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CESSAÇÃO DA CONTUMÁCIA
CARTA ROGATÓRIA
Sumário
I – A cessação de contumácia pode ocorrer com a apresentação em juízo em tribunal estrangeiro, solicitada através de carta rogatória, no âmbito da cooperação judiciária internacional II – O teor do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2014 não contraria tal possibilidade
Texto Integral
Proc. n.º 298/18.8GDVFR-A. P1
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
I – O Ministério Público veiointerpor recurso do douto despacho do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que decidiu não expedir carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas a fim de o arguido ser pessoalmente notificado da acusação e prestar termo de identidade e residência.
São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. Nos presentes autos, durante o inquérito, o arguido prestou um TIR com morada no estrangeiro.
2. Sucede que não foi possível notifica-lo pessoalmente dos despachos de acusação e de agendamento da audiência de julgamento, razão pela qual no dia 28/05/2021 foi declarado contumaz, nos termos do disposto no art.º 335º, n.º 1, do CPP;
3. No dia 02/03/2023, o Gabinete Nacional Sirene comunicou que o arguido foi localizado na Roménia, tendo declarado residir em “Calle ..., ..., Espanha”.
4. Em 06/03/2023 o Ministério Público promoveu a expedição de carta rogatória para notificação pessoal da acusação e prestar novo TIR;
5. Em 27/03/2023 o Tribunal “a quo” indeferiu a totalidade da promoção, considerando que a mesma ia contra o AUJ do STJ n.º 5/2014;
6. O AUJ do STJ n.º 5/2014 debruçou-se apenas sobre a questão da ineficácia das notificações realizadas por via postal do arguido residente no estrangeiro e da irrelevância da recolha de TIR para efeitos da cessação de contumácia;
7. A prestação de TIR não é causa de cessação de contumácia, mas antes a apresentação do arguido;
8. Essa apresentação do arguido não tem de ser efetuada perante o Tribunal onde corre termos o processo;
9. Se o Tribunal português expede uma carta rogatória para o Tribunal espanhol para notificação pessoal da acusação ao arguido, o Tribunal rogado é uma “lunga manus” do Tribunal rogante;
10. Se o arguido convocado pelo Tribunal espanhol viesse a comparecer naquelas instalações voluntariamente e assinasse a notificação do despacho de acusação, tal facto encerra o conceito de “apresentação” do arguido e, consequentemente, faria cessar a contumácia;
11. Quando o art.º 336º, n.º 1, do Código de Processo Penal refere que a contumácia cessa com a “apresentação” do arguido, esta norma quer-se reportar ao contacto pessoal do arguido com o Tribunal, uma vez que é a falta desse contacto pessoal, traduzido na falta de notificação dos despachos de acusação e daquele que designa data para julgamento, que dá origem à contumácia – art.º 335º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
12. Conhecido o paradeiro do arguido existiria a possibilidade de ser efetuado um contacto pessoal entre o tribunal e o arguido quando a autoridade oficial estrangeira contactasse pessoalmente com o arguido e o notificasse da acusação, uma vez que aquela autoridade funcionava como uma legítima extensão do tribunal português, no contexto de um pedido de cooperação internacional;
13. A prestação de TIR seria irrelevante porque a ligação do arguido aos ulteriores trâmites processuais só poderia manter-se através das sucessivas notificações pessoais através de cartas rogatórias visto que no estrangeiro não existe o serviço postal com prova de depósito;
14. Aliás, no presente processo, o arguido já tinha prestado TIR em fase de inquérito indicando uma morada no estrangeiro sendo que não era nem é obrigado a indicar uma morada em Portugal para receber notificações:
15. O Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 335º, n.º 1, e 336º, n.º 1, do C.P.P..»
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, aderindo à argumentação aduzida na motivação do recurso e invocando, para além do acórdão nela invocado (o acórdão desta Relação de 25 de janeiro de 2023, proferido no processo n.º 720/03.8PVPRT-A.P1, relatado por Lígia Trovão, acessível in www.dgsi.pt) também o acórdão da Relação de Évora de 15 de fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 78/01.0TABJA.A.E1, relatado por António José Latas (também acessível in www.dgsi.pt), acórdão anterior ao referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014, mas que manterá plena atualidade e validade.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser revogado o despacho recorrido, que, invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014, indeferiu a promoção do Ministério Público de expedição de carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas a fim de o arguido AA ser pessoalmente notificado da acusação contra ele proferida e prestar termo de identidade e residência.
III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«Nos presentes autos o arguido AA prestou termo de identidade e residência com morada em Espanha.
Remetido o processo para a fase de julgamento, foi proferido despacho em 21/02/2020, a receber a acusação e a designar data para realização de audiência de julgamento. Ademais, tendo em consideração a posição que vem sendo sufragada pela nossa jurisprudência no sentido de não ser viável a notificação do arguido, por via postal em morada situada no estrangeiro, determinou-se a expedição de carta rogatória dirigida às autoridades competentes de Espanha com vista à notificação pessoal do arguido quanto ao despacho de acusação, do despacho que recebeu a acusação e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, e para, querendo, requerer abertura de instrução ou contestar.
A carta rogatória foi devolvida sem cumprimento (cfr. ofício junto a 10/08/2020 e tradução junta a 23/10/2020).
Foi então proferido despacho em 21/09/2020 a dar sem efeito as datas designadas para audiência de julgamento, e posteriormente proferido despacho em 28/05/2021 a declarar o arguido contumaz.
Pelo Gabinete Nacional Sirene, em 16/11/2022, foi prestada informação da qual consta que o arguido foi localizado em ..., ..., Espanha, tendo declarado residir na via pública e indicando o contacto telefónico.
Por despacho proferido em 29/11/2022, considerando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014 (publicado no Diário da República de 21/05/2014) que uniformizou jurisprudência no sentido de que “ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia”, determinou-se que aguardassem os autos o comparecimento do arguido em juízo; e bem ainda a tentativa de contacto telefónico com o mesmo, através do número fornecido, a fim de se averiguar a previsão da sua deslocação a território nacional, para se apresentar em juízo e prestar termo de identidade e residência.
Contactado telefonicamente, o arguido manifestou intenção de se deslocar a Portugal no mês de janeiro de 2023, com vista a cessar a contumácia (termo de 22/02/2023), o que não se veio a verificar.
Pelo Gabinete Nacional Sirene, em 03/03/2023, foi prestada informação da qual consta que o arguido foi localizado na Roménia, tendo declarado residir em “Calle ..., ..., Espanha”.
O Ministério Público promoveu então a expedição de carta rogatória às autoridades judiciárias espanholas para a morada que o arguido indicou no controlo policial, a fim de ser notificado pessoalmente do despacho de acusação e prestar termo de identidade e residência.
Decidindo:
Ao abrigo do disposto no art. 335.º do Código de Processo Penal, a contumácia é declarada quando, além do mais, “não for possível notificar o arguido do despacho para apresentação de contestação ou do despacho que designa a data da audiência”.
Considerando que aquando da prestação de termo de identidade e residência os arguidos indicam morada para efeito de serem notificados por via postal simples com prova de depósito (art. 196.º do Código de Processo Penal), em regra, as notificações são efetuadas por esta via, inclusivamente da data designada para a audiência de julgamento. E por tal motivo, o instituto da contumácia tem aplicação residual.
Destarte, conforme consta do despacho proferido nestes autos em 18/02/2020 “como vem sendo entendido na nossa jurisprudência, não é viável a notificação do arguido por via postal simples em morada situada no estrangeiro, ainda que constante do termo de identidade e residência, porque tal forma de notificação implica que se observem os procedimentos previstos no nº 3 do art. 133 do CPP, nomeadamente que o distribuidor do serviço postal lavre uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, enviando-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente. Igualmente não é bastante o envio de uma vulgar carta registada com aviso de recepção, pois o aviso tem de indicar os procedimentos que os serviços postais deverão observar no caso do destinatário se recusar a assinar, se recusar a receber a carta, ou não ser encontrado – neste sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/03/2014, P.º 23/12.7TAVCT.G1 (www.dgsi.pt)”.
Sobre a caducidade da declaração de contumácia dispõe o art. 336.º do Código de Processo Penal que:
“1 – A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo anterior.
2 – Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência, sem prejuízo de outras medidas de coação, observando-se o disposto nos n.ºs 2, 4 e 5 do artigo 58.º.
3 - Se o processo tiver prosseguido nos termos da parte final do n.º 5 do artigo 283.º, o arguido é notificado da acusação, podendo requerer abertura de instrução no prazo a que se refere o artigo 287.º, seguindo-se os demais termos previstos para o processo comum”.
Daqui resulta que a contumácia caduca quando o arguido se apresentar em juízo ou quando for detido. Sendo que em qualquer das duas situações o arguido, obrigatoriamente, presta termo de identidade e residência.
Assim, o Tribunal deve tomar as medidas necessárias para detenção do arguido e prestação de termo de identidade e residência. Tem-se em vista, em suma, proceder às legais notificações ao arguido, corolário do direito de defesa, de molde a fazer prosseguir os demais trâmites do processo. Sem prejuízo, naturalmente, de aquele se apresentar voluntariamente.
Contudo, sobre as hipóteses em que o arguido contumaz é localizado no estrangeiro, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 5/2014 (publicado no Diário da República de 21/05/2014).
Importa aqui ter presente os acórdãos da relação em oposição sobre a mesma questão de direito que motivaram o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
Com efeito num dos acórdãos apreciou-se a seguinte questão: “o Ministério Público requereu a expedição de carta rogatória para o Brasil para que a arguida, declarada contumaz, mas com residência conhecida naquele país, prestasse termo de identidade e residência (TIR), a fim de se pôr termo à contumácia. O requerimento foi indeferido, com fundamento em que o art. 336.º, n.º 2, do CPP não contempla a situação em que o contumaz reside no estrangeiro. Interposto recurso para a Relação de Évora, esta revogou o despacho recorrido, ordenando a expedição da carta rogatória para prestação de TIR pela arguida, a fim de se viabilizar a caducidade da contumácia e o prosseguimento do processo”.
Por sua vez, num outro acórdão apreciou-se a seguinte situação: “o Ministério Público requerera igualmente a expedição de carta rogatória dirigida à Suíça para prestação de TIR por parte do arguido, declarado contumaz, mas com residência conhecida nesse país, com vista à cessação da contumácia. Tal pretensão foi indeferida, com o argumento de que a contumácia cessa apenas quando o arguido se apresentar ou for detido. Não se tendo apresentado o arguido, nem sendo possível a sua detenção, por se encontrar no estrangeiro, entendeu-se que não havia fundamento para a carta rogatória com o fim assinalado.
Interposto recurso para a Relação de Évora, esta confirmou o despacho referido, ratificando aquele entendimento”.
Atento o vertido, a questão de direito delimitada para efeitos de fixação de jurisprudência consistiu em saber: “se, estando o arguido contumaz no estrangeiro, mas sendo conhecida a sua residência, é admissível a expedição de carta rogatória para país da residência para que o arguido preste TIR, com vista à cessação da contumácia”.
O Pleno dos Juízes das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça veio a dizer que sendo o arguido contumaz localizado no estrangeiro, “em tal situação, não há apresentação do arguido, e as autoridades portuguesas não podem evidentemente ordenar a sua detenção”, salvo quando haja pedido de extradição ou de mandado de detenção europeus, quando admissíveis. Perguntando então se estavam vetados os meios para fazer cessar a contumácia, prosseguiu o douto acórdão referindo que “a prestação de TIR assume-se (…) como o elemento fulcral de ligação do arguido ao processo, permitindo a sua tramitação até final, e simultaneamente facultando ao arguido o exercício efetivo dos seus direitos de defesa.
Contudo, como já se assinalou, não é a prestação de TIR que precede e provoca a caducidade da contumácia; pelo contrário, é a caducidade da contumácia que determina e provoca a prestação de TIR. É o que dispõe o art. 336.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Ou seja: é o contacto pessoal do arguido com o tribunal (por meio da apresentação ou da detenção) que permite considerar caducada a contumácia, que é caracterizada precisamente pela impossibilidade de efetuar esse contacto. É o contacto pessoal que viabiliza, por meio da prestação de TIR, a manutenção de uma ligação do arguido ao processo até ao seu termo. O TIR é o instrumento dessa ligação subsequente à caducidade da contumácia, não a causa dessa caducidade.
Daí que a emissão de carta rogatória para prestação de TIR pelo arguido residente no estrangeiro não seria idónea para fazer cessar a caducidade.
Aliás, nem poderia ser de outra maneira, porque só a apresentação pessoal do arguido ou a sua detenção asseguram a sua efetiva disponibilidade para os posteriores termos do processo.
Ao invés, a mera prestação de TIR por contumaz residente no estrangeiro, ainda que fosse considerada admissível, não garantiria essa disponibilidade.
Pode, pois, o arguido ser julgado na sua ausência. Mas desde que regularmente notificado (art. 333.º, n.º 1, do CPP), notificação essa a realizar por meio de via postal simples, como se referiu. Sem essa notificação o julgamento na ausência do arguido não é admissível”. Destarte, acrescentou que na notificação por via postal simples, com prova de depósito (na morada do TIR), é a prova de depósito em que servidor postal certifica a entrega da carta na caixa de correio que viabiliza a via postal como meio de comunicação ao arguido do ato ou da convocação do tribunal, procedimento que não é extensível aos serviços postais estrangeiros. Por outro lado, afastou-se ali a possibilidade de proceder à notificação por via postal registada, prevista no art. 113.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, argumentando-se que “na verdade, não é por acaso que o legislador estabeleceu a via postal simples para a notificação do arguido sujeito a TIR. É que a notificação por via postal simples para a morada indicada pelo arguido, ao impor a elaboração pelo carteiro da declaração de depósito, e ao responsabilizar simultaneamente o arguido pela recolha da correspondência recebida nessa morada, assegura a entrega da correspondência no domicílio do destino, o domicílio indicado pelo arguido”.
Decidiu nesse seguimento o Pleno dos Juízes das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça fixando jurisprudência no sentido de que “ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia”.
Posto isto, no caso dos autos o arguido prestou termo de identidade e residência indicando morada no estrangeiro, em Espanha, razão pela qual a notificação da acusação, a notificação para, querendo, requerer a abertura de instrução, para contestar e a dar conhecimento da data para audiência de julgamento não se mostrava possível por via postal, sendo que, a notificação através de carta rogatória pelas autoridades judiciárias competentes em Espanha, também se revelou frustrada.
Nessa sequência foi o arguido declarado contumaz.
Após a declaração de contumácia o arguido chegou a ser localizado em Espanha, referindo residir na via pública; e posteriormente foi localizado na Roménia, indicando uma morada em Espanha.
Ora, estando o arguido contumaz e tendo-se apurado uma morada estrangeira, afigura-se que a situação dos autos é a mesma que se verificava na oposição de acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora e sobre a qual o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência.
Com efeito, num dos acórdãos em oposição o arguido encontrava-se no Brasil, pretendendo-se que fosse emitida carta rogatória para prestar termo de identidade e residência e cessar a contumácia; e no outro, o arguido residia na Suíça, pretendendo-se carta rogatória para prestar termo de identidade e residência e cessação de contumácia.
Conforme explicou o Supremo Tribunal de Justiça não é o termo de identidade e residência que faz cessar a contumácia, é antes a detenção do arguido ou a sua apresentação voluntária em juízo que faz cessar a contumácia, situações em que, obrigatoriamente, presta termo de identidade e residência.
Afigurando-se que na jurisprudência fixada no sentido de não ser expedida carta rogatória dirigida às justiças de país estrangeiro para o arguido prestar termo de identidade e residência, naquele acórdão terá sido considerado que, em primeiro lugar, com a carta rogatória levaria à cessação da contumácia por apresentação do arguido, e só num segundo momento haveria lugar à prestação do termo de identidade e residência. Contudo, considerou-se, por um lado, que sendo localizado no estrangeiro, não há ali apresentação do arguido em juízo; e por outro lado, ao Tribunal caberia efetuar as diligências com vista à detenção do arguido, seja em território nacional, seja mediante pedido de extradição, ou de emissão de mandado de detenção europeu, quando admissíveis.
Assim diremos que a declaração de contumácia implica a suspensão do processo (art. 335.º, n.º 3 do Código de Processo Penal). Da parte do Tribunal caberá encetar as diligências necessárias à detenção do arguido (arts. 336.º, n.º 1 e 337.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), seja em território nacional, seja mediante pedido de extradição, ou de emissão de mandado de detenção europeu, quando admissíveis. Mas os demais atos processuais, entre os quais a emissão de carta rogatória, encontram-se suspensos (art. 335.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
Sendo, portanto, pelos motivos expendidos, e salvo melhor opinião, que se considera estar vedado ao Tribunal a expedição de carta rogatória para efeitos de assim fazer cessar a declaração de contumácia.
Por tais razões concluímos que, em obediência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014 (publicado no Diário da República de 21/05/2014) que uniformizou jurisprudência no sentido de que “ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia”, tendo o arguido AA sido declarado contumaz, com morada apurada no estrangeiro, não será de determinar a expedição de carta rogatória a fim de ser pessoalmente notificado da acusação e prestar termo de identidade e residência.
Notifique.»
IV – Cumpre decidir.
Vem o recorrente, Ministério Público, alegar que deverá ser revogado o despacho recorrido, que, invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014, indeferiu a sua promoção de expedição de carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas a fim de o arguido AA ser pessoalmente notificado da acusação contra ele proferida e prestar termo de identidade e residência.
Estatui tal Acórdão o seguinte: «Ainda que seja conhecida a morada do arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz cessar a contumácia».
Afigura-se-nos, porém, que o conteúdo deste acórdão não implica necessariamente o indeferimento da promoção do Ministério Público.
A motivação do recurso começa por citar a fundamentação desse acórdão a ela aderindo. Reconhece que a prestação de termo de identidade e residência não faz cessar a declaração de contumácia, à luz do que dispõe o artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Tal cessação supõe, à luz deste preceito, fora dos casos de detenção do arguido, a apresentação deste em juízo. E a prestação de termo de identidade e residência supõe a prévia cessação da declaração de contumácia. Por outro lado, a motivação do recurso também aceita, como se afirma na fundamentação desse acórdão, que, não existindo nos serviços postais estrangeiros, o sistema de prova por depósito, não será válida a notificação no estrangeiro por via postal na morada indicada no termo de identidade e residência. São estas as questões sobre que incide o acórdão e as soluções deste a este respeito não são contestadas pela motivação do recurso.
Mas a questão central aqui em apreço é outra e não contende com o teor do referido acórdão.
Trata-se de saber se, e de que modo, pode dar-se a apresentação em juízo de um arguido residente no estrangeiro e assim cessar a declaração de contumácia que o atinge.
Essa apresentação em juízo supõe um contacto pessoal do arguido com o tribunal. Foi a falta desse contacto que levou à declaração de contumácia e será esse contacto que justificará a cessação da contumácia.
Afigura-se-nos que nada impede que essa apresentação se dê num tribunal estrangeiro, o qual, no âmbito da cooperação judiciária internacional, funciona como legítima extensão (como “lunga manus”) do tribunal português. Assim sucede em geral em diligências solicitadas no âmbito da cooperação judiciária internacional.
Se assim não for, tornar-se-á quase praticamente inviável a cessação de contumácia de um arguido residente no estrangeiro: só com a sua vinda a Portugal para se apresentar em juízo num tribunal português se dará tal cessação, com a consequente paralisia de um grande número de processos.
A tese sustentada pelo Ministério Público, na linha do que foi também sustentado no acórdão desta Relação de 25 de janeiro de 2023, proferido no processo n.º 720/03.8PVPRT-A.P1, relatado por Lígia Trovão, é a que mais se coaduna com os princípios que regem a contumácia e a cooperação judiciária internacional. E que obedece à regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas».
Deverá, pois, ser concedido provimento ao recurso.
Há que considerar, porém, o seguinte.
A carta rogatória a expedir destina-se, antes de mais, à apresentação do arguido em juízo. Por isso, deverá esclarecer que se pretende, em primeiro lugar, a notificação pessoal da acusação ao arguido no tribunal (com o que se dá essa sua apresentação em juízo). Subsequentemente, deverá ele prestar termo de identidade e residência.
V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, determinando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro, que determine a expedição de carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas para notificação pessoal da acusação ao arguido AA no tribunal e para a subsequente prestação, por este, de termo de identidade e residência.
Notifique
Porto, 12 de julho de 2023
(processado em computador e revisto pelo signatário)