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NULIDADES DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRADIÇÃO
PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário
I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção. III – Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, para ilidir a presunção não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, antes devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida no exercício da actividade, cabendo à entidade beneficiária dessa prestação o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 11852/22.3T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, veio o Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 15º-A da Lei nº 17/2009 de 14 de Setembro e art.º 186º-K do C.P.T., na redacção introduzida pela Lei 63/2013 de 27 de Agosto, intentar a presente acção para Reconhecimento de Existência de Contrato de Trabalho relativo a AA contra Universidade A..., CRL.
Alega, no essencial, que na sequência de uma acção inspetiva desenvolvida pela “Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto”(ACT), constatou-se que a “Universidade A..., CRL.” tinha ao seu serviço aquele trabalhador, a prestar a atividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., em regime de tempo integral, lecionando aulas, avaliando alunos e atendendo-os, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames, integrar a comissão de curso, desenvolver investigação e, desde 01 de abril de 2022, a orientação de estágios, sendo que, anteriormente, já foi responsável por orientações de mestrado.
Essa actividade é prestada obrigatoriamente nas salas de aulas existentes nas instalações da Ré e de acordo com a planificação por esta definida. No desenvolvimento do seu trabalho utiliza equipamentos e instrumentos disponibilizados pela Ré, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
AA cumpre horário de trabalho e observa as horas de início e termo de atividade estabelecidas pela Ré. O número de horas de docência asseguradas pelo trabalhador resultou sempre de determinação da Ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência. Está obrigado ao dever de assiduidade e ao controlo dos tempos de trabalho, devendo justificar a sua falta quando tal ocorrer.
Encontra-se numa situação de dependência e / ou de subordinação, recebendo ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente, reportando os relatórios do final do ano lectivo e esclarecendo as dúvidas ou questões que surjam na sua actividade.
Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de €1500,00, unilateralmente definida pela Ré, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de Agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade. Para tanto, o trabalhador emite, mensalmente, recibo verde electrónico, com a indicação ”Docência”.
Encontra-se inserido numa estrutura hierárquica e organizativa, concretamente no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes.
Foi-lhe atribuído um endereço de correio electrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL. e dispõe de gabinete. Tem acesso à cantina / bar, bem como a uma área reservada a docentes e foi-lhe atribuído um cartão com o logótipo da Ré, que lhe permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, tal como todos os docentes. O seu nome e e a fotografia constam no sítio da Ré, como docente a tempo integral. Está também incluído numa equipa da Ré, na área de gestão da hospitalidade, num projecto da Fundação para a Ciência e Tecnologia
É membro da Comissão Técnico-científica do Departamento de Psicologia e Educação e da comissão de curso. Faz também investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela Requerida.
A atividade profissional de docência prestada por AA para a Ré proporciona-lhe cerca de 80% dos seus rendimentos, pelo que se encontra em situação de dependência económica para a sua subsistência.
AA iniciou funções de Professor Auxiliar para a Ré em 01 de setembro de 2020, tendo celebrado um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente. Em julho de 2021, a Ré comunicou-lhe que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga
horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho.
A Ré nunca lhe propôs a celebração de contrato de trabalho, não obstante todos os docentes a tempo integral estarem vinculados por tal tipo de contrato.
Por carta registada, a Autoridade para as Condições do Trabalho (Centro Local do Grande Porto) procedeu à notificação da Ré, para, no prazo de dez dias, proceder à regularização da situação do trabalhador, ou para se pronunciar, mas esta não a regularizou.
Foi apensada a acção de igual natureza contra a mesma entidade relativa a BB
Citada, a requerida apresentou oposição, pugnando pela improcedência da acção.
Contrapõe, no essencial, que os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre o Prestador e a Cooperativa foi de trabalho subordinado, a tal qualificação opondo-se, desde logo, o clausulado no instrumento jurídico outorgado, ao qual foi atribuída a designação de Contrato de Prestação de Serviços e donde não consta a mínima referência à sujeição do Prestador ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa, antes resultando diversamente do conteúdo do seu clausulado. Sendo o Prestador um docente universitário e a Cooperativa uma cooperativa de ensino, nada permite concluir que as partes outorgaram num contrato distinto daquele que realmente pretendiam celebrar.
Alega não resultar dos autos que o Prestador estivesse sujeito a um horário de trabalho, pois podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis. Não foi acordado entre o Prestador e a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se disponível para lhe prestar serviço. A distribuição do serviço docente ao Prestador e a calendarização das avaliações eram feitas com o seu acordo, considerada a sua disponibilidade.
No que à remuneração respeita, foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do Prestador, pagos em 12 prestações, e não em 14 prestações ano. A Cooperativa submete os honorários pagos ao Prestador ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
As instalações e os equipamentos que a Cooperativa colocou à disposição do Prestador, são de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojetores; o Prestador nunca teve equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo. Sendo a atividade prestada a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino.
A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada.
A Cooperativa não exerce qualquer controlo de assiduidade ou de pontualidade do Prestador, nem exerceu quaisquer prerrogativas disciplinares sobre ele. O Prestador não integra a estrutura organizativa da Cooperativa; acontece é que foi contratado para prestar serviço de docência, lecionando uma determina UC, num determinado Departamento.
O Prestador é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Com base na análise do seu CV atualizado, remetido pelo Prestador à Direção do Departamento, em 13/04/2022, é possível constatar que, desde essa data e até ao momento atual, aquele não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica
Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica. Não é reportada experiência de conceção, ou de coordenação de projetos pedagógicos, ou de elaboração de materiais pedagógicos. O seu trabalho de orientação científica e académica é parco: orientação de 10 dissertações de mestrado entre os anos de 2011 e 2014. Não são, ainda, identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 8 anos. Não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior. A atividade como membro de júri de provas académicas é parca: participação em três provas entre os anos de 2009 e 2010.
Razão pela qual foi emitido Parecer pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade A..., CRL. (cf. https://...A....pt/.../.../ reitoria/...), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022”.
A necessidade de adotar uma “carreira paralela” à do ensino público, juntamente com as exigências insistentemente expressas pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não - acreditação de cursos, justificará que a Cooperativa privilegie a contratação de doutorados em tempo integral, com produção científica, em detrimento de não- doutorados ou de doutorados que não exibam atividades de investigação.
Razão pela qual, não poderia e não pode ser celebrado um contrato de trabalho com este Prestador por não reunir os requisitos constantes da legislação, bem assim como do Estatuto da Carreira Docente Universitária para fazer parte do corpo docente próprio (docentes de contrato sem termo).
Conclui pugnando pela improcedência das acções.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais. I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto considerada indiciariamente provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte: -«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, consequentemente: - reconheço a existência de um contrato de trabalho entre AA e a ré, desde 1/09/2020; e - no mais, absolvo a ré do pedido contra ela formulado. Custas a cargo da ré quanto ao pedido relativamente ao qual decaiu, estando o MP isento das que a si cabiam. Valor da acção: 4.000€. Notifique, incluindo a ACT e o Instituto de Segurança Social, IP (artigo 186.º-O, n.º 9 do CPT).
[..]». I.3 Inconformado com esta sentença, a requerida interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.
As alegações foram finalizadas com conclusões, mas na consideração de as mesmas as serem prolixas – “ bastando ver que num requerimento com o total de 223 páginas, a partir da página 120 constam as conclusões, num total de 261” -, não cumprindo as exigências legais de síntese, pelo aqui relator foi proferido despacho, nos termos do n.º 3, do art.º 639.º do CPC, convidando a Recorrente a reformula-las, suprindo a deficiência apontada, sob pena de se não se conhecer do recurso.
No prazo legal, a recorrente veio apresentar as conclusões reformuladas que seguem:
Sem prescindir das nulidades invocadas separadamente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 77º, n.º 1, do CPC, e para a hipótese de serem julgadas improcedentes, e porque não se conforma a Recorrente com a totalidade da decisão preferida, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, que resultou na decisão de julgar procedente a providência cautelar, ora em crise.
A) DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 70º, N.º 2, DA CRP, E ART. 30º, N.º 2, DO RJIES.
I) Importa ter presente a seguinte fundamentação de direito:
“… Aliás, a defesa da ré não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica.
Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da Ré enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a Ré.
Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários.
Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos. …”
II) Os contratos celebrados com os docentes do ensino superior são contratos atípicos, que contemplam especificidades, necessidades, direitos e deveres, quer do sector, quer do empregador, quer do colaborador, de modo a responder com dignidade, qualidade e legalidade a todos os requisitos que se impõem a uma boa prestação de serviços na área da transmissão dos conhecimentos e que não se compadecem com os princípios gerais impostos pelo contrato de trabalho, nomeadamente, a subordinação jurídica pura (por oposição à autonomia científica de um docente), razão pela qual a Recorrente, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis), precisamente para ilustrar as especificidades do contrato de docência, que a decisão ora em crise abstraiu pura simplesmente.
III) Esta decisão ao impor à Entidade Instituidora (Cooperativa) do Estabelecimento de ensino (Universidade A..., CRL.) que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica e viola igualmente o art. 30º, n.º 2, do RJIES, mas também no art. 76, n.º 2, da CRP, violação que aqui se invoca, com todas as cominações legais.
B) NULIDADE POR NÃO ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFICAM DECISÃO.
IV) Sem prescindir, na fundamentação encontramos referencia a documentos nos seguintes termos:
“…, depoimentos que foram conjugados entre si e com os documentos juntos aos autos. … ; …, tendo os seus depoimentos sido conjugados com os documentos juntos com a contestação (curriculum vitae, relatórios bibliométricos e documentos 9 e 10); … ; …Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram, nem dos documentos juntos, nem do depoimento das testemunhas, …”
V) Pese embora esta referência genérica aos documentos, não encontramos uma valoração concreta dos documentos juntos pela Recorrente, nem dos testemunhos prestados, nem tão pouco qual, ou quais deles, serviram para sustentar concretamente cada um dos factos dados como provados e não provados, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea b), 616º, n.º 2, alínea b), do CPC, constitui umas das causas de nulidade da sentença que aqui expressamente se invoca com todas as consequências legais.
C) DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO NO SEU TODO
VI) Compulsada a decisão, e salvo melhor opinião, resulta que na fundamentação da sentença, a Julgadora apesar de indicar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, não analisa criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não indica quais os factos que eventualmente foram admitidos por acordo e, não indica quais os factos que eventualmente foram provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
VII) Violando expressamente o disposto no art. 607, n.º 4, do CPC, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, constitui umas das causas de nulidade da sentença que aqui expressamente se invoca com todas as consequências legais.
Acresce que,
VIII) Na sentença a Julgadora nos factos dados como provados insiste sempre em colocar o seguinte facto: “investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT”, apesar de a mesma Julgadora dar como provados os factos MM), NN), OO), PP), TT), UU), VV), WW), XX) e, sem aparecer em lado algum qualquer facto ou documento que demonstre investigação feita e desenvolvida efetivamente por AA no REMIT.
IX) Mesmo considerando válido e credível o depoimento de CC, a Julgadora não dá como provado o teor do seu parecer na íntegra, pelo contrário, acrescenta factos alheios a este e igualmente alheios aos factos alegados na contestação, nos correspondentes factos dados como provados.
X) Tendo presentes os art. 68º, 74º, 75º, da Contestação e, os factos dados como provados LL), RR), conclui-se que a Julgadora não se limita a reproduzir os factos alegados, quer pelo Autor, quer pela Ré e concluir os mesmos como provados e não provados, vai mais longe pois, conforme entende, a Julgadora altera a redação desses factos introduzindo-lhe outros factos, criando novos factos, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, constitui umas das causas de nulidade que aqui expressamente se invoca com todas as consequências legais.
D) DA CONTRADIÇÃO DA DECISÃO PROPRIAMENTE DITA
XI) Neste processo temos dois colaboradores a prestar serviço nas mesmas condições (bastando para o efeito compulsar o teor dos respetivos requerimentos iniciais), no entanto, no caso do BB considerou-se que existia um contrato de prestação de serviços e, no caso do AA, considerou-se que existia um contrato de trabalho, isto apesar de os factos dados como provados para ambos os Colaboradores, serem em tudo idênticos.
XII) O principal ponto diferenciador e no qualquer assentou esta diferente classificação resume-se à “disponibilidade”
a) Ou seja, no caso do BB entendeu-se que:
“… para que se possa considera estarmos perante um contrato de trabalho, afigura-se-me que o fato de a distribuição do serviço relativo à leccionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido e as unidades curriculares que BB leciona serem definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade, afasta aquela subordinação. …” (Sublinhado nosso)
b) Já no caso do AA entendeu-se que:
“… Já quanto a AA, apesar de este ter confirmado esse contacto prévio, a verdade é que não comunicou qualquer indisponibilidade, tendo posteriormente recebido o horário de aluas e vigilâncias definido pela ré.
…
Quanto ao que vem referido em 12 e 13, chamando-se a atenção para o facto de as testemunhas DD e EE terem feito alusão ao contacto que era feito com todos os professores da universidade, não conseguindo explicar o que aconteceria se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora, como acima se disse, a testemunha AA nunca reportou qualquer indisponibilidade, tendo recebido o horário que lhe foi atribuído pela Universidade. …” (Sublinhado nosso)
XIII) Assim, se AA sempre esteve disponível para as propostas que lhe foram apresentadas deveria ser o seu vínculo igualmente considerado como prestação de serviços, o que configura uma contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
E) DA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Sem prescindir, compulsada a matéria dada como provada resulta que existe contradição entre os seguintes factos:
XIV) Foram dados como provados os factos Z), AA) LL), RR) c).
No entanto, se compulsarmos os factos dados como provados em MM), NN), OO), PP), TT), UU), VV), WW), XX), dá-se como provado que o mesmo AA não desenvolve qualquer investigação, nem faz parte como membro integrado e membro nuclear de qualquer centro de investigação, mas nos factos dados como provados Z), AA), LL) RR) c), a Julgadora considera dado como provado que AA desenvolve e faz investigação no REMIT.
Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
XV) Foi dado como provado o facto E):
No entanto, na fundamentação da sentença, considerou-se o seguinte:
“Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente. …” (Sublinhado nosso)
XVI) Ou seja, por um lado a Julgadora considera como indício da existência de um contrato de trabalho o referido no art. 12º, a), do CT mas, por outro lado, reconhece que a atividade de docência não poderia ser exercida doutra forma, contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
F) DA CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS E FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS
XVII) Foi dado como provado o facto O):
No entanto, foi igualmente dado como não provado o facto 12), ou seja, por um lado é dado como provado que AA durante o mês da Agosto não exerce qualquer atividade, e por outro lado é dado como não provado que o mesmo AA durante as férias escolares não prestava qualquer serviço à Cooperativa, contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais.
G) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E NÃO PROVADA
Sem prescindir, PRETENDE-SE IMPUGNAR OS SEGUINTES FACTOS DADOS COMO PROVADOS E QUE, NO ENTENDIMENTO DA RECORRENTE DEVEM SER CONSIDERADOS COMO NÃO PROVADOS, no que concerne apenas e só a AA.
XVIII) Foi considerado como facto assente o E).
No entanto, na fundamentação da sentença, considerou-se o seguinte:
“… Acresce que aquele prestava a sua actividade em local pertencente à ré - nas salas de aulas existentes nas instalações da Ré, na Rua ..., ..., no Porto.
Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente. …”
XIX) Ou seja, por um lado a Julgadora considera como indício da existência de um contrato de trabalho o referido no art. 12º, n.º 1, a), do CT, mas por outro lado, reconhece que a atividade de docência não poderia ser exercida doutra forma, a que acresce o facto de, como é do conhecimento geral, esta atividade compadeceu-se, durante mais de um ano de pandemia, com o ensino á distancia, em que AA exerceu a sua atividade fora das instalações da A..., CRL. e utilizando todos os meios que não os da A..., CRL..
XX) Conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_ 16221045 _2871475), referiu que:
“00:24:25 Procuradora MP
Normalmente as aulas são dadas na Universidade, certo? As aulas são lecionadas nas instalações da Universidade?
00:24:32 AA
Sim, tirando na altura da pandemia, que eram online. …” (Sublinhado nosso)
b) FF (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748_16221045_2871475), referiu que:
“00:08:52 Mandatário da Ré
Também podem fazer visitas de estudo?
00:08:54 FF
Sem dúvida.
…
00:08:58 FF
Podem, há muitos a propor visitas de estudo.
00:09:00 Mandatário da Ré
Não estão obrigados a dar aulas exclusivamente nas salas de aula?
00:09:05 FF
Na Universidade. Depende da unidade curricular que lecionam. Muitos têm visitas de estudo, variadíssimas. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XXI) Foram considerados como factos assentes o F), G):
No entanto, na fundamentação da sentença, pode ler-se o seguinte:
“… Mais resultou provado que AA prestava a sua actividade com instrumentos fornecidos pela ré - canetas, data-show e quadro, sendo que a este respeito logrou a ré provar os equipamentos ou instrumentos que utilizava não era para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, sendo que o gabinete que usava era partilhado, factos que não se me afigura que afastem o funcionamento daquela presunção. …” (Sublinhado nosso)
XXII) Ora, o uso pelo AA do seu computador pessoal reveste-se de especial importância, dado ser o seu instrumento de trabalho por excelência, com o qual:
a) Preenche os sumários no ...;
b) Preenche a ficha da unidade curricular;
c) Responde as dúvidas dos alunos colocadas por esta via;
d) Tem, toda a matéria a lecionar ali compulsada;
e) Lança as notas;
f) E essencialmente, permitiu-lhe dar horas fora da universidade á distancia, como aconteceu durante a pandemia.
XXIII) Conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045 _2871475) este, referiu que: “00:24:32 AA: Sim, tirando na altura da pandemia, que eram online. …” (Sublinhado nosso)
XXIV) Para além das referidas “canetas, data-show e quadro”, não vislumbramos que materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho, utilizaria AA e de que forma, por si só, indiciam a existência de um contrato de trabalho.
XXV) Sem esquecermos o facto dado como provado H), atendendo aos registos de entrada do cartão de AA juntos aos autos no início da audiência de julgamento e, desvalorizados pela Julgadora, concluímos que a sua permanência nas instalações da Universidade de resumia ao período de aulas e atendimento aos alunos, sendo o restante trabalho enquanto docente, realizado com os seus próprios instrumentos (por exemplo, o computador pessoal, material didático, internet, eletricidade, …) fora das instalações da Universidade.
Termos em que devem estes factos ser dados como não provados.
XXVI) Foram considerados como factos assentes I), J).
No entanto, na fundamentação da sentença, resulta que se considerou o seguinte:
“… Importa aqui fazer a ressalva, quanto ao acordado com BB quanto ao horário em que as aulas iam ser dadas, pois que as testemunhas DD, EE referiram que todos os professores eram previamente contactados para saber se algum dia ou hora em que não pudessem leccionar, o que foi confirmado por BB, que indicou um determinado período de indisponibilidade, tendo o mesmo sido respeitado.
Já quanto a AA, apesar de este ter confirmado esse contacto prévio, a verdade é que não comunicou qualquer indisponibilidade, tendo posteriormente recebido o horário de aulas e vigilâncias definido pela ré. …” (Sublinhado nosso)
XXVII) Assim, se está provado que AA foi previamente contactado para aferir da sua (in)disponibilidade, nunca poderia a Julgadora dar como assente que o horário deste docente era imposto pelas Ré.
XXVIII) Conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545 _16221045 _2871475):
“00:10:53 AA
Sim, eu é que sugeria, porque em princípio, tinha combinado com os alunos?
…
00:10:57 AA
Sim, a ideia é um pouco sempre essa. Amanhã não posso vir por isto qualquer. Quando é que vocês podem? Qual é o vosso horário? Têm aquele dia, aquela hora folga, então combinamos aqui. Quando enviava esse formulário, normalmente já estava combinado.
00:21:46 AA
Sim. O horário, como é que elas se distribuem durante a semana. É determinado pela Universidade. Normalmente é enviado um e-mail pela coordenadora, pergunta se algum professor por acaso tem algum impedimento de 1 dia da semana, que queira referir antes de começarem a fazer os horários. …
Eu nunca fiz nenhum tipo de exigência. …” (Sublinhado nosso)
b) DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“00:02:10 DD
Por exemplo, solicitar aos docentes datas das provas de avaliação. Tem que ser os docentes a comunicar à coordenação as suas propostas, datas de avaliação.
…
00:02:30 DD
Sugere, portanto, a primeira, à partida nós tentamos cumprir com as sugestões dos docentes. Eles é que sabem mais ou menos como é que funciona a disciplina e, portanto, quando serão, quando deverão ser os momentos de avaliação. ...
00:03:20 DD
É um procedimento ainda longo, portanto, inicialmente é solicitado aos docentes para apresentarem as suas indisponibilidades. …” (Sublinhado nosso)
c) EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657 _16221045_2871475):
“… 00:27:35 Mandatário da Ré
Não é a professora que impõe uma carga horária?
00:27:38 EE
Não. … É o que está estipulado no curso. Agora, o que cada docente, quer o caso dele, quer o caso de outros, eu quando começo a fazer distribuição de serviço, falo docente a docente para perceber se estão disponíveis para aquela carga horária, se estão disponíveis para aquelas disciplinas, se querem mudar, se quer, ou seja, esta é sempre uma conversa tida. Mas eu faço isso com todos os docentes, sempre sim.
00:29:02 Mandatário da Ré
Tudo isto é algo que decorre da legislação, que regula o Ensino Superior, que impõe aquilo que determinado curso funcione de determinada maneira e que respeite determinados critérios.
00:29:17 Mandatário da Ré
A compensação não é imposta pela Professora?
00:29:20 EE
Não. …” (Sublinhado nosso)
d) CC (cujo depoimento se encontra registado – 20221130150007_16221045_2871475):
“… 00:15:20 Mandatário da Ré
Nos contactos e depois no desempenho das funções propriamente dita, o horário de trabalho e as UCs, já me disse que são por acordo, isso acontece anualmente?
00:15:37 CC
Sim, há uma distribuição de serviço docente que é proposta e revista anualmente, sim.
…
00:15:44 CC
A nossa Universidade tem, portanto, tem sempre esta atualização, todos os anos tem que fazer atualização da distribuição, porque por causa de horários e, claro, alguns ajustes que têm que ser feitos. A Universidade tipicamente abre espaço para que os docentes manifestem indisponibilidade para a docência em algum bloco horário porque, precisamente por causa da colaboração em projetos de investigação e prestação de serviços à comunidade. A Universidade, antes da elaboração dos horários, pergunta aos docentes se existe algum bloco horário onde não tem disponibilidade para docência. …
00:17:30 Mandatário da Ré
É possível ser docente universitário sem participar em reuniões do Conselho do Departamento, reuniões com colegas que lecionem, por exemplo, a mesma UC?
00:17:44 CC
É muito difícil isso acontecer.
00:36:05 CC
Os docentes fazem a vigilância dos seus próprios exames. Tipicamente podem ter o auxílio, se forem turmas grandes. Podem ter auxílio de outros colegas e tipicamente têm.
00:43:35 CC
Sim. E temos, em inclusive cursos que não têm aulas à sexta-feira, precisamente por causa disso. A carga horária é concentrada nos 4 dias.
…” (Sublinhado nosso)
Termos em que devem estes factos ser dados como não provados.
XXIX) Foi considerado como facto assente K).
Porém, conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“…
00:15:30 Procuradora MP
Mas, em termos de controlo de entrada ou permanência na Universidade dos professores há algum tipo, sei lá, de livro de ponto de entrada e saída dos professores. Não têm nada disso? Registo do horário não existe?
00:15:38 DD
Não, não temos nada disso. Não, nada. É só o registo de entrada e saída da aula, isso sim. Ao sair, entregamos a folha. Recolhemos e entregamos.
…” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XXX) Foi considerado como facto assente L).
No entanto, dos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545 _16221045_2871475) este, referiu que:
“… 00:09:32 AA
Nós tínhamos sempre de repor as aulas, portanto, mesmo que eu faltasse, julgo que ninguém me tirava, na medida em que eu tinha que repor. A verdade para mim é verdade para qualquer colega, independentemente do tipo de contrato que tinha.
…
00:10:17 AA
Não, tínhamos que, por exemplo, se eu soubesse que tinha uma consulta amanhã: havia um formulário que eu preenchia, dizia qual era o dia, qual era a aula que estava em causa, que eu ia faltar. Isso era verdade para todos os professores. …” (Sublinhado nosso)
b) DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“…00:07:35 Procuradora MP
Tem que justificar de alguma maneira. E substituir depois, se faltaram um tempo letivo, tem que substituir, tem que dar essa aula noutra altura?
00:07:43 DD
Sim, porque nós temos que cumprir com as horas de contacto, que é o que está na nossa ficha da unidade curricular. ...
00:07:59 Procuradora MP
Certo, mas se há X horas presenciais, digamos assim, o aluno tem direito a receber aquelas horas, e o professor tem que as lecionar.
00:08:06 DD
Precisamente. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XXXI) Foi considerado como facto assente M):
No entanto, conforme se alcança dos esclarecimentos prestados em audiência por DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“00:11:01 DD
A Comissão de Curso é um órgão consultivo. O objetivo é haver uma proximidade maior entre os alunos e a coordenação no fundo. …
Normalmente fazemos no primeiro ano, no início do ano, ... Essa reunião do primeiro ano é um bocadinho mais para, por exemplo, para aprovar as fichas de unidade curricular, portanto, no fundo é olhar para as fichas, as tais fichas que nós colocamos o programa da cadeira, o tipo de avaliação, pedimos aos alunos para verem também.
00:12:01 Procuradora MP
E também aos membros da comissão?
00:12:03 DD
E aos membros da Comissão, sim. Nós solicitamos para todos darem uma revisão nessas fichas da unidade curricular. Propostas de melhoria para o curso, em função, por exemplo, do decorrer das aulas se há alguma sugestão dos professores. Por exemplo, deixe-me ver se me lembro de alguma. As salas, as condições das salas, se a obrigatoriedade de presenças dos alunos nas aulas é benéfica ou não, e os alunos também dizem isso. [impercetível] seminários, aulas mais práticas, claro.
…
00:12:48 Procuradora MP
É obrigatória a participação ou é só aconselhável?
00:12:51 DD
É que eu acho que é aconselhável, não é obrigatório. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XXXII) Foram considerados como factos assentes N), HH), II):
Quanto às “ordens” alegadamente recebidas por AA, não encontramos na sentença a identificação de uma concreta ordem emanada pela Ré, tratando-se por isso de uma afirmação vaga e genérica inconsistente, sem qualquer sustentação fática para esta conclusão, dado que a Julgadora não refere em que depoimentos em concreto e em que documentos em que se sustentou para dar como provadas as alegadas “ordens”.
XXXIII) Basta para o efeito atendermos aos esclarecimentos prestados em audiência por AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_ 16221045_2871475):
“… 00:25:42 Procuradora MP
E em termos de intervenção hierárquica na sua forma de trabalhar, havia alguém de quem dependesse hierarquicamente? Depender, uma dependência relativa, já sei que é professor universitário. Mas havia alguém a quem prestasse contas do seu trabalho, que lhe pudesse chamar a atenção?
…
00:26:06 AA
Sobretudo, é a pessoa com quem eu tinha mais interações no quotidiano. Imagine que eu não respondia. Isso aconteceu uma vez, lembro-me que não respondi atempadamente a um aluno ansioso, porque queria uma resposta qualquer sobre o exame que ia ocorrer. Não respondi logo, porque se calhar tinha muitas coisas para fazer. Esse aluno mandou e-mail para a professora DD: “O Professor não me responde. O que é que se passa?” e a Professora ligou-me ou mandou um e-mail “Ó AA, o que se passa com este aluno? Ele está a queixar-se de que não lhe respondes.”. “Ok, DD, desculpa, mas eu não vi.” Portanto, era a pessoa que de algum modo exercia esse papel de autoridade mais direta sobre estas coisas.…” (Sublinhado nosso)
XXXIV) Já no auto de declarações de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial (fls. 60), podemos ler o seguinte:
“… Quando questionado sobre quem decidiu as unidades curriculares que o declarante haveria de lecionar… Na entrevista de seleção, o declarante já tinha indicado as áreas em que se sentia mais à vontade. …” (Sublinhado nosso)
XXXV) No entanto, na Fundamentação da sentença, podemos ler:
“… Também quanto às disciplinas a leccionar, por BB – e ao contrário do outro professor - foi relatado o convite que lhe foi dirigido, na sequência do qual veio a dar aulas na ré. …” (Sublinhado nosso)
XXXVI) Note-se que, nos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“… 00:19:01 DD
As unidades curriculares que vão lecionar. Não há propriamente uma escolha quando normalmente, mas vamos supor que há a necessidade de ter um docente para dar uma determinada unidade curricular. Os currículos que chegam à Universidade, são filtrados, penso eu que isso essa parte é da Direção do departamento, em função da experiência que o docente tem. …
Por exemplo, a unidade concreta do Professor AA, Competências Comportamentais, nem sei se existe com esta designação. Mas a área científica, é em função disso que os currículos são analisados, portanto, normalmente quando é oferecida, a pessoa tem essa. Eu acho que isto é um acordo que, no meu caso, eu entrei como assistente. Portanto, fui com uma área que já gostava. Foi-me proposta.
…
00:20:16 DD
Foi-lhes proposta.
00:20:20 DD
A necessidade que existia era para estas unidades curriculares. É proposto. Acho que ninguém pode impor: “Olhe o Sr. agora vai dar esta cadeira”. Se eu não estiver preparada. A mim, nunca me aconteceu. Eu já dei várias unidades curriculares, foi-me proposto dar aquela unidade curricular.
00:20:32 Procuradora MP
Se fosse para outra que não estava preparada, não iria?
00:20:34 DD
Com certeza. …” (Sublinhado nosso)
b) EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_16221045_2871475):
“”… 00:04:25 EE
Nós, sim, os diferentes Diretores de Departamento. Percebemos o perfil dos docentes que temos. ... Se for uma disciplina nova ou uma disciplina que num determinado momento nós não tenhamos docente ou porque o docente, foi-se embora ou tentamos olhar para os diferentes currículos e manifestações de interesse que tínhamos recebido, para tentar perceber qual seria o currículo mais enquadrado, tendo em consideração quer a experiência letiva, mas também a investigação nessa área porque é relevante.
…
00:06:28 EE
… Porque no início de cada ano é pedido no próprio sistema para cada docente dizer se está disponível ou não num determinado período, para que esse período não seja considerado na própria construção do horário e depois as salas são atribuídas de acordo com essa especificidade. …
E a carga horária é proposta ao docente?
00:27:29 EE
Sim.
00:27:29 Mandatário da Ré
E ele, de acordo com a sua disponibilidade aceita, ou sugere alterações?
00:27:34 EE
Sim.
…
00:27:38 EE
… Agora, o que cada docente, quer o caso dele, quer o caso de outros, eu quando começo a fazer distribuição de serviço, falo docente a docente para perceber se estão disponíveis para aquela carga horária, se estão disponíveis para aquelas disciplinas, se querem mudar, se quer, ou seja, esta é sempre uma conversa tida. Mas eu faço isso com todos os docentes, sempre sim.
00:29:17 Mandatário da Ré
A compensação não é imposta pela Professora?
00:29:20 EE
Não. …” (Sublinhado nosso)
c) CC (cujo depoimento se encontra registado – 20221130150007_16221045_2871475):
“00:03:02 CC
Em primeiro lugar, identificam-se necessidades. … Nós recebemos muitos CVs de forma espontânea, mas também realizamos uma abertura, uma chamada de interesses. Sim, um anúncio para recebermos propostas de interessados em colaborar com a Universidade. … Após essa seleção, se quisermos, uma primeira seleção, marcamos entrevistas com a pessoa para poder conhecer um pouco melhor. Apresentamos aquilo que também, que é o nosso projeto educativo, o que é que se poderia propor em termos de trabalho, o que é que esse projeto seria. E depois disso, o Diretor do Departamento faz uma proposta à Reitoria e ao Conselho Científico daquele perfil científico, justifica e essa proposta é levada, então à apreciação colegial no Conselho Científico, que é composto por colegas que integram os vários departamentos da Universidade e os elementos da Reitoria também que, no fundo, dão um parecer favorável ou não àquela proposta do Diretor do Departamento, a respeito. Tendo a aprovação do Conselho Científico, então depois passa para tudo aquilo que é um processo mais administrativo para os recursos humanos e, portanto, a partir daí, leva uma outra vida. ….
00:05:46 Mandatário da Ré
Nesse contato é abordado com o docente a questão relativa à carga horária e às UCs que virão a ser lecionadas por ele?
00:05:55 CC
Sim.
…
00:18:54 Mandatário da Ré
É natural que, por exemplo, enquanto Diretora dê algumas diretrizes aos docentes, independentemente do vínculo?
00:19:04 CC
Sim, porque, portanto, quando nós submetemos um curso para apreciação e para avaliação pela Agência que nos credita, que nos habilita a abrirmos aquele curso durante um período máximo de 6 anos. Portanto, nós estamos sempre a ser avaliados.
…
00:39:45 Procuradora MP
Sabe se o Professor AA alguma vez foi sujeito à avaliação de desempenho?
00:39:51 CC
Que eu tenha conhecimento, não. ….
00:39:58 Procuradora MP
E seria a Sra. Testemunha a fazer essa avaliação de desempenho?
00:40:01 CC
Sim, seria eu, sim. …” (Sublinhado nosso)
d) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545 _16221045_2871475):
“… 00:38:07 Mandatário da Ré
Muda, e muito. O Professor está a aqui a dizer que a Universidade o obriga a dar aulas e a substituir. E não é a Universidade que o obriga a substituir. Isso consta do programa.
00:38:14 AA
Pronto. Muito bem. Concordo consigo.
…” (Sublinhado nosso)
XXXVII) Do auto de declarações de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial (fls. 61), podemos ler o seguinte:
“…
Questionado sobre se recebe orientações ou instruções da sua chefia, designadamente quanto aos conteúdos programáticos a assegurar e ao nível dos métodos pedagógicos e de avaliação a utilizar, declarou … Os conteúdos da unidade curricular estão previamente aprovados pelo Ministério (A3ES), o docente tem a liberdade de adaptar os conteúdos. Nada lhe é determinado quanto ao demais. …” (Sublinhado nosso)
XXXVIII) Conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_ 16221045_2871475):
“… 00:18:02 EE
O regulamento pedagógico toda a gente tem que cumprir, os alunos, os docentes, todos nós temos que cumprir. O regulamento pedagógico, no fundo, são as diretrizes, de todos os aspetos, da vida dentro da Universidade, na parte, desde a avaliação dos trabalhos, a forma como tem que apresentar, desde se o aluno falta uma prova, o que é que deve ser. O nosso regulamento está disponível também no site, se por acaso. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, devem estes factos ser dados como não provados.
XXXIX) Foi considerado como facto assente O):
No entanto, conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por FF (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748_16221045_2871475):
“…
00:02:31 FF
Porque faço parte dos Recursos Humanos, portanto, as contratações passam pelos Recursos Humanos, no caso dos docentes após indicação da reitoria, os Recursos Humanos chamam os candidatos para fazer a proposta do tipo de contrato numa pequena entrevista. E depois disso, é formalizado a parte seguinte.
00:02:54 Mandatário da Ré
Com estes dois docentes houve essa indicação da Reitoria, da parte académica e depois a formalização foi levada a cabo pelos Recursos Humanos e a negociação nos termos do contrato?
00:03:10 FF
Sim.
..
00:03:15 FF
O tipo de contrato é proposto.
00:03:16 Mandatário da Ré
Ou foi imposto?
00:03:18 FF
Não, Sr. Dr. O tipo de contrato é proposto nessa pequena entrevista. E depois, a seguir, vai um e-mail, em linhas gerais, exatamente no mesmo sentido e dando ao candidato o aval, depois é enviada a minuta, ou vem lá presencialmente assinar, se é um contrato de trabalho a termo ou se é um contrato de prestação de serviços.
00:03:42 Mandatário da Ré
Portanto, o tipo de contrato também foi negociado e as cláusulas e os honorários, tudo isso é acordado?
00:03:46 FF
Sim, sim.
00:03:52 Mandatário da Ré
No contrato de prestação de serviços, que nós temos aqui, as cláusulas foram negociadas e as obrigações foram as negociadas, por isso é que ficaram aqui escritas, os docentes aceitaram o que está aqui escrito?
00:04:07 FF
Os docentes aceitaram e assinaram, sim.
…
00:14:10 Juíza
Nada? Olhe, diga-me uma coisa, a Sra. participou em alguma das negociações destes contratos?
00:14:16 FF
Sim, Sra. Dra.
00:14:20 Juíza
De qual?
00:14:21 FF
De um e de outro. Porque eu faço parte Recursos Humanos, normalmente estou presente na entrevista juntamente com a Sra. Diretora de Recursos Humanos.
00:14:29 Juíza
Então o quê que lhes foi dito?
00:14:31 FF
Exatamente, foi-lhe apresentada a proposta que os Recursos Humanos recebem da Reitoria com as necessidades. É apresentada a proposta.
00:14:35 Juíza
Como é que era essa proposta?
00:14:36 FF
Nesses dois casos em concreto, um contrato de celebração de prestação de serviços, para X horas, agora não sei de cor, X honorários contra a apresentação de recibo verde, para X tempo iniciar ou no início do ano letivo ou no início de semestre. Têm-se ali uma conversa. O professor, o candidato aceita, de seguida nós formalizamos um e-mail com os tópicos, aguardamos a resposta, o feedback é positivo, mandamos a minuta do contrato e o professor depois vem assinar presencialmente.
…
00:15:29 FF
Com a Universidade, não. O primeiro contacto com a Universidade é pela área académica, portanto os Diretores de Departamento, anualmente entregam à Reitoria as necessidades que têm. E, portanto, o primeiro contacto com o docente tem é que os Diretores de Departamento e com a Reitoria.
…
00:15:48 FF
A parte académica. Eventualmente a carga horária, sim, porque o departamento é que sabe quantas horas necessita do docente.
00:15:50 Juíza
Mas os valores?
00:15:52 FF
Em termos de valores e tipo de contrato, passa para os Recursos Humanos.
…” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XL) Foi considerado como facto assente U).
No entanto, dos esclarecimentos prestados em audiência por EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_ 16221045_2871475):
“… 00:31:19 Mandatário da Ré
No que diz respeito ao cartão e parque de estacionamento, a política da Universidade, neste caso da Cooperativa, acho eu, é de conceder o acesso a todos os colaboradores, independentemente do vínculo?
00:31:32 EE
Pois sim, sim. Todos os meus docentes, independentemente de estarem de uma forma ou de outra, toda a gente tem cartão, pode usar o parque, etc. Sim.
…” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XLI) Foi considerado como facto assente W):
No entanto, conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_ 16221045_2871475):
“… 00:31:42 Mandatário da Ré
E também, não sei se tem conhecimento que todos eles receberam um cabaz de Natal?
00:31:47 EE
Eu acho que sim, mas não estive a fazer esse controlo, mas sim por nós. Estava ali para as pessoas irem levantar por isso.
00:31:54 Mandatário da Ré
Portanto, não há uma distinção?
00:31:57 EE
Nesse tipo de coisas, não. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado.
XLII) Foi considerado como facto assente Y):
No entanto, de atendermos aos esclarecimentos prestados em audiência pelo mesmo AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045_2871475):
“… 00:33:55 Procuradora MP
Não faz mal. Então diga-me outra questão, que esta deve-se lembrar: em termos de rendimentos, o seu rendimento, a maior parte do seu rendimento era do que ganhava da Universidade ou da Psicologia?
00:34:09 AA
É do que ganhava na Universidade.
…
00:34:16 AA
Talvez 80% no mínimo. …” (Sublinhado nosso)
XLIII) Porém, a instâncias do mandatário da recorrente, o mesmo AA, disse o seguinte:
“… 00:56:17 Mandatário da Ré
Quanto é que o Sr. faturou na sua outra atividade no ano passado?
00:56:20 AA
Não sei.
00:56:21 Mandatário da Ré
Quanto é que declarou às Finanças?
00:56:21 AA
Não sei. Sinceramente, não sei. …” (Sublinhado nosso)
XLIV) Com estas declarações e considerando que não existe no processo um qualquer documento que ateste a veracidade desta percentagem, não poderia ser dado como provado, devendo, por conseguinte, este facto ser dado como não provado.
XLV) Foram considerados como factos assentes Z), LL), RR),
Porém, conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por CC (cujo depoimento se encontra registado – 20221130150007_16221045_2871475):
“… 00:23:10 CC
... Para quem terminou um doutoramento em 2007 e foi tendo colaborações com instituições de Ensino Superior, desde então, seria expectável ter outro tipo de CV. Outro tipo de produção científica, de envolvimento na orientação de estudantes, da realização de projetos e mesmo em termos de docência, seria expectável uma carreira mais madura, mais consolidada e a análise do CV não é isso que atesta.
00:23:51 Mandatário da Ré
Razão pela qual subscreveu este parecer?
00:23:53 M. Juíza
Precisamente, sim.
00:23:58 Mandatário da Ré
Que levou à dispensa do Professor AA. O Professor AA, neste momento, não tem condições para fazer parte do corpo docente próprio? Não tem investigação?
00:24:18 CC
Tal como atesta o parecer que eu própria redigi. Pela avaliação curricular, não.
…” (Sublinhado nosso)
XLVI) Já dos esclarecimentos prestados em audiência por GG (cujo depoimento se encontra registado – 20221130160402_16221045_ 2871475):
“…
00:15:46 Mandatário da Ré
.. E agora, concretamente quanto ao Professor AA. Ele diz que participou ou pertence ao REMIT. E que participou num concurso de um projeto. ... em 2022.
00:16:09 GG
Portanto, acho que estamos a falar deste projeto aqui a “Novos desafios para as paisagens vitivinícolas face às alterações climáticas”?
00:16:21 Mandatário da Ré
Exatamente.
00:16:23 GG
Esta proposta, portanto, de facto a foi submetida a 9 de março de 2022, entretanto, já foi recusada. … Dito de outra forma, provavelmente eu não consigo ver isto do projeto, provavelmente o Professor AA estará envolvido numa tarefa para fazer algo muito específico, mas não foi considerado pela própria equipa de investigação como tendo um currículo científico capaz de suportar esta proposta em sede de avaliação.
00:19:00 Mandatário da Ré
Portanto, se lhe perguntar se o Professor AA faz investigação ou fez investigação no REMIT?
00:19:08 GG
Em relação ao REMIT, o Professor AA estava como colaborador, não como um membro integrado, ... Mas o Professor AA, tanto quanto eu sei na sua coloração com o REMIT, manteve-se enquanto colaborador, mantinha uma percentagem dedicação de 10% quando o limiar mínimo para um investigador integrado é de 20%. … Eu não conheço nenhum projeto de investigação que tenha sido conduzido por ele, portanto, pelo menos nos projetos que eu tenho acesso enquanto Reitoria da unidade de investigação, ele não consta desses projetos e, portanto, também não tenho aqui outputs, portanto, não tem esta produção científica, …. ” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, devem estes factos ser dados como não provados.
XLVII) Foi considerado como facto assente CC):
Compulsada a comunicação junta aos autos podemos ler o seguinte:
“… Vimos pela presente comunicar a V.Ex.ª a nossa pretensão em proceder à renovação do contrato de prestação de serviços por mais doze meses, com início no próximo dia 1 de setembro de 2021 até 31 de agosto de 2022, sendo que o valor de honorários a auferir será respeitante ao serviço docente que constar na distribuição de serviço docente de 2021/2022, tudo nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 2 da cláusula 2ª do contrato de prestação de serviços em vigor”
…” (Sublinhado nosso)
XLVIII) Daqui que conclui que não há qualquer referência nesta missiva a carga horária, nem a tempo integral, pelo que deve este facto ser dado como não provado.
XLIX) Foi considerado como facto assente DD):
No entanto, se atendermos quanto a esta matéria ao facto dado como provado KKK), concluímos que quanto a BB, a quem reconheceu a existência de um contrato de prestação, o tempo integral não foi valorizado nos mesmos termos.
L) E se a Julgadora reconheceu que BB era um tempo integral, em regime de prestação de serviços, o facto dado como provado em DD), tem que ser, inevitavelmente, dado como não provado.
LI) Foi considerado como facto assente EE):
No entanto, se atendermos aos esclarecimentos prestados em audiência pelo mesmo AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545 _16221045_2871475):
“… 00:34:36 AA
Sim, eu tenho. Sempre tive, desde há muitos anos, várias atividades, como independente, consultor, formador, psicólogo. …” (Sublinhado nosso)
LII) Declarações que atestam que efetivamente AA conhece e sabe quais os contornos de uma prestação de serviço, bem sabendo que estava a celebrar um contrato de prestação de serviços e quis efetivamente, de livre vontade, celebrar esse contrato nos termos em que foi assinado, razão pela qual deve este facto ser dado como não provado.
Sem prescindir,
PRETENDE-SE AINDA IMPUGNAR A DECISÃO DE FACTO CONSTANTE DOS QUESITOS A SEGUIR IDENTIFICADOS E QUE, FORAM CONSIDERADOS COMO NÃO PROVADOS, MAS DEVEM SER CONSIDERADOS COMO PROVADOS, no que concerne apenas e só a AA.
LIII) Foi considerado como facto não provado 2):
Porém, na fundamentação da decisão podemos ler o seguinte:
“… No que respeita ao ponto 2, a testemunha DD afastou de forma peremtória que tal acontecesse, o que corrobora o referido por AA que, pese embora tenha recebido, já depois da cessação do contrato, uma comunicação dando conta de tal pagamento, afirmou que, previamente, no início da orientação e ao longo dos 6 meses da mesma, nunca foi falado entre as partes que tal pagamento seria ou não feito. …” (Sublinhado nosso)
LIV) Ou seja, a Julgadora reconhece que AA, efetivamente recebeu, no entanto, dá este facto como não provado, pelo que deve este facto ser dado como provado.
LV) Foi considerado como facto não provado 4):
Ora, na fundamentação da decisão podemos ler o seguinte:
“… Assim, a testemunha FF referiu ter estado presente numa reunião nos RH em que foi proposto aos dois professores a celebração de um contrato de prestação de serviços e acordado o valor dos honorários, mas a verdade é que não se afigura ao tribunal minimamente credível que em tal reunião se tenha feito mais do que a simples assinatura dos contratos - nomeadamente se tenham acordado os termos da contratação - já que ambos os professores foi dito não ter havido qualquer negociação entre as partes quanto à natureza do contrato ou ao valor a pagar pelas suas funções.
Desta forma, foi dado como não provado o que vem referido em 4). …”
LVI) Porém, nos esclarecimentos prestados em audiência pelo mesmo AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045 _2871475), este referiu o seguinte:
“00:54:25 Mandatário da Ré
Vou pegar aqui como exemplo no dia 1 do 10 de 2020, o Sr. entrou às 10h20 e saiu às 13h. Por exemplo, temos aqui outro dia, que entrou no dia 11 de dezembro de 2020, que entrou às 13h52 e saiu às 16h03. Posso pegar no que está aqui
[impercetível]. O Sr. disse aqui que entrava às 9h e saía, tomei nota, 17/18h. Até às 17/18h todos os dias. Foi isso que me disse. [impercetível] Diga-me só mais uma coisa: o Sr. quando assinou um contrato sabia o que estava a assinar? Sabia que era uma prestação de serviços?
00:55:13 AA
Sabia.
00:55:14 Mandatário da Ré
E quis assinar?
00:55:14 AA
Sim.
00:55:17 Mandatário da Ré
E tinha conhecimento? Por exemplo, tenho aqui o seu contrato e vejo que diz aqui que o Sr. desempenha as funções com a categoria profissional em regime de independência e autonomia profissionais [impercetível]. Percebeu isto? E aceitou isso.
00:55:34 AA
Percebi.
00:55:36 Mandatário da Ré
Também diz aqui que a título de honorários fixam [impercetível]. Vocês conversaram sobre ele?
00:55:41 AA
Sim. …” (Sublinhado nosso)
LVII) Acresce que no auto de declarações de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora da ACT e junto com Petição Inicial (fls. 61, verso), podemos ler o seguinte:
“Questionado sobre a retribuição que lhe é paga pela Universidade, como contrapartida da sua prestação como docente ao serviço desta, declarou que a mesma é calculada em função da carga horária contratada (média anual que é dividida por 12 meses. Este ano recebe 1500,00 € euros mensais a que acresce IVA. …” (Sublinhado nosso)
LVIII) Assim é o próprio AA a confessar acordou os honorários e que a retribuição está dependente e diretamente relacionada com a carga horária e que a carga horária e honorários que variam de ano para ano, conforme se alcança dos recibos juntos com a Petição Inicial.
LIX) Como, aliás, resulta dos esclarecimentos prestados em audiência por FF (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748_16221045_2871475):
“00:02:31 FF
Porque faço parte dos Recursos Humanos, portanto, as contratações passam pelos Recursos Humanos, no caso dos docentes após indicação da reitoria, os Recursos Humanos chamam os candidatos para fazer a proposta do tipo de contrato numa pequena entrevista. E depois disso, é formalizado a parte seguinte.
00:02:54 Mandatário da Ré
Com estes dois docentes houve essa indicação da Reitoria, da parte académica e depois a formalização foi levada a cabo pelos Recursos Humanos e a negociação nos termos do contrato?
00:03:10 FF
Sim.
00:03:12 Mandatário da Ré
O tipo de contrato foi proposto aos dois docentes?
00:03:15 FF
O tipo de contrato é proposto.
00:03:16 Mandatário da Ré
Ou foi imposto?
00:03:18 FF
Não, Sr. Dr. O tipo de contrato é proposto nessa pequena entrevista. E depois, a seguir, vai um e-mail, em linhas gerais, exatamente no mesmo sentido e dando ao candidato o aval, depois é enviada a minuta, ou vem lá presencialmente assinar, se é um contrato de trabalho a termo ou se é um contrato de prestação de serviços.
00:03:42 Mandatário da Ré
Portanto, o tipo de contrato também foi negociado e as cláusulas e os honorários, tudo isso é acordado?
00:03:46 FF
Sim, sim.
00:03:52 Mandatário da Ré
No contrato de prestação de serviços, que nós temos aqui, as cláusulas foram negociadas e as obrigações foram as negociadas, por isso é que ficaram aqui escritas, os docentes aceitaram o que está aqui escrito?
00:04:07 FF
Os docentes aceitaram e assinaram, sim. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LX) Foi considerado como facto não provado 5):
Porém, do auto de declarações de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial (fls. 60), podemos ler o seguinte:
“… Quando questionado sobre quem decidiu as unidades curriculares que o declarante haveria de lecionar… Na entrevista de seleção, o declarante já tinha indicado as áreas em que se sentia mais à vontade. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXI) Foram considerados como factos não provados 6), 7), 8):
No entanto, dos esclarecimentos prestados em audiência por FF (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748 _16221045_2871475):
“00:06:57 Mandatário da Ré
Os docentes, sejam prestadores de serviços, sejam contratados por contrato de trabalho, têm acesso à Universidade?
00:07:10 FF
Tem, Sr. Dr., então para dar aulas, têm de estar lá.
00:07:15 Mandatário da Ré
Tem acesso a um parque de estacionamento?
00:07:16 FF
Tenho acesso ao parque estacionamento, quer estejam docentes, quer sejam funcionários, têm acesso.
00:07:31 Mandatário da Ré
E também têm acesso a fotocópias?
00:07:33 FF
Têm um cartão, que quase sempre é o mesmo cartão, que reúne as funções de cartão de parque de estacionamento, fotocópias e impressões que necessitam para as aulas. …” (Sublinhado nosso)
LXII) No mesmo sentido, os esclarecimentos prestados em audiência por EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_ 16221045_2871475):
“00:31:19 Mandatário da Ré
No que diz respeito ao cartão e parque de estacionamento, a política da Universidade, neste caso da Cooperativa, acho eu, é de conceder o acesso a todos os colaboradores, independentemente do vínculo?
00:31:32 EE
Pois sim, sim. Todos os meus docentes, independentemente de estarem de uma forma ou de outra, toda a gente tem cartão, pode usar o parque, etc. Sim.
…” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve estes factos ser dados como provados.
LXIII) Foi considerado como facto não provado 9):
Este facto deve ser dado como provado, uma vez que é uma imposição legal, decorrente, nomeadamente, do cumprimento do RGPD, por forma a garantir a existência da “pegada digital”.
LXIV) Foi considerado como facto não provado 10):
Quanto ao cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espirito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
LXV) Conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados por EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657_ 16221045_2871475):
“… 00:31:42 Mandatário da Ré
E também, não sei se tem conhecimento que todos eles receberam um cabaz de Natal?
…
00:31:54 Mandatário da Ré
Portanto, não há uma distinção?
00:31:57 EE
Nesse tipo de coisas, não. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXVI) Foi considerado como facto não provado 11):
Porém, se atendermos aos esclarecimentos prestados em audiência por FF (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748_16221045_2871475):
“…00:04:12 Mandatário da Ré
E assinaram. Um contrato de trabalho, tem cláusulas diferentes para prestações de serviços?
00:04:21 FF
Sim, tem substancialmente diferentes. Tem uma cláusula que exige a permanência 35 horas semanais e tem uma série de alíneas de funções ou atividades a que docente tem de estar, para além propriamente da lecionação de aulas.
00:04:40 Mandatário da Ré
Portanto, será a cláusula que, por exemplo, embora estejam nos dois articulados, no caso do Professor AA, no artigo 83.º, que diz que “o segundo outorgante desempenhará as suas funções nas instalações do A..., CRL.. Eventualmente noutras em que decorram protocolos de colaboração em regime de tempo integral de 35 horas semanais. Com permanência efetiva nas mesmas, onde se inclui a lecionação de 12 horas letivas…
00:05:13 FF
Mas esse não é o contrato do Doutor AA.
00:05:16 Mandatário da Ré
Este é um contrato de trabalho, portanto, nos contratos de trabalho existe em todos esta cláusula.
00:05:17 FF
Existem em todas essa cláusula.
00:05:22 Mandatário da Ré
E depois tem aqui as obrigações todas dos docentes?
00:05:25 FF
Certo, participar em várias atividades, em reuniões a que seja convocado, orientação de teses, investigação, publicação de artigos. …” (Sublinhado nosso)
LXVII) E, na fundamentação da decisão podemos ler o seguinte:
“… Relativamente ao ponto 11, pese embora ter sido junto pela ré uma cópia de um contrato celebrado, a verdade é que ficou o tribunal sem saber se todos os contratos de trabalho te aquele teor, chamando-se aqui novamente à colação o facto de as testemunhas acima referidas terem todas afirmado desconhecer a natureza do vínculo dos seus colegas professores. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXVIII) Foi considerado como facto não provado 12:
No entanto, prova disso são os registos de entrada e saída no parque da Ré, juntos em sede de audiência de Julgamento, de onde resulta que o Autor apenas se deslocava à instalações para dar as aulas.
LXIX) E, dos esclarecimentos prestados pelo mesmo AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045_ 2871475), resulta que:
“00:53:17 AA
Estava seis, estava sete. Sim.
…
00:53:26 AA
É isso que eu estou a dizer. A maior parte das vezes chegava às 9 horas e saia de lá às 5 ou 6 horas. Isto era muito frequente.
…
00:54:25 Mandatário da Ré
Vou pegar aqui como exemplo no dia 1 do 10 de 2020, o Sr. entrou às 10h20 e saiu às 13h. Por exemplo, temos aqui outro dia, que entrou no dia 11 de dezembro de 2020, que entrou às 13h52 e saiu às 16h03. Posso pegar no que está aqui [impercetível]. O Sr. disse aqui que entrava às 9h e saía, tomei nota, 17/18h. Até às 17/18h todos os dias. Foi isso que me disse. … …”
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXX) Foi considerado como facto não provado 13):
Ora, na fundamentação da decisão podemos ler o seguinte:
“… Quanto ao que vem referido em 12 e 13, chamando-se a atenção para o facto de as testemunhas DD e EE terem feito alusão ao contacto que era feito com todos os professores da universidade, não conseguindo explicar o que aconteceria se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora, como acima se disse, a testemunha AA nunca reportou qualquer indisponibilidade, tendo recebido o horário que lhe foi atribuído pela Universidade. …” (Sublinhado nosso)
LXXI) Ora, se esta provado que AA foi previamente contactado para aferir da sua (in)disponibilidade, nunca poderia a Julgadora dar como assente que o horário deste docente era imposto pelas Ré.
LXXII) Como, aliás, resulta dos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_ 16221045_2871475):
“… 00:10:50 Procuradora MP
Mas era o Professor que propunha esse horário?
00:10:53 AA
Sim, eu é que sugeria, porque em princípio, tinha combinado com os alunos?
…
00:10:57 AA
Sim, a ideia é um pouco sempre essa. Amanhã não posso vir por isto qualquer. Quando é que vocês podem? Qual é o vosso horário? Têm aquele dia, aquela hora folga, então combinamos aqui. Quando enviava esse formulário, normalmente já estava combinado. Tratava-se de um proforma da Diretora aprovar. …
00:21:46 AA
… Normalmente é enviado um e-mail pela coordenadora, pergunta se algum professor por acaso tem algum impedimento de 1 dia da semana, que queira referir antes de começarem a fazer os horários. …. Eu nunca fiz nenhum tipo de exigência. …” (Sublinhado nosso)
b) DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“… 00:02:10 DD
Por exemplo, solicitar aos docentes datas das provas de avaliação. Tem que ser os docentes a comunicar à coordenação as suas propostas, datas de avaliação.
…
00:02:27 Procuradora MP
Portanto, cada professor decide. O Professor AA.
00:02:30 DD
Sugere, portanto, a primeira, à partida nós tentamos cumprir com as sugestões dos docentes. Eles é que sabem mais ou menos como é que funciona a disciplina e, portanto, quando serão, quando deverão ser os momentos de avaliação.
00:03:12 Procuradora MP
E os horários das aulas letivos são fixados como, enquanto coordenadora?
…
00:03:20 DD
É um procedimento ainda longo, portanto, inicialmente é solicitado aos docentes para apresentarem as suas indisponibilidades. …” (Sublinhado nosso)
c) EE (cujo depoimento se encontra registado – 20221130142657 _16221045_2871475):
… 00:27:27 Mandatário da Ré
E a carga horária é proposta ao docente?
00:27:29 EE
Sim.
00:27:29 Mandatário da Ré
E ele, de acordo com a sua disponibilidade aceita, ou sugere alterações?
00:27:34 EE
Sim.
00:27:35 Mandatário da Ré
Não é a professora que impõe uma carga horária?
00:27:38 EE
…. Agora, o que cada docente, quer o caso dele, quer o caso de outros, eu quando começo a fazer distribuição de serviço, falo docente a docente para perceber se estão disponíveis para aquela carga horária, se estão disponíveis para aquelas disciplinas, se querem mudar, se quer, ou seja, esta é sempre uma conversa tida. Mas eu faço isso com todos os docentes, sempre sim. …”
d) CC (cujo depoimento se encontra registado – 20221130150007_16221045_2871475):
“…00:15:20 Mandatário da Ré
Nos contactos e depois no desempenho das funções propriamente dita, o horário de trabalho e as UCs, já me disse que são por acordo, isso acontece anualmente?
00:15:37 CC
Sim, há uma distribuição de serviço docente que é proposta e revista anualmente, sim.
00:15:43 Mandatário da Ré
Aos docentes [impercetível]?
00:15:44 CC
A nossa Universidade tem, portanto, tem sempre esta atualização, todos os anos tem que fazer atualização da distribuição, porque por causa de horários e, claro, alguns ajustes que têm que ser feitos. A Universidade tipicamente abre espaço para que os docentes manifestem indisponibilidade para a docência em algum bloco horário porque, precisamente por causa da colaboração em projetos de investigação e prestação de serviços à comunidade. A Universidade, antes da elaboração dos horários, pergunta aos docentes se existe algum bloco horário onde não tem disponibilidade para docência. Depois elabora e é proposto a distribuição de serviço, o docente tem que a aceitar logicamente, portanto, e os horários é a mesma coisa. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXXIII) Foi considerado como facto não provado 14):
Ora, na fundamentação da decisão podemos ler o seguinte:
“… Também quanto ao ponto 14, tal foi referido por esta testemunha, mas de forma vaga e sem que tivesse dado um exemplo de uma situação em que tal aconteceu. …” (Sublinhado nosso)
LXXIV) Ora, certo é que a Julgadora, também ela, sem ter dado um exemplo de uma situação concreta, julgou provados vários factos, conforme referido supra, mas ainda assim, se atendermos aos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_ 16221045_2871475) este, referiu que:
00:24:25 Procuradora MP
Normalmente as aulas são dadas na Universidade, certo? As aulas são lecionadas nas instalações da Universidade?
00:24:32 AA
Sim, tirando na altura da pandemia, que eram online. …” (Sublinhado nosso)
b) FF, Coordenadora do Recursos Humanos (cujo depoimento se encontra registado – 20221130154748_16221045_ 2871475), que com um depoimento claro, de pessoa perfeitamente conhecedora da situação, referiu que:
“… 00:08:42 Mandatário da Ré
Os docentes também têm que dar aulas em algum sítio. Eles são contratados pela Universidade, espera-se que deem aulas onde?
00:08:48 FF
Nas salas de aula da Universidade.
00:08:52 Mandatário da Ré
Também podem fazer visitas de estudo?
00:08:54 FF
Sem dúvida. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
LXXV) Foi considerado como facto não provado 15:
No entanto, não encontramos nos depoimentos prestados, nem dos documentos juntos com o requerimento inicial, qualquer prova de um controlo e/ou consequência para a não comparência nas reuniões, conforme se alcança, dos esclarecimentos prestados em audiência por:
a) AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_ 16221045_2871475) este, referiu que:
“… 00:20:02 Procuradora MP
E obrigatoriamente tinha que participar? Ou se não lhe apetecesse, não participava nessas reuniões da Comissão?
00:20:09 AA
Eu participei sempre, dando quais… Não participei uma vez, mandei um e-mail a pedir desculpa, ninguém me perseguiu, ninguém, não é? Normalmente aparecia na ata. As pessoas que não participavam aparecia na ata a dizer “o Dr. não sei quê, o professor não sei que mais, comunicou que não podia estar presente por razões justificadas e”. …” (Sublinhado nosso)
b) DD (cujo depoimento se encontra registado – 20221110163635_16221045_2871475):
“00:11:01 DD
A Comissão de Curso é um órgão consultivo. O objetivo é haver uma proximidade maior entre os alunos e a coordenação no fundo. ... Normalmente fazemos no primeiro ano, no início do ano, a primeira reunião para tentar perceber se o feedback do ano anterior de que forma é que pode ser implementado. …
00:12:48 Procuradora MP
É obrigatória a participação ou é só aconselhável?
00:12:51 DD
É que eu acho que é aconselhável, não é obrigatório. …” (Sublinhado nosso)
Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado.
H) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DA SUBSUNÇÃO JURÍDICA
Sem prescindir, e para hipótese de improceder o supra invocado sempre se dirá que, a manter-se a matéria de facto dada como assente e não assente, no modesto entendimento da Recorrente estamos perante uma decisão que carece de sustentação legal. Senão vejamos,
LXXVI) Em primeira Instância, importa ter presente que neste processo temos dois colaboradores a prestar serviço nas mesmas condições (vejam-se os respetivos requerimentos iniciais em tudo idênticos) mas, no caso do BB considerou-se que existia um contrato de prestação de serviços e, no caso do AA considerou-se que existia um contrato de trabalho.
LXXVII) Se verificarmos os factos dados como provados, facilmente verificamos que são em tudo idênticos, sendo o principal ponto diferenciador e no qualquer assentou esta diferente classificação resume-se à “disponibilidade”.
LXXVIII) Ou seja, no caso do BB entendeu-se que:
“… Ora, no seguimento do que acima se disse sobre a essencialidade da subordinação económica e jurídica do trabalhador ao empregador para que se possa considera estarmos perante um contrato de trabalho, afigura-se-me que o fato de a distribuição do serviço relativo à leccionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido e as unidades curriculares que BB leciona serem definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade, afasta aquela subordinação. …” (Sublinhado nosso)
LXXIX) Já no caso do AA entendeu-se que:
“… Já quanto a AA, apesar de este ter confirmado esse contacto prévio, a verdade é que não comunicou qualquer indisponibilidade, tendo posteriormente recebido o horário de aluas e vigilâncias definido pela ré. …
Quanto ao que vem referido em 12 e 13, chamando-se a atenção para o facto de as testemunhas DD e EE terem feito alusão ao contacto que era feito com todos os professores da universidade, não conseguindo explicar o que aconteceria se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora, como acima se disse, a testemunha AA nunca reportou qualquer indisponibilidade, tendo recebido o horário que lhe foi atribuído pela Universidade. …” (Sublinhado nosso)
LXXX) Assim, salvo melhor opinião, entende-se que se alguém é contactado para aferir da sua (in)disponibilidade e, se conclui que não está indisponível, é porque, está efetivamente disponível para o que lhe foi proposto, pelo que deveria ser o seu vínculo igualmente considerado como prestação de serviços.
Sem prescindir,
LXXXI) O regime jurídico subjacente ao exercício das funções de docente no Ensino Superior, reveste-se de algumas especificidades que, salvo melhor opinião, não foram devidamente valoradas, dado que é praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado – neste sentido, apenas a título exemplificativo, António José Moreira, Contrato de Docência, VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias, Almedina, pp. 215 e ss, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2003, proferido no processo 03S2652, de 10/9/2008, proferido no processo 2444/07, de 22/9/2010, proferido no processo 4401/04.7TTLSB.S1, de 25/6/2015, proferido no processo 868/12.8TTVNF.P1.S1; pode consultar-se outra jurisprudência indicada por Abílio Neto, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Edição, pp. 72 a 83.
LXXXII) No caso concreto é de concluir no sentido de que os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre AA e a Cooperativa foi de trabalho subordinado.
LXXXIII) A tal qualificação opõe-se, desde logo, o clausulado, ao qual foi atribuída uma designação distinta da de contrato de trabalho (ou seja, Contrato de Prestação de Serviços):
a) Do qual não consta a mínima referência à sujeição do AA ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa (cláusula 1ª/2ª/4ª/6ª);
b) Foi instituído um regime de rescisão e de caducidade completamente diferentes do que rege o contrato de trabalho, (cláusula 9ª);
c) Foi instituído um regime que estipulou o valor dos honorários totais devidos pela prestação de serviço, bem como a sua forma de pagamento,
d) Não sendo contemplado pelas Partes o pagamento de qualquer outra quantia (nomeadamente, subsídio de refeição, subsídio de férias e de natal) (cláusula 2ª/3ª);
e) A que acresce o facto dado como provado O): “Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.“;
f) Não foi instituído qualquer horário de trabalho.
LXXXIV) O AA é uma pessoa esclarecida e apresenta um nível cultural que lhe permitia ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime, atento o nível cultural e de conhecimentos inerente à sua profissão e à sua condição académica, faz supor que o mesmo não desconhecia as implicações jurídicas decorrentes da outorga dum contrato de prestação de serviço e que, por isso, realmente quis assumir uma relação jurídica dessa natureza em que o exercício das suas funções docentes se operaria sem sujeição do mesmo ao poder de direção da Cooperativa.
LXXXV) Como, aliás, o próprio AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045_2871475), referiu:
“… 00:34:30 Procuradora MP
Está inscrito, estava inscrito na autoridade tributária, não é? Naturalmente, como trabalhador independente.
00:34:36 AA
Sim, eu tenho. Sempre tive, desde há muitos anos, várias atividades, como independente, consultor, formador, psicólogo. …” (Sublinhado nosso)
LXXXVI) Pelo que não se compreende que por um lado se considere “Antes de mais, diga-se que, ponto de partida da caracterização da relação entre AA e a requerida é o acordado entre as partes.” e, por outro lado se considere que “… no caso concreto, pese embora estarmos perante um profissional licenciado e doutorado, a verdade é que a sua formação nada tem a ver com a área jurídica, não sendo, assim, de dar especial relevo ao nomem iuris.”
LXXXVII) E se refira ainda que “É certo que a Ré também logrou provar que submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes, mas tal facto não tem especial relevo na caracterização do contrato pois trata-se de uma decorrência da espécie de contrato cuja celebração foi proposta pela Ré.” (contrato que foi aceite por AA nos exatos termos em que foi assinado)
LXXXVIII) Quando na verdade foram dados como provados os factos EE) e FF) que atestam que AA sabia perfeitamente que estava a assinar um contrato de prestação de serviços, se encontrava inscrito como prestador de serviços na Autoridade Tributária e segurança Social, contratualizou o seguro de acidentes pessoais como trabalhador independente, exercendo cumulativamente a atividade de formador, consultor e psicólogo, também em regime de trabalhador independente.
LXXXIX) E tanto assim é que AA:
a) não estava sujeito a um horário de trabalho, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado (como resulta do facto dado como provado em BB), dado que no ano letivo de 2020/2021, não lecionou aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial e o comprovam os seus registos de entrada no Parque juntos em sede de audiência de Julgamento;
b) podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis, pelo que não se registava a infungibilidade da prestação que é típica da relação de trabalho subordinado, com a consequente exclusão do carácter intuitu personae próprio do contrato de trabalho;
c) Não estava sujeito ao dever de assiduidade próprio de um contrato de trabalho (como também resulta dos registos de entrada e saída do parque, juntos em sede de audiência de Julgamento);
d) Não foi acordado com a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se ao serviço da Cooperativa ou disponível para lhe prestar serviço (como o comprovam os seus registos de entrada no Parque juntos em sede de audiência de Julgamento).
e) No período de férias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponível para o prestar e nem se deslocava às suas instalações (como resulta do facto dado como provado O)).
f) A distribuição do serviço docente e calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o seu acordo, sendo que naquela distribuição era considerada a sua disponibilidade, como de demonstrou.
g) Conforme resulta do facto dado como provado em BB), no ano letivo de 2020/2021, não lecionou aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial;
h) Em momento algum (e não consta dos autos) invocou um erro na formação da vontade.
XC) As partes quiseram efetivamente celebrar um contrato de prestação de serviços, conforme reconheceu em audiência AA (cujo depoimento se encontra registado – 20221110153545_16221045_2871475):
“… 00:54:25 Mandatário da Ré
… Diga-me só mais uma coisa: o Sr. quando assinou um contrato sabia o que estava a assinar? Sabia que era uma prestação de serviços?
00:55:13 AA
Sabia.
00:55:14 Mandatário da Ré
E quis assinar?
00:55:14 AA
Sim.
…
00:55:17 Mandatário da Ré
E tinha conhecimento? Por exemplo, tenho aqui o seu contrato e vejo que diz aqui que o Sr. desempenha as funções com a categoria profissional em regime de independência e autonomia profissionais [impercetível]. Percebeu isto? E aceitou isso.
00:55:34 AA
Percebi.
00:55:36 Mandatário da Ré
Também diz aqui que a título de honorários fixam [impercetível]. Vocês conversaram sobre ele?
00:55:41 AA
Sim. …” (Sublinhado nosso)
Acresce que,
XCI) Conforme resulta do contrato de prestação de serviços:
a) foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do AA que a Cooperativa pagou ao AA em 12 prestações mensais (e não em 14 prestações ano), que representavam uma parcela de uma avença anual acordada entre AA e a Cooperativa, assim se percebendo, por exemplo, o pagamento de prestações retributivas em períodos de inatividade do estabelecimento de ensino da Cooperativa por férias escolares em que o AA nenhuma atividade prestava àquela;
b) O regime retributivo acordado pelas partes não é compatível com aquele que em sede de contrato de trabalho rege a disciplina dos subsídios de férias e de Natal.
c) Quando realiza orientações de estágios, AA recebia uma verba suplementar, como se referiu supra.
d) A Cooperativa submeteu os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes (Facto dado como provado GG);
e) Não exerce a docência para a Cooperativa em regime de exclusividade, exercendo paralelamente outras atividades;
Acresce que,
XCII) É certo que AA exercia a sua atividade docente na Universidade, utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho disponibilizados por esta, porém, foram, e ainda são, equipamentos e instalações de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojetores, sendo que AA nunca teve equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo, do mesmo modo que nunca teve um posto de trabalho próprio ou exclusivo, tendo tido apenas acesso salas partilhadas e de uso comum e a um gabinete partilhado.
XCIII) É certo que AA reportava diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria, mas podia não comparecer a tais reuniões, sem qualquer consequência daí emergente, sinal evidente da ausência de uma subordinação típica da relação de trabalho subordinado.
XCIV) Por outro lado, é natural que o AA reporte aos órgãos académicos do estabelecimento de ensino em que leciona e que obedeça a algumas ordens de serviço, pois que:
a) Num domínio técnico-científico como o do ensino universitário, é exigível às entidades instituidoras dos estabelecimentos de ensino que garantam padrões mínimos de qualidade e organização no serviço que prestam, o que os obriga necessariamente a instituírem um conjunto de normas de organização e de carácter académico sem a observância das quais aqueles padrões não podem ser alcançados, razão pela qual não pode deixar de reconhecer-se-lhes a faculdade de exigirem aos seus docentes o cumprimento de normas, sejam eles prestadores de serviço ou trabalhadores subordinados;
b) O incumprimento de certas coordenadas organizativas ou determinados deveres académicos, como os parâmetros genéricos dos programas e a estrutura curricular estabelecidos pelos órgãos académicos da Universidade e aprovados pelo Ministério competente, teria por consequência a de o conteúdo das respetivas aulas não ser reconhecido oficialmente, nomeadamente, pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.
XCV) De resto, a existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada, e com o exercício pelo mesmo de algum controlo sobre o modo como o serviço é prestado (v.g. acórdãos do STJ de 21/9/2000, proferido no processo 109/00, de 6/3/2002, proferido no processo 3664/01, de 30/4/2002, proferido no processo 4278/01, de 29/5/2002, proferido no processo 3441/01, e de 6/12/2006, proferido no processo 3318/06).
XCVI) A avaliação a que AA foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado, tendo em conta que o prestador de serviços também pode ser avaliado no seu desempenho prestativo pelo credor da prestação, além de que estava aqui em causa autoavaliação e a avaliação feita pelos alunos.
Acresce que,
XCVII) AA celebrou um contrato de prestação de serviços através do qual se comprometeu a prestar serviço de docência, lecionando uma determina UC, num determinado Departamento, definida sempre por acordo, em conformidade com a formação académica do AA e a sua disponibilidade.
XCVIII) A “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade, dado tratar-se de um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa, atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam Trabalhadores, sejam alunos.
XCIX) É natural que seja atribuído, um endereço eletrónico (institucional) como domínio da Universidade, para que os contactos com os alunos e com todos os órgãos da Universidade seja identificável e seguro, para a garantir a “pegada digital”.
C) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo, conforme se demonstrou supra.
CI) O seu acesso ao parque de estacionamento é facultado a todos os colaboradores da Cooperativa, sejam prestadores de serviços, sejam trabalhadores docentes e não docentes, fornecedores da Cooperativa.
CII) Sendo o AA um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”, que mais não é do que um dossier com alguns regulamentos académicos e orientações para a docência, composto por:
a) Pen (oferta) contento diversa regulamentação interna (nomeadamente, Código de Conduta estudantes A..., CRL., Estatuto da Carreira docente, Regulamento de avaliação de desempenho, Manual gestão da qualidade, Plano de Contingência, Plano de retoma da A..., CRL., Política de acesso aberto informação científica, Regulamento Pedagógico, Sistema de Gestão documental Wemake, etc.;
b) Uma pasta reciclada da A..., CRL.;
c) Uma caneta da A..., CRL.;
d) Um folheto dos cursos da A..., CRL..
CIII) Finalmente e no que concerne ao facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente, não se vislumbra como poderá ser indício de laboralidade, dado que foi contratado para prestar serviços de docência.
Acresce que,
CIV) As unidades curriculares atribuídas ao AA são, essencialmente, do domínio de desenvolvimento pessoal e inespecíficas aos domínios da psicologia e educação, áreas científicas do Departamento de Psicologia e Educação no qual foi integrado atendendo ao domínio de especialização do seu doutoramento, dado que é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e, com base na análise do seu CV atualizado, remetido pelo próprio à Direção do Departamento, em 13/04/2022, é possível constatar que, desde essa data e até ao momento atual, aquele não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica (i.e., revistas não indexadas, livros ou capítulos de livros, ou atas de conferências).
CV) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica.
CVI) O seu trabalho de orientação científica e académica é parco, tendo apenas a experiência de orientação de 10 dissertações de mestrado entre os anos de 2011 e 2014, não sendo referida a orientação de qualquer trabalho científico ou académico desde essa data.
CVII) Não são, ainda, identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 9 anos, tais como ações de consultoria ou de lecionação de cursos não conferentes de grau a públicos estratégicos, no âmbito da sua atividade como docente universitário.
CVIII) Não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior, nem de participação na preparação de propostas de novos ciclos de estudo.
CIX) A atividade como membro de júri de provas académicas é igualmente parca, sendo apenas de notar a experiência de participação em três provas entre 2009 e 2010.
CX) O AA não realizou de forma continuada e extensiva outras funções integrais aos docentes universitários, tal como expresso no Estatuto da Carreira Docente (Diário da República, 1.ª série — N.º 168 — 31 de Agosto de 2009), refletido no Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL. (20 de Fevereiro de 2002, atualizado em Outubro de 2014), nomeadamente:
a) realizar atividades de investigação científica, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico;
b) participar em tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento;
c) participar na gestão das respetivas instituições universitárias;
d) participar noutras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da atividade de docente universitário.
CXI) Tudo conforme Parecer emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, que para os efeitos do disposto no art. 26º, f), dos Estatutos da A..., CRL. (DR, 2.ª série — N.º 179 — 15/09/2009), concluiu o seguinte:
“Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade A..., CRL. (cf. https: //....A..., CRL..pt/.../reitoria/...), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022.” (Sublinhado nosso)
CXII) O Conselho Científico pronunciou-se favoravelmente à dispensa do AA atento o Parecer Diretora do Departamento de Psicologia e Educação (no art. 26º, f), dos Estatutos da Universidade A..., CRL. (Diário da República, 2.ª série — N.º 179 — 15/09/2009), tendo o Reitor da Universidade proposto ao Conselho de administração da Cooperativa a não renovação do contrato de prestação de serviços (cfr. art. 18º, 10º, dos Estatutos da Universidade A..., CRL.).
Acresce que,
CXIII) A necessidade de adotar uma “carreira paralela” à do ensino público, juntamente com as exigências insistentemente expressas pela A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não-acreditação de cursos, justificará que a Cooperativa privilegie a contratação de doutorados em tempo integral, com produção científica, em detrimento de não-doutorados ou de doutorados que não exibam atividades de investigação.
CXIV) Pelo que, não poderia e não pode ser celebrado um contrato de trabalho com AA por não reunir os requisitos constantes da legislação, bem assim como do Estatuto da Carreira Docente Universitária, para fazer parte do corpo docente próprio (docentes de contrato sem termo), dado que, como se verifica do seu relatório bibliométrico apesar de ser doutorado, não regista qualquer atividade científica, estando em total incumprimento com os despachos reitorais que foram juntos ao processo da ACT em 14/02/2022.
CXV) Só docentes do corpo docente próprio é que compõem os rácios para uma Universidade e, se AA com este CV, porventura tivesse com contrato sem termo ou com termo, o que se coloca por mera hipótese académica, estaria a ocupar uma vaga cuja rácio valeria zero.
Acresce que,
CXVI) Conforme se referiu, AA não cumpre os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo), dada a ausência de qualquer atividade científica.
CXVII) Razão pela qual, para o ano letivo 2022/2023, contratou a Recorrente Docentes titulares do grau de doutor, cientificamente ativos e com publicações de artigos em revistas científicas de reconhecida qualidade (ao contrário do AA), para dar cumprimento às exigências da A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos, sob pena de não-acreditação de cursos, privilegiando a contratação de doutorados em tempo integral (cuja definição nos é dada pelo Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, refere no seu art. 3º, m) «Regime de tempo integral» o regime de exercício da docência em que se encontram os que fazem do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante, não podendo ser considerados como tal em mais de uma instituição de ensino superior; (Sublinhado nosso)), com produção científica, em detrimento de doutorados que não exibam atividades de investigação.
Acresce que,
CXVIII) Os contratos de trabalho a tempo integral (no sentido dado pelo art. 3º, m), do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior) celebrados pela A..., CRL., contêm uma cláusula onde são enumeradas as funções que os docentes se obrigam a cumprir e consagradas no art. 5º, do Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL.), obrigações que não encontramos no contrato de prestação de serviços de AA.
CXIX) No âmbito do Sistema de Avaliação de Desempenho (SAD), foram definidos os objetivos individuais para os docentes (bem patentes nos critérios de ponderação) por despachos da Reitoria, onde se refere expressamente que a investigação e a produção científica constituem a atividade com a mais alta ponderação no conjunto das diferentes funções de um docente.
Acresce que,
CXX) Importa ainda ter presente o disposto nos artigos 9º, n.º 5, alínea j), 52º e 53º, todos do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que realçam a necessidade de se assegurar uma carreira paralela dos docentes do Ensino Superior Privado e Cooperativo aos do Ensino Superior Público.
CXXI) Ao deixar de se aplicar este princípio de equiparação ao sector público, estaremos a violar o RJIES, que, no seu artigo 52°, veio unificar este regime jurídico, reforçando a ideia de um paralelismo entre o ensino superior público e o ensino superior privado.
CXXII) Não existindo até hoje, no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, dado que o art. 53º, do RJIES, refere que “o regime do pessoal docente e de investigação das instituições privadas é aprovado por decreto-lei”.
Sem prescindir,
CXXIII) Noutra ordem de considerações, importa ainda ter presente a seguinte fundamentação de direito:
“… Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da Ré enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a ré.
Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários.
Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços.
Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos. …”
CXXIV) Como se referiu, em sede de Contestação, os contratos celebrados com os docentes são contratos atípicos, que contemplam especificidades, necessidades, direitos e deveres, quer do sector, quer do empregador, quer do colaborador, de modo a responder com dignidade, qualidade e legalidade a todos os requisitos que se impõem a uma boa prestação de serviços na área da transmissão dos conhecimentos e que não se compadecem com os princípios gerais impostos pelo contrato de trabalho, nomeadamente, a subordinação jurídica pura (por oposição à autonomia científica de um docente).
CXXV) E sobre esta temática (características especificas do contrato de docência) invocou a Recorrente a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis):
“… são conhecidas as dificuldades de monta que se deparam quando se pretende caracterizar o contrato de docência, em particular no que diz respeito ao ensino superior, e encontrar a disciplina jurídica adequada à realização dos fins que tal contrato tem em vista, sem pôr em causa, por um lado, a subsistência das instituições que, em colaboração ou em substituição do Estado, prosseguem a satisfação de um interesse colectivo — subsistência que depende, necessariamente, de altos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, e menos da quantidade dos mesmos — e sem, por outro lado, deixar de salvaguardar os interesses dos prestadores da actividade de docência, no âmbito de um convénio em que figuram como trabalhadores por conta de outrem.
…
Neste plano de consideração, a sujeição do exercício de funções docentes a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao contrato, na sua génese e essência, duração limitada, o que, de algum modo, face ao que se deixou dito, levanta dúvidas sobre a adequação das normas do regime que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, regulam a celebração de contratos por tempo determinado, consigna, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal.” (Sublinhado nosso)
(Cfr. Processo 301/07.7TTAVR.C1.S1, Acórdão do STJ, de 25-11-2009 (Vasques Dinis) citado no Processo: 868/12.8TTVNF.P1.S1, Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado)).
CXXVI) E foi precisamente, para estas especificidades do contrato de docência que a Recorrente invocou os mencionados acórdãos e que a decisão ora em crise abstraiu pura simplesmente.
CXXVII) Ao impor à Entidade Instituidora (Cooperativa) do Estabelecimento de ensino (Universidade A..., CRL.) que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), esta decisão viola o princípio da autonomia pedagógica e científica, reconhecida no RJIES (art. 30º, n.º 2), mas também no art. 76, n.º 2, da CRP.
CXXVIII) Assim, o Tribunal ao impor o trabalhador à Cooperativa, está, por conseguinte, a impor naturalmente ao seu estabelecimento (Universidade) que mantenha esse mesmo trabalhador, em clara violação do art. 70º, n.º 2, da CRP, e do art. 30º, n.º 2, do RJIES.
Até porque,
CXXIX) O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), consagra no seu art. 4º, as funções dos docentes universitários, o Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL., no seu art. 27º, consagra os deveres do pessoal docente e, o Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, refere no seu art. 3º, m), a investigação como requisito essencial no regime de tempo integral.
CXXX) Não podendo, por conseguinte, ser (ao contrário do que entende a Julgadora) considerado a tempo integral, porque AA como ficou provado não faz do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante e, sem qualquer produção científica, não cumpre as obrigações e requisitos legais para ser considerado a tempo integral.
CXXXI) E por ter plena consciência deste facto é que o AA celebrou e pretendeu um contrato de prestação de serviços.
CXXXII) Balizando a Julgadora exclusivamente a sua ponderação e decisão no âmbito do CT, o que não se concebe, não foram tidos em consideração os normativos legais supra expostos, nomeadamente, no que concerne:
a) à autonomia pedagógica e científica da Universidade (estabelecimento de ensino);
b) à obrigação da Cooperativa respeitar a autonomia pedagógica e científica do seu estabelecimento de ensino;
c) aos deveres que impendem sobre os docentes;
d) Requisitos para um docente ingressar no corpo docente próprio da Universidade;
e) Competência para avaliar o percurso académico de um docente;
f) Legitimidade para propor a contratação de docentes ou a sua dispensa (neste caso dos órgãos da universidade, e não a Cooperativa);
g) Procedimento tendente à contratação ou dispensa de um docente (competência da Universidade e não da Cooperativa).
CXXXIII) Termos em que pelo exposto se entende que deve ser revogada a decisão ora em crise e, por conseguinte, ser julgado procedente o presente recurso, declarada a não existência de um contrato de trabalho entre AA e a Recorrente, desde 01/09/2020. I.4 O Recorrido Ministério Público apresentou contra-alegações, que encerrou com as conclusões seguintes:
1- O artigo 53º da Constituição da República Portuguesa estabelece, o direito à segurança no emprego como o primeiro dos “Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores”, expressão direta do direito ao trabalho.
2- Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e obter emprego; na sua vertente negativa o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego o direito de não ser privado dele.
3- Estabelece o artigo 76º, n.º 2 da Lei Fundamental que “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino”.
4- Esta norma, constitucionaliza a autonomia das Universidades: isto é – autonomia estatutária, ao nível da sua auto-organização; - autonomia cientifica, ao livre desenvolvimento da investigação cientifica individual e institucional, envolvendo não só a liberdade de investigadores, docentes e alunos mas também a capacidade de organização de projetos e centros destinados a esse fim; - autonomia pedagógica, ou seja a liberdade de aprender e ensinar institucionalizada; abrangendo, portanto, a livre definição de planos de estudos , dos programas, dos conteúdos e dos métodos de ensino” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa- Anotada, Tomo I, pág. 738-740).
5- E, o artigo 30º do RJIES sob a epigrafe “Obrigações das entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados” indica entre elas, no seu n.º 1, al. i) a “obrigação de contratar docentes e investigadores…” acrescentando no seu n.º 2 que as “competências próprias das entidades instituidoras devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, cientifica e cultural do estabelecimento de ensino…”
6- Ora, autonomia surge muitas vezes como sinónimo de autodeterminação, independência ou liberdade. E, no exercício da sua autonomia a ré Universidade decide livremente contratar ou não contratar determinado docente ou investigador.
E é também no âmbito dessa autonomia e independência que a ré opta pela celebração de contratos de trabalho ou de prestação de serviços.
7- De facto, o artigo 405º do Código Civil erige a liberdade de contratar associada à vinculação jurídica gerada pelos contratos numa demostração da autonomia privada. E, por isso mesmo apenas residualmente valora juridicamente a ausência genuína de vontade, por falta ou grave vício volitivo, v. g. a coerção ou o erro (artigos 240.º a 256.ºCC), a notória incapacidade acidental (artigo 257.ºCC), a usura, que só releva quando os benefícios forem excessivos ou injustificados (artigo 282.ºCC).
8- Ora, foi precisamente no exercício da autonomia cientifica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador em causa nos autos.
9- E, verificando-se os pressupostos da subordinação jurídica, como sucede in casu e está amplamente demonstrado na sentença recorrida, a relação contratual de docência estabelecida entre a ré e o trabalhador AA só pode ser qualificada juridicamente como um contrato de trabalho.
10- Não vislumbramos, na sentença recorrida, porque inexiste, qualquer violação do principio da autonomia cientifica da ré, ou qualquer vicio de nulidade.
11- O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre do imperativo constitucional ínsito no artigo 205.º da CRP e densifica-se legalmente através do estabelecido no artigo 154.º do Código de Processo Civil, tal dever visa a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido em detrimento de outro sentido.
12- A jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, não se verificando tal nulidade quando a fundamentação é reduzida ou até insuficiente.
13- No caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida. Não existe, assim, qualquer falta absoluta ou sequer relativa de fundamentação.
14- Da decisão recorrida consta a motivação da decisão de facto tal como consta a respetiva matéria de facto que foi dada como provada, bem como os respetivos fundamentos de direito que no entender do Tribunal a quo ficaram preenchidos.
15- Da leitura dos factos assente constantes das alíneas Z) LL) RR) e os referidos nas alíneas MM) NN) OO) PP) TT) UU) VV) WW) XX) não se nos afigura verosímil extrair deles o sentido pretendido pela ré.
16- Com efeito, não vislumbramos a existência de qualquer contradição entre aqueles, antes pelo contrário, daqueles factos resulta, ao invés do pretendido pelo recorrente, perfeitamente claro que o trabalhador AA exerce as suas funções de docência sob ordens e direção da ré, nas instalações da ré e no âmbito daquelas funções de docência, para além do mais, “faz investigação”.
17- Alega ainda o recorrente haver contradição entre os factos O) da matéria assente e 12) dos factos não provados.
18- Na verdade, foi dado como assente que AA emitia recibos 12 meses por ano, incluindo e mês de agosto “em que o trabalhador não exerce qualquer atividade” e foi dado como não provado “Não foi acordado entre AA e a Ré, nem nunca foi praticado um período durante o qual aquele devesse manter-se ao serviço da Cooperativa ou disponível para lhe prestar serviço, sendo que durante as ferias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço…”
19- Da leitura dos mencionados factos, mais uma vez, não conseguimos descortinar qualquer contradição.
20- O recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, respeitante a AA, e suscitando o seu reexame requer sua alteração (cfr. artigo 640º do Código de Processo Civil)
21- Visando a recorrente a eliminação da factualidade assente dos factos constantes das alíneas O) F) G) I) J) K) L) M) N) HH) II) O) U) W) Y) Z) LL) RR) CC) DD) EE) e a adição à matéria de facto provada dos factos não provados constantes dos pontos 2) 4) 5) 6) 7) 8) 9) 10) 11) 12) 13) 14) 15
22- Relativamente à impugnação da matéria de facto, a ré estriba-se, quase exclusivamente, em alguns excertos descontextualizados do depoimento de AA e nos depoimentos prestados pelas testemunhas, FF e CC, DD e EE GG, docentes da ré.
23- Na verdade a ré apenas pretende ver especificada, no sentido que melhor lhe convém, certa matéria fáctica, em particular quanto ao local de trabalho, ao horário de trabalho, bem como, quanto à obrigação de justificar ausências no que respeita ao âmbito da atividade dos trabalhador AA.
24- E, consequentemente, pretende a alteração, por eliminação e por adição, de alguns pontos da matéria de facto, de forma a reproduzirem, em seu entender, de forma fiel o depoimento das referidas testemunhas.
25- Acontece, porém, que escutando, mais uma vez, os depoimentos prestados por aquelas testemunhas, não se nos afigura verosímil extrair deles o sentido pretendido pela Ré.
26- De facto, a ré cinge-se a transcrever pequenos excertos dos longos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas.
27- Ora, nos termos do disposto no artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
28- E foi o que sucedeu quer quanto aos factos que a ré pretende agora ver eliminados quer quanto aos que pretende ver aditados da matéria assente.
29- Com efeito, a ré pretende ver incluída e excluída na matéria assente alguns factos dispersos, sustentando a sua pretensão nos depoimentos prestados pelas testemunhas por si referidas e ancorando-se apenas em pequenos excertos que, desinseridos do contexto em que foram produzidos, transcreve.
30- Não indica, pois, a ré, porque inexiste, qualquer prova que validamente sustente a sua pretensão.
31- A relação jurídica em causa, constituiu-se em 01.09.2020, na vigência do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro.
32- Apurada a existência de (a) Prestação de atividade, por parte de AA;
(b) Em local pertencente ao beneficiário da atividade, a ré, ou por ela determinado;
(c) com utilização, pelo prestador da atividade de equipamentos e instrumentos pertencentes ao beneficiário da atividade; (d) Com cumprimento, por parte de AA, de um horário de início e termo de atividade estabelecido pela ré;
(e) Com pagamento, por parte da ré, com periodicidade mensal, de uma quantia certa ao trabalhador, como contrapartida da mesma; (f) Com respeito, por parte de AA, de ordens e instruções da ré, estamos perante um contrato de trabalho e não de um contrato de prestação de serviços, independentemente da denominação que as partes outorgantes lhe tenham atribuído.
33- A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços tem por base o objeto do contrato (prestação de uma atividade) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
34- Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigos 10º, do Código do Trabalho e 1152º Código Civil). Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (artigo 1154º do Código Civil).
35- Cotejando estes dois institutos, e não obstante a dificuldade de distinção entre ambos face às características de cada um que se entrecruzam, é entendimento uniforme que as subordinações jurídicas e económicas constituem o núcleo diferenciador do contrato de trabalho.
36- Assim, o contrato de trabalho caracteriza-se pelo estado de dependência jurídica do trabalhador em consequência da submissão à autoridade e direção da entidade para quem presta trabalho, enquanto que no contrato de prestação de serviços o seu cerne está no resultado da atividade.
37- Todavia, face à variedade de situações fácticas que a realidade proporciona e à dificuldade de integração num ou noutro daqueles contratos, o legislador optou por elencar determinadas circunstâncias (factos-base) cuja verificação faz presumir a existência de contrato de trabalho, as denominadas presunções de laboralidade, constantes do artigo 12º, n.º 1 do Código de Trabalho.
38- A comprovação da verificação, em concreto, daquelas circunstancias (enunciadas no mencionado artigo 12º), que permitem presumir a laboralidade, fica a cargo da parte que visa o reconhecimento do contrato de trabalho.
39- Assim, comprovadas essas circunstancias, factos-base da presunção, pelo menos duas delas, conforme é jurisprudência pacífica, presume-se a existência de contrato de trabalho, cabendo à outra parte a prova do contrário, isto é, cabendo ao empregador a prova da ocorrência de outros factos que pela sua quantidade e características conduzam a conclusão diversa (neste sentido, Acórdãos do TRL de 11.02.2015, de 03.12.2014; do TRG, de 14.05.2015; do TRP de 10.10.2016, de 30.01.2017, de 14.12.2017, in www.dgsi.pt).
40- In casu ficou demonstrado que o trabalhador, AA, Professor Universitário:
- Desempenha as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela indicado [artigo 12º, n.º 1 a) Código do Trabalho] – cfr. C) E) dos factos assentes;
- Na sua atividade utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré [artigo 12º, n.º 1 al. b) Código do Trabalho] – cfr. F) G) H) dos factos assentes;
- Observa as horas de inicio e termo da atividade estabelecido pela ré - [art.12º, n.º 1 c), Código do Trabalho] - cfr. I) J) K)L) dos factos assentes;
- Como contrapartida do trabalho prestado aufere uma quantia que é processada mensalmente [artigo 12º, n.º 1 al. d), Código do Trabalho] – cfr. O) dos factos assentes .
41- Da factualidade provada, tal como decidido na douta sentença a quo, resulta inteiramente demonstrado que a relação contratual estabelecida entre AA e a ré é uma relação laboral, por se encontrarem preenchidas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do código do Trabalho.
42- Mas, para além disso, importa ainda salientar que, in casu a par da verificação de quatro, das cinco, características base da presunção de laboralidade previstas no citado normativo, todo o demais enquadramento da relação jurídica estabelecida entre o trabalhador AA e a ré revela, a nosso ver, de forma clara e inequívoca, a existência de subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, deste trabalhador à ré.
43- E com vista a ilustrar essa subordinação jurídica, saliente-se que, de acordo com a factualidade assente o trabalhador AA encontra-se inserido no contexto organizativo da Ré e executa as suas funções de acordo com as ordens, instruções, fiscalização e sob a autoridade direção daquela.
44- Não se vislumbra, face ao quadro descrito, qualquer vestígio de autonomia por parte de AA no exercício concreto das suas funções.
45- A relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma típica relação laboral
46- Por conseguinte a sentença recorrida ao considerar que a relação contratual mantida entre AA e a Ré, desde 01.09.2020 configura um contrato de trabalho fez uma correta ponderação e apreciação da matéria de facto fixada e de interpretação da lei.
47- A sentença recorrida não viola a Constituição nem qualquer normativo legal.
48- Não enumera a apelante quaisquer argumentos nem elenca quaisquer factos que invalidem o decidido pela Mma. Juiza, devendo manter-se a sentença proferida nos seus termos.
Em face do exposto, deve o recurso improceder confirmando-se a sentença proferida nos seus precisos termos. I.5 Sendo o presente procedimento instaurado pelo Ministério Público, não houve lugar ao parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT. I.6 Ao proferir despacho sobre a admissibilidade do recurso, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto às arguidas nulidades da sentença, afirmando afigurar-se-lhe não se verificarem, não existindo qualquer contradição ou omissão. I.7 Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência. I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas pela recorrente para apreciação – que elencamos por ordem de precedência e não pela indicada por aquela - são as seguintes:
i) “Nulidade por não especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão” [conclusões IV e V];
ii) Nulidade por “falta de fundamentação da decisão no seu todo” [conclusões VI a X];
iii) “Nulidade por violação do disposto no art.º 70.º n. º2, da CRP e art.º 30.º n.º 2, do RJIES” [conclusões I a III];
iv) “Contradição da decisão propriamente dita” [conclusões XI a XIII];
v) “Contradição entre os factos dados como provados” [conclusões XIV a XVI];
vi) “Contradição entre os factos dados como provados e factos dados como não provados” [conclusão XVII];
vii) “Impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada” [conclusões XVIII a LXXV];
viii) “Impugnação da subsunção jurídica” [conclusões LXXVI a CXXXII] II. FUNDAMENTAÇÃO MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo Tribunal a quo é o que se passa a transcrever [não se incluem os factos que respeitem exclusivamente a BB, por não integrarem o objecto do recurso]:
A) A ré tem como actividade, além do mais, “… ministrar, quando autorizada e nos termos da lei, o ensino superior”.
B) Foi realizada uma ação inspectiva desenvolvida pela “Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Grande Porto” (ACT) à ré.
C) Em 26 de Maio de 2022, AA prestava a atividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL..
D) Tal atividade de docência consiste na lecionação das aulas, na avaliação dos alunos e no atendimento destes, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames, integrar a comissão de curso, desenvolver investigação e, desde 01 de abril de 2022, a orientação de estágios, sendo que, anteriormente, já foi responsável por orientações de mestrado.
E) A atividade de AA e BB não pode ocorrer onde estes entenderem, tendo, obrigatoriamente de ser realizada nas salas de aulas existentes nas instalações da ré, na Rua ..., ..., no Porto.
F) No desenvolvimento da sua actividade, AA e BB utilizam equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
G) Com exceção do computador portátil, todos os materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho são pertença da ré, à qual incumbe a manutenção e reposição dos mesmos.
H) AA e BB nunca tiveram equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, tendo AA um gabinete partilhado.
I) A ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
J) O número de horas de docência asseguradas por AA e BB resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aqueles a prestar a sua anuência.
K) É efectuada a validação da presença de AA e de BB na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré.
L) Caso AA ou BB estejam impossibilitados de lecionar determinada aula, não podem, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigados, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
M) AA, em 2021/2022, foi membro da comissão de curso, à qual compete reportar superiormente a avaliação dos incidentes e questões suscitadas durante o semestre e se as fichas da unidade curricular estão conformes com as normas da Universidade A..., CRL..
N) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular:
- Quanto à escolha das unidades curriculares: Coube à Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, professora HH, definir as unidades curriculares lecionadas pelo trabalhador em cada um dos anos letivos;
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve lecionar as aulas;
- Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente;
- Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios;
- Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré.
O) Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de 1.500€, unilateralmente definida pela ré, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade, emitindo AA, mensalmente, recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”.
P) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes.
Q) A ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL.: ....
R) AA dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos.
S) AA e BB têm acesso à cantina / bar, como todos os docentes e alunos, bem como a uma área reservada a funcionários e docentes.
T) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo.
U) A ré atribuiu a AA e a BB um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes.
V) No início do ano letivo de 2020/21, AA foi convidado pela ré a participar de uma cerimónia de receção aos novos docentes, na qual lhe foi entregue um kit de boas-vindas, idêntico ao recebidos pelos restantes docentes.
W) Aquando do Natal, AA e BB receberam da ré, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
X) O nome e a fotografia de AA constam no sítio da ré, como docente a tempo integral, embora no Departamento de Economia e Gestão.
Y) A atividade profissional de docência prestada por AA para a ré garante àquele cerca de 80% dos seus rendimentos.
Z) AA faz investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela ré com vista ao desenvolvimento de uma nova política de investigação.
AA) AA iniciou funções de Professor Auxiliar para a ré em 1/09/2020, tendo celebrado um contrato denominado “Contrato de Prestação de Serviços”, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente, junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
BB) No ano lectivo de 2020/2021, a carga horária de AA foi concentrada no primeiro semestre (22 horas semanais), não tendo lecionado aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial, apesar de ter sido pago em 12 meses.
CC) Em julho de 2021, a ré comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho.
DD) Todos os docentes a tempo integral estão vinculados à requerida por contrato de trabalho.
EE) AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo.
FF) AA contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes.
GG) A Cooperativa submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
HH) AA e BB reportam diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria.
II) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que AA e BB deveriam estar presente, tendo estado presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
JJ) AA é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
KK) Desde 13/04/2022, AA não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica (i.e., revistas não indexadas, livros ou capítulos de livros, ou atas de conferências).
LL) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica.
MM) Não é reportada experiência de conceção, ou de coordenação de projetos pedagógicos, ou de elaboração de materiais pedagógicos.
NN) AA tem experiência de orientação de 10 dissertações de mestrado entre os anos de 2011 e 2014, não sendo referida a orientação de qualquer trabalho científico ou académico desde essa data.
OO) Não são identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 8 anos, tais como ações de consultoria ou de lecionação de cursos não conferentes de grau a públicos estratégicos, no âmbito da sua atividade como docente universitário (realizou algumas atividades de formação e consultoria em datas prévias).
PP) Não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior, nem de participação na preparação de propostas de novos ciclos de estudo.
QQ) Como membro de júri de provas académicas AA tem participação em três provas entre os anos de 2009 e 2010.
RR) AA não realizou (ou tem realizado desde a sua integração mais recente na Universidade A..., CRL.) de forma continuada e extensiva as seguintes funções:
a) realizar atividades de investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico;
b) participar em tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento;
c) participar na gestão das respetivas instituições universitárias;
d) e participar em outras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da atividade de docente universitário.
SS) Foi emitido Parecer pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade A..., CRL. (cf. https://...A....pt/.../.../ reitoria/...), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022”.
TT) AA consta da plataforma de atualização de equipas de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, enquanto colaborador com uma dedicação de 10%, não estando identificado na mesma enquanto membro integrado.
UU) Consta ainda como membro de equipa da proposta de projeto com a referência ... no âmbito do Concurso de Projetos de I&D em Todos os ... – 2022, proposta que tem por Investigadora Responsável II e por Co-Investigadora Responsável JJ.
VV) A restante equipa é composta por 15 membros, dos quais faz parte AA, com uma dedicação de 10%, não sendo ainda indicado como Membro nuclear da Proposta.
WW) As duas últimas versões das análises já efetuadas ao CV de AA não registam qualquer alteração em relação à primeira versão, de 2020.
XX) AA não tem publicações indexadas e os seus perfis ... não referem produção científica para além da referida no CV.
YY) Em 1/02/2022, a ré tinha ao seu serviço BB, a prestar a actividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Economia e Gestão da Universidade A..., CRL..
ZZ) Tal actividade de docência consiste na leccionação das aulas, na avaliação dos alunos e no atendimento destes, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames e desenvolver investigação.
AAA) A ré procede à elaboração de horários a BB, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré:
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas leccionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
BBB) BB recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora EE, directora do Departamento de Economia e Gestão da ré, com a qual esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua actividade:
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade de fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve leccionar as aulas;
- Quanto aos procedimentos a adoptar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré.
CCC) Como contrapartida do trabalho prestado, BB recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de 1.850,15€, unilateralmente definida pela ré, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de Agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer actividade, emitindo aquele, mensalmente, recibo verde electrónico, com a indicação ”Professor de análise microeconómica de mercados”.
DDD) [BB] ….
EEE) [BB] ….
FFF) [BB] ….
GGG) [BB] ….
HHH) [BB] ….
III) [BB] …..
JJJ) [BB] ….
KKK) [BB] ….
LLL) [BB] ….
MMM) [BB] ….
NNN) [BB] ….
OOO) [BB] ….
PPP) Nunca foi proposto pela ré a AA e a BB a celebração de um contrato de trabalho.
*
Factos não provados com interesse para a decisão:
1) AA foi membro da Comissão Técnico-científica do Departamento de Psicologia e Educação.
2) Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.
3) AA foi chamado a uma reunião com as professoras EE e DD, diretoras de departamentos, para apurar questões colocadas pelos alunos, relativamente à avaliação de trabalhos destes, e quando foi advertido de que deveria pontuar os sumários das aulas de acordo com que constava das fichas das respetivas unidades curriculares.
4) Foi acordado entre AA e a ré e BB e a ré um valor total de honorários.
5) As unidades curriculares que AA leciona são definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade.
6) O acesso gratuito ao parque de estacionamento é dado a todos os colaboradores da Cooperativa, sejam prestadores de serviços, sejam trabalhadores docentes e não docentes.
7) Aos fornecedores da Cooperativa é disponibilizado um cartão de acesso ao parque.
8) O “Cartão Identificação” é um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa e é atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam trabalhadores, sejam alunos, cartão que visa também facilitar o controlo pela segurança de quem entra nas instalações.
9) O endereço eletrónico como domínio da Universidade foi atribuído a AA e BB por forma a que os contactos com os alunos e com todos os órgãos da Universidade seja fiável, identificável e seguro.
10) O cabaz de natal foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
11) Os contratos de trabalho a tempo integral celebrados pela A..., CRL., contêm uma cláusula onde são enumeradas as funções que os docentes se obrigam a cumprir: “O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções nas instalações da A..., CRL., à Rua ..., .../..., ... Porto, e eventualmente noutras que decorram de protocolos de colaboração, em regime de tempo integral de 35 horas semanais, com permanência efetiva nas mesmas, onde se inclui a lecionação de uma média de 12 horas letivas semanais, obrigando-se a cumprir as funções que lhe competem com zelo e dedicação nos termos dos Estatutos da A..., CRL. e demais legislação aplicável, que incluem:
a) Lecionação em qualquer um dos ciclos de estudo graduados;
b) Tarefas departamentais como organização de conferências, seminários, organização e lecionação de cursos de pós-graduação/especialização e colaboração na preparação e lecionação de outras atividades extras curriculares que o departamento venha a desenvolver;
c) Desenvolvimento de investigação científica, traduzível, no mínimo, na publicação anual de um artigo em revistas científicas de reconhecida qualidade;
d) Fazer parte dos Centros de Investigação da Universidade como Investigador Integrado, podendo esta obrigação ser objeto de derrogação desde que seja considerada de interesse da Instituição;
e) Orientação de dissertações de mestrado e teses de doutoramento, nos moldes concretos definidos pela Diretora de Departamento;
f) Integração em júris académicos, nomeadamente júris de mestrado, de doutoramento ou progressão na carreira académica para que seja convocado;
g) Participação em todos os órgãos académicos e científicos que integre e em reuniões para que seja convocado;
h) Coordenações de cursos e regências de unidades curriculares dos vários ciclos de estudos graduados.
i) Avaliar os alunos por testes escritos ou orais nas respetivas épocas normal, de recurso, especial (Setembro) e trabalhador/finalista, realizar as vigilâncias, lançar as notas e assinar as respetivas pautas de todas as unidades curriculares que lecione, e que ocorram mesmo fora do período de vigência do contrato, mas que se refiram ao ano letivo em que lecionou a(s) respetivas unidade(s) curricular(es)”.
12) Não foi acordado entre AA e a ré e BB e a ré, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aqueles devessem manter-se ao serviço da Cooperativa, sendo que durante o período de férias escolares não prestavam qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponíveis para o prestar e nem se deslocavam às suas instalações.
13) A distribuição do serviço docente e a calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o acordo de AA, sendo que naquela distribuição deveria ser considerada a sua disponibilidade.
14) AA e BB podiam, sem interferências da Cooperativa, lecionar as suas aulas fora das instalações disponibilizadas pela Cooperativa, podendo ocupar o tempo de aula em qualquer outro local (v.g. visitas de estudo, etc.) com interesse para as matérias lecionadas.
15) AA e BB podiam não comparecer às reuniões referidas em II) sem qualquer consequência daí emergente.
16) A ré procede à elaboração de horários a BB, com indicação das respetivas datas, conforme definido e determinado pela ré para a leccionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido.
17) [BB] ….
18) [BB] ….
19) [BB] ….
20) [BB] ….
21) [BB] ….
22) O referido em NNN) a PPP) mantém-se até ao momento.
III. Das arguidas nulidades e contradições
III. 1 Nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão [art.º 615.º n.º 1,al. b)].
Alega a recorrente que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto são feitas as referências seguintes:
-“depoimentos que foram conjugados entre si e com os documentos juntos aos autos. … ; …, tendo os seus depoimentos sido conjugados com os documentos juntos com a contestação (curriculum vitae, relatórios bibliométricos e documentos 9 e 10); … ; … Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram, nem dos documentos juntos, nem do depoimento das testemunhas, …”
Defende que pese embora esta referência genérica aos documentos, não se encontra uma valoração concreta dos documentos juntos por si, nem dos testemunhos prestados, nem tão pouco qual, ou quais deles, serviram para sustentar concretamente cada um dos factos dados como provados e não provados, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea b), 616º, n.º 2, alínea b), do CPC, constitui umas das causas de nulidade da sentença que expressamente invoca com todas as consequências legais.
Responde o Ministério Público, que a jurisprudência é pacífica no sentido de afirmar que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito, não se verificando tal nulidade quando a fundamentação é reduzida ou até insuficiente. No caso, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão recorrida. Não existe, assim, qualquer falta absoluta ou sequer relativa de fundamentação.
Apreciando.
O artigo 154.º n.º1, do CPC, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”, dispõe no seu n.º1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Por seu turno, o art.º 607.º do CPC, que rege sobre a elaboração da sentença, impõe ao juiz o dever de “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final” (n.º3).
Decorrendo depois, do art.º 615.º, no n.º1 al. b), 1, que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
Esse mesmo entendimento vem sendo acolhido, unânime e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência.
Assim, na mesma linha e apoiando-se em Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça, de 5-1-1984 [BMJ 333, 398] o Professor Antunes Varela escreve o seguinte:
- “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(..) Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão. Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar. Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador. Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 667 a 669].
O mesmo autor esclarece, ainda, que a necessidade de fundamentação da sentença assenta em duas ordens de razões. A primeira, tem em vista a persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada, procurando convencer a parte vencida através da argumentação. A segunda, prende-se directamente com a recorribilidade das decisões: “(..) para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador se baseou” [Op. cit., ibidem].
Na mesma linha de entendimento pronuncia-se José Lebre de Freitas, escrevendo que “[H]á nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”, assinalando igualmente que “[A] fundamentação da sentença é, além do mais, indispensável em caso de recurso: na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a sentença recorrida” [A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, p. 332].
No caso concreto, o Tribunal a quo fixou a matéria de facto provada e na fundamentação da sua convicção quanto a essa decisão, consignou o seguinte:
-«Para além da matéria que foi aceite pelas partes nos articulados, a convicção do tribunal teve em conta os depoimentos de BB, ouvido como assistente, e das testemunhas KK, Inspectora da ACT que realizou a visita inspectiva que despoletou estes autos, AA, visado nestes autos, DD, docente na ré e coordenadora da licenciatura de gestão, EE docente na ré e que gere o departamento de economia e gestão, CC, professora na ré e GG, professor associado da ré e vice reitor para a investigação, depoimentos que foram conjugados entre si e com os documentos juntos aos autos. Quanto à forma como os dois professores exerciam as suas funções, como foram integrados na ré e o que a esse respeito foi com aquela acordado e, bem assim, quanto às funções que exercem e valores que recebe extra ré, foi essencialmente considerado o depoimento de cada um, já que foram ambos prestados com clareza e objectividade e, naturalmente, conhecimento directo da respectiva factualidade. As testemunhas DD e EE, corroboraram o referido pelos dois professores, explicando a forma como o trabalho é prestado por todos os professores da universidade e pelos dois aqui em causa, não tendo feita qualquer distinção entre professores vinculados por contrato de trabalho ou com outro tipo de contrato, sendo que, como de resto todos afirmaram, ninguém sabe qual o vínculo que os outros professores têm com a ré. Importa aqui fazer a ressalva, quanto ao acordado com BB quanto ao horário em que as aulas iam ser dadas, pois que as testemunhas DD, EE referiram que todos os professores eram previamente contactados para saber se algum dia ou hora em que não pudessem leccionar, o que foi confirmado por BB, que indicou um determinado período de indisponibilidade, tendo o mesmo sido respeitado. Já quanto a AA, apesar de este ter confirmado esse contacto prévio, a verdade é que não comunicou qualquer indisponibilidade, tendo posteriormente recebido o horário de aulas e vigilâncias definido pela ré. Note-se que este horário a que me refiro é o horário das aulas e demais actividades lectivas e não um eventual horário regular diário de 7 ou 8 horas, sendo, por isso, inócuos os registos do cartão de AA juntos aos autos no início da audiência de julgamento. Também quanto às disciplinas a leccionar, por BB – e ao contrário do outro professor - foi relatado o convite que lhe foi dirigido, na sequência do qual veio a dar aulas na ré. A testemunha KK, pese embora tenha relatado apenas o que percepcionou aquando da inspecção também foi, no essencial, coincidente com o dos dois professores. As testemunhas CC e GG não demonstraram conhecimento directo sobre a forma como AA ou BB foram contratados ou exerciam as suas funções, tendo sim mostrado conhecimento directo sobre a forma de recrutamento dos professores, as qualificações necessárias para o exercício da função de docência e, em concreto, sobre as qualificações de AA que relataram ao tribunal, tendo os seus depoimentos sido conjugados com os documentos juntos com a contestação (curriculum vitae, relatórios bibliométricos e documentos 9 e 10). Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram, nem dos documentos juntos, nem do depoimento das testemunhas, ou por terem sido referidos pelas mesmas, ou por terem sido contrariados pelos dois professores, ou por terem sido referidos por alguém a quem não foi atribuída credibilidade. Assim, a testemunha FF referiu ter estado presente numa reunião nos RH em que foi proposto aos dois professores a celebração de um contrato de prestação de serviços e acordado o valor dos honorários, mas a verdade é que não se afigura ao tribunal minimamente credível que em tal reunião se tenha feito mais do que a simples assinatura dos contratos - nomeadamente se tenham acordado os termos da contratação - já que ambos os professores foi dito não ter havido qualquer negociação entre as partes quanto à natureza do contrato ou ao valor a pagar pelas suas funções. Desta forma, foi dado como não provado o que vem referido em 4). Também quanto ao ponto 14, tal foi referido por esta testemunha, mas de forma vaga e sem que tivesse dado um exemplo de uma situação em que tal aconteceu. No que respeita ao ponto 2, a testemunha DD afastou de forma peremtória que tal acontecesse, o que corrobora o referido por AA que, pese embora tenha recebido, já depois da cessação do contrato, uma comunicação dando conta de tal pagamento, afirmou que, previamente, no início da orientação e ao longo dos 6 meses da mesma, nunca foi falado entre as partes que tal pagamento seria ou não feito. Relativamente ao ponto 11, pese embora ter sido junto pela ré uma cópia de um contrato celebrado, a verdade é que ficou o tribunal sem saber se todos os contratos de trabalho te aquele teor, chamando-se aqui novamente à colação o facto de as testemunhas acima referidas terem todas afirmado desconhecer a natureza do vínculo dos seus colegas professores. Quanto ao que vem referido em 12 e 13, chamando-se a atenção para o facto de as testemunhas DD e EE terem feito alusão ao contacto que era feito com todos os professores da universidade, não conseguindo explicar o que aconteceria se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora, como acima se disse, a testemunha AA nunca reportou qualquer indisponibilidade, tendo recebido o horário que lhe foi atribuído pela Universidade. No que respeita aos pontos 5, 16 e 17, tal foi contrariado pelos próprios AA e BB, como acima se referiu. O mesmo se diga quanto aos pontos 18, 19 e 21»..
As referências a prova documental surgem nos extractos seguintes:
-i) «As testemunhas CC e GG não demonstraram conhecimento directo sobre a forma como AA ou BB foram contratados ou exerciam as suas funções, tendo sim mostrado conhecimento directo sobre a forma de recrutamento dos professores, as qualificações necessárias para o exercício da função de docência e, em concreto, sobre as qualificações de AA que relataram ao tribunal, tendo os seus depoimentos sido conjugados com os documentos juntos com a contestação (curriculum vitae, relatórios bibliométricos e documentos 9 e 10)».
ii) «Quanto aos factos não provados, os mesmos não resultaram, nem dos documentos juntos, nem do depoimento das testemunhas, ou por terem sido referidos pelas mesmas, ou por terem sido contrariados pelos dois professores, ou por terem sido referidos por alguém a quem não foi atribuída credibilidade».
Como se vê e, de resto, resulta do próprio extracto citado pela recorrente, no que concerne aos factos provados o tribunal refere quais os documentos que relevaram – “os documentos juntos com a contestação (curriculum vitae, relatórios bibliométricos e documentos 9 e 10)” – e de que forma, em concreto, por terem sido conjugados com os testemunhos de “ CC e GG”, que embora “não demonstrar[em] conhecimento directo sobre a forma como AA ou BB foram contratados ou exerciam as suas funções” mostraram “conhecimento directo sobre a forma de recrutamento dos professores, as qualificações necessárias para o exercício da função de docência e, em concreto, sobre as qualificações de AA que relataram ao tribunal”.
Por conseguinte, há mais do que uma referência genérica aos documentos.
Quanto aos factos não provados, a afirmação é também clara, “não resultaram, nem dos documentos juntos, nem do depoimento das testemunhas, ou por terem sido referidos pelas mesmas, ou por terem sido contrariados pelos dois professores, ou por terem sido referidos por alguém a quem não foi atribuída credibilidade”. E, sendo esta a razão genericamente afirmada pelo Tribunal a quo para a formação da sua convicção quando a esses factos não provados, mas que depois complementa nos parágrafos seguintes, não se vislumbra o que caberia acrescentar sobre os documentos juntos aos autos, já que se afirmou não terem dado contributo para a prova dessa matéria.
Quanto às testemunhas, decorre com clareza da fundamentação em que medida cada um deles revelou, dado ser feita uma síntese do que testemunharam e sobre que matéria, não sendo exigível que o juiz refira facto por facto quais os testemunhos, ou outros meios de prova, que contribuíram para a formação da sua convicção.
Neste quadro, como flui do que se começou por explicar, ainda que se entendesse que a fundamentação poderia ser mais aprofundada, a eventual falta de indicação mais concreta e precisa sobre a convicção do juiz, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação. Parafraseando o Ac. do STJ de 03-03-2021 [Proc.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt], “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”.
Importa deixar esclarecido, que este tipo de situações podem enquadrar-se é no disposto no art.º 662.º n.º 2 al. d), do CPC, estabelecendo que a Relação deve “Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Note-se, porém, que esse dever só se impõe caso se mostre necessário, ou seja, quando não se logre perceber quais os meios de prova que determinaram a prova de determinado facto. Com efeito, importa não esquecer que o mesmo artigo, começa por estabelecer que [1]”A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ou seja, vale isto por dizer, que na ponderação dessa necessidade, a Relação deve também atender às questões suscitadas pelas partes, desde logo, se impugnam a decisão sobre a matéria de facto e, nesse caso, quanto aos factos que são colocados em causa e respectivos fundamentos.
Acresce, que a Relação pode constatar, designadamente, com o contributo das posições assumidas pelas partes, estarem disponíveis os meios de prova que levaram a 1.ª instância a dar como provado, bem ou mal, determinado facto, tornando desnecessário fazer uso do disposto na al. d), do art.º 662.º, do CPC .
No caso concreto, pelo menos em face desta argumentação da recorrente, não se crê que hajam razões que exijam fazer uso do disposto na al. d), do art.º 662.º, do CPC, tanto mais, como adiante se verá, que a recorrente impugna amplamente a decisão sobre a matéria de facto, sem que ter tido dificuldade em a estruturar.
Assim, não só improcede nulidade da sentença, como também não se perfilam razões para fazer uso do disposto na al. d), do art.º 662.º, do CPC. III.2Nulidade por “falta de fundamentação da decisão no seu todo” [conclusões VI a X];
Alega a recorrente que “a Julgadora apesar de indicar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, não analisa criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não indica quais os factos que eventualmente foram admitidos por acordo e, não indica quais os factos que eventualmente foram provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito”.
Defende que há violação do art.º 607, n.º 4, do CPC, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, constitui umas das causas de nulidade da sentença, a qual invoca.
Mais alega que «[..] a Julgadora nos factos dados como provados insiste sempre em colocar o seguinte facto: “investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT”, apesar de a mesma Julgadora dar como provados os factos MM), NN), OO), PP), TT), UU), VV), WW), XX) e, sem aparecer em lado algum qualquer facto ou documento que demonstre investigação feita e desenvolvida efetivamente por AA no REMIT», para prosseguir referindo que “Mesmo considerando válido e credível o depoimento de CC, a Julgadora não dá como provado o teor do seu parecer na íntegra, pelo contrário, acrescenta factos alheios a este e igualmente alheios aos factos alegados na contestação, nos correspondentes factos dados como provados”. Acrescenta que, tendo presentes os art. 68º, 74º, 75º, da Contestação e, os factos dados como provados LL), RR), conclui-se que a Julgadora não se limita a reproduzir os factos alegados, quer pelo Autor, quer pela Ré e concluir os mesmos como provados e não provados, vai mais longe pois, [..] altera a redação desses factos introduzindo-lhe outros factos, criando novos factos, o que nos termos do art. 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, constitui umas das causas de nulidade que aqui expressamente se invoca com todas as consequências legais”.
Vejamos então.
As nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC.
Importando assinalar, como é pacificamente entendido, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º1, do art.º 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Op. cit, pp. 686].
A recorrente vem agora arguir a nulidade da sentença prevista na al. c), do n.º1 daquele artigo, de onde decorre que a sentença é nula quando (n.º1): “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Ocorre a nulidade da sentença por contradição, “quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente” [Ac. STJ de 09-02-2017, Proc.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt].
Nesse sentido, observa Lebre de Freitas: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença” [A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 3ª edição, 2013, p. 333].
O mesmo autor elucida, ainda, sobre a nulidade da sentença por ininteligibilidade, que tal ocorre “Quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal” [ibidem]”.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos qual é o raciocínio da recorrente para procurar defender, com as duas linhas de argumentação que mencionámos, que a sentença na parte relativa à decisão sobre a matéria de facto, é nula por violação do disposto no art.º 615.º n.º1. al. c), do CPC.
A primeira linha de argumentação que usa poderia, quanto muito, servir para invocar a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ou seja, por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Sucede, porém, que essa nulidade já a recorrente arguiu e foi apreciada no ponto imediatamente anterior, valendo aqui as considerações e, também, por ter inteira aplicação, a conclusão final a que se chegou, ou seja, não se verifica tal nulidade.
Quanto à segunda linha de argumentação, o que dela resulta é a manifestação de discordância da recorrente quanto à decisão sobre a matéria de facto, ou seja, o que poderá estar em causa será um erro de julgamento na apreciação da prova e fixação da matéria de facto, mas nunca uma nulidade da sentença nos termos tipificados no n.º1, do art.º 615.º do CPC. De resto, por isso mesmo a recorrente impugna os pontos provados LL e RR [conclusão XLV].
Diga-se, ainda, como cremos ser de elementar compreensão, que os mesmos fundamentos não podem servir para simultaneamente serem causa de nulidade da sentença ou sustentarem um erro de julgamento.
Improcede, pois, a arguida nulidade, nos termos do n.º1, al. c), do art.º 615.º do CPC, pela alegada “falta de fundamentação da decisão no seu todo”. III.3Nulidade por violação do disposto no art.º 70.º n. º2, da CRP e art.º 30.º n.º 2, do RJIES
Com os argumentos elencados nas conclusões I a III, a recorrente vem defender, como enuncia no título com que as encima, que ocorre uma “Nulidade por violação do disposto no art.º 70.º n. º2, da CRP e art.º 30.º n.º 2, do RJIES” em razão da decisão «[..] ao imporà Entidade Instituidora (Cooperativa) do Estabelecimento de ensino (Universidade A..., CRL.) que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica e viola igualmente o art. 30º, n.º 2, do RJIES, mas também no art. 76, n.º 2, da CRP, violação que aqui se invoca, com todas as cominações legais.».
Respondeu o Ministério Público, no essencial, que foi precisamente no exercício da autonomia cientifica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador em causa nos autos. Verificando-se os pressupostos da subordinação jurídica, como sucede, a relação contratual de docência estabelecida entre a ré e o trabalhador AA só pode ser qualificada juridicamente como um contrato de trabalho, não existindo qualquer violação do principio da autonomia cientifica da ré, ou qualquer vicio de nulidade.
Passando à apreciação, começaremos por assinalar que a recorrente vem arguir uma nulidade da decisão recorrida, mas não concretiza a que tipo de nulidade se está a querer referir.
Ora, como já deixámos dito, as nulidades da sentença só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n.º 1 do art.º 615º do CPC, e não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686].
Por outo lado, como é pacificamente entendido, não há que confundir entre nulidades da sentença e nulidades processuais.
Quanto às nulidades processuais, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, consistem sempre num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos, traduzindo-se esse vício de carácter formal, num dos três tipos: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas [Op. cit, p. 387].
A lei distingue entre duas modalidades distintas de nulidades processuais: na terminologia da doutrina, as nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as nulidades secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas).
As nulidades principais são aquelas que a lei entende serem as mais graves pelas suas consequências, constando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC, que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º).
Quanto às nulidades secundárias, de que só pode conhecer-se mediante arguição ou reclamação dos interessados, reporta-se o art.º 195.º do CPC, sendo todas aquelas que caibam na fórmula genérica do n.º1 daquele artigo: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Nas palavras daqueles mesmos autores, “todos os demais casos de desvio na prática (ou omissão) do acto processual constituirão nulidades secundárias, desde que relevantes. Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [Op. cit., pp. 391].
Atentas estas noções essenciais quanto às nulidades processuais, bem se percebe que também não englobam o erro de julgamento.
Não há pois qualquer nulidade com estes fundamentos, seja da sentença ou processual. Poderá é existir erro de julgamento.
De resto, por isso mesmo, a recorrente volta a usar o essencial desta argumentação, como se pode constatar, além do mais, nas conclusões CXXVII e CXXVIII.
Improcede, pois, esta parte do recurso. III.4 “Contradição da decisão propriamente dita”
A recorrente encima as conclusões XI a XIII, com o título “Da contradição da decisão propriamente dita”, alegando que “Neste processo temos dois colaboradores a prestar serviço nas mesmas condições (bastando para o efeito compulsar o teor dos respetivos requerimentos iniciais), no entanto, no caso do BB considerou-se que existia um contrato de prestação de serviços e, no caso do AA, considerou-se que existia um contrato de trabalho, isto apesar de os factos dados como provados para ambos os Colaboradores, serem em tudo idênticos.
Prossegue, referindo, no essencial que «O principal ponto diferenciador e no qualquer assentou esta diferente classificação resume-se à “disponibilidade”». para concluir que «[..] se AA sempre esteve disponível para as propostas que lhe foram apresentadas deveria ser o seu vínculo igualmente considerado como prestação de serviços, o que configura uma contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais”.
Contrapõe o Ministério Público não existir qualquer contradição.
Com o devido respeito, não podemos deixar de expressar a nossa perplexidade pela forma como a recorrente vem colocar esta questão, destacando-a da parte da impugnação da sentença por alegado erro de direito – embora depois volte a usar esta argumentação nessa parte -, e sem concretizar se está a pretender arguir alguma nulidade, ou não.
Pois bem, em primeiro lugar, se a recorrente pretendia arguir alguma nulidade, fosse da sentença ou processual, cabia-lhe concretizar a pretensão que tinha em vista deduzir. Não cabe a este Tribunal substituir-se-lhe para conferir algum enquadramento jurídico à argumentação em causa.
Em segundo lugar, adianta-se já, a acção improcedeu quanto a BB e não foi interposto recurso pelo Ministério Público. Assim, estando em causa no presente recurso interposto pela recorrente – e, só o podendo estar - a impugnação da sentença exclusivamente na parte em que julgou a acção relativamente a AA, não tem cabimento procurar aquela fazer um confronto dos fundamentos usados na sentença relativamente a um e a outro, que conduziram a decisões distintas.
Por conseguinte, também nesta parte improcede o recurso. III.5 “Contradição entre os factos dados como provados” e “Contradição entre factos provados e entre estes e não provados”.
As questões acima mencionadas são suscitadas, sob aqueles títulos, respectivamente, nas conclusões XIV a XVI e XVII.
Relativamente à primeira alegada “contradição”, alega a recorrente que nos factos MM), NN), OO), PP), TT), UU), VV), WW), XX), dá-se como provado que AA não desenvolve qualquer investigação, nem faz parte como membro integrado e membro nuclear de qualquer centro de investigação, mas nos factos dados como provados Z), AA), LL) RR) c), a Julgadora considera como provado que AA desenvolve e faz investigação no REMIT, “Contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais”.
Mais alega, que foi dado como provado o facto E), no entanto, na fundamentação da sentença, considerou-se o seguinte: “Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente”.
Remata, dizendo “Ou seja, por um lado a Julgadora considera como indício da existência de um contrato de trabalho o referido no art. 12º, a), do CT mas, por outro lado, reconhece que a atividade de docência não poderia ser exercida doutra forma, contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais”.
Quanto à outra alegada “contradição”, diz que foi dado como provado o facto O “e igualmente dado como não provado o facto 12), ou seja, por um lado é dado como provado que AA durante o mês da Agosto não exerce qualquer atividade, e por outro lado é dado como não provado que o mesmo AA durante as férias escolares não prestava qualquer serviço à Cooperativa, contradição que aqui se invoca com todas as cominações legais”.
Contrapõe o Ministério Público não existir qualquer contradição.
Entrando na apreciação, impõe-se começar por sublinhar que a recorrente alega a existência das eventuais contradições, mas limita-se a dizer que as invoca “com todas as cominações legais”, ou seja, não concretiza quais os efeitos que pretende alcançar ao suscitar essas questões.
Daí que, como já se deixou dito, se a recorrente pretendia arguir alguma nulidade, fosse da sentença ou processual, cabia-lhe concretizar a pretensão que tinha em vista deduzir. Não cabe a este Tribunal substituir-se-lhe para conferir algum enquadramento jurídico à argumentação em causa.
Não obstante, diremos que na primeira e última das alegadas contradições, o que poderá estar em causa é um eventual erro na decisão sobre matéria de facto. E, na segunda delas, um eventual erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
Por isso mesmo, sob o título “G-Da impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada], que se inicia na conclusão , a recorrente impugna os factos provados Z), LL), RR) [conclusão XLV], bem como o facto O e o ponto não provado 12 [conclusões XXXIX e LXVIII]; e, sob o título “ – Da impugnação da matéria da subsunção jurídica”, com início na conclusão LXXVI, vem na conclusão XCII alegar que “É certo que AA exercia a sua atividade docente na Universidade, [..] porém, foram, e ainda são, [..]e instalações de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula [..]».
Assim sendo, também nesta parte improcede o recurso. IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A recorrente insurge-se contra a decisão sobre matéria de facto, por alegado erro de julgamento quanto aos pontos da matéria de facto seguintes:
- Factos provados sob as alíneas: E), F), G), I), J), K), L), M,) N), HH), II), O), U), W), Y), Z), LL), RR), CC), DD) e EE), pretendendo sejam considerados não provados;
- Pontos não provados 2), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14) e 15), que quer ver provados e aditados.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No caso, verifica-se que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O recorrente, quer nas conclusões quer nas alegações, cumpriu, o que se entende exigível. II.2.1 A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta já transcrita acima, no ponto III. 1, para onde se remete.
À extensa impugnação da decisão sobre a matéria de facto contrapõe o recorrido Ministério Público, no essencial, que a recorrente estriba-se, quase exclusivamente, em alguns excertos descontextualizados dos depoimentos que indica, apenas pretendendo ver especificada, no sentido que melhor lhe convém, certa matéria fáctica, em particular quanto ao local de trabalho, ao horário de trabalho, bem como, quanto à obrigação de justificar ausências no que respeita ao âmbito da atividade dos trabalhador AA. Entende não se “afigurar verosímil extrair deles o sentido pretendido pela Ré. [..]a ré cinge-se a transcrever pequenos excertos dos longos depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas”.
Conclui que a Ré não indica, “porque inexiste, qualquer prova que validamente sustente a sua pretensão”.
Passamos à apreciação da impugnação, observando a ordem inculcada pela recorrente. i) facto assente o E).
Consta no facto E) o seguinte:
-A atividade de AA e BB não pode ocorrer onde estes entenderem, tendo, obrigatoriamente de ser realizada nas salas de aulas existentes nas instalações da ré, na Rua ..., ..., no Porto.
A recorrente pretende que o facto seja considerado não provado.
Alega que na fundamentação da sentença o Tribunal a quo refere o seguinte “… Acresce que aquele prestava a sua actividade em local pertencente à ré - nas salas de aulas existentes nas instalações da Ré, na Rua ..., ..., no Porto. Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente. …”.
Refere, de seguida, que “Ou seja, por um lado a Julgadora considera como indício da existência de um contrato de trabalho o referido no art. 12º, n.º 1, a), do CT, mas por outro lado, reconhece que a atividade de docência não poderia ser exercida doutra forma, a que acresce o facto de, como é do conhecimento geral, esta atividade compadeceu-se, durante mais de um ano de pandemia, com o ensino á distancia, em que AA exerceu a sua atividade fora das instalações da A..., CRL. e utilizando todos os meios que não os da A..., CRL.”.
Como o devido respeito, a recorrente incorre num erro de raciocínio ao usar este argumento, que é de todo irrelevante para a questão que aqui se coloca. O Tribunal a quo faz aquela consideração na parte da fundamentação em que aplica o direito aos factos. Ora, o que está aqui em causa é o eventual erro na fixação do facto, questão que se colocou a montante.
Em seguida a recorrente invoca extractos dos depoimentos de AA e FF. O primeiro confirmou que as aulas são dadas normalmente na Universidade “tirando na altura da pandemia, que eram online “. A segunda, no extracto em causa, disse que há visitas de estudo, no sentido de que as aulas não são dadas exclusivamente nas salas de aula.
Sempre com o devido respeito, não logramos perceber qual é o raciocínio da recorrente para por em causa o facto com base nestes argumentos. Melhor explicando, o facto de terem decorrido aulas on line por força das restrições à circulação, contactos e desenvolvimento de actividades em grupo, impostas por razões preventivas nas fases agudas da situação pandémica / Covid 19, constituíram situações de excepção que não põem em causa a regra de em circunstâncias normais as aulas serem dadas nas instalações da Universidade. Do mesmo modo, o facto de haver visitas de estudo, facto que também tem natureza excepcional relativamente ao horário nomal, não põe em causa aquela regra.
Assim, improcede esta parte da impugnação. ii) factos assentes F), G):
Lê-se nos factos em causa o seguinte:
F) No desenvolvimento da sua actividade, AA e BB utilizam equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
G) Com exceção do computador portátil, todos os materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho são pertença da ré, à qual incumbe a manutenção e reposição dos mesmos.
A recorrente pretende que sejam dados como não provados.
Para o efeito, começa por dizer que na fundamentação da sentença o Tribunal a quo refere que “… Mais resultou provado que AA prestava a sua actividade com instrumentos fornecidos pela ré - canetas, data-show e quadro, sendo que a este respeito logrou a ré provar os equipamentos ou instrumentos que utilizava não era para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, sendo que o gabinete que usava era partilhado, factos que não se me afigura que afastem o funcionamento daquela presunção”. E, em seguida, passa a alegar o seguinte:
- “Ora, o uso pelo AA do seu computador pessoal reveste-se de especial importância, dado ser o seu instrumento de trabalho por excelência, com o qual: a) Preenche os sumários no ...; b) Preenche a ficha da unidade curricular; c) Responde as dúvidas dos alunos colocadas por esta via; d) Tem, toda a matéria a lecionar ali compulsada; e) Lança as notas; f) E essencialmente, permitiu-lhe dar horas fora da universidade á distancia, como aconteceu durante a pandemia”
Invoca, depois, o extracto do testemunho de AA, ao declarar “Sim, tirando na altura da pandemia, que eram online” e apela ao que está provado no facto H, para defender que “não vislumbramos que materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho, utilizaria AA e de que forma, por si só, indiciam a existência de um contrato de trabalho”.
Valem aqui as considerações que já deixámos acima. Os fundamentos que usa e o argumento que deles retira não têm aqui cabimento. Está-se em sede de impugnação da matéria de facto e não a apreciar os fundamentos da sentença na parte em que aplica o direito aos factos.
Sempre com o devido respeito, não nos parece credível que a recorrente não tenha a noção dessa destrinça, mal se percebendo qual o seu propósito.
Assim, também este parte da impugnação improcede. iii) factos assentes I), J).
O teor desses factos é o seguinte:
I) A ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
J) O número de horas de docência asseguradas por AA e BB resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aqueles a prestar a sua anuência.
A recorrente pretende sejam dados como não provados.
Invoca a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, onde consta : “Importa aqui fazer a ressalva, quanto ao acordado com BB quanto ao horário em que as aulas iam ser dadas, pois que as testemunhas DD, EE referiram que todos os professores eram previamente contactados para saber se algum dia ou hora em que não pudessem leccionar, o que foi confirmado por BB, que indicou um determinado período de indisponibilidade, tendo o mesmo sido respeitado. Já quanto a AA, apesar de este ter confirmado esse contacto prévio, a verdade é que não comunicou qualquer indisponibilidade, tendo posteriormente recebido o horário de aulas e vigilâncias definido pela ré. …” .
Alega, que “ se está provado que AA foi previamente contactado para aferir da sua (in)disponibilidade, nunca poderia a Julgadora dar como assente que o horário deste docente era imposto pelas Ré” e passa a invocar extractos dos testemunhos de AA, DD, EE e CC.
Ora, pelo primeiro resulta a afirmação clara do seguinte: “Sim. O horário, como é que elas se distribuem durante a semana. É determinado pela Universidade. Normalmente é enviado um e-mail pela coordenadora, pergunta se algum professor por acaso tem algum impedimento de 1 dia da semana, que queira referir antes de começarem a fazer os horários. … Eu nunca fiz nenhum tipo de exigência. …”
A segunda referiu, no essencial, “Têm que ser os docentes a comunicar à coordenação as suas propostas, datas de avaliação”; “Sugere, portanto, a primeira, à partida nós tentamos cumprir com as sugestões dos docentes. Eles é que sabem mais ou menos como é que funciona a disciplina e, portanto, quando serão, quando deverão ser os momentos de avaliação. ...”.
E, pela terceira, também no essencial, questionada pelo ilustre mandatário da Ré sobre se “Não é a professora que impõe uma carga horária?”, respondeu “Não. … É o que está estipulado no curso. Agora, o que cada docente, quer o caso dele, quer o caso de outros, eu quando começo a fazer distribuição de serviço, falo docente a docente para perceber se estão disponíveis para aquela carga horária, se estão disponíveis para aquelas disciplinas, se querem mudar, se quer, ou seja, esta é sempre uma conversa tida. Mas eu faço isso com todos os docentes, sempre sim.
A quarta e última disse, igualmente no que se mostra relevante, que ”[..] há uma distribuição de serviço docente que é proposta e revista anualmente, sim”; “A nossa Universidade tem, portanto, tem sempre esta atualização, todos os anos tem que fazer atualização da distribuição, porque por causa de horários e, claro, alguns ajustes que têm que ser feitos. A Universidade tipicamente abre espaço para que os docentes manifestem indisponibilidade para a docência em algum bloco horário porque, precisamente por causa da colaboração em projetos de investigação e prestação de serviços à comunidade. A Universidade, antes da elaboração dos horários, pergunta aos docentes se existe algum bloco horário onde não tem disponibilidade para docência; “Os docentes fazem a vigilância dos seus próprios exames. Tipicamente podem ter o auxílio, se forem turmas grandes. Podem ter auxílio de outros colegas e tipicamente têm.
Mais uma vez não percebemos qual o raciocínio lógico que está subjacente à construção da recorrente, para rematar defendendo “Termos em que devem estes factos ser dados como não provados”. De resto, sublinha-se nem a recorrente cuidou de o explicar.
Não obstante, compulsados estes testemunhos não vislumbramos que deles possa resultar seja o que for para pôr em causa o conteúdo dos factos em causa. Referem em consonância que os professores são ouvidos para indicarem algum impedimento e darem sugestões quanto aos horários e avaliações, mas deles resulta inequivocamente que quem determina as horas asserem lecionadas e os respectivos horários é a Universidade. De resto, assim ficou explicado, coma maior detalhe e claramente por EE e CC.
Improcede, pois, também esta parte da impugnação. iv)facto assente K).
No facto K, lê-se:
- É efectuada a validação da presença de AA e de BB na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré.
A recorrente pretende que seja dado como não provado.
Para tanto, invoca um extracto do testemunho de DD, no qual esta, questionada sobre a existência de controlo de entrada, livro de ponto ou registo de horário, disse “Não, não temos nada disso. Não, nada. É só o registo de entrada e saída da aula, isso sim. Ao sair, entregamos a folha. Recolhemos e entregamos”.
Resulta do extracto que a testemunha nega outros meios de controle, mas afirma claramente que há “o registo de entrada e saída da aula isso sim. Ao sair, entregamos a folha. Recolhemos e entregamos”. Sobre o mais, ou seja, se em caso de falta do docente, cabe ao contínuo registar tal ausência no sistema informático da ré, nada disse a testemunha, pelo menos neste extracto. Mas, note-se, também aqui não lhe foi colocada essa questão.
Por conseguinte, mais uma vez não vislumbramos qual é o raciocínio lógico da recorrente para pretender que este testemunho, neste extracto, põe em causa o conteúdo fodo facto, quando, pelo contrário, é consentâneo como o que está provado primeira parte.
Daí que, também aqui, improceda a impugnação. v) facto assente L)
No facto em causa consta o seguinte:
- Caso AA ou BB estejam impossibilitados de lecionar determinada aula, não podem, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigados, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
Pretende a recorrente que se dê como não provado.
Invoca extractos dos testemunhos de AA e DD.
O primeiro referiu “Não, tínhamos que, por exemplo, se eu soubesse que tinha uma consulta amanhã: havia um formulário que eu preenchia, dizia qual era o dia, qual era a aula que estava em causa, que eu ia faltar. Isso era verdade para todos os professores”. E , a segunda – respondendo à questão se tinham que justificar a falta a tempos lectivos e dar a aula noutra altura - que “Sim, porque nós temos que cumprir com as horas de contacto, que é o que está na nossa ficha da unidade curricular”.
Convenhamos, se o sentido dos testemunhos, como bem se vê, converge com o que consta no facto, é incompreensível, senão mesmo inaceitável, que a recorrente venha pretender retirar deles o oposto. A recorrente, ou não está fazer a devida interpretação dos extractos que invoca, ou então está a querer fabricar argumentos para sustentar uma impugnação que sabe ser descabida.
Improcede, pois, forçosamente mais esta parte da impugnação. vi)facto assente M)
No facto M, considera-se provado o seguinte:
- AA, em 2021/2022, foi membro da comissão de curso, à qual compete reportar superiormente a avaliação dos incidentes e questões suscitadas durante o semestre e se as fichas da unidade curricular estão conformes com as normas da Universidade A..., CRL..
A recorrente pretende que o facto seja dado como não provado.
Invoca extractos do testemunho de DD, dos quais se retira que afirmou o seguinte:
-“ A Comissão de Curso é um órgão consultivo. O objetivo é haver uma proximidade maior entre os alunos e a coordenação no fundo. … Normalmente fazemos no primeiro ano, no início do ano, ... Essa reunião do primeiro ano é um bocadinho mais para, por exemplo, para aprovar as fichas de unidade curricular, portanto, no fundo é olhar para as fichas, as tais fichas que nós colocamos o programa da cadeira, o tipo de avaliação, pedimos aos alunos para verem também; [e, também] “E aos membros da Comissão, sim. Nós solicitamos para todos darem uma revisão nessas fichas da unidade curricular. Propostas de melhoria para o curso, em função, por exemplo, do decorrer das aulas se há alguma sugestão dos professores. Por exemplo, deixe-me ver se me lembro de alguma. As salas, as condições das salas, se a obrigatoriedade de presenças dos alunos nas aulas é benéfica ou não, e os alunos também dizem isso. [impercetível] seminários, aulas mais práticas, claro”; [É obrigatória a participação ou é só aconselhável?] “É que eu acho que é aconselhável, não é obrigatório”.
A recorrente não explica qual a razão que a leva a considerar que este testemunho põe em causa o facto, dizendo apena “Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado”.
Pois bem, como cremos ser evidente para qualquer pessoa de normal compreensão que se debruce sobre estes extractos com a diligência devida, deles não se retira rigorosamente nada que contrarie o teor do facto. Ou seja, algum deles contraria que AA tenha sido, em 2021/2022, membro da comissão de curso e o que lhe competia fazer como tal?
Neste quadro, remetemos para as considerações que acima deixámos, acrescentando agora que esta persistência da recorrente em usar fundamentos despropositados e descabidos não pode deixar de causar sérias dúvidas quanto à lisura da sua conduta processual.
Improcede, como é manifesto, mais esta parte da impugnação. vii)factos assentes N), HH), II)
O teor dos factos em causa é o seguinte:
N) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular:
- Quanto à escolha das unidades curriculares: Coube à Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, professora HH, definir as unidades curriculares lecionadas pelo trabalhador em cada um dos anos letivos;
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve lecionar as aulas;
- Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente;
- Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios;
- Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré.
HH) AA e BB reportam diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria.
II) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que AA e BB deveriam estar presente, tendo estado presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
Pretende a recorrente que sejam dados como não provados.
Alega a recorrente que «Quanto às “ordens” alegadamente recebidas por AA, não encontramos na sentença a identificação de uma concreta ordem emanada pela Ré, tratando-se por isso de uma afirmação vaga e genérica inconsistente, sem qualquer sustentação fática para esta conclusão, dado que a Julgadora não refere em que depoimentos em concreto e em que documentos em que se sustentou para dar como provadas as alegadas “ordens”, para depois dizer que basta atender ao extracto do testemunho de AA que invoca, no qual este, questionado sobre se havia alguém de quem dependesse hierarquicamente, respondeu o que segue:
-«Sobretudo, é a pessoa com quem eu tinha mais interações no quotidiano. Imagine que eu não respondia. Isso aconteceu uma vez, lembro-me que não respondi atempadamente a um aluno ansioso, porque queria uma resposta qualquer sobre o exame que ia ocorrer. Não respondi logo, porque se calhar tinha muitas coisas para fazer. Esse aluno mandou e-mail para a professora DD: “O Professor não me responde. O que é que se passa?” e a Professora ligou-me ou mandou um e-mail “Ó AA, o que se passa com este aluno? Ele está a queixar-se de que não lhe respondes.”. “Ok, DD, desculpa, mas eu não vi.” Portanto, era a pessoa que de algum modo exercia esse papel de autoridade mais direta sobre estas coisas.…».
Depois invoca o que o mesmo AA disse no auto de declarações prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial.
Em seguida, diz a recorrente que na fundamentação da sentença, podemos ler: “… Também quanto às disciplinas a leccionar, por BB – e ao contrário do outro professor - foi relatado o convite que lhe foi dirigido, na sequência do qual veio a dar aulas na ré. …”
Antes de avançarmos para os outros extractos de testemunhos invocados para esta parte da impugnação, sobre os argumentos que antecedem, diremos, desde já, que não merecem acolhimento. Passamos a justificar esta asserção.
Quanto às “ordens”, que a recorrente diz não encontrar concretizadas na sentença, o facto NN identifica as professoras DD e EE e as matérias em que AA a elas reportava para receber instruções ou orientações; No facto HH), afirma-se expressamente que AA reporta diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, “tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria”; e, no facto II refere-se que os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões, em diversas das quais AA esteve presente, “nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade”.
Portanto, salvo o devido respeito, há concretização clara e suficiente do tipo de ordens e de quem as emitia ou poderia emitir.
Quanto ao extracto do testemunho de AA, dele não resulta nada que ponha em causa o que está provado. Pelo contrário, exemplificou com uma situação os termos em que a professora DD “de algum modo exercia esse papel de autoridade mais direta sobre estas coisas”.
Quanto ao que terá declarado AA nas declarações prestadas em auto perante a Sr.ª inspectora do ACT, não ignorará certamente a recorrente, ou pelo menos não devia, que a prova válida é a produzida em julgamento. O auto de declarações só poderia ter relevância se a testemunha AA tivesse sido confrontado com ele para confirmar ou esclarecer o que ali disse. E, nesse caso, pelo Tribunal a quo seria valorado o teor do auto face às declarações.
Não sendo essa a situação, não tem cabimento invocar-se o auto de declarações.
Por último, quando à parte da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto onde se refere que “… Também quanto às disciplinas a leccionar, por BB – e ao contrário do outro professor - foi relatado o convite que lhe foi dirigido, na sequência do qual veio a dar aulas na ré. …”, mais uma vez não percebemos qual o raciocínio da recorrente, posto ser evidente que essa afirmação da Senhora Juíza nada tem a ver com os factos agora em causa. Basta relê-los.
Avançando, passamos a debruçarmo-nos sobre os invocados extractos dos testemunhos de DD, EE, CC e AA, invocados na conclusão XXXVI.
Atentando nos extractos em causa – que se encontram transcritos na aludida conclusão – temos que nos repetir para dizer, de novo, não percebemos qual o raciocínio da recorrente, dado que na generalidade não respeitam sobre a matéria destes pontos assente. A excepção ocorre quanto ao de CC, mas apenas parcialmente, e o de AA. Se dúvidas houver, confronte-se o teor dos factos agora em causa com os aludidos extractos.
Atenderemos, pois, apenas aos extractos que referimos respeitarem a esta matéria.
CC, questionada pelo ilustre mandatário da Ré sobre se “enquanto Diretora dê algumas diretrizes aos docentes, independentemente do vínculo”, respondeu “Sim, porque, portanto, quando nós submetemos um curso para apreciação e para avaliação pela Agência que nos credita, que nos habilita a abrirmos aquele curso durante um período máximo de 6 anos. Portanto, nós estamos sempre a ser avaliados “. E, sobre se sabia “se o Professor AA alguma vez foi sujeito à avaliação de desempenho”, respondeu “Que eu tenha conhecimento, não. ….”.
Em suma, admitiu que enquanto directora dá directrizes aos docentes, o que não contraria os factos N, HH e II; e, disse não ter conhecimento sobre se AA foi sujeito a avaliação de desempenho, o que é irrelevante para aqueles factos, visto que nenhum deles respeitar a essa matéria.
Quanto ao extracto de AA, surge deste modo:
- o ilustre mandatário da Ré faz a afirmação seguinte: “Muda, e muito. O Professor está a aqui a dizer que a Universidade o obriga a dar aulas e a substituir. E não é a Universidade que o obriga a substituir. Isso consta do programa”, e a testemunha diz “Pronto. Muito bem. Concordo consigo”.
Desde logo, é um extracto descontextualizado e, para além disso, não é uma resposta a uma questão. Na verdade, o ilustre mandatário deixou de estar a fazer a inquirição, para passar a produzir afirmações pessoais sobre a prova, valorizando-a e pondo em causa declarações da testemunha. A expressão da testemunha tanto pode significar uma real concordância com o que foi dito pelo ilustre mandatário, como ser apenas uma mera manifestação de condescendência perante o tipo de afirmação que põe em causa o que vinha dizendo, ou seja, rejeitando entrar em polémica. Portanto, não pode ter, nem tem qualquer relevância.
Adiante. Ainda nesta conclusão, a recorrente vem mais uma vez invocar o auto de declarações “de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial “, transcrevendo um extracto. Vale aqui o que já deixámos dito acima sobre a anterior invocação dessas declarações, ou seja, nenhum relevo têm aqui.
Ainda sobre esses factos, na conclusão seguinte - XXXVIII - a recorrente volta a invocar um extracto do testemunho de EE, no qual disse o seguinte: “O regulamento pedagógico toda a gente tem que cumprir, os alunos, os docentes, todos nós temos que cumprir. O regulamento pedagógico, no fundo, são as diretrizes, de todos os aspetos, da vida dentro da Universidade, na parte, desde a avaliação dos trabalhos, a forma como tem que apresentar, desde se o aluno falta uma prova, o que é que deve ser. O nosso regulamento está disponível também no site, se por acaso”.
Do facto NN retira-se que AA esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, junto das professoras DD e EE, “e em particular”, para além do demais nele mencionado “Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré”.
Não vislumbramos pois, diga-se de novo, qual o raciocínio da recorrente, para entender que este extracto é susceptível de por em causa o que está provado nos factos em causa, máxime neste.
Por conseguinte, também nesta parte improcede a impugnação. viii) facto assente O)
Dá-se como provado no facto em causa o seguinte:
- Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de 1.500€, unilateralmente definida pela ré, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade, emitindo AA, mensalmente, recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”.
A recorrente pretende que se dê como não provado.
Para o efeito invoca vários extractos do testemunho de FF, que disse fazer “parte dos Recursos Humanos, portanto, as contratações passam pelos Recursos Humanos, no caso dos docentes após indicação da reitoria, os Recursos Humanos chamam os candidatos para fazer a proposta do tipo de contrato numa pequena entrevista”. Mais referiu que “O tipo de contrato é proposto nessa pequena entrevista. E depois, a seguir, vai um e-mail, em linhas gerais, exatamente no mesmo sentido e dando ao candidato o aval, depois é enviada a minuta, ou vem lá presencialmente assinar, se é um contrato de trabalho a termo ou se é um contrato de prestação de serviços”, tendo sido esse o procedimento seguido com AA, que aceitou e assinou. Concretizou que “Nesses dois casos em concreto, um contrato de celebração de prestação de serviços, para X horas, agora não sei de cor, X honorários contra a apresentação de recibo verde, para X tempo iniciar ou no início do ano letivo ou no início de semestre. Têm-se ali uma conversa. O professor, o candidato aceita, de seguida nós formalizamos um e-mail com os tópicos, aguardamos a resposta, o feedback é positivo, mandamos a minuta do contrato e o professor depois vem assinar presencialmente”.
Com base nesse testemunho, que no essencial consistiu no acima transcrito, remata a recorrente dizendo ”Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado”, ou seja, mais uma vez sem explicar qual é o seu raciocínio, nomeadamente, quais são as razões que no entender justificam que este testemunho ponha em causa o conteúdo do facto O.
Pois bem, não vislumbramos quais sejam essas eventuais razões, nem nos faz qualquer sentido que a recorrente deduza essa pretensão com base neste testemunho. O facto refere o que é pago e em que termos a AA, enquanto o testemunho assenta sobre os procedimentos de contratação. É certo que refere “um contrato de celebração de prestação de serviços, para X horas, agora não sei de cor, X honorários contra a apresentação de recibo verde “, deduzindo-se que o que consta provado terá sido negociado nesses termos, mas como cremos ser bem evidente, isso não põe de todo em causa aquele conteúdo, apenas permitindo deduzir que aqueles valores, moto e tempo de pagamento foram objecto dessa negociação.
Daí dizermos, mais uma vez, que esta forma de impugnar nos causa a maior perplexidade.
Seja como for, improcede mais esta parte da impugnação. ix)facto assente U)
Lê-se no facto em causa o seguinte:
- A ré atribuiu a AA e a BB um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes.
A recorrente pretende que seja dado como não provado.
Invoca um extracto do testemunho de EE, no qual este referiu “Todos os meus docentes, independentemente de estarem de uma forma ou de outra, toda a gente tem cartão, pode usar o parque, etc. Sim”.
Em linha com a metodologia que vem usando, a recorrente termina dizendo, sem mais, “Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado”.
Resta-nos repetir que não percebemos qual o raciocínio lógico subjacente à impugnação. O que a recorrente afirma não contraria de todo o que consta no facto, antes pelo contrário, já que nele se afirma claramente “tal como todos os docentes”.
A impugnação deste ponto é, também, não só infundada, como manifestamente descabida, logo, improcede. x)facto assente W)
O teor do facto em causa é o seguinte:
- Aquando do Natal, AA e BB receberam da ré, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
A recorrente pretende que seja dado como não provado.
Invoca mais um extracto do testemunho de EE, no qual este referiu achar que todos os docentes receberam um cabaz de Natal: “Eu acho que sim, mas não estive a fazer esse controlo, mas sim por nós. Estava ali para as pessoas irem levantar por isso”.
Remata a recorrente, dizendo, mais uma vez, “Pelo exposto, deve este facto ser dado como não provado”.
Como bem se vê, o testemunho, ao invés de contrariar, confirma o ponto provado.
Valem aqui as considerações acabadas de deixar quanto ao ponto anterior.
Improcede, necessariamente, mais esta parte da impugnação. xi)facto assente Y)
No facto em causa lê-se:
-A atividade profissional de docência prestada por AA para a ré garante àquele cerca de 80% dos seus rendimentos.
Pretende a recorrente que se dê como provado.
Invoca o testemunho do próprio AA, na parte em que questionado pela Digna Magistrada do Ministério Público, sobre se “[..] em termos de rendimentos, o seu rendimento, a maior parte do seu rendimento era do que ganhava da Universidade ou da Psicologia?”, aquele respondeu “É do que ganhava na Universidade. Talvez 80% no mínimo. …”.
A recorrente invoca depois outro extracto, no qual AA é questionado pelo ilustre mandatário da recorrente nos termos que seguem:
Mandatário da Ré - Quanto é que o Sr. faturou na sua outra atividade no ano passado?
AA - Não sei.
Mandatário da Ré - Quanto é que declarou às Finanças?
AA - Não sei. Sinceramente, não sei. …”
Argumenta a recorrente, que “Com estas declarações e considerando que não existe no processo um qualquer documento que ateste a veracidade desta percentagem, não poderia ser dado como provado, devendo, por conseguinte, este facto ser dado como não provado”.
Não tem razão. O facto da testemunha AA não saber precisar o valor que faturou na actividade de psicólogo nem quanto declarou às Finanças, não significa que não possa ter a noção, em termos de percentagem, dos rendimentos auferidos na mesma em contraponto com o recebido da Universidade R. na qualidade de docente.
De resto, se razões houvesse para crer o contrario, certamente o ilustre mandatário teria cuidado de questionar a testemunha para que esta explicasse porque razão afirmara que os rendimentos auferidos como docente significavam 80%, no mínimo, do seu rendimento global.
Assim, improcede mais esta parte da impugnação. xii)factos assentes Z), LL), RR)
O teor dos factos acima referidos, é o seguinte:
Z) AA faz investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies), unidade de investigação criada pela ré com vista ao desenvolvimento de uma nova política de investigação.
LL) Não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica.
RR) AA não realizou (ou tem realizado desde a sua integração mais recente na Universidade A..., CRL.) de forma continuada e extensiva as seguintes funções:
a) realizar atividades de investigação científica para além do realizado no âmbito do REMIT, de criação cultural ou de desenvolvimento tecnológico;
b) participar em tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento;
c) participar na gestão das respetivas instituições universitárias;
d) e participar em outras tarefas distribuídas pelos órgãos de gestão competentes e que se incluam no âmbito da atividade de docente universitário.
A recorrente pretende que estes três factos sejam considerados não provados.
Invoca os testemunhos de CC e GG
No essencial, em resposta a questões do ilustre mandatário da Ré, disseram o seguinte:
- CC: ”Para quem terminou um doutoramento em 2007 e foi tendo colaborações com instituições de Ensino Superior, desde então, seria expectável ter outro tipo de CV. Outro tipo de produção científica, de envolvimento na orientação de estudantes, da realização de projetos e mesmo em termos de docência, seria expectável uma carreira mais madura, mais consolidada e a análise do CV não é isso que atesta”. [o que levou à dispensa do Professor AA/ não tem investigação] “Tal como atesta o parecer que eu própria redigi. Pela avaliação curricular, não”.
- GG: [Ele / AA diz que participou ou pertence ao REMIT. E que participou num concurso de um projeto. ... em 2022?] “Portanto, acho que estamos a falar deste projeto aqui a “Novos desafios para as paisagens vitivinícolas face às alterações climáticas”?; ”Esta proposta, portanto, de facto a foi submetida a 9 de março de 2022, entretanto, já foi recusada. … Dito de outra forma, provavelmente eu não consigo ver isto do projeto, provavelmente o Professor AA estará envolvido numa tarefa para fazer algo muito específico, mas não foi considerado pela própria equipa de investigação como tendo um currículo científico capaz de suportar esta proposta em sede de avaliação”. [faz investigação ou fez investigação no REMIT?] “Em relação ao REMIT, o Professor AA estava como colaborador, não como um membro integrado, ... Mas o Professor AA, tanto quanto eu sei na sua coloração com o REMIT, manteve-se enquanto colaborador, mantinha uma percentagem dedicação de 10% quando o limiar mínimo para um investigador integrado é de 20%. … Eu não conheço nenhum projeto de investigação que tenha sido conduzido por ele, portanto, pelo menos nos projetos que eu tenho acesso enquanto Reitoria da unidade de investigação, ele não consta desses projetos e, portanto, também não tenho aqui outputs, portanto, não tem esta produção científica”.
Com base nestes testemunhos, conclui a recorrente, “Pelo exposto, devem estes factos ser dados como não provados”.
Dos factos em causa, resulta, no essencial, que AA, para além da investigação no âmbito do programa REMIT (Research on Economics Management and Information Technologies) referida em Z, não tem registos das actividades mencionadas em LL, nem realizou de forma continuada e extensiva as funções descritas em RR.
Ora, dos testemunhos nada resulta que ponha isso em causa. De resto, diga-se, nem sequer logramos perceber qual a razão que leva a recorrente a querer ver não provados os factos LL e RR. Com excepção da parte em que o primeiro deles refere ”para além do realizado no âmbito do REMIT”, em tudo o mais acolhem a sua própria alegação, conforme constante nos artigos 67 a 69 e 72 a 75 da contestação. Em suma, mais uma vez não conseguimos acompanhar o raciocínio da recorrente.
Sendo infundada, improcede mais esta parte da impugnação. xiii)facto assente CC)
No facto em causa consta provado o seguinte:
- Em julho de 2021, a ré comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22, agora com uma carga horária média de 12 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho.
Pretende a recorrente que seja o facto dado como não provado.
Alega que na comunicação junta aos autos não há qualquer referência a carga horária, nem a tempo integral, dela constando o seguinte:
“… Vimos pela presente comunicar a V.Ex.ª a nossa pretensão em proceder à renovação do contrato de prestação de serviços por mais doze meses, com início no próximo dia 1 de setembro de 2021 até 31 de agosto de 2022, sendo que o valor de honorários a auferir será respeitante ao serviço docente que constar na distribuição de serviço docente de 2021/2022, tudo nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 2 da cláusula 2ª do contrato de prestação de serviços em vigor”.
Quanto a este facto tem razão a recorrente. O teor do documento – Doc. 5, junto pelo MP -, em concreto a carta que foi enviada a AA, é literalmente o que a recorrente invoca e, como afirma, dele não consta referência à carga horária nem que fosse correspondente ao tempo integral de trabalho. O facto reproduz o alegado na PI pelo MP, nomeadamente, no art.º 33.º. mas na fundamentação da matéria de facto não se encontra justificação para se dar como provado tal conteúdo, nem o Ministério Público nas contra alegações se encarregou de adiantar alguma razão.
Acresce dizer, que o facto tal como foi alegado e considerado provado, ao dizer “ a ré comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato”, está a reportar-se àquela comunicação escrita, cujo conteúdo não sustenta o alegado.
Porém, como é bom de ver, esta discrepância não justifica que se dê o facto como não provado por inteiro – como pretende a recorrente -, apenas impondo que se altere a redacção dando como provado o que consta do documento.
Assim, altera-se a redacção do facto provado CC, para passar a ser a seguinte:
-« Em julho de 2021, a ré comunicou a AA, por carta, o seguinte: “… Vimos pela presente comunicar a V.Ex.ª a nossa pretensão em proceder à renovação do contrato de prestação de serviços por mais doze meses, com início no próximo dia 1 de setembro de 2021 até 31 de agosto de 2022, sendo que o valor de honorários a auferir será respeitante ao serviço docente que constar na distribuição de serviço docente de 2021/2022, tudo nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 2 da cláusula 2ª do contrato de prestação de serviços em vigor”». xiv) facto assente DD)
No facto em causa lê-se o seguinte:
- Todos os docentes a tempo integral estão vinculados à requerida por contrato de trabalho.
Pretende que o facto seja dado como não provado.
Alega que “[..] se atendermos quanto a esta matéria ao facto dado como provado KKK), concluímos que quanto a BB, a quem reconheceu a existência de um contrato de prestação, o tempo integral não foi valorizado nos mesmos termos”.
Já deixámos dito que o decidido quanto a BB está fora do objecto deste recurso, não servindo aqui invocar o que quanto a ele foi decidido para sustentar a impugnação.
De todo o modo, no facto que a recorrente invoca deu-se como provado que “Tal contrato foi objecto de sucessivas renovações, mediante comunicações unilaterais da ré a BB, correspondendo no ano lectivo de 2021/22 a uma carga horária média de 15,30 horas semanais, ou seja, o correspondente ao tempo integral de trabalho”.
O facto impugnado não se refere apenas a AA, antes surgindo como facto comum da matéria alegada pelo Ministério Público nas respectivas PI, ou seja, deste e de BB. Vale isto por dizer que o facto refere-se aos demais docentes a tempo integral, estão vinculados à requerida por contrato de trabalho.
A recorrente alega que “se a Julgadora reconheceu que BB era um tempo integral, em regime de prestação de serviços, o facto dado como provado em DD), tem que ser, inevitavelmente, dado como não provado”, mas não diz qual a razão concreta que justificaria eliminar o facto do elenco da matéria provada. Se bem interpretamos o seu raciocínio, na sua perspectiva está em causa uma contradição.
Os factos são contraditórios quando são opostos, ou seja, quando simultaneamente se afirma um facto e o seu oposto de tal modo que se anulariam um ao outro.
Ora, entre o facto DD e KKK, não há contradição. Uma coisa é a fixação da matéria de facto, outra diferente, numa tarefa a jusante, a aplicação do direito aos factos.
Assim, não vimos que assista fundamento à recorrente para impugnar o facto em causa. xv) facto assente EE)
No facto em causa lê-se o que segue:
- AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo.
A recorrente pretende que seja considerado como não provado.
Sustenta-se no testemunho de AA, que no extracto invocado disse “Sim, eu tenho. Sempre tive, desde há muitos anos, várias atividades, como independente, consultor, formador, psicólogo”.
Argumenta a recorrente que estas declarações “[..] atestam que efetivamente AA conhece e sabe quais os contornos de uma prestação de serviço, bem sabendo que estava a celebrar um contrato de prestação de serviços e quis efetivamente, de livre vontade, celebrar esse contrato nos termos em que foi assinado, razão pela qual deve este facto ser dado como não provado”.
Com o devido respeito, esta construção não tem qualquer lógica. O facto não tem a ver com o conhecimento de AA sobre “os contornos de uma prestação de serviço”. Acresce, que o testemunho é claramente convergente com o que está provado.
É uma constatação evidente e imediata.
Improcede, pois, mais esta parte da impugnação. xvi) facto não provado 2)
No facto não provado 2, lê-se:
- Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.
A recorrente pretende seja dado como provado.
Alega que na fundamentação da decisão lê-se o seguinte:
“… No que respeita ao ponto 2, a testemunha DD afastou de forma peremtória que tal acontecesse, o que corrobora o referido por AA que, pese embora tenha recebido, já depois da cessação do contrato, uma comunicação dando conta de tal pagamento, afirmou que, previamente, no início da orientação e ao longo dos 6 meses da mesma, nunca foi falado entre as partes que tal pagamento seria ou não feito. …”
Feita essa invocação, conclui o seguinte: “Ou seja, a Julgadora reconhece que AA, efetivamente recebeu, no entanto, dá este facto como não provado, pelo que deve este facto ser dado como provado”.
Sempre com o devido respeito, a recorrente está a fazer uma interpretação enviesada da fundamentação da decisão sobre matéria de facto. Dela não resulta, que “a Julgadora reconhece que AA, efetivamente recebeu” - entenda-se, “uma verba suplementar” - mas antes a afirmação que DD “afastou de forma peremtória que tal acontecesse” e que tal foi corroborado por AA. Este apenas referiu ter recebido “uma comunicação”, que não é sinónimo de pagamento de verba suplementar.
Assim, também quanto a esta parte improcede a impugnação. xvii) facto não provado 4)
No ponto não provado em causa consta o que segue:
- Foi acordado entre AA e a ré e BB e a ré um valor total de honorários.
A recorrente pretende seja dado como provado.
Alega que na fundamentação da decisão consta “… Assim, a testemunha FF referiu ter estado presente numa reunião nos RH em que foi proposto aos dois professores a celebração de um contrato de prestação de serviços e acordado o valor dos honorários, mas a verdade é que não se afigura ao tribunal minimamente credível que em tal reunião se tenha feito mais do que a simples assinatura dos contratos - nomeadamente se tenham acordado os termos da contratação - já que ambos os professores foi dito não ter havido qualquer negociação entre as partes quanto à natureza do contrato ou ao valor a pagar pelas suas funções. Desta forma, foi dado como não provado o que vem referido em 4)”.
Alega, ainda, que dos esclarecimentos prestados em audiência pelo mesmo AA, bem assim do que se lê no “auto de declaraçõesde AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora da ACT e junto com Petição Inicial” resulta que “é o próprio [..] a confessar acordou os honorários e que a retribuição está dependente e diretamente relacionada com a carga horária e que a carga horária e honorários que variam de ano para ano, conforme se alcança dos recibos juntos com a Petição Inicial”.
Do extracto do testemunho invocado apenas resulta que AA, questionado pelo ilustre mandatário da Ré sobre se conversaram sobre honorários, respondeu simplesmente “Sim”. Como é evidente, esse “sim” não prova, nem há qualquer confissão, que tenha acordado com a Ré “um valor total de honorários”.
Quanto à invocação do auto de notícia, remetemos para o que já dissemos, ou seja, nada vale aqui.
A recorrente faz ainda apelo ao testemunho de FF, dos extractos retirando-se que esta afirmou o que refere o Tribunal a quo naquela parte da fundamentação, reportando-se à aludida testemunha, mas acrescentando “[..], mas a verdade é que não se afigura ao tribunal minimamente credível que em tal reunião se tenha feito mais do que a simples assinatura dos contratos”, depois elucidando sobre as razões dessa convicção.
Por conseguinte, no rigor das coisas, o que a recorrente põe em causa é a correcção do juízo de livre convicção formado pela julgadora ao valorizar determinada prova em detrimento de outra.
Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Se a recorrente entende que o Tribunal a quo desvalorizou indevidamente o testemunho de FF, e não apreciou correctamente o testemunho de AA –referindo-se na fundamentação ter dito “não ter havido qualquer negociação entre as partes quanto à natureza do contrato ou ao valor a pagar pelas suas funções - , errando assim na formação da sua livre convicção, cumpria-lhe evidenciar as razões que evidenciem com segurança o eventual erro.
Não é o que sucede.
Assim, improcede também esta parte da impugnação. xviii)facto não provado 5)
Consta do ponto não provado em causa, o seguinte:
- As unidades curriculares que AA leciona são definidas sempre por acordo, em conformidade com a sua formação académica e disponibilidade.
A recorrente pretende que seja considerado provado
Invoca, mais uma vez, o que se lê no “auto de declarações de AA, prestadas perante a Sr.ª inspetora do ACT e junto com Petição Inicial (fls. 60)”.
Como já referimos, o aludido auto de declaraçõesnão é, só por si, um meio de prova idóneo e válido para pôr em causa a prova produzida em julgamento.
Improcede, pois, mais esta parte da impugnação. xix)factos não provados 6), 7), 8)
Consta desses factos não provados o seguinte:
6) O acesso gratuito ao parque de estacionamento é dado a todos os colaboradores da Cooperativa, sejam prestadores de serviços, sejam trabalhadores docentes e não docentes.
7) Aos fornecedores da Cooperativa é disponibilizado um cartão de acesso ao parque.
8) O “Cartão Identificação” é um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa e é atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam trabalhadores, sejam alunos, cartão que visa também facilitar o controlo pela segurança de quem entra nas instalações.
Defende a recorrente que devem considerar-se provados.
Invoca extractos dos testemunhos de FF e EE .
Respondendo a questões colocadas pelo ilustre mandatário da Ré, disseram, no essencial, o seguinte:
i) FF – que os docentes, sejam prestadores de serviços, sejam contratados por contrato de trabalho têm acesso ao parque estacionamento e “Têm um cartão, que quase sempre é o mesmo cartão, que reúne as funções de cartão de parque de estacionamento, fotocópias e impressões que necessitam para as aulas. …”; “ao parque estacionamento, quer estejam docentes, quer sejam funcionários, têm acesso”.
ii) EE – “Todos os meus docentes, independentemente de estarem de uma forma ou de outra, toda a gente tem cartão, pode usar o parque, etc.”
Nenhuma destas testemunhas falou sobre os fornecedores ou sobre o que é o cartão de identificação, nem foram questionadas a esse propósito, ou seja, nada disserem quanto à matéria dos pontos não provados 7 e 8. Apenas a primeira referiu o acesso ao parque de estacionamento pelos funcionários, mas não esclareceu se gratuitamente, pelo que não há prova dessa parte do ponto não provado 6.
Mas o que disseram em comum está já provado no facto U, onde se lê: A ré atribuiu a AA e a BB um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes.
Sendo de notar que o facto provado U, vai mais além do ponto provado 6, já que dele resulta a atribuição de cartão que, gratuitamente, permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, dele decorrendo, ainda, que assim acontece com todos os docentes.
Assim, por um lado é desnecessário dar como provado o que consta no facto 6. Por outro, o que é relevante e decorre dos testemunhos está já provado. Por outro ainda, não resulta dessa prova contributo para os pontos 7 e 8.
Daí que tenhamos que dizer, mais uma vez, que não percebemos nem o raciocínio nem o propósito subjacente à impugnação.
Mas sejam quais forem, o certo é que também aqui improcede a impugnação. xx)facto não provado 9)
Consta do ponto não provado em causa, o seguinte:
- O endereço eletrónico como domínio da Universidade foi atribuído a AA e BB por forma a que os contactos com os alunos e com todos os órgãos da Universidade seja fiável, identificável e seguro.
Alega a recorrente que «o facto deve ser dado como provado, uma vez que é uma imposição legal, decorrente, nomeadamente, do cumprimento do RGPD, por forma a garantir a existência da “pegada digital».
Como já deixámos dito, para que facto de considere provado é necessário que haja uma certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, como resultado da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.
Não há nenhuma prova que permita concluir que a razão invocada pela recorrente foi a determinante para atribuir a AA, conforme provado em Q , “um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL.: ...”.
Improcede, pois, também este ponto da impugnação. xxi)facto não provado 10)
Lê-se no ponto não provado em causa o que segue:
- O cabaz de natal foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
Pretende a recorrente que se considere provado, invocando um extracto do testemunho de EE, em resposta a questão colocada pelo seu ilustre mandatário.
Perguntou ILM da Ré o seguinte: E também, não sei se tem conhecimento que todos eles receberam um cabaz de Natal? Portanto, não há uma distinção?
Respondeu a testemunha: Nesse tipo de coisas, não.
Da questão e da resposta não se retira a quem, em concreto, se refere a testemunha, quando diz “Nesse tipo de coisas, não”.
Por outro lado, recorde-se que a recorrente impugnou o ponto provado W), querendo que se desse como não provado, onde se lê: Aquando do Natal, AA e BB receberam da ré, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
Ou seja, impugnando esse facto W não aceitava que todos os docentes, incluindo AA , receberam da ré um cabaz de Natal, mas agora já quer ver provado, por se retirar do ponto não provado 10, que a todos os docentes foi entregue um cabaz de natal.
Convenhamos, há aqui uma clara contradição e, para além disso, este modo de impugnar não pode deixar de suscitar dúvidas quanto à lisura da conduta processual da recorrente.
Improcede, pois, mais esta parte da impugnação. xxii)facto não provado 11)
No ponto não provado em causa consta o seguinte:
- 11) Os contratos de trabalho a tempo integral celebrados pela A..., CRL., contêm uma cláusula onde são enumeradas as funções que os docentes se obrigam a cumprir: “O Segundo Outorgante desempenhará as suas funções nas instalações da A..., CRL., à Rua ..., .../..., ... Porto, e eventualmente noutras que decorram de protocolos de colaboração, em regime de tempo integral de 35 horas semanais, com permanência efetiva nas mesmas, onde se inclui a lecionação de uma média de 12 horas letivas semanais, obrigando-se a cumprir as funções que lhe competem com zelo e dedicação nos termos dos Estatutos da A..., CRL. e demais legislação aplicável, que incluem:
a) Lecionação em qualquer um dos ciclos de estudo graduados;
b) Tarefas departamentais como organização de conferências, seminários, organização e lecionação de cursos de pós-graduação/especialização e colaboração na preparação e lecionação de outras atividades extras curriculares que o departamento venha a desenvolver;
c) Desenvolvimento de investigação científica, traduzível, no mínimo, na publicação anual de um artigo em revistas científicas de reconhecida qualidade;
d) Fazer parte dos Centros de Investigação da Universidade como Investigador Integrado, podendo esta obrigação ser objeto de derrogação desde que seja considerada de interesse da Instituição;
e) Orientação de dissertações de mestrado e teses de doutoramento, nos moldes concretos definidos pela Diretora de Departamento;
f) Integração em júris académicos, nomeadamente júris de mestrado, de doutoramento ou progressão na carreira académica para que seja convocado;
g) Participação em todos os órgãos académicos e científicos que integre e em reuniões para que seja convocado;
h) Coordenações de cursos e regências de unidades curriculares dos vários ciclos de estudos graduados.
i) Avaliar os alunos por testes escritos ou orais nas respetivas épocas normal, de recurso, especial (Setembro) e trabalhador/finalista, realizar as vigilâncias, lançar as notas e assinar as respetivas pautas de todas as unidades curriculares que lecione, e que ocorram mesmo fora do período de vigência do contrato, mas que se refiram ao ano letivo em que lecionou a(s) respetivas unidade(s) curricular(es)”.
A recorrente invoca extractos do testemunho de FF. Desses extractos resulta ter referido, no essencial, o seguinte:
FF – “Sim, tem substancialmente diferentes. Tem uma cláusula que exige a permanência 35 horas semanais e tem uma série de alíneas de funções ou atividades a que docente tem de estar, para além propriamente da lecionação de aulas “; [nos contratos de trabalho existe em todos esta cláusula?] “Existem em todas essa cláusula”.
Refere ainda a recorrente que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quanto a este ponto o tribunal a quo referiu o seguinte:
-«Relativamente ao ponto 11, pese embora ter sido junto pela ré uma cópia de um contrato celebrado, a verdade é que ficou o tribunal sem saber se todos os contratos de trabalho tem aquele teor, chamando-se aqui novamente à colação o facto de as testemunhas acima referidas terem todas afirmado desconhecer a natureza do vínculo dos seus colegas professores”.
A dúvida que o Tribunal a quo refere é pertinente e fundada. Na verdade, não basta vir uma testemunha afirmar que todos os contratos de trabalho têm “[..] uma cláusula que exige a permanência 35 horas semanais e tem uma série de alíneas de funções ou atividades a que docente tem de estar, para além propriamente da lecionação de aulas”, quando as testemunhas afirmaram “desconhecer a natureza do vínculo dos seus colegas professores”, e não foram juntos exemplos de contratos de trabalho efectivamente celebrados, muito menos todos, ou seja, não se conhece o teor de quaisquer outros contratos celebrados para além dos respeitantes a AA e BB.
Não há, pois, prova suficiente para se formar uma certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, necessário para que essa alegação pudesse ser dada como provada.
Assim, improcede mais esta parte da impugnação. xxiii)facto não provado 13)
No ponto não provado em causa, lê-se o que segue:
- A distribuição do serviço docente e a calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o acordo de AA, sendo que naquela distribuição deveria ser considerada a sua disponibilidade.
Refere a recorrente que na fundamentação da decisão o Tribunal a quo refere o seguinte:
“… Quanto ao que vem referido em 12 e 13, chamando-se a atenção para o facto de as testemunhas DD e EE terem feito alusão ao contacto que era feito com todos os professores da universidade, não conseguindo explicar o que aconteceria se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora, como acima se disse, a testemunha AA nunca reportou qualquer indisponibilidade, tendo recebido o horário que lhe foi atribuído pela Universidade. …”
Segue dizendo que “se esta provado que AA foi previamente contactado para aferir da sua (in)disponibilidade, nunca poderia a Julgadora dar como assente que o horário deste docente era imposto pelas Ré”, “Como, aliás, resulta dos esclarecimentos prestados em audiência por”, para invocar extractos dos testemunhos de AA, DD, EE e CC , vindo a concluir que “ Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado”.
Esta argumentação, bem como os mesmos meios de prova testemunhal e extractos desses testemunhos foi já usada pela recorrente na impugnação dos pontos provados I e J.
Como ai referimos, estas testemunhas são convergentes ao referirem que os professores são ouvidos para indicarem algum impedimento e darem sugestões quanto aos horários e avaliações, mas deles resulta inequivocamente que quem determina as horas asserem lecionadas e os respectivos horários é a Universidade. De resto, assim ficou explicado, coma maior detalhe e claramente por EE e CC.
Essa consideração tem aqui inteira validade e, logo, esta prova não permite que se considere o que consta neste ponto, cujo sentido vai bem para além, dado ter subjacente a ideia que as marcações feitas pela Ré dependiam do acordo de AA, por estarem dependentes da disponibilidade indicada pelo mesmo.
Ora, não é isso que se retira dos testemunhos. É certo que era ouvida a disponibilidade de todos e sugestões, mas era a Ré quem estipulava os horários nos termos necessários ao preenchimento do horário curricular e, como bem aponta o Tribunal a quo, “se todos os professores reportassem a indisponibilidade relativamente a um certo dia ou hora”, não resulta dessa prova que não fosse fixado para esse dia e horas qualquer horário. Mais refere o tribunal a quo que AA “nunca reportou qualquer indisponibilidade” e, na verdade, assim foi referido pelo próprio nos extractos do seu testemunho invocados pela Recorrente.
Por conseguinte, o que se retira desta prova, designadamente, quanto a AA, é que o seu acordo corresponde a aceitação, que é coisa bem diferente do sentido da alegação não provada.
Improcede, pois, também esta parte da impugnação. xxiv)facto não provado 14):
Consta do ponto não provado 14, o seguinte:
- AA e BB podiam, sem interferências da Cooperativa, lecionar as suas aulas fora das instalações disponibilizadas pela Cooperativa, podendo ocupar o tempo de aula em qualquer outro local (v.g. visitas de estudo, etc.) com interesse para as matérias lecionadas.
Refere a recorrente que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo refere ““… Também quanto ao ponto 14, tal foi referido por esta testemunha, mas de forma vaga e sem que tivesse dado um exemplo de uma situação em que tal aconteceu. …”. Segue, dizendo “certo é que a Julgadora, também ela, sem ter dado um exemplo de uma situação concreta, julgou provados vários factos, conforme referido supra, mas ainda assim, se atendermos aos esclarecimentos prestadosem audiência por”, passando a indicar AA e FF, para concluir “Pelo exposto, deve este facto ser dado como provado”.
AA confirmou que as aulas normalmente são dadas nas instalações da Universidade, “[..] tirando na altura da pandemia, que eram online.” …”. E, FF, os docentes dão aulas “Nas salas de aula da Universidade” e confirmou que também podem fazer visitas de estudo.
Refira-se que os extractos dos testemunhos e argumentação da recorrente são já conhecidos da impugnação do ponto provado E.
Sempre com o devido respeito, não logramos perceber qual é o raciocínio da recorrente para entender que destes extractos pode retirar-se que AA podia, sem interferência da Cooperativa, lecionar as suas aulas fora das instalações disponibilizadas por esta. Como já deixámos dito na impugnação do ponto E, o facto de terem decorrido aulas on line por força das restrições à circulação, contactos e desenvolvimento de actividades em grupo, impostas por razões preventivas nas fases agudas da situação pandémica / Covid 19, constituíram situações de excepção que não põem em causa a regra de em circunstâncias normais as aulas serem dadas nas instalações da Universidade. Do mesmo modo, o facto de haver visitas de estudo, que também tem natureza excepcional relativamente ao horário normal, não põe em causa aquela regra, nem significa que seja feito sem a Ré ser tida nem achada.
Improcede, assim, mais esta parte da impugnação. xxv)facto não provado 15
No ponto não provado em causa, lê-se o seguinte:
- AA e BB podiam não comparecer às reuniões referidas em II) sem qualquer consequência daí emergente.
Alega a recorrente que não há qualquer prova de um controlo e/ou consequência para a não comparência nas reuniões, conforme se alcança dos esclarecimentos prestados em audiência por AA e DD.
Nos extractos que invoca, o primeiro disse “Eu participei sempre, dando quais… Não participei uma vez, mandei um e-mail a pedir desculpa, ninguém me perseguiu, ninguém, não é? Normalmente aparecia na ata. As pessoas que não participavam aparecia na ata a dizer “o Dr. não sei quê, o professor não sei que mais, comunicou que não podia estar presente por razões justificadas e”. …” ; e, DD disse, quanto à participação “É que eu acho que é aconselhável, não é obrigatório. …” .
Os extractos destes testemunhos agora invocados são já conhecidos da impugnação do facto provado M.
Se AA disse que só não participou uma vez, mas enviou o e-mail, explicando as razões, bem assim que “As pessoas que não participavam aparecia na ata a dizer “o Dr. não sei quê, o professor não sei que mais, comunicou que não podia estar presente por razões justificadas e”, não pode assumir-se que não houvesse um dever de comparência. Por outro lado, o testemunho de DD nada esclarece, já que não afirma com segurança se a participação é aconselhável ou obrigatória, antes diz “eu acho”.
Por conseguinte, a prova não é segura para se dar como provado que AA “podia não comparecer às reuniões”.
Improcede, pois, também esta derradeira parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. V. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O recorrente autor insurge-se contra a sentença, defendendo que o tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, devendo ser revogada a sentença e declarada a não existência de um contrato de trabalho entre AA e a Recorrente, desde 01/09/2020.
Na fundamentação da sentença, na vertente da aplicação do direito aos factos, procedendo ao enquadramento jurídico da causa o Tribunal a quo começou por identificar a questão objecto da apreciação, ou seja “[..] qualificar o contrato celebrado entre a rée AA [..] como sendo de trabalho ou de prestação de serviço”, depois prosseguindo, com apoio na doutrina e jurisprudência que cita, debruçando-se sobre as noções de contrato de prestação de serviços e contrato de trabalho e enunciando as características que os distingue e as dificuldades que se colocam em os destrinçar, concluindo esse percurso com considerações sobre a presunção de laboralidade estabelecida no art.º 12.º do CPT, para depois entrar na sua aplicação ao caso concreto, lendo-se, no que respeita a AA, o seguinte: -«[..] Volvemos, então ao caso dos autos, sendo que a situação dos dois professores será separadamente apreciada. Assim, e quanto a AA, considerando a matéria de facto que vem provada, tenho como certo que se verificam os pressupostos da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do artigo 12.º, nº 1 do C. do Trabalho. De facto, a ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré: - Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido, sendo efectuada a validação da sua presença na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré; - Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado; - Realização de exames escritos e orais; - Reuniões com outros docentes; e - Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos. Por outro lado, o número de horas de docência por aquele asseguradas resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência. Acresce que aquele prestava a sua actividade em local pertencente à ré - nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida, na Rua ..., ..., no Porto. Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente. Mais resultou provado que AA prestava a sua actividade com instrumentos fornecidos pela ré - canetas, data-show e quadro, sendo que a este respeito logrou a ré provar os equipamentos ou instrumentos que utilizava não era para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, sendo que o gabinete que usava era partilhado, factos que não se me afigura que afastem o funcionamento daquela presunção. Finalmente, como contraprestação do seu trabalho, recebia em 12 meses a quantia de 1.500€. Temos, portanto, como verificados quatro dos indícios previstos no artigo 12º do C. Trabalho. Vejamos, então, se a ré logrou fazer prova de que a relação contratual ora em causa configura a existência de um contrato de prestação de serviços, assim ilidindo a presunção de laboralidade. Antes de mais, diga-se que, ponto de partida da caracterização da relação entre AA e a requerida é o acordado entre as partes. O tribunal não está naturalmente vinculado ao nome atribuído ao contrato celebrado, sendo que, ainda assim, importará considerar a vontade das partes ali manifestada, especialmente se se considerar a formação académica das partes. Ora, no caso concreto, pese embora estarmos perante um profissional licenciado e doutorado, a verdade é que a sua formação nada tem a ver com a área jurídica, não sendo, assim, de dar especial relevo ao nomem iuris. É certo que a ré também logrou provar que submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes; regime no qual AA está inscrito e que também resultou provado que este contratou um contrato de seguro contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes, mas a verdade é que não pode ser atribuída especial relevância a tal factualidade na caracterização do contrato, já que se trata da decorrência da espécie de contrato cuja celebração foi configurada pela ré. Da matéria de facto resultaram, ainda, outros indícios típicos da laboralidade (ainda que não previstos no citado artigo 12º), a saber: a) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular: - Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes; - Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”; - Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias; - Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente; - Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios; - Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula; - Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e - Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré. b) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes; c) A ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL.: ...; d) AA dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos; e e) a ré atribuiu a AA um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes. Estamos assim perante um professor que exercia a sua actividade – que não se limita a dar aulas, mas que inclui vigilâncias, participação em reuniões, seja, no âmbito da comissão de curso de que fazia parte, seja no âmbito da área de lecionação, a orientação de estágios e mestrados, a investigação – em horas determinadas pela ré (isto independentemente de não estarmos a falar de um típico horário de 7 ou 8 horas diárias), sendo que caso AA estivesse impossibilitado de lecionar determinada aula, não poderia, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigado, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta e que recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, estando sujeito a regulamentos internos da ré e a instruções em vigor na ré. O objecto da prestação que foi acordada pelas partes não foi o fornecimento de um resultado, mas antes o desenvolvimento de uma actividade, auferindo aquele professor um valor mensal constante, do qual dependia economicamente em termos expressivos (cerca de 80%). Afigura-se-me, portanto, que a relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma relação laboral. Aliás, a defesa da ré não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica. Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da ré enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a ré. Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários. Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços. Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos. É, assim, de concluir que a relação contratual mantida entre AA e a ré, desde 1/09/2020 configura um contrato de trabalho.
[..]».
Discorda a recorrente, alegando, nos seus traços essenciais, o seguinte:
i) Neste processo temos dois colaboradores a prestar serviço nas mesmas condições mas, no caso do BB considerou-se que existia um contrato de prestação de serviços e, no caso do AA considerou-se que existia um contrato de trabalho. Se alguém é contactado para aferir da sua (in)disponibilidade e, se conclui que não está indisponível, é porque, está efetivamente disponível para o que lhe foi proposto, pelo que deveria ser o seu vínculo igualmente considerado como prestação de serviços [conclusões LXXVI a LXXX).
ii) É praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado [conclusão LXXXI];
iii) Os elementos constantes dos autos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre AA e a Cooperativa foi de trabalho subordinado, a tal opondo-se, desde logo, o clausulado no contrato celebrado outorgado, do qual não consta a mínima referência à sujeição daquele ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa; foi instituído um regime que estipulou o valor dos honorários totais devidos pela prestação de serviço, bem como a sua forma de pagamento; não sendo contemplado o pagamento de qualquer outra quantia (nomeadamente, subsídio de refeição, subsídio de férias e de natal) (cláusula 2ª/3ª); A que acresce o facto dado como provado O): “Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar.“; Não foi instituído qualquer horário de trabalho [conclusão LXXXIII].
iv) AA é pessoa esclarecida e apresenta um nível cultural que lhe permitia ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime, permitindo concluir-se que as partes não outorgaram um contrato distinto daquele que realmente pretenderam celebrar, bem conhecendo as implicações jurídicas decorrentes da outorga dum contrato de prestação de serviço e, por isso, quis assumir uma relação jurídica dessa natureza em que o exercício das suas funções docentes se operaria sem sujeição do mesmo ao poder de direção da Cooperativa [conclusão LXXXIV]; os factos EE) e FF) atestam que sabia perfeitamente que estava a assinar um contrato de prestação de serviços, se encontrava inscrito como prestador de serviços na Autoridade Tributária e segurança Social, contratualizou o seguro de acidentes pessoais como trabalhador independente, exercendo cumulativamente a atividade de formador, consultor e psicólogo, também em regime de trabalhador independente [conclusão LXXXVIII].
v) Tanto assim é que: não estava sujeito a um horário de trabalho; podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis; não estava sujeito ao dever de assiduidade; não foi acordado com a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se ao serviço da Cooperativa ou disponível para lhe prestar serviço; no período de férias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponível para o prestar e nem se deslocava às suas instalações (como resulta do facto dado como provado O) A distribuição do serviço docente e calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o seu acordo, sendo que naquela distribuição era considerada a sua disponibilidade; como provado em BB), no ano letivo de 2020/2021, não lecionou aulas no segundo semestre, limitando-se a assegurar vigilâncias e exames de época normal e especial; em momento algum invocou um erro na formação da vontade; foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do AA, a pagar em 12 prestações (e não em 14 prestações ano); sendo a atividade prestada a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a lecionação e aprendizagem; A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada; a avaliação a que foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado; a atribuição de um “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade; o acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo; sendo um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”; o cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espirito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço;, o facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente (porque efetivamente o era, independentemente do vinculo) , não poderá ser indício de laboralidade [conclusões LXXXIX a CIII].
vi) desde o envio, em 13/04/2022, do seu CV atualizado, à Direção do Departamento, não realizou qualquer publicação científica em revistas da especialidade, indexadas nas bases de referência ou em quaisquer outros meios de disseminação científica; não existem registos de atividades de conceção, coordenação e participação em projetos de investigação científica, de orientação de estudantes de doutoramento ou de investigadores integrados em projetos de investigação, e de intervenção na comunidade científica, nomeadamente de avaliação de atividade científica; o seu trabalho de orientação científica e académica é parco; não são, ainda, identificadas atividades de transferência de conhecimento para empresas e instituições nos últimos 9 anos; não são conhecidas atividades de participação em órgãos de gestão de ensino superior, nem de participação na preparação de propostas de novos ciclos de estudo ; a atividade como membro de júri de provas académicas é igualmente parca; não realizou de forma continuada e extensiva outras funções integrais aos docentes universitários, tal como expresso no Estatuto da Carreira Docente, refletido no Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL. (20 de Fevereiro de 2002, atualizado em Outubro de 2014); Tudo conforme Parecer emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, tendo o Conselho Científico sido favorável à dispensa do AA [conclusões CIV a CXII].
vii) A necessidade de adotar uma “carreira paralela” à do ensino público, justificará que a Cooperativa privilegie a contratação de doutorados em tempo integral, com produção científica, em detrimento de não-doutorados ou de doutorados que não exibam atividades de investigação, pelo que, não poderia e não pode ser celebrado um contrato de trabalho com AA por não reunir os requisitos constantes da legislação [conclusões CXIII a CXVII].
viii) Invoca o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis), bem assim o Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado), a propósito das especificidades do contrato de docência [conclusões CXXIII a CXXV]
ix)AA não cumpre os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo), dada a ausência de qualquer atividade científica; não existindo até hoje, no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente
próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, reforçado pelo disposto no art. 9.º, n.º 4, do RJIES; Tendo presente o art. 30º, n.º 1, 1), n.º 2, do RJIES, resulta que esta decisão ao impor à requerida que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica, reconhecida no RJIES (art. 30º, n.º 2,), mas também no art. 76, n.º 2, da CR. [Conclusões CXXIV e CXXVII a CXXXX ]
Contrapõe o recorrido Ministério Público também no essencial, o seguinte:
i) O artigo 76º, n.º 2 da Lei Fundamental que “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino”, constitucionaliza a autonomia das Universidades: isto é – autonomia estatutária, ao nível da sua auto-organização; autonomia cientifica, ao livre desenvolvimento da investigação cientifica individual e institucional, envolvendo não só a liberdade de investigadores, docentes e alunos mas também a capacidade de organização de projetos e centros destinados a esse fim; autonomia pedagógica, ou seja a liberdade de aprender e ensinar institucionalizada; abrangendo, portanto, a livre definição de planos de estudos, dos programas, dos conteúdos e dos métodos de ensino” (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa- Anotada, Tomo I, pág. 738-740).
ii) É no exercício da sua autonomia que a ré Universidade decide livremente contratar ou não contratar determinado docente ou investigador e opta pela celebração de contratos de trabalho ou de prestação de serviços. Foi precisamente no exercício da autonomia cientifica e da sua auto governação que a ré celebrou um contrato com o trabalhador, inexistindo qualquer violação do principio da autonomia cientifica da ré.
iii) Ficou demonstrado que o trabalhador, AA, Professor Universitário: - Desempenha as suas funções nas instalações da Ré ou em local por ela indicado [artigo 12º, n.º 1 a) Código do Trabalho] – cfr. C) E) dos factos assentes; - Na sua atividade utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré [artigo 12º, n.º 1 al. b) Código do Trabalho] – cfr. F) G) H) dos factos assentes; - Observa as horas de inicio e termo da atividade estabelecido pela ré - [art.12º, n.º 1 c), Código do Trabalho] - cfr. I) J) K)L) dos factos assentes;- Como contrapartida do trabalho prestado aufere uma quantia que é processada mensalmente [artigo 12º, n.º 1 al. d), Código do Trabalho] – cfr. O) dos factos assentes. Desta factualidade resulta demonstrado que a relação contratual estabelecida entre AA e a ré é uma relação laboral, por se encontrarem preenchidas as circunstâncias enunciadas nas alíneas a) b) c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do código do Trabalho.
iv) Para além disso, de acordo com a factualidade assente o trabalhador AA encontra-se inserido no contexto organizativo da Ré e executa as suas funções de acordo com as ordens, instruções, fiscalização e sob a autoridade direção daquela, não se vislumbrando qualquer vestígio de autonomia no exercício concreto das suas funções.
Antes de avançarmos, deixamos nota que na apreciação não observaremos a ordem inculcada pela recorrente para colocar as questões que fundamentam o recurso, antes se optando, por razões de metodologia, a seguir a que se nos afigura mais apropriada em termos de precedência lógica. V.1 Passando à apreciação, cabe começar por assinalar que a impugnação da matéria de facto procedeu apenas quanto ao facto provado CC, cuja redacção foi alterada, passando a ser a que segue:
-«Em julho de 2021, a ré comunicou a AA, por carta, o seguinte: “… Vimos pela presente comunicar a V.Ex.ª a nossa pretensão em proceder à renovação do contrato de prestação de serviços por mais doze meses, com início no próximo dia 1 de setembro de 2021 até 31 de agosto de 2022, sendo que o valor de honorários a auferir será respeitante ao serviço docente que constar na distribuição de serviço docente de 2021/2022, tudo nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 2 da cláusula 2ª do contrato de prestação de serviços em vigor”».
Como bem se percebe, esta alteração não assume relevância para a questão fulcral em apreço, mantendo-se praticamente intocável o quadro factual considerar. Vale isto por dizer, como a devido tempo daremos conta, que parte da argumentação da recorrente, assente no pressuposto de ver alterada a matéria de facto, soçobra necessariamente. V.2 Alega a recorrente que neste processo estavam em causa dois colaboradores – BB e AA - , na sua perspectiva “a prestar serviço nas mesmas condições”, quanto ao primeiro tendo entendido o Tribunal a quo que existia um contrato de prestação de serviços, enquanto no caso do segundo foi considerado que existia um contrato de trabalho. Argumenta que se alguém é contactado para aferir da sua (in)disponibilidade e, se conclui que não está indisponível, é porque, está efetivamente disponível para o que lhe foi proposto, pelo que deveria ser o seu vínculo igualmente considerado como prestação de serviços.
Diga-se, desde já, que tal como sucedeu em múltiplos pontos já apreciados do recurso, que não percebemos qual o raciocínio lógico assente na construção da recorrente.
Recorde-se, desde já, que este mesmo argumento foi usado para fundamentar a invocada “Contradição da decisão propriamente dita”, que apreciámos no ponto III.4.
Como aí deixámos dito, mas voltamos a repetir, a acção improcedeu quanto a BB e não foi interposto recurso pelo Ministério Público. Assim, estando em causa no presente recurso interposto pela recorrente – e, só o podendo estar - a impugnação da sentença exclusivamente na parte em que julgou a acção relativamente a AA, não tem cabimento procurar aquela fazer um confronto dos fundamentos usados na sentença relativamente a um e a outro, que conduziram a decisões distintas”.
A recorrente parte do pressuposto que ambos estavam “a prestar serviço nas mesmas condições”, para pretender uma solução quanto ao caso aqui em discussão, no sentido que lhe é favorável. Mas não foi esse o entendimento da 1ª instância.
Tendo transitado a sentença na parte respeitante a BB, está absolutamente vedado a este Tribunal ad quem proceder a qualquer indagação para fazer um confronto de situações, pois tal pressuporia, como cremos evidente, sindicar se Tribunal a quo fez uma correcta aplicação do direito aos factos na parte respeitante àquele, o que está fora do objecto do recurso.
O argumento não merece, pois, acolhimento. V.3 As linhas de argumentação acima enunciadas em ii), iii) e iv) pela sua conexão, serão apreciadas em conjunto.
Concordamos com recorrente quando afirma ser praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado. Nesse sentido, a título de exemplo, acórdão do STJ de 13-10-2004 [proc.º 03S2169, Conselheiro Vítor Mesquita, disponível em www.dgsi.pt] refere-se o seguinte:
- «Tem sido orientação praticamente uniforme da jurisprudência ultimamente emitida por este Supremo Tribunal a de que a contratação de docentes do ensino superior particular e cooperativo tanto pode fazer-se recorrendo ao modelo do contrato de trabalho, como ao modelo do contrato de prestação de serviços (2). Quer o n.º 2 do art.º 40 do Dec. Lei n.º 271/89 de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, quer os n.ºs 1 e 2 do art.º 24 do Dec. Lei n.º 16/94 de 22 de Janeiro, diploma que aprovou um novo Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, decorre que não existe uma configuração jurídico-material exclusiva para as relações de trabalho que tenham por objecto a prestação de docência (e/ou da investigação) em estabelecimentos de ensino superior. A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo opera-se num contexto de liberdade contratual (art. 405º do CC) podendo a instituição universitária e o docente recorrer, tanto ao contrato de trabalho (através de um convénio em que se verifique o condicionalismo de subordinação característico do contrato individual de trabalho) como ao contrato de prestação de serviços, optando, num caso ou no outro, pelo modelo de contratação que melhor se ajuste aos seus interesses.
[..]».
Refere a recorrente que contrato celebrado entre si e o docente AA foi atribuída a designação de Contrato de Prestação de Serviços, e que dele não resulta referência à sujeição do ao poder de direção e fiscalização da Cooperativa, sendo que os outorgantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes permita ter uma perceção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respetivo regime recorrente.
É sabido que a qualificação de um contrato é questão jurídico-normativa a solucionar, designadamente, quanto está em causa saber se há uma relação de trabalho subordinado, atendendo à realidade factual que resulte apurada e respeite aos termos da sua execução. A denominação dada ao contrato, assim como o seu clausulado, “não sendo decisivos para a qualificação do contrato, não deixam de assumir especial relevo, uma vez que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato” [Ac. STJ de 21-09-2017, Proc.º 2011/13.7TTLSB.L2.S1, Conselheiro Ferreira Pinto, disponível em www.dgsi.pt].
Diga-se, também, que ainda que o contrato escrito preveja expressamente a ausência de subordinação, mas se verifique que existe uma manifesta contradição entre o formalmente acordado e o realmente executado, nestas situações deverá prevalecer na qualificação a efetuar o que resultar da interpretação global dos índices de subordinação jurídica [Ac. STJ de 17-03-2022, Proc.º 251/18.1T8CSC.L2.S1. Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt]
Ou seja, o facto do contrato celebrado ter sido denominado como de prestação de serviços e dele não constar cláusula referindo expressamente o dever de sujeição à sujeição poder de direção e fiscalização da Cooperativa, como usualmente ocorre nos contratos de trabalho subordinado, só por si não é determinante para a qualificação do contrato. Adiante veremos, pois, o que decorre dos factos provados, tendo em conta as questões suscitadas a esse propósito pela recorrente.
Refira-se, que para reforçar este argumento, a recorrente invoca acrescer “o facto dado como provado O): “Quando realiza orientações de estágios, AA recebe uma verba suplementar”, mas partindo do pressuposto que a impugnação da matéria de facto procederia, eliminando-se o facto provado O e dando-se como provado o ponto não provado 2, o que não se verificou. Ademais, a argumentação tem um equívoco, dado que quanto invoca “o facto dado como provado O “, estaria a querer referir-se ao ponto não provado 2.
Mais se refira que, igualmente com o mesmo propósito, invoca os pontos provados EE) e FF), onde se lê, respectivamente, que “AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo” e “ [..] contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes”.
Quanto ao primeiro destes factos [EE], num parêntesis, cabe evidenciar uma contradição da recorrente. Apesar de o invocar aqui na impugnação da sentença por erro na aplicação do direito aos factos, o que significa que o entende útil para sustentar a sua posição, a montante, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, procedeu à sua impugnação [cfr. ponto xv)].
Retomando o ponto, esses factos são relevantes enquanto indícios de sinal contrário aos típicos do contrato de trabalho subordinado, que adiante cuidaremos de analisar, mas não bastam para atribuir ao teor do contrato celebrado uma relevância suficiente para, só por si, determinar a qualificação da relação jurídica entre as partes. Como já dissemos, haverá que proceder a uma valoração global. V.4 Atentaremos agora nas questões suscitadas pela recorrente que acima identificámos nas alíneas vii, viii e ix.
Como ponto fulcral da posição assumida na acção e reiterada no recurso, a recorrente invoca o Acórdão do STJ de 25/11/2009 (Vasques Dinis), bem assim o Acórdão do STJ, de 26-06-2015 (Mário Belo Morgado), a propósito das especificidades do contrato de docência. E, buscando apoio na doutrina desses arestos, defende que não existindo no Sector Privado, um Estatuto da Carreira Docente próprio, ter-se-á que aplicar o princípio da equiparação ao sector público como forma de responder à lacuna atualmente existente, reforçado pelo disposto no art. 9.º, n.º 4, do RJIES, para sustentar que não cumprindo AA os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo) e tendo o presente o art. 30º, n.º 1, 1), n.º 2, do RJIES, resulta que a decisão recorrida ao impor à requerida que mantenha um trabalhador que foi dispensado pela Universidade, no âmbito da sua autonomia pedagógica, científica e cultural, por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola precisamente a tal o princípio da autonomia pedagógica e científica, mas também no art. 76, n.º 2, da CRP.
Como flui da fundamentação da sentença acima transcrita, após concluir pela verificação de quatro dos indícios de laboralidade previstos no art.º 12.º n.º1, do CT, bem assim que a Ré não logrou ilidir a presunção de existência de contrato de trabalho estabelecida naquele artigo, tanto mais que ficaram ainda demonstrados outros indícios típicos de uma relação de trabalho subordinado, nesse pressuposto afirmando afigurar-se-lhe que “que a relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma relação laboral”, o Tribunal a quo pronunciando-se sobre aquela argumentação, deixou consignado o seguinte:
-«Aliás, a defesa da ré não atacou tanto os pressupostos que agora se referiram, tendo assentado, essencialmente, no facto de AA não poder ser contratado como professor a tempo inteiro atentas a falta de actividade de investigação e de produção científica. Ora, com todo o respeito por tal posição, não se me afigura que, ainda que tal possa ter alguma repercussão na avaliação da ré enquanto universidade e que tal possa (e deva) ser por si ponderado aquando da contratação do corpo docente (qualquer que seja a modalidade de contrato), essas “falhas” no currículo do professor ora em causa possam retirar o carácter de subordinação jurídica ou económica da actividade por si exercida para com a ré. Não quer isto dizer que os requisitos de qualificação – seja a necessidade de investigação, seja a de produção científica – não possam ter influência nos contratos celebrados com os professores universitários. Não podem é, por si só, afastar – se verificados os elementos típicos da subordinação jurídica – a possibilidade de celebrar um contrato de trabalho, determinando automaticamente a celebração de um contrato de prestação de serviços. Aliás, ambos os Acórdão do STJ citados pela requerida (25/11/2009 e 26/06/15) versam sobre contratos de trabalho, questionando-se ali a possibilidade da contratação por duração limitada em moldes diferentes dos estabelecidos no C. Trabalho, questão muito diferente da colocada nestes autos»..
Na verdade, como assinala o tribunal a quo, em qualquer desses arestos, embora respeitem contratos de docentes do ensino superior, a base factual fulcral não é similar, desde logo, em razão dos autores terem sido contratados ao abrigo de contrato de trabalho subordinado, mas também por serem diversas as questões que neles se colocam, como se pode constatar na delimitação do objecto do recurso de cada um deles [ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. No acórdão do STJ de 25-11-2009 [proc. 301/07.7TTAVR.C1.S1, Conselheiro Vasques Dinis], a questão fulcral a apurar consistia em “Saber se a relação laboral que vigorou entre as partes, desde Fevereiro de 1995 até Maio de 2006, deve considerar-se emergente da celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado ou emergente de dois sucessivos contratos de trabalho de duração limitada”; e, no Ac. do STJ de 25-06-2015 [Proc.º 868/12.8TTVNF.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado], indica-se que “Está em causa uma sequência de contratos de docência, de duração limitada, sucessivamente celebrados, ou com início de vigência, em 01.11.1998, 01.02.2001, 03.03.2004 (renovado por mais um ano em 01.02.2007), 01.02.2008, 01.02.2009, 01.03.2009, 01.08.2009, 01.08.2010 e 01.09.2011”.
Para além disso, há ainda outros aspectos fundamentais que são diversos.
O acórdão de 25-11-2009, respeita ao caso de uma docente da Universidade B..., aplicando-se um regime legal próprio, como se infere do respectivo sumário, onde consta, no que aqui releva, o seguinte:
[..] VI - O enquadramento legal da actividade a desenvolver pela Universidade B..., em matéria de contratação do corpo docente, feito pelo Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que remete no n.º 2 do seu artigo 5.º para o «regulamento interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências de evolução da carreira académica dos docentes», afasta, na matéria em causa, a aplicação àquela instituição do regime aplicável ao ensino superior particular e cooperativo. VII - No âmbito do direito português, atento o referido princípio de autonomia, não está excluída a possibilidade de o legislador confiar a instituições do ensino superior, qualquer que seja a entidade instituidora, o estabelecimento, em regulamentos internos, que respeitem os limites da Constituição laboral, de regimes especiais de celebração, execução e extinção de contratos de docência. VIII - As normas dos artigos 34.º, 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º do Estatuto da Carreira Docente da Universidade B..., em vigor desde 1 de Outubro de 1990, que constitui o regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que conferem ao contrato de docência, ainda que não reduzido a escrito, quando celebrado para o exercício de funções de assistente, a natureza de contrato de duração limitada, sem qualquer possibilidade de conversão em contrato sem termo, e impõem a obrigatoriedade de o contrato para o exercício de funções de professor auxiliar ser inicialmente celebrado por tempo determinado, estipulando, em ambos os casos, os respectivos prazos de duração, desenham um quadro normativo justificado pela natureza das coisas, não suscitando apontamentos de ofensa ao direito à não privação arbitrária do emprego que se procurou e se obteve ou ao direito à possível estabilidade no emprego que se procurou e se obteve, protegidos pelo artigo 53.º da Constituição.
[..]».
E, no Ac. do STJ de 25-06-2015, aplicava-se o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, sedo que como se refere no aresto, na apreciação da questão colocada teria que atender ao seguinte: -«Como decorre do exposto em supra n.º 11 a 17 (e ainda dos arts. 4º a 13º do DL 185/81, na versão anterior ao DL 207/2009, de 31/8 - Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico), a contratação de um assistente (ou professor adjunto, à luz na nova terminologia, introduzida pelos DL 205/2009 e DL 207/2009, ambos de 31/8) sem a qualificação de mestre ou doutor, como é o caso da autora (n.º 32 dos factos provados), para exercer funções de docência no ensino superior particular e cooperativo, nunca pode ter lugar no quadro do contrato de trabalho por tempo indeterminado, por isso ser incompatível com o regime legal imperativamente estabelecido nesta matéria, alicerçado – como já se referiu, mas não é demais salientar – no elevado grau de exigência científica e pedagógica da atividade em questão e nos elevados interesses públicos envolvidos neste campo».
Acresce que em ambos os casos estavam em causa a falta de qualificação – grau académico – dos autores, quando no caso em apreço está provado que [QQ] AA é doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
Ora, como bem entendeu o Tribunal a quo, como questão prévia e fulcral, estava em causa, e continua aqui a estar, saber se a relação jurídica estabelecida entre a Ré e o docente AA, que se iniciou em 01 de setembro de 2020, constitui um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, para a qual não releva a alegada “ausência de qualquer atividade científica”, que a recorrente considerou existir face ao “Parecer de dispensa de funções” emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação – em 7 de Julho de 2022 -, recomendando “a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022”, sobre o qual se pronunciou o Conselho Científico em parecer favorável à dispensa do AA.
Por conseguinte, o que releva em primeiro lugar, é atentar nos termos em que foi executado o contrato celebrado, para se verificar se há correspondência com o tipo de contrato celebrado, ou seja, de prestação de serviços, ou se pelo contrário existiu subordinação jurídica e deverá concluir-se estar-se perante um contrato de trabalho subordinado.
Atentando ainda na jurisprudência do STJ, com interesse para o caso, por haver similitude quanto ao essencial, deve referir-se já acima citado Ac. de 17-03-2022 [Proc.º 251/18.1T8CSC.L2.S1. Conselheiro Chambel Mourisco], onde se colocou a questão de saber “Se a relação entre Autor e Ré constitui um contrato de trabalho ou de prestação de serviços”, em cujo sumário consta o seguinte: I- Subjacente ao contrato de trabalho existe uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem. II- Embora o contrato subscrito pelas partes preveja expressamente a ausência de subordinação, resulta da matéria de facto provada que existe uma manifesta contradição entre o formalmente acordado e o realmente executado, devendo nestas situações prevalecer na qualificação a efetuar o que resultar da interpretação global dos índices de subordinação jurídica. III- O facto de o legislador não ter ainda aprovado um regime próprio nos termos anunciados no artigo 24º do Estatuto do Ensino Superior Particular ou Cooperativo, aprovado pelo DL n.º16/94 e de se compreender a importância de tal vir a ser concretizado, não afasta a aplicação do regime geral laboral, in casu, da Lei do Contrato de Trabalho, sem prejuízo de se deverem atender às especificidades próprias do exercício da docência e, particularmente, do exercício da docência no ensino superior.
Com particular interesse para o caso, o ponto III do sumário é retirado desta parte da fundamentação:
-«É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que o facto de o legislador não ter ainda aprovado um regime próprio nos termos anunciados no referido artigo 24º e de se compreender a importância de tal vir a ser concretizado, não afasta a aplicação do regime geral laboral, in casu, da Lei do Contrato de Trabalho, sem prejuízo de se deverem atender às especificidades próprias do exercício da docência e, particularmente, do exercício da docência no ensino superior, o que poderá levar a que, neste ou naquele particular aspeto, detete lacunas na lei geral (que, por definição, não contempla aquelas especificidades) e se proceda à introdução de adaptações[13]
Na nota para onde remete essa parte do texto referem-se os acórdãos do STJ de 13-10-2004 [Proc.º 03S2169, Conselheiro Vítor Mesquita], também já citado; e, o Ac. de 22-09-2010 [proc.º 4401/04.7TTLSB.S1, Conselheiro Mário Pereira, disponível em www. dgsi. pt], em cujo sumário consta o seguinte: I - A contratação de docentes do ensino superior particular ou cooperativo pode efectuar-se tanto através de um contrato de trabalho como de contrato de prestação de serviços, indiciando o n.º 2 do art. 24º do DL n.º 16/94, de 22.01 ser mais adequado o contrato de trabalho, embora com adaptações justificadas pelo tipo de actividade em causa. II - Para efeitos de qualificação contratual e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este diploma só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003. III - Das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que essencialmente os distinguem são: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). IV - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte. V - Como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, exigindo-se, apenas, a mera possibilidade de ordens e direcção. VI - As dúvidas de qualificação que se verificam com particular expressão no domínio de actividades tradicionalmente desenvolvidas em regime de profissão liberal, hoje crescentemente inseridas em estruturas organizacionais complexas, devem ser resolvidas no sentido da subordinação quando o profissional está sujeito a medidas organizativas e a uma disciplina de trabalho em cuja definição não participa. VII - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo estabelecido entre o Autor (Professor Catedrático) e a Ré (detentora de um estabelecimento de ensino superior privado) quando está demonstrado que: o Autor foi contratado para exercer as suas funções em regime de “tempo integral”, renunciando a igual compromisso com outra instituição pública ou privada de ensino superior ou de outro grau de ensino; o exercício das suas funções decorria no estabelecimento de ensino da Ré e em horário definido por ela, sendo o Autor avaliado pelos Departamentos desse estabelecimento de ensino; em contrapartida da sua actividade, o Autor auferia uma retribuição mensal de acordo com uma tabela fixada pela Ré, incluindo o mês de Agosto e os subsídios de férias e o de Natal; cessado o vínculo, a Ré entregou ao Autor a declaração de situação de desemprego, na qualidade de sua entidade empregadora. VIII - A circunstância de não ter sido publicado o diploma contendo o regime próprio da contratação de pessoal docente do ensino superior privado e cooperativo não põe em causa, em face da sua natureza geral, a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho e, concretamente, do regime da cessação do contrato de trabalho no que diz respeito às suas consequências legais.
A recorrente procura contornar a questão fulcral apontada, ou seja, a da qualificação do contrato, ofuscando-a com a colocação de uma questão a jusante, defendendo que a decisão recorrida ao impor-lhe que mantenha um trabalhador que foi dispensado por não preencher os requisitos exigidos (ausência de investigação), viola o princípio da autonomia pedagógica e científica, tendo presente o art. 30º, n.º n.º 2, do RJIES e o art.º 76.º n.º2, da CRP.
Ou seja, na sua perspectiva, ainda que se conclua estar-se perante uma relação de trabalho subordinado, os efeitos daí decorrentes não podem ser os estabelecidos na lei, por alegadamente tal violar o princípio da autonomia pedagógica.
Pois bem, esta construção não pode ser acolhida. Passamos a justificar esta asserção.
É certo que o art.º 76.º /2, da CRP., estabelece que as “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino”. Princípio que é acolhido no art.º 30.º /2, da Lei n.º 62/2007, de 2007-09-10 - Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior –, ao dispor que “As competências próprias das entidades instituidoras devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino, de acordo com o disposto no acto constitutivo da entidade instituidora e nos estatutos do estabelecimento”.
Mas como alega o recorrido Ministério Público, foi precisamente no exercício da sua autonomia que a recorrente decidiu livremente contratar o docente AA, optou pelo celebração de um contrato que denominaram de Prestação de Serviços” e definiu a actividade que pretendia ver assegurada por aquele e em que termos.
Cabendo ter presente, que a recorrente dispõe do Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL. (20 de Fevereiro de 2002, atualizado em Outubro de 2014), que como a própria vem argumentar, estabelece o regime da docência, a definição, as regras de avaliação e de progressão na carreira e também os direitos e deveres do pessoal docente.
Consta desse Estatuto, no que aqui releva, o seguinte:
Artigo 1.º Âmbito de aplicação
Artigo 2.º Categorias
Artigo 3.º Composição e Distribuição do pessoal docente
Artigo 4.º Pessoal especialmente contratado
Artigo 6.º Funções dos professores
1- [..]
2 - [..]
Artigo 7.º Funções do pessoa especialmente contratado
[..].
Artigo 9.º Recrutamento de professores
Artigo 10.º Propostas de recrutamento
Artigo 11.º Propostas de recrutamento de pessoal especialmente contratado
Artigo 12.º Recrutamento de professores visitantes
Artigo 13.º Recrutamento de professores convidados
Artigo 14.º Recrutamento de leitores
Artigo 15.º Recrutamento de monitores
Artigo 16.º Regime de prestação de serviço
Artigo 17.º Progressão na carreira
Artigo 30.º Regime de tempo integral
Artigo 31.º Regime de tempo parcial
Artigo 32.º Componentes do serviço docente
3-[..]
Artigo 34.º Avaliação do desempenho
Artigo 35.º Efeitos da avaliação do desempenho
Artigo 38.º
Num breve parêntesis, bastando atentar no n.º 2, do art.º 35.º e no artigo 38.º/1, constata-se que o Estatuto assenta no pressuposto da contratação de professores – em regime de tempo parcial ou em regime de tempo integral [art.º 16.º]- , ser feita através de contrato individual de trabalho, dado ambos se referirem ao que se considera/ou constitui “justa causa de despedimento”. Não foi o caso do docente AA, com que foi celebrado contrato de prestação de serviços.
Não obstante, para efeitos da sua contratação para exercer funções como Professor Auxiliar, a partir de 1 de Setembro de 2020, pelo período de um ano e com possibilidade de renovação, pelo qual asseguraria, em média, 09h00 semanais de serviço docente [facto AA], deduzindo-se que recrutado por convite, naturalmente que tiveram que ser observadas as exigências estabelecidas no estatuto, designadamente, “por convite, de entre nacionalidades nacionais [..], cuja reconhecida competência pedagógica e ou profissional na área ou áreas disciplinares em causa esteja comprovada curricularmente” [art.º 13.º].
Significa isso, pois, que certamente foi entendido que o currículo apresentado por AA satisfazia as exigências referidas no Estatuto para ser recrutado e passar a integrar o corpo de docentes na qualidade de Professor Auxiliar. De outro modo, seria um contrassenso estar a contratá-lo.
A ter igualmente presente, que em julho de 2021, a requerida comunicou a AA que iria proceder à renovação do aludido contrato, para o ano letivo de 2021/22 [facto CC], bem assim que desde 01 de abril de 2022, no âmbito da sua actividade de docência passou a caber-lhe, para além do mais, a orientação de estágios [facto D].
É, pois, de considerar que a recorrente continuou a entender que AA satisfazia os requisitos necessários para continuar a ser docente – professor auxiliar -, só vindo a ter entendimento diferente em 7 de Julho de 2022 – data do parecer junto aos autos a que se refere facto SS - emitido pela Diretora do Departamento de Psicologia e Educação –, nos seguintes termos: “Pelos motivos apresentados, e por não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia e competências adquiridas) para uma efetiva contribuição para os objetivos do plano estratégico em vigor da Universidade A..., CRL. (cf. https://...A....pt/.../.../ reitoria/...), recomenda-se a dispensa de funções como Professor Auxiliar do Professor AA a partir de 31 de julho de 2022.”.
Não nos cabendo por em causa a bondade desse parecer, não pode contudo deixar de se estranhar que se aponte “não se verificarem reunidas as condições necessárias (em termos de experiência prévia [..], pois, salvo melhor opinião, em termos lógicos, esses requisitos terão certamente sido apreciados na contratação inicial e na renovação do contrato de prestação de serviços, não decorrendo do Estatuto da Carreira Docente da Ré, acima transcrito, que pudessem ser desconsiderados pelo facto da contratação não ter sido realizada e renovada no âmbito de um contrato de trabalho subordinado, fosse a tempo indeterminado, fosse a termo.
Na verdade, o A. foi contratado para exercer a actividade de professor auxiliar - categoria prevista no art.º 2.º do aludido Estatuto -, como efectivamente exerceu, pelo que de acordo com o estabelecido no art.º 9.º a sua candidatura terá sido sujeita à avaliação curricular referida no art.º9.º, referindo o n.º2, que nesse desiderato “procura-se assegurar que o perfil e as competências dos docentes a recrutar correspondem aos que são legal e estatutariamente exigidos para os docentes da categoria correspondente”. A ter presente, ainda, que nos termos do art.º 11º do estatuto, cada departamento submete à apreciação do Conselho Científico as propostas de pessoal especialmente contratado (n.º1), entidade que emitirá parecer, competindo depois à Reitoria avaliar e, quando seja o caso, “submeter as propostas à apreciação Direção da EI”.
Vale isto por dizer, que se todos estes procedimentos foram observados, como imposto pelo Estatuto, o argumento agora usado pela recorrente põe em causa os critérios que teve que ponderar para contratar AA para exercer a actividade de professor auxiliar, sendo indiferente para aquela decisão, à luz dos aludidos estatutos, que tivesse sido celebrado um contrato que denominaram de prestação de serviços.
Por conseguinte, o que está em causa é saber se ao invés de um contrato de “prestação de serviços”, a sua execução revela a existência de subordinação jurídica. E, nesse desiderato, como afirma o STJ, não há razões válidas que imponham afastar “a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho [..]”.
A recorrente agiu livremente, quer na escolha do tipo de contrato que elegeu para contratar o docente AA como professor auxiliar, quer para determinar os termos da sua execução e para o renovar. Inexiste, pois, qualquer violação do princípio da autonomia científica e pedagógica da recorrente, em razão de se proceder à indagação sobre qualificação do vínculo jurídico que existiu entre a recorrente e o docente AA, à luz do regime geral do contrato de trabalho.
Por último, também não merece acolhimento o apelo ao Decreto-Lei n.º 65/2018, de 16 de agosto, que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, defendendo a recorrente que AA não cumpre os requisitos legais resultantes dos normativos legais, estatutos e regulamentos supra referidos, para fazer parte do corpo docente próprio da Universidade (docentes com contrato de trabalho sem termo), dada a ausência de qualquer atividade científica), alegando que para o ano letivo 2022/2023, contratou docentes titulares do grau de doutor, cientificamente ativos e com publicações de artigos em revistas científicas de reconhecida qualidade (ao contrário do AA), para dar cumprimento às exigências da A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior no sentido de estruturar o corpo docente sobre titulares do grau de doutor que sejam cientificamente ativos.
Invoca o art.º 3.º. al. m., onde se dispõe “Regime de tempo integral» o regime de exercício da docência em que se encontram os que fazem do ensino e investigação a sua atividade profissional exclusiva ou predominante, não podendo ser considerados como tal em mais de uma instituição de ensino superior”.
Desde logo, não vimos qual a relevância da invocação do art. 3.º al. m), dado que estabelece uma limitação à possibilidade do exercício da docência a tempo integral “em mais de uma instituição de ensino superior”.
Diga-se, ainda, que o Estatuto da Carreira Docente da Universidade A..., CRL., prevê a contratação em regime de tempo parcial (art.º 31.º), sem que dele resulte que nesse caso os docentes não devam ser contratados em regime de contrato individual de trabalho.
Refira-se, ainda, que atendendo às especificidades próprias do exercício da docência no ensino superior, o art.º 35.º dos Estatutos acima referidos, com epígrafe “Efeitos da avaliação do desempenho”, prevê que a avaliação positiva de desempenho é uma das condições para a admissão a concurso para a progressão na carreira[n.º1], bem assim que “Considera-se justa causa para despedimento o caso de avaliação do desempenho negativa durante dois períodos de avaliação consecutivos” [n.º2], ou seja, previnesoluções para os casos em que os docentes, contratados em regime de contrato individual de trabalho e no pressuposto de garantirem determinados requisitos no exercício da função , não os venham a garantir.
Sublinha-se, sendo esse um aspecto fulcral para a questão em apreço, ou seja, a de saber se estamos perante um contrato de trabalho subordinado, que atentando nos Estatutos acima transcritos, não resulta que AA, quando foi contratado como professor auxiliar, carecesse de algum requisito para esse efeito, inclusive em regime de contrato de trabalho, máxime quanto às suas qualificações académicas, dado ser doutorado em Psicologia Social e Organizacional, especialidade em Psicologia Social, Ambiental e Comunitária, tendo obtido o seu grau em 2007, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa [facto JJ].
Mais se diga, que a recorrente nem põe isso em causa. De resto, seria um contrassenso se o viesse fazer, dado que o contratou como professor auxiliar, pressupondo isso que foram observados todos os procedimentos que deixámos assinalados para aferir a verificação dos requisitos necessários para poder ser contratado e assumir as correspondentes funções que lhe foram atribuídas, designadamente, “Em 26 de Maio de 2022, [..] prestava a atividade de docente, com a categoria de Professor Auxiliar, integrado no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL.” [facto C], consistindo tal actividade “[..] na lecionação das aulas, na avaliação dos alunos e no atendimento destes, cabendo-lhe, ainda, a vigilância a exames, integrar a comissão de curso, desenvolver investigação e, desde 01 de abril de 2022, a orientação de estágios, sendo que, anteriormente, já foi responsável por orientações de mestrado” [facto D].
Por tudo isto, esta argumentação não colhe. Valem aqui as considerações já deixadas sobre a contratação de AA como professor auxiliar e a renovação comunicada em Julho de 2021, para o ano letivo de 2021/22 [facto CC] e, parafraseando de novo o acórdão o STJ de 17-03-2022, se dos factos resultar que no desempenho concreto da actifvidade contratada pela Ré, aquele estava subordinado juridicamente, não há razões válidas que imponham afastar “a aplicabilidade do regime geral do contrato de trabalho [..]”. V.5 O Tribunal a quo conclui estarem verificados os pressupostos da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do artigo 12.º, nº 1 do C. do Trabalho, que a requerida, agora recorrente, não ilidiu essa presunção e, para além disso, que da matéria provada resultaram ainda outros indícios de laboralidade.
Indícios, que verificam, respectivamente: i) quando a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; ii) quando os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; iii) quando o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; iv) quando haja o pagamento, com determinada periodicidade, duma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma.
Discorda a recorrente, defendendo o que elencámos acima sob a alínea v. Refira-se, que desses argumentos não resulta que coloque alguma questão quanto às considerações deixadas pelo Tribunal a quo sobre as normas jurídicas que aplicou.
Importa deixar afirmado que concordamos, em geral, com as considerações jurídicas tecidas pelo Tribunal a quo. No entanto, e pese embora a recorrente não a questione, antes de nos debruçarmos sobre os argumentos que invoca, afigura-se-nos pertinente deixar aqui as notas essenciais para enquadrar juridicamente a questão. V.5.1 O contrato de trabalho subordinado e o contrato de prestação de serviços, diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade (no caso do contrato de trabalho) ou da obtenção de um resultado (no caso do contrato de prestação de serviço), e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação (quanto ao primeiro) ou de autonomia (quanto ao segundo).
A noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, os seguintes: i) a actividade laboral; ii) a retribuição; iii) a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. O primeiro elemento consiste na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. O segundo consiste na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho, sendo normalmente paga em dinheiro. O último corresponde ao que a doutrina e jurisprudência identificam habitualmente, e a partir da perspectiva do trabalhador, pela expressão “subordinação jurídica”, da sua verificação dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, pp. 127/137; e, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pp. 20 a 37].
A subordinação jurídica é usualmente definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei.
Segundo Monteiro Fernandes a subordinação jurídica consiste «(..) numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem (..)». Porém, como assinala o mesmo autor, «(..) a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica», que existirá sempre que relativamente à entidade patronal se verifique «(..) um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato)» não sendo necessário «(..) que essa dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva» [Op. cit, pp. 136/137].
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho é, assim, o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins, como sejam o contrato de mandato, o contrato de sociedade, o contrato de comissão e outros, e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora [art.º 97.º CT/09] a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [art.º 128.º / 1 al. e) e 2, CT/09].
Como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho “O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas vários formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho” [Op. cit.pp.33].
Sendo consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica, já no plano prático, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios de subordinação [Cfr. Monteiro Fernandes, op.cit.,p. 148; Maria do Rosário Palma Ramalho, op. cit. pp. 40; e, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, Editorial Verbo, 2.ª Edição, 1999, p. 156].
Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos.
Para essas “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier, afirma este professor que «(..) é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação», apontando como índices mais relevantes os seguintes:
- Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado.
- Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado.
- Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação.
- Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação.
- Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação.
- Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo.
- Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto [Op.cit. p. 156 e 157].
Mas como também assinala este autor, muitos outros elementos há ainda relevantes para estabelecer a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado. Assim, para além daqueles, a doutrina e a jurisprudência apontam, ainda, a designação dada ao contrato, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização.
Cada um desses indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados [Monteiro Fernandes, op. cit. p. 148].
A jurisprudência sobre esta problemática é vasta e tem seguido uma linha de entendimento uniforme. Precisamente por isso, a título meramente ilustrativo, deixa-se aqui o sumário do Acórdão do STJ de 04-05-2011 [Proc.º n.º 3304/06.5TTLSB.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt/jstj], onde se lê o seguinte:
«I -O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se, basicamente, pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes: enquanto no primeiro se contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado resultado, em regime de autonomia. II - Sempre que a actividade desenvolvida seja de natureza eminentemente técnica, é mais no âmbito do relacionamento entre as partes que hão-de buscar-se os indícios reveladores da matriz que os diferencia, a subordinação jurídica típica da relação juslaboral. III - Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a subordinação jurídica – consubstanciada no poder de conformação da prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o correspondente poder disciplinar – a distinção faz-se pelo método tipológico, deduzindo-se dos factos indiciários, em juízo de aproximação, a qualificação que se demanda. IV - Incumbe ao trabalhador o ónus de alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque constitutivos do direito que vem exercitar (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). V - Na operação de apreciação e qualificação dos factos-índice é essencial averiguar qual a vontade das partes revelada quando procederam à definição dos termos do contrato. VI - Na ponderação global dos indícios disponíveis, o convénio celebrado pelas partes, por escrito, titulado como “contrato de prestação de serviços”, não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, nos termos clausulados e na sua subsequente execução, se constata que o Autor era pago mediante uma prestação mensal variável, calculada em função do número de equipamentos assistidos, inexistindo qualquer retribuição fixa; era o Autor que escolhia fazer férias, quando e como, impondo-lhe a Ré apenas que se fizesse substituir por outro técnico, conquanto que avalizado por esta; as férias não eram remuneradas pela Ré, que também nunca entregou ao Autor qualquer quantia a título de subsídios de férias e de Natal; não se demonstrou que o Autor cumprisse efectivamente algum horário de trabalho; o Autor sempre emitiu os chamados “recibos verdes”, com eles titulando o recebimento das importâncias que lhe eram pagas pela Ré”.
Foi justamente com o propósito de procurar atender a essas realidades de fronteira - ou “zonas cinzentas”, na expressão de Bernardo Lobo Xavier - e facilitar a sua apreensão e qualificação, que o legislador do Código do Trabalho de 2003, introduziu uma nova norma, nomeadamente, o art.º12.º, com a epígrafe, “Presunção”, que se iniciava dizendo “presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que cumulativamente”, para depois enumerar um conjunto de situações, nas alíneas a) a e), que mais não eram do que a tradução de alguns dos indícios de subordinação acima referidos.
É sabido que a redacção da norma levou a sérias dificuldades de interpretação, senão mesmo de aplicação, dada a expressão “cumulativamente”, posto que dai resultava que a presunção legal só operava quando se verificassem “cumulativamente” todos aqueles indícios. Por um lado, verificando-se todos aqueles indícios era inútil a presunção; e, por outro, punha-se a questão de saber como decidir quando se verificavam indícios suficientes para qualificar o contrato como de trabalho subordinado, mas não estavam presentes todos aqueles [Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit. p. 153/154].
Reconhecidas essas dificuldades pelo legislador, essa norma foi entretanto revogada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, passando o mesmo artigo a ter a redacção seguinte:
- «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição».
Convenhamos que a solução não foi igualmente feliz. Com efeito, se o prestador está na “dependência e inserido na estrutura organizativa” do beneficiário da actividade, realizando a sua prestação “sob as ordens, direcção e fiscalização daquele beneficiário” e “mediante retribuição”, parece que nada há a presumir, antes se impondo concluir pela qualificação da relação como de contrato de trabalho subordinado. Como salienta Maria do Rosário Palma Ramalho, “(..) embora se tenha limitado os indícios de laboralidade (..) fez-se coincidir a maior parte desses indícios com os próprios elementos essenciais do contrato de trabalho, o que lhe retirou qualquer valor indiciário, para além de os continuar a conceber como indícios cumulativos, o que diminuía a sua operacionalidade” [Op. cit., pp. 51].
No mesmo sentido pronuncia-se Monteiro Fernandes, observando que a norma não “[..] oferecia uma presunção, mas uma definição (uma segunda definição) do contrato de trabalho. Continuava, pois, a não existir no CT uma verdadeira presunção da existência do contrato de trabalho” [Op. cit. 154].
No artigo 12.º do actual CT, mantendo a presunção de laboralidade, o legislador veio a conferir-lhe uma nova formulação com o propósito de ultrapassar as deficiências apontadas, para além do mais, passando a dispor o seguinte:
«1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2- (..)
3 - (..)
4 - (..)»
Assim, como vem sendo pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, nos termos aí estabelecidos presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção, pode ser afastada se o empregador provar a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato [art.º 350.º n.º2, do CC]. Dito de outro modo, constatada a existência de alguns desses indícios opera a presunção, ficando o trabalhador dispensado de provar a existência do contrato de trabalho [n.º1, do art.º 350.º CC], passa a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção [n.º2, do mesmo art.º 350.º do CC], prova que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
Esta Secção e Relação já se pronunciou em vários arestos afirmando esse entendimento, entre os quais, a título meramente exemplificativo, constam os seguintes [publicados em www.dgsi.pt]:
- Ac. de 14-03-2022, proc.º 368/20.9T8PNF.P1 [Desembargador Domingos Morais] Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, também a ilisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, cabendo à empresa o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão, por força do artigo 350.º do Código Civil. - Ac. de 14-02-2022, proc.º 416/20.6T8VLG.P1 [Desembargador António Luís Carvalhão] I - A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção previstos no nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho; e, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova. II - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), sendo de que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido
- Ac. de 15-11-2021, Proc.º 4280/17.4T8MTS.P3 [relatado pelo aqui relator e com intervenção do aqui excelentíssimo 1.º adjunto]: I - Nos termos estabelecidos no art.º 12.º do CT, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. II - Não estabelecendo a norma qualquer proibição, a presunção legal aí contida é ilidível, como é de regra, significando isso que a qualificação laboral por efeito da presunção pode ser afastada [art.º 350.º n.º2, do CC], passando a recair sobre o empregador o encargo de provar a existência de uma situação de trabalho autónoma ou por conta própria, para afastar a presunção.
- Ac. de 18-11-2019, Proc.º 234/12.5TTPNF.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta]
- II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009. III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC). IV - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e o réu, cumprindo indagar, seguidamente, se este ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.
- Ac. de 17-02-2020, proc.º 2604/19.9T8OAZ.P1 [Desembargadora Rita Romeira].
- [..] VII - Atenta a presunção de laboralidade, estabelecida no art. 12º, do CT/2009, demonstrando o trabalhador pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas do seu nº 2, presume-se a existência de contrato de trabalho cabendo à, alegada, empregadora a prova do contrário (art. 350º, nº 2, do CC), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, tendo de provar que não existiu a subordinação jurídica indiciada por aquelas e, nessa medida, um contrato de trabalho.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho] I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito. II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
- Ac. de 22-10-2018, proc.º 890/14.0TTPRT.P1 [Desembargador Nelson Fernandes, aqui 1.º adjunto e com intervenção da 2.ª adjunta] I - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação. II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009. III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o trabalhador fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção (artigo 350.º, n.º 2, do CC). IV - Não obstante a factualidade permitir ter como integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostrando-se assim preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre o autor e a ré, cumpre no entanto indagar, seguidamente, se esta última ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado. V - Tendo a ré celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efetuadas, à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes. VI - Podendo os enfermeiros comunicadores trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por eles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral. VII - Do mesmo modo, demonstrando-se a desnecessidade de ser apresentada qualquer justificação por parte do prestador da atividade quando este faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho, por decorrer diretamente do poder de direção do empregador.
- Ac. de 14-12-2017, Proc.º 1694/16.0T8VLG.P1 [Desembargadora Paula Leal de Carvalho] I - Para que a presunção de laboralidade constante do art. 12º, nº 1, do CT/2009 atue basta a verificação de, pelo menos, dois dos pressupostos previstos nas diversas alienas desse preceito. II - A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos, de entre eles citando-se, também a título meramente exemplificativo, os que seguem [disponíveis em www.dgsi.pt]:
- Ac. de 08-10-2015, proc.º 292/13.5TTCLD.C1.S1 [Conselheira Ana Luísa Geraldes] II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art. 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.
- Ac. de 12-10-2017, proc.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2 [Conselheiro Gonçalves Rocha] I.O artigo 12º do Código do Trabalho de 2009, aplicável às relações constituídas a partir de 17/2/2009, consagra uma presunção de laboralidade baseada na ocorrência de duas das circunstâncias nele elencadas, fazendo a lei decorrer da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário a existência duma relação de trabalho subordinado. II. Tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC. III. Tendo a R celebrado um contrato para a prestação de serviços de enfermeira comunicadora, através do qual lhe incumbia proceder ao atendimento das chamadas telefónicas efectuadas para a Linha ..., à triagem, aconselhamento e encaminhamento dos utentes de acordo com as situações que lhe eram expostas telefonicamente, e que apelidaram de “contrato de prestação de serviço”, temos de conferir especial valor a tal qualificação contratual se se demonstra que isso correspondeu à real vontade das partes. IV. Podendo os enfermeiros comunicadores da R trocar entre si os turnos que em concreto lhes eram atribuídos de acordo com as disponibilidades por aqueles manifestada, trocas acordadas sem qualquer intervenção da Ré e que não careciam de qualquer autorização desta ou da apresentação de qualquer justificação para o efeito, estamos perante uma forma de organização do trabalho que apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência dum contrato de trabalho subordinado, atento o seu carácter “intuitu personae” e a natureza infungível da prestação laboral. V. E demonstrando-se a desnecessidade de apresentar qualquer justificação quando o colaborador faltasse ao serviço, tal evidencia a ausência de poder disciplinar, cuja existência é fundamental no contrato de trabalho por decorrer directamente do poder de direcção do empregador.
- De 10-11-2021, proc.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1 [Conselheira Paula Sá Fernandes] I- No contrato de trabalho está em causa a prestação da atividade do trabalhador que a entidade empregadora organiza e dirige no sentido de alcançar determinado resultado. Esta subordinação, que consiste na relação de dependência da conduta do trabalhador na execução da sua atividade às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, tem sido considerada, pela doutrina e jurisprudência, como o elemento caracterizador do contrato de trabalho. II- No caso, resultaram apurados factos suficientes para caracterizar a subordinação jurídica que caracterizou a execução da atividade da autora ao serviço da ré, dado ter resultado provada a verificação de diversos fatores indiciários que presumem a existência de um contrato de trabalho, nos termos do n.º1 do artigo 12.º do Código do Trabalho. III- O facto de a Autora não auferir qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal, e de estar inscrita na autoridade tributária como trabalhadora independente configuram o incumprimento de obrigações da Ré no âmbito de uma relação laboral, que não se sobrepõem, nem infirmam os indícios que resultaram provados e de que a lei faz presumir a existência do contrato de trabalho, que no caso indiciam, claramente, a existência de uma relação jurídica de subordinação. IV- Se a presunção da existência de um contrato de trabalho deve assentar nas características concretas descritas no artigo 12, n.º1 do Código do Trabalho, também a elisão dessa presunção – a prova em contrário – deve ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida na empresa e não em meras hipóteses ou informações genéricas, sem que, no caso, se tenham apurado os factos necessários para ilidir a referida presunção legal, cujo ónus da prova pertencia à Ré, por força do art.º 350 do Código Civil. V.5.2 Entendeu o Tribunal a quo verificarem-se “os pressupostos da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a) a d) do artigo 12.º, nº 1 do C. do Trabalho” na consideração do seguinte: -«De facto, a ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré: - Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido, sendo efectuada a validação da sua presença na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré; - Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado; - Realização de exames escritos e orais; - Reuniões com outros docentes; e - Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos. Por outro lado, o número de horas de docência por aquele asseguradas resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aquele a prestar a sua anuência. Acresce que aquele prestava a sua actividade em local pertencente à ré - nas salas de aulas existentes nas instalações da Requerida, na Rua ..., ..., no Porto. Diga-se, porém, que estamos perante uma universidade, sendo, portanto, perfeitamente justificado que a actividade ali tivesse de ser exercida, sendo difícil que tal acontecesse diversamente. Mais resultou provado que AA prestava a sua actividade com instrumentos fornecidos pela ré - canetas, data-show e quadro, sendo que a este respeito logrou a ré provar os equipamentos ou instrumentos que utilizava não era para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, sendo que o gabinete que usava era partilhado, factos que não se me afigura que afastem o funcionamento daquela presunção. Finalmente, como contraprestação do seu trabalho, recebia em 12 meses a quantia de 1.500€. Temos, portanto, como verificados quatro dos indícios previstos no artigo 12º do C. Trabalho»
Seguindo a ordem conferida pela recorrente no alinhamento dos seus argumentos, começa esta por alegar que AA:
- não estava sujeito a um horário de trabalho; podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis; não estava sujeito ao dever de assiduidade; não foi acordado com a Cooperativa, nem nunca foi praticado, um período durante o qual aquele devesse manter-se ao serviço da Cooperativa ou disponível para lhe prestar serviço; no período de férias escolares não prestava à Cooperativa qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponível para o prestar e nem se deslocava às suas instalações (como resulta do facto dado como provado O); a distribuição do serviço docente e calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o seu acordo, sendo que naquela distribuição era considerada a sua disponibilidade; como provado em BB), no ano letivo de 2020/2021
Sem razão, relembrando-se que a impugnação da matéria de facto improcedeu quase na totalidade, nomeadamente, mantendo-se intacta quanto a estes aspectos. Com efeito consta provado o seguinte:
[I)] A ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré:
- Lecionação das aulas referentes às diversas unidades curriculares de que está incumbido;
- Vigilância de exames nos dias e horas determinados pela ré e constante de mapa próprio dirigido a todos os docentes, sendo obrigatório que cada um assegure um número mínimo de tais vigilâncias, sem que tal serviço seja remunerado;
- Realização de exames escritos e orais;
- Reuniões com outros docentes; e
- Atendimento dos alunos, mediante horário a indicar pelo trabalhador, que corresponda a metade do número de horas lecionadas e que não conflitua com os horários das aulas dos alunos.
[J)] O número de horas de docência asseguradas por AA e BB resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aqueles a prestar a sua anuência.
K) É efectuada a validação da presença de AA e de BB na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré.
L) Caso AA ou BB estejam impossibilitados de lecionar determinada aula, não podem, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigados, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta.
II) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que AA e BB deveriam estar presente, tendo estado presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
Assinala-se que as referências que a Recorrente faz aos factos provados O e BB estão incorrectas, pois nada têm a ver com esta matéria.
Segundo a noção legal, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (art.º 200.º/1 do CT). Numa explicação mais elaborada, Monteiro Fernandes escreve o seguinte:
- “O horário de trabalho é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho – número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar – ao longo do dia e da semana: horas de entrada e de saída, intervalos de descanso, dia de descanso semanal” [Op. Cit, pp. 352].
Como bem se percebe, a alínea c), do n.º1, do art.º 12.º, do CT, procura enquadrar-se dentro daquela noção, o que vale por dizer que este indício verifica-se quando possa concluir-se que o prestador da actividade está sujeito a um horário de trabalho - observando horas de início e termo da prestação -, em cumprimento de determinação emanada pela entidade empregadora, tal com acontece tipicamente nas relações de trabalho subordinado.
Assim, atendendo àquele conjunto de factos, decidiu bem o Tribunal a quo ao considerar demonstrado o indício de laboralidade previsto na al. c), do n.º1, do art.º 12.º do CT.
Alega a recorrente em seguida:
- foi acordado um valor total de honorários relativos à carga horária do AA, a pagar em 12 prestações (e não em 14 prestações ano).
Está provado a esse propósito, o seguinte:
O) Como contrapartida do trabalho prestado, AA recebe, por transferência bancária e com periodicidade mensal, no final de cada mês, a quantia de 1.500€, unilateralmente definida pela ré, tendo em conta a carga horária contratada, dividida por 12 meses, ou seja, incluindo o mês de agosto, em que o trabalhador não exerce qualquer atividade, emitindo AA, mensalmente, recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”.
O que está em causa na alínea d) do nº 1 do art.º 12º do CT, é o pagamento de uma quantia certa com uma determinada periodicidade, nos termos em que, em regra, é paga a retribuição no contrato de trabalho subordinado, ou seja, calculada em função do tempo de trabalho contratado e devida no valor correspondente, isto é, mantendo-se esse valor, à partida, periódico, regular e certo.
É o que resulta do facto provado.
É certo que da parte final resulta que AA emitia mensalmente recibo verde eletrónico, com a indicação “Docência”, mas se de facto este é um indício próprio de uma relação contratual de prestação da actividade em prestação de serviços, tal não significa que afaste a verificação do indício de laboralidade. Sucede é que o seu relevo terá de ser ponderado em conjugação com os demais indícios que apontem no sentido de excluir a presença de subordinação jurídica, para se aferir se a Ré logra ilidir a presunção legal do art.º 12.º.
O mesmo se diga quanto a decorrer do facto que não eram pagos a AA subsídios de férias e Natal, embora este indício mais próprio de um contrato de prestação de serviços possa nem sequer ter qualquer relevância. Melhor explicando, em qualquer caso, ou seja, ainda que conjugado com outros indícios, a ausência de pagamento de subsídios de férias e de Natal tem sempre que ser valorizada com especial cuidado, atendendo a todos os demais existentes, quer num quer noutro sentido, pela simples razão, como resulta das regras da experiência, de se verificar na generalidade dos casos em que há recurso a trabalho subordinado sobre a capa de falsos contratos de prestação de serviços. A razão é óbvia: nesses casos, embora queira usar das prerrogativas próprias do poder de direcção com menor ou maior extensão, o empregador não quer assumir, ou melhor dito, quer furtar-se às obrigações correspondentes, entre elas, desde logo, as respeitantes ao pagamento dos aludidos subsídios.
Em suma, está demonstrado o pagamento de uma quantia certa, com periodicidade mensal, como contrapartida da actividade prestada, o que vale por dizer, que igualmente está demonstrado o insidio de laboralidade referido na al. d), do n.º1, do art.º 12.º, CT.
Avançando, a recorrente alega “que sendo a atividade prestada pelo AA a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a lecionação e aprendizagem.”
Quanto a esta matéria está provado o que segue:
E) A atividade de AA e BB não pode ocorrer onde estes entenderem, tendo, obrigatoriamente de ser realizada nas salas de aulas existentes nas instalações da ré, na Rua ..., ..., no Porto.
F) No desenvolvimento da sua actividade, AA e BB utilizam equipamentos e instrumentos disponibilizados pela ré, e a esta pertencentes, nomeadamente, canetas, data-show e quadro.
G) Com exceção do computador portátil, todos os materiais, equipamentos e instrumentos de trabalho são pertença da ré, à qual incumbe a manutenção e reposição dos mesmos.
H) AA e BB nunca tiveram equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo, tendo acesso a salas partilhadas e de uso comum, tendo AA um gabinete partilhado.
A consideração da recorrente merece a nossa concordância. Não obstante, embora por essa razão tenham que ser valorados na globalidade dos demais indícios, aqueles factos não deixam de ser suficientes para se considerar verificados os indícios referidos nas alíneas a) e b), do n.º1, do art.º 12.º do CT.
Por conseguinte, fazendo aqui um ponto de situação, como bem entendeu o tribunal a quo estão demonstrados os indícios de laboralidade previstos nas alíneas a) a d), do n.º1, do art.º 12.º do CT, fazendo operar a presunção da existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré.
Assim sendo, cabe à Ré ilidir essa presunção legal, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), mas como tem sido entendimento da jurisprudência, nomeadamente a acima citada desta Relação e também do STJ, para o efeito não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, antes devendo ser sustentada na realidade fáctica desenvolvida no exercício da actividade, cabendo-lhe, enquanto entidade beneficiária dessa prestação, o ónus da prova dos concretos e reais factos que consubstanciem essa ilisão [cfr. Acórdãos desta Relação de 14-12-2017, de 14-02-2022, e de14-03-2022].
Procedendo a essa indagação, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue: -«Vejamos, então, se a ré logrou fazer prova de que a relação contratual ora em causa configura a existência de um contrato de prestação de serviços, assim ilidindo a presunção de laboralidade. Antes de mais, diga-se que, ponto de partida da caracterização da relação entre AA e a requerida é o acordado entre as partes. O tribunal não está naturalmente vinculado ao nome atribuído ao contrato celebrado, sendo que, ainda assim, importará considerar a vontade das partes ali manifestada, especialmente se se considerar a formação académica das partes. Ora, no caso concreto, pese embora estarmos perante um profissional licenciado e doutorado, a verdade é que a sua formação nada tem a ver com a área jurídica, não sendo, assim, de dar especial relevo ao nomem iuris. É certo que a ré também logrou provar que submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes; regime no qual AA está inscrito e que também resultou provado que este contratou um contrato de seguro contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes, mas a verdade é que não pode ser atribuída especial relevância a tal factualidade na caracterização do contrato, já que se trata da decorrência da espécie de contrato cuja celebração foi configurada pela ré. Da matéria de facto resultaram, ainda, outros indícios típicos da laboralidade (ainda que não previstos no citado artigo 12º), a saber: a) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular: - Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes; - Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”; - Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias; - Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente; - Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios; - Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula; - Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e - Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré. b) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes; c) A ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL.: ...; d) AA dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos; e e) a ré atribuiu a AA um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes. Estamos assim perante um professor que exercia a sua actividade – que não se limita a dar aulas, mas que inclui vigilâncias, participação em reuniões, seja, no âmbito da comissão de curso de que fazia parte, seja no âmbito da área de lecionação, a orientação de estágios e mestrados, a investigação – em horas determinadas pela ré (isto independentemente de não estarmos a falar de um típico horário de 7 ou 8 horas diárias), sendo que caso AA estivesse impossibilitado de lecionar determinada aula, não poderia, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigado, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta e que recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, estando sujeito a regulamentos internos da ré e a instruções em vigor na ré. O objecto da prestação que foi acordada pelas partes não foi o fornecimento de um resultado, mas antes o desenvolvimento de uma actividade, auferindo aquele professor um valor mensal constante, do qual dependia economicamente em termos expressivos (cerca de 80%). Afigura-se-me, portanto, que a relação estabelecida entre AA e a requerida configura uma relação laboral».
Diremos, desde já, que concordamos com este entendimento. Passamos a justificar esta asserção, atentando nos argumentos da Recorrente.
Defende a Recorrente que “A existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas diretivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada”.
Concordamos, em termos gerais e abstractos, com essa afirmação. Sucede, porém, que no caso concreto está provada matéria que vai bem para além da emissão de “algumas diretivas, instruções e orientações”, como se retira dos factos seguintes:
I) A ré procede à elaboração de horários a AA, com indicação das respetivas datas, para as seguintes atividades conforme definido e determinado pela ré: [..].
J) O número de horas de docência asseguradas por AA e BB resultou sempre de determinação da ré, limitando-se aqueles a prestar a sua anuência.
K) É efectuada a validação da presença de AA e de BB na folha de presenças dos alunos, que é recolhida junto do contínuo e depois de efetuada a chamada é rubricada e devolvida ao contínuo, a quem incumbe, em caso de falta do docente, registar tal ausência no sistema informático da ré.
L) Caso AA [ou BB] estejam impossibilitados de lecionar determinada aula, não podem, por sua iniciativa, proceder à alteração do horário desse tempo letivo, estando obrigados, como qualquer docente, a proceder à reposição da aula e a justificar a sua falta
N) AA recebe ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade, e em particular:
- Quanto à escolha das unidades curriculares: Coube à Diretora do Departamento de Psicologia e Educação, professora HH, definir as unidades curriculares lecionadas pelo trabalhador em cada um dos anos letivos;
- Quanto à determinação para participar em reuniões de docentes;
- Quanto à sujeição ao “Regulamento de avaliação de desempenho”;
- Quanto à obrigatoriedade para se voluntariar para fazer vigilâncias;
- Quanto aos horários em que deve lecionar as aulas;
- Quanto à circunstância de poder ser objeto de intervenção hierárquica mesmo na sua atividade de docente;
- Quanto à integração nas listas de docentes orientadores de estágios;
- Quanto aos procedimentos a adotar em casa de falta, mediante a imposição de justificação da falta e de reposição da aula;
- Quanto ao preenchimento das fichas das unidades curriculares, de acordo com as orientações provindas da Reitoria da Universidade A..., CRL., as quais, depois de inseridas no sistema informático, são alvo de avaliação; e
- Quanto ao cumprimento do Regulamento Pedagógico da ré.
HH) AA [e BB] reportam diretamente ao Diretor de Departamento e, indiretamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões com o Diretor de Departamento, reuniões com a Administração, com a Reitoria.
II) Os órgãos da Universidade marcavam as suas próprias reuniões em que AA e BB deveriam estar presente, tendo estado presente em diversas reuniões, nomeadamente, de departamento, reuniões de preparação dos anos letivo, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a Universidade.
Deve ter-se presente que cabe ao empregador “estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” [art.º 97.º CT]”. O que resultou provado consubstancia com suficiência bastante o exercício desse poder de direcção pela Ré relativamente a AA.
Por conseguinte, tem também o Tribunal a quo razão, quando diz que da matéria provada resultaram ainda outros indícios de laboralidade, sendo de realçar que este é, nem mais nem menos, um dos principais sinais distintivos da existência de subordinação jurídica.
Segue a recorrente, dizendo que “a avaliação a que AA foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado”.
Cabe deixar esclarecido que na presente acção não consta provado o facto que a recorrente tem em mente. Trata-se de um lapso da recorrente que não nos passa despercebido e que se compreende, dado termos apreciado e decidido o recurso interposto da sentença proferida no procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspecção previsto no art. 15º-A da Lei nº 107/2009, de 14/09, que correu por apenso a estes autos (apenso A). A recorrente usou aí desse argumento, reportando-se ao facto provado OO), onde constava “ AA foi sujeito a avaliação no seu desempenho - autoavaliação e avaliação feita pelos alunos”.
Não estando aqui provada essa matéria, nem havendo qualquer referência na parte da fundamentação da sentença acima transcrita e, como se disse, tratando-se de um lapso da recorrente, nada nos cumpre apreciar quanto a essa alegação.
Prosseguindo, alega a recorrente que a atribuição de um “Cartão Identificação” a um colaborador, não constitui qualquer indício de laboralidade; o acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo; sendo AA um Docente compreende-se que lhe seja fornecido um “kit de boas-vindas”; o cabaz de natal, tratou-se de um gesto da Cooperativa imbuído do natural e compreensível espirito natalício, e foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço; o facto de o nome e fotografia do AA constar do site como docente (porque efetivamente o era, independentemente do vinculo) , não poderá ser indício de laboralidade.
Seguindo aquela ordem, começaremos por relembrar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não procedeu quanto aos pontos não provados seguintes:
8) O “Cartão Identificação” é um documento que permite identificar o seu titular, e que permite circular nas instalações da Cooperativa e é atribuído a todos os colaboradores, sejam docentes, sejam não docentes, sejam prestadores de serviço, sejam trabalhadores, sejam alunos, cartão que visa também facilitar o controlo pela segurança de quem entra nas instalações.
10) O cabaz de natal foi entregue a todos os colaboradores, sejam docentes, não docentes, prestadores de serviço, etc.
Feita esta precisão, diremos, desde já, que àqueles factos que a recorrente refere, acresce um conjunto de outros - de seguida transcreveremos todos eles -, que revelam outros indícios de laboralidade não tipificados, nomeadamente, a inserção do de AA na organização produtiva em termos de plena paridade com os docentes contratados vinculados por contrato de trabalho, designadamente, com todos aqueles a tempo integral – referidos no facto provado DD -, bem assim a existência de dependência económica. Os factos q que nos referimos são os seguintes:
P) AA encontra-se inserido no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade A..., CRL., do qual fazem parte os diversos docentes, quer os pertencentes ao quadro, quer os restantes
Q) A ré atribuiu a AA um endereço de correio eletrónico, com o domínio da Universidade A..., CRL.: ....
R) AA dispõe de gabinete (com o número 303), partilhado com outros docentes, sendo que cada um tem secretária própria e armário com chave, sendo aqui efetuado o atendimento dos alunos.
S) AA e BB têm acesso à cantina / bar, como todos os docentes e alunos, bem como a uma área reservada a funcionários e docentes.
T) O acesso à cantina/bar é facultado a qualquer colaborador, independentemente do vínculo.
U) A ré atribuiu a AA e a BB um cartão com o seu logótipo, que lhes permite tirar fotocópias e aceder ao parque de estacionamento, a título gratuito, tal como todos os docentes
V) No início do ano letivo de 2020/21, AA foi convidado pela ré a participar de uma cerimónia de receção aos novos docentes, na qual lhe foi entregue um kit de boas-vindas, idêntico ao recebidos pelos restantes docentes.
W) Aquando do Natal, AA e BB receberam da ré, tal como os demais docentes, um cabaz de Natal.
X) O nome e a fotografia de AA constam no sítio da ré, como docente a tempo integral, embora no Departamento de Economia e Gestão.
Y) A atividade profissional de docência prestada por AA para a ré garante àquele cerca de 80% dos seus rendimentos.
TT) AA consta da plataforma de atualização de equipas de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, enquanto colaborador com uma dedicação de 10%, não estando identificado na mesma enquanto membro integrado.
UU) Consta ainda como membro de equipa da proposta de projeto com a referência ... no âmbito do Concurso de Projetos de I&D em Todos os ... – 2022, proposta que tem por Investigadora Responsável II e por Co-Investigadora Responsável JJ.
VV) A restante equipa é composta por 15 membros, dos quais faz parte AA, com uma dedicação de 10%, não sendo ainda indicado como Membro nuclear da Proposta.
Atentando em todo este conjunto de factos, deve concluir-se que AA estava claramente inseridos na estrutura organizativa da Ré, forte indício de uma relação de trabalho subordinado, tanto mais que há que conjugar esta constatação com as que demais viemos expondo ao longo desta apreciação, desde logo, pela sua especial relevância, estar sujeito a “ordens, regras e orientações para a execução do trabalho, nomeadamente da professora CC, a quem reporta os relatórios do final do ano letivo, e das professoras DD e EE com as quais esclarece as dúvidas ou questões que surjam na sua atividade (..)” [facto N].
Assim, feita a ponderação global dos factos provados, cremos só poder concluir-se que a Ré não logrou de todo ilidir a presunção da existência de um contrato de trabalho que se entendeu ter operado.
É certo que em abono da sua posição, ou seja, consubstanciando indícios de autonomia próprios de um contrato de trabalho de prestação de serviços, constam ainda provados os factos seguintes:
EE) AA está inscrito na Autoridade Tributária e na Segurança Social como trabalhador independente, com as atividades de formador, consultor e psicólogo.
FF) AA contratualizou seguro de acidentes de trabalho como trabalhador independente, assumindo os encargos daí decorrentes.
GG) A Cooperativa submete os honorários pagos a AA ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores independentes.
Mas esses indícios, vistos no conjunto global que cuidámos de enunciar, não assume relevância suficiente para ilidir a presunção legal, do art.º 12.º, sendo que para o conseguir, repete-se, não bastava à Ré criar a dúvida, o que de resto nem tão pouco se retira destes escassos indícios no sentido da existência de um contrato de prestação de serviços.
Concluindo, não se reconhece fundamento à recorrente, improcedendo o recurso.
*
Em matéria de custas judiciais, a regra geral é a de que a taxa de justiça é fixada «em função do valor e complexidade da causa» (artigos 6.º, n.º 1 e 11º, do RCP e 529º do atual CPC).
Na consideração dessa regra, o n.º5, do art.º 6.º do RCP, estabelece que “O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade”.
Entende-se que no caso concreto, pela extensão das questões que foram colocadas à apreciação no recurso, particularmente na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas também na vertente da impugnação por alegado erro de direito, o recurso adquiriu uma complexidade bem para além da que é normal em questões similares, por essa razão revelando-se de “especial complexidade”.
Assim, entende-se dever fazer uso do disposto no aludido n.º5, do art.º 6.º do RCP, para determinar a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, anexa.
VI. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Improcedentes as arguidas nulidades da sentença;
ii) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iii) Improcedente a impugnação por alegado erro de direito, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC), determinando-se, nos termos do n.º5, do art.º 6.º do RCP, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, anexa.
Porto, 12 de Julho de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira