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PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITOS LABORAIS
AFECTAÇÃO DO IMÓVEL À ACTIVIDADE EMPRESARIAL
LOTES PARA CONSTRUÇÃO
Sumário
1. Nos termos do art.º 333º, nº 1, alínea b) do Código de Trabalho de 2009 os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade.
2. Adota-se a orientação, que atualmente é pacífica, a propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no referido artigo, no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador afeto à sua atividade empresarial.
3. No caso, os elementos constantes do processo permitem, por um juízo de inferência, considerar que a fração em causa – verba nº 1 – estava afeta à atividade da empresa, para o efeito assinalado: o imóvel tem as caraterísticas apontadas, mais precisamente, trata-se de um terreno para construção, sem qualquer edificação implantada, sendo que o objeto social da insolvente é a construção civil, salientando-se que a apelante não apresentou qualquer impugnação relativamente à lista apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art.º 129.º do CIRE, lista em que o administrador caraterizou o crédito do trabalhador associando-o a esse tipo de privilégio.
4. O AUJ do STJ de 23-02-2016, estando em causa “saber se são abrangidos por esse privilégio [art.º 377.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho de 2003], os imóveis construídos por uma empresa de construção civil insolvente e destinados a comercialização”, firmou a seguinte orientação: “Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003”.
5. Não tem cabimento a aplicação desse AUJ numa hipótese em que está em causa proceder a graduação tendo por objeto o produto da venda de imóvel que constitui um “Lote de terreno para construção”, não dando o credor apelante nota de aí ter sido edificada qualquer construção pela empresa insolvente e que se dedicava à construção civil.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO Ação
Processo de insolvência (apenso de verificação do passivo).
Devedora/insolvente
IU SA, declarada insolvente por sentença proferida em 04-07-2011.
Credor reclamante/apelante
NB, S.A.
Sentença
Em 18-11-2022 foi proferida sentença com o seguinte segmento dispositivo:
“Em face do exposto e, convocadas as normas legais acima indicadas, os termos e pelos fundamentos expostos:
A) Julgo verificados os créditos reclamados por:
1. AP, S.A. €5.715,07 Comum
2. AI, S.A. €42.721,29 Comum
3. AM €15.604,05 Privilegiado
4. AC, Ld.ª, €1.147,98 Comum
5. AE Ld.ª, €3.898,32 Comum
7. AR Ld.ª, €5.679,19 Comum
8. AC, Ld.ª, €6.119,59 Comum
9. Banco C, S.A., €92.597,95 Comum
10. Banco C, S.A., €465,63 Subordinado
11. Banco C, S.A., €165.463,71 Comum
12. Banco C, S.A., €797,05 Subordinado
13. Banco C, S.A., €1.368.864,65 Comum
14. Banco C, S.A., €12.004,82 Comum
15. Banco C, S.A., €17.422,24 Comum
16. Banco C, S.A., €7.156,69 Comum
17. Banco C, S.A., €10.370,08 Comum
18. Banco C, S.A., €3.304,96 Comum
19. Banco C, S.A. €8.540,82 Comum
20. Banco C, S.A., €39.339,17 Comum
21. Banco C, S.A., €31.534,68 Comum
22. Banco C, S.A., €12.030,59 Comum
23. Banco C, S.A., €11.587,45 Comum
24. Banco C, S.A., €375.760,00 Sob Condição
25. Banco C, S.A., €120.000,00 Comum
26. Banco C, S.A., €8.361,33 Comum
27. Banco C, S.A., €746.161,34 Comum
28. Banco E, S.A., €538.086,38 Sob Condição
29. Banco E, S.A., €4.385.964,72 Garantido
30. Banco E, S.A., €149.615,55 Garantido
31. Banco E, S.A., €29.195,84 Garantido
32. Banco E, S.A., €418.430,02 Garantido
33. Banco E, S.A., €50.497,01 Garantido
34. Banco E, S.A. €803.143,11 Garantido
35. Banco E, S.A., €16.129,35 - Garantido
36. Banco E, S.A., €1.367,85 Comum
37. Banco E, S.A., €0,03 Subordinado
38. Banco E, S.A., €3.728,22 Garantido
39. Banco E, S.A., €4,19 Garantido
40. Banco E, S.A., €8.139,71 Garantido
41. Banco E, S.A., €9,13 Garantido
42. Banco E, S.A., €1.466,28 Garantido
43. Banco E, S.A., €2,19 Garantido
44. Banco P, S.A., €108.324,67 Comum
45. Banco P, S.A., €198,51 Comum
46. Banco P, S.A., €2.264,78 Comum
47. Banco P, S.A., €1.473,77 Subordinado
48. Banco P, S.A., €58,95 Comum
49. Banco P, S.A., €255.535,77 Comum
50. Banco P, S.A., €221,43 Comum
51. Banco P, S.A., €338,00 Comum
52. Banco P, S.A., €416,66 Comum
53. Banco P, S.A., €2.739,30 Subordinado
54. Banco P, S.A., €109,57 Comum
55. Banco P, S.A., €83.232,00 Comum
56. Banco P, S.A., € 120.457,00 Comum
57. Banco P, S.A., €30.500,00 Comum
58. Banco P, S.A. €3.874,83 Comum
59. Banco P, S.A., €1.307,86 Subordinado
60. Banco P, S.A., €2.825,23 Comum
61. Banco P, S.A., €4,70 Comum
62. Banco P, S.A., €15,12 Subordinado
63. Banco P, S.A., €79,82 Comum
64. Banco P, S.A., €11,22 Comum
65. Banco P, S.A., €2,31 Subordinado
66. Banco S, S.A. €34.612,93 Comum
67. Banco I, S.A., €798.677,25 Comum
68. Banco I, S.A., €1.947,09 Comum
69. Banco I, S.A., €119.018,42 Comum
70. Banco I, S.A. €226,19 Comum
71. Banco I, S.A., €299.027,54 Comum
72. Banco I, S.A., €561,10 Comum
73. Banco I, S.A., €234.161,09 Sob Condição
74. Banco I, S.A., €859.859,33 Comum
75. Banco I, S.A., €453,09 Comum
76. Banco I, S.A., €56.740,71 Comum
77. Banco I, S.A., €48,13 Comum
78. BL, S.A. €17.673,89 Comum
79. Banco P, S.A., €330.202,99 Comum
80. Banco P, S.A., €16.304,95 Comum
81. BB, Lda., €31.351,34 Comum
82. BR, Ld.ª, €5.813,81 Comum
83. Caixa de C, Crl, €300.000,00 Garantido
84. Caixa de C, Crl, €373.312,64 Sob condição
85. Caixa de C, Crl, €177.965,43 Comum
86. Caixa de C, Crl, €53.630,04 Comum
87. Caixa de C, Crl, €74.770,22 Comum
88. Caixa de C, Crl, €22.277,61 Comum
89. Caixa de C, Crl, €45.643,23 Comum
90. Caixa de C, Crl, €50.190,81 Comum
91. Caixa de C, Crl, €55.000,00 Comum
92. Caixa E, €750.988,37 Comum
93. Caixa E, €5.130,07 Subordinado
94. Caixa E, €122,75 Comum
95. Caixa E, €245.511,16 Comum
96. Caixa E, €3.627,70 Subordinado
97. Caixa E, €418,88 Comum
98. Caixa E, €145,11 Comum
99. Caixa E, €7.601,39 Comum
100. Caixa E, €40.497,18 Comum
101. Caixa E, €1.458,05 Subordinado
102. Caixa E, €58,73 Comum
103. Caixa E, €1.502,37 Comum
104. Caixa E, €592,25 Comum
105. Caixa E, €83,79 Comum
106. Caixa E, €754,17 Subordinado
107. Caixa E, €12.028,65 Sob Condição
108. Caixa D, S.A., €361.127,15 Comum
109. Caixa D, S.A., €5.440,98 Comum
110. Caixa D, S.A., €408.664,07 Comum
111. Caixa D, S.A., €6.036,27 Comum
112. Caixa D, S.A., €78.570,67 Comum
113. Caixa D, S.A., €822,36 Comum
114. Caixa D, S.A., €348.389,21 Comum
115. Caixa D, S.A. €450,18 Comum
116. Caixa D, S.A., €23.443,16 Comum
117. Caixa D, S.A., €3.500,00 Comum
118. Caixa D, S.A., €93,15 Comum
119. Caixa L, S.A., €1.719,97 Comum
120. Caixa L, S.A., €2.605,48 Comum
121. Caixa L, S.A., €28.378,98 Comum
122. Caixa L, S.A., €16.638,54 Comum
123. Caixa L, S.A., €1.401,40 Comum
124. Caixa L, S.A., €1.915,46 Comum
125. Caixa L, S.A., €3.258,42 Comum
126. Caixa L, S.A.,€1.898,37 Comum
127. Caixa L, S.A., €3.729,21 Comum
128. Caixa L, S.A., €10.730,12 Comum
129. Caixa L, S.A., €241,69 Comum
130. Caixa L, S.A., €2.648,35 Comum
131. Caixa L, S.A., €8.022,40 Comum
132. Caixa L, S.A., €1.638,56 Comum
133. Caixa L, S.A., €2.699,06 Comum
134. Caixa L, S.A., €6.459,53 Comum
135. Caixa L, S.A., € 5.170,28 Comum
136. Caixa L, S.A., €3.586,26 Comum
137. Caixa L, S.A., € 14.686,14 Comum
138. Caixa L, S.A., €3.901,62 Comum
139. Caixa L, S.A. €2.936,88 Comum
140. Caixa L, S.A., €233,13 Comum
141. Caixa L, S.A., €367,54 Comum
142. Caixa L, S.A., €721,93 Comum
143. Caixa L, S.A., €516,85 Comum
144. Caixa L, S.A., €1.003,66 Comum
145. Caixa L, S.A., €3.604,15 Comum
146. Caixa L, S.A., €104,40 Comum
147. Caixa L, S.A., €1.098,58 Comum
148. Caixa L, S.A., €4.454,44 Comum
149. Caixa L, S.A., €1.210,42 Comum
150. Caixa L, S.A., €2.752,41 Comum
151. Caixa L, S.A., €6.361,50 Comum
152. Caixa L, S.A., €5.365,25 Comum
153. Caixa L, S.A., €3.725,48 Comum
154. Caixa L, S.A., €15.681,90 Comum
155. CE, S.A., €373.501,86 Comum
156. EC, Ld.ª, €16.825,32 Comum
157. EE, S.A. €17.280,43 Comum
158. Fazenda Nacional - IRS de 2010 - €24.481,00 Privilegiado
159. Fazenda Nacional - Imposto de Selo - €6.880,31 Comum
160. Fazenda Nacional - Irs de 2010 - €9.269,24 Privilegiado
161. Fazenda Nacional - Imposto de Selo - €4.643,27 Comum
162. Fazenda Nacional - Irs de 2010 - €121,75 Privilegiado
163. Fazenda Nacional - Irs de 2011 - €13.121,83 Privilegiado
164. Fazenda Nacional - Imposto de Selo - €2.430,76 Comum
165. Fazenda Nacional - Coimas Dgsi - €51,05 Comum
166. Fazenda Nacional - Coimas Dgsi - €7.094,58 Comum
167. Fazenda Nacional - Custas €946,03 Comum
168. FC, S.A., €8.895,06 Comum
169. FC, S.A., €51,00 Comum
170. FP, S.A., €45.759,69 Comum
171.GV, S.A., €6.048,34 Comum
172. HP, S.A., €145.187,74 Comum
173. IV, S.A., €5.705,85 Comum
174. IM, Ld.ª, €173.863,77 Comum
175. IM, Ld.ª, €91.856,00 Comum
176. IE, S.A., €51.115,96 Comum
177. IE, S.A., €120.612,93 Comum
178. IE, S.A., €66.384,00 Comum
179. Instituto da Segurança Social I.P. - Centro Distrital de Lisboa, €137.925,08 Comum
180. Instituto da Segurança Social I.P. - Centro Distrital de Lisboa, €120.326,89 Privilegiado
182. IQ, €702,40 Comum
183. IC, Ld.ª, €38.933,56 Comum
184. IC, Ld.ª, €23.731,47 Comum
185. JS, Ld.ª, €142.922,28 Comum
186. JS, Ld.ª, €7.716,46 Comum
187. LT, Ld.ª, €5.818,22 Comum
188. LV, S.A., €660,12 Comum
189. NF, S.A., €24.048,87 Comum
190. PP, S.A., €16.543,02 Comum
191. P&B, S.A., €89.184,13 Comum
192. P&B, S.A., € 493.506,19 Comum
193. PC, S.A., €2.417,44 Comum
194. SP, S.A., €34.924,66 Comum
195. SB, S.A., €67.751,22 Comum
196. SS, S.A., €58.034,99 Comum
197. SS, S.A., €11.551,54 Comum
198. SSS, S.A., €95.301,82 Comum
199. SP, S.A., €69.046,18 Comum
200. S, S.A., €39.936,92 Comum
201. TT, Ld.ª, €2.107,16 Comum
202. T - S em Portugal, €2.731,71 Comum
203. VE, Soc. Unipessoal, Ld.ª, €128.048,08 Comum
204. VE, Soc. Unipessoal., Ld.ª, €1.151,88 Subordinado.
*
A que acrescem os créditos de VUC acima identificadas nos precisos termos indicados e ali classificados.
*
Com as alterações decorrentes da decisão sobre as impugnações nos seguintes termos:
O crédito reconhecido antes como garantido a Caixa CA é agora reconhecido como comum.
O crédito de UN, Lda (antigamente denominada IM, Lda), corresponde a €206.575,90, e não ao valor reconhecido na lista, perfazendo o valor total reclamado e a reconhecer, €472.295,67.
Atendendo-se á requerida sub-rogação, sem oposição nos autos.
Quanto ao reconhecido ao BCP, SA o valor a reconhecer é de €507.554.,75 relativo a garantias bancárias e não o de €495.760.
O da CEMG é de €1.114.809,64 sendo:
- €1.092.156,52 a classificar como crédito comum bem como os juros vincendos e despesas às mencionadas taxas até efectivo e integral pagamento.
- €10.624,47 a classificar como crédito subordinado bem como, os juros vincendos e despesas às mencionadas taxas até efectivo e integral pagamento, e
- €12.028,65 a classificar como crédito sob condição.
O de P & B titulado pelas letras indicadas, é de €441.563,35, a ser reconhecido e devidamente graduado, o que se determina como na lista, atendendo-se contudo ao valor apontado pelo credor.
Mantendo-se em tudo mais como na lista elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência consta.
* E quanto à graduação: A) Graduo os créditos verificados na presente sentença e os por força dos apensos de VUC bem como os habilitados acima identificados nos seguintes termos: I – Para serem pagos pelo produto da venda das verbas 1 e 2 dos imóveis: 1. Em primeiro lugar: 1- O crédito do trabalhador identificado na lista como privilegiado, a par com o do Fundo de Garantia Salarial, caso relativamente ao mesmo tenha sido pago, e em sub-rogação. 2. Em segundo lugar: - Crédito do Hipoteca reconhecido ao BES
3. Em terceiro lugar:
Crédito privilegiado (privilégio imobiliário) da Segurança Social.
4- Em quarto lugar,
Crédito privilegiado (imobiliário) da AT/Fazenda Nacional. Por IRS e IRC
5- Em quinto lugar, rateadamente, os créditos comuns (incluindo IVA e selo) e incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados
6- Em sexto lugar, os créditos subordinados, tudo conforme consta da lista.
*
II – para serem pagos pelo produto das verbas 3 a 9 1.
Em primeiro lugar:
1.O crédito do trabalhador identificado na lista como laboral com privilégio imobiliário, a par com o do Fundo de Garantia Salarial caso relativamente ao mesmo tenha sido pago, e em sub-rogação.
2. Em segundo lugar:
Crédito privilegiado (privilégio imobiliário) da Segurança Social.
3. Em terceiro lugar:
Crédito privilegiado (imobiliário) da AT/Fazenda Nacional. Por IRS e IRC
4. Em quarto lugar,
Rateadamente, os créditos comuns (incluindo IVA e selo) e incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados
4. Em quinto lugar,
- créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados);
5- Em sexto lugar, os créditos subordinados, tudo conforme consta da lista.
*
III – para serem pagos pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos para a massa insolvente:
1. Em primeiro lugar
- Crédito laboral como tal identificado na lista do Sr. Administrador de Insolvência considerada como supra exposto, a par com o do Fundo de Garantia Salarial caso relativamente ao mesmo tenha sido pago, e em sub-rogação.
2. Em segundo lugar:
Crédito da AT a par com crédito privilegiado da Segurança Social;
3. Em terceiro lugar:
4.Em quarto lugar, rateadamente, os créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados).
5- Por último e quinto lugar os créditos subordinados
*
Nos termos do disposto nos art.ºs 303 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
*
Notifique e DN.
*
Os créditos sob condição carecem de prévia indagação antes do pagamento pelo Sr. Administrador de Insolvência quanto à respectiva verificação.
Devendo observar o disposto no art.ºs 180 e 181 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Elenque a Secção em termos os créditos sob condição.
*
Considere a Secção todas as alterações subjectivas - habilitações, substituições, fusões, comunicadas e decorrentes dos autos- por forma a assegurar a correcta notificação aos credores.
E as objectivas no que concerne à redução das quantias reclamadas, lavrando termo (que identificará credor, redução do crédito e montante). por forma a lograr os correctos pagamentos aos credores.
Bem como ainda lavre termo das sentenças
Elabore termo respectivo.
O qual acompanhará a notificação da presente sentença” (sublinhado nosso).
Recurso
Não se conformando, o NB, S.A. apelou, formulando as seguintes conclusões: “I- Desde logo, o tribunal a quo – certamente em lapso – olvida o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 23/02/2016, e nessa medida gradua os créditos do trabalhador e do FGS (por sub-rogação) à frente do crédito hipotecário do ora Recorrente, pelo produto da venda do bem imóvel identificado sob a verba n.º 1 – a saber, a descrição 104 da 2.ª CRP de Loures. II- Ora, tal imóvel destina-se a construção para ulterior comercialização; cfr. a sua identificação na douta sentença. III- E a sociedade insolvente dedicava-se à execução de obras públicas e particulares em todas as modalidades, empreitadas, compra e venda de prédios; cfr. a sentença de 04/07/2011 que declarou a sua insolvência, pág. 2. V- Nessa senda, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23/02/2016 estabeleceu que os créditos laborais dos trabalhadores não gozam do privilégio conferido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 377.º do Código de Trabalho sobre os imóveis afectos a comercialização. VI- A entender-se de forma diversa, em última análise o privilégio imobiliário acabaria por recair sobre todos os imóveis do empregador, nenhuma diferença existindo entre o privilégio imobiliário especial do referido art.º e um privilégio imobiliário geral. X- Sendo, por conseguinte, a graduar a seguir ao crédito hipotecário do ora Recorrente, NB, S.A. (titular de hipoteca genérica sobre a indicada descrição); o que se requer. XI- Ou seja, a sentença em causa, deveria ter concluído nos termos prescritos no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, o que não se compadece com a graduação que efectuou. XII- Assim não o fazendo, violou o respectivo Acórdão, omitindo-o, de resto. XIII- Deverá, pois, a sentença recorrida, neste segmento, ser revogada e substituída por outra que, sobre o produto da venda da verba n.º 1, gradue o crédito do ora Recorrente em primeiro lugar e, desta forma, com primazia sobre o crédito do trabalhador e/ou do FGS (por sub-rogação). NESTES TERMOS, Deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, nos termos que vêm descritos, com todas as consequências legais. Só assim se decidindo, será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A decisão proferida pela primeira instância quanto ao julgamento de facto não foi objeto de impugnação pelo que se remete para a mesma (art.º 663.º, nº 6 do CPC).
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs 635º e 639º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do CPC.
No caso, impõe-se apreciar se, com referência ao produto da venda da verba n.º 1, o crédito do trabalhador e/ou do FGS (por sub-rogação) deve ser graduado em primeiro lugar, antes do crédito do recorrente, como entendeu a primeira instância, ou o inverso, como propugna o recorrente.
Salientando-se que a primeira instância deu como assente ter sido apreendido o seguinte bem imóvel, identificado sob a referida verba nº1:
“Lote de terreno para construção, designado pelo n.º 18, sito no Lugar da (…), concelho de Loures, com a área total de 1610 m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º (…), da dita freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º (…), a que se atribui o valor de €200.000,00 (Duzentos mil euros)”.
2. A primeira instância procedeu à graduação dos créditos, na parte que ora interessa, fundamentando como segue:
“Verificados os créditos, cumpre proceder à sua graduação, tendo em conta os créditos verificados na presente sentença e as disposições legais aplicáveis.
Importa ainda ter em consideração a composição da massa insolvente. Se a regra geral é a de que todos os credores estão em situação de igualdade perante o património do devedor, existem, porém, causas de preferência no pagamento, legalmente consagradas, que podem incidir sobre alguns bens ou todos os bens do insolvente.
O CIRE estabeleceu uma repartição dos credores em três classes. Com efeito, dispõe o n.º 4 do art.º 47 do referido diploma que:
“(…) os créditos sobre a insolvência são:
a) «Garantidos» e «privilegiados» os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b)«Subordinados» os créditos enumerados no artigo seguinte [artigo 48.º], excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência [cfr. artigo 97.º do CIRE];
c) «Comuns» os demais créditos”.
No caso concreto, e de acordo com a lista de créditos julgados verificados, existem créditos garantidos, privilegiados, créditos comuns e subordinados.
Assim, e tendo em conta que foram apreendidos bens móveis e imóveis:
1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação reconhecidos ao trabalhador único, como tal indicado pelo Sr. Administrador de Insolvência na lista considerada gozam de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral, nos termos do art.º 333/1/ a) do Código do Trabalho.
2. O crédito eventualmente pago pelo Fundo de Garantia Salarial ao trabalhador único, caso venha a ser demonstrado que foi requerida a sub-rogação atempadamente, relativamente ao qual o Fundo tenha ficado sub-rogado, goza de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral nos termos do art.º 322 do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
O Fundo de Garantia Salarial (FGS), criado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho, surgiu como um Fundo que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegurava aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho. Já a sua génese estava garantida pelo Decreto-Lei n.º 50/85, de 27 de Fevereiro, que instituiu um sistema de garantia salarial com o objectivo de garantir aos trabalhadores o pagamento das retribuições devidas e não pagas pela entidade empregadora declarada extinta, falida ou insolvente.
O art.º 336 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, prevê que o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador, por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo FGS, nos termos previsto em legislação específica. A referida legislação específica encontra-se actualmente dispersa.
(…)
O valor pago em sub-rogação será descontado do crédito inicialmente reconhecido na lista.
Após os créditos reclamados pelo Estado/Fazenda Nacional:
- ao IVA constituído menos de 12 meses antes do início do processo (art.97/1/a), do CIRE) goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do art.º 736/1 do Código Civil e 104 do CIVA.
- ao IRS nos termos do art.º 111 do CIRS - Decreto-lei 442-A/88, de 30-11 e 736 e 747 do Código Civil relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.
-ao IRC constituído menos de 12 meses antes do início do processo (art.º 97/1/a), do CIRE) goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do art.º 116 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Estes a par com os do ISS, IP, pois os referidos créditos decorrentes de contribuições, quotizações e juros de mora beneficiam de privilégio mobiliário geral, nos termos do art.º 204 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), correspondente ao anterior art.º 10/2 DL 103/80.
Preceitua o art.º 204 do CRCSPSS que:
“1 – Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil”.
Assim, os créditos verificados deverão ser graduados da seguinte forma considerando que:
Os privilégios podem ser mobiliários ou imobiliários, consoante incidam sobre bens móveis ou sobre bens imóveis. Podem ser ainda gerais ou especiais, consoante abranjam o valor de todos os bens móveis ou imóveis existentes no património do devedor ou apenas o valor de determinados bens.
Os privilégios imobiliários especiais conferem o direito a ser pago com preferência pelos demais credores, ainda que possuam crédito com privilégio imobiliário geral, garantido por consignação de rendimentos, hipoteca ou direito de retenção, mesmo sendo tais garantias anteriores – art.ºs 774/1, 748/ a) e 751 todos do Código Civil.
Entre os créditos com privilégio imobiliário especial, deve ser graduado em primeiro lugar o crédito dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial (em igualdade entre si), nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 333 do Código do Trabalho.
Os créditos com privilégio imobiliário geral devem ser graduados logo após os créditos a que se reportam os art.ºs 748 e 749 do Código Civil, ou seja após os créditos garantidos por privilégio imobiliário especial e por hipoteca. Entre o crédito com privilégio imobiliário geral, deve ser graduado em primeiro lugar o crédito da Segurança Social.
E ainda:
Parte do crédito reconhecido originariamente ao B, SA relativamente ao prédio urbano sito em cruz da Pedra e à fracção autónoma C acima melhor identificados nos factos acima dados como provados, goza de hipoteca voluntária.
Os restantes créditos, não assinalados como subordinados pelo SR. Administrador de Insolvência, são comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados).
Relativamente aos bens imóveis, importa ter em consideração, o privilégio imobiliário do trabalhador, a hipoteca e da Segurança Social.
De acordo com o disposto no art.º 733 do Código Civil, privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.
De forma que quanto aos bens móveis a ordem será:
1. o crédito privilegiado do trabalhador único a par com o do Fundo de Garantia Salarial caso relativamente ao mesmo tenha sido pago, e em sub-rogação.
3. os créditos com privilégio do Estado por impostos a par com o crédito do ISS, IP.
4. rateadamente entre si os créditos comuns.
Nos termos do art.º 686 do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Os créditos comuns são pagos na proporção respectiva, se a massa insolvente for insuficiente para a sua satisfação integral (art.ºs 47/4/c) e 176 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e art.º 604/1 do Código Civil).
Assim, os créditos verificados deverão ser graduados da seguinte forma:
1. o crédito privilegiado do trabalhador a par com o do FGS caso tenha sido pago e em-sub-rogação;
2. o crédito garantido por hipoteca, originariamente do B, SA
3. o crédito privilegiado da Segurança Social;
4. os créditos comuns (incluindo o remanescente dos créditos garantidos e privilegiados),
5. os subordinados”.
Como resulta da fundamentação assim exposta, a primeira instância limitou-se à formulação de considerações genéricas, com mera enunciação do regime legal, sem preocupação de concretização em face das particularidades do caso, como se impunha, mas, ainda assim, alcança-se a razão pela qual a Juiz procedeu à graduação em causa, relativamente ao imóvel identificado sob a verba nº 1.
Para essa aferição releva, desde logo, a caraterização que emerge da respetiva identificação, a saber, que se trata de um lote de terreno para construção, o que significa que não tem qualquer edificação – nem a apelante deu nota no processo ou alude no recurso, a qualquer construção aí implantada pela sociedade insolvente –, sendo certo que a sociedade insolvente tinha como objeto a “execução de obras públicas e particulares em todas as modalidades, empreitadas, compra e venda de prédios” [ [1] ]. Sabe-se, também, que o estaleiro da insolvente se encontrava noutro imóvel que não o referido, mais precisamente, no imóvel identificado sob a verba número 3 [ [2] ].
Relativamente ao credor em causa, AM, único trabalhador indicado, nessa qualidade, na lista apresentada pelo administrador da insolvência nos termos do art.º 129.º do CIRE., este carateriza o crédito respetivo (créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação) como gozando de privilégio imobiliário especial, sem qualquer outra acrescida referência. O certo, porém, é que a apelante não apresentou qualquer impugnação relativamente a essa lista, mormente colocando em causa a assunção feita pelo administrador da insolvência quanto à existência do crédito do trabalhador, associando-o a esse tipo de privilégio.
Neste contexto, a conclusão a que chegou a primeira instância, considerando que a fração descrita sob a verba nº 1 do auto de apreensão constitui um “imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade” (art.º 333.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho), encontra a sua ratio, em nosso entender, na orientação mais ampla que vem sendo seguida a propósito do referido privilégio.
Vejamos.
Não está em discussão que se trate de imóvel que constitui o património da devedora, nem está em discussão a adoção da orientação, que atualmente é pacífica, a propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009, diploma em vigor à data da declaração de insolvência (04-07-2011), no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador afeto à sua atividade empresarial.
Os elementos constantes do processo permitem, por um juízo de inferência, considerar que a fração em causa – verba nº1 – estava afeta à atividade da empresa, para o efeito assinalado: o imóvel tem as caraterísticas apontadas, mais precisamente, trata-se de um terreno para construção, sem qualquer edificação implantada, sendo que o objeto social da insolvente é a construção civil. Incumbindo aos credores, trabalhadores, o ónus de alegação e prova da factualidade pertinente, suporte da subsunção jurídica pretendida (art.º 342.º, nº1 do CPC) e não aos demais intervenientes processuais, nomeadamente o ora credor apelante, o ónus de prova do facto contrário, o certo é que, no caso, pelas razões apontadas entende-se estar suficientemente demonstrada a ligação desse imóvel ao objeto da sociedade insolvente [ [3] ]. A argumentação da apelante em sede de recurso não colhe.
Aceita-se a orientação firmada no AUJ do STJ de 23-02-2016 (processo: 1444/08.5TBAMT-A.P1.S1-A, Relator: Pinto de Almeida), em que, estando em causa “saber se são abrangidos por esse privilégio [art.º 377.º, nº1, alínea b) do Cód. do Trabalho de 2003], os imóveis construídos por uma empresa de construção civil insolvente e destinados a comercialização” [ [4] ], o STJ respondeu fixando a seguinte jurisprudência:
“Os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003”.
A Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro aprovou a revisão do Código do Trabalho, dispondo o art.º 333º como segue:
“1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social” (sublinhado nosso).
A alteração de redação não releva para o ponto ora em análise: em face da anterior redação do art.º 377.º do Cód. do Trabalho (de 2003), que esteve na base da apreciação pelo STJ no citado aresto [ [5] ] e da que entrou em vigor com a revisão de 2009 e que ainda atualmente não sofreu alteração, mantem pertinência e, portanto, atualidade, a solução preconizada no AUJ, não se vislumbrando razões para a adoção de entendimento divergente, num quadro normativo que, substancialmente, para o efeito ora em causa, temos por similar (art.º 8.º, nº3 do Cód. Civil) [ [6] ].
No entanto, o caso em apreço não configura hipótese de facto suscetível de motivar a aplicação dessa orientação porquanto não está em causa avaliar da graduação incidindo sobre construção edificada no imóvel descrito nessa verba, ou seja, afinal, sobre o produto da atividade da sociedade insolvente. Aliás, o próprio recorrente indica que se trata de imóvel que se destina a construção para ulterior comercialização (conclusão II) pretendendo, no entanto, estender o juízo valorativo fixado no citado acórdão uniformizador, que incide diretamente – e exclusivamente, acrescentamos – aos “imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização”, àqueles terrenos onde ainda não foi implantada qualquer construção.
Tudo em ordem a concluir que improcede o recurso apresentado.
*
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (art.º 527.º, nº 1 do CPC).
Notifique.
Lisboa, 13-07-2023
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo (declaração de voto)
Profere-se declaração de voto (vencido) nos termos do art.º 663º, nº 1 do CPC por discordarmos do entendimento e decisão que fez vencimento no presente acórdão, opostos aos que lavramos na decisão singular que proferimos em 24.05.2023 no âmbito do processo nº 174/15.6T8LSB-D.L1 e que, aqui como ali, determinariam a procedência do presente recurso, com os seguintes fundamentos:.
1. É jurisprudência atual consensual que na interpretação e definição jurídica do segmento “sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua actividade” do art.º 333º, nº1 do Código de Trabalho o legislador erigiu como critério positivo de delimitação do âmbito daquele privilégio a conexão funcional dos imóveis da entidade patronal com a atividade por ela prosseguida, reconhecendo-o sobre todos os imóveis que, pertencendo ao empregador, fazem parte da estrutura estável da organização produtiva e/ou comercial da entidade patronal, independentemente da localização efetiva do posto de trabalho de cada trabalhador e da concreta função por cada um exercida naquela organização.
2. Assim, o critério de conexão, igualmente adotado pelo AUJ nº 8/2016 de 23 de fevereiro, não é o da ligação do imóvel – terreno para construção civil – ao objeto social da devedora – construção civil -, mas sim a relação funcional daquele no âmbito da organização ou estrutura logística através da qual a insolvente exercia a sua atividade, funcionalidade que restringe o privilégio imobiliário especial aos imóveis que integram o ativo fixo da sociedade, através dos quais prossegue o seu objeto social, justificado pelo dito AUJ nestes termos (subl. nossos): “[…] no caso dos imóveis construídos pelas empresas de construção civil e para efeito de atribuição do privilégio de que estamos a tratar. Existe aí uma evidente ligação naturalística entre a actividade dos trabalhadores (operários) com esses imóveis. Esta ligação, porém, constitui, como se disse, "mero elemento acidental da relação laboral"; é necessariamente transitória e circunscrita no tempo, perdurando apenas durante a execução da obra de construção e dependendo até das funções concretamente exercidas. (…). Ora, no caso da empresa que se dedica à construção civil, os imóveis por esta edificados para comercialização, enquanto não forem vendidos, integram o seu património, mas não essa organização estável de meios com vista ao exercício daquela actividade; representam antes o produto ou resultado desta. Não é nesses edifícios que o trabalhador presta a sua actividade de forma estável e permanente.//Por outro lado, não é essa a situação em que se encontra a generalidade das empresas de outros sectores da actividade económica; nestas, os bens imóveis integram normalmente o seu activo corpóreo fixo (imobilizado), constituindo o suporte físico indispensável à sua actividade. Diferente é o caso dos imóveis edificados pela empresa de construção civil para serem vendidos, uma vez que estes são, como se disse, o produto da actividade desta, integrando sim o seu património, mas apenas transitoriamente, não fazendo parte da organização produtiva estável da empresa.//(…).//Será, pois, àquela situação comum, de os imóveis integrarem o activo corpóreo fixo da empresa, que a norma legal em questão se dirige; não à situação particular dos imóveis construídos para venda, que representam apenas um activo temporário (circulante) da empresa, destinado a uma próxima conversão em disponibilidades.//(…)// Justifica-se assim que, no caso da empresa de construção civil, como nas empresas de qualquer outro sector, o privilégio se estenda aos imóveis que integram a organização empresarial estável a que os trabalhadores pertencem; não aos demais imóveis, que são produto da actividade da empresa. Assim, cessada determinada obra, o trabalhador deixa de prestar aí as suas funções, mas continua ao serviço da empresa, vinculado pelo mesmo contrato de trabalho, mantendo uma ligação funcional estável com os demais imóveis afectos à actividade desta.
3. É matéria assente que a sociedade insolvente tinha como objeto a “execução de obras públicas e particulares em todas as modalidades, empreitadas, compra e venda de prédios”, que a verba nº 1 do auto de apreensão e ao qual reporta a pretensão recursiva deduzida nestes autos corresponde a lote de terreno para, e que o estaleiro da insolvente estava instalado no imóvel descrito sob a verba nº 3, também ele descrito como lote de terreno para construção. Acresce que a verba nº 1 não consta referenciada nos autos – pela devedora, por interessado, ou pelo administrador da insolvência – como instalações ou um qualquer local de apoio à atividade da insolvente, com caráter de estabilidade ou permanência
4. Estes factos revelam que, na economia da atividade da insolvente, a verba nº 1 corresponde a terreno que resultou de operação de loteamento para construção e integra-se no exercício do seu objeto social, de compra e venda de prédios e/ou de construção civil e, assim, destinado ou a alienação ou a implantação de construções para venda e, como tal, correspondente a existências (mercadoria) ou ativo circulante (produto em fabrico), e não a ativo fixo tangível (imobilizado corpóreo) afeto à estrutura estável da organização produtiva da insolvente, sendo que, se esse fosse o caso, teria que constar inscrito e contabilizados sob uma das rubricas Terrenos e recursos naturais e Edifícios e outras construções.
5. Qualificação/afetação que, em conformidade com a interpretação jurídico-legal do local de trabalho ‘imóvel no qual o trabalhador preste a sua atividade” previsto pelo art.º 333º, nº 1 do Código de Trabalho e a jurisprudência assente pelo AUJ nº 8/2016, determina a descaracterização da verba nº 1 como imóvel “local de trabalho”, ou seja, integrante da organização estável de meios através da qual a insolvente exercia a sua atividade, e a sua exclusão do âmbito do privilégio creditório imobiliário do crédito laboral reconhecido pela sentença recorrida, com consequente alteração da graduação por ela definida pelo produto dos mesmos em conformidade com a pretensão recursiva deduzida pela recorrente, de pagamento do seu crédito pelo produto daquele imóvel com preferência sobre o crédito laboral que, relativamente àquele bem, assume vestes de crédito comum.
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] Na petição inicial em que se apresentou à insolvência a devedora indicou que tem centrada a sua atividade “na infra-estruturação de terrenos” (art.º 7º). [2] Assim, consta da factualidade assente a apreensão do seguinte bem:
“VERBA TRÊS
- Lote de terreno para construção, correspondente ao estaleiro da insolvente, sito no lugar da Abóboda, freguesia de São Domingos de Rana e concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º (…), da dita freguesia, inscrito na matriz predial sob o art.º (…), a que se atribui o valor de € 10.000,00 (Dez mil euros)”. [3] A este propósito, cfr. o acórdão do TRL 09-03-2021, processo: 158/13.9TYLSB- U. L1-1 (Relator: Fátima Reis Silva), acessível in www.dgsi.pt., como todos os demais arestos aqui referidos. [4] Lê-se nesse aresto:
“3. A interpretação da norma do art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003, no que respeita ao âmbito de incidência do privilégio imobiliário especial aí previsto – bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade –, não tem sido pacífica.
A par da questão da prova dos respectivos pressupostos, a efectuar pelo trabalhador que pretende beneficiar desse privilégio, que não está aqui em discussão[21], é também controvertido o objecto sobre que incide essa garantia.
A questão coloca-se, em geral, em relação a qualquer empresa: que imóveis são abrangidos pelo privilégio? Todos os imóveis afectos à actividade do empregador? Apenas aqueles imóveis em que o trabalhador tenha exercido efectivamente a sua actividade?
O sector da construção civil levanta um problema suplementar específico, que é o de saber se os imóveis construídos para venda, no âmbito da actividade da empresa, são igualmente abrangidos pelo privilégio imobiliário.
É esta, justamente, a questão controvertida que temos para dirimir. A ela passaremos depois de uma breve referência ao modo como, em geral, é encarado o âmbito de incidência do privilégio referido”.
E, mais à frente:
“4. Assentando nesta base comum, o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento divergem no que respeita à incidência do privilégio imobiliário especial, previsto no art.º 377º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho de 2003, sobre os imóveis construídos pelas empresas de construção civil insolventes, no âmbito da sua actividade, destinados a comercialização.
É este, como se referiu, o cerne da questão que temos para decidir”. [5] A saber:
“1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social” (sublinhado nosso). [6] Cfr. o acórdão do STJ de 27-11-2019, processo:
7553/15.7T8VIS-G.C1.S2 (Relator: Assunção Raimundo), assim sumariado:
“I - A da norma do nº1, al. b), do art.º 333º do CT, pretendendo atribuir uma especial proteção aos créditos salariais, não se concilia com um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da atividade profissional de cada um e do local onde a exercem. Por outras palavras, quando a lei diz que o privilégio imobiliário incide sobre o “imóvel do empregador” no qual o trabalhador preste a sua atividade, está a referir-se à ligação funcional do trabalhador a determinado estabelecimento ou unidade produtiva e não propriamente à localização física do seu posto de trabalho.
II – Da factualidade dos autos, podemos concluir que os três imóveis em relação aos quais se reconheceu vigorar o privilégio imobiliário especial previsto no art.º 333.º, n.º 1, al. b), do Código de Trabalho, não eram, por um lado, destinados à comercialização pela insolvente sociedade de construção civil (ficando, pois, excluídos do âmbito de aplicação do AUJ n.º 8/2016, de 23-2-2016), e, por outro, que se tratando, respetivamente, da sede da entidade patronal, de um armazém de apoio e garagem e, finalmente, de um grande armazém, onde eram depositados materiais e parqueadas viaturas da empresa e onde funcionava a carpintaria e pintura, se encontravam afetos à atividade empresarial da insolvente, à qual, os trabalhadores se encontravam funcionalmente ligados”.