CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980
RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS
DECISÃO ESTRANGEIRA
CUSTÓDIA PROVISÓRIA DE CRIANÇA
PRODUÇÃO DE PROVA
Sumário

I. No âmbito da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, tendo a requerida alegado factos relevantes e que, por si só, a provarem-se, constituem fundamento de decisão de recusa de regresso das crianças, haverá que lhe conceder a possibilidade de produção da prova por si indicada, relativamente a tais factos.
II. Não constitui fundamento válido para o direito de custódia invocado ao abrigo daquela Convenção, uma decisão norte-americana que atribuiu provisoriamente a custódia das crianças ao pai, definindo a sua residência habitual nesse país, proferida em data posterior à sua viagem para Portugal.
III. Cumprindo assim esclarecer a fonte – decisão judicial ou administrativa ou Direito aplicável – que funda o direito de custódia invocado.
 (Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
Por apenso aos autos de regulação de responsabilidades parentais, relativas a
A, nascida a 09.07.2018,
B, nascida a 21.05.2012,
C, nascido a 10.02.2011 e
D, nascido a 09.09.2009
instaurados por
E
contra
F,
Veio o Ministério Público propor a presente acção, peticionando:
Se instaure processo judicial no âmbito da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, considerando o pedido de regresso das crianças A, B, C, D, transmitido pela Autoridade Central Portuguesa (D.G.R.S.P.).
Alega, para o efeito:
1. Os menores A, B, C, D, são naturais da Alemanha e são filhos de E e F.
2. O pai tem nacionalidade Alemã e a mãe nacionalidade Portuguesa.
3. Os menores têm nacionalidade Alemã e Portuguesa.
4. Os progenitores são casados entre si.
5. Há pelo menos três anos que os menores residem em ---, U.S.A., com ambos os progenitores.
6. Em 22-12-2022, a progenitora viajou com os menores, para Portugal, a fim de passar o Natal com a sua família, tendo saído do Aeroporto de Newark, USA, com destino a Lisboa e com data de regresso no dia 02-01-2023.
7. A progenitora, no entanto, não regressou aos Estados Unidos da América em tal data e deixou de atender o telefone ao progenitor, que não fala com os menores desde aquela data.
8. De acordo com a decisão do Court of Common Pleas of Beks County, Pennsylvania, os menores, ficaram confiados exclusivamente ao pai.
9. Consequentemente, a mãe não poderia, de per si, alterar a residência dos menores sem o consentimento do progenitor.
10. Os menores vieram um período de férias a Portugal e aqui estão retidos pela mãe, contra a vontade do pai, desde 02-01-2023, a qual pretende aqui ficar a residir com os menores.
11. O progenitor não autorizou e não concorda com a mudança de residência habitual dos filhos.
12. Os menores não se encontram inscritos em estabelecimento de ensino em Portugal, mas sim nos Estados Unidos da América e encontram-se a faltar às aulas.
13. Os menores não dominam, a língua portuguesa.
14. Os menores estão integrados nos Estados Unidos da América, onde vivem há três anos.
15. A retenção ilícita dos menores, expressamente prevista no art.ºs 3.º, 4.º e 5.º, al.ª b], da Convenção de Haia de 1980 e 11.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003, impõe que o Tribunal adote procedimentos de urgência (cf. art.ºs 2.º e 11,º da CH80 e 11.º, n.º 3, do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27.11.2003), com vista ao regresso dos menores à sua residência habitual
16. A autoridade central de Portugal, a D.G.R.S.P., acionou um procedimento de mediação familiar, tendente a conseguir a reposição voluntária do menor, nos termos do art.º 7.º, al.ª c), da Convenção de Haia, mas a mãe nada comunicou àquela entidade. *
Juntou o Digno Requerente cópia da decisão judicial invocada e respectiva tradução para a língua portuguesa, com o seguinte conteúdo:
Neste dia (24) de Fevereiro de 2023,
na sequência de Requerimento de Guarda Urgente apresentado pelo Requerente, o referido REQUERIMENTO É DEFERIDO.
É ORDENADO o seguinte:
1. É atribuída ao Requerente F a guarda única legal e guarda única física de A, B, C, D.
2. A presente Ordem manter-se-á em pleno vigor e efeito na pendência de resolução sobre a questão da guarda.
3. O Tribunal considera e conclui que as crianças acima referidas foram retiradas da Comunidade da Pensilvânia (Commonwealth of Pennsylvania) numa tentativa de ocultação das mesmas. Consequentemente, à luz do que precede, é emitido um mandado para ser assumida a guarda física das crianças acima referidas e para as crianças serem trazidas à presença do abaixo-assinado imediatamente a seguir à execução do mandado. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei são instruídos para assumirem de imediato a guarda física das crianças menores referidas, estando autorizados a entrar em propriedade privada, sem uso da força física, para cumprimento do mandado aquando da sua execução, devendo as crianças ser entregues ao Requerente na pendência da decisão definitiva da ação.
No decurso de conferência de pais, realizada em 15.03.2023, nos autos principais, foi proferido o seguinte despacho:
Considerando o teor das declarações prestadas pela progenitora, ponderando o superior interesse das crianças e visto o disposto no art.º 28.º do R.G.P.T.C., fixa-se o seguinte regime provisório:
1- As crianças --- ficam à guarda e cuidados da mãe, com quem residirão.
2- As responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente e às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas em exclusivo pela mãe, uma vez que o pai reside nos Estados Unidos da América.
3- As crianças poderão estar com o pai quando este se deslocar a território nacional, em termos a acordar entre a mãe e o pai, sem prejuízo das actividades escolares e dos períodos de descanso das crianças.
4- O pai prestará a título de alimentos às crianças a quantia mensal de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) por cada uma, no valor total de €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), a entregar à mãe até o dia 08 de cada mês por transferência bancária para o NIB da mãe: PT50 0023 0000 ….
5- A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
Por despacho de 17.04.2023, decidiu-se:
Por conseguinte, determina-se, ao abrigo do disposto nos artigos 7.º e 12.º da Convenção de Haia sobre a Protecção de Menores:
 - A imediata proibição das menores ---e ausentarem de território nacional, até ordem do Tribunal, oficiando-se, para tanto, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras/aeroporto e Unidade de Informação de Investigação Criminal da PJ, devendo os dados dos menores e de sua mãe serem inseridos no Sistema de Informação Shegen;
 - A imediata apreensão dos documentos dos menores A, B, C, e D, solicitando, para tanto, a intervenção da autoridade policial competente.
Nos termos do disposto no art.º 16º da Convenção de Haia, ordena-se a suspensão da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontra pendente.
*
Consigna-se que os presentes autos têm carácter urgente – cfr. artigo 15.º da Convenção e artigo 13.º do RGPTC.
*
No decurso dessa diligência, foi ouvida a requerida, que prestou as seguintes declarações:
Antes de vir para Portugal, já estava separada do pai e não havia forma de estar lá.
Como portuguesa já não havia razão para estar na mesma casa com o pai.
Falou com o pai, à frente das crianças, informando-o de que o ia deixar definitivamente para vir para Portugal e que traria os filhos consigo.
Numa semana em que o pai esteve fora, falou com as crianças dizendo que “a mãe vai para Portugal e vai quem quiser”.
Todos os anos, o pai sempre dizia “vais, mas vais sem eles”.
O pai deixou-os no aeroporto, pelo número de malas, cerca de 20, sabia que não voltavam, porém tinha a esperança que voltariam porque o G aí permaneceu porque não quis deixar o pai sozinho.
Vieram para Portugal no dia 23 de Dezembro e, no dia 03 de Janeiro, informou o pai que as crianças não regressariam, tendo o mesmo dito “vais ter guerra”.
O pai já esteve cá em Fevereiro e em Abril e quer que esteja com os filhos
O A e B pernoitaram com o pai e a C e D quiseram dormir consigo.
Os filhos estiveram bem e gostaram de estar com o pai.
O G também esteve cá e almoçaram.
O pai não comunica consigo e já não o fazia.
Os filhos têm saudades do pai, falam todas as semanas, dois a três vezes, por videoconferência e aos fins de semana.
Nos E.U.A. era a responsável pelas rotinas dos filhos e não trabalhava fora.
Os filhos continuam a ter aulas online.
A adaptação das crianças tem sido “lindamente”, têm os primos, família e amigos filhos de amigas.
Sempre falou com os filhos em Português que respondem em língua estrangeira.
Regressou para Portugal porque é onde tem a família.
Entende que é importante que as crianças tenham contacto com o pai.
O pai já combinou com as crianças vir em Junho para passar uma semana e o G também virá.
Não é verdade que deixou de atender as chamadas telefónicas do pai.
Acredita que as crianças gostam de Portugal porque está aqui e porque têm a família.
Nas férias as crianças podem estar com o pai entre 50% a 60% do tempo.
No decurso da mesma diligência, foi proferido o seguinte despacho:
Notifique-se a requerida para, querendo e no prazo de 10 dias, apresentar contestação arrolando a prova que considere necessária.
A progenitora veio apresentar contestação, em 29/5/2023, nos seguintes termos:
1. Os menores A, B, C, D são filhos da ora requerida e de F.
2. Previamente, vem aqui arguir-se, para todos os devidos e legais efeitos: a nulidade deste expediente, por nunca ter sido cumprida a fase pré-contenciosa / prejudicial (art.º 10 Convenção de Haia). Com as legais consequências! Sem prescindir,
3. A deslocação ou retenção de uma criança deve considerar-se como ilícitas quando ocorram em violação do direito de guarda que, sendo sinónimo do direito de custódia, tenha sido conferido por decisão judicial proferida antes da deslocação ou retenção.
4. Como adiante se demonstrará, o progenitor é um pai totalmente ausente dos assuntos familiares, que nunca quis saber dos filhos para nada, fora dos períodos de férias dele com as crianças.
5. Por outro lado, inexistindo Decisão judicial proferida por tribunal norte americano, relativa às responsabilidades parentais, nunca poderia qualificar-se de ilícita a residência das crianças em Portugal, na companhia da mãe.
6. E, apesar de defender o contrário, o progenitor nunca poderá alegar que as crianças residiam com ele, no momento em que a mãe regressou a Portugal, em Dezembro de 2022. Com efeito,
7. Desde Outubro de 2022 que o progenitor levou, além do mais toda a sua roupa e bens pessoais para um apartamento com uma sala e um quarto, situado em Wyomissing, Pensilvânia, ao que se supõe, pertencente à entidade empregadora dele.
8. Quando a mãe das crianças regressou a Portugal, os progenitores já não faziam vida em comum, há vários anos, sendo certo que o pai das crianças já se tinha mudado para esse apartamento, com o firme objectivo de nunca mais regressar àquela que foi casa de morada de família, onde permaneceram os filhos, com a mãe. Ora,
9. Residindo o progenitor em imóvel diferente da mãe à data do regresso desta a Portugal, em 22.12.2022, tendo o progenitor deixado as crianças aos cuidados e guarda da mãe, era, esta, quem tinha, em exclusivo, a guarda dos filhos de ambos.
10. Residindo as crianças, exclusivamente, com a mãe (por decisor do progenitor que abandonou o Lar conjugal), é ela, para todos os devidos e legais efeitos (cá e nos Estados Unidos da América), quem tem a guarda de facto e de direitos dos menores, filhos de ambos.
11. Por isso, qualquer eventual expediente destinado ao regresso (dos filhos aos Estados Unidos da América) instaurado com fundamento no pressuposto direito de “custódia” a cargo do pai, improcede, desde logo, porquanto: Não estando as crianças aos cuidados e guarda do pai, não existe, nos termos da Convenção de Haia “deslocação nem retenção ilícitas” . V. Art.ºs 5, 7 e 8 da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças. Sem prescindir,
12. Não tencionando regressar aos Estados Unidos da América, opondo-se, expressamente, a mãe, ao regresso dos seus quatro filhos, aos Estados Unidos da América, tal como resulta das declarações por ela prestados, na Conferência de Pais realizada no processo principal em 15.03.2023;
13. Provando-se, como se provará, que as crianças já se encontram plenamente integradas no seu novo ambiente (que é o mesmo, que sempre vivenciaram nos meses de férias, passaram, invariavelmente, em Portugal, durante os seus intervalos escolares);
14. Demonstrando-se, como se demonstrará, que o pai apenas tem tempo para estar com os filhos durante as férias dele (progenitor);
15. Demonstrando-se, como se demonstrará, que o pai, não só consentiu com a vinda das crianças para Portugal, com a mãe, como concordou posteriormente com a permanência dos filhos, com a mãe, em território nacional (já que não os levou nem quis levar, quando cá esteve com os filhos em Fevereiro e em Abril, de 2023);
16. Demonstrando-se, como se demonstrará que, as crianças foram criadas exclusivamente pela requerida que, apesar de ter formação universitária, optou por ser mãe a tempo inteiro, desde que se casou com o pai dos filhos;
17. Provando-se, como se provará que, quando o pai veio a Portugal para estar com os filhos (em Fevereiro e em Abril deste ano), as duas filhas pediram aos pais, para virem dormir com a mãe, tendo sido o progenitor quem veio trazer as duas raparigas a casa da mãe, para que elas pernoitassem com a ora requerida.
18. Demonstrando-se, como se demonstrará que, quando veio a Portugal, em Fevereiro e Abril deste ano, o progenitor restituiu os próprios filhos, à mãe, no termo de cada estadia, conformando-se, sem quaisquer reservas, com a continuidade da guarda das crianças a cargo da requerida, não, tendo, nunca, sugerido à requerida que os filhos regressassem com ele aos Estados Unidos da América;
19. Demonstrando-se, como se demonstrará que, no termo da última estadia com os filhos em Portugal (entre 21 e 24.04.2023), o progenitor não regressou aos Estados Unidos, tendo-se mantido na Europa, por ter por cá, obrigações profissionais na Suíça e na Alemanha, durante toda a semana;
20. Demonstrando-se, como se demonstrará que, no termo da última estadia com os filhos em Portugal (entre 21 e 24.04.2023), o progenitor cometeu a irresponsabilidade de enviar o filho mais velho - G, de regresso aos Estados Unidos da América, para que, viajasse sozinho, de avião e, de carro, também sozinho, do aeroporto para casa, fazendo, depois de um voo de longe curso, mais duas horas de carro, a conduzir, não ignorando o pai que, esse filho tem apenas dois meses de experiência de condução, tendo já destruído, em acidentes de viação, duas viaturas, não ignorando o progenitor que, apesar de já ter 18 anos, esse filho tem necessidades educativas especiais, por revelar comportamentos compatíveis com doença do expecto do autismo, perdendo-se com facilidade, tendo frequentes falhas de memória;
21. Provando-se, como se provará, que os expedientes da iniciativa do progenitor, se destinam, tão só, a tentar forçar a mãe a regressar aos Estados Unidos da América, para continuar a infernizar-lhe a vida;
22. Provando-se, como se provará que, o regresso das crianças aos Estados Unidos da América, irá deixá-las votadas ao mais completo abandono, pelo facto de a mãe não pretender regressar àquele país, pelo facto de o pai não ter tempo para os filhos fora das férias dele, em consequência directa e necessária das suas responsabilidades profissionais de CEO de uma companhia internacional, levando ainda em conta que o progenitor viaja, com muita frequência, para a Europa, em Trabalho, com riscos graves para os filhos, que ficariam numa situação intolerável.
23. Provando-se, como se provará, que as crianças já atingiram idade e grau de maturidade suficientes, para esclarecerem, ao Tribunal que se recusam regressar aos Estados Unidos da América, por pretenderem continuar a residir com a mãe, por pretenderem continuar com a progenitora, em Portugal,
24. Defendendo a mãe que, as crianças deverão estar com o pai, 50% ou até 60% de todos os intervalos escolares dos filhos, desde que o pai assegure que acompanha os menores e não as deixa entregues a eles próprios;
25. Não resultando dos autos, informação completa e fiável traduzida, que ateste, com certeza e segurança jurídica bastantes, que o progenitor pediu o regresso das crianças aos Estados Unidos da América, mas, tão só, meros formulários, muitos deles, em branco que, não preenchendo (em qualquer país democrático civilizado) os requisitos mínimos de requerimentos ou sentenças, de nada valem, juridicamente, havendo fundadas dúvidas sobre a inteligibilidade e autenticidade de documentos estrangeiros, conduzindo, uma eventual decisão de regresso das crianças a país estrangeiro, a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português;
26. Tendo os autos principais dados entrada em juízo, muito antes dos demais expedientes, processos e procedimentos alegadamente instaurados pelo progenitor em território estrangeiro, não podendo o destino das crianças ficar refém dos lamentáveis atrasos, nem mesmo ineficiência do sistema nacional de administração de justiça, ao nível das greves, dos tempos de resposta, citações, incompetência, intolerância, ineficácia e ineficiência dos serviços postais (CTT) falta de expedição, pelo Tribunal, de cartas de citação para o requerido para as 5 moradas postais, há muito indicadas pela mãe, na regulação das responsabilidades parentais, comparativamente com o sistema americano que até tentou promover a citação da mãe;
27. Tendo já transitado em julgado (por dela não ter sido interposto recurso, no prazo legal, nem mesmo pelo progenitor, que beneficia de mandato forense há muito mais de um mês), a Decisão provisória proferida no processo principal, que confiou as crianças aos cuidados e guarda da mãe, a quem incumbe, presentemente e em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais ao nível das questões de particular importância, no poderá determinar-se o regresso das crianças aos Estados Unidos da América.
28. Estando as crianças livre e licitamente em Portugal, desde 22.12.2022 (já que viajaram, na companhia da mãe, através de passagens compradas e pagas pelo próprio progenitor, quando este já tinha saído de casa), estando a situação jurídica das crianças judicialmente definida pelo órgão de soberania Tribunal, desde 15.03.2023, em acção instaurada pela mãe, que, quando ouvida, tudo esclareceu, com verdade, até mesmo quanto à posição do progenitor;
29. Tendo as crianças declarado, ao Tribunal, na primeira pessoa, além do mais que:
30. Sabiam que vinham residir definitivamente para Portugal;
31. A mãe já tinha falado com o pai sobre a vinda dela para Portugal, mas o pai disse que não saía dos EUA;
32. Não ficaram admirados com a vinda definitiva para cá, porque o pai já não falava com a mãe;
33. Foi o pai quem os levou ao aeroporto, quando vieram em Dezembro, para Portugal;
34. Quando vieram para Portugal, trouxeram todos as nossas coisas deles, para uma estadia longa;
35. Já disseram ao pai, que querem ficar em Portugal, porque a mãe está em Portugal, porque Portugal é muito mais divertido, porque têm toda a família em Portugal, porque a família do pai está toda na Alemanha, porque não têm família nos Estados Unidos;
36. Só querem ir para os Estados Unidos se a mãe também fosse;
37. O importante não é o país onde vivem, mas o país onde vivem com a mãe;
38. A mãe é que ia buscá-los à escola; às vezes era o G que os ia buscar à escola.
39. Gostam tanto de Portugal, como dos Estados Unidos ou da Alemanha;
40. Na América não havia ninguém da família da;
41. O pai não acompanhava as actividades.
42. Nos Estados Unidos, era o pai que estava a trabalhar e a mãe em casa com os filhos;
43. Gostam mais de viver em Portugal do que nos Estados Unidos, porque cá têm os tios e os primos, uma família grande e, por cá os rebuçados são muito mais baratos ...
44. Estado Português não é obrigado a ordenar, nas apontadas circunstâncias, o regresso das crianças, aos Estados Unidos da América;
Sendo Portugal o local de residência habitual dos menores, sendo a mãe a titular dos deveres de “custódia” sobre os filhos, inexistindo qualquer deslocação nem mesmo retenção ilícitas, tendo o pai restituído as crianças com a mãe, nas duas deslocações que fez em Portugal, em Fevereiro e Abril deste ano (as duas raparigas, recusaram-se, dormir com o pai) estando as crianças perfeitamente ambientadas, não tendo o progenitor qualquer capacidade (por imperativos profissionais) para cuidar dos filhos.
Sendo, nestas circunstâncias, absolutamente inapropriado, desadequado, desproporcional e desnecessário, o envio dos menores para os Estados Unidos da América, como se de uma “mercadoria” se tratasse, pugna-se pela prolacção de Decisão que se julgue improcedente qualquer pedido deduzido, no sentido do regresso das crianças.
Julgando-se inepto o procedimento instaurado, em face da sua manifesta inviabilidade!
Julgando-se válida a deslocação e permanência das crianças, em Portugal, com a mãe, nos termos do art.º 13º a) da Convenção de Haia de 25/10/1980.
Para tanto e, quando o Tribunal não tenha condições para julgar o procedimento de regresso improcedente ou quando um Tribunal superior venha a revogar a improcedência, não se prescinde da realização das diligências seguintes:
A) A audição do progenitor, para que o Tribunal possa aferir, quer das verdadeiras motivações deste (se quer o regresso das crianças por estas ou para fazer com que a mãe regresse aos EUA), quer das suas competências parentais, quer mesmo das condições para cuidar dos filhos, sozinho, nos Estados Unidos da América.
B) A inquirição das Testemunhas:
(…)
Quando o Tribunal julgue o presente procedimento improcedente, requer que tal Decisão declare cessada a suspensão da instância do processo principal e designe data para a realização de nova Conferência de Pais – art.º 35º do RGPTC (notificando- se o pai, para estar presente, electronicamente através de sua advogada constituída naqueles autos), de modo a envolver o progenitor num salutar crescimento e desenvolvimento dos menores.
Por despacho de 31.05.2023, foi decidido:
Uma vez que os autos já contêm todos os elementos para que se possa conhecer desde já do mérito da acção, indefere-se, por desnecessária, a produção de prova indicada pela Ré na sua contestação.
O Ministério Público renovou integralmente o pedido formulado na petição inicial, conforme parecer datado de 07.06.2023.
Com data de 16/6/2023, foi proferida decisão final, com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, julga-se procedente a pretensão do Ministério Público e, em consequência, determina-se o regresso imediato das crianças A, B, C, D, aos Estados Unidos da América e ao domicílio do pai.
Passe e entregue mandados de condução para entrega das crianças, a executar pela entidade policial, para concretizar a entrega da A, B, C, D ao pai, sem prejuízo de se autorizar que a mãe das crianças as acompanhe no seu regresso.
*
Inconformada, a progenitora interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. Por requerimento de 18.01.2023, a mãe, ora requerida, requereu ao Tribunal, a Regulação das Responsabilidades Parentais dos menores, seus filhos.
2. Por Sentença proferida em 15.03.2023 nessa regulação, o Tribunal recorrido regulou as responsabilidades parentais das crianças, tendo determinado que ficam à guarda e cuidados da mãe, com quem residirão e a quem incumbirá a regulação das responsabilidades parentais.
3. Apesar de regularmente notificado, progenitor não compareceu na Conferência de Pais, tendo, no entanto, constituído mandatário forense, por requerimento de 27.03.2023.
4. Por requerimento de 14.04.2023, o MP promoveu o regresso das crianças aos Estados Unidos da América, ao abrigo da Convenção de Haia.
5. Colaborando com o Tribunal, a mãe das crianças depositou os passaportes das crianças à ordem do processo, compareceu em juízo a fim de ser ouvida, tendo feito comparecer as crianças que também foram ouvidas pelo Tribunal.
6. Notificada para o efeito, a mãe das crianças apresentou a defesa que está no processo, tendo arrolado testemunhas e requerido a tomada de declarações ao pai.
7. Sem aviso prévio e apresar das declarações das crianças (cujo teor se reproduz abaixo), o Tribunal decidiu, de surpresa, determinar o regresso das crianças aos Estados Unidos da América.
8. Quando se tratou de mandar notificar o pai nos autos de regulação das responsabilidades parentais das crianças, o Tribunal recorrido fê-lo, levianamente, através de um serviço dos CTT que não ignora ser do mais inoperacional possível (como se revelou ser), em vez de ter recorrido à Convenção de Haia, para esse efeito.
9. Quando se tratou de dar satisfação a uma pretensão de um estado poderoso, decidiu, de imediato, determinar o regresso dos filhos, sem sequer aceitar que se produzisse a prova indicada pela mãe das crianças.
10. Arguida, pela mãe recorrente, nas alegações, a nulidade do expediente, por nunca ter sido cumprida a fase pré-contenciosa / pré-judicial (art.º 10 Convenção de Haia), o Tribunal recorrido nada disse, opção que consubstancia omissão de pronúncia, nulidade que vai aqui expressamente suscitada, para todos os devidos e legais efeitos.
11. Indicada prova testemunhal e prova por declarações do pai (para que explicasse como é que iria cuidar dos 5 filhos, sozinho), o Tribunal recorrido indeferiu tudo quanto foi requerido, em violação grosseira das mais elementares normas e princípios de direito e processo civil.
12. A decisão recorrida consubstancia, também, decisão surpresa, por ter sido proferida sem previa produção da prova indicada pela mãe, ora recorrida, nulidade que vai aqui expressamente arguida, para todos os devidos e legais efeitos.
13. Ao ter determinado (em 15.06.2023) o regresso das crianças aos Estados Unidos da América, nas condições em que o faz (depois de ter regulado as responsabilidades parentais das mesmas crianças em 15.03.2023, no processo principal), a decisão recorrida violou o caso julgado.
14. Demonstrada que ficou, pela mãe (nas suas próprias declarações e nas declarações das próprias crianças), o não preenchimento dos requisitos que permitem o regresso das crianças aos Estados Unidos da América, demonstrado que ficou o preenchimento dos requisitos que vinculam o Estado Português, a manter as crianças em Portugal, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 13º da Convenção de Haia sobre Rapto Internacional de Crianças.
15. Tendo as crianças declarado, ao Tribunal, na primeira pessoa, além do mais que: Sabiam que vinham residir definitivamente para Portugal; A mãe já tinha falado com o pai sobre a vinda dela para Portugal, mas o pai disse que não saía dos EUA; Não ficaram admirados com a vinda definitiva para cá, porque o pai já não falava com a mãe; Foi o pai quem os levou ao aeroporto, quando vieram em Dezembro, para Portugal; Quando vieram para Portugal, trouxeram todos as nossas coisas deles, para uma estadia longa; Já disseram ao pai, que querem ficar em Portugal, porque a mãe está em Portugal, porque Portugal é muito mais divertido, porque têm toda a  família em Portugal, porque a família do pai está toda na Alemanha, porque não têm família nos Estados Unidos; Só querem ir para os Estados Unidos se a mãe também fosse; O importante não é o país onde vivem, mas o país onde vivem com a mãe; A mãe é que ia buscá-los à escola; às vezes era o G que os ia buscar à escola. Gostam tanto de Portugal, como dos Estados Unidos ou da Alemanha; Na América não havia ninguém da família; O pai não acompanhava as actividades. Nos Estados Unidos, era o pai que estava a trabalhar e a mãe em casa com os filhos; Gostam mais de viver em Portugal do que nos Estados Unidos, porque cá têm os tios e os primos, uma família grande e, por cá os rebuçados são muito mais baratos .... O Estado Português não é obrigado a ordenar, nas apontadas circunstâncias, o regresso das crianças, aos Estados Unidos da América;
16. Ao contrariar a vontade unânime de 3 crianças, com 10, 11 e 12 anos (na parte em que declararam que querem residir onde a mãe e com os irmãos e na parte em que declararam que as raparigas não dormem, sozinhas, com o pai), a decisão recorrida violou o disposto no art.º 13 da Convenção de Haia, tendo violado também o Principio que manda acautelar o superior interesse das crianças.
Pedido:
Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação das normas e princípios invocados, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando improcedente o pedido do Ministério Público, julgue válida a deslocação e permanência das crianças, em Portugal, com a mãe, nos termos do art.º 13º a) da Convenção de Haia de 25/10/1980.
*
O Ministério Público contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:
1 - não assiste razão à recorrente;
2 - as responsabilidades parentais foram reguladas, de forma provisoria, apenas com base nas declarações da progenitora e, nos termos do disposto no art.º 16º da Convenção de Haia, foi de imediato, declarada a suspensão da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontrava pendente;
3 - Resulta dos documentos, das declarações da progenitora e dos menores que das crianças residiam com ambos os progenitores nos Estados Unidos da América do Norte, Pensilvânia, partilhando todos a mesma residência, sendo que o progenitor trabalhava fora de casa e a progenitora mantinha-se em casa todo o dia;
4 - todo o agregado familiar vivia do salário auferido pelo progenitor nesse trabalho que tinha fora da residência;
5 - resulta das declarações da progenitora que quando os progenitores discutiam sempre o progenitor lhe disse que ela poderia ir-se embora, mas os filhos ficavam com ele e a progenitora não podia levá-los com ela;
6 - resulta das declarações da progenitora e das crianças que ao progenitor apenas foi transmitido que a progenitora e os quatro filhos menores de idade vinham a Portugal para passar o Natal com a família materna.
7 - a progenitora declarou nos autos que apenas depois de estarem em Território Nacional informou o progenitor, via telefónica, que as crianças ficariam a residir com ela em Portugal e já nenhum regressaria aos EUA.
8 - referiram as crianças que nunca falaram com o pai sobre o facto de virem residir para Portugal, apenas tendo essa conversa com a mãe.
 9 - As crianças não têm particular ligação a Portugal, afirmando expressamente que apenas querem viver no País onde a mãe estiver.
10 - As crianças tinham as suas vidas centradas no local onde residiam nos EUA, Pensilvânia, onde residiam com os progenitores, frequentavam estabelecimentos escolares e tinham os seus amigos.
11- A progenitora retirou-as daí sem o conhecimento do progenitor e sabendo que o mesmo não o autorizava.
12 - consta dos autos expediente do Tribunal da Pensilvânia, EUA, incluindo uma Ordem Judicial nos termos da qual foi atribuída ao progenitor a “guarda única física” das crianças em causa nestes autos e essa Ordem “manter-se-á em pleno vigor e efeito na pendência da resolução sobre a questão da guarda”.
“O Tribunal considera e conclui que as crianças acima referidas foram retiradas da Comunidade da Pensilvânia numa tentativa de ocultação das mesmas. Consequentemente, à luz o que precede, é emitido um mandado para ser assumida a guarda física das crianças acima referidas e para as crianças serem trazidas à presença do abaixo assinado imediatamente a seguir à execução do mandado”
13 - nos termos da Convenção relativa à Competência, Lei Aplicável, Reconhecimento, Execução e Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, de Haia, 19 de Outubro de 1996 - DL 52/2008, de 13 de Novembro, - art.ºs 1.º al. d) e 3.º al. b)- artigo 7.º 1, Convenção de Haia sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças - DL 33/83, de 11 de Maio, art.º 3.º 2.ª parte, art.ºs 7.º e 12.º art.13º, bem decidiu o douto Tribunal “ao ordenar o regresso das crianças aos E.U.A., sua residência.
14 - a douta Decisão não padece que qualquer vício, nem viola qualquer disposição ou Princípio legais.
15 - Deverá a douta Sentença ora recorrida ser mantida nos seus precisos termos. 
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Da verificação dos pressupostos de procedência do pedido de regresso das crianças à luz da Convenção de Haia de 1980;
Da nulidade da decisão recorrida.
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III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados:
1. A nasceu a 09.09.2009, em Dusseldorf, República Federal da Alemanha e é filho de E e F.
2. B nasceu a 10.02.2011, em Bad Homburg v.d. Hohe, República Federal da Alemanha e é filho de E e F.
3. C nasceu a 21.05.2012, em Hanau, República Federal da Alemanha e é filho de E e F.
4. D nasceu a 09.07.2018, em Hanau, República Federal da Alemanha e é filho de E e F.
5. Desde há, pelo menos, 3 anos, que as crianças vivem em ---, U.S.A., com ambos os progenitores.
6. A relação entre o casal era pautada por algumas discussões, manifestando a progenitora vontade de se separar do progenitor e regressar a Portugal.
7. Nessas ocasiões, o progenitor dizia-lhe que a mesma se poderia ir embora, mas que os filhos ficariam com ele.
8. No dia 22.12.2022, a progenitora viajou com as crianças para Portugal, a fim de aqui passar o Natal, tendo saído do Aeroporto de Newark, U.S.A., com destino a Lisboa e com data de regresso no dia 02.01.2023.
9. Foi o progenitor que transportou a progenitora e as crianças para o aeroporto, na convicção de que os mesmos apenas viriam passar o Natal a Portugal, com a família materna.
10. Após se encontrar em território nacional, a progenitora contactou telefonicamente o progenitor, informando-o de que as crianças ficariam a residir consigo em Portugal e que, consequentemente, não regressariam aos E.U.A.
11. Com o progenitor ficou a residir nos E.U.A., o filho, já maior, do casal, G.
12. As crianças nunca falaram com o pai sobre o facto de virem residir para Portugal, apenas tendo tal conversa com a mãe.
13. O pai das crianças e o seu irmão, G, vieram a Portugal em Fevereiro e em Abril para estar com as crianças.
14. Nessa ocasião, o A e B pernoitaram com o pai e com o G e a C e D estiveram com os mesmo durante o dia, pernoitando com a mãe.
15. As crianças gostaram de estar com o pai e com o G.
16. As crianças sentem saudades do pai e do G.
17. As crianças não se encontram inscritas em estabelecimento de ensino em Portugal, mas sim nos Estados Unidos da América, frequentando as aulas “on line”.
18. As crianças não dominam a língua Inglesa.
19. Em Portugal, as crianças não têm amigos, relacionando-se, apenas, com a família materna.
20. Em 24.02.2023 foi emitida uma ordem pelo do Court of Common Pleas of Beks County, Pennsylvania, com o seguinte teor:
“Neste dia 24 de Fevereiro de 2023, na sequência de Requerimento de Guarda Urgente apresentado pelo Requerente, o referido REQUERIMENTO É DEFERIDO.
É ORDENADO o seguinte:
1. É atribuída ao Requerente F a guarda única legal e guarda única física de A, B, C, D.
2. A presente Ordem manter-se-á em pleno vigor e efeito na pendência de resolução sobre a questão da guarda.
3. O Tribunal considera e conclui que as crianças acima referidas foram retiradas da Comunidade da Pensilvânia (Commonwealth of Pennsylvania) numa tentativa de ocultação das mesmas. Consequentemente, à luz do que precede, é emitido um mandado para ser assumida a guarda física das crianças acima referidas e para as crianças serem trazidas à presença do abaixo-assinado imediatamente a seguir à execução do mandado. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei são instruídos para assumirem de imediato a guarda física das crianças menores referidas, estando autorizados a entrar em propriedade privada, sem uso da força física, para cumprimento do mandado aquando da sua execução, devendo as crianças ser entregues ao Requerente na pendência da decisão definitiva da ação.”.
21. As crianças não têm particular ligação com Portugal, afirmando que apenas querem residir no país onde a mãe estiver.
22. O pai pretende que as crianças regressem aos Estados Unidos da América, não autorizando que as mesmas permaneçam a residir com a mãe, em Portugal.
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IV. O Direito
A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, aprovada pelo Estado português através do Decreto nº 33/83, de 11 de Maio, e em vigor no nosso ordenamento jurídico desde 1 de dezembro de 1983, dispõe no seu art.º 12º que «[q]uando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.”
À luz do seu Preâmbulo e do seu artigo 1º, a Convenção é um instrumento de cooperação judiciária internacional que tem um duplo objetivo: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente e fazer respeitar de modo efetivo nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
O “direito de custódia” reporta-se à responsabilidade pelos cuidados devidos à criança, incluindo o direito de decidir sobre o lugar da sua residência [art.º 5º, al. a)].
Quanto ao “direito de visita”, releva para a Convenção fundamentalmente o direito de visita transfronteiriço, que inclui a faculdade de levar a criança para um país diferente do da sua residência habitual por um período limitado de tempo [art.º 5º, al. b)].
A Convenção aplica-se a qualquer criança com residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de custódia ou de visita. São abrangidas as crianças com idade inferior a 16 anos (art.º 4º).
Como refere Luís de Lima Pinheiro, em Comunicação proferida na Conferência “Direito da Família e Direito dos Menores: que direitos no século XXI?”, que teve lugar na Universidade Lusíada, em outubro de 2014, acessível in https://portal.oa.pt/upl/%7B40b76efc-8042-4aa6-92d6-5aa473019980%7D.pdf [3], «[a] expressão “rapto internacional” - utilizada para designar a Convenção –, não traduz bem a realidade social subjacente, que é normalmente o desenlace dramático de um casamento ou união transnacional. A criança é vítima deste drama, como o são os seus pais. Nos casos mais paradigmáticos, os pais separam-se e um deles, as mais das vezes a mãe, regressa ao seu país de origem levando consigo a criança sem autorização do pai. As razões da deslocação da mãe para outro país são variáveis: frequentemente razões compreensíveis de natureza económica e afetiva, mas por vezes também o desígnio de privar o pai da convivência com a criança.
Perante este drama, o regime da Convenção exprime a seguinte valoração: a criança deve regressar o mais rapidamente possível ao país onde tinha a residência habitual antes da deslocação ou retenção, uma vez que a autoridade competente deste país é a mais bem colocada para decidir sobre a custódia e a residência, e que a permanência da criança noutro país tende a dificultar a adoção das soluções mais adequadas (…)».
A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando se verifiquem dois pressupostos [art.º 3º, 1º §, als. a) e b)]: a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção e o exercício efetivo desse direito no momento da transferência ou da retenção.
O direito de custódia em causa pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o Direito deste Estado [art.º 3º, 2º §].
Com esclarece Luís de Lima Pinheiro, «[o] preceito deve ser interpretado no sentido de abranger qualquer título de atribuição do direito de custódia vigente na ordem jurídica da residência habitual. Razão por que a referência ao Direito do Estado da residência habitual abrange necessariamente o Direito Internacional Privado deste Estado».
Como refere Maria dos Prazeres Beleza, in Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças, Julgar, nº 24, pg. 78:
A definição desse processamento simplificado e urgente foi uma das vias encontradas para “contrariar o uso de meios de auto-tutela” para resolver divergências relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais, especialmente quanto à guarda da criança, dissuadindo os protagonistas de tentar criar situações de facto que lhes sejam favoráveis, numa discussão posterior sobre a guarda da criança — quer tentando deslocar a competência dos tribunais para o Estado onde se encontram, quer criando ligações da criança ao novo ambiente, de modo a que lhe seja prejudicial uma decisão de regresso ao Estado de onde foi deslocada.
Nos termos do art.º 5º da Convenção, o direito de custódia é definido como o poder legítimo de decidir sobre o lugar da residência da criança, a ser exercido singular ou conjuntamente e, nesta última circunstância, a decisão tem que ser tomada por acordo dos titulares das responsabilidades parentais.
A deslocação ilícita ocorre sempre que haja uma mudança da criança do país onde tem o seu centro de vida para outro, em desrespeito do direito de guarda existente.
O regresso imediato da criança em situação de deslocação ou retenção ilícitas, preconizado pela Convenção, sofre, no entanto, desvios sempre que se mostrem verificadas as circunstâncias previstas nos seus art.ºs 12º, 13º e 20º:
- A criança já se encontrar integrada no seu novo ambiente familiar, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a data da deslocação ou retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado em que a criança se encontrar;
- O direito de guarda não se encontrar, efetivamente, a ser exercido por quem tinha legitimidade para tal;
- Ter havido, por parte de quem exerça o direito de guarda, consentimento prévio ou concordância posterior à deslocação ou à retenção da criança;
- Existir risco grave de a criança, com o seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou a uma qualquer outra situação intolerável;
- Quando a criança se oponha ao regresso desde que tenha idade e grau de maturidade suficientes para serem tomadas em consideração as suas opiniões;
- Quando o regresso da criança importar uma violação dos princípios fundamentais do Estado relativos aos direitos do homem e às liberdades fundamentais.
Apuradas estas, pode haver lugar a uma decisão de recusa de regresso da criança.
Encontra-se aqui uma sucessão de regra/excepção/contra-excepção que tem sido frequentemente ponderada nos tribunais, partindo da verificação de que, demonstrada uma deslocação ou retenção ilícita, deve ser determinado o regresso, em conformidade com o objectivo da definição do processo expedito do artigo 11.º, em tradução dos objectivos da Convenção e do Regulamento. Para que assim não seja, é necessário que se prove o consentimento posterior (al. a)) ou o risco (al. b)), cabendo o ónus da prova a quem se opõe ao regresso (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 1534/11.7TMLSB-A-L1-7). Na falta de qualquer prova, é imperativo determinar o regresso (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Junho de 2012, www.dgsi.pt, proc. n.º 773/08.2TBLNH. L1.7)., citando Maria dos Prazeres Beleza, ob. cit., pg. 85.
Tem-se entendido que decorre do artigo 16.º da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980 que a decisão de não determinar o regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida em Portugal tem como efeito tornar o tribunal português competente para decidir “sobre o fundo do direito de custódia”: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2009, www.dgsi. pt, proc. n.º 08B2777 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15  de Dezembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. 265/10.OTMLSB-B.L1.6., autor e ob.cit., pg. 86.
*
Fundou a Exma. Juíza a quo a sua decisão nas seguintes considerações jurídicas:
In casu os pais das crianças A, B, C, D encontram-se separados, tendo a residência das crianças fixada junto do pai, pelo tribunal competente dos Estados Unidos da América - Court of Common Pleas of Beks County, Pennsylvania.
O local de residência habitual das crianças é, assim, para todos os efeitos o domicílio do pai.
Por conseguinte, as crianças A, B, C, D têm a sua residência judicialmente fixada junto do pai e este nunca autorizou que asas crianças passassem a residir com a mãe. Na verdade, as crianças têm permanecido em Portugal contra a vontade do progenitor e sem autorização deste. Independentemente de a progenitora ter vindo a Portugal, com as crianças, com ou sem o consentimento do progenitor - sendo certo que se apurou que o progenitor apenas autorizou que as crianças se deslocassem a território nacional para passar o Natal tendo, inclusivamente, viagem de volta para os E.U.A. marcada para o dia 02.01.2023, como a própria progenitora admitiu-, certo é que as crianças têm sido retidas ilicitamente em Portugal, ao abrigo das disposições supra aludidas e considerando que o direito de custódia foi, ainda que de forma provisória [judicialmente] atribuído ao progenitor.
(…)
No âmbito dos presentes autos, com toda a certeza sabe-se que: o pai das crianças não consentiu na sua permanência em Portugal e a retenção ilícita mantém-se até à presente data, uma vez as crianças continuam a viver em Portugal, sem o consentimento do pai, não permitindo a mãe o seu regresso ao local de residência do pai, que é, também, o das crianças.
Apurado que a retenção foi ilícita os tribunais têm de determinar a entrega imediata da criança, sem que possam discutir a bondade da solução, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, no seu artigo 13º prevê.
Competia à progenitora fazer prova de uma ou de ambas as situações previstas no art.º 13.º da Convenção. O requerido nada alegou a esse respeito, não constituindo as suas alegações matéria de facto ou de direito passível de integrar as excepções ali previstas.
(…)
Desde já se adianta, face à factualidade dada como assente, que não se mostram verificadas as previsões vertidas nas das alíneas acabadas de transcrever.
(…)
Sublinhe-se, ainda, que, ao ter subtraído as crianças ao progenitor, inviabilizando, desde Dezembro de 2022, os contactos dos filhos com o pai e com o seu irmão, atentou a progenitora contra o bem-estar emocional e psicológico das crianças que se vêm privadas de tais contactos, quer com o pai, quer com o irmão, pessoas a quem se encontram necessariamente vinculadas, sem que as mesmas possam compreender a razão do súbito afastamento.
A progenitora ao ter decidido regressar a Portugal, em virtude da falência da comunhão conjugal, deu prevalência ao seu interesse e bem-estar, em detrimento do interesse em bem-estar do (cinco) filhos.
Sem prejuízo de tudo o que se expôs, no caso dos autos saliente-se fundamentalmente que ao abrigo do n.º 1 do artigo 23.0 da Convenção aprovada pelo DL 52/2008, as medidas tomadas são reconhecidas em todos os outros Estados Contratantes. O que importa atender no caso, é que não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 23.º da Convenção aprovada pelo DL 52/2008.  
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Não conseguimos acompanhar a análise da decisão recorrida, na medida em que, primeiro, desconsidera a alegação da recorrente tempestivamente efectuada em sede de oposição ao pedido de entrega e, depois, inviabiliza a possibilidade de prova desses factos.
Recordando, por remissão, a contestação, revisitemos os seguintes passos da mesma, expugnados das apreciações jurídicas e conclusivas:
Desde Outubro de 2022 o progenitor levou toda a sua roupa e bens pessoais para um apartamento com uma sala e um quarto, situado em Wyomissing, Pensilvânia, pertencente à entidade empregadora dele.
Quando a mãe das crianças regressou a Portugal, os progenitores já não faziam vida em comum, há vários anos, sendo certo que o pai das crianças já se tinha mudado para esse apartamento, com o firme objectivo de nunca mais regressar àquela que foi casa de morada de família, onde permaneceram os filhos, com a mãe.
O pai, não só consentiu com a vinda das crianças para Portugal com a mãe, como concordou posteriormente com a permanência dos filhos, com a mãe, em território nacional.
Quando veio a Portugal, em Fevereiro e Abril deste ano, o progenitor restituiu os próprios filhos, à mãe, no termo de cada estadia, conformando-se, sem quaisquer reservas, com a continuidade da guarda das crianças a cargo da requerida, não tendo sugerido à requerida que os filhos regressassem com ele aos Estados Unidos da América.
O regresso das crianças aos Estados Unidos da América irá deixá-las votadas ao mais completo abandono, pelo facto de a mãe não pretender regressar àquele país, pelo facto de o pai não ter tempo para os filhos fora das férias dele, em consequência directa e necessária das suas responsabilidades profissionais de CEO de uma companhia internacional, levando ainda em conta que o progenitor viaja, com muita frequência, para a Europa, em trabalho, com riscos graves para os filhos, que ficariam numa situação intolerável.
Em segundo lugar, a nossa discordância prende-se com a constatação de que a decisão norte-americana que se pretende executar atribuiu provisoriamente a custódia das crianças ao pai, definindo a sua residência habitual nesse país, em Fevereiro de 2023, ou seja, em data posterior à sua viagem para Portugal.
Não se podendo, pois, retirar, dessa decisão por si só que a viagem para Portugal consubstancie a violação de um direito de custódia atribuído pelo Direito do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção.
Pois esse direito de custódia, a existir, não se pode fundar naquela decisão, repete-se, posterior e não anterior, à transferência das crianças.
Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança, alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses, reconduz-se normalmente a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência, ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou co-titular) desse poder, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Junho de 2010, disponível em www.dgsi.pt, proc. n.º 786/09.7T2OBR-A.C1.
Não constituirá pois deslocação ilícita, a deslocação da criança para outro Estado pelo progenitor titular único do direito de guarda, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 2013 e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se lhe seguiu, de 19 de Outubro de 2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, como proc. n.º 1211/08.6TBAND-A.C1 e 1211/08.6TBAND-A.C1.S1.
Exige-se ainda, como condição da ilicitude da deslocação ou retenção, que a guarda estivesse efectivamente a ser exercida pelo progenitor que pretende o regresso da criança deslocada ou retida; ou devesse estar, se isso não tivesse sucedido. Entendeu-se faltar este requisito no momento que se tornou ilícita a retenção em Portugal no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2010, www.dgsi.pt proc. n.º 622/07.9TMBRG.G1.S1.
Em suma,
A requerida alegou factos relevantes e que, por si só, a provarem-se, constituem fundamento de decisão de recusa de regresso das crianças;
Haverá que lhe conceder a possibilidade de produção da prova por si indicada, relativamente a tais factos;
Não se acompanhando o juízo da 1ª instância, no sentido da irrelevância de tais factos e da desnecessidade de produção de prova sobre os mesmos.
Cumpre ainda esclarecer a fonte – decisão judicial ou administrativa ou Direito aplicável – que funda o direito de custódia do progenitor, na insuficiência da decisão invocada pelo Digno Requerente.
E, recorde-se, sendo Direito estrangeiro, cumpre ao Digno Requerente o ónus de prova da sua existência e conteúdo, nos termos do disposto no art.º 348º, nº1, 1ª parte do Código Civil.
*
Define o art.º 662º do Código de Processo Civil o seguinte:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
(…)
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
(…)
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
(…).
Trata-se, no dizer de Abrantes Geraldes, in Recursos…, 5ª edição, pg. 307, de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objectiva de factos relevantes.
Prosseguindo a citação, pg. 308: (…) a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas.
No caso, como se viu, não foram apreciadas pela Sra. Juiz a quo as questões de facto suscitadas pela progenitora.
Contudo, não possui esta Relação os elementos probatórios necessários a uma decisão conscienciosa sobre tais questões de facto.
Essa tarefa, pelos motivos expostos, deve ser relegada à primeira instância.
Como se refere no Acórdão desta Relação, de 26/6/2019 (Francisca Mendes), disponível em www.dgsi.pt: O Tribunal ad quem poderá determinar, oficiosamente, a anulação da decisão da primeira instância com vista à ampliação da matéria de facto (art.º 662º, nº2, c) do CPC).
Seguindo a tese da Relação de Guimarães, em Acórdão de 10/10/2019 (Jorge Teixeira), também disponível na mesma base de dados:
Esta possibilidade de a Relação determinar a ampliação da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para casos em que se revele indispensável, não bastando, para o efeito, que os factos tenham conexão com o “objecto do litígio”, nos termos que decorriam do art.º 596, nº 1 do C.P.C.
(…)
Destarte, e em conclusão, poderá mesmo dizer-se que a ampliação da matéria de facto se imporá sempre e quando a matéria desconsiderada seja susceptível de determinar decisão diversa da recorrida, ou, dito de outro modo, e convirá realçar, apenas em tais casos a ampliação se justifica e é possível, não havendo já lugar a ela relativamente a factos que, apesar de serem relevantes se reportados a uma fase anterior do processo, se mostrem entretanto, considerando a demais matéria já apurada, o enquadramento jurídico resultante da sentença recorrida e o objecto do recurso, indiferentes à decisão da causa.
Cumpre, pois, anular a decisão proferida (mantendo-se a decisão de facto que resulta do julgamento da primeira instância, com excepção dos segmentos dos pontos 5, 7, 9 e 22, incompatíveis com tal factualidade, com vista a evitar contradições) e ampliando-se a matéria de facto controvertida, com os pontos supra referidos.
Devendo ainda conceder-se ao Digno Requerente prazo para esclarecimento e eventual aperfeiçoamento da fonte do direito de custódia do progenitor, na insuficiência da decisãodo Court of Common Pleas of Beks County, Pennsylvania, invocada, dado que esta foi proferida em data posterior à transferência das crianças para Portugal.
Daí a procedência da apelação, resultando prejudicada a apreciação sobre a alegada nulidade da decisão recorrida.
*
V. A decisão                                                       
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na procedência da apelação:
a) revogar a decisão recorrida, mantendo-se embora a factualidade fixada (com excepção dos segmentos dos pontos 5, 7, 9 e 22 provados, incompatíveis com a factualidade controvertida aditada) e determinando-se a ampliação da matéria de facto controvertida, supra exposta, sujeita a instrução restrita mediante produção da prova indicada pela requerida e daquela a indicar pelo Ministério Público;
b) Devendo ainda conceder-se ao Digno Requerente prazo para esclarecimento e eventual aperfeiçoamento da fonte do direito de custódia do progenitor, na insuficiência da decisão do Court of Common Pleas of Beks County, Pennsylvania invocada, dado que esta foi proferida em data posterior à transferência das crianças para Portugal.
Sem custas.
*
Lisboa, 13 de Julho de 2023
Nuno Lopes Ribeiro
Adeodato Brotas
Teresa Soares