I- Encontrando-se provado que a autora apenas tinha a instrução primária, não tendo conhecimentos para avaliar as caraterísticas do produto financeiro adquirido (Obrigação SLN 2006), e tendo-se provado que apenas subscreveu aquele produto porque lhe foi assegurado tratar-se de uma aplicação segura, equiparável a um depósito a prazo, com capital garantido e que podia ser levantado a todo o tempo, o que o Banco réu sabia não ser verdade, encontra-se demonstrada a ilicitude do comportamento do réu, por violação dos seus deveres de informação.
II- Tendo-se provado que: “Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto”, encontra-se demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos que a autora sofreu, e que não teria sofrido se pudesse ter tomado uma decisão livre e esclarecida sobre a aplicação financeira que se veio a tornar ruinosa.
Processo n.2714/19.2T8LRA.C1.S1
Recorrente: EUROBIC
Recorrida: AA
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA, residente nas C..., propôs a presente ação declarativa contra “BANCO BIC PORTUGUÊS S.A.”, atualmente Banco “EUROBIC”, com sede social em .... Pediu a condenação do réu nos seguintes termos:
a) Proceder ao pagamento à Autora do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos desde 25.10.2014, à taxa legal dos juros comerciais em vigor, condenando-se ainda o Réu a pagar a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) por danos morais sofridos pela Autora, igualmente acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a citação até ao efetivo pagamento;
Subsidiariamente:
b) Deverá ser declarado nulo o negócio jurídico por força do qual o banco Réu vendeu ao aqui Autor a “Obrigação Subordinada Rendimento Mais SLN 2004”, com as inerentes consequências legais, e indemnizada a Autora pelos danos sofridos, a liquidar em execução de sentença, e que corresponderão, no mínimo, ao custo de imobilização do capital desde a data da subscrição do produto até ao momento da restituição deste, montante ao qual haverá que descontar o rendimento, entretanto percebido.
A Autora sustentou as suas pretensões, alegando, em síntese:
- que sendo clientes, ela e o marido, do extinto Banco Português de Negócios, S.A. (BPN), instituição bancária então tida como sólida e bem administrada, na qual depositavam toda a confiança, nomeadamente no seu gestor de conta, Sr. BB, este contatou o seu marido em data não superior a uma semana antes de 25.10.2004, no sentido de aplicarem o seu dinheiro num produto financeiro novo muito bom, com boa taxa de rentabilidade, superior à dos depósitos a prazo (“uma espécie de depósito a prazo, mas de maior rentabilidade”), com «rentabilidade assegurada, com o capital 100% assegurado quanto ao seu reembolso, e sem risco de perda deste», tendo sido por estas condições terem sido garantidas que ela A. anuiu a aplicar a quantia de € 50.000 que detinha em DP nesta aplicação, mas sem que então lhe tivessem sido explicadas a natureza e características da proposta aplicação financeira, nomeadamente o que eram “Obrigações” (e concretamente as ditas “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”), nem o que eram “Obrigações Subordinadas”, acrescendo que não lhe foi entregue nem explicada (antes do ato de subscrição) qualquer Prospeto Informativo ou Ficha Técnica que não fosse o “Boletim de Adesão”, nem lhe foi prestada qualquer informação sobre quem era a entidade emissora das mesmas (a “Sociedade Lusa de Negócios”, doravante “SLN”), sendo certo que o dito “Boletim de Adesão” é composto por uma série de “cláusulas de adesão integral”;
- que ela A. e o seu marido jamais teriam aceitado investir as suas poupanças de uma vida na aquisição desta “Obrigação”, se tivesse sido devidamente informados, tanto mais que eram aforradores sem qualquer cultura financeira ou bancária e sem conhecimentos específicos sobre o mercado de capitais, nunca tendo pretendido investir todas suas poupanças numa aplicação financeira de risco;
- que também não lhes foi explicado que o banco não passava de um mero intermediário financeira da SLN, e que a responsabilidade última pelo pagamento dos juros e do reembolso do capital na maturidade do produto era apenas desta SLN e não do próprio banco BPN;
- que o pagamento dos juros decorrentes da aplicação ocorreu até Outubro de 2014, o que sempre foi contribuindo e reforçando a convicção da Autora de que o seu capital investido iria acabar por lhe ser entregue, estando convencida de que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o próprio BPN (e mais tarde o BIC) e não a SLN (mais tarde GALILEI), convicção que manteve durante anos;
- que a atual instituição de crédito aqui R. (Banco “EUROBIC”) resultou da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do “Banco BIC Português, S.A.” no “Banco Português de Negócios, S.A.”, assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo;
- que em 10.03.2017, a Autora interpelou o banco BIC para proceder ao depósito na sua conta dos €50.000 investidos, reembolso que lhe foi negado por resposta datada de 25.10.2017.
Alegou a autora que a operação bancária efetuada entre ela e a ré corresponde a uma atividade de intermediação financeira, convocando as normas do Código dos Valores Mobiliários para sustentar a responsabilidade contratual do Réu, por violação do dever de informação a que estava obrigada, acrescendo ainda que o contrato seria nulo por violação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, assistindo-lhe o direito à restituição do referido montante de €50.000, bem como nos juros moratórios vencidos e vincendos, desde a data em que o capital deveria ter sido pago (outubro de 2014), bem como uma indemnização por danos morais de montante não inferior a €2.500. Subsidiariamente, invocou a declaração de nulidade do negócio jurídico, com as inerentes consequências legais.
2. O Banco Réu contestou, invocando, em síntese, a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento que a Autora teve da subscrição do produto em causa, bem como a existência de uma situação de venire contra factum proprium da Autora, na medida em que ao longo de 5 anos esta se comportou de forma a aceitar a subscrição por si efetuada, auferindo as correspondentes vantagens. Por impugnação, alegou o Réu que:
- As Obrigações SLN 2004 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade que era titular de 100% do capital social do BPN, participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008;
- Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, com garantia de capital, no sentido de que o seu valor de reembolso não sofre variações de natureza especulativa ou sequer que resultem de qualquer tipo de negociação, e cujo único risco é o risco geral do incumprimento, existente em todos os contratos;
- A esta segurança acrescia o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património;
- Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro ou conservador como a subscrição daquelas obrigações; o risco de um DP seria, por isso e apenas nessa medida, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, sendo o produto dado à subscrição da autora” efetivamente seguro”, acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como essa nacionalização foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas;
- À data de subscrição, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria necessariamente uma prévia insolvência do próprio Banco por ser um seu ativo, pelo que também por aqui o risco da aplicação era efetivamente semelhante ao de um DP no próprio banco.
Concluiu que nunca foi transmitida qualquer informação falsa à autora, nem omitida informação essencial quanto a natureza do produto, que se “encaixava na perfeição no seu perfil de investidor conservador”. Defendeu que não foi violado qualquer dever legal de informação. Requereu, a final, a improcedência da ação.
3. A primeira instância julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu do pedido formulado pela Autora, ficando, por isso, prejudicada a apreciação da prescrição e do abuso de direito invocados pelo Réu.
4. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação, no qual pediu a parcial alteração do julgamento sobre a matéria de facto e a consequente revogação da sentença recorrida. O Tribunal da Relação de Coimbra, após alteração da decisão sobre a matéria de facto, veio a revogar a sentença e a considerar a ação procedente.
5. Por sua vez, inconformado com esse acórdão, o Banco Réu interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7.º, 290.º n.º 1 alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D e 327.º do CdVM e 4.º, 12.º, 17.º e 19.º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE, 342.º, n.º 1, 364.º, 483.º e ss., 563.º, 628.º e 798.º e ss. do C.C e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
2. Não obstante os depoimentos prestados e os elementos documentais carreados para os autos, veio o douto Tribunal recorrido a aplicar juízos e avaliações gerais, mas, mais do que isso e de uma forma inexplicável, a aplicar entendimentos que são CONTRÁRIOS à prova produzida.
3. Não podemos calar a nossa surpresa e revolta quando uma decisão judicial parte da referida generalização, ou de “plausabilidade”, para alterar o sentido de juízo sobre factos como os que veio a considerar em sede de apelação.
4. No que concerne ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, entendeu por bem o Tribunal recorrido elevar o degrau da suposta ausência total de risco e, com isso, atribuir a expressão “sem risco de perder o dinheiro aplicado”, quando a testemunha BB não depôs neste sentido, indo, inclusive, além do que vinha alegado pela Autora.
5. Quanto ao ponto 24 da factualidade dada como provada, desconsiderou o Tribunal recorrido o facto de a testemunha CC, marido a Autora, ter admitido o investimento em fundos de investimento.
6. Ainda quanto ao ponto 24 da matéria de facto provada, apenas por lapso se concebe que ao Tribunal da Relação haja escapado a prova documental junta aos autos (Doc. ... da Contestação) e que constitui o extrato de conta da A. – DIRIGIDO A ESTA e DA CONTA DE QUE ESTA É TITULAR! –, do qual constam vários investimentos em Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliários (Cfr. pág.1 do Doc...., entradas das datas 2003/11/06; 2005/03/16; 2006/02/03; 2006/10/04; 2007/01/04; 2007/03/20; 2007/10/18.
7. Isto porque, sem que se consiga perceber o trajeto cognoscitivo envolvido, sustentou o Tribunal da Relação que “Não vislumbramos, assim, haver suporte probatório consistente, nem muito menos concludente, no sentido de que anteriormente ‹‹a Autora já tivesse subscrito Fundos de Investimento Mobiliário e Fundos de Investimento Imobiliário››”.
8. Na verdade, as subscrições em participações em Fundos de Investimento encontram-se no extrato junto aos autos (Doc. ... da contestação) e no qual são mencionados estes investimentos, dirigido à pessoa da Autora e com referência à conta bancária de que esta é titular.
9. Quanto ao facto n.º 32 dos factos provados, é de franco modo surpreendente a sustentação do Tribunal Recorrido, porquanto, além desta factualidade se encontrar expressamente alegada pelo Banco R. (artigos 37, 43, 50 e 51), a mesma resulta, também, da própria instrução da causa, tendo sido submetida ao regime de contraditório e de prova durante a discussão nos autos.
10. Assim, não pode manter-se a consideração do Tribunal recorrido ao eliminar tal facto do elenco da matéria de facto dada como provada, já da natureza instrumental do mesmo não poderá resultar o seu automático afastamento.
11. No que respeita à alínea b) da matéria de facto dada como não provada e à consideração pelo Tribunal recorrido de que as obrigações “eram praticamente como se fossem um depósito a prazo”, qualquer conclusão que deste facto dependa terá, necessariamente, de ser valorada com a restante factualidade apurada.
12. Nomeadamente, com a factualidade associada à informação que já era do conhecimento de CC (experimentando nestas andanças obrigacionistas) e que lhe foi transmitida pelo funcionário bancário.
13. Relativamente alteração da alínea d) dos factos não provados para o elenco de factos provados, suportou-se o Tribunal recorrido, desde logo, na errada alteração da matéria de facto que a antecede, bem como, no depoimento do marido da Autora (com evidente e natural interesse no desfecho do litígio) e da testemunha DD, que, de resto, não participou ou presenciou a venda do produto e se limitou a depor de um modo generalista quanto à sua colocação.
14. A alteração da matéria sindicada deu-se, não porque se demonstrou terem tais factos acontecido dessa forma, mas por ser plausível que assim tenham sucedido, e tudo em sede de reapreciação do julgamento de 1.ª instância, com um total desprezo pelo princípio da imediação na apreciação da prova por aquela instância.
15. O acórdão em crise incorre em nulidade por manifesta omissão de pronúncia sobre os concretos factos em discussão nos autos e no recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, fundamentando a sua decisão sem, contudo, ponderar devidamente e como se lhe impunha os concretos elementos de prova existentes nos autos.
16. Da análise feita pelo Tribunal da Relação, resulta claramente que fez recair o ónus da prova dos factos em discussão sobre o R., violando o disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, de onde resultaria que a prova dos factos alegados caberia exclusivamente ao A., sem prejuízo da presunção de culpa dos artigos 799.º do Código Civil e 304.º do Código de Valores Mobiliários.
17. Incorreu a decisão sobre a matéria de facto na violação de regras de direito probatório material, devendo ser revogada nessa parte, pois que o conhecimento desta violação em nada belisca a limitação dos poderes de cognição deste Venerando Tribunal sobre a matéria de facto.
18. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado à Autora (conforme ela próprio estava convencida) que a aplicação financeira era um produto sem risco, não transmitindo a característica da subordinação ou a diferença para o depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.
19. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
20. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
21. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!
22. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos os contratos!
23. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!
24. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
25. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então, ao risco de solvabilidade da SLN.
26. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
27. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.
28. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!
29. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
30. O que retira qualquer relevância à transmissão da característica no momento da decisão de investimento.
31. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.
32. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
33. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
34. A este propósito, o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.
35. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.
36. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
37. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no art.º 236º do CCiv., uma vez que esta disposição se aplica, apenas e só, às declarações negociais.
38. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
39. Acresce que a expressão “garantido” pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!
40. Efetivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.
41. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.
42. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
43. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
44. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado que era do interesse e vontade da Autora investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
45. Acresce que, apesar da Autora não ser investidora com especiais conhecimentos técnicos na área financeira, o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
46. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
47. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram – até praticamente ao momento do incumprimento – que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
48. A simples omissão de referência à característica da subordinação das Obrigações não constitui de forma alguma uma violação do dever de informação.
49. O teor do dever de informação não consiste, nem pode consistir, num mero elenco, apenas para efeitos formais da dita informação, das características do produto, antes devendo adequar-se às concretas circunstâncias relativas ao cliente ou ao momento histórico.
50. Esta particular característica da subordinação refere-se exclusivamente, e por definição, a um cenário de concurso de credores. Este cenário, contudo, e realisticamente falando, era em 2004 por todos encarados como puramente teórico e académico...
51. A situação do sistema financeiro em geral, em Portugal, e do Banco-R. em particular, nunca levariam a que ninguém valorizasse uma tal possibilidade mesmo que comunicada. Esta simples e, quanto a nós, óbvia circunstância implica que a falta daquela concreta menção, desde logo não implicou uma verdadeira falta de informação, porquanto nunca seria valorizada por qualquer cliente como tal…
52. Diga-se, ainda, que nos parece que é evidente que a relação causal entre esta falta de informação e o dano que sobreveio sempre inexistiria de facto, em face da já explicada irrelevância assumida da dita informação sobre subordinação.
53. Dispunha sobre a matéria do conteúdo dos deveres do intermediário financeiro o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
54. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art.312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
55. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
56. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si.
57. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art.312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
58. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art.312º-E.
59. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem de prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.
60. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
61. Trata-se, portanto, de um risco que tem de ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.
62. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.
63. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
64. A informação acerca do risco da perda do investimento tem de ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!
65. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
66. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
67. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art.312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente.
68. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
69. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida à Autora e o ato de subscrição.
70. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
71. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse.
72. Do texto do art.799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
73. E, de resto, nos termos do disposto no art.344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
74. Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor –, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
75. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem –, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso a Autora. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.
76. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva, outrossim, se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
77. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.
78. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
79. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
80. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
81. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
82. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
83. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador.
84. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetivada probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
85. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
86. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação – e um concreto dano (que não hipotético)!
87. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!
88. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
89. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
90. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
91. E nada disto foi feito!
92. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão.
93. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que esta Autora, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca os subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.
94. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubessem de todas as características dos produtos em causa, a Autora teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!
95. A origem do dano da Autora reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!
Termos em que se conclui pela procedência das invocadas nulidades. Se assim não se entender, sempre se conclui pela admissão do presente recurso e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco R. do pedido. Assim se fazendo justiça!»
6. A recorrida respondeu, sustentando, em síntese, a improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.
Cabe apreciar.
*
II. FUNDAMENTOS
1. Admissibilidade e objeto do recurso
Tendo o acórdão recorrido revogado a sentença em sentido desfavorável ao recorrente, a revista é admissível nos termos do art.671º, n.1 do CPC.
Sendo o objeto do recurso de revista delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do art.635º, n.4 do CPC, tendo por referente o objeto decidido na apelação, concluiu-se que são duas as questões a apreciar. Por um lado (a partir das conclusões vertidas nos pontos n.1 a n.17), saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação das regras processuais quando procedeu à alteração da matéria de facto e se, por isso, incorreu em nulidade. Por outro lado (a partir da conclusão n.18 e até ao fim), há que apurar se o acórdão recorrido fez errada aplicação da lei substantiva quando entendeu que se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil do Banco réu como intermediário financeiro.
2. Factualidade provada:
As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
«1. A Autora é cliente do extinto Banco BPN – Banco Português de Negócios S.A, -instituição bancária esta na qual era titular da conta de depósitos à ordem com o n.º ...01, de natureza solidária, podendo ser movimentada só com a assinatura de um dos titulares, na agência de C....
2. Nesta conta a Autora e CC (seu marido) tinham depositada nessa conta de depósito a prazo a quantia de €50.000,00, fruto das suas poupanças de uma vida.
3. Era à época empregado bancário na agência de C... do banco BPN o Sr. BB, pessoa na qual a Autora depositava toda a confiança pessoal e profissional, e que era o seu gestor de conta.
4. A Autora e CC (seu marido) enquanto depositantes, clientes do banco BPN, e aforradores junto do mesmo depositavam igualmente toda a sua confiança na instituição bancária Banco Português de Negócios, nos seus métodos, no seu pessoal, e na sua administração e gestão, sendo aliás esta instituição bancária por todos à altura tida como sólida e bem administrada.
5. O referido funcionário do, entretanto extinto, BPN, em data não apurada mas seguramente não mais de uma semana antes de 25/10/2004, contactou CC (marido da aqui Autora), segundo titular da sobredita conta, convidando-o a deslocar-se à agência dizendo-lhe que o banco tinha um produto financeiro novo muito bom, com boa taxa de rentabilidade, superior à dos depósitos a prazo, e que se tratava de uma excelente oportunidade de aplicação do seu dinheiro.
6. Pelo que, na sequência desse contacto, CC (marido da Autora) deslocou-se à agência do então BPN das Caldas da Rainha, onde se encontrava sedeada a sua conta para falar com o seu gestor de conta, tal como este tinha solicitado.
7. E BB (funcionário do BPN) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais SLN” explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o banco BPN, praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, sendo praticamente como se fossem um depósito a prazo, quase tão seguro como ele, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo.[1]»
8. E para o efeito entregou-lhe o “Boletim de Subscrição” que CC (marido da Autora) levou para casa para a Autora assinar.
9. Nessa sequência, no dia 25/10/2004 a Autora assinou o “Boletim de Subscrição”, onde, para além do mais consta o seguinte:
“BPN, Banco Português de Negócios” “SLN RENDIMENTO MAIS 2004”,
“EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS” No valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros): «NATUREZA DA EMISSÃO:
Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…) MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO
€50.000,00 (1 obrigação) PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO (…)
DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA 25 de Outubro de 2004.
PRAZO E REEMBOLSO
O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 27 de Outubro de 2014.
REMUNERAÇÃO
Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…)
IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR (…)
ORDEM DE SUBSCRIÇÃO (…)
ORDEM DE DÉBITO (…)»[2]
10. A Autora subscreveu o produto acima mencionado atentas as informações prestadas pelo referido funcionário do Banco BPN e ainda devido à confiança pessoal e profissional que a Autora e seu marido depositavam no sobredito gestor de conta bem como na própria instituição bancária BPN.
11. A Autora estava sempre convencida que o Réu lhe restituiria o capital no prazo acordado.
11-A. Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto.[3]
12. Após a subscrição do produto acima referido, os respectivos juros foram sendo semestralmente pagos até Outubro de 2014.
13. Mais tarde, a Autora recebeu pelo correio a “NOTA INFORMATIVA” [documento n.º ... da P.I.] onde, para além do mais, constava o seguinte:
“SLN, SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS SLN RENDIMENTO MAIS 2004
NOTA INFORMATIVA €50.000.000
Emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o valor nominal de €50.000 cada.
OUTUBRO DE 2004 ORGANIZAÇÃO E MONTAGEM BANCO EFISA, S.A.
Índice
1- Advertência aos investidores
2- Descrição da oferta:
2.1: Ficha Técnica
2.2: Forma de emissão, modalidade de subscrição, deliberação, colocação e representação dos Obrigacionistas 2.3: Método de cálculo da taxa de juro
3-Informações sobre o Emitente (…)”.
14. Constatando-se que logo na primeira página desta mesma ficha técnica e sob o bem destacado título de “ADVERTÊNCIA AOS INVESTIDORES” que as condições do empréstimo obrigacionista prevêem que: “Em caso de falência ou liquidação da EMITENTE, o reembolso das Obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da EMITENTE”.
15. Constatando-se nesta mesma ficha técnica que a finalidade do empréstimo consubstanciado na emissão destas Obrigações Subordinadas era a “consolidação da dívida da emitente, potenciando um melhor equilíbrio entre as maturidades do seu passivo e o seu ativo”.
16. Para além dos referidos (Boletim de Subscrição e Nota Informativa), não foi emitido qualquer outro documento a esse propósito, para além das habituais comunicações/ avisos/ extractos relativos ao pagamento dos juros semestrais até Outubro de 2004.
17. À altura do referido contacto efectuado pelo funcionário do BPN não foi explicado à Autora ou ao seu marido o que eram “Obrigações”, o que eram “Obrigações Subordinadas”, que se tratava na prática de um empréstimo concedido à SLN.
18. Antes do acto de subscrição não lhe foi dado a ler ou a assinar qualquer Prospeto Informativo ou Ficha Técnica.
19. Não foi prestada qualquer informação sobre o desempenho empresarial da SLN, os seus ratios económicos, a sua área de atividade, a sua solvibilidade, e, nomeadamente se tinha ou não tinha dívidas, a quem, e de que montantes, ou quaisquer outros elementos que possibilitassem à A. e seu marido terem um conhecimento sobre a real valia de tal empresa.
20. O Boletim de Subscrição acima referido é composto por toda uma série de cláusulas elaboradas previamente à assinatura, sem possibilidade de negociação pela Autora.
21. Aquando das explicações dadas pelo funcionário do BPN não foi explicado que em caso de insolvência da Entidade Emissora apenas se poderia verificar o reembolso do capital investido após pagamento aos demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores privilegiados e comuns, apenas gozando enquanto credores obrigacionistas de prevalência sobre os acionistas da entidade emissora.
22. A Autora e o seu marido tinham a instrução primária, sendo o marido da Autora reformado do comércio do antigo curso comercial.
23. À data CC (marido da Autora) sabia o que eram “Obrigações”, mas não sabia o queram “Obrigações Subordinadas”.
«24. O Banco BPN tinha conhecimento do perfil mais conservador da Autora no que respeita a investimentos.[4]
25. A Autora e seu marido estavam convictos que os juros que recebiam periodicamente na sua conta eram pagos pelo próprio BPN, e não pela “Sociedade Lusa de Negócios”.
26. A Autora, posteriormente à subscrição das Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais2004 e ao efetivo débito na sua conta, recebeu em sua casa o “Aviso de Débito” [doc. ... da P.I.] datado de 25/10/2004 e no qual pode ler-se, “Compra de Títulos” “Designação: SLN Rendimento Mais 2004”, Montante Nominal 50.000,00 €”.
27. Foi distribuído pelo BPN uma Nota Interna a estes funcionários bancários das agências do BPN espalhadas pelo país, para uso exclusivo destes, onde consta na sua página 4.ª um “Argumentário” que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar as suas poupanças, à guarda do banco, nas ditas “Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004”.
28. Nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de “uma excelente oportunidade de investimento uma vez que garante o capital investido” e com “remuneração acima do mercado”, com “pagamento semestral de juros”, constando ainda desta Nota Interna, sob o título “caraterísticas da emissão”, “Capital garantido: 100% do capital investido”.[5]
29. Constando escrito neste mesmo documento que a emissão das Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 se destinava à “consolidação da dívida da SLNSGPS S.A.”, realidade esta que não foi nem dita nem explicada à Autora e seu marido nem antes nem depois da subscrição do produto.
30. Consolidação essa – como refere a Nota Interna - que constituía um importante objetivo estratégico do grupo económico capitaneado pela holding SLN SGPS S.A.
31. Constando ainda desta “Nota Interna” que “…Dada a importância estratégica do SLN Rendimento Mais 2004, esta emissão integra o Campeonato BPN 2004 com uma posição de destaque, designando-se mesmo como Super Prova Especial”.
32. [Eliminado pela segunda instância.]
33. Pelo que os empregados – como o sobredito Sr. BB – vendiam as ditas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, bem como aliás outras Obrigações emitidas pela SLN SGPS S.A. dizendo aos clientes – conforme sucedeu com a aqui Autora e seu marido – que se tratava de um produto idêntico a um depósito a prazo.
34. Entretanto, e conforme é do conhecimento geral, as ações representativas do capital social do BPN – Banco Português de Negócios, S.A. (BPN) foram objeto de nacionalização, por força e nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 62-A/2008, de 11 de Novembro (Regime Jurídico da Apropriação Pública por Via de Nacionalização).
35. O art. 7.º n.º 1 deste citado diploma legal prevê expressamente que a nacionalização das participações sociais de uma pessoa coletiva nos termos previstos no presente regime não extingue a respetiva personalidade jurídica, não altera a respetiva natureza jurídica e, por sua vez, o seu art. 8.º n.º 2 prevê que se mantém na titularidade da pessoa coletiva a universalidade de bens, direitos e obrigações legais ou contratuais, de que esta seja titular à data da nacionalização.
36. O acima referido documento interno do banco – “Nota Interna” – proveniente da Direção de Comunicação Institucional e Marketing do BPN, usada pelo banco para a “formação” dos seus funcionários no retalho para a venda do produto foi, mais tarde, considerada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários atentatória das boas práticas do BPN enquanto intermediário financeiro no que concerne ao cumprimento do dever de informação deste produto junto dos seus clientes.
37. Assim, o Departamento de Supervisão da Intermediação e Estruturas de Mercados (DIEM) da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) na sua Informação N.º ...59, na sequência de ter tomado conhecimento desta sobredita Nota Interna e de ter iniciado procedimento com vista a apurar os factos chegou às seguintes conclusões [doc. ... da P.I., páginas 5-6]:
III – Conclusões:
(i) “Existem documentos internos do BPN dirigidos à Rede Comercial para informação/formação sobre Obrigações da SLN e do BPN comercializadas pelo BPN – concretamente, Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (i.e., Nota Interna e documento de apresentação), Obrigações Subordinadas SLN 2006 (i.e., documento de apresentação) e Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 (i.e., documento de apresentação) – que contêm menções expressas que o capital investido é garantido e que há garantia de elevadas taxas de remuneração”.
(ii) “Os documentos referidos no ponto anterior confirmam que as redes comerciais do BPN na informação/formação sobre os produtos comercializados recebiam indicações de que, designadamente, as Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, Obrigações Subordinadas SLN 2006 e Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 possuíam, pelo menos, capital garantido (…)”
(iii) “Existiram pressões sobre a rede comercial para a comercialização de Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003 e de 66/19463 Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (…)”
38. O que foi então considerado pela CMVM, na sua qualidade de entidade reguladora como prática interna do banco enganadora dos clientes do banco, e como tal sujeita a processo contraordenacional, tendo esta Proposta de Deliberação da CMVM sido aprovada com os seguintes dizeres que se transcrevem:
“1. Remeter esta informação ao Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso (DJAC) em adenda à informação nº ...59;
(…)
3. Notificar o Conselho de Administração do BPN, no âmbito das reuniões que tem havido com a CMVM com vista à resolução dos problemas relacionados com as reclamações dos clientes do BPN, de que existem documentos do BPN utilizados na formação da sua rede comercial, relativos a “Obrigações de Caixa Subordinadas BPN, de que existem documentos do BPN utilizados na formação da sua rede comercial, relativos a “Obrigações de Caixa Subordinadas BPN Rendimento Mais 2003, Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004, Obrigações Subordinadas SLN 2006”, nos quais se afirma que estes produtos possuíam pelo menos capital garantido”.
39. Subsequentemente, o Decreto-Lei nº 2/2010, de 05 de Janeiro, aprovou a operação de reprivatização do BPN, tendo sido posteriormente alterado pelo DL nº 96/2011, de 19 de Agosto, no sentido de também contemplar a possibilidade de recorrer à venda direta na reprivatização do BPN.
40. A Autora estava convicta, durante algum tempo, que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o próprio BPN.
41. Em 9 de Dezembro de 2011, o Estado Português, então acionista único do BPN, no âmbito do processo de reprivatização daquela Instituição, celebrou um Acordo Quadro com o Banco BIC Português SA no qual foram estabelecidos os procedimentos e as ações necessárias a desenvolver por cada uma das partes, passo intermédio considerado essencial para a celebração do contrato de compra e venda das ações do BPN.
42. Conforme é igualmente do conhecimento público, no dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do BPN, entre o Estado Português e o banco BIC.
43. A atual Instituição de crédito aqui R. resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco BIC Português S.A. no Banco Português de Negócios, S.A., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.
44. Ou seja, o BPN é atualmente o R. Banco EuroBIC.
45. Conforme é agora do conhecimento público com a nacionalização do BPN a Sociedade Lusa de Negócios SGPS S.A., anterior proprietária do banco BPN, transformou-se no Grupo GALILEI SGPS S.A., tratando-se, todavia, de uma mera alteração nominal da anterior entidade, a qual se manteve a mesma, mas com o seu nome alterado para este último.
46. Por sua vez a sociedade GALILEI SGPS S.A., sucessora da SLN SGPS S.A., foi declarada insolvente por sentença judicial datada de 29-06-2016.
47. Verificado que se mostra o vencimento do prazo de dez anos, é a aqui A. informada que a aplicação financeira em causa, não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, S.A., entretanto travestida para GALILEI SGPS S.A. e que, uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe poderá ser concedido.
48. A Autora confrontada com a ideia de perder todo o dinheiro investido na aplicação financeira “SLN Rendimento Mais 2004” ficou preocupada e sem dormir.
49. E passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária, sempre vivenciando na sua mente a perda todas as suas poupanças de uma vida de trabalho, e o receio de não reaver ou de não saber quando vai reaver o seu dinheiro tendo-lhe sido diagnosticados fármacos anti-depressivos para poder lidar com a situação.
50. Toda esta situação provocou e provoca à Autora uma enorme ansiedade e angústia, que lhe rouba o seu direito ao descanso.
51. Em 10/03/2017 a Autora interpelou o banco BIC para proceder ao depósito na sua conta dos €50.000,00 investidos na aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 que adquiriu [constante do doc. ... da P.I.].
52. Em resposta com data de 25/10/2017 o Banco BIC remeteu à Autora resposta [constante do doc. ... da P.I.], negando esse reembolso.
53. A Autora permanece até ao presente sem ter recebido o seu dinheiro.
54. A Autora sabia perfeitamente que o produto que subscreveu não era um Depósito a Prazo.»
*
3. O direito aplicável
3.1. Pelas conclusões das alegações do recorrente conclui-se que este discorda tando do modo como a segunda instância alterou a decisão sobre a matéria de facto [errada aplicação da lei de processo – art.674º, n.1, alínea b) do CPC], como da aplicação do direito substantivo que conduziu à sua condenação como intermediário financeiro com base em responsabilidade por factos ilícitos [violação de lei substantiva – art.674º, n.1 alínea a)].
3.2. No que respeita ao poder do STJ para sindicar o julgamento da matéria de facto feito pelo acórdão recorrido, deve ter-se presente que o art.682º, n.2 do CPC dispõe:
«A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do art.674º.»
E o art.674º, n.º 3 estabelece que:
«O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.»
A discordância do recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto assenta, sobretudo, na valoração que o tribunal recorrido fez da prova testemunhal, bem como dos documentos particulares constantes dos autos.
Trata-se, portanto, de prova sujeita à livre apreciação do tribunal, e não de prova que tenha o seu valor ou o seu modo de produção legalmente fixados. Deste modo, tem plena aplicação a regra prevista na primeira parte do n.º 2 do artigo 682º do CPC, nos termos da qual a decisão sobre a matéria de facto não pode ser alterada em recurso de revista.
De todo o modo, sempre se pode acrescentar que as alterações da matéria de facto operadas pelo tribunal recorrido apresentam uma natureza absolutamente clara, lógica e tecnicamente bem justificada, como resulta inequivocamente da leitura da respetiva fundamentação.
Assim, contrariamente ao alegado pelo recorrente, também não se consegue identificar a existência de qualquer nulidade do acórdão recorrido no que respeita à apreciação da matéria de facto.
3.3. Alega o Banco réu, divergindo do acórdão recorrido, que não incorreu em violação dos deveres de informação, não se verificando os pressupostos da responsabilidade civil para a sua condenação.
O acórdão recorrido condenou o Banco réu a pagar à autora a quantia de 52.000,00 Euros e juros de mora legais desde a citação até integral pagamento, correspondendo 50.000,00 à perda do capital investido na subscrição da Obrigação SLN 2004 e 2.000,00 por danos não patrimoniais.
Pode, desde já, afirmar-se que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação da lei aos factos provados.
3.4. Como decorre da factualidade provada (nomeadamente dos pontos 5 a 9), em 2004, a autora e o seu falecido marido, por sugestão de um funcionário do Banco réu, subscreveram uma Obrigação SLN 2004, no valor de 50.000,00 Euros, tendo o Banco atuado como intermediário financeiro.
Aquela subscrição tinha a duração de 10 anos, devendo o capital investido ser, consequentemente, restituído após o decurso desse tempo. Todavia (como consta dos pontos 46 e 47 e 51 a 53 da factualidade provada), quando a autora interpelou o Banco para que esse dinheiro fosse depositado na sua conta o Banco negou tal reembolso, tendo a autora sido informada que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, por ser uma subscrição de obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A., posteriormente denominada GALILEI SGPS S.A., que havia sido declarada insolvente.
A autora, que permanece até ao presente sem receber esse dinheiro, ficou, portanto, desapossada do valor de 50.000,00 Euros correspondente ao montante investido na subscrição da Obrigação SLN 2004.
Neste quadro factual, equiparável a muitos outros que têm corrido pelos tribunais, constata-se que a autora se encontra a suportar um dano no seu património, dado que o Banco réu não lhes devolveu o montante cuja restituição havia sido exigida.
Não restam, assim, dúvidas de que o réu, na sua atividade de intermediação, praticou um facto voluntário que esteve na origem do dano que a autora veio posteriormente a sofrer.
3.5. Para que o Banco réu possa ser responsabilizado não basta que a autora tenha sofrido aquele dano. É necessário que se encontrem demonstrados todos os pressupostos (de verificação cumulativa) da responsabilidade civil. Para este efeito, relevam, desde logo, as normas do Código dos Valores Mobiliários respeitantes à atividade do intermediário financeiro, que se encontravam em vigor em 2004, ou seja, à data da celebração do contrato em causa nos presentes autos.
Os pressupostos da responsabilização civil do intermediário financeiro decorrem, em primeiro lugar, do disposto no art. 314º do Código dos Valores Mobiliários (na redação vigente à data dos factos a que respeita o caso sub judice).
Dispunha essa norma:
Artigo 314.º (Responsabilidade civil)[6]
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.»
Esta norma reproduz, no domínio específico da intermediação financeira, o que, em grande medida, se encontra já previsto na norma geral sobre responsabilidade civil – o art.483º do Código Civil – aqui subsidiariamente aplicável.
Nos termos do Código dos Valores Mobiliários (na versão vigente à data dos factos), o réu encontrava-se obrigado a cumprir vários deveres de informação para que os autores pudessem tomar uma decisão esclarecida ao subscreverem uma aplicação financeira no âmbito de um contrato de intermediação.
Relevavam particularmente as seguintes disposições do CVM:
Artigo 7.º (Qualidade da informação)[7]
«1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.»
Artigo 312.º (Deveres de informação)[8]
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.»
No que respeita à jurisprudência com relevo para a solução do caso concreto, importa ter presente o que se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, publicado no Diário da República n.º 212/2022, Série I de 03.11.2022 (no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A), no qual se estabeleceu que:
«1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido” (porquanto não era produto de risco), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»
Deste quadro legal extrai-se uma particularidade de regime, por confronto com as regras gerais da responsabilidade civil previstas no art.483º do CC, que é a circunstância de a culpa do intermediário financeiro ser presumida, como estabelece o art.314º, n.2 do CVM.
Porém, os demais pressupostos da responsabilidade civil têm de ser demonstrados pela parte a quem cabe o ónus da prova (nos termos do art.342º, n.1 do CC), como foi confirmado por aquele AUJ n.8/2022, no qual se afirma expressamente que «incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.»
E no qual se acrescenta, quanto ao requisito do nexo de causalidade, que «incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»
3.6. Aplicando estas regras ao caso concreto, conclui-se que o Banco réu teve uma atuação ilícita, pois não cumpriu, efetivamente, os deveres de informação que lhe eram legalmente impostos.
Embora à data da celebração do contrato em causa (2004), o Código dos Valores Mobiliários ainda não apresentasse a densificação que foi sofrendo em posteriores alterações legislativas, no que respeita ao modo de cumprimento dos deveres do intermediário financeiro, o então vigente art.312º, n.1 do CVM impunha já que o intermediário financeiro prestasse «todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada». E o n.2 desse artigo dispunha que «a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.»
Ora, no caso concreto, encontra-se provada a seguinte factualidade com relevo para a conclusão a extrair sobre esta matéria:
- A Autora e o seu marido tinham a instrução primária (ponto 22);
- BB (funcionário do BPN) apresentou ao CC (marido da Autora) a possibilidade de subscrever “Obrigações Rendimento Mais SLN” explicando-lhe que se tratava de obrigações do grupo que detinha o banco BPN, praticamente sem risco de perder o dinheiro aplicado, que findo o prazo de 10 anos recebia o capital, com capital garantido, sendo praticamente como se fossem um depósito a prazo, quase tão seguro como ele, mas de maior rentabilidade, que era fácil de transmitir a qualquer momento o produto a terceiros em questão de poucos dias porque existia muita procura, com a taxa anual bruta de 4,5% ao ano nos primeiros 5 anos, aplicando-se a Euribor acrescida de 1,75% no restante prazo (ponto 7);
- À altura do contacto efetuado pelo funcionário do BPN não foi explicado à Autora ou ao seu marido o que eram “Obrigações”, o que eram “Obrigações Subordinadas”, que se tratava na prática de um empréstimo concedido à SLN. (ponto 17);
- Antes do ato de subscrição, não lhe foi dado a ler ou a assinar qualquer Prospeto Informativo ou Ficha Técnica (ponto 18);
- Aquando das explicações dadas pelo funcionário do BPN, não foi explicado que em caso de insolvência da Entidade Emissora apenas se poderia verificar o reembolso do capital investido após pagamento aos demais credores por dívida não subordinada (ponto 21);
- Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto (ponto 11-A).
Esta factualidade revela que o disposto no art.312º do CVM não foi integralmente cumprido, pois sendo a autora pessoa apenas com a instrução primária (tal como o seu falecido marido), sem conhecimentos, portanto, para avaliar as caraterísticas do produto adquirido, não só não lhe foi prestada a informação completa sobre a natureza do produto em causa, como lhe foi afirmado expressamente tratar-se de uma aplicação equiparada a um depósito a prazo, o que o réu sabia não corresponder à verdade.
Conclui-se, portanto, que o comportamento do Banco réu foi ilícito, ao não cumprir adequadamente os deveres de informação que a lei lhe impunha; deveres estes destinados a que a autora pudesse tomar uma decisão livre e esclarecida sobre a aplicação financeira em causa.
Quanto ao requisito da culpa, estabelecendo o n.2 do artigo 314º do CVM que «a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação», o comportamento do Banco réu só não seria culposo se conseguisse demonstrar que, caso tivesse cumprido corretamente os deveres de informação que lhe eram legalmente impostos, mesmo assim, a autora teria subscrito a Obrigação SLN 2004. Todavia, tal não se encontra provado, pelo que o réu não consegue afastar aquela presunção de culpa.
No que respeita ao nexo de causalidade, decorre do n.1 do art.314º do CVM que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade.
Como veio a ser esclarecido pelo STJ, no supra referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 06.12.2021, o artigo 314º do CVM não comporta uma presunção de nexo de causalidade (para além de uma expressa presunção de culpa), incumbindo ao lesado provar os factos que revelem a existência do nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano.
No fundo, explicitou-se, neste domínio, a vigência da regra geral, consagrada no art.563º do CC, sobre a demonstração da adequação do comportamento ilícito e danoso para a produção do tipo de danos que o lesado sofreu.
No caso concreto, encontra-se provado que:
«11-A. Se a Autora, na data da subscrição, soubesse que não se encontrava assegurada a devolução do seu capital na respetiva maturidade e se à própria e marido lhes tivesse sido informado que em caso de insolvência teriam menos garantias de receber o seu capital do que os credores comuns, não teria aceitado investir no referido produto.»
Encontra-se, assim, assente que foi a errada informação prestada pelo Banco réu que veio a estar na origem do resultado danoso, ao induzir a autora (e o seu falecido marido) a subscrever um tipo de produto que ela não teria subscrito se conhecesse as suas caraterísticas de risco.
Pode concluir-se que foi o comportamento ilícito do Banco réu (ao não cumprir adequadamente os deveres de informação) que determinou a autora (e o seu falecido marido) a formar a convicção de estar a subscrever uma aplicação segura, como se fosse um depósito a prazo, ignorando que estava a subscrever um produto de risco.
Encontrando-se demonstrado que a autora apenas subscreveu aquele produto por lhe ter sido afirmado que era um produto seguro, com o capital garantido, conclui-se, portanto, que não lhe foi dada a oportunidade de decidir de forma informada sobre a aplicação financeira que veio a tornar-se ruinosa.
A autora sofreu, assim, danos emergentes (a perda dos 50.000 Euros que lhe pertenciam), que não teria sofrido se não fosse o comportamento ilícito do Banco réu, pelo que se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.
Em resumo, não existe fundamento para revogar o acórdão recorrido, pois este fez a correta aplicação do direito à factualidade assente.
*
Decisão: Pelo exposto, decide-se pela improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 11.07.2023
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Ricardo Costa
António Barateiro Martins
Sumário, art.o 663, n.o 7, do CPC.
____________________________________________________
[1] Redação dada pela segunda instância.
[2] Redação dada pela segunda instância.
[3] Aditado pela segunda instância.
[4] Redação dada pela segunda instância.
[5] Redação dada pela segunda instância.
[6] Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro.
[7] Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro.
[8] Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro.