RECUSA
JUÍZ DESEMBARGADOR
DISTRIBUIÇÃO
IMPARCIALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - Não pode ser deduzido pedido de recusa de juiz, sem se imputar ao magistrado judicial em concreto quaisquer factos ou condutas que integrem o quadro típico de suspeição dos números 1 e 2 do artigo 43.º do Código de Processo Penal.

II – Tem tal pedido de recusa de ser indeferido, por falta absoluta e manifesta de fundamento legal para tal, quando se radica na mera circunstância de ter cabido aleatoriamente ao juiz visado um dado processo [recurso penal] por força de uma distribuição processual que, na perspetiva do requerente, foi irregular e nula.

Texto Integral



Incidente de Recusa


Processo n.º 267/21.0JELSB-AC.L1


5.ª Secção Criminal


ACORDAM NA 5.ª SECÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – RELATÓRIO


1. AA veio apresentar, no Tribunal da Relação de Lisboa e no dia 24/7/2023, requerimento, subscrito pelo seu ilustre mandatário judicial e dirigido a este Supremo Tribunal de Justiça, de recusa contra o Juiz Desembargador em funções no Tribunal da Relação de Lisboa, Dr. BB, com os seguintes fundamentos (transcrição integral):


«AA, arguido nos autos acima melhor identificados, vem, muito respeitosamente, ao abrigo do Princípio do Juiz Natural, do “due process of law” dos art.ºs 43.º e segs. CPP, 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 202.º e 205.º da Lei Fundamental, suscitar a RECUSA do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. BB, Relator no âmbito do processo acima referido, o que faz como segue:


QUESTÃO PRÉVIA:


A defesa do Arguido desde já requer a sua notificação para assistir à distribuição do presente incidente.


1.º - No dia 11/05/2023 o Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo a Irregularidade da Distribuição e bem assim, o impedimento do Senhor Juiz, Dr. CC, de levar a cabo a Instrução.


2.º - Em 24/05/2023 o Tribunal a quo veio a proferir Despacho nos seguintes termos:


No tocante à alegada violação do Juiz Natural, pelas razões sucintamente aduzidas pelo M.º P.º a fls. 12392, que se subscrevem e porque o signatário não aplicou ou reexaminou, no processo incorporado, qualquer medida de coação, atento o disposto no art.º 5.º do Código de Processo Penal, entendo não ter praticado qualquer ato que o empeça de intervir na fase instrutória e proferir a competente decisão instrutória já que a lei em vigor na data da distribuição e atualmente não o impede.


Consequentemente não reconheço o impedimento que contra mim é deduzido.


3.º - Em 24/06/2023, não se conformando com o referido despacho o Arguido apresentou Recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a final:


Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente recurso obter provimento e, em consequência, deve ser proferido Acórdão que declare impedido de participar nos presentes autos, em sede de Instrução, com as legais consequências, o Exmo. Senhor Juiz Dr. CC.


Assim, decidindo farão V. Exas. a esperada JUSTIÇA!


4.º - Em 28/06/2023 foi proferido despacho no qual se concluiu:


«Face à informação do Tribunal da Relação de Lisboa e às datas das decretações das medidas de coação privativas da liberdade, entendo que os autos devem aguardar a decisão dos incidentes de recusa e do recurso do despacho que não reconheceu o impedimento.


Dou sem feito o Debate agendado que adio “sine die”.»


5.º - Em 10/07/2023 foi o Signatário notificado do douto Parecer do Ministério Público para querendo responder ao mesmo “no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação”.


6.º - Considerando o disposto no artigo 417.º, n.º 2 e 107.º-A do C.P.P. o prazo para o Arguido responder ao Parecer do Ministério Público termina a 25/07/2023.


7.º - Em 20/07/2023, para surpresa do Signatário, ao contrário do que anteriormente havia decidido, o Senhor Juiz de Instrução Criminal, apesar de não estar em causa o excesso de prisão preventiva do Arguido, o qual apenas ocorre a 27/10/2023, veio designar para debate instrutório os próximos dias 07 e 09 de agosto de 2023.


8.º - Assim, o Arguido apenas pode concluir que o Senhor Juiz de Instrução Criminal tem já conhecimento de que o Recurso apresentado pelo Arguido será julgado improcedente.


9.º - Sendo certo que, encontra-se, ainda a decorrer o prazo para o Arguido responder ao parecer do Digníssimo Procurador Geral Adjunto. Acresce que,


10.º - Este circunstancialismo processual trouxe à memória do Signatário a lição de Franz KAFKA; na verdade, longe vai o tempo em que o Estado era assim:


“...um velho funcionário, um senhor bondoso e sossegado, tendo estado perante um caso difícil, que se complicara especialmente devido aos requerimentos dos advogados, estudou-o ininterruptamente durante um dia e uma noite - estes funcionários são na realidade dedicados como ninguém. Pela manhã, após vinte e quatro horas de trabalho, provavelmente não muito frutífero, dirigiu-se á porta de entrada, pôs-se emboscada e atirava todo o advogado que quisesse entrar pelas escadas abaixo. Os advogados reuniram-se em baixo no patamar para decidir o que deviam fazer…cada dia que não é passado no Tribunal é para eles um dia perdido, portanto tinham bastante interesse em entrar. Finalmente acordaram em que deviam fatigar o velho senhor. Era enviado continuamente um advogado, que corria pelas escadas acima e, após ter resistido o máximo possível de uma forma embora passiva, se deixava empurrar para baixo onde era apanhado pelos colegas. Esta situação durou cerca de uma hora, depois o velho senhor, que estava exausto também do trabalho noturno, ficou mesmo cansado e regressou à sua secretária...” - FRANK KAFKA, “O Processo”, Ed Bertrand, pág. 142.


11.º - “…no fim, ele diz, olhando para entrada da Lei: “vou agora fechá-la”, mas no início da história é-nos dito que a porta da Lei se conserva sempre aberta e, se se conserva sempre aberta, isto é, permanentemente, independentemente da Vida ou da morte do Homem, então o porteiro não pode fechá-la” - KAFKA in “O Processo”, pág. 228.


12.º - A metáfora kafkiana com mais de 100 anos construída pela mente poderosa do escritor em 1920, é hoje plenamente atual; de que valem Leis publicadas no dia a dia do Diário da República se a aplicação das mesmas são às escuras, sem os destinatários serem informados ????


13.º - De que serve a COUR de Estrasburgo impor aos Estados membros um processo EQUITATIVO se, na prática, não existe equidade ?


14.º - O Venerando Desembargador, com o devido respeito, foi nomeado com violação do PRINCÍPIO do DEVIDO PROCESSO LEGAL consagrado nos art.ºs 6.º-1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos Tribunais Superiores, aqui aplicável por força do artigo 4.º do CPP de harmonia com o processo penal.


15.º - Na verdade, o arguido AA está retido numa cela fria e húmida do MOTEL PRISONAL DE ..., ao estilo GUANTANAMO, mal alimentado, em retiro físico e espiritual e não foi convidado a assistir ao sorteio eletrónico neste Alto Tribunal, nem o seu Advogado, o qual ao longo do processo sempre tem informado que pretende ser notificado para estar presente em todas as distribuições que lhe digam respeito.


16.º - Com um simples E-mail ou telefonema por parte deste Alto Tribunal a comunicar ao EP ... que tinham sido rececionados os Autos de Impedimento, logo o arguido sinalizaria na sua agenda pessoal, muito preenchida por divagações filosóficas e existenciais, que no dia X à hora Y deveria aprumar-se, eventualmente retirar o fato de macaco cor de laranja que lhe foi destinado como indumentária nos últimos 12 (doze) meses, para assistir ao sorteio neste Alto Tribunal;


17.º - O advogado signatário trabalha e reside em ... pelo que rapidamente se deslocaria ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.


18.º - Acontece, porém, que nem o arguido que é o ALVO da JUSTIÇA PORTUGUESA e muito interessado em todos os tramites processuais, foi notificado ou convidado a assistir ao sorteio; tão pouco o advogado signatário foi avisado de tal diligencia que é essencial num ESTADO DE DIREITO;


19.º - Assim constata-se que o Venerando Juiz Desembargador agora recusado:


- Foi nomeado para apreciar o Impedimento provavelmente sem sorteio (?);


- Até hoje, 24-07-2023, não se conhece algo da nomeação do Venerando Juiz Desembargador;


- O defensor apenas visualizou num despacho do tribunal a quo, que “Mediante informação do Tribunal da Relação de Lisboa de que os autos de recurso de impedimento na 5.ª secção, sendo Relator o Exmo. Desembargador Dr. BB…”, sem que se saiba como e por que meios; trata-se de facto consumado sem conhecimento público e do POVO;


- Os Senhores Juízes julgam em nome do bom POVO ( art.º 202.º CRP) e para o POVO PORTUGUÊS ao qual o arguido recusante AA pertence;


- Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;


- Não contou com a assistência de Advogado;


- Não contou com a presença do advogado do Arguido;


- Não ocorreu notificação da ACTA desconhecendo-se se foi efetuada;


20.º - As ilegalidades supra suscitadas violam o direito do Arguido ao Juiz Legal – direito, garantia e princípio constitucional fundamental do art.º 32.º, n.º 9 da Constituição;


21.º - Urge assim que seja realizado SORTEIO ELETRÓNICO na presença do arguido e do advogado signatário porquanto ocorreu NULIDADE INSANÁVEL no modus faciendi da distribuição;


22.º - O artigo 213.º, n.º 3 do CPC dispõe o seguinte:


É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 204.º à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:


a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;


b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.


23.º - Os números 4 a 6 do artigo 204.º dispõem que:


4. A distribuição obedece às seguintes regras”:


a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata”;


b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;


c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.»


24.º - Ocorre nulidade insanável e sério motivo de recusa pois o arguido recusante desconhece como foi respeitado o PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL e o DUE PROCESS OF LAW.


25.º - Tudo isto gera DESCONFIANÇA NO SISTEMA DE NOMEAÇÃO DO SENHOR JUIZ RECUSADO: desconhece-se, repete-se, como ocorreu a nomeação; certo é que o processo foi atribuído a Sua Excelência na ausência do arguido recusante e do advogado signatário;


26.º - A ausência de notificação de atos processuais como por ex., do acórdão dos Tribunais Superiores ao arguido já levou o EUROPEAN COURT a condenar Portugal no affaire MEGGI CALA contra PORTUGAL - (Requete 24086/11) notificado à Procuradoria-Geral da República e de conhecimento oficioso; mutatis mutandis impõe-se a notificação de um ato solene como a distribuição-sorteio eletrónico na presença do visado pela deusa THEMIS, ou seja, o arguido AA e signatário.


Face ao supra exposto o arguido recusa a atribuição dos Autos de Impedimento ao Venerando Senhor Juiz Desembargador Doutor BB, declarando-se a irregularidade e a nulidade dos atos praticados à revelia do Principio do Juiz Natural, do sorteio eletrónico e imparcialidade, e por outro lado, em virtude de aparentemente o intuito da decisão já ter sido comunicada ao Senhor Juiz de Instrução Criminal, enquanto decorre o prazo para o Arguido responder ao douto Parecer do Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto.


Deve ser efetuado sorteio eletrónico na presença do Ministério Público, do arguido e do advogado signatário.


PROVA TESTEMUNHAL:


• Dr. CC, Juiz de Direito, a notificar no Tribunal Central de Instrução Criminal, ..., ..., ..., ... ...;


• Senhor DD, Técnico de Justiça principal, a notificar no Tribunal Central de Instrução Criminal, ..., ..., ..., ... ...;


Para Prova da falta de notificação do Arguido e do Signatário ao ato de distribuição oferecem-se os presentes autos. »


2. Respondeu, no dia 26/7/2023, o Exmo. Magistrado Judicial recusado nos seguintes termos:


«Tomei conhecimento do requerimento que deu entrada no dia de ontem, com a referência CITIUS 645555 (requerimento em que vem deduzido incidente de recusa do signatário).


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Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça


Suscitado pela defesa o presente incidente de recusa, cumpre ao signatário, nos termos do artigo 45.º, n.º 3, do Código do Processo Penal, pronunciar-se.


O processo 267/21.0JELSB-AC.L1 em que é recorrente AA, com a espécie de Recurso Penal, foi distribuído neste Tribunal da Relação de Lisboa em 04/07/2023, por sorteio, tendo o processo sido atribuído ao signatário como relator.


A pauta da distribuição efetuada foi regularmente publicitada.


O Recurso tem natureza urgente (complexidade processual que foi regularmente observada na distribuição), tendo o prazo previsto no artigo 417.º, n.º 2, in fine, acrescido dos três dias úteis subsequentes, terminado ontem.


Este despacho constitui o primeiro ato praticado pelo signatário nos autos, sendo que anteriormente nenhum contacto teve com os arguidos do processo 267/21.0JELSB, inexistindo qualquer intervenção processual anterior nossa, relativa aos mesmos, nestes ou noutros autos.


Compulsados os argumentos invocados pelo requerente, não se reconhece nos mesmos qualquer fundamento que permita concluir pela procedência da recusa e, maxime, pela existência de algum risco do signatário pautar a sua conduta processual e as suas decisões por critérios que se afastem da exigida imparcialidade.


Desde já se afirma perentoriamente serem falsas as insinuações que o requerente faz, quando lança sobre o signatário a suspeita de violação dos seus deveres no exercício das funções jurisdicionais que lhe estão confiadas, ao escrever: “aparentemente o intuito da decisão já ter sido comunicada ao Senhor Juiz de Instrução Criminal, enquanto decorre o prazo para o Arguido responder ao douto Parecer do Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto”.


Consequentemente, respaldado no entendimento que esse Supremo Tribunal de Justiça perfilhou no Acórdão proferido em 27 de abril de 2023 no Processo n.º 99/17.0JBLSB-H.L1-A.S1 (em caso que regista evidente paralelismo), entende-se não existirem razões que permitam deferir o incidente de recusa.


Contudo, V. Ex.ªs, apreciando, farão a devida Justiça.


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Constitua apenso com o requerimento de recusa, print do portal CITIUS (https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/consultastribunaissuperiores.aspx) referente à distribuição efetuada e, bem assim certidão de todo o processado que foi remetido pela 1ª instância.


Junte igualmente certidão deste despacho.


Logo que constituído o apenso, suba o mesmo ao Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de novo despacho.


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Os presentes autos de recurso penal têm natureza urgente.


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O Recorrente AA encontra-se sujeito a prisão preventiva há largos meses, suscitando-se no processo o perigo de aproximação do limite máximo do prazo da medida de coação imposta.


Impõe-se, em conformidade com o disposto no artigo 44.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e não obstante a apresentação do requerimento de recusa a visar o signatário, prosseguir de imediato na tramitação do recurso (toda ela de evidente carácter urgente).


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Recurso próprio, admitido com efeito e regime adequados, nada obstando ao seu conhecimento.


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À conferência, de imediato, dispensando-se os vistos (em conformidade com a vontade que me foi transmitida pelas Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas, a quem disponibilizei o projeto - artigo 418.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).»


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3. Foi proferido despacho liminar onde se pediu acesso ao processo principal [o pendente do Tribunal da Relação de Lisboa], se admitiu o presente incidente de recusa, se considerou desnecessária a realização de quaisquer diligências ou a audição de quaisquer pessoas – sendo que o Exmo. Juiz-Desembargador recusado já se tinha pronunciado previamente nos autos, antes de os mesmos subirem a este Supremo tribunal de Justiça -, tendo simplesmente se determinado a recolha dos competentes vistos e a ida à sessão de dia 2/8/2023.


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4. O Recusante veio, entretanto, no dia 28/7/2023, apresentar um requerimento superveniente, com o seguinte conteúdo:


«AA, requerente nos autos acima melhor identificados, vem, muito respeitosamente, em aditamento ao pedido de Recusa de Juiz apresentado expor o seguinte:


1.º - Em 28/06/2023 foi proferido pelo Senhor Juiz Dr. CC, despacho nos seguintes termos:


“Face à informação do Tribunal da Relação de Lisboa e às datas das decretações das medidas de coação privativas da liberdade, entendo que os autos devem aguardar a decisão dos incidentes de recusa e do recurso do despacho que não reconheceu o impedimento.


Dou sem feito o Debate agendado que adio “sine die”.”


2.º - Em 10/07/2023 foi o Signatário notificado do douto Parecer do Ministério Público para querendo responder ao mesmo “no prazo de 10 dias, a contar da presente notificação”.


3.º - Considerando o disposto no artigo 417.º, n.º 2 e 107.º-A do C.P.P. o prazo para o Arguido responder ao Parecer do Ministério Público terminará a 25/07/2023.


4.º - Em 20/07/2023, para surpresa do Advogado Signatário, o Senhor Juiz de Instrução designou o debate instrutório para os próximos dias 07 e 09 de Agosto de 2023.


5.º - Com a designação do dia do debate instrutório concluiu o Recorrente que o Senhor Juiz de Instrução Criminal, em 20/07/2023, tinha já conhecimento de que o Recurso apresentado pelo Arguido seria julgado improcedente.


6.º - Em 25/07/2023 o Requerente apresentou a Resposta ao Parecer do Ministério Público (Vide doc.1) Contudo,


7.º - Em 26/07/2023 foi o Recorrente notificado do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual como foi anunciado, indiciariamente, em 20/07/2023 pelo Senhor Juiz Dr. CC, indeferiu o Recurso apresentado pelo Recorrente.


8.º - Acontece, porém, que o referido Acórdão refere uma inverdade:


“7. Notificado do parecer, o recorrente não apresentou resposta.” (Vide doc.2)


9.º - Com todo o respeito, este é claramente mais um elemento a fazer suscitar na defesa do Recorrente, dúvidas razoáveis sobre a imparcialidade do Senhor Juiz Desembargador Relator...


10.º - Ou seja, a urgência do Senhor Juiz Desembargador Relator declarar improcedente o Recurso apresentado pelo Recorrente era tanta que o mesmo não se dignou sequer, verificar se existia, ou não, resposta ao parecer apresentada pelo Recorrente…


11.º - Evidentemente, o Signatário não deixará de suscitar a referida Irregularidade/ Nulidade do referido Acórdão.


Resultam, portanto, verificados os pressupostos objetivos e subjetivos para o Recorrente considerar o Senhor Juiz Desembargador Dr. BB, parcial nos presentes autos.


Junta: 2 (dois) documentos, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais


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5. O relator do presente incidente de recusa proferiu então, com data de 28/7/2023, despacho judicial do seguinte teor:


«Requerimento do Requerente e cópias da resposta apresentada pelo mesmo ao Parecer do Magistrado do Ministério Público [número 2 do artigo 417.º do CPP], do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 26/7/2023: Visto.


Nada a ordenar, dado que tivemos acesso ao processo principal [o que corre termos do Tribunal da Relação de Lisboa] e dele constam já tais elementos documentais, que serão devidamente considerados, caso se revelem, na perspetiva deste Supremo Tribunal de Justiça, relevantes para o objeto deste incidente de recusa.


***


Despacho proferido pelo juiz de instrução criminal onde designa as datas para a realização do Debate Instrutório [cópia]: Visto.


Fique nos autos. Nada a ordenar.


Será devidamente considerado, caso se revele, na perspetiva deste Supremo Tribunal de Justiça, relevante para o objeto deste incidente de recusa.


D.N.»


****


6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


7. O requerente AA vem suscitar o presente incidente de recusa do ilustre Juiz Desembargador BB, ao abrigo do regime jurídico constante dos artigos 43.º a 46.º do Código de Processo Penal, que, para o efeito, estatui o seguinte:


Artigo 43.º


Recusas e escusas


1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º. 1


3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis.


4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos n.ºs 1 e 2.


5 - Os atos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.


Artigo 44.º


Prazos


O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.


Artigo 45.º


Processo e decisão


1 - O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, juntamente com os elementos em que se fundamentam, perante:


a) O tribunal imediatamente superior;


b) A secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, tratando-se de juiz a ele pertencente, decidindo aquela sem a participação do visado.


2 - Depois de apresentados o requerimento ou o pedido previstos no número anterior, o juiz visado pratica apenas os atos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência.


3 - O juiz visado pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, juntando logo os elementos comprovativos.


4 - O tribunal, se não recusar logo o requerimento ou o pedido por manifestamente infundados, ordena as diligências de prova necessárias à decisão.


5 - O tribunal dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da entrega do respetivo requerimento ou pedido, para decidir sobre a recusa ou a escusa.


6 - A decisão prevista no número anterior é irrecorrível.


7 - Se o tribunal recusar o requerimento do arguido, do assistente ou das partes civis por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC.


Artigo 46.º


Termos posteriores


O juiz impedido, recusado ou escusado remete logo o processo ao juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária, deva substituí-lo.


Sendo este o regime substantivo e adjetivo que é aplicável a este incidente processual que, convirá desde já realçar, não se reconduz a um recurso ou reclamação de qualquer uma decisão judicial ou ato processual praticado nos autos penais de que este pedido de recusa é dependência, impõe-se então averiguar se, por um lado, o mesmo foi deduzido por quem tem legitimidade para o fazer e em prazo, nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 43.º e do artigo 44.º do CPP, e, por outro lado, se se radica em alguns dos fundamentos que legalmente se acham previstos no regime legal acima reproduzido.


Ora, de acordo com os elementos fornecidos pelos autos, o aqui Requerente AA e arguido em processo-crime, à ordem dos quais se acha preso preventivamente, veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 27/6/2023, do despacho judicial proferido pelo Juiz de Direito Dr. CC, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa [ Juiz ...], onde o mesmo entendeu não ter havido qualquer irregularidade na distribuição dos respetivos autos de instrução criminal nem se considerou impedido para os tramitar.


Esse recurso penal veio a ser distribuído eletronicamente ao Juiz DesembargadorBB, da ... Secção Criminal desse tribunal da 2.ª instância, por distribuição processual ocorrida no dia 4 de julho de 2023.


Na sequência da afetação desse recurso penal interposto pelo arguido AA e do conhecimento por parte do seu ilustre mandatário da sua distribuição, no Tribunal da Relação de Lisboa, ao referido Juiz-Desembargador BB, veio aquele mesmo arguido e ali Recorrente deduzir, no dia 24 de julho de 2023, este incidente de recusa para este Supremo Tribunal de Justiça por referência ao relator nomeado para tramitar aquele recurso penal naquele tribunal da 2.ª instância, na sequência da mencionada distribuição processual, feita por sorteio.


Ora, sendo esse o cenário adjetivo que ressalta destes autos, não podem existir dúvidas de que o arguido, segundo o número 3 do artigo 43.º, possui legitimidade ativa para apresentar este pedido de recusa de juiz e de que tal incidente de recusa que aqui se está a julgar foi apresentado em prazo, segundo as regras definidas pelo artigo 44.º do Código de Processo Penal.


Ultrapassada esta duas primeiras questões e tendo o Juiz-Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciado prévia e cautelarmente, conforme é determinado pelo número 3 do artigo 45.º do CPP, acerca da pretensão de recusa deduzida pelo Requerente, resta-nos cruzar os fundamentos invocados por este último com o regime legal antes transcrito, na parte aplicável, de maneira a se apurar se os motivos alegados cabem dentro das situações elencadas no artigo 43.º do mesmo diploma legal.


O incidente de recusa de juiz, previsto no artigo 43.° do Código de Processo Penal, exige que a intervenção do julgador possa correr o risco de ser considerada suspeita, pressupondo, para o efeito, a existência de motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, podendo tal acontecer quando a referida intervenção do juiz tenha ocorrido noutro processo-crime que não aquele em que o incidente de escusa é deduzido ou quando nestes últimos autos tal intervenção tenha tido lugar fora dos cenários previstos no acima transcrito artigo 40.º do CPP.


Compulsando a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça quanto aos termos em que o incidente de recusa de magistrado judicial, em qualquer das instâncias ou no Supremo Tribunal de Justiça, é suscetível de ser requerido, deparamo-nos com o seguintes Arestos, que ordenámos cronologicamente por data de publicação:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/06/2006, Processo n.º 06P1937, Relator: SIMAS SANTOS, publicado em ECLI:PT:STJ:2006:06P1937.DE, com o seguinte Sumário


1 - A consagração do princípio do juiz natural ou legal, segundo o qual intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas, surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art.º 32.°, n.º 9).


2 – No entanto, podendo ocorrer, em concreto, efeitos perversos desse princípio, foi acautelada a imparcialidade e isenção do juiz, também garantidos constitucionalmente (art.ºs 203.° e 216.°) quer como pressuposto subjetivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objetivo na sua perceção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas, através de mecanismos a que só é licito recorrer em situação limite, quando exista motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


3 - Para que possa ser pedida a recusa de juiz é necessário que:


- A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;


- Por se verificar motivo, sério e grave;


- Adequado a gerar desconfiança, um estado de forte verosimilhança sobre a sua imparcialidade, ou seja o propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro.


4 - Do uso indevido da recusa resulta, como se viu, a lesão do princípio constitucional do juiz natural, ao afastar o juiz por qualquer motivo fútil.


5 - O TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; e que, sendo assim, a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e o elevado grau de generalização e de abstração na formulação de conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, na análise in concreto das funções e dos atos processuais do juiz.


6 – Não é de conceder a recusa de juiz que mantem com a advogado do demandante civil uma forte controvérsia, por não se ter demonstrado a relação entre essa controvérsia e os factos em julgamento, e o reflexo dessa situação na imparcialidade do juiz quanto à parte representada por aquela advogada.


7 – Esta solução não é violadora do disposto no art.º 208.º da Constituição e 62.º, n.º 2 do EOA.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/11/2019, Processo n.º 3795/13.8TDLSB.L1-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relatora: HELENA MONIZ, publicado em ECLI:PT:STJ:2019:3795.13.8TDLSB.L1.A.S1.A8, com o seguinte Sumário:


I - Nos termos do art.º 43.º, n.º 3, do CPP, o Ministério Público pode pedir ao tribunal imediatamente superior (cf. art.º 45.º, n.º 1, al. a), do CPP) que não admita determinado juiz a intervir num certo processo “quando ocorrer o risco de [a sua intervenção] ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (art.º 43.º, n.º 1).


II - A recusa de um juiz deverá ter por fundamento a existência de um motivo sério e grave que gere desconfiança sobre a sua imparcialidade para a decisão daquele concreto caso.


III - No caso, verifica-se que no pedido formulado não é indicada qualquer razão concreta que permita analisar da imparcialidade ou parcialidade para o juiz decidir aquele caso concreto. São apresentadas razões de caráter geral e abstrato pretendendo demonstrar que, existem motivos sérios e graves que impedem que o Senhor Juiz Desembargador possa decidir qualquer processo.


IV - Não cabe no âmbito de um pedido de recusa analisar se o juiz tem (ou não) condições objetivas e/ou subjetivas para desempenhar as suas funções. O pedido de recusa tem que ser fundado em razões relacionadas com o caso que está em discussão, sem que se possa generalizadamente concluir que o juiz está (ou não) em condições de exercer a sua função. Isso seria objeto de um processo disciplinar ou poderia constituir pena acessória a aplicar após uma condenação.


V - Do requerimento apresentado não foi alegado qualquer fundamento que permita estabelecer esta ligação entre o juiz e o caso concreto de modo a que se possa (ou não) concluir pela sua parcialidade (dada uma especial ligação com o caso a decidir), nem se identifica o objeto do processo, ou se refere os sujeitos processuais envolvidos.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/2020, Processo n.º 24/19.4TRLSB, 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL), Relator: NUNO GONÇALVES, publicado em ECLI:PT:STJ:2020:24.19.4TRLSB.79, com o seguinte Sumário parcial:


I - O art.º 32.º, n.º 9, da CRP consagra o princípio do juiz natural, do qual decorre que o juiz que vai julgar um processo determinado rege-se por critérios legais objetivamente predeterminados, estando arredada a possibilidade de escolha do juiz pelos sujeitos processuais.


II - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos/TEDH tem entendido que a imparcialidade se presume até prova em contrário; que a imparcialidade objetiva releva essencialmente de considerações formais e que o elevado grau de generalização e de abstração na formulação do conceito apenas pode ser testado numa base rigorosamente casuística, mediante análise, em concreto, das funções e dos atos processuais do juiz alegadamente impedido.


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2020, Processo n.º 9560/14.8TDPRT-C.G1-A.S1, 5.ª SECÇÃO, Relator: FRANCISCO CAETANO, publicado em ECLI:PT:STJ:2020:9560.14.8TDPRT.C.G1.A..9F, com o seguinte Sumário:


I. Não há motivo para que a remessa à Relação do pedido de recusa não siga a regra geral da distribuição, nenhuma lacuna legislativa havendo que deva ser integrada com recurso a analogia da norma invocada pelos requerentes do n.º 4 do art.º 426.º do CPP;


II. Qualquer sentimento de desconfiança de imparcialidade de juiz enquanto fundamento de recusa não se confunde com subjetivismos de quem a requeira, devendo a respetiva valoração partir de motivos concretos, sérios e graves na perspetiva de um juízo formulado por um cidadão de formação média;


III. A situação invocada, de um juiz desembargador a que, após distribuição, caiba apreciar um incidente de recusa de juiz de 1.ª instância e que não seja o mesmo que no âmbito de um mesmo processo já conheceu de um outro incidente de recusa relativamente a um outro juiz, não constitui nem de perto, nem de longe, motivo sério e grave suscetível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, por isso, claramente não constitui fundamento de recusa. [2]


Ora, chegados aqui e face à interpretação e aplicação que a citada jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça faz do regime constante dos artigos 43.º e seguintes do CPP, que dizer acerca dos motivos invocados pelo Requerente deste incidente de recusa para a rejeição do Juiz-Desembargador a quem, foi distribuído, no Tribunal da Relação de Lisboa, o recurso do despacho judicial proferido pelo juiz do tribunal da 1.ª instância?


Afigura-se-nos manifesto que tais razões não cabem, por um lado, no objeto legalmente delineado para um incidente desta natureza: recusa de um juiz por perigo de suspeição relativamente à independência e distanciamento pessoal e/ou profissional face a uns autos-crime em concreto e/ou aos sujeitos processuais que nele intervêm e/ou ao crime ou crimes que neles irão ser julgados.


Os fundamentos em questão giram, essencialmente, em torno da forma irregular e inválida como, na perspetiva do arguido, a distribuição por sorteio desse recurso penal foi efetuada e afetou o mesmo ao Juiz-Desembargador BB, o que implica que essa distribuição seja adjetiva e absolutamente nula.


Ora, salvo melhor opinião, tais vícios procedimentais relativos a essa distribuição processual verificada no Tribunal da Relação de Lisboa e as suas consequências jurídicas [invalidade daquele ato] não podem nem devem ser trazidas a terreiro num incidente de recusa como o presente, dado o mesmo não se destinar, em absoluto, a analisar e a julgar tais questões, que, em nosso entender, têm antes de ser alvo dos adequados e próprios meios de reação como a reclamação ou a arguição de nulidades no âmbito do próprio processo afetado, caso não haja lugar à correção oficiosa dos vícios que afetam a referida distribuição [cf., a este respeito, os artigos 4.º do CPP, 203.º e seguintes do CPC de 2013 e artigos 16.º a 18.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto [3] que procede à «Regulamentação da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais», na parte aplicável].


O Requerente não se queda, no entanto, por aí, sustentando também que essa distribuição juridicamente inquinada implica, em tese e em abstrato, uma imediata e automática quebra de imparcialidade e isenção do juiz nomeado [ainda que aquela tenha sido efetuada de forma aleatória, ou seja, sem qualquer participação ou influência do magistrado judicial em questão].


Se bem compreendemos a fundamentação do requerimento do arguido e Requerente, o risco de suspeição de haver motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz a quem foi distribuído um dado processo nasce, em si e por si só, da mera irregularidade formal ou material de tal distribuição, ainda que o magistrado judicial a quem coube o processo – no nosso caso, o referido recurso penal, que já foi aliás, julgado por Acórdão prolatado no dia 26 de julho de 2023 -, nunca tenha tido qualquer envolvimento [como é o caso da situação concreta vivida nos autos e que está aqui em julgamento], quer em tal ato de distribuição aleatória, quer com a ação principal ou algum dos seus apensos, quer com os seus respetivos objetos ou com os arguidos e/ou os outros sujeitos processuais, seja aí, seja noutros autos de natureza criminal.


Ora, salvo o devido respeito por tal posição defendida pelo aqui Requerente, a mesma tem de ser qualificada de abusiva, não somente por não ter qualquer sustentação factual e legal como ainda por não colher minimamente a argumentação jurídica desenvolvida pelo arguido, para tal efeito, no seu pedido de recusa.


Como é possível, sem se imputar ao magistrado judicial em concreto quaisquer factos ou condutas que integrem o quadro típico de suspeição dos números 1 e 2 do artigo 43.º do Código de Processo Penal, pedir a recusa do juiz pela mera circunstância de lhe ter cabido um processo por força de uma distribuição processual por sorteio, ainda que alegadamente irregular ou nula, o qual porventura nem se conhece e com quem nunca se teve qualquer contacto pessoal e/ou profissional [quer naquele ou naqueles processos em concreto, quer em quaisquer outros]?


A resposta a tal questão é inequivocamente negativa, por força, designadamente, da presunção de imparcialidade do julgador que não sai minimamente questionada ou beliscada com essa simples distribuição formal e ainda que alegadamente viciada.


Será que tal presunção de imparcialidade se acha afastada pela circunstância do Exmo. Juiz Desembargador BB ter aposto no relatório do Aresto por ele relatado e publicado no dia 26/7/2023, que o aqui Recusante não havia respondido ao Parecer do Ministério Público, nos termos do número 2 do artigo 417.º do CPP, ao contrário do que aconteceu nos autos, numa irregularidade [erro material?] que pode ser sanada oficiosamente e/ou a requerimento do próprio interessado?


É óbvio que não, o mesmo tendo de ser dito quanto ao alegado conluio ou eventual comunicação indevida, insinuados nas entrelinhas dos seus articulados, pelo autor desta recusa e que teria tido lugar entre o Juiz de Instrução Criminal Dr. CC e o Juiz Desembargador BB.


Tais cenários, na perspetiva do arguido, traduziram-se no facto do aqui Recusado ter informado antecipadamente o JIC acerca da decisão que o Tribunal da Relação de Lisboa iria tomar quanto ao recurso penal do aqui Recusante e estariam minimamente indiciados nos autos, pois só assim se compreenderia a tomada de posição aparentemente contraditória expressa pelo Dr. CC nos dois despachos judiciais identificados pelo mesmo [o de 28/6/2023, que determinava que os autos de instrução aguardassem o julgamento do TRL quanto ao referido recurso e o segundo, de 20/7/2023, a designar desde logo, duas datas para a realização do dito debate instrutório].


Essa interpretação do teor e oportunidade dos aludidos despachos judiciais do TCIC e Acórdão do TRL não só nos parece altamente artificiosa e abusiva como não encontra qualquer suporte probatório, ainda que ínfimo, nos elementos fornecidos pelos autos, não se nos afigurando, por outro lado, que a prova testemunhal oferecida pelo Recusante ou os documentos juntos supervenientemente pelo mesmo a este processo possuam a virtualidade mínima de demonstrar, de forma objetiva e inequívoca, tal realidade.


Sendo assim, por falta absoluta e manifesta de fundamento legal para tal, indefere-se, sem mais, o pedido de recusa do Juiz Desembargador BB, do Tribunal da Relação de Lisboa.


III - DECISÃO


Termos em que acordam os Juízes da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente, por manifestamente infundado, o pedido de recusa formulado por AA.


Custas pelo requerente, com a fixação de 5 UC de taxa de justiça.


****


Vai ainda condenado o requerente na quantia de 6 UC, nos termos do número 7 do artigo 45.º do Código de Processo Penal.


Deposite e notifique, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no número 6 do artigo 45.º do Código de Processo Penal [irrecorribilidade do presente acórdão].


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2 de agosto de 2023


José Eduardo Sapateiro (Relator)


António Latas (1.º adjunto)


Ana Maria Barata de Brito (2.ª adjunta)





________________________________________________

1. Tal disposição legal possui a seguinte redação:

Artigo 40.º

Impedimento por participação em processo

1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º;

b) Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior;

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior.

3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.↩︎

2. Cf., também, com interesse, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/02/2018, Proc.º n.º 166/18.3YRLSB, relatora: Anabela Simões, publicado em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5385&codarea=57, com o seguinte Sumário, elaborado por Ana Paula Vitorino:

«O incidente de recusa de juiz (no qual não cabem discordâncias jurídicas quanto a decisões de juízes, as quais devem ser impugnadas pelos meios próprios) visa assegurar as regras de independência e imparcialidade, que são inerentes ao direito de acesso aos Tribunais, constituindo uma dimensão importante do princípio das garantias de defesa e mesmo do princípio do juiz natural.

Pretende-se assegurar a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados, pois que os Tribunais administram a Justiça em “nome do povo”.

A imparcialidade deve ser apreciada de acordo com um teste subjetivo e um teste objetivo, visando o primeiro apurar se o juiz deu mostra de interesse pessoal no destino da causa ou de um preconceito sobre o mérito da causa, e o segundo determinar se o comportamento do juiz, apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a sua imparcialidade.

Ao aplicar o teste subjetivo, a imparcialidade do juiz deve ser presumida e só factos objetivos evidentes devem afastar essa presunção.»↩︎

3. [] Diploma legal esse objeto da Declaração de Retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro e das alterações introduzidas pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de maio com início de vigência em 29 de maio de 2017 [e que foi objeto, por seu turno, da Declaração de Retificação n.º 16/2017, de 6 de junho] Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro e Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, com início de vigência em 11 de maio de 2023 [Informação: DATAJURIS].↩︎