de 01 de Agosto, sendo a sua redacção materialmente idêntica à actualmente em vigor.

Nos termos deste art. 166º-A:

“1 - Os créditos por depósitos abrangidos pela garantia do Fundo, dentro do limite previsto no artigo 166.º, gozam de privilégio geral sobre os bens móveis da instituição depositária e de privilégio especial sobre os imóveis próprios da mesma instituição de crédito.
2 - Os créditos que gozam de privilégio creditório nos termos do número anterior têm preferência sobre todos os demais privilégios, com exceção dos privilégios por despesas de justiça, dos privilégios por créditos laborais dos trabalhadores da instituição e dos privilégios por créditos fiscais do Estado, autarquias locais e organismos de segurança social.”

Por seu turno, dispõe o artigo 145º-L, na redacção introduzida pela Lei nº 23-A/2015, que:
“(…)
4 - O Banco de Portugal e o Fundo de Resolução podem recuperar as despesas razoáveis incorridas por força da aplicação das medidas de resolução, do exercício dos poderes de resolução ou dos poderes previstos no artigo 145.º-I, da seguinte forma:
a) Como dedução de contrapartidas pagas por um transmissário, para o qual foram transferidos direitos, obrigações, acções ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objecto de resolução, à instituição de crédito objecto de resolução ou, se aplicável, aos titulares de acções ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito;
b) Da instituição de crédito objecto de resolução;
c) Do produto gerado no encerramento das actividades da instituição de transição ou do veículo de gestão de activos.
5 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução, consoante aplicável, são titulares de um direito de crédito sobre a instituição de crédito objecto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de activos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.
(…).”

Não obstante esta norma ter entrado em vigor após a data da resolução do BES, atento o disposto no art. 12º, nº2, 2ª parte, do C. Civil, a mesma aplica-se à situação sub judice.
Conforme diz Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Outubro 2018, pág. 233 e ss: «Desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, o art. 12º, 2, distingue dois tipos de leis ou normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª parte). As primeiras se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js Situações Jurídicas) constituídas antes da LN (Lei Nova) mas subsistentes ou em curso à data do seu IV (Início da Vigência).
(…)
O papel do legislador, nos quadros de uma concepção intervencionista do Estado na vida económica e social, leva-o hoje a prosseguir objectivos e a utilizar meios inconciliáveis, quer com a subsistência do regime da LA (Lei Antiga) relativamente às Ss Js contratuais em curso. A eficácia da política económica e social supõe medidas de conjunto extensíveis a todas as situações jurídicas em curso. Daí que, quer a chamada “ordem pública económica de protecção” (medidas legislativas destinadas a tutelar o interesse da parte contratual mais fraca), quer a chamada “ordem pública económica de direcção” (medidas de dirigismo económico destinadas a modificar a estrutura ou a equilibrar a conjuntura económica), pesem cada vez mais fortemente sobre as relações contratuais.»

Ora, as obrigações a que o Fundo de Resolução se encontra vinculado emergem das medidas adoptadas em Agosto de 2014 no âmbito da Resolução do BES, medidas essas nas quais se inclui a venda do Novo Banco, SA. e tais obrigações continuaram a materializar-se para além da data da revogação da licença da instituição intervencionada.
Resulta dos factos provados que o mecanismo de capital contingente é um mecanismo de protecção das perdas acumuladas em activos específicos e que a existência de um mecanismo de protecção relativo ao valor de certos activos provenientes do Banco Espírito Santo, S.A foi também considerada essencial pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia para garantir a viabilidade da instituição e, portanto, para permitir a aprovação da operação de venda por aquelas autoridades.
Através do mecanismo de Capitalização Contingente, o Fundo de Resolução assumiu e declarou ao comprador, no contexto da venda de uma participação do capital social do Novo Banco, que determinados activos desse banco tinham um determinado valor (contabilístico), a uma determinada data de referência, e assumiu a obrigação de – caso esses activos viessem a registar perdas em relação ao valor declarado pelo Fundo de Resolução na data em causa e de tais perdas serem geradoras da uma situação de insuficiência pelo Novo Banco dos limiares mínimos de capital – injectar a diferença no Novo Banco.
Tratam-se de activos cujo titular originário era o Banco Espírito Santo, S.A., que foram objecto de transferência para o Novo Banco com a medida de resolução, no essencial, activos improdutivos, em muitos casos créditos em incumprimento e outros activos, incluindo algumas participações, e que, em grande medida, integravam já a chamada carteira “non-core” do Novo Banco, tal como definida nos compromissos assumidos pelo Estado Português perante a Comissão Europeia em Dezembro de 2015, altura em que a Comissão Europeia começou por exigir a separação da actividade do Novo Banco entre core e non-core e fixou requisitos de redução progressiva aos activos non-core, de forma a garantir a viabilidade do banco de transição.
A celebração do Acordo de Capitalização Contingente com o Novo Banco, S. A. foi uma das medidas aprovadas pela Comissão Europeia – decisão n.º C (2017) 6896, tornada pública em 26 de Fevereiro de 2018, enquanto condição essencial para a Venda do Novo Banco.
Face a estes factos, tem que se concluir que o Acordo Contingente corresponde a “apoio financeiro” que tem a sua origem na resolução do BES e que foi o facto de determinados activos, cuja titularidade pertencia originariamente ao BES, terem vindo a revelar um valor inferior ao que foi inicialmente apurado, que determinou que o Fundo de Resolução tivesse vindo a despender o referido montante de 791.694.980,00.

Sustentou a recorrente que o apoio financeiro em que se traduz o CCA está abrangido pela excepção prevista no artigo 153.º-M/2 do RGICSF, por se tratar de uma realidade equivalente à da realização do capital social do Novo Banco e que, em qualquer caso, nunca poderia o crédito em causa ser imputado ao BES, por não ser ele o beneficiário dos pagamentos efectuados ao abrigo do CCA.
Como resulta do disposto no referido art. 153º-M, nº 2, a única modalidade de apoio financeiro pelo Fundo de Resolução que a lei prevê que não lhe confere um direito de crédito respeita à realização do capital social do banco de transição.
O art. 145º-B do RGICSF na versão em vigor à data da resolução do BES, versão introduzida pelo Dec. Lei nº 114-A/2014, de 1/8, estabelece:
“1 - Na aplicação de medidas de resolução, tendo em conta as finalidades das medidas de resolução estabelecidas no artigo anterior, procura assegurar-se que:
a) Os acionistas da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa;
b) Os credores da instituição de crédito assumem de seguida, e em condições equitativas, os restantes prejuízos da instituição em causa, de acordo com a hierarquia de prioridade das várias classes de credores;
c) Nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação.
2 - O disposto no número anterior não abrange os depósitos garantidos nos termos do disposto nos artigos 164.º e 166.º
3 - Caso se verifique, no encerramento da liquidação da instituição de crédito objeto da  medida de resolução, que os credores dessa instituição cujos créditos não tenham sido transferidos para outra instituição de crédito ou para um banco de transição assumiram um prejuízo superior ao montante estimado, nos termos da avaliação prevista no n.º 6 do artigo 145.º-F e no n.º 4 do artigo 145.º-H, que assumiriam caso a instituição tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, têm os credores direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução”.
O artigo 34º da Directiva 2014/59/EU estabelece uma regra idêntica.
A regra no creditor worse off – qualificada como um dos quatros princípios orientadores da aplicação de uma medida de resolução – contém em si um objectivo de certeza e um objectivo de garantir um tratamento igualitário. A certeza é a de que a medida de resolução não pode representar um prejuízo acrescido para os accionistas e credores comparativamente com o prejuízo que suportariam no cenário de liquidação. O tratamento igualitário remete, por sua vez, para o respeito pelas regras da graduação de créditos e do não tratamento discriminatório entre credores da mesma classe. Para tanto, proceder-se-á a uma avaliação dos activos, passivos e elementos extrapatrimoniais, reportada ao momento da transferência, devendo a mesma incluir uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução (cfr. artigo 145.º-H). Embora a aplicação prática desta regra possa levantar algumas dificuldades, desde logo relacionadas com a concretização da avaliação dos passivos e activos, tem que se reconhecer a importância da mesma em termos de salvaguarda dos direitos dos credores da instituição intervencionada.
No que concerne ao Fundo de Resolução, trata-se de uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e que tem por objecto prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução bancária que venham a ser adoptadas pelo Banco de Portugal – preâmbulo do DL nº 31-A/2012 e art. 153º-C do RGICSF, na redacção introduzida por este Dec. Lei e artº 1º do Regulamento do Fundo de Resolução aprovado pela Portaria nº 429/2012, de 21/12.
Conforme já se referiu, o montante em discussão corresponde à quantia “injectada” pelo Fundo de Resolução, com vista a impedir a deterioração dos fundos próprios do Novo Banco, originada pelas perdas que se viessem a registar num conjunto de activos que tinham transitado do BES. Os “pagamentos” efectuados nos termos do CCA não constituem qualquer valorização da sua participação enquanto accionista, não foram utilizados para a realização do capital social do Novo Banco, pelo que não se encontram excepcionados pelo supra referido nº 2 do art. 153º-M.
E isto independentemente do tratamento contabilístico que o próprio Novo Banco possa ter dado às quantias recebidas do Fundo de Resolução. O capital social é uma cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie, entradas estas que devem ter um valor idêntico ou superior ao valor atribuído às participações sociais, no caso das sociedades anónimas, às acções – cfr. art. 25º, nº1, do CSC –, podendo os valores que, entretanto, venham a ser retidos na sociedade a título de reservas, por imposição legal ou contratual ou por livre decisão, expressa ou tácita, dos sócios, ser destinados à compensação de perdas, à incorporação no capital social ou a outro fim definido pelos sócios. No caso sub judice, ficou demonstrado, como se viu, que a quantia em causa não foi utilizada para realização do capital do Novo Banco.
Tem, assim, que se concluir que tais fundos que foram disponibilizados pelo Fundo de Resolução conferem ao mesmo um direito de crédito.”

E mais se invocou.

“Sustentou a recorrente que esta parcela do crédito não pode ser reconhecida como crédito sobre o BES por que a isso se opõe o art. 47º do CIRE. Diz que o direito de crédito em causa, na medida em que se funda nos acordos da operação de venda do Novo Banco – concretizada em 31-01-2017 – é posterior à data da declaração de insolvência e não deve, por isso, ser reconhecido.
In casu, na sequência da aplicação da Medida de Resolução, o Banco Central Europeu revogou a autorização do BES para o exercício da actividade bancária, decisão essa que não foi objecto de impugnação junto do Tribunal Geral da União Europeia.
O Banco de Portugal requereu, então, a respectiva liquidação judicial, tendo, em 21-07-2016, sido proferido despacho que determinou o prosseguimento da liquidação.
Nos termos do disposto no art. 8º, nº1, do RELICSF – Regime Especial de Liquidação de Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto Lei nº 199/2006 de 25/10 e alterado pelo Decreto-Lei nº 31-A/2012 de 10 de Fevereiro – a liquidação judicial das instituições de crédito faz-se nos termos previstos no diploma e, em tudo o que nele não estiver previsto, nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Estabelece o art. 47º, nº1, do CIRE:

“1 Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.”
No âmbito da insolvência, a lei distingue dois tipos de dívidas: as dívidas da insolvência e as dívidas da massa insolvente. As primeiras reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência. Já as segundas, dizem respeito a créditos resultantes da própria situação de insolvência, ou seja, cujo respetivo fundamento resida na própria situação de insolvência.
Esta distinção assume uma importância fundamental na medida em que as dívidas da massa insolvente são pagas antes dos créditos da insolvência, beneficiando, assim, de um regime mais favorável, sem estarem sujeitas ao processo de verificação e de graduação de créditos e não tendo de ser reclamadas.
Como se disse, o crédito reclamado tem a sua origem na resolução do BES e foi o facto de determinados activos, cuja titularidade pertencia originariamente a este banco, terem vindo a revelar um valor inferior ao inicialmente apurado, que determinou que o Fundo de Resolução tivesse vindo a despender o referido montante de € 791.694.980,00.
O fundamento do crédito é, pois, anterior à prolação do despacho que determinou o prosseguimento da liquidação.
Aqui chegados, atento o disposto no supra referido nº 2 do art. 153º-M do RGICSF, resta concluir in casu, que a responsabilidade pelo crédito em causa não pode deixar de ser a instituição de crédito objecto de resolução o BES –, gozando o Fundo de Resolução do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.

3.1.2. [Quanto ao reconhecimento dos créditos no valor, respectivamente, de € 448.873.911,25 e € 2.000.000, correspondendo o primeiro ao montante despendido pelo reclamante Fundo de Resolução, até 28 de Fevereiro de 2019, no pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e com um consórcio de bancos para efeitos da sua capacitação financeira para a realização do capital social do Novo Banco e o valor de € 2.000.000 enquanto comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento do apoio financeiro previsto no CCA.]

“Conforme resulta dos autos, o Fundo de Resolução fundamentou a sua pretensão no disposto no artigo 145.º-L, n.os 4 e 5, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nos termos da qual o mesmo pode recuperar, nomeadamente da instituição resolvida, as despesas razoáveis incorridas por força da aplicação de medidas de resolução, conferindo-lhe um direito de crédito privilegiado sobre a mesma.
A redacção deste artigo foi introduzida pela Lei nº 23-A/2015, de 26/03, que transpôs as Directivas 2014/49/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril, relativa aos sistemas de garantia de depósitos e 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho e que entrou em vigor no 5º dia após a respectiva publicação.
Resulta do requerimento apresentado pelo Fundo de Resolução no qual reclamou os créditos ora em questão, requerimento apresentado junto da recorrida Comissão Liquidatária em 08/03/2019, que o crédito no valor de € 448.873.911,25, corresponde aos montantes despendidos pelo Fundo, entre 31 de Março de 2015 e 28 de Fevereiro de 2019, no pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e com um consórcio de bancos para efeitos da sua “capacitação financeira” para a realização do capital social do Novo Banco, ou seja, juros suportados já depois da entrada em vigor da aludida Lei nº 23-A/2015.
Sobre os recursos financeiros do Fundo de Resolução rege o art. 153º-F, prevendo-se no nº 1, alínea d), que o mesmo dispõe, entre outros, dos recursos correspondentes a “Importâncias provenientes de empréstimos”. De acordo com o disposto no nº 4 deste mesmo artigo: “O Fundo pode contrair empréstimos ou outras formas de apoio junto das instituições participantes, das instituições financeiras ou de terceiros, caso as contribuições cobradas nos termos do disposto no artigo seguinte e no artigo 153º-H não sejam suficientes para cumprimento das suas obrigações e para cumprimento das suas obrigações e para cobertura das perdas, dos custos ou de outras despesas decorrentes da utilização dos mecanismos de financiamento e as contribuições previstas no artigo 153º-I não estejam imediatamente acessíveis ou não sejam suficientes”.
Estabelece o art. 145º-P, nº3, do mesmo diploma que o capital social da instituição de transição é subscrito e realizado total ou parcialmente pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos e, se for o caso, através do exercício do poder previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º-U, sem prejuízo dos poderes do Banco de Portugal sobre a instituição de transição. A duração desta instituição é de duração limitada – máximo de dois anos a contar da data em que tenha sido realizada a última transferência para a instituição de transição de direitos, obrigações, acções ou de títulos representativos do capital social da instituição de crédito objecto de resolução, susceptível de ser prorrogada por um ano pelo Banco de Portugal nas condições previstas no nº 11 do mesmo artigo.
O art. 4º dos estatutos do Novo Banco constantes do Anexo 1 à Deliberação de 3 de Agosto de 2014, dispõe: “O capital social do Novo Banco, SA, é de quatro mil e novecentos milhões de euros, sendo, nos termos da lei, totalmente detido pelo Fundo de Resolução”.
O nº 2 do aludido art. 153º-M do RGICSF excepciona concretamente do direito de crédito conferido ao Fundo os recursos que tenham sido por este utilizados para a realização do capital social da instituição de transição.
Todavia, o que foi reclamado não respeita aos montantes despendidos com a realização do capital social mas com o pagamento de juros emergentes dos contratos de mútuo celebrados com o Estado Português e com um consórcio de bancos para efeitos da capacitação financeira do Fundo para a realização do capital social do Novo Banco.
Não obstante o facto de o Fundo de Resolução ter continuado a receber, desde 3 de Agosto de 2014, as contribuições das instituições de crédito nele participantes e as demais fontes de receita previstas na lei, continuou naturalmente a não dispor de meios financeiros suficientes para acorrer ao apoio financeiro que, no momento da conclusão da venda, se revelou necessário.
Em 3 de Agosto de 2014, deixou de dispor de fundos e, por outro lado, teve de acorrer, ao longo de todo esse tempo, ao pagamento dos juros previstos nos primeiros contratos de mútuo celebrados (com o Estado e com um consórcio de bancos), acima referidos.
O Fundo tem que cumprir as obrigações previstas na lei, entre elas, a da subscrição do capital social do banco de transição e para o efeito e quando tal seja necessário, pode contrair empréstimos. Sempre que requeira um empréstimo o Fundo acorda a taxa de juro, o prazo de reembolso e as restantes condições do mesmo com os demais mecanismos de financiamento de resolução envolvidos – nº 8 do art. 153º-F. Aqui estão em causa juros de empréstimo contraído com terceiros para cumprimento da medida de resolução e não já capital social.
Conforme se viu supra, os nos 4 e 5 do artº 145º-L do RGICSF permitem que o Fundo de Resolução recupere as despesas razoáveis em que incorreu por força da aplicação das medidas de resolução, do exercício dos poderes de resolução ou dos poderes previstos no artigo 145.º-I, sendo titular de um direito de crédito sobre a instituição de crédito objecto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de activos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, o qual beneficia do privilégio creditório previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 166.º-A.
Despesas razoáveis não podem deixar de ser entendidas como as necessárias para efeito de desempenho das funções que a lei confere, no caso, ao Fundo de Resolução, nos termos da medida de resolução.
Assim, tem que se entender que os juros que vieram a ser suportados também conferem ao credor, ora recorrido, direito de crédito sobre a instituição de transição, sendo certo que, conforme se disse supra, também este crédito tem o seu fundamento na própria medida de resolução e, como tal, trata-se de um crédito sobre a entidade liquidada cfr. o referido artº 47º, nº1, do CIRE.

E por fim:
“Reclamou ainda este credor o crédito no valor de € 2.000.000 relativos a comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento do apoio financeiro previsto no CCA.
Como se viu supra, dado o carácter excepcionalmente urgente e inadiável da medida de resolução, o apoio financeiro concedido pelo Fundo de Resolução à realização do capital social do Novo Banco exigiu o recurso a um empréstimo pelo Estado (no valor de € 3.900.000.000) e por um conjunto de instituições de crédito participantes no Fundo (no valor de € 700.000.000).
Por outro lado, posteriormente, a fim de assegurar que o Fundo de Resolução reunia as condições necessárias para satisfazer tempestiva e pontualmente as obrigações financeiras para si decorrentes da venda do Novo Banco (nomeadamente, as previstas no CCA), foram celebrados com o Estado Português o “Acordo Quadro quanto à Disponibilização de Meios Financeiros para a Satisfação das Obrigações do Fundo de Resolução” e o Contrato de Abertura de Crédito.
Ficou ainda demonstrado que o Fundo de Resolução despendeu o aludido montante de € 2.000.000, a título de comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da sua capacitação financeira para cumprimento do apoio financeiro previsto no CCA.
Estão em causa comissões devidas no âmbito dos contratos celebrados com o Estado Português para efeitos da capacitação financeira do reclamante, ora recorrido, para cumprimento do apoio financeiro previsto no CCA., ou seja, encargos que foram cobrados ao Fundo com origem nos empréstimos que teve que contrair por força desse mesmo Acordo de Capitalização Contingente. Este acordo insere-se ainda, conforme já referido, na resolução do BES e foi o facto de determinados activos, cuja titularidade pertencia originariamente ao este banco, terem vindo a revelar um valor inferior ao declarado, que determinou que o Fundo de Resolução tivesse vindo a despender o referido montante de € 791.694.980,00.
Deste modo, o reclamado montante de 2.000.000,00 também se integra na aludida categoria de despesas razoáveis, porque necessárias, para a concretização da medida de resolução aplicada ao BES e têm o seu fundamento nessa mesma medida, pelo que este crédito deve ser reconhecido, gozando de privilégio nos termos supra aludidos.

3.2. Pela bondade dos argumentos utilizados na interpretação do art. 47º, 1, do CIRE e dos arts. 153º-M, 1 e 2, e 145º-L, 4 e 5, do RGICSF, é de sufragar o acórdão recorrido, a cuja argumentação se adere nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º CPC.

Em acrescento, é de notar que os regimes jurídicos aplicáveis e pertinentes (usando a versão actual do RGICSF, sem prejuízo das versões anteriores, enfatizadas pelo acórdão recorrido) vão de encontro a essa argumentação.
Vejamos.

3.2.1. A superação da crise bancária por via da “resolução” deliberada pelo Banco de Portugal, enquanto providência residual e de último recurso (ultima ratio) no contexto das três medidas previstas no RGICSF (arts. 139º-140º, 141º e ss, 145º-C e ss)[4], implicando maxime a transferência dos activos e passivos da instituição intervencionada, rege-se por um princípio de financiamento “ex ante” da operação, em primeira linha com recurso ao apoio financeiro do Fundo de Resolução[5] – art. 153º-C do RGICSF («O Fundo tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas.»); remete-nos o preceito para a aplicação do art. 145º-AB, em especial n.º 1 («Na medida em que seja necessário para assegurar a eficácia da aplicação de uma medida de resolução, bem como para garantir a prossecução das finalidades previstas no n.º 1 do artigo 145.º-C, o Banco de Portugal pode exercer, designadamente, os seguintes poderes de resolução (…).»)

3.2.2. De acordo com o art. 145º-E, 1, do RGICSF, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução: «a) Alienação parcial ou total da atividade; b) Transferência parcial ou total da atividade para instituições de transição; c) Segregação e transferência parcial ou total da atividade para veículos de gestão de ativos; d) Recapitalização interna.»
O respectivo n.º 2 determina:
«As medidas de resolução previstas no número anterior podem ser aplicadas se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:
a) O Banco de Portugal tiver determinado, na qualidade de autoridade de supervisão ou de resolução, que a instituição de crédito se encontra em situação ou em risco de insolvência;
b) Não seja previsível que a situação de insolvência da instituição de crédito seja evitada num prazo razoável através do recurso a ações alternativas do setor privado, da aplicação de medidas de intervenção corretiva ou do exercício dos poderes de redução ou de conversão de instrumentos de fundos próprios e créditos elegíveis previstos no artigo 145.º-I;
c) As medidas de resolução são necessárias e proporcionais à prossecução de alguma das finalidades da resolução; e
d) A entrada em liquidação da instituição de crédito, por força da revogação da autorização para o exercício da sua atividade, não prossegue, com a mesma eficácia que a aplicação de medidas de resolução, as finalidades da resolução.»

Para a al. b) do n.º 1 – transferência para banco “bom” associada à separação de activos –, v. a conjugação com o art. 145º-O do RGICSF (sem descurar, no entanto, a complementaridade com os arts. 145º-P e 145º-Q):
«1 – O Banco de Portugal pode determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, e a transferência da titularidade das ações ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação.
2 – O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo e a transferência da titularidade de ações ou de outros títulos representativos do capital social de instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para instituições de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior.
3 – A instituição de transição é uma pessoa coletiva autorizada a exercer as atividades relacionadas com os direitos e obrigações transferidos.
4 – A instituição de transição assegura a continuidade da prestação de serviços financeiros inerentes à atividade transferida, bem como a administração dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais, ativos sob gestão e ações ou outros instrumentos de propriedade transferidos nos termos do disposto nos n.os 1 e 2, com vista à valorização do negócio desenvolvido, procurando proceder à sua alienação, logo que as circunstâncias o aconselhem, em termos que maximizem o valor do património em causa.
 5 – A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações da instituição de crédito objeto de resolução para a instituição de transição, sendo esta considerada, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessora nos direitos e obrigações transferidos.
 6 – A eventual transferência parcial dos direitos e obrigações para a instituição de transição não deve prejudicar a cessão integral das posições contratuais da instituição de crédito objeto de resolução, com transmissão das responsabilidades associadas aos elementos do ativo transferidos, nomeadamente no caso de contratos de garantia financeira, de operações de titularização ou de outros contratos que contenham cláusulas de compensação e de novação.
7 – A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência.
8 – A decisão de transferência prevista nos n.os 1 e 2 não depende do consentimento dos acionistas ou titulares de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito, das partes em contratos relacionados com os direitos e obrigações a transferir nem de quaisquer terceiros, não podendo constituir fundamento para o exercício de direitos de vencimento antecipado, resolução, denúncia, oposição à renovação ou alteração de condições estipulados nos contratos em causa.
 9 – Sem prejuízo do disposto na secção V do presente capítulo, os acionistas e credores da instituição de crédito objeto de resolução, e outros terceiros cujos direitos e obrigações não sejam transferidos, não têm qualquer direito sobre os direitos e obrigações transferidos para a instituição de transição.
10 – O Código das Sociedades Comerciais é aplicável às instituições de transição, com as necessárias adaptações aos objetivos e à natureza destas instituições.
11 – A instituição de transição deve obedecer, no desenvolvimento da sua atividade, a critérios de gestão que assegurem a manutenção de baixos níveis de risco.
12 – A instituição de transição, sucedendo à instituição de crédito objeto de resolução, exerce os direitos relativos à participação e acesso aos sistemas de pagamentos, compensação e liquidação, aos mercados de valores mobiliários, aos sistemas de indemnização dos investidores e aos sistemas de garantia de depósitos, bem como à participação e adesão a outros sistemas ou associações de natureza pública ou privada, necessários ao desenvolvimento da atividade transferida, não podendo o exercício desses direitos ser negado com fundamento na ausência ou insuficiência de notação de risco da instituição de transição por uma agência de notação de risco.
13 – O exercício dos direitos previstos no número anterior inclui todos os serviços, funcionalidades e operações de que a instituição de crédito objeto de resolução dispunha no momento da aplicação da medida de resolução prevista no n.º 1.
14 – Se a instituição de transição não reunir os critérios de adesão ou participação em qualquer um dos sistemas referidos no n.º 12, os respetivos direitos são exercidos pela instituição de transição durante um período fixado pelo Banco de Portugal, não superior a 24 meses, prorrogável mediante pedido da instituição de transição ao Banco de Portugal.»

3.2.3. De acordo com o art. 145º-P do RGICSF, «1 – A instituição de transição é constituída por decisão do Banco de Portugal, que aprova os respetivos estatutos, não sendo aplicável o disposto no capítulo II do título II.»; «2 – A instituição de transição deve cumprir as normas aplicáveis às instituições de crédito ou às empresas de investimento, conforme o caso.»; «3 – O capital social da instituição de transição é subscrito e realizado total ou parcialmente pelo Fundo de Resolução com recurso aos seus fundos e, se for o caso, através do exercício do poder previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º-U, sem prejuízo dos poderes do Banco de Portugal sobre a instituição de transição.».

3.2.4. Por sua vez, o art. 145º-R trata da “cessação da atividade da instituição de transição”:

«1 – O Banco de Portugal determina a cessação da atividade da instituição de transição logo que possível e, em qualquer caso, quando entender que se encontram asseguradas as finalidades previstas no n.º 1 do artigo 145.º-C ou nas seguintes situações:
 a) Com a alienação a terceiro da totalidade dos direitos, obrigações, ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução que tiverem sido transferidos para a instituição de transição, nos termos do disposto nos n.os 3, 4 e 6;
b) Com a alienação a terceiro da totalidade das ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de transição, nos termos do disposto nos n.os 3, 4 e 6;
c) Com a fusão da instituição de transição com outra entidade, sem prejuízo do disposto no n.º 8;
d) Quando a instituição de transição deixe de cumprir os requisitos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 145.º-O e no n.º 3 do artigo 145.º-P;
e) Pelo decurso do prazo previsto no n.º 10 do artigo 145.º-P, entrando a instituição de transição em tal caso em liquidação;
f) Quando entenda que, tendo sido alienada a maior parte dos direitos e obrigações transferidos para a instituição de transição, se não justifique a sua manutenção, determinando em tal caso que a mesma entre em liquidação.
2 – Quando uma instituição de transição for utilizada para transferir os direitos e obrigações de mais do que uma instituição de crédito objeto de resolução, a entrada em liquidação referida nas alíneas e) e f) do n.º 1 aplica-se aos direitos e obrigações e não à instituição de transição.
3 – Quando considerar que se encontram reunidas as condições necessárias para alienar parcial ou totalmente os direitos, obrigações, ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução que tenham sido transferidos para a instituição de transição ou para a alienação das ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de transição, o Banco de Portugal ou a instituição de transição, se autorizada nos termos do número seguinte, pode, assegurando a transparência do processo e o tratamento equitativo dos interessados, promover a sua alienação através dos meios que forem considerados mais adequados tendo em conta as condições comerciais existentes na altura, as circunstâncias do caso concreto e os princípios, regras e orientações da União Europeia em matéria de auxílios de Estado.
 4 – A alienação pela instituição de transição prevista no número anterior, bem como a sua modalidade e condições, depende de autorização do Banco de Portugal.
 5 – Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 145.º-L, todas as receitas geradas pela cessação da atividade da instituição de transição revertem para os seus acionistas.
6 – Após a alienação da totalidade dos direitos, obrigações, ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução transferidos para a instituição de transição e da afetação do produto da respetiva alienação nos termos do disposto no número anterior, a instituição de transição é dissolvida pelo Banco de Portugal.
7 – Nos casos de alienação da totalidade da titularidade das ações ou outros títulos representativos do respetivo capital social e de fusão da instituição de transição com outra entidade, cessa a aplicação do regime das instituições de transição.
8 – No momento da fusão referida na alínea c) do n.º 1, o Fundo de Resolução não pode ser titular de ações ou outros instrumentos representativos do capital social da instituição de transição.»

3.2.5. O Fundo de Resolução dispõe dos recursos admitidos de acordo com a lei, sendo que aí se destacam as «Importâncias provenientes de empréstimos», na medida em que «pode contrair empréstimos ou outras formas de apoio junto das instituições participantes, das instituições financeiras ou de terceiros caso as contribuições cobradas nos termos do disposto no artigo seguinte e no artigo 153.º-H não sejam suficientes para cumprimento das suas obrigações e para cobertura das perdas, dos custos ou de outras despesas decorrentes da utilização dos mecanismos de financiamento e as contribuições previstas no artigo 153.º-I não estejam imediatamente acessíveis ou não sejam suficientes» (art. 153º-F, 1, d), e 4, RGICSF; v. ainda o n.º 6).

3.2.6. O art. 145º-AA do RGICSF estatui que, para efeitos da aplicação das medidas de resolução previstas no n.º 1 do artigo 145.º-E, o Banco de Portugal pode determinar que o Fundo de Resolução, em cumprimento das finalidades previstas no artigo 145.º-C e de acordo com os princípios previstos no n.º 1 do artigo 145.º-D, disponibilize o apoio financeiro necessário para os seguintes efeitos: «a) Garantir os ativos ou os passivos da instituição de crédito objeto de resolução, das suas filiais, de uma instituição de transição ou de um veículo de gestão de ativos; b) Conceder empréstimos à instituição de crédito objeto de resolução, às suas filiais, a uma instituição de transição ou a um veículo de gestão de ativos; c) Adquirir ativos da instituição de crédito objeto de resolução; d) Subscrever e realizar, total ou parcialmente, o capital social de uma instituição de transição e de um veículo de gestão de ativos; e) Substituir determinados créditos elegíveis ou classes de créditos elegíveis que tenham sido excluídos no âmbito da aplicação da medida de recapitalização interna nos termos do disposto no n.º 9 do artigo 145.º-U; f) Pagar uma indemnização aos acionistas, aos credores da instituição de crédito objeto de resolução ou ao Fundo de Garantia de Depósitos, nos termos do disposto no n.º 16 do artigo 145.º-H.» Mais: «2 – Os recursos do Fundo de Resolução podem também ser utilizados para os efeitos referidos no número anterior no que respeita ao adquirente no contexto da medida de resolução prevista no artigo 145.º-M.»

De tal sorte que a alienação das participações sociais da instituição de transição, que são da titularidade do Fundo de Resolução, assim como os mútuos contraídos em face da necessidade de constituição do património social da instituição de transição e da execução de garantias convencionadas com o adquirente dessas participações, encontram-se no raio de abrangência jurídico-patrimonial da medida de resolução, uma vez que a criação dessa instituição de transição visava a sua robustez patrimonial e posterior alienação, incluindo a prestação de garantias convencionadas em face do adquirente das participações destinadas a viabilizar essa alienação.
Logo, se assim é – ou seja, se tais operações são ainda consequência e têm a sua raiz de exigibilidade na medida de resolução que incide sobre a instituição insolvente –, os créditos, no âmbito da sua circunscrição legal, resultantes dessas operações levadas a cabo pelo Fundo de Resolução, como entidade de financiamento e de garantia da resolução bancária (v. arts. 153º-C, 153º-M, 1, 153º-N, 153º-O, 145º-AA, 1, a), RGICSF), são devidos pela instituição de crédito objecto da resolução, pois são ainda correspondentes a prejuízos(-dívidas) imputáveis a esta instituição em razão da situação insolvencial de incumprimentos e perdas conducente à resolução.
(V. arts. 139º, 2 («A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.»), 145º-C, 1 e 2, 145º-E, 3 (Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que uma instituição de crédito está em risco ou em situação de insolvência quando se verifique uma das seguintes circunstâncias: a) A instituição de crédito deixar de cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade ou existirem fundadas razões para considerar que, a curto prazo, a instituição deixa de os cumprir, possibilitando a revogação da autorização, nomeadamente porque apresentou ou provavelmente apresentará prejuízos suscetíveis de absorver, totalmente, os seus fundos próprios ou uma parte significativa dos mesmos; b) Os ativos da instituição de crédito serem inferiores aos seus passivos ou existirem fundadas razões para considerar que o são a curto prazo; c) A instituição de crédito estar impossibilitada de cumprir as suas obrigações ou haver fundadas razões para considerar que a curto prazo o possa ficar; d) Seja necessária a concessão de apoio financeiro público extraordinário, exceto quando esse apoio, destinado a prevenir ou conter uma perturbação grave da economia e preservar a estabilidade financeira, consista na: i) Concessão pelo Estado de garantias pessoais ao cumprimento das obrigações assumidas em contratos de financiamento, incluindo em operações de crédito junto do Banco de Portugal e em novas emissões de obrigações; ii) Realização de operações de capitalização com recurso ao investimento público, desde que não se verifique, no momento em que o apoio financeiro público extraordinário é concedido, alguma das circunstâncias referidas nas alíneas a) a c) ou no n.º 2 do artigo 145.º-I.»), do RGICSF, novamente sublinhados infra.)

A saber, de acordo com os “considerandos” da deliberação do Banco de Portugal referida no facto provado 1):
— o prejuízo do Grupo BES, para o 1.º semestre de 2014, era no montante de 3577,3 milhões de euros, por força da prática de actos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses da «BES S.A.» e da violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo BES;
— os prejuízos da «BES, S. A.» atingiam um valor largamente superior à almofada (“buffer”) de capital que o banco dispunha por determinação do Banco de Portugal;
— “[a]s perdas registadas vieram alterar substancialmente os rácios de capital do BES, a nível individidual e consolitado, colocando-os globalmente em níveis muito inferiores aos mínimos exigidos pelo Banco de Portugal, que se situam atualmente nos 7% para os rácios Common Equity Tier 1 (CET1) e Tier 1 (T1) e nos 8%  para o rácio total”:
— “grave incumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios do Banco Espírito Santo, SA, em base consolidada”;
— impossibilidade de promover uma solução de recapitalização do banco;
— situação de grave insuficiência de liquidez, sendo que, desde o fim de Junho até 31 de Julho, a posição de liquidez diminuiu em cerca de 3.350 milhões de euros, com recurso à “cedência de liquidez em situação de emergência (ELA – Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 1 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros”;
— suspensão pelo Conselho do Banco Central de Europeu do estatuto de contraparte da «BES S.A.» a partir de 4 de Agosto, a par de esta reembolsar integralmente o seu crédito junto do Eurosistema, de cerca de 10 milhões de euros, no fecho das operações no dia 4 de Agosto;
— situação de risco sério e grave de incumprimento a curto prazo das suas obrigações e de não preenchimento dos requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, com a consequente entrada em processo de liquidação, representando um enorme “risco sistémico e uma séria ameça para a estabilidade financeira”.

Em suma: a situação de insolvência de instituição de crédito intervencionada, fundante da medida de resolução e da intervenção financeira do Fundo de Resolução, constituem o quadro legitimador ex vi legis da constituição de contrapartidas para o Fundo de Resolução – uma delas é ser credor no montante correspondente aos recursos disponibilizados[6] em face da instituição insolvente e resolvida.
           
3.2.7. Neste encalce, o art. 145º-D, 1, do RGICSF, determina que, para a prossecução das finalidades da resolução, na aplicação de medidas de resolução e no exercício de poderes previstos no presente capítulo:
 «a) Os acionistas da instituição de crédito objeto de resolução suportam prioritariamente os prejuízos da instituição em causa; b) Os credores da instituição de crédito objeto de resolução suportam de seguida, e em condições equitativas, os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a graduação dos seus créditos em caso de insolvência; c) Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação; d) Os depositantes não suportam prejuízos relativamente aos depósitos garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos nos termos do disposto no artigo 166.º».
Neste contexto, assume relevo o que foi acentuado na sentença de 1.ª instância:

“(…) a imputação ao Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, do valor aqui em causa [o primeiro montante creditício] é uma exigência do princípio fundamental ínsito no n.º 1 do artigo 145.º-D do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, de que são os accionistas e os credores dos bancos resolvidos que suportam as respectivas perdas (sem prejuízo da compensação devida pelo Fundo de Resolução nos termos da alínea c) desse n.º 1 e do artigo 145.º-H, n.º 14, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, caso se verifique que, com a resolução, estes suportaram um prejuízo superior ao que resultaria da entrada em liquidação da instituição de crédito em momento imediatamente anterior à resolução – é o princípio denominado no creditor worse off).

Ora, este princípio não significa que todos os credores estejam na mesma posição, já que os credores são chamados a suportar os prejuízos de acordo com a hierarquia dos seus créditos [v. art. 47º, 4, do CIRE].
Na verdade, o artigo 145.º-D, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevê que, em primeiro lugar, assumem os prejuízos os accionistas da instituição financeira objecto da medida, e, em segundo lugar, assumem-nos os credores da instituição financeira, em condições equitativas e de acordo com a graduação dos seus créditos.
(…)

Portanto, a circunstância do Fundo de Resolução ter direito a receber os créditos que injectou no Novo Banco, S.A., por força do mecanismo de capitalização contingente em nada viola o princípio no creditor worse off, já que os seus créditos revestem a natureza de privilegiados nos termos dos artigo 153.º-L, n.º 2, e 166.º-A, n.os 1 e 2, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, pelo que serão pagos após os créditos garantidos e primeiro que os comuns. E nessa medida os credores com créditos subordinados em primeiro lugar, os credores com créditos comuns em segundo lugar e assim sucessivamente assumirão por essa ordem os prejuízos por força do mecanismo de resolução.

E aqui não se pode deixar de notar que na Lei n.º 58/2011, de 28 de Novembro, o legislador previa no artigo 1.º, n.º 2, alínea f), que os créditos do Fundo de Resolução decorrentes da intervenção no âmbito da execução de medidas de resolução revestiriam a natureza de privilegiados. Este facto evidencia [que] o Legislador visou atribuir um carácter reforçado a estes créditos em caso de concorrência com os créditos de outros credores
Por outro lado, a admitir-se a tese da Comissão Liquidatária uma fatia muito substancial dos custos da resolução do Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, que está aqui a ser reclamada seria suportada pelo Sistema Bancário e não pelos accionistas e pelos credores do Banco Espírito Santo, S.A., o que é manifestamente um resultado contra legem.”[7]-[8]

Recorde-se, ainda neste contexto e em abono, o que foi asseverado pelo Ac. do STJ de 26/9/2017[9]:
“Este regime [da resolução] teve, como tem, o objectivo primordial de evitar que o erário público seja atingido com medidas de bail-out, internalizando-se os custos da falência bancária (bail-in), fazendo recair tais custos sobre aqueles que nesse mesmo cenário suportariam as perdas, prevenindo-se, desta sorte que todos os contribuintes venham a arcar com os prejuízos de uma gestão incorrecta da instituição bancária, sendo chamados a suportar os incómodos, de harmonia com o preceituado no artigo 145º, -D, nº1, alíneas a) e b) do RGICSF, os accionistas e os credores, de forma equitativa e de acordo com a hierarquia das várias classes de credores”.

Destaca-se, por outro lado, que a par conditio creditorum no plano dos interesses dos credores da instituição objecto da resolução não é afectada (uma vez caucionada também pelo art. 145º- D, 1, b)) por uma causa legal de preferência preexistente[10], como é aquela que o art. 166º, 1 e 2, do RGICSF oferece, por remissão do art. 153º-M, 2.

3.2.8. Chegamos assim, ainda do RGICSF, aos arts. 153º-M, 1 e 2

— «O Fundo disponibiliza os recursos determinados pelo Banco de Portugal para efeitos da aplicação de medidas de resolução. /
Os recursos disponibilizados nos termos do disposto no número anterior que não sejam utilizados para a realização do capital social da instituição de transição conferem ao Fundo um direito de crédito sobre a instituição de crédito objeto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de ativos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.» –

e 158º-N e 158º-O

— «O Fundo aplica os recursos disponíveis em operações financeiras, mediante plano de aplicações acordado com o Banco de Portugal. /
Constituem despesas do Fundo: a) Os valores a pagar no âmbito do apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pelo Banco de Portugal; b) As despesas administrativas e operacionais decorrentes da aplicação de medidas de resolução

3.2.9. Por fim, ao art. 145º-L, 4 e 5:

«O Banco de Portugal e o Fundo de Resolução podem recuperar as despesas razoáveis incorridas por força da aplicação das medidas de resolução, do exercício dos poderes de resolução ou dos poderes previstos no artigo 145.º-I, da seguinte forma:
a) Como dedução de contrapartidas pagas por um transmissário, para o qual foram transferidos direitos, obrigações, ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução, à instituição de crédito objeto de resolução ou, se aplicável, aos titulares de ações ou outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito;
b) Da instituição de crédito objeto de resolução;
c) Do produto gerado no encerramento das atividades da instituição de transição ou do veículo de gestão de ativos.» /
«Para efeitos do disposto no número anterior, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução, consoante aplicável, são titulares de um direito de crédito sobre a instituição de crédito objeto de resolução, sobre a instituição de transição, sobre o veículo de gestão de ativos ou sobre a instituição adquirente, conforme os casos, no montante correspondente a esses recursos, beneficiando do privilégio creditório previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 166.º-A.»[11]

3.2.10. Reitera-se: as operações e providências adoptadas e os negócios celebrados pelo Fundo de Resolução, de acordo com a lei e os seus poderes como único titular das participações da “instituição de transição”, encontram sempre o seu fundamento jurídico-legal matricial na medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal para o saneamento da instituição financeira intervencionada[12], tendo em conta (na versão actual) os arts. 139º, 1 e 2, 140º, 1 e 2, 145º-C, 1 e 2 («A aplicação de medidas de resolução e o exercício de poderes previstos no presente capítulo prosseguem as seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; b) Prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; d) Proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e) Proteger os fundos e os ativos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados.»; «O Banco de Portugal determina as medidas de resolução que melhor permitam atingir as finalidades previstas no número anterior, cuja relevância deve ser apreciada à luz da natureza e circunstâncias do caso concreto.»), 145º-E, 1, b), 145º-O, 1, 145º-P, 1 a 3, 145º-AB, 1, 153º-C, 153º-M, 1, 153º-N e 153º-O, a) e b), do RGICSF.
Ora, e agora no que aqui interessa para o efeito de aplicação do art. 47º, 1, do CIRE e tempestividade dos créditos reclamados, normativo aplicável por força do art. 8º, 1 e 2, do DL 199/2006, credores da insolvência são aqueles que são «titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração».
Tal «fundamento» só pode ser visto no facto jurídico do qual deriva o nexo causal entre os créditos obtidos e a sua reclamação no processo de liquidação com natureza insolvencial, em concatenação com o momento de produção de efeitos da declaração de insolvência (revogação da autorização para o exercício da actividade bancária).
No caso, só com base nesse fundamento, encontrado em termos globais na deliberação resolutiva do CA do Banco de Portugal (factos provados 1) e 8) a 16)) e na constituição do “banco de transição” detido pelo Fundo de Resolução (factos provados 2) a 4) e 43)) – pontos 1. e 2. da deliberação de 3 de Agosto de 2004 –, se podem configurar as relações jurídicas e garantias imputadas ao Fundo de Resolução na relação com o banco intervencionado-resolvido em razão da medida de resolução:

— por um lado, decorrentes da celebração do “Acordo de Capitalização Contingente” associado à alienação parcial das participações do banco de transição – cfr. factos provados 27) a 38), 42), b), 46) e 47) –, que levou ao pagamento à instituição de transição do valor das “perdas” relativas aos “activos improdutivos” da «BES, S. A.» (de acordo com o denominado “mecanismo de capitalização contingente”), assim como a comissão devida no âmbito dos contratos celebrados com o Estado para adquirir os meios de cumprimento dessa garantia de ressarcimento tal como convencionado (como “mecanismo de protecção”: cfr. facto provado 37)) nesse “acordo”;

— por outro lado, o pagamento dos juros vencidos e pagos em relação aos contratos de mútuo celebrados com o Estado português e com um consórcio de bancos para efeitos da sua “capacitação financeira” enquanto titular único do banco de transição e obrigado à entrada para o património social da anónima (realização e subscrição do “capital social” em € 4.900.000.000 – cfr. factos provados 42), a), 43) a 45), 48)).

Sem dúvida que essas posições jurídicas creditícias resultantes de tais pagamentos se fundam apenas e só, nesses casos, no espectro de efeitos gerados pela medida de resolução da «BES, S. A.» constituída pela transferência de actividade para uma instituição de transição com titularidade exclusiva do Fundo de Resolução e, como tal, geram direitos de crédito que se constituem em face da instituição de crédito objecto de resolução e agora em liquidação insolvencial.
                      
O que serve para concluir como igualmente se fez em 1.ª instância: chegar a resultado diverso seria colocar em causa “em primeiro lugar, o papel e a escolha efectuada pelo Banco de Portugal no processo, enquanto autoridade nacional de resolução e decisor da medida de resolução tomada neste processo, traduzida na divisão do Banco Espírito Santo, S.A., em banco mau e em banco bom, com a subsequente intervenção do Fundo de Resolução. E em segundo lugar o disposto nos artigos 153.º-B e seguintes, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, nomeadamente quanto ao papel do Fundo de Resolução no processo de resolução e os direitos que o mesmo tem”; de maneira que “é igualmente titular de créditos de natureza patrimonial sobre o banco insolvente o Fundo de Resolução sempre que este tenha de intervir num processo de resolução nos termos dos artigos 153.º-B e seguintes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e se verifiquem os respectivos pressupostos legais para esses direitos de crédito”.

3.2.11. O conceito de «despesas razoáveis», aos quais a lei permite serem ressarcidas enquanto direito de crédito, abrange esse juro remuneratório e essa comissão, pois tais despesas como crédito assentam num nexo de instrumentalidade e necessidade para as operações de financiamento da instituição de transição e de alienação das suas participações sociais, sendo estas inequivocamente operações destinadas à concretização das finalidades da medida de resolução aplicada à instituição de crédito agora em liquidação, e, ademais, num nexo de autonomia relativamente ao capital para financiamento do Fundo de Resolução (decisivo para não associar o juro enquanto remuneração[13] à insusceptibilidade de qualificar como crédito privilegiado os montantes de capital mutuados para a “realização do capital social”, nos termos do art. 153º-M, 2).  

3.2.12. Em conclusão: os créditos reclamados pelo Fundo de Resolução devem ser reconhecidos e qualificados como privilegiados como foram pelas instâncias, à luz da aplicação dos arts. 153º-M, 1 e 2, 145º-L, 4 e 5, e 166º, 1 e 2, do RGICSF.
Assim, soçobram, de acordo com a lei, a sua melhor interpretação e a subsunção da materialidade apurada, as Conclusões da Recorrente.

           
III) DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pela Recorrente.



STJ/Lisboa, 11 de Julho de 2023



Ricardo Costa (Relator)

António Barateiro Martins

Luís Espírito Santo


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


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[1] Cfr. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexo3_deliberacao_3ago2014_medida_resolucao.pdf.
[2]Cfr.https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexo2_deliberacao_11-08-2014_-_restricao_de_actividade_e_dispensa_de_obrigacoes_do_bes.pdf.
[3] Cfr. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/deliberacao20151229c.pdf.
[4] MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “As medidas de resolução: conformação, limites e tutela dos credores”, Revista Eletrónica do Tribunal de Contas n.º 1, 2021, págs. 12-13.
[5] MARIANA DUARTE DA SILVA, “Os novos regimes de intervenção e liquidação aplicáveis às instituições de crédito”, O novo Direito Bancário, coord.: Paulo Câmara/Manuel Magalhães, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 420 e nt. (948).
[6] V., neste sentido e sucintamente, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, “A resolução bancária”, Revista Eletrónica do Tribunal de Contas n.º 1, 2021, pág. 69.
[7] Sobre o princípio da proibição de tratamento “in pejus” dos credores da instituição de crédito intervencionada, enquanto titulares de créditos que não foram transferidos para a instituição de transição, constante da al. b) (“no creditor worse-off”, também referido no acórdão recorrido), e a sua relação com a compensação adequada prevista no art. 145º-H, 14 a 16 (devida pelo Fundo de Resolução, nos termos do art. 145º-AA, 1, f)), do RGICSF, v. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “Resolução bancária”, Scientia Iuridica n.º 345, 2017, págs. 474-475, e EDUARDO PAZ FERREIRA/ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Fundamentos da resolução bancária: a propósito do caso BES e da legitimidade da deliberação de resolução”, RDS, 2017 (2), págs. 281 e ss, 302 e ss. Para esse propósito, v. o Relatório de avaliação independente sobre o nível de recuperação de créditos em cenário de liquidação da «BES S.A.», de Julho de 2016, já publicado pelo Banco de Portugal (https://www.bportugal.pt/comunicado/resultados-da-avaliacao-independente-do-nivel-de-recuperacao-de-creditos-em-cenario-de; https://www.bportugal.pt/comunicado/banco-de-portugal-publica-versao-integral-do-relatorio-de-avaliacao-independente-sobre-o).
[8] Note-se que a natureza concursal do processo insolvencial (art. 90º do CIRE) “visa garantir uma igualdade entre credores da insolvência que estejam nas mesmas condições”, atendendo por isso às classes de créditos que encontramos previstas no art. 47º, 4, do CIRE (v. ainda os arts. 173º e ss): ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um curso de Direito da Insolvência, Volume I, 4.ª ed., 2022, pág. 58; aplicando a regra neste sentido ao art. 145º-D, 1, a) e b), do RGICSF, ARMINDO RIBEIRO MENDES, “A resolução e os outros mecanismos de intervenção em instituições de crédito à luz da Constituição”, III Congresso de Direito da Insolvência, coord.: Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 49 (“Entre credores do mesmo grau hierárquico, há-de prevalecer a regra da par conditio creditorum.”).
A introdução dos arts. 8º-A e 8º-B no DL 199/2006 não afasta este princípio da igualdade no contexto das medidas de resolução bancária.
[9] Processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, in www.dgsi.pt (com sublinhado nosso).
[10] Neste sentido, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO/ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág. 1173.
[11] Integrando este regime também na lógica de o regime da resolução estar ao serviço da minização do impacto para o erário público da situação de desequilíbrio financeiro de uma instituição de crédito, v. NUNO LÍBANO MONTEIRO, “O regime jurídico da liquidação judicial das instituições de crédito à luz das alterações introduzidas pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março”, III Congresso de Direito da Insolvência, coord.: Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 79-80.
[12] Desenvolvidamente, sobre o conteúdo da “transferência” para a instituição de transição deliberado em função da medida escolhida para a “resolução”, v. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “A propósito do caso BES – Algumas notas acerca da medida de resolução”, Boletim de Ciências Económicas, 2015, págs. 198 e ss, 230 e ss.
[13] Nos termos do art. 561º do CCiv.: «Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.»; v. ainda o art. 785º, 1, do CCiv., incluindo aqui o conceito independente de “despesas”. Na doutrina, por todos, ALMEIDA COSTA, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, págs. 751-752, FRANCISCO MENDES CORREIA, “Artigo 561º”, Código Civil comentado, II, Das obrigações em geral (artigos 397.º a 873.º), coord.: António Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 562.