ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE
Sumário


I. Não salvaguarda o interesse de menor de 4 anos o regime de residência alternada com os dois progenitores (de semana a semana) se as localidades, onde se situam as residências, distam 118 Km uma da outra e se tal regime de residência não permite que a criança possa frequentar um único jardim de infância, continuadamente, com o mesmo educador e com o mesmo grupo de colegas.
II. Em tal caso, a menor deve ficar a residir junto da mãe por esta ter mais disponibilidade para cuidar pessoalmente da filha; e também porque, pese a relação de grande proximidade afectiva com ambos os progenitores, a menor, antes da separação, se revelava mais “ apegada à mãe que, por regra, a alimentava”

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


Nos presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, em que é Requerente AA e é Requerida BB, pretende-se a regulação daquelas responsabilidades relativamente à menor CC, nascida em ........2018, filha daqueles.

Realizou-se conferência de pais sem que se tenha alcançado qualquer acordo entre ele, termos em que o Tribunal fixou um regime provisório de residência alternada da menor.

Após audição técnica especializada sem acordo, as partes apresentaram as respetivas alegações e procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença nos seguintes termos:

«1. A criança CC fica a residir como a mãe que exercerá as responsabilidades parentais no que se reporta às questões da vida corrente da mesma;

2. As responsabilidades parentais, nas questões de particular importância para a vida da criança serão, exercidas em comum, por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível, sendo estas responsabilidades parentais nomeadamente, entre outras; as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde da menor, a prática de atividades desportivas radicais, a saída da menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo, a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado, e mudança de residência da menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado;

3. Cada um dos progenitores, quando tiver consigo a menor, compromete-se a dar conhecimento imediato ao outro de qualquer evento relevante na vida daquela, designadamente em termos de saúde;

4. O pai poderá contactar a criança por telefone e/ou videochamada sempre que o desejar, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares da mesma;

5. O pai poderá visitar a criança na localidade onde esta reside com a mãe sempre que o desejar, avisando previamente a mãe com 24 (vinte e quatro) horas de antecedência e sem prejuízo dos horários escolares e de descanso da mesma;

6. Enquanto a criança frequentar o ensino pré-escolar o pai passará três fins-de-semana por mês com a filha - sendo o que coincide com a folga da mãe passado com a mãe - no período compreendido de quinta-feira ao fim da tarde a segunda-feira de manhã, devendo ir buscá-la à escola ou a casa da mãe, findas as atividades letivas e entregando-a na escola segunda-feira de manhã ao início das atividades letivas, -podendo o transporte da criança ser acordado de modo diferente pelos pais;

7. Quando a criança passar a frequentar o primeiro ciclo, e depois dessa fase o pai passará três fins-de-semana por mês com a filha - sendo o que coincide com a folga da mãe passado com a mãe - no período compreendido de sexta feira ao fim da tarde a segunda feira de manhã, devendo ir buscá-la à escola ou a casa da mãe, findas as atividades letivas e entregando-a na escola segunda feira de manhã ao início das atividades letivas, - podendo o transporte da criança ser acordado de modo diferente pelos pais;

8. A criança passará alternadamente com cada um dos progenitores, a véspera de Natal, o dia de Natal, a noite de passagem de ano, o dia de Ano Novo e o Domingo de Páscoa, começando no ano de 2022 a véspera de Natal e o dia de Natal com o pai;

9. A criança passará com o pai o dia de aniversário deste, o dia do pai, o dia de aniversários dos avós paternos, e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso da mesma;

10. No dia de aniversário da criança esta toma uma refeição principal com cada um dos progenitores, mediante acordo entre ambos;

11. Nos períodos das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão a criança passará metade dos respectivos períodos de férias com cada um dos pais, em períodos não superiores a 15 (quinze) dias com cada um, – sem prejuízo do que se mostra previsto quanto às épocas festivas- sendo que no ano de 2022 o primeiro período das férias de Natal cabe ao pai, o segundo período à mãe, e primeiro período de férias da Páscoa ao pai e o segundo à mãe, e assim alternada e sucessivamente nos anos seguintes;

12. Quanto às férias de Verão, o pai deverá avisar a mãe por escrito, até ao fim do mês de março de cada ano sobre os períodos de férias em que pretende ficar com a criança;

13. Em caso de coincidência dos períodos de férias que o pai e a mãe pretendam, cada qual ficará com metade do período de coincidência;

14. Ambos progenitores deverão a indicar reciprocamente o local de férias para onde se deslocarão com a menor, bem como o meio e horário de contacto com a mesma

15. O pai prestará a título de pensão de alimentos para a filha menor a quantia de €110 (cento e dez euros) mensais a pagar, através de transferência bancária para a conta bancária que a mãe indique, até ao dia 8 do mês a que respeita

16. A pensão de alimentos aludida em 15) será anualmente atualizada, de acordo com a taxa de inflação anual publicada pelo Instituto Nacional de Estatística, relativa ao ano anterior, sendo o primeiro aumento no mês de janeiro de 2023

17. Cada um dos progenitores pagará metade das despesas médicas, medicamentosas, nestas se incluindo despesas com dentistas e tratamentos e aparelhos dentários- e escolares da criança- nestas se incluindo livros, material escolar de início de ano, ou materiais necessários para actividades na fase pré-escolar, na parte não comparticipada pelo Estado ou outra entidade nomeadamente seguro de saúde, mediante comprovativo apresentado no prazo de 30 dias a contar da realização da despesa pela mãe ao pai, e a pagar pelo pai com a pensão de alimentos do mês seguinte.

18. A frequência de actividades extracurriculares da criança apenas será suportada por ambos os progenitores desde que exista acordo prévio escrito entre ambos nesse sentido. Na afirmativa caso tal acordo se verifique as respectivas despesas serão a pagar nos moldes aludidos em 17.

19. Nenhum dos progenitores se pode ausentar para o estrangeiro com a filha menor, sem autorização expressa escrita do outro».

Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Requerente AA, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e estabelece-se o seguinte regime de regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor CC:

1. Salvo acordo diverso dos progenitores, a menor residirá em semanas alternadas, de domingo a domingo, com cada um dele, cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente daquela ao progenitor com quem se encontrar a residir no momento;

2. As responsabilidades parentais relativas as questões de particular importância para a vida da menor são exercidas em comum, por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;

3. Salvo acordo diverso dos progenitores,

3.1. A CC passará alternadamente com cada um dos progenitores, a véspera e o dia de Natal, a noite de passagem de ano e o dia de Ano Novo, bem como o Domingo de Páscoa, começando no ano de 2022 a véspera de Natal e o dia de Natal com o pai;

3.2. A CC passará com o pai o dia de aniversário deste, o dia do pai, o dia de aniversários dos avós paternos, e com a mãe o dia de aniversário desta e o dia da mãe, sem prejuízo dos horários escolares e do descanso da menor;

No dia de aniversário da CC esta toma uma refeição principal com cada um dos progenitores, mediante acordo entre ambos;

Nos períodos das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão a CC passará metade dos respetivos períodos de férias com cada um dos pais, em períodos não superiores a 15 (quinze) dias com cada um, sem prejuízo do que se mostra previsto quanto às épocas festivas, sendo que no ano de 2022 o primeiro período das férias de Natal cabe ao pai e o segundo período à mãe, o primeiro período de férias da Páscoa de 2023 pertence ao pai e o segundo à mãe e nas férias estivais de 2023 o primeiro período de férias pertence à mãe e o seguinte ao pai, seguindo-se os ulteriores períodos assim de forma alternada e sucessiva;

4. Quanto a alimentos,

4.1. As despesas correntes da menor serão suportadas por cada um dos progenitores na semana em que estiverem com a CC;

4.2. As despesas médicas e medicamentosas, incluindo despesas com dentistas, tratamentos e aparelhos dentários, serão suportadas por ambos os progenitores, em partes iguais, mediante comprovativo.

Custas pela Recorrida – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.”

Não se conformou desta vez a requerente progenitora que do acórdão interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

“A. O superior interesse da criança é o princípio orientador em qualquer processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais;

B. Este princípio chave encontra-se previsto no artigo 1906.º do CC, bem como no artigo 40.º, n.º 1 do RGPTC.

C. Tal como em diversos diplomas internacionais, de aplicação directa na nossa ordem jurídica, designadamente, no Princípio 7.º da Declaração dos Direitos da Criança; no artigo 6.º, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança; e no artigo 9.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança;

D. Pese embora seja um conceito indeterminado, cabendo ao julgador, em função das especificidades de cada caso, concretizá-lo, o superior interesse da criança será salvaguardado quando forem respeitados os seus direitos;

E. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa revogou a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que havia fixado a residência da menor com a Recorrente, com direito de visitas ao Recorrido, e fixou o regime de residência alternada;

F. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, não respeitou alguns dos direitos da menor CC e, por essa razão, não salvaguardou o seu superior interesse;

G. Na matéria de facto provada encontra-se assente que os progenitores vivem a cerca cento e dezoito quilómetros de distância; que a menor ingressará na educação pré-escolar em Setembro de 2022 (o que já aconteceu, encontrando-se a frequentar desde o dia 13/09/2022 o Jardim de Infância em ...); que cada estabelecimento de ensino em termos de educação pré-escolar aplica as orientações curriculares que são elaboradas por equipas multidisciplinares com vista ao cumprimento dos objectivos estabelecidos para referida educação pré-escolar; as crianças são avaliadas no final de cada período escolar e tal pressupõe que frequentem a escola com regularidade e não apenas de semana a semana; que é nesta fase escolar que as crianças estabelecem as primeiras relações de amizade;

H. Em face da factualidade provada, a aplicação do regime de residência alternada impede que a CC frequente de forma assídua e regular um único estabelecimento de ensino;

I. Tal circunstância consubstancia a violação do direito à educação da CC, porquanto, independentemente da fase escolar em que se encontrar, a menor tem direito a que lhe seja assegurado o seu desenvolvimento físico, intelectual, moral, espiritual e social, que se concretiza, designadamente, pela possibilidade de frequentar de forma assídua e regular um único estabelecimento de ensino, permitindo-lhe desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade;

J. De igual modo, a CC tem direito a estabelecer relações de amizade sólidas e é na escola que as crianças estabelecem as primeiras amizades, cf. resultou provado no n.º 105 dos factos provados, a fls. 29 do douto acórdão;

K. Se a CC frequentar um estabelecimento de ensino diferente de semana a semana, não desenvolverá relações de amizade sólidas;

L. Não é respeitado o direito à educação da menor quando o regime fixado pelo Tribunal apenas possibilita à criança o seu acesso através da frequência simultânea de dois estabelecimentos de ensino diferentes.

M. A decisão proferida o Tribunal a quo violou, assim, o direito à educação da menor CC previsto nos artigos 69.º, n.º 1 e 73.º, da CRP, 28.º e 29.º, da Convenção sobre os Direitos da Criança, bem como os Princípios 2.º e 7.º da Declaração dos Direitos da Criança. É uma decisão que compromete o desenvolvimento integral da menor, e, consequentemente, sacrifica o seu superior interesse;

N. O acórdão proferido também violou o Princípio 6.º da Declaração dos Direitos da Criança quando estabelece que, “salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe.”;

O. A CC é uma criança de tenra idade e a Recorrente é a sua figura de referência conforme resultou provado no facto n.º 117 dos factos provados, a fls. 30 do douto acórdão;

P. Sendo que foi fixada a residência alternada pelo Tribunal recorrido quando resultou demonstrado que na semana em que a menor estiver com o progenitor, devido aos seus horários de trabalho, com excepção do fim-de-semana, dorme todas as noites em casa dos avós paternos; são avós que vão deixar a menor à escola no dia seguinte, conforme facto provado com o número 82, a fls. 28 do acórdão;

Q. Em face do regime estabelecido, a menor apenas estará com o pai algumas horas durante a semana e só pernoitará com ele ao fim-de-semana.

R. Na semana em que a menor estiver com o Recorrido, se no período da noite ficar doente, tiver um pesadelo, não conseguir dormir por qualquer razão quem irá ao pé dela para lhe prestar a assistência necessária serão os avós paternos e não o progenitor;

S. Pelo contrário, a Recorrente tem horários compatíveis com os da menor, tenho disponibilidade para assegurar à menor um acompanhamento diário e efectivo, cf. factos provados com os números 84, 85 e 86, a fls. 28 do douto acórdão;

T. Sendo a regra a pernoita em casa dos avós, e implicando tal regime a frequência de dois estabelecimentos de ensino diferentes, não se justifica que uma criança de tenra idade seja, de semana a semana, afastada da sua figura de referência;

U. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou, assim, o princípio da não separação da criança de tenra idade da mãe previsto no Princípio 6.º da Declaração dos Direitos da Criança, além disso não observou o subcritério da figura de referência e/ou princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança, e, consequentemente, violou o superior interesse da menor CC;

V. O Tribunal a quo não observou o subcritério das condições geográficas, como a proximidade da casa de cada um dos pais da escola dos filhos, tendo, por isso, violado o superior interesse da menor CC;

W. Com excepção da decisão proferida nestes autos, o entendimento da jurisprudência e da doutrina é unânime no sentido de que se os progenitores viverem a longa distância geográfica tal circunstância torna impraticável um regime de residência alternada;

X. O Tribunal a quo errou ao considerar que a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância não deu prevalência aos afectos e ao princípio da igualdade entre os progenitores;

Y. Porquanto, o regime de regulação das responsabilidades parentais fixado pela Primeira Instância permite que a CC frequente de forma regular e assídua um único estabelecimento de ensino, salvaguardando, assim, o seu direito à educação, o seu direito ao estabelecimento de amizades e o seu direito ao desenvolvimento integral; e ainda permite que a CC esteja todos as semanas com o progenitor de quinta-feira a segunda-feira, com excepção do fim-de-semana de folga da Recorrente, correspondendo os dias em que a menor fica com o Recorrido aos seus dias de folga e/ou fim-de-semana, sendo, por isso, dias em que pode estar o tempo todo com a CC e pernoitar com ela, o que, de facto, não acontece no regime residência alternada estabelecido pelo Tribunal da Relação;

Z. Não acautela o superior interesse desta menor a fixação de um regime de residência alternada a vigorar apenas até ao ingresso no ensino obrigatório, porquanto, a menor habitua-se a conviver semanalmente com cada um dos progenitores e passados dois anos, tornando-se impossível a frequência simultânea de duas escolas, passa a viver apenas com um dos progenitores e a ver e a estar com o outro apenas ao fins-de-semana, o que lhe causará uma grande instabilidade emocional, psíquica e afectiva;

AA. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1906.º, n.º 1 e 6 do Código Civil, os artigos 69.º, n.º 1 e 73.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 9.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 28.º e 29.º todos da Convenção sobre os Direitos da Criança; artigo 6.º, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, assim como os princípios previstos nos artigos 2.º, 6.º e 7.º da Declaração dos Direitos da Criança;

BB. Perante a violação de Lei substantiva e dos princípios citados, o acórdão proferido deve ser revogado e substituído por outro que em face dos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, aplique definitivamente o regime jurídico adequado.

Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, sendo proferido douto acórdão que em face dos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, aplique definitivamente o regime jurídico adequado, isto é, decidindo a fixação do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos fixados pelo Tribunal de Primeira Instância por ser o regime que, de facto, acautela o superior interesse da menor CC, com todos os efeitos legais.”

O progenitor contra-alegou pugnando, em primeiro lugar, pela inadmissibilidade da revista e, conhecendo-se esta, pela sua improcedência.

Cumpre decidir.

Após o conhecimento da impugnação, o Tribunal da Relação de Lisboa deu como provada a seguinte factualidade:

“1. O Requerente e a Requerido viveram em união de facto desde o ano 2018;

2. O Requerente e a Requerido tiveram uma filha, CC, nascida em ... em ...2018;

3. O Requerente e a Requerida começaram a viver juntos após o nascimento da filha e separaram-se no mês de dezembro de 2020;

4. Com data de 08 de outubro de 2021, realizou-se conferência de pais e na falta de acordo particularmente sobre a residência da menor fixou-se regime provisório de regulação das responsabilidades parentais da mesma, nos seguintes termos:

5. “A criança fica a residir com ambos os progenitores em semanas alternadas de domingo a domingo, cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente daquela ao progenitor com quem se encontrar a residir no momento;

6. Este regime iniciar-se-á na próxima semana, dia 11 de outubro de 2021 sendo que nessa semana a criança estará com a mãe e na semana seguinte estará com o pai.

7. As responsabilidades parentais relativas as questões de particular importância para a vida da menor são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

8. Na semana que estiver com o pai este optará pela frequência em creche da menor ou ficando em casa com os avós paternos, sendo que na semana da mãe a mesma frequentará a creche;

9. As despesas escolares correntes, médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada, serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, mediante a apresentação dos respetivos documentos comprovativos no mês a que respeita a despesa, ao outro progenitor sendo que este pagará a sua parte, até ao final do mês imediatamente seguinte.

10. No presente ano de 2021, a criança passará o período de Natal incluindo o dia 24 e o dia 25 de dezembro com a mãe, e o período do dia 31 de dezembro ao dia 1 de janeiro com o pai”,

11. Da informação/ relatório final de audição técnica especializada resulta o seguinte:

12. “Os intervenientes processuais não chegaram a consenso sobre a matéria em discussão, designadamente, ao nível da residência atual da filha, CC de 3 anos de idade, que se encontra a residir em semanas alternadas de domingo a domingo, com o pai, em ... e, com a mãe, em ....

13. Os progenitores apresentaram as suas propostas nos seguintes termos:

14. AA, considera que se deverá manter a residência alternada semanal da filha com ambos os progenitores em que a alternância ocorre ao domingo, até ao domingo seguinte, conforme decisão do regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, decorrente da Conferência de Pais de 8 de outubro de 2021, e logo que a mesma ingresse no primeiro ciclo do ensino pretende vir a assumir a residência única da filha CC.

15. Mantendo-se a residência nos moldes que já vêm a ser praticados (residência alternada), não haverá lugar ao pagamento de pensão de alimentos a favor da filha, assumindo cada um as respetivas despesas durante o período de tempo em que a mesma se mantenha aos seus cuidados. As despesas médicas e medicamentosas, as despesas escolares e extracurriculares ou outras devidamente acordadas são suportadas por ambos na proporção de metade cada um.

16. BB centrou-se exclusivamente na residência da filha, principalmente na atribuição da mesma a seu favor, passando, nestas circunstâncias, a recair sobre si, o exercício das responsabilidades parentais da vida quotidiana da criança.

17. Discorda da residência alternada propondo que os convívios paterno/filiais possam vir a ocorrer da seguinte forma:

18. Três fins-de-semana por mês com o pai, não coincidente com o fim-de-semana de folga da mãe, com início à quinta-feira (após horário escolar) e com términus ao domingo, enquanto CC não estiver a frequentar o ensino obrigatório. Passando a iniciar-se os convívios paterno /filiais à sexta-feira quando tal acontecer.

19. Nas férias de verão assegurar uma quinzena de férias com cada um dos pais, coincidentes com os períodos de férias de cada um dos mesmos e, dividir o restante tempo de forma a compensar a criança de mais tempo com o pai. Nas interrupções letivas de Natal e de Páscoa, CC passa uma semana com cada um dos mesmos.

20. Pagamento de uma pensão de alimentos por parte do pai a favor da filha, no valor mensal de 100.00€.

21. As despesas médicas e medicamentosas, as despesas escolares e extracurriculares ou outras devidamente acordadas passariam a ser suportadas por ambos na proporção de metade cada um.

22. Um dos aspetos mais destacados pela mãe quer em sede de sessões individual e conjunta,

prende-se com o facto de CC se encontrar a frequentar dois estabelecimentos de ensino. Esta situação e na perspetiva do desenvolvimento e bem-estar de CC, não é vista de forma positiva pela mãe que considera que a filha deverá apenas frequentar um estabelecimento de ensino, pois esta circunstância provocará confusão nas suas aprendizagens e desenvolvimento.

23. A exemplo partilhou o facto de no equipamento de infância em ... – Fundação ... – já terem utilizado estratégias para tirar a fralda, prática esta desfasada com o outro equipamento, ou seja, os timings das aprendizagens são diferentes

24. A mãe crê que este é um exemplo e que, neste seguimento e a manter-se o atual modelo, mais situações surgirão;

25. O modelo de residência que a mãe propõe, facilitaria à criança a frequência de apenas um equipamento escolar, faltando a mesma apenas nas sextas-feiras em que estivesse com o pai.

26. Os progenitores consensualizaram sobre os períodos de férias, épocas festivas e demais dias, encontrando-se desde já previamente organizado e combinado o seguinte:

27. No presente ano de 2021, a criança passará o período de Natal incluindo o dia 24 e o dia 25 de dezembro com a mãe, e o período do dia 31 de dezembro ao dia 1 de janeiro de 2022 com o pai.

28. No dia de aniversário do pai, a CC fará uma refeição com este e, no dia de aniversário da mãe, fará uma refeição com a mesma, o mesmo sucedendo no dia do pai bem como no dia da mãe.

29. No dia de aniversário da criança, asseguram que a mesma faça uma refeição com cada um dos pais.

30. Ambos os progenitores concordam que as deslocações de CC deverão continuar a ser asseguradas por ambos, de igual modo.

31. AA, considera que a residência alternada é considerada como a modalidade mais adequada aos interesses e direitos da filha, possibilitando à mesma uma convivência regular com ambos os progenitores e a manutenção/consistência dos laços afetivos e relacionais.

32. Neste contexto, avaliou a pretensão da progenitora de uma residência única como um objetivo centrado nos interesses pessoais desta figura educativa em detrimento da filha;

33. Considera imprescindível a partilha de ambos os progenitores no processo educativo da filha, com uma vivencia temporal distribuída equitativamente, rejeitando qualquer modelo que restrinja os convívios com a filha a períodos de fins de semana “A CC é uma criança muito inteligente e adaptou-se bem a este regime em vigor e está feliz a conviver com os dois de igual forma…não existem motivos para alterar o modelo de residência…da minha casa para a creche ... é perto e a minha filha sente-se feliz assim…a minha filha a viver comigo está completamente integrada, quer na creche como em termos familiares… ”(sic)

34. Referiu que pretende continuar a estar presente na vida da filha e não concorda em ficar, conforme é proposto pela progenitora, apenas aos fins de semana e férias, considerando que deve existir um “equilíbrio” de tempo entre pai e mãe, no sentido de poder acompanhar a CC nas suas rotinas.

35. Informou que dispõe de uma situação económica, habitacional e familiar organizada e estável, encontrando-se a residir em casa própria e com o apoio dos seus pais que residem atualmente consigo no sentido de também ajudarem nos cuidados à neta, com quem CC estabelece uma boa relação.

36. AA, não manifestou uma postura flexível a possíveis adaptações/ajustes, justificando a sua pretensão com a necessidade de ver salvaguardados os interesses e necessidades da filha CC.

37. Considera constituir-se como figura parental e de referência para a filha e como elemento afetivo e de proteção para a mesma.

38. Não coloca em causa as competências parentais da mãe, porém refere reunir mais condições.

39. Relativamente ao seu trabalho, o mesmo afirmou que, apesar de trabalhar por turnos, consegue gerir os seus horários, sendo que até ao presente CC tem contado apenas com o suporte dos avós paternos no período da manhã para a levar à creche, sendo o próprio a ir buscá-la cerca das 15h30 ficando com a filha o resto do dia.

40. No âmbito da presente ação de regulação das responsabilidades parentais, a progenitora manifestou a sua pretensão pela residência da filha consigo

41. Segundo a mesma, o regime vigente não salvaguarda o superior interesse e a estabilidade da mesma;

42. No contexto da sessão realizada à progenitora, a mesma centrou a sua pretensão da residência da filha CC atribuída a si, devendo ser mantidos os convívios com o progenitor em três fins de semana por mês, períodos de férias e épocas festivas alternadas, não se opondo a outros momentos de convívios paterno/filiais.

43. No que toca às competências parentais, a mãe não coloca em causa os afetos do pai pela filha, todavia crê reunir mais condições,

44. Comparativamente, aos horários que o mesmo tem e ao recurso aos avós paternos, não obstante trabalhar na área da restauração, vive com uma irmã e um irmão, que também lhe dão suporte;

45. Afirmou conseguir gerir os seus horários, sendo que no máximo fará 2 vezes por semana o horário até às 23h (a entrar às 16h).

46. Os pais disponibilizaram-se para a sessão conjunta inicial e depois para uma outra após reflexão, que não chegou a ocorrer;

47. Foi promovido o diálogo, houve lugar a explanarem a posição de cada um, no entanto, não conseguiram consensualizar a residência da filha

48. O pai aceita que fique conforme tem vindo a ocorrer até à entrada na escolaridade obrigatória, após o que pretende que CC fique a residir consigo,

49. A mãe pretende que a filha venha viver para junto de si, “quanto antes”.

50. No contexto da sessão conjunta, foi possível constatar uma atitude parental materna e paterna com sinais de ansiedade e com um discurso repetitivo e persistente, cujo conteúdo se centrou no afeto e necessidade que ambos vivenciam para conviver e estarem presentes nas etapas da vida da criança.

51. AA, manifestou uma atitude de revolta face às atitudes até então assumidas pela progenitora da filha, concretamente, pela recusa da residência alternada enquanto a filha não ingressar no primeiro ciclo, tendo assumido a dificuldade comunicacional na díade, desde que a progenitora alterou a sua residência para ...”.

52. Na data da instauração da ação em 15 de julho de 2021, Requerente e Requerida viviam ambos em ..., em residências próximas uma da outra;

53. A menor frequentava a creche de ..., sita também em ...;

54. No dia 02 de outubro de 2021, a Requerida, decidiu, sem o consentimento do pai, levar a filha consigo para ...;

55. Informou o pai, posteriormente, nesse mesmo dia que passaria a residir nesse local com a menor;

56. A Requerida disse ainda ao Requerente que tinha inscrito a menor em um colégio em ..., o que fez sem a autorização ou consentimento deste;

57. O Requerente foi visitar a filha na segunda-feira seguinte, dia 04 de outubro;

58. O Requerente pretende vir a assumir a residência única da filha aquando do ingresso desta no 1.º ciclo;

59. Após a separação, quando a menor residia próximo da residência do Requerente, no período de dezembro de 2020 a outubro de 2021, era o Requerente que ia buscar a filha ao colégio e ia adormecer a filha todos os dias à casa da mãe, porque esta trabalhava do meio-dia às vinte e três horas;

60. Nesse período, a CC ficava sempre a dormir em casa da mãe exceto ao sábado à noite em que pernoitava em casa do pai;

61. A Requerida residia na cidade de ... desde há cerca de vinte anos;

62. É nesta cidade que tem o centro da sua vida, isto é, a sua família, a sua casa, os seus amigos e o seu trabalho;

63. A Requerida e o Requerente namoraram durante alguns anos;

64. Quando a Requerida engravidou decidiram iniciar uma vida em conjunto, o que veio a concretizar-se após o nascimento da menor CC;

65. Após o nascimento da menor, a Requerida cessou o seu vínculo laboral em ... e foi viver com o Requerente para a vila de ..., local de residência deste;

66. A Requerida e o Requerente viveram em comunhão de leito, mesa e habitação entre o final do mês de outubro de 2018 e o mês de dezembro de 2020;

67. Aquando da ocorrência da separação, a Requerida e o Requerente acordaram que a menor ficava a residir com a Requerida;

68. E estava com o Requerente em fins-de-semana alternados dormindo ao sábado em casa deste; 69. Após a separação, a Requerida transmitiu ao Requerente que era sua intenção voltar para cidade de ..., local onde, tem a sua família, a sua casa e os seus amigos;

70. Com o término da relação entre o Requerente e Requerida esta deixou de ter qualquer ligação afetiva com a vila de ...;

71. O Requerente nunca aceitou bem a vontade da Requerida de retornar a ...;

72. A Requerida, antes de voltar para a cidade de ... tentou por diversas vezes chegar a um entendimento extrajudicial com o Requerente sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor CC, inclusive em junho de 2021 tendo apresentado proposta de acordo, sempre sem sucesso;

73. A Requerida após a cessação do seu contrato de trabalho celebrado com a empresa denominada R..., por verificação do seu termo no dia 30 de setembro de 2021, decidiu então voltar com a menor para a cidade de ... no dia 02 de outubro de 2021;

74. Era do conhecimento do Requerente há alguns meses que a Requerida pretendia voltar para ...;

75. A Requerida quando foi para ... com a filha no dia 2 de outubro de 2021 transmitiu tal facto ao Requerente, nesse dia através do envio de mensagem escrita;

76. Nunca foi intenção da Requerida ao voltar para ... no dia 2 de outubro de 2021 afastar a menor do progenitor e da restante família paterna;

77. Desde a separação (dezembro de 2020) até à data em que a Requerida voltou para ... (outubro de 2021) decorreram dez meses, em que esta tentou chegar a um entendimento com o Requerente sobre a menor, e tal não foi possível porque o mesmo jamais aceitou que a Requerida voltasse para ...;

78. A Requerida não se sentia bem em ... e aí não tinha aí qualquer apoio da família e dos amigos;

79. Em consequência da separação com o Requerente a vida de ambos se alterou e a Requerida decidiu regressar para a sua cidade;

80. O Requerente na semana em que está com menor tem optado sempre por deixá-la sempre durante o dia na creche de ..., sita em ...,

81. Durante a semana, e pelo menos durante quatro dias, que atualmente correspondem à semana do pai, é este que vai buscar a filha à creche;

82. Após, e como entra no trabalho às 5 horas da manhã a CC fica a dormir nessas quatro noites em casa dos avós paternos, que a vão levar à creche de manhã;

83. Na semana em que a menor está com a mãe encontra-se a frequentar a creche do Colégio..., sito em ...;

84. Em ... é a mãe que vai levar e buscar a criança à creche;

85. Nos fins de semana em que a mãe está a trabalhar, e que não correspondem a fins de semana do pai, a CC fica entregue a uma amiga da família, a qual conhece a mãe e a CC desde sempre;

86. A CC, mesmo nesses dias referidos em 85) em que fica aos cuidados da amiga da família vai sempre dormir a casa da mãe;

87. O Requerente é operador especializado, efetivo, na empresa denominada L...;

88. Aufere a título de vencimento mensal a quantia líquida média de €1.000,00;

89. Tem um horário de trabalho de segunda a sexta-feira, entrando no trabalho às 5.00 horas da manhã e saindo às 14 .00 horas;

90. O Requerente conta com o apoio de seus pais para cuidar da menor;

91. A Requerida trabalha como subgerente de operações na P... em ...;

92. Aufere a título de vencimento base mensal a quantia de €700,00, acrescida de subsídios de turno;

93. A Requerida entra no trabalho às 09 .00 horas e saí às 17.00 horas;

94. A Requerida tem folgas em dias de semana, e durante um fim de semana por mês não trabalha;

95. Tem apoio em ..., nomeadamente através da irmã e de amigos da família;

96. O custo da mensalidade da creche de ... é de €157,86 mensais;

97. A creche de ... é gratuita;

98. Atualmente, desde outubro de 2021 a CC frequenta alternadamente a creche em ..., nas semanas da mãe, e a creche em ..., nas semanas do pai;

99. A menor mostra-se bem integrada em ambas as creches;

100. Na creche em ... foi iniciado o processo de retirada da fralda, mas este processo não teve continuidade na semana em que a menor esteve na creche em ... e na semana em que a menor voltou para a creche em ... o processo que tinha sido feito até então não teve efeito, sendo que processo de retirada da fralda tornou-se mais difícil e moroso, mas estando atualmente ultrapassado;

101. Os modelos de ensino em ambas as creches são ministrados por educadoras diferentes, e também com crianças em salas diferentes;

102. A menor ingressará na educação pré-escolar em setembro de 2022;

103. Cada estabelecimento de ensino em termos de educação pré-escolar aplica as orientações curriculares que são elaboradas por equipas multidisciplinares com vista ao cumprimento dos objetivos estabelecidos para referida educação pré-escolar;

104. Nessa fase (educação pré-escolar), as crianças são avaliadas no final de cada período escolar e tal pressupõe que frequentem a escola com regularidade e não apenas de semana a semana;

105. É nesta fase escolar que as crianças estabelecem as primeiras relações de amizade que acabam por as acompanhar por vezes no ensino obrigatório;

106. Quando a menor ingressar no ensino obrigatório não poderá frequentar dois estabelecimentos de ensino ao mesmo tempo;

107. A Requerida e o Requerente residem atualmente uma distância de cerca de 118 quilómetros; 108. A CC mostra-se bem integrada na casa do pai;

109. A CC mostra-se perfeitamente integrada na residência da mãe;

110. A mãe da CC partilha a casa com os dois irmãos, uma irmã e um irmão, sendo que desde 2019 reside igualmente na casa um amigo deste, de nome DD;

111. Tanto em casa do pai, como em casa da mãe, a CC tem um quarto para si;

112. Ambas as casas, tanto a casa do pai (esta própria) como a casa da mãe, têm todas as condições para a menor viver, sendo a primeira destas casas com três quartos, e a segunda com quatro quartos;

113. Existe uma relação de grande proximidade afetiva entre a CC e o pai;

114. Existe uma relação de grande proximidade afetiva entre a CC e a mãe;

115. A CC adora os avós paternos e a restante família paterna;

116. A CC tem uma relação de grande proximidade afetiva com os familiares da mãe,

117. Antes da separação do casal composto pela Requerente e pela Requerida ambos os pais tinham uma relação próxima afetiva com a CC, mas a CC era mais apegada à mãe que nomeadamente, e por regra a alimentava;

118. Ambos os pais visam fomentar (e fomentam) os convívios da criança um com o outro e respetivas famílias,

119. A criança quando não está com o pai contacta com este e com os avós paternos sempre que seja de vontade de todos, por videochamada.”

O Tribunal da Relação de Lisboa deu como não provada a seguinte factualidade:

“a) A Requerida foi para ... com a menor sem o prévio conhecimento do Requerente;

b) Na data de 2 de outubro de 2021, o Requerente desconhecia por completo o local onde se encontrava a sua filha, e as condições em que a mesma se encontrava a residir;

c) No dia 4 de outubro de 2021 quando o Requerente foi visitar a filha a ... tal visita ocorreu num jardim e foi supervisionada;

d) Durante a semana em que a CC está com a Requerida/ mãe esta faz questão de pedir à mesma que faça videochamadas diárias para falar e poder ver os avós paternos;

e) O pai tem tido contactos assíduos com as duas creches que a CC frequenta; f) O tio da CC aluga quartos a terceiro;

g) Na mesma casa onde reside a CC e a mãe, residem mais duas pessoas de identidade desconhecida;

h) Ambas as creches que a menor frequenta têm métodos e técnicas pedagógicas completamente distintas.

Admissibilidade da revista:

Sustenta o recorrido que tendo a decisão da Relação conhecido da questão da residência alternada mediante critérios de conveniência e oportunidade, dessa decisão não cabe recurso de revista, nos termos do art. 988º, nº 3 do CPC.

Mas não tem razão, na nossa perspectiva.

Sobre a temática dos processos relativos a menores, tem o STJ entendido que “no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, a intervenção do STJ pressupõe, atenta a sua especial incumbência de controlar a aplicação da lei processual ou substantiva, que se determine se a decisão recorrida assentou em critérios de conveniência e de oportunidade ou se, diferentemente, a mesma corresponde a um processo de interpretação e aplicação da lei” (cfr. Ac. STJ de 6.6.2019, Revista nº 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), sendo que, para o efeito, como se afirma nos acórdãos do STJ de 16.11.2017, Revista nº 212/15.2T8BRG-A.G1.S2 e de 11.11.2021, Revista nº 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt: “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.”

Revertendo ao caso concreto, verifica-se que, ao mencionar as disposições dos nº 5 e 6 do art. 1906º do CC, a decisão quanto à residência da menor assentou primacialmente no critério legal do superior interesse da criança,

Afigura-se, pois, que a Relação não tomou decisão apenas com base em juízos de oportunidade ou de conveniência, mas também com base em critério de legalidade, com suporte num conceito normativo legal, o do “interesse do menor” (v. Ac. STJ de 30.5.2019, proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S1 e Ac. STJ de 5.5.2020, proc. 1513/19.6T8GMR-C.G1.S1, que o aqui relator subscreveu como adjunto, ambos no site da ECLI - Jurisprudência Portuguesa).

Além disso, a recorrente questiona a interpretação desse critério legal, apelando, não apenas, à norma do art. 1906º, nº 1 e 6 do CC, mas ainda aos artigos 69.º, n.º 1 e 73.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 9.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 28.º e 29.º todos da Convenção sobre os Direitos da Criança; artigo 6.º, alínea a) da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, assim como os princípios previstos nos artigos 2.º, 6.º e 7.º da Declaração dos Direitos da Criança ( conclusão AA). A impugnação por via recursória não se circunscreve, pois, a meros juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias, estendendo-se, também, a critérios normativos de legalidade estrita (cfr. Ac. STJ de 30.5.2019, proc. 5189/17.7T8GMR.G1.S1; e o Ac. STJ de 20.6.2023, proc. 2644/16.0T8LSB.L1-A.S1, recentemente prolatado por este mesmo colectivo).

O recurso deve ser, pois, admitido.

Regime de residência:

Como decorre do relatório, o tribunal de 1º instância determinou que a menor CC ficasse a residir como a mãe que exerceria as responsabilidades parentais no que se reportava às questões da vida corrente da mesma, devendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância para a vida da criança serem exercidas em comum, por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência (…); regulou, ainda, o direito de visita do pai e fixou uma pensão de alimentos a cargo deste.

Todavia, a Relação fixou o regime de residência alternada, expendendo o seguinte raciocínio, que se transcreve para melhor compreensão:

“Está demonstrado que:

A CC tem ora quase quatro anos de idade;

Nos seus primeiros dois anos e dois meses de vida residiu com ambos os progenitores em ..., nos 10 meses subsequentes residiu com a mãe, ainda em ..., embora convivesse diariamente com o pai que a ia buscar à escola e a acompanhava até ela adormecer na residência da mãe, e desde outubro de 2021 e a data da audiência de julgamento, ocorrida em março de 2022, a CC passou a viver semanas alternadas com cada um dos pais e a frequentar duas creches/jardins de infância diferentes, um perto da residência do pai e outro perto da residência da mãe;

A CC mostra-se bem integrada em ambos os estabelecimentos de infância;

A residência do pai situa-se em ... e a da mãe situa-se em ..., localidades que distam entre si cerca de 118 quilómetros;

Em qualquer daquelas residências a CC dispõe de quarto próprio, estando ambas as residências dotadas de condições de habitabilidade similares;

A menor mostra-se bem integrada em ambas as residências;

Em regra, a mãe da menor trabalha entre as 9 e as 17 horas, folgando um único fim de semana em cada mês, contando com uma irmã e uma amiga no apoio à menor;

Em regra, o pai da menor trabalha de segunda a sexta-feira, das 5 às 14 horas, contando com os seus pais no apoio à CC;

A CC tem uma relação de grande proximidade afetiva com qualquer dos progenitores e os respetivos núcleos familiares;

Ambos os pais da menor fomentam os convívios desta com o outro progenitor, assim como com os respetivos núcleos familiares;

A CC é uma criança feliz.

Neste quadro factual, entende-se que por ora urge manter o regime de residência alternada fixada na conferência de pai realizada em 08.10.2021.

A distância que separa as residências dos progenitores é considerável.

Os jardins de infância que a menor frequentará em semanas alternadas serão, tudo indica, seguramente diferentes, com metodologias de aprendizagem e pessoas diferenciadas.

Contudo, estamos convictos de que tal será superado, como o tem sido, por todos, no interesse da CC, conferindo-se, assim, especial prevalência aos afetos, tão próprio desta fase da infância, não se afigurando que o quadro descrito justifique uma ausência forçada de um dos pais nas rotinas da CC.

Claro que a manter-se o quadro factual apurado, com residências paterna/materna tão distantes entre si, quando a CC começar a escolaridade obrigatória a situação poderá, ou não, ter que ser repensada em função dos interesses da menor.

O hiato de dois anos que nos separa desse momento é, porém, tão grande, com vicissitudes de vida tão imprevisíveis, que não se afigura razoável condicionar a presente decisão em função desse horizonte temporal. Em cada tempo se verá o que é melhor para a CC”

Como se sabe, as decisões proferidas em processos de regulação das responsabilidades parentais não são imutáveis, devendo levar em conta as realidades vividas e resolver as situações presentes, no interesse dos menores, perpassando, pois, por elas uma perspetiva de atualidade. (…)“

Insurge-se a recorrente contra a fixação da residência alternada, a qual, no seu entender, não salvaguarda o superior interesse da filha, pelos seguintes motivos: impede que a CC frequente de forma assídua e regular um único estabelecimento de ensino, o que prejudica o seu desenvolvimento e afecta o estabelecimento de amizades sólidas; não assegura uma verdadeira residência alternada, uma vez que, devido aos horários do pai, a criança dorme todas as noites em casa dos avós paternos, estando com o pai apenas algumas horas durante a semana e só pernoitando com ele ao fim de semana. Assim, no seu entender, e tendo em conta que a recorrente foi sempre figura de referência para a menor, que tem horários compatíveis com as da menor, lhe pode proporcionar um acompanhamento diário e efectivo, deve ser repristinando o regime definido pela 1ª instância.

E cremos que o sustenta com inteira razão.

A menor frequentará já o jardim de infância (e não a creche), a avaliar pelo facto 102, e pela informação não contraditada da recorrente no sentido de que tal já acontece desde Setembro de 2022.

São inegáveis os benefícios da educação pré-escolar que vêm, aliás, expressos na respectiva Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar aprovado pela Lei nº 5/97 de 10 de Fevereiro, no seu artigo 10º: “a) Promover o desenvolvimento pessoal e social da criança com base em experiências de vida democrática numa perspectiva de educação para a cidadania; b) Fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito pela pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel como membro da sociedade; c) Contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem; d) estimular o desenvolvimento global de cada criança, no respeito pelas suas características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diversificadas; e) Desenvolver a expressão e a comunicação através da utilização de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo; f) Despertar a curiosidade e o pensamento crítico; g) Proporcionar a cada criança condições de bem--estar e de segurança, designadamente no âmbito da saúde individual e colectiva; h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades, promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança; i) Incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade.”

Não é colocada em causa a necessidade de a menor frequentar a educação pré-escolar.

Sucede, no entanto, que, a manter-se modelo de residência alternada, ou se abdica da frequência de qualquer jardim de infância, ou se coloca a criança apenas num jardim (para o frequentar de oito em oito em dias) ou se coloca a menina a frequentar dois, em simultâneo. Qualquer das soluções se revela nociva para a criança.

Não se pode, por isso, acompanhar o acórdão recorrido quando admite a frequência de dois jardins de infância, considerando que uma tal situação não pode justificar, mesmo assim, uma “ausência forçada de um dos pais nas rotinas das CC”.

Como é do senso comum, a frequência simultânea de dois jardins de infância não é benéfica para qualquer criança, que assim passará a ter dois educadores, com práticas educativas diferentes.

A residência alternada, que foi criada para proporcionar a maior relação de proximidade afectiva possível com os dois progenitores não pode ser instituída com prejuízo da menor, do seu sossego e da sua educação, valores que interessa preservar. Ora, e revertendo ao caso concreto, sujeitar uma criança à frequência de duas creches (agora jardins de infância) em duas localidades que distam mais de 100 Km uma da outra é algo que, no balanceamento dos valores em presença, justifica uma diminuição da proximidade da menor com um dos progenitores, sob pena de se prejudicarem, afinal, os afectos que se pretendem salvaguardar. Aliás, a proximidade da menor com o pai está muito condicionada pelos horários deste, o qual, ao entrar no trabalho às 5horas da manhã, se vê obrigado a levar a filha para dormir em casa dos avós paternos, que, por sua vez, vão levar a menor à creche de manhã (cfr. factos 81 e 82).

Também a frequência de um jardim de infância a espaços (com intervalos sucessivos de uma semana), sem a possibilidade de um ensino contínuo e regular e de uma rotina diária e consecutiva só pode ser prejudicial à menor.

Cremos, portanto, que a residência alternada não se revela, de todo, a melhor solução, tendo em vista o superior interesse da criança, devendo ser substituída pela residência da menor com um dos progenitores, sendo que, em nosso entender, esse progenitor não pode deixar de ser a mãe, que revela, desde logo, mais disponibilidade, em termos de tempo, para a filha (cfr. factos 84, 85 e 86).

Além disso, temos de concordar que a recorrente era também a figura de referência principal, antes da separação., como decorre do facto 117 (a menor “era mais apegada à mãe que nomeadamente, e por regra, a alimentava”).

Objecta o recorrente que o critério “primary caretaker” (figura primária de cuidador) se mostra ultrapassado.

Todavia, não tem sido esse esse o entendimento deste Supremo, como se pode ver através do Ac. STJ de 17.12.2019, proc. 1431/17.2T8MTS.P1. S1, relatado pelo Sr. Conselheiro que subscreve agora o presente acórdão como 1º Adjunto (e disponível em www.dgsi.pt). Sendo evidente que este não deve ser o único, é, por certo, um dos critérios mais relevantes, sobretudo em caso de crianças de tenra idade, como é o caso.

Como assim, deve recuperar-se, por inteiro, o regime fixado na 1ª instância, que se nos afigura justo e equilibrado, até porque permite que a criança esteja todas as semanas com o progenitor de quinta-feira a segunda-feira com excepção do fim de semana de folga da recorrente (pontos 1 e 6) do regime fixado na sentença).

Não existem, ainda, razões para alterar o já estabelecido quando às responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor: devem continuar a ser exercidas em comum, por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. (ponto 2).

Visitas e quadras festivas, aniversários e férias escolares:

Também não existe dissídio entre as partes quanto ao instituído nos pontos 8, 9, 10, 11, 12 e 13 e 14 do regime fixado na sentença no que respeita às quadras festivas, aniversários e férias escolares (e que a Relação manteve, não se vendo razões para excluir os pontos 12, 13 e 14 do mesmo regime.

Pensão de alimentos:

Considerando a fixação da residência da menor junto da mãe, impõe-se, obviamente, a repristinação do fixado em 15 quantos aos alimentos, devendo o pai pagar a quantia de €110 (cento e dez euros) mensais a pagar, através de transferência bancária para a conta bancária que a mãe indique, até ao dia 8 do mês a que respeita, pensão que será anualmente atualizada, de acordo com a taxa de inflação anual publicada pelo Instituto Nacional de Estatística, relativa ao ano anterior, sendo o primeiro aumento no mês de Janeiro de 2023 (ponto16).

Despesas médicas e medicamentosas:

Também se deverá manter o regime quanto a despesas médicas e medicamentosas, que foi fixado no ponto 17 do regime da 1ª instância e, substancialmente, confirmado pela Relação.

Actividades extracurriculares e autorização para deslocação para o estrangeiro;

Finalmente, não se vêm motivos para excluir os pontos 18 e 19 do regime fixado pela sentença em relação à frequência de actividades extracurriculares e à autorização necessária para que cada um dos progenitores se possa ausentar com a filha para o estrangeiro.

Pelo exposto, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e repristina-se a sentença da 1ª instância.

Custas pelo recorrido.


*


Lisboa, 11 de Julho de 2023


António Magalhães (Relator)

Jorge Dias

Jorge Arcanjo