I - O arguido procura discutir e sujeitar à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça, no quadro deste procedimento de de HABEAS CORPUS questões, como as da verificação e enunciação judicial dos pressupostos factuais e jurídicos para o decretamento da prisão preventiva, que não cabem, manifestamente, no quadro normativo deste procedimento cautelar e excecional que visa, como válvula de escape e segurança do Estado de Direito, prisões ou detenções que resultem de abusos de poder praticados por qualquer autoridade e que se radiquem na ilegitimidade desta última para as determinar, na ilegalidade do fundamento para as justificar e/ou na extemporaneidade daquelas privações de liberdade.
II – Da fundamentação dos despachos judiciais que decretaram a prisão preventiva do requerente, resulta, com clareza, que os indícios que foram considerados pelo juiz de instrução criminal foram encarados não no sentido da mera suficiência que é sustentado pelo aqui Requerente, mas antes no sentido de «fortes indícios» que, nessa medida, impuseram a aplicação da referida medida de coação privativa da liberdade.
III - Teria de ser por via da utilização dos meios processuais normais de contestação e ataque a decisões judiciais consideradas desconformes com as regras legais ou insuficientes em termos de fundamentação, quer formal, quer materialmente, que o arguido aqui requerente deveria ter atuado e não por força do uso deste pedido de HABEAS CORPUS.
IV - Quando a prisão preventiva do requerente foi ordenada pelo Juiz de Instrução, o arguido mostra-se indiciado pela prática de crimes que admitem essa medida de coação e os prazos de prisão preventiva previstos na alínea a) do número 1 e número 2 do artigo 215.º do CPP e que têm de ser, quanto a eles considerados, não se mostram ultrapassados no caso concreto, o pedido de HABEAS CORPUS deve ser negado, por falta de fundamento legal.
Processo n.º 161-23.0PFBRR-A.S1
HABEAS CORPUS
Acordam, em Audiência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I - PEDIDO
1. «AA, arguido preso à ordem dos autos à margem referenciados, por se encontrar ilegalmente preso, vem mui respeitosamente requerer ao Excelentíssimo Conselheiro do Colendo Supremo Tribunal de Justiça providência de Habeas Corpus, em virtude da medida de coação aplicada não ser admissível, por falta de requisito objetivo de aplicação no caso concreto, requerendo assim a sua imediata libertação, o que faz nos termos do disposto do artigo 222.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, e pelos fundamentos que infra se expõe, devendo subir com a presente providência os seguintes elementos por se considerarem necessários à boa decisão da causa :
Deverão subir com os presentes autos as seguintes peças processuais:
• O TlR prestado pelo arguido
• Decisão de aplicação de medida de coação de prisão preventiva datado de 27 de Julho de 2023
• Mandados de condução ao EP
1.º - O arguido foi detido à ordem dos presentes autos no dia 10 de Junho de 2023, encontrando-se preventivamente preso à ordem dos presentes autos até a presente data, por despacho proferido pós primeiro interrogatório judicial, do mesmo dia 10 de Junho de 2023.
2.º - Ora por força da gravação não ser percetível, nem audível , foi mandado repetir o referido ato , para suprir a irregularidade verificada.
3.º - Pelo que no passado dia 27 de Julho de 2023, foi efetuado novo 1.º interrogatório de arguido detido, sendo que a repetição desde ato e a sua decisão substitui para todos os efeitos legais o interrogatório ( ferido de irregularidade ) proferido anteriormente.
4.º - Tendo sido proferido despacho a decretar a prisão preventiva para o arguido, nos presentes autos , no despacho proferido na diligência datada de 27 de Julho de 2023, e que se encontra em execução.
5.º - No entanto estabelece o artigo 202.º do Código de Processo Penal que:
Artigo 202.º
Prisão preventiva
1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com armo, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.
2 - Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adotando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes.
6.º - Ora da análise que o legislador entendeu revestir a aplicação das medida de coação , destaca-se que as medidas privativas da liberdade deverão ser aplicadas em última ratio e apenas quando todos os requisitos formais, objetivos e subjetivos se encontrarem preenchidos, e ressalta a vista que o legislador entendeu que tal aplicação só poderá acontecer quando se encontrem nos autos fortes indícios prática do crime por parte do arguido.
7.º - Assim a existência de fortes indícios é requisito objetivo para a aplicação da medida de coação da prisão preventiva, conforme consagrado pelo legislador, o que desde já se concorda em absoluto.
8.º - Ora nos presentes autos, conforme resulta da leitura do despacho proferido, foi entendimento, com o qual se concorda , da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, que "os autos indiciam suficientemente a prática...", "...factualidade mostra-se suficientemente sustentada...","...estes factos que se encontram indiciados integram...", que os autos se encontram suficientemente indiciados, em momento algum referindo se a esses mesmos indícios, como fortemente indiciados, conforme se pode verificar da leitura atenta de todo o despacho.
9.º - Ora não qualificando, e bem os indícios como fortes, não poderia a Mma. Juiz a quo aplicar a medida de coação de prisão preventiva, por falta de requisito objetivo para a aplicação da mesma.
10.º - Pelo que e salvo melhor entendimento, o arguido encontra-se preso ilegalmente , por falta de requisito objetivo legalmente exigido para aplicação da medida de coação em causa, e existe assim fundamento para o deferimento da presente providência excecional de "HABEAS CORPUS"
11.º - Devendo o requerente ser imediatamente devolvido à liberdade, o que se impõe.
Nestes precisos termos e nos demais de Direito, que V. Exas doutamente suprirão deverá a presente providência de HABEAS CORPUS ser julgada procedente, restituindo-se imediatamente o arguido à liberdade, como é de JUSTIÇA.
Espera deferimento» (transcrição total do pedido formulado em 31/7/2023).
II – INFORMAÇÃO
2. Foi prestada, com data de 31/7/2023, a informação de acordo com o disposto no art.º 223.º, número 1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos (transcrição parcial):
«Nos presentes autos, vem o arguido AA requerer a concessão da providência de habeas corpus.
Alega para tanto a falta de requisito objetivo para aplicação da medida de coação de prisão preventiva uma vez que os indícios reportados no primeiro interrogatório judicial de arguido detido não foram qualificados como fortes, pelo que o requerente se encontra ilegalmente preso.
Conclui dever ser declarada ilegal a prisão preventiva e ordenada a sua imediata libertação.
■ O arguido foi ouvido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 10 de junho de 2023;
■ Por despacho nessa data proferido, foi determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR já prestado, e em prisão preventiva (fls. 32 a 34v°);
■ Por despacho proferido em 14 de julho de 2023 foi designada nova data para realização de interrogatório judicial de arguido detido (repetição de ato) para reparação da irregularidade da falta de registo áudio do primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
■ O arguido foi ouvido em interrogatório judicial em 27 de julho de 2023 tenho sido determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR já prestado, e em prisão preventiva;
■ É ao abrigo da mencionada decisão judicial que o arguido se encontra atualmente preso preventivamente à ordem destes autos.
Elencadas que estão as condições em que se procedeu ao interrogatório e subsequente sujeição do arguido AA à medida de coação de prisão preventiva, importa ponderar a respetiva manutenção.
Entendo, desde logo que, devendo-se a privação de liberdade do arguido, no momento atual, a decisão judicial nesse sentido proferida em 27.07.2023, não pode ter-se por ilegal a sua prisão, pois que assente em despacho judicial devidamente fundamentado, não se preenchendo qualquer adas alíneas do n.° 2 do art.° 222.° do Código de Processo Penal: ou seja, a decisão que determinou a prisão preventiva foi proferida por entidade competente, foi motivada e devidamente fundamentada nas correspondentes disposições legais e não se mostra ainda decorrido o respetivo prazo de duração.
Tendo por base o supra exposto, e salvo melhor entendimento, a petição revela-se manifestamente infundada, pelo que não poderemos concluir pela ilegalidade da prisão a que o arguido AA se mostra sujeito.
Assim, os termos do art.º 223.°, n.º l do Código de Processo Penal determino que o presente pedido de habeas corpus seja instruído em apenso e remetido ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com os seguintes elementos:
- Requerimento de HABEAS CORPUS;
- Auto de interrogatório de arguido de 10.06.2023 e Auto de interrogatório de arguido de 27.07.2023;
- TIR prestado pelo arguido;
- Mandados de condução ao EP;
- Promoção datada de 12.07.2023 e despacho de 14.07.2023.
III - FUNDAMENTAÇÃO
3. Questão a decidir: a ilegalidade da manutenção da prisão preventiva do Requerente, com fundamento na falta dos pressupostos de facto e de direito que permitem legalmente o decretamento e posterior confirmação da aplicação de tal medida de coação privativa de liberdade ao arguido AA.
«4.1. – O arguido foi detido e ouvido em 1.º interrogatório judicial no dia 10 de junho de 2023, onde lhe foi validada a detenção e decretadas, por despacho do juiz de instrução que presidiu a tal interrogatório, as medidas de coação do Termo de Identidade e Residência e de prisão preventiva, por estar suficientemente indiciado o cometimento de um crime de roubo agravado, sob a forma tentada, p. e p. nos art.ºs 210.º, números 1 e 2, alínea b), 204.º, número 2, alíneas e) e f), 22.º e 23.º do Código Penal e de um crime de detenção de rama proibida p. e p. pelo artigo 86.º, número 1, alínea c), com referência ao artigo 2.º, número 2, alínea ae) da NRJAM.
4.2. - O arguido encontra-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva desde esse dia 10.06.2023.
4.3. – Por despacho proferido em 14 de julho de 2023 foi designada nova data para realização de interrogatório judicial de arguido detido (repetição de ato) para reparação da irregularidade da falta de registo áudio do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
4.4 - O arguido foi ouvido em interrogatório judicial em 27 de julho de 2023 tenho sido determinado que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR já prestado, e em prisão preventiva».
Enquanto nas palavras do legislador do Decreto-lei n.º 35 043, de 20 de outubro de 1945, «o habeas corpus é um remédio excecional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade», hoje, e mais nitidamente após as alterações de 2007 ao Código de Processo Penal, com o acrescento do n.º 2 ao art.º 219.º, CPP, o instituto não deixou de ser um remédio excecional, mas coexiste com os meios judiciais comuns, nomeadamente com o recurso.
O seguinte Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça espelha precisamente essa coexistência [em grande medida, excludente] entre os normais meios de reação às decisões judiciais e este instituto excecional do habeas corpus, atentos os fins distintos perseguidos por uns e outro:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2021, Processo n.º 29/20.2PJLRS-C.S1, Relator: Eduardo Loureiro, publicado em ECLI:PT:STJ:2021:29.20.2PJLRS.C.S1.35, com o seguinte Sumário:
I. O habeas corpus, que visa reagir contra o abuso de poder por prisão ou detenção ilegal, constitui não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de ação autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação ilegal de privação de liberdade.
II. Concretizando-se o abuso de poder em prisão ilegal, há-de a ilegalidade resultar – art.º 222.º, n.º 2 do CPP – ou de a prisão ter sido efetuada por entidade incompetente – al.ª a) –, ou de ser motivada por facto por que a lei a não permite – al.ª b) – ou de se manter para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - al.ª c).
III. A ilegalidade fundante da providência haverá de ser evidente, um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais ou à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo.
IV. O habeas corpus não é o meio próprio para impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário.
6. Tal medida cautelar extraordinária e procedimentalmente autónoma é, assim, pela sua natureza e finalidade, aplicável a qualquer detenção ou prisão ilegais, quer a pessoa que alegadamente se encontre em tal situação, seja cidadão nacional ou cidadão estrangeiro ou tenha sido sujeito à mesma por iniciativa das autoridades judiciárias portuguesas [assim designadas em sentido lato] ou na sequência da solicitação de autoridades congéneres de outros países [designadamente, no quadro do cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu [MDE) ou de um ordem provisória de detenção como ato preparatório de pedido de extradição.
Não substitui, contudo, os normais meios adjetivos de reação a decisões judiciais, como as arguições de nulidades, reclamações ou recursos, nem pode ser utilizado, de forma sub-reptícia ou enviesada, como mecanismo processual de discussão e julgamento de questões de facto ou de direito que extravasem o estrito objeto do pedido de HABEAS CORPUS, conforme se encontra constitucional [1] e legalmente delineado pelo legislador.
7. Verifica-se, com efeito, que, quanto ao pedido de habeas corpus por prisão ilegal, dispõe o art.º 222.º CPP:
«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».
8. Pensamos que a motivação que resulta dos presentes autos e que procura fundar o pedido de HABEAS CORPUS em análise nos reconduz, precisamente, a uma situação dessas, em que o arguido procura discutir e sujeitar à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça questões – verificação e enunciação judicial dos pressupostos factuais e jurídicos para o decretamento da prisão preventica - que não cabem, manifestamente, no quadro normativo deste procedimento cautelar e excecional que visa, como válvula de escape e segurança do Estado de Direito, prisões ou detenções que resultem de abusos de poder praticados por qualquer autoridade e que se radiquem na ilegitimidade desta última para as determinar, na ilegalidade do fundamento para as justificar e/ou na extemporaneidade daquelas privações de liberdade.
Diremos, no entanto, e olhando para o caso concreto que temos entre mãos, que, da fundamentação dos despachos judiciais que decretaram a prisão preventiva do requerente, resulta, com clareza, que os indícios que foram considerados pelo juiz de instrução criminal foram encarados não no sentido da mera suficiência que é sustentado pelo aqui Requerente, mas antes no sentido de «fortes indícios» ou robustos [muito embora não tenham ficado referidos expressamente nos ditos despachos] e que, nessa medida, impuseram a aplicação da referida medida de coação privativa da liberdade, ainda que, necessariamente por lapso manifesto, os despachos se refiram a indícios suficientes.
Nessa medida, teria de ser por via da utilização dos já referidos meios processuais normais de contestação e ataque a decisões judiciais consideradas desconformes com as regras legais ou insuficientes em termos de fundamentação, quer formal, quer materialmente, que o arguido aqui requerente deveria ter atuado e não por força do uso deste pedido de HABEAS CORPUS.
9. Chegados aqui, limitar-nos-emos a constatar, desde logo e em primeiro lugar, que o requerente se encontra numa situação de prisão preventiva desde o dia 10 de junho de 2023 por força de despacho judicial, datado desse mesmo dia e proferido no final do primeiro interrogatório de arguido detido que foi realizado pela autoridade judiciária legalmente competente para o efeito.
Não ignoramos que esse primeiro interrogatório judicial de arguido detido teve de ser repetido, por força da anomalia técnica ocorrida no plano do registo áudio de tal diligência judicial, mas não somente tal nulidade secundária foi sanada, como o despacho judicial que decretou originariamente a prisão preventiva do arguido e sobre o qual ela se radica, mostra-se devidamente transcrito na respetiva Ata, medida coativa essa que veio depois a ser reafirmada e confirmada pelo despacho prolatado no segundo interrogatório [repetição] e que também está reproduzido na correspondente Ata.
Ao aqui arguido foi, por outro lado e como fundamento para a aplicação de tal medida coativa privativa de liberdade, imputada a prática, em autoria material, de um crime de roubo agravado, sob a forma tentada, p. e p. nos art.ºs 210.º, números 1 e 2, alínea b), 204.º, número 2, alineas e) e f), 22.º e 23.º do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, número 1, alínea c), com referência ao artigo 2.º, número 2, alíenea ae) da NRJAM.
Ora, face ao estatuído no art.º 202.º, número 1, alíneas a) e e) e ao preenchimento dos requisitos previstos no número 1 do artigo 204.º, ambos do Código de Processo Penal, quer o indiciado cometimento do crime de roubo agravado, mesmo sob a forma tentada [segundo as as regras dos artigos 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal, o limite máximo da pena de prisão em abstrato aplicável ao requerente é de 10 anos], como do crime de detenção de arma proibida [pena de prisão até 5 anos] legitima a medida de coação privativa de liberdade que foi aplicada ao arguido dos autos.
Interessa chamar finalmente à colação o disposto art.º 215.º do mesmo diploma legal, quando determina os prazos máximos de prisão preventiva, em função das fases do processo, do tipo de crimes imputados e da complexidade dos autos e tudo sem prejuízo das causas de suspensão dos mesmos, sendo que para um cenário substantivo e adjetivo como o apresentado nos autos, tais prazos máximos de prisão preventiva são os seguintes [números 1 e 2 do citado dispositivo legal]:
- 6 meses sem que tenha sido deduzida acusação;
- 10 meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
- 1 ano e 6 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
- 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Ora, estando os autos dos quais depende o presente procedimento de HABEAS CORPUS em fase de inquérito e encontrando-se o arguido preso preventivamente desde 10/6/2023, é óbvio que o prazo de 6 meses para se concluir o mesmo, com a provável e inerente dedução da acusação pelo Ministério Público, está bastante longe de se achar excedido.
10. Não sofre contestação que, em consequência da aplicação da referida medida de prisão preventiva, alguns direitos fundamentais do Requerente foram restringidos. A circunstância de tal medida de coação limitar direitos fundamentais do Requerente e poder produzir efeitos que se repercutem na vida de terceiros, não torna, contudo, e só por si, ilegal essa privação de liberdade.
A prisão é ilegal, para efeitos do deferimento do procedimento de HABEAS CORPUS quando é (1) ordenada por entidade incompetente, (2) motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se (3) mantém para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
Não é o caso dos presentes autos.
11. Em conclusão, ordenada a prisão preventiva pelo Juiz de Instrução e estando o Requerente acusado pela prática de crimes que admitem essa medida de coação, sem que se mostrem ultrapassados os prazos fixados pela lei, improcede necessariamente o presente pedido de HABEAS CORPUS.
IV - DECISÃO
Indefere-se assim a providência de HABEAS CORPUS apresentada pelo arguido AA, por falta de fundamento legal.
Custas pelo Requerente, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa. D.N.
Supremo Tribunal de Justiça, 7.08.2023
José Eduardo Sapateiro [relator]
António Latas [1.º Adjunto]
Ana Maria Barata de Brito [2.ª Adjunta]
Rijo Ferreira (Presidente)
______________________________________________
1. O artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa estaui o seguinte, quanto ao instituto do HABEAS CORPUS:
Artigo 31.º
Habeas corpus
1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.
3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.↩︎