IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
COMPRA E VENDA MERCANTIL
DEFEITOS
CADUCIDADE
BENS USADOS
DENÚNCIA
ÓNUS DA PROVA
DIREITO À REPARAÇÃO
Sumário


I- Antes de apreciar a impugnação da matéria de facto, deve o tribunal apurar a natureza da matéria impugnada, pois caso a impugnação tenha por objeto matéria conclusiva ou com significação jurídica, as partes não estão oneradas com a sua demonstração, nem são responsáveis pela sua aquisição para a matéria de facto, a qual deve, pelo contrário, ser dela retirada.
II – No contrato de compra e venda mercantil, os efeitos da compra e venda, assim como as suas vicissitudes, nomeadamente as relacionadas com a perfeição do negócio, com o cumprimento e incumprimento do contrato, e com o cumprimento defeituoso, a solução de tais questões tem o seu campo de aplicação no âmbito do direito civil, comungando os contratos de compra e venda mercantil do mesmo regime jurídico especialmente concebido para a compra e venda civil.
III- No entanto, o prazo de denúncia dos defeitos na compra e venda comercial é apenas de 8 dias, nos termos previstos no art.º 471º do C Comercial.
IV – No âmbito da compra e venda de bens defeituosos cabe ao comprador o ónus de alegação e prova da desconformidade da coisa vendida em relação à sua função normal, assim como lhe cabe a alegação e prova de que o denunciado defeito existia à data do cumprimento do contrato.
V- O direito do vendedor à reparação dos defeitos não é absoluto, podendo ele ser obrigado a indemnizar o comprador pela reparação feita por ele da coisa defeituosa, ou com recurso a reparação por terceiro, se o vendedor a não reparar num prazo razoável.
VI- Efetivamente, tendo havido anteriores tentativas fracassadas de reparação, e/ou a recusa do devedor na efetuação da reparação, independentemente da razão invocada (ou até da falta de invocação), para não proceder à reparação, tem sido entendido na nossa doutrina e jurisprudência, que é legítimo ao comprador reparar ou mandar reparar os defeitos da coisa, imputando os seus custos ao vendedor incumpridor, por aplicação do artigo 828.º do Código Civil (Regime Jurídico da Execução Específica).

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2º Adjunto: Jorge Martins Teixeira

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RELATÓRIO:

“L..., E..., Lda.”,
com sede na Rua..., ..., intentou a presente ação declarativa com processo comum contra “I... Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua ..., ..., pedindo a condenação da ré a:

“a) Reconhecer os defeitos da máquina giratória como abrangida pela assistência em período de garantia;
b) Reconhecer os defeitos do martelo pneumático com existência anterior à entrega do mesmo à Autora;
b) Proceder à devolução dos montantes pagos pelas Autora relativos às reparações liquidadas por esta, na quantia total de €3.724,61;
c) Ressarcir a Autora pelos prejuízos patrimoniais causados pela conduta faltosa da Ré ao manter os equipamentos praticamente paralisados, num montante de € 2.500,00, acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento; e
e) Ressarcir a Autora pelos prejuízos não patrimoniais causados pela sua conduta faltosa, num montante estimado de € 1.500,00…”.
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Alega para tanto e em síntese, que para o exercício da sua atividade adquiriu à Ré uma “mini giratória” usada, pelo valor global de € 41.820,00 (IVA incluído), aparentemente livre de defeitos, assim como um “martelo pneumático”, também usado, e um balde de limpeza, pela quantia global de € 4.000,00 (IVA incluído), também aparentemente livre de defeitos, bens que lhe foram entregues em 29 de Outubro de 2021, os quais a A pagou, e que eram para serem usados conjuntamente, como era do conhecimento da Ré, sendo ambos imprescindíveis para a prossecução da atividade da A.
Posto isto, os bens em causa foram levados para uma obra da Autora sita em ..., ..., a fim de lá iniciarem os trabalhos necessários.
Acontece que logo a partir do dia seguinte os funcionários da Autora verificaram que as máquinas adquiridas apresentavam vários defeitos, que descreve, dos quais foram dando conta ao gerente da ré, o qual não os reparou, apesar de se deslocar várias vezes ao local para o efeito, pelo que a A viu-se obrigada a imobilizar a máquina comprada na obra, deixando de a poder utilizar nas restantes obras que detinha.
Em virtude dessa situação a A perdeu a confiança na ré, e solicitou, em 24.11.2021, um orçamento a uma empresa representante da marca, de forma a apurar, definitivamente, os defeitos existentes, uma vez que as ditas máquinas eram essenciais para a sua atividade.
Verificados os defeitos existentes nas máquinas e orçamentada a sua reparação, em € 2.639,38 (IVA incluído), e € 713,40 (IVA incluído), respetivamente, em 27 de Novembro de 2021, a Autora remeteu email à Ré para lhe dar conhecimento do orçamento de reparação das máquinas, tendo-lhe a ré respondido, por email de 29 de Novembro de 2021, que descartava toda e qualquer responsabilidade pelo pagamento da reparação das máquinas.
No mesmo dia a Autora interpelou a Ré, via email, para proceder à reparação dos defeitos existentes nos bens que aquela lhe havia vendido, sob pena de ser ordenada a sua reparação junto do representante da marca e imputados os custos àquela, nada tendo a ré respondido, nem demonstrado interesse na reparação, razão pela qual a A mandou reparar as máquinas e suportado o custo da respetiva reparação, que pretende reaver da ré, no valor peticionado de €3.724,61, acrescido da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a paralisação das máquinas, que descreve e avalia em € 2.500,00 e € 1.500,00, respetivamente.
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Citada, a ré contestou a ação, dizendo que efetivamente celebrou com a A os contratos de compra e venda por ela mencionados, em 14.10.2021, tendo-lhe as máquinas sido entregues em 29.10.2021, mas que quando a Autora lhe denunciou os alegados defeitos das mesmas, em 27 de novembro de 2021, já há muito que havia caducado o direito a reclamar daquela factualidade, o qual deveria ter sido exercido pela ré nos 8 dias seguintes à receção das máquinas, nos termos previstos no art.º 471º do Código Comercial, dada a natureza mercantil das compras efetuadas.
Caso assim se não entenda, o dever da ré era o de reparar os defeitos das máquinas, tendo a A interpelado terceiros para o fazer, antes de interpelar a ré para o efeito, pelo que ficou exonerada da sua responsabilidade, pelo pagamento das quantias que lhe são solicitadas. Conclui pela improcedência da ação.
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Tramitados regularmente os autos foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelos motivos expostos, decido:
5.1.- Julgar a ação improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido formulado contra si pela autora.
5.2.- Custas da ação pela autora”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“a) Existiu um erro de julgamento na apreciação da matéria fática;
b) Encontram-se incorretamente julgados os pontos 2,3,4,5,6 e 7 da lista de factos não provados;
c) O depoimento das testemunhas AA (minuto 13:11 a 14:42 – 19:16 a 19:23), BB (minuto 21:26 a 23:38) e CC (minuto 00:28 a 01:53 – 02:17 a 02:33 – 03:29 a 07:14 – 08:02 a 08:42), impunha a que o tribunal desse como provados:
d) .-Como consequência direta e necessária da avaria dos equipamentos, a Autora viu-se impedida de lhes dar o fim para o qual se destinou a sua aquisição, ou seja, utiliza-los na execução dos trabalhos de construção civil e terminar as obras que tinha em curso.
e) 3.- O que interferiu diretamente com a logística da empresa, causando uma significativa diminuição na produção e satisfação dos clientes da Autora.
f) 4.- Uma vez que teve de as manter na mesma obra, sita em ..., não sendo deslocadas para as outras obras que estavam a ser acompanhadas pela Autora.
g) 5.-Provocando à Autora graves prejuízos.
h) 6.- Além da sua quebra de produtividade.
i) 7.- A Autora demorou mais tempo a realizar e apresentar as obras devidamente concluídas em tempo útil."
j) Tanto mais que resulta da matéria dada como provada que a denúncia ocorreu dentro dos prazos legais previstos.
k) Não decorreu qualquer prazo de caducidade, como decidiu o Tribunal “a quo”
l) A Autora comunicou tempestivamente os defeitos da máquina adquirida a Ré;
m) da matéria dada como provada, é latente em que foi dada oportunidade à Ré em reparar os defeitos que assumiu.
n) Decorrido o prazo concedido à Ré, sem que esta tenha procedido à reparação, levou a um incumprimento definitivo por parte daquela.
o) Além do referido incumprimento por parte da Ré, era urgente para a Autora a utilização da dita máquina, que já se encontrava parada há 30 dias na mesma obra.
p) A Autora tem de ser indemnizada pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes já que uns e outros integram o interesse contratual positivo; ou seja, a Autora tem direito a ser indemnizatoriamente colocada na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido pela Ré.
q) Deve a Ré ser condenada ao pagamento das quantias despendidas pela Autora na reparação dos defeitos da maquina que lhe foi vendida pela Ré-
r) a máquina giratória adquirida pela Autora à Ré esteve paralisada quase dois meses: 30 dias na obra onde foi entregue pela Ré, e outros 30 dias em oficina para reparação.
s) Impõe-se a condenação da Ré do pagamento à Autora da quantia peticionada, a título de danos patrimoniais.
t) A Autora viu-se impedida de utilizar a máquina para os fins a que se destina, teve de alugar uma máquina para substituir a que tinha comprado.
u) O que é suscpetivel de gerar danos não patrimoniais que tem necessariamente de serem ressarcidos.
Impõe-se, portanto, a revogação da decisão recorrida…”
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A recorrida veio apresentar Resposta ao recurso, na qual pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I-  Se é de admitir a impugnação da matéria de facto; e
II- Se mesmo perante a matéria de facto provada deveria ser julgada procedente a ação.
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III- FUNDAMENTAÇÃO:

Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:
“Factos provados com relevância para a decisão da causa:
1.- A Autora é uma sociedade por quotas que se dedica à construção civil, obras públicas, demolições, construção de estruturas metálicas, reabilitação de edifícios, aluguer de equipamento de construção, terraplanagens, movimentações de terras, pavimentações em granito e outros, limpezas, engenharia e técnicas afins, consultoria, auditorias, peritagens, construção compra e venda de prédios rústicos e urbanos, promoção imobiliária e mediação imobiliária.
2.- A Ré é uma sociedade unipessoal que se dedica à transformação, comércio e exportação de inertes designadamente atividades de separação, lavagem e fabrico de areias e de pedra transformada, indústria de empreitadas de obras públicas, designadamente terraplanagens e demolições; o comércio, importação e exportação de materiais para a construção civil; o comércio, importação e exportação de equipamentos e maquinaria para a construção civil; e comércio, importação e exportação de veículos automóveis. Compra, venda e revenda de bens imóveis; Arrendamento de bens imóveis.
3.- A atividade exercida pela Autora é do conhecimento da Ré.
4.- No dia 14 de outubro de 2021, a Autora adquiriu à Ré uma mini giratória, usada, de marca ..., nº de série ...60, no ano de 2010, com o nº de horas 3.900, pelo valor de €34.000,00 acrescido do IVA, na quantia de €7.820,00, num total de €41.820,00, conforme fatura ...3 junta com a petição inicial como documento n.º ..., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- A 30 de outubro de 2021, a Autora adquiriu à Ré um martelo pneumático, usado, de marca ... ..., nº de série ...55 e um balde de limpeza pela quantia de €3.252,03, acrescia do IVA de €747,97, num total de €4.000,00, conforme fatura ...4 junta com a petição inicial como documento n.º ..., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
6.- (reprodução do facto nº 5)
6.º Contrato referente à mini giratória da marca ..., modelo ...80, número de série ...60, do ano de 2010, com 3.900 horas (cfr. docs. juntos sob os n.ºs 1 e 2).
7.- Para o efeito, antes da conclusão do contrato de compra e venda, o Sr. L..., representante da autora, deslocou-se às instalações da Ré para verificar pessoalmente o equipamento, tendo-a testado e examinado as qualidades, características e equipamentos da mini giratória.
8.- A autora rececionou esta máquina e equipamentos no dia 29 de outubro de 2021, data em que os mesmos ficaram à disposição da autora.
9.- Todos os artigos foram devidamente pagos pela Autora à Ré não se encontrando qualquer valor em dívida.
10.- Os referidos equipamentos foram vendidos na qualidade de usados, sem garantia, e no estado em que os mesmos se encontravam na data da celebração do contrato, ou seja, com as qualidades, características e os equipamentos que a mini giratória possuía, conforme documentos n.ºs ... e juntos com a contestação, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
11.- A Ré sabia que as máquinas adquiridas pela Autora seriam usadas conjuntamente e no exercício da atividade da Autora.
11.- No dia 30 de outubro de 2021, quando os funcionários da Autora tentaram pôr a máquina giratória a trabalhar, a mesma não ligou.
12.- De imediato, o gerente da autora telefonou ao gerente da ré, DD, a dar conta do sucedido.
13.- Nesse mesmo dia, o DD deslocou-se à obra onde se encontrava a dita máquina, a fim de verificar o defeito em causa, o qual reparou no próprio dia, e a máquina foi descarregada através dos seus meios mecânicos.
14.- Posteriormente, em data não concretamente apurada, os funcionários da autora verificaram que os encaixes do martelo não conectavam na máquina giratória,
15.- … e telefonou-se novamente ao DD no sentido de dar conta de tal problema.
16.- O DD, no dia 6 de novembro, deslocou-se à obra da autora para reparar o martelo, o que aconteceu.
17.- A máquina ... ... vendida pela ré à autora não fazia a leitura da temperatura do motor e do nível de gasóleo no respetivo painel digital.
18.- A ré entrou em contacto com o DD no sentido de dar conta das anomalias identificadas em 17.
19.- Em data não concretamente apurada, o DD deslocou-se novamente à obra onde se encontrava a dita máquina acompanhado por um eletricista.
20. - Após inspeção à dita máquina, verificou-se que o sensor de temperatura do motor e o medidor do nível de gasóleo estavam inoperacionais, sem que, no entanto, os conseguissem reparar nesse dia.
21.- Receosa com a ausência de leitura da temperatura do motor, a ré não usou mais a maquina.
22.- A 13 de Novembro de 2021, o DD deslocou-se novamente à obra da Autora, em ..., a fim de substituir a válvula de temperatura da máquina e assim proceder à reparação dessa anomalia.
23.- No entanto, a válvula que havia trazido não era original da marca e não funcionava na dita máquina.
24.- Pelo que, também nesse dia a Ré não reparou essa anomalia, comprometendo-se a regressar com a competente válvula.
25.- No dia 24 de novembro de 2021, a Autora enviou os ditos equipamentos para o representante da marca, a empresa D...- equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda..
26.- Entre o dia 24 e 27 de novembro de 2021, a D...-equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda., procedeu à lavagem do equipamento, mudança de posição dos rastos e à reparação de Cablagem do Equipamento, conforme orçamento n.º ...09, datado de 25 de novembro de 2021, junto com a contestação como documentos n.ºs ... e ..., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
27.- Até ao dia 27 de novembro, a ré desconhecia que os referidos equipamentos que a autora lhe comprou encontravam-se nas instalações da D...- equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda.
28.- Nessa oficina foi ainda apurado a necessidade de realização das seguintes reparações: - Roleto superior com veio gripado; - Roleto inferior com veio destruído; - Rasto direito com telas partidas; - falta de cabo de acelerador automático; - Proteção do cilindro do braço inexistente; - Interruptor de luzes da cabine inexistente; - Painel danificado, impede leitura de níveis de gasóleo e da temperatura.
29.- Para a realização destas intervenções, a D...-equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda., apresentou à autora um orçamento de €2.145,84, acrescido do correspondente IVA à taxa legal, num total de €2.639,38, conforme documento n.º ... junto com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
30.- Nessa oficina foi ainda apresentado um orçamento para a reparação do martelo pneumático em virtude da falha do perno longitudinal, o que obrigava à sua substituição por completo.
31.- Reparação esta do martelo que foi orçamentada no valor de €580,00, acrescido do correspondente IVA à taxa legal, num total de €713,40, conforme documento n.º ... junto com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
32.- Já com a máquina nas instalações da D...-equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda., no dia 27 de novembro de 2021, a autora remeteu e-mail à Ré para dar conhecimento do orçamento de reparação da máquina giratória, dando ainda conta dos defeitos existentes no martelo, nomeadamente, relacionados com gás, veio (perno partido) e vedantes.
33.- No mesmo e-mail a Autora solicitou a colaboração da Ré, solicitando uma resposta até 29 de novembro, atendendo à urgência na resolução dos problemas em causa, conforme documento n.º ... junto com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
34.- A 29 de Novembro de 2021, a Ré respondeu por e-mail à autora informando que descartava toda e qualquer responsabilidade, informando ainda que não iria prestar qualquer garantia adicional aos bens vendidos a esta, conforme documento n.º ... junto com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
35.- No mesmo dia, a autora interpelou a ré, via e-mail, para proceder à reparação dos defeitos existentes nos bens que lhe havia vendido, nomeadamente: - Roleto superior com veio gripado; - Roleto inferior com veio destruído; - Rasto direito com telas partidas; - falta de cabo de acelerador automático; - Proteção do cilindro do braço inexistente; - Interruptor de luzes da cabine inexistente; - Painel danificado, impede leitura de níveis de gasóleo e da temperatura; - Martelo pneumático sem funcionar. Mais concedendo prazo de 5 dias, sob pena de ser ordenada a reparação junto do representante e imputados os custos àquela, conforme documento n.º ... junto com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
36.- A Ré nada respondeu e não demonstrou qualquer interesse em proceder à reparação dos artigos em questão.
37.- A A (erradamente referida a ré, cremos) aceitou os orçamentos da D...- equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda., e pagou as quantias de €7.900,95 e de €713,40 conforme faturas juntas com a petição inicial como documento n.º ..., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
38.- A inexistência de cabo de acelerador automático, a inexistência da proteção do cilindro do braço e a inexistência do interruptor de luzes da cabine eram percetíveis aquando da deslocação do Sr. EE com vista à sua aquisição”.

E foram dados como não provados os seguintes:

“Factos não provados com relevância para a decisão da causa:
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
1.- A Autora viu o seu volume de trabalho aumentado durante o ano de 2021, uma vez que foi contratada para mais obras, além das construções que se encontravam já em curso.
2.- Como consequência direta e necessária da avaria dos equipamentos, a Autora viu-se impedida de lhes dar o fim para o qual se destinou a sua aquisição, ou seja, utiliza-los na execução dos trabalhos de construção civil e terminar as obras que tinha em curso.
3.- O que interferiu diretamente com a logística da empresa, causando uma significativa diminuição na produção e satisfação dos clientes da Autora.
4.- Uma vez que teve de as manter na mesma obra, sita em ..., não sendo deslocadas para as outras obras que estavam a ser acompanhadas pela Autora.
5.- Provocando à Autora graves prejuízos.
6.- Além da sua quebra de produtividade.
7.- A Autora demorou mais tempo a realizar e apresentar as obras devidamente concluídas em tempo útil.
8.- Tal mora e falha na entrega dos trabalhos, originou insatisfação junto dos clientes da Autora, causando penalizações debitadas à mesma – o que abala a imagem de profissionalismo e eficácia da empresa, junto do mercado em que se move.
9.- Na verdade, os clientes da Autora, habituados ao cumprimento escrupuloso das entregas dos trabalhos, muito estranharam a mora ou falha no cumprimento dos prazos, levando a que a Autora fosse alvo de reclamações, comunicados, chamadas de atenção e penalizações pelos atrasos.
10.- Colocando em causa o bom nome da Autora.
11.- Na sequência da conduta da ré, a autora sofreu prejuízos no montante de €2.500,00…”
                                                    *
IV- DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Começa a recorrente por impugnar a matéria de facto dada como “não provada” nos pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 7, baseando a sua discordância nos depoimentos das testemunhas AA, BB, e CC, os quais deveriam levar a dar como provados aqueles pontos da matéria de facto.
Mas não podemos concordar com a recorrente, desde logo porque consideramos que essa matéria nem sequer deveria constar da matéria de facto, por se mostrar toda ela “conclusiva”, sem qualquer facto, em concreto, a sustentá-la.

Senão vejamos:

Consta daqueles pontos da matéria de facto “não provada” que:
“2.- Como consequência direta e necessária da avaria dos equipamentos, a Autora viu-se impedida de lhes dar o fim para o qual se destinou a sua aquisição, ou seja, utiliza-los na execução dos trabalhos de construção civil e terminar as obras que tinha em curso.
3.- O que interferiu diretamente com a logística da empresa, causando uma significativa diminuição na produção e satisfação dos clientes da Autora.
4.- Uma vez que teve de as manter na mesma obra, sita em ..., não sendo deslocadas para as outras obras que estavam a ser acompanhadas pela Autora.
5.- Provocando à Autora graves prejuízos.
6.- Além da sua quebra de produtividade.
7.- A Autora demorou mais tempo a realizar e apresentar as obras devidamente concluídas em tempo útil…”.

Efetivamente, percorrida toda aquela matéria, não vemos nela mencionada qual o fim em concreto para o qual a A destinou as máquinas adquiridas à ré, nem as obras em concreto nas quais seriam usadas as máquinas, sendo muito vago o que vem descrito nos pontos 1, 3, e 11 da matéria de facto provada, nos quais se descreve a atividade da A em geral (construção civil, obras públicas, demolições, construção de estruturas metálicas, reabilitação de edifícios, aluguer de equipamento de construção, terraplanagens, movimentações de terras, pavimentações em granito e outros, limpezas, engenharia e técnicas afins, consultoria, auditorias, peritagens, construção compra e venda de prédios rústicos e urbanos, promoção imobiliária e mediação imobiliária); atividade essa que é do conhecimento da Ré; e que a mesma sabia que as máquinas adquiridas pela Autora seriam usadas conjuntamente e no exercício da atividade da Autora.
Ou seja, resulta apenas da matéria de facto vertida naqueles pontos que a A adquiriu as máquinas mencionadas nos autos à ré, para o exercício, em geral, da sua atividade profissional.
Mas essa matéria é muito vaga e imprecisa, quando se trata de apurar danos e encontrar valores indemnizatórios para reparação dos danos sofridos, nos termos em que eles vêm mencionados nos artºs 562º e ss. do CC – e nos quais encontramos os princípios vigentes para as obrigações de indemnização, como uma das modalidades das obrigações em geral.
Ora, um desses princípios basilares, previsto no art.º 562º do CC, intitulado “princípio geral”, é o de que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, o que nos leva desde logo a ter de ponderar a situação do lesado antes e depois do evento danoso.
Significa isso que haveria de ser alegado pela A, e provado - como um facto essencial, constitutivo do direito por si invocado (art.º 5º nº1 do CPC, e 342º nº1 do CC) -, que adquiriu as máquinas à ré com destino a determinada obra ou obras – as quais deveria concretizar, nomeadamente as alegadas obras em curso -, e que por causa da avaria daquelas máquinas não as pode continuar ou concluir, acarretando-lhe essa paragem ou atraso determinado prejuízo, também ele concretizado, seja pelo acionamento de cláusulas penais contratualizadas, seja pela simples paragem dos trabalhadores, com o consequente prejuízo inerente ao pagamento dos seus salários, sem rentabilidade ou retorno.
Do mesmo passo haveria a A de alegar e provar em que consistiu a significativa diminuição da sua produção; quais as obras paradas; quais os contratos cancelados; em que consistiu a reclamação dos clientes; que rescisão de contratos teve; que outras obras tinha em curso para onde pretendia deslocar as máquinas; que prejuízos teve com essa falta de deslocação; quantos funcionários teve parados; quais as cláusulas penais acionadas por atrasos das obras; enfim, em que consistiram os alegados prejuízos, que apenas quantifica, mas que não descreve factualmente.
Isto tudo em ordem a cumprir também o nexo de causalidade exigido no art.º 563º do CC de que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, sendo exigida tal alegação e prova à A na medida em que a mesma vem peticionar danos patrimoniais e não patrimoniais, os quais têm de ser quantificados, prevendo-se no art.º 564.º, intitulado “Cálculo da indemnização” que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”, e que “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”.
Ora, analisada a matéria levada aos pontos da matéria de facto não provada, ora impugnados pela recorrente, verificamos que deles constam meras conclusões e não matéria de facto concreta, como se exige no art.º 607º do CPC, e no qual se prevê expressamente, no seu nº 3, quanto aos fundamentos da sentença, que “deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”, acrescentando o nº 4 que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…); o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Acrescenta depois o nº 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Ou seja, na elaboração da sentença, na parte relacionada com a descrição da matéria de facto, o juiz deve cingir-se a factos – realidades concretas da vida –, e não a matéria de direito, nem a conclusões, quer de facto, quer de direito, que devem apenas ser atendidos na parte adequada da elaboração da sentença, que é a da subsunção jurídica dos factos às normas legais e aos institutos jurídicos aplicáveis ao caso concreto.
Ora, mesmo sabendo que a destrinça entre facto e direito (ou entre facto e conclusão, quer de facto, quer de direito) não é fácil, ela torna-se necessária em termos de alegação e ónus da prova, uma vez que às partes apenas cabe alegar e provar os factos (art.º 5º nº1 do CPC e 342º do CC), cabendo ao juiz indagar, interpretar e aplicar as regras de direito a partir desses factos (art.º 5º nº 3 e 607º nºs 3 e 4 do CPC), com a particularidade que não pode o juiz substituir-se às partes na alegação de factos essenciais, mas já não está vinculado à interpretação e integração desses factos ao direito que considera ser o aplicável.
Por isso se justifica, antes de se entrar na impugnação da matéria de facto, apurar a natureza da matéria impugnada, pois caso a impugnação tenha por objeto matéria conclusiva ou com significação jurídica, as partes não estão oneradas com a sua demonstração, nem são responsáveis pela sua aquisição para a matéria de facto, a qual deve, pelo contrário, ser dela retirada.
Isto no entendimento, cremos que pacífico, de que embora o atual CPC não contenha norma correspondente à inserida no art.º 646º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC (de considerar não escrita essa matéria), chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art.º 607.º, n.º 3 e 4, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os “factos” que julga provados e quais (“os factos”) que julga não provados (ver, entre outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014, de 14/1/2015, e de 29/4/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.) – sendo “desconsiderado” ou “ignorado” tudo o que extravase os meros factos.
Donde a conclusão de que, a inclusão na matéria de facto provada da matéria vertida nos artigos impugnados pela recorrente – caso fosse procedente a sua pretensão -, sempre se revelaria irrelevante, dado que tal matéria nunca poderia ser valorada pelo tribunal, em termos de subsunção da mesma às normas jurídicas convocadas para a solução do pleito.
Cairíamos por outro lado, caso levássemos a cabo a apreciação de tal matéria, na prática de atos inúteis que a lei proíbe expressamente (art.º 130º do CPC).
Ora, em jeito de conclusão, toda a matéria de facto impugnada pela recorrente se apresenta revestida de conclusões de facto, que careciam, a nosso ver, de ser concretizadas com verdadeiros factos, demonstrativos da realidade subjacente àquelas conclusões – e que seriam os factos concretos nos quais a A baseia os alegados prejuízos sofridos com a paralisação das máquinas que a ré lhe vendeu, alegadamente defeituosas.
Perante tal matéria, inócua como se disse, em termos de valoração jurídica, fica prejudicada a apreciação do mérito da impugnação da matéria de facto suscitada pela recorrente, rejeitando-se consequentemente o recurso da matéria de facto por ela interposto.
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E perante a matéria de facto dada como não provada, que se mantém inalterada pelas razões expostas, improcedem desde logo os pedidos formulados pela recorrente nas alíneas c) e d), acima descritos, relacionados com os alegados prejuízos por ela sofridos com a paralisação das máquinas.
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Considera ainda assim a recorrente que perante a matéria de facto provada, deveria o tribunal recorrido ter-lhe dado razão, e dar como procedente a ação.

Vejamos:

Da questão da caducidade do direito da A:
Considera a recorrente que resulta da matéria de facto provada que a denúncia dos defeitos ocorreu dentro dos prazos legais previstos, e que não decorreu qualquer prazo de caducidade do seu direito, uma vez que a Autora comunicou tempestivamente os defeitos das máquinas adquiridas à Ré.
Mas tal não aconteceu, como é bom de ver, quer pela análise da matéria de facto dada como provada, quer pela análise da sentença recorrida, que concluiu, muito bem, em nosso entender, pela caducidade do direito da A relativamente à denúncia dos defeitos à ré (com exceção apenas de um deles).
Como resulta da decisão recorrida - que pela sua assertividade ousamos reproduzir -, “…Uma vez identificado o defeito ou anomalia na coisa vendida, o nosso regime legal confere ao comprador os seguintes direitos (artºs 913º e 905º e ss. do CC): - anulação do contrato, por erro ou dolo, verificados os respetivos requisitos de relevância exigidos pelo artigo 251.º do C.C. (erro sobre o objeto do negócio) e pelo artigo 254.º, do C.C. (dolo); - redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido a coisa, mas por um preço inferior (cfr. artigo 911.º, do C.C.); - reparação da coisa ou, se necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (cfr. artigo 914.º, do C.C.) independentemente de culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida por convenção das partes ou por força dos usos (cfr. artigo 921.º, n.º 1, do C.C.); e indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu com a celebração do contrato, cumulável com a anulação deste e com a redução do preço (cfr. artigos 908.º, 909.º, e 911.º, do C.C.) (…).
Acontece que quer a denúncia dos defeitos, quer a propositura da ação, estão sujeitas a prazos de caducidade, os quais não são do conhecimento oficioso (cfr. artigo 333.º, do C.C.). Incumbe, assim, ao vendedor o ónus da alegação e da prova da intempestividade dessa denúncia dos defeitos e/ou do direito de interpor essa ação - cfr. artigos 916.º e 917.º, do C.C..
No caso em apreço, a ré invoca expressamente a exceção da caducidade ao abrigo do artigo 471.º, do Código Comercial. Nos termos deste preceito legal, “as condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as coisas compradas no ato da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias. §. único. O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no ato da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado.”
Acontece que este prazo de caducidade não pode ser dissociado do regime previsto no artigo 917.º, do Código Civil. E, da conjugação destes dois preceitos legais, resulta que no âmbito de um contrato de compra e venda comercial, o comprador dispõe do prazo de 8 dias a contar do momento em que teve conhecimento do defeito, e do prazo de seis meses desde a data de entrega da coisa, para denunciar o defeito que a mesma apresenta. Note-se que este prazo de oito dias para reclamar o defeito junto do vendedor, atento o supra exposto, conta-se a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento do vício se agisse com a diligência exigível ao tráfico comercial, conforme doutamente se afirma no Ac. do STJ, datado de 23-11-2006, disponível in http://www.dgsi.pt. (…). Ainda sobre o regime da caducidade, e no que ao caso importa, não podemos deixar de referir que nos termos do disposto no artigo 331.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo; ou o reconhecimento do direito feito por aqueles contra quem o mesmo poderia fazer-se valer (…).
Dito isto e voltando ao caso em apreço (…) foram estes os defeitos denunciados à ré por parte da autora no e-mail datado de 27 de novembro de 2021. Neste contexto (…) a ré podia e devia ter confirmado, senão antes da aquisição, pelo menos nos 8 dias seguintes à receção da máquina e do martelo, que tais defeitos e avarias já eram uma realidade. Com efeito, o legal representante da ré, senão antes da aquisição e nas visitas que efetuou às instalações da ré, imediatamente à receção da máquina, tinha condições objetivas e subjetivas para examinar a máquina giratória e o martelo e, assim, constatar todas essas anomalias que denunciou no e-mail datado de 27 de novembro de 2021.
Aqui chegados, impõe-se concluir que a denúncia de todos os identificados defeitos, descritos no dito e-mail datado de 27 de novembro de 2021, é extemporânea porque efetuada para além do citado prazo de 8 dias a partir do momento em que a autora podia verificar a sua existência e, por motivos não concretamente apurados, não o fez (…).
Procede, assim, a exceção da caducidade relativamente aos defeitos denunciados no e-mail datado de 27 de novembro de 2021.
Em rebate desta nossa conclusão, sempre se poderá afirmar que relativamente ao sensor da temperatura do motor (e apenas este porquanto na tese da ré o martelo sempre funcionou após a confessada intervenção), não pode funcionar a exceção da caducidade porquanto o legal representante da ré reconheceu expressamente a sua existência – cfr. citado artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil…”.
Resulta assim da sentença proferida, à qual aderimos totalmente nesta parte, que se considerou procedente a exceção da caducidade do direito da A relativamente a todos os defeitos manifestados nas máquinas por ela adquiridas à ré, e apenas denunciados no email enviado a 27.11.2021, com exceção do defeito no painel digital de leitura da temperatura do motor e do gasóleo, que a ré expressamente reconheceu, e prometeu reparar.
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Reproduzindo, uma vez mais, o que consta da decisão recorrida, no que toca ao enquadramento legal do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, o qual consideramos também muito assertivo, “da matéria de facto dada como provada, resulta claramente que entre autora e ré estabeleceram-se relações comerciais, no desenvolvimento das quais esta forneceu àquela produtos a cujo comércio se dedica, contra o pagamento do respetivo preço. Para além disso, também está assente que a autora destinou esses equipamentos que adquiriu à ré no exercício do seu escopo societário. Estas relações analisam-se no âmbito de um contrato de compra e venda mercantil, já que se trata de negócios entre comerciantes - sociedades comerciais - artigo 13.º, n.º 2, do Código Comercial -, que adquirem aquela qualificação de comerciais, por consubstanciarem atos de comércio subjetivos, nos termos do artigo 2º, 2ª parte, deste último diploma (Cfr. Pinto Furtado, Código Comercial Anotado, vol. I, pág. 21), tendo em consideração que a enumeração de contratos de compra e venda comercial constante do artigo 463º, deste mesmo diploma legal não é taxativa (Cf. Acórdão da Relação do Porto de 28/1/1986, in Coletânea de Jurisprudência, 1986, tomo 1, pág.177 e Cunha Gonçalves, Da Compra e Venda no Direito Comercial Português, pág. 90). A espécie contratual em causa reveste a natureza de um contrato translativo (produz sempre a transferência da propriedade de uma coisa ou direito); oneroso (cada um dos contraentes tem de prestar o equivalente àquilo que recebe; cada uma das partes procura para si uma vantagem económica, mediante a correlativa atribuição de um benefício à contraparte); bilateral ou sinalagmático (nele existe um nexo de reciprocidade entre a prestação de um dos contraentes e a contraprestação do outro); nominado (está expressamente previsto e disciplinado na lei); causal (a sua causa é constituída pela troca da propriedade por uma soma em dinheiro); e, em regra, comutativo (as duas prestações são certas e, quanto possível, iguais; no próprio momento da conclusão do contrato é possível avaliar a vantagem e o sacrifício para cada parte) - cfr. artigos 784.º, 789.º, al. a), 874.º, 879.º, 880.º, n.º 2 e 881.º, do Código Civil…”.
E quanto à existência dos defeitos nas coisas vendidas, decidiu-se também de forma muito correta na sentença recorrida, que “o direito que a autora pretende fazer valer com a presente ação inscreve-se no domínio do contrato de compra e venda, mais concretamente na venda comercial de coisa defeituosa, à luz da espécie jurídica figurada nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil. Estabelece este preceito que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito para a venda de bens onerados, acrescentando que, quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria. Como escreve Pedro Romano Martinez (in Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, pág. 184 e 185), “Em primeiro lugar importa verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisa daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato. Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa.” O citado normativo legal distingue, assim, quatro categorias de vícios: - vício que desvalorize a coisa; - vício que impeça a realização do fim a que é destinada; - falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; - e falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina. E quando não houver acordo específico das partes acerca do fim que a coisa se destina atende-se à função normal de coisas da mesma categoria - cfr. artigo 913.º, n.º 2, do C.C. Há um padrão normal relativamente à função de cada coisa, e é com base nesse padrão que se aprecia da existência do vício. Por exemplo, pressupõe-se que a máquina funcione (…). O critério funda-se num padrão de normalidade, que corresponde ao tipo ideal” (cfr. Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações (parte especial), Almedina, pág. 123).
No que ao caso importa - regime jurídico da venda de coisa defeituosa-, importa realçar que o regime geral do ónus da prova previsto nos artigos 342.º e 343.º, do C.C., tem cabal aplicação. Assim, como a existência do defeito é um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, compete-lhe a ele provar, designadamente, não só a sua existência como também que a sua gravidade impossibilita ou afeta o seu uso, ou acarreta a sua desvalorização. Por seu lado, é ao vendedor que compete alegar e provar o desconhecimento do vício ou defeito da coisa, visto ele estar, em princípio, por força do contrato, obrigado a prestar a coisa sem defeito (ver neste sentido Prof. Baptista Machado, in Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas, 1972, pag. 90). Na verdade, a responsabilidade derivada do cumprimento defeituoso baseia-se, por principio, na culpa do devedor. Culpa essa que por um lado se presume (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do Cód. Civil) e, por outro, deverá ser apreciada em abstrato (cfr. artigo 799.º, n.º 2, do Cód. Civil) (…). Na realidade, para que o facto não se considere imputável ao devedor/vendedor, a este só cabe a prova de uma causa estranha. Assim, o vendedor, para afastar a presunção de culpa, só pode invocar três causas: força maior; atitude negligente da contraparte e facto de terceiro - neste sentido Pedro Romano Martinez, Ob. Cit., pág. 312 e 313 (…).
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Particularizando, estamos perante uma compra e venda mercantil, celebrada pelas partes em 14.10.2021, tendo como objeto duas máquinas usadas, sem garantia - uma mini-giratória e um martelo pneumático -, para trabalharem conjuntamente, na atividade profissional da A (na área da construção civil em geral), que lhe foram entregues em 29.10.2021, numa obra em ..., e que revelaram apresentar defeitos, os quais a A denunciou à ré, no email que lhe enviou em 27.11.2021.
Resulta ainda dos factos assentes que se trata de um contrato de natureza subjetiva e objetivamente comercial, face ao disposto nos artºs 2º, 13º e 463º, nº1 e 2 do Código Comercial, tendo em conta que foi celebrado por entidades comerciais, no âmbito da sua atividade comercial, destinando a A os bens comprados à atividade profissional de uma delas.
Com efeito, resulta do art.º 2º do C. Comercial que “serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.
Por outro lado, o contrato em apreço foi celebrado entre duas sociedades comerciais, pelo que, sempre se deveria presumir a sua natureza comercial (cf. art.º 2.º do Cód. Comercial).
Ora, sendo as partes neste contrato comerciantes (sociedades comerciais), nos moldes definidos no art.º 13º do C. Comercial, os atos em causa são de natureza comercial, pelo que o presente contrato se enquadra no âmbito da compra e venda comercial, à qual se devem aplicar, prioritariamente, as normas do Código Comercial, só sendo permitido o recurso às normas do direito civil para preencher lacunas do direito comercial, relativamente a questões que não possam ser resolvidas, nem pelo texto do Código Comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos (art.º 3.º do Código Comercial).
Daí que, no que respeita aos efeitos da compra e venda, assim como às suas vicissitudes, nomeadamente as relacionadas com a perfeição do negócio, com o cumprimento e incumprimento do contrato, e cumprimento defeituoso, a solução de tais questões tenha o seu campo de aplicação no âmbito do direito civil, comungando os contratos de compra e venda mercantil do mesmo regime jurídico especialmente concebido para a compra e venda civil.
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Isto posto, como bem se decidiu na sentença recorrida, movemo-nos no âmbito da compra e venda, contrato pelo qual ao dever de entregar a coisa corresponde a obrigação de pagar o preço (art.º 879º, alíneas b) e c) do CC).
Tratando-se de uma compra e venda de bens usados, é também ponto assente que a coisa deve ser entregue, conforme dispõe o art.º 882º do CC, no estado em que se encontrava ao tempo da venda, e de acordo com as condições acordadas entre vendedor e comprador, quer quanto à qualidade da coisa, quer quanto ao seu destino, uma vez que a falta de qualidade da coisa pode ser aferida também em função do que foi assegurado ou acordado contratualmente.
E feita a entrega da coisa, decorre do disposto no art.º 913º do CC que “Se a coisa vendida sofrer de defeito que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.”
Com efeito, a coisa entregue pelo vendedor pode estar afetada por vícios materiais ou vícios físicos, ou seja, por defeitos intrínsecos da coisa, inerentes ao seu estado material, ou em desconformidade com o contratado, uma vez que não corresponde às características acordadas, ou legitimamente esperadas pelo vendedor.
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Ora, da matéria de facto provada resultou que as máquinas vendidas pela ré à A apresentavam defeitos, alguns dos quais a A denunciou à ré de imediato, e que a ré reparou, e outros que denunciou apenas por email de 27.11.2021. Esta situação leva-nos a enquadrar a situação dos autos no âmbito da venda de bens defeituosos.  
Estamos assim perante uma venda mercantil de bens defeituosos, competindo à A o ónus de denunciar os defeitos à ré em tempo oportuno, e à ré o ónus, para se eximir, total ou parcialmente à sua responsabilidade quanto aos mesmos, de provar que desconhecia, sem culpa, a existência dos mesmos.
No que respeita à denúncia dos defeitos, como se disse, estava a A, na qualidade de comerciante, e tendo realizado uma compra comercial, sujeita aos prazos de denúncia e de reclamação de defeitos prevista no art.º 471º do CComercial (8 dias).
Efetivamente, do disposto nos artºs 471º e 472º do C. Comercial resulta que o contrato se tem como perfeito, “se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias”, e que cabendo apurar o peso ou medição da coisa (no caso a sua calibragem), “a tradição para o comprador supre a conta, o peso ou a medida.”
Embora o preceito não preveja qual a data em que se começa a contar o dito prazo de caducidade, tem entendido a doutrina e a jurisprudência, que o mesmo se conta a partir do momento do conhecimento do defeito, ou daquele em que o mesmo podia ter sido conhecido, agindo o comprador com a diligência devida.
Esta norma impõe assim ao comprador o ónus de analisar a mercadoria e de denunciar ao vendedor, no ato da entrega, qualquer diferença em relação à amostra ou à qualidade tida em vista ao contratar, sob pena de o contrato ser havido como perfeito.
Pretende a lei, fundamentalmente, tornar certa, num prazo muito curto, a compra e venda mercantil. “Este regime, diverso do estabelecido na lei civil para as vendas do mesmo tipo (CC, art.º 916) tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato “pode causar ao comércio entorpecimento ou danos, no sentido de que envolva insegurança para os direitos, perturba a rapidez das actividades e, ao originar a ineficácia de mera operação já realizada, transforma ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas.” (Ferrer Correia, “Reforma da Legislação Comercial Portuguesa”, ROA, Maio 1984, pág.26. nota 1).
O não cumprimento do ónus do art.º 471.º n.º 1 – exame da mercadoria e denúncia ao vendedor de qualquer diferença relativamente á amostra ou á qualidade, no dito prazo de oito dias –, tem como consequência a preclusão da possibilidade de o comprador exercer todos os direitos que a lei lhe confere em caso de incumprimento do outro contraente. “Assim o exige a razão de ser do preceito, dominado por um objetivo de certeza, não só no interesse do vendedor, mas ainda no interesse geral do comércio. Se o comprador não reclamar perante o vendedor no prazo legal, tudo se passa como se tivesse aceitado a diversa prestação ou o incumprimento defeituoso” (cf. Abílio Neto, Código Comercial anotado, Setembro/2008, pág.317, nota 34).
Em suma, é entendimento pacífico, que é do interesse geral da segurança das transações, que as consequências da perturbação do contrato de compra e venda por alegado cumprimento defeituoso, em particular entre comerciantes, sejam conhecidas e solucionadas com a maior brevidade possível, não sendo admissível que o vendedor tenha de prestar contas pela coisa vendida para além de certo prazo (Ac. RP de 9 de Maio de 2019).
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Esta particularidade quanto ao prazo de denúncia tem muita relevância no caso dos autos, já que as máquinas vendidas pela ré à A padeciam de várias desconformidades, duas delas denunciadas logo no dia seguinte à entrega das máquinas, e que foram reparadas de imediato pelo legal representante da ré: a ligação da máquina, e o deficiente encaixe do martelo pneumático na mesma máquina, deficiências que foram solucionadas de imediato pela ré.
Além desses dois defeitos, solucionados, detetou-se que o painel digital da máquina não registava os níveis da temperatura do motor e os níveis de combustível, deficiência que a A comunicou à ré em 13.11.2021, tendo-se aquela prontificado a reparar o censor da temperatura, deslocando-se ao local, e após verificar que a válvula teria de ser substituída por outra da marca, prometeu voltar para a reparar (o que nunca mais fez).
Ou seja, perante o quadro exposto, os defeitos detetados nas máquinas e acima referidos, foram logo denunciados mal elas chegaram à obra, e foi-lhes dada uma solução, tendo o defeito do painel da mini giratória sido assumido pelo legal representante da ré, que se comprometeu a repará-lo, mesmo denunciado para além dos 8 dias previstos na lei – ocorrendo aqui, como bem se referiu na sentença recorrida, o reconhecimento do direito da A, facto interruptivo da caducidade do seu direito.
O problema é que vieram a revelar-se outros defeitos nas máquinas, quando a A as levou para a representante da marca, em 24.11.2021, desconhecendo-se o motivo de tal deslocação, mas que sucedeu na sequência da paralisação da mini giratória, por avaria do painel digital (pontos 25 e 26 das matéria de facto provada).
E a questão que se coloca então, em termos de caducidade da denúncia dos defeitos da máquina, é que se veio a apurar (apenas) naquela oficina, a necessidade da realização de várias reparações, que não foram denunciadas à ré no referido prazo de 8 dias previsto no art.º 471º do Código Comercial, nomeadamente o “Roleto superior com veio gripado; o Roleto inferior com veio destruído; o Rasto direito com telas partidas; a falta de cabo de acelerador automático; a Proteção do cilindro do braço inexistente; e o Interruptor de luzes da cabine inexistente” (além do Painel danificado, que impede a leitura de níveis de gasóleo e da temperatura), tendo sido apresentado um orçamento à A para reparação dessas anomalias, que a A reportou à ré, no tal email de 27.11.2021.
Além disso, nessa oficina foi ainda apresentado um orçamento para a reparação do martelo pneumático, em virtude da falha do perno longitudinal, o que obrigava à sua substituição por completo.
Ou seja, estamos perante um tardio surgimento de defeitos, ou a denúncia de defeitos  por parte da A após o decurso do prazo de 8 dias previstos no art.º 471º do Código Comercial, já que as máquinas foram entregues nas instalações da A em 29.10.2021 e tais defeitos viriam apenas a ser denunciados em 27.11.2021.
Contudo, como bem se referiu na sentença recorrida, e se refere no acórdão da Relação do Porto de 26.02.2015 (www.dgsi.pt), “a jurisprudência dominante (cf. Acórdão do STJ de 26.01.99, no BMJ n.º 483, pág. 236 e os outros acórdãos nele citados) entende que o início do prazo de 8 dias referido no citado art.º 471º do Código Comercial, não se conta sempre da data da entrega, mas antes a partir do momento em que o comprador, se actuasse com a diligência exigível ao tráfego comercial, teria descoberto os defeitos.”
Ou seja, e reproduzindo o que dissemos acima, tem sido entendido que o prazo de 8 dias se conta a partir do momento do conhecimento do defeito, ou daquele em que o mesmo podia ter sido conhecido, agindo o comprador com a diligência devida.
Quanto ao ónus da prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, decidiu-se no Acórdão do STJ de 26.01.1999 (citado no Ac RP de 26.02.2015), que incumbe ao comprador provar “o tardio surgimento do defeito ou o vício e o não decurso do prazo de 8 dias, bem como a diligência exigível ao tráfico comercial por si usada”, e no Acórdão do STJ de 18.02.1997 (citado no mesmo Ac RP) que “o comprador tem o ónus de provar não só a factualidade demonstrativa da eventual impossibilidade, como a data em que cessou essa impossibilidade, e o defeito passou a ser detectável; não cumprindo esse ónus, o prazo ter-se-á de contar da data da entrega do material.” (Acórdão do STJ de 12.06.1991: BMJ 408, pág. 606).

Vejamos então a situação dos autos.

Começamos por dizer que há que distinguir, de entre as anomalias enunciadas no referido email de 27.11.2021, os vários defeitos apresentados nas máquinas, à luz da matéria dada como provada.
Como se disse, relativamente ao martelo pneumático, o que consta da matéria de facto provada (pontos 14, 15, e 16), é que o martelo foi reparado; que os encaixes do martelo não conectavam na máquina giratória, mas os mesmos foram reparados pelo gerente da ré.
Relativamente aos outros defeitos, detetados e denunciados naquele email, e no orçamento apresentado à ré, alguns foram logo verificados pelo legal representante da A, aquando da aquisição da máquina giratória (como decorre do ponto 38 da matéria de facto provada) do qual consta que “A inexistência de cabo de acelerador automático, a inexistência da proteção do cilindro do braço, e a inexistência do interruptor de luzes da cabine eram percetíveis aquando da deslocação do Sr. EE com vista à sua aquisição”.
Trata-se, a nosso ver, de deficiências exteriores da máquina, decorrentes do seu uso, as quais, por se tratar de material usado, fizeram provavelmente parte do próprio negócio celebrado, sendo inerentes ao objeto comprado. Ora, não obstante se reconheça que se trata de deficiências da máquina, detetadas pelo representante da marca e orçamentadas, elas não são imputáveis ao vendedor, as quais foram certamente consideradas no preço acordado.
Estamos também em crer que o “Rasto direito (da máquina giratória) com telas partidas” é uma anomalia exterior da máquina, que não podia deixar de ser vista pelo comprador no ato da sua compra – a quem competia averiguar da sua existência, aquando da aquisição da mesma.
Ora, como se disse, tratando-se de uma compra e venda de bens usados, é ponto assente que a coisa deve ser entregue, conforme dispõe o art.º 882º do CC, no estado em que se encontrava ao tempo da venda, e de acordo com as condições acordadas entre vendedor e comprador, quer quanto à qualidade da coisa, quer quanto ao seu destino, uma vez que a falta de qualidade da coisa pode ser aferida também em função do que foi assegurado ou acordado contratualmente.
A questão coloca-se quanto aos demais defeitos, designadamente quanto ao Roleto superior com veio gripado; e quanto ao Roleto inferior com veio destruído”- defeitos que se nos afiguram (no nosso mero conhecimento leigo) de peças interiores da máquina, que só após uma análise por profissionais da área, seriam detetadas.
Colhe aqui no entanto o que dissemos acima, quanto ao dever do comprador de verificar os defeitos dos bens adquiridos, no mais curto prazo de tempo possível, que no caso é de apenas 8 dias, segundo o art.º 471º do C Comercial, e denunciar os mesmos ao vendedor, sendo certo que tais defeitos não foram detetados anteriormente à paralisação da máquina, tendo apenas ficado provado que, fora os defeitos apresentados logo no dia seguinte à entrega das máquinas, a mini giratória apenas acusou a anomalia no painel, tendo sido essa anomalia que levou a A a imobiliza-la, receando a sua utilização.
Ademais, desconhece-se o momento em que terão surgido tais defeitos, assim como a relevância dos mesmos em termos de impedimento de funcionamento da máquina, considerando que não foi por causa daqueles defeitos que a A imobilizou a mini giratória.
Consabidamente, os defeitos a considerar em termos de direito à reparação, são apenas os que impediam a realização  do fim a que a máquina se destinava, pelo que a procedência do peticionado pela Autora dependia da prova - que a onerava, enquanto factualidade constitutiva do seu direito (art.º 342º, nº 1, do CC) -, da essencialidade daqueles defeitos em termos de funcionalidade da máquina, e a anterioridade dos mesmos em relação à concretização do contrato, e à entrega da máquina na obra.
Como se disse, um dos efeitos do contrato de compra e venda consiste na obrigação de entrega da coisa (arts. 874º e 879º, al. b), do CC), devendo os contratos ser pontualmente cumpridos (art.406º, nº1, do CC), sendo que o cumprimento da obrigação só será perfeito se for entregue a coisa encomendada, e sem defeitos intrínsecos, estruturais e funcionais - defeitos de conceção ou design e defeitos de fabrico. Caso a coisa vendida padeça daqueles defeitos, estamos perante a venda de coisa defeituosa (art.913º do CC).
Agora, deve ter-se em conta que nos encontramos no âmbito do regime geral da responsabilidade contratual (arts 798º e ss do CC), incumbindo ao comprador a prova do direito invocado, ou seja, da entrega da coisa com defeito (art.342º, nº1 do CC).
Dito de outro modo, sendo a execução defeituosa da prestação um ato ilícito, tem o credor lesado que alegar e demonstrar os factos que integram esse incumprimento, ou seja, o defeito, como um facto constitutivo dos direitos do comprador, cabendo-lhe a respetiva prova (art. 342.º, nº 1), assim como a demonstração da sua gravidade, de molde a afetar o uso da coisa, e ainda a prova de que o defeito é anterior ao cumprimento da prestação.
Cabe assim ao comprador o ónus de alegação e prova da desconformidade da coisa vendida em relação à sua função normal, assim como lhe cabe a alegação e prova de que o denunciado defeito existia à data do cumprimento do contrato.
Ora, não se pode dizer que seria difícil (e muito menos impossível) para a autora a prova, não só dos defeitos das máquinas adquiridas à ré, como a da anterioridade daqueles defeitos relativamente à data da sua aquisição, com eventual recurso à empresa representante da marca, como o veio a fazer em 24.11.2021. Provavelmente, só na oficina da marca seriam detetados alguns defeitos das máquinas, nomeadamente os defeitos ocultos, que não foram detetados pelo gerente da A aquando da realização do negócio. Mas para isso caberia à A diligenciar pela verificação das máquinas adquiridas, dentro do prazo que lhe era concedido para o efeito – de 8 dias –, ainda que com recurso a entidades especializadas na matéria.
Ora, no caso dos autos, a autora, não só não alega a essencialidade dos defeitos mencionados no email de 27.11.2021 para o bom funcionamento da máquina, como a sua anterioridade relativamente à data da sua aquisição – sendo certo que apenas esses seriam relevantes em termos de reparação (cfr. no mesmo sentido Acs do STJ de 19/02/2008, de 13/11/2018, de 14/12/2016, de 19/02/2008, de 23/11/2006, de 13/03/2003; e de 29/11/2001, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido se decidiu em acórdão recente desta Relação de Guimarães, de 13/05/2021 (disponível no mesmo sítio) de que “é ao comprador que cabe o ónus de alegar e provar o defeito de funcionamento da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, e que esse defeito existia à data da entrega da  coisa…”.
Concluímos assim do exposto que o direito da A relativamente aos defeitos enunciados no email de 27.11.2021 – e ora em apreciação - se apresenta caducado, como bem se decidiu na sentença recorrida.
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A questão já será bem diferente, relativamente ao “Painel danificado, que impede a leitura de níveis de gasóleo e da temperatura” da mini giratória.
Decidiu-se na sentença recorrida relativamente a esta anomalia o seguinte:  “Em rebate desta nossa conclusão, sempre se poderá afirmar que relativamente ao sensor da temperatura do motor (…), não pode funcionar a exceção da caducidade porquanto o legal representante da ré reconheceu expressamente a sua existência – cfr. citado artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil. Acontece que sendo o reconhecimento deste defeito uma verdade, não é menos verdade que a autora, sem qualquer aviso prévio ou interpelação admonitória, deslocou a máquina giratória para uma oficina e impediu, assim, o vendedor de concluir a reparação desse sensor que já estava e curso. Com efeito, atenta a matéria de facto provada, resultou provado que a autora, mesmo com o reconhecimento por parte da ré do defeito relativamente ao sensor da temperatura do motor, procedeu à reparação dessa anomalia por sua livre iniciativa, inviabilizando, assim, a possibilidade de eliminação desse defeito. Acresce que não ficou provada qualquer situação de manifesta urgência para a reparação desse defeito. Nestes termos, aplicando a doutrina e o regime jurídico acabado de expor ao caso em apreço, é forçoso concluir que a pretensão da autora terá de improceder, até porque nem sequer foi deduzido o pedido de reparação ou redução do preço nos autos. Note-se, mais uma vez, que uma vez ocorrida essa denúncia e o ter ocorrido o reconhecimento do vício por parte do vendedor, tinha o comprador o direito à resolução contratual (que não foi peticionada); ou o direito de exigir a reparação da coisa num prazo razoável ou substituição da coisa (que não aconteceu por motivos não imputáveis ao vendedor); ou o direito de exigir a redução do preço (que não foi peticionada)– cfr. artigos 805.º, 911.º, 913.º e 914.º, do Código Civil. Na verdade, com a presente ação a autora pretende que a ré pague o valor de várias reparações que efetuou na dita máquina e martelo sem sequer seguir a “via sacra” supra evidenciada e, assim, dar a possibilidade da ré reparar o único defeito que reconheceu expressamente…”
Mas não podemos concordar com o assim decidido.
Efetivamente, ficou a constar da matéria de facto provada (nos pontos 17 a 24), o seguinte (que reproduzimos aqui, para melhor ilustrar a situação verificada):
“A máquina (…) vendida pela ré à autora não fazia a leitura da temperatura do motor e do nível de gasóleo no respetivo painel digital; A ré entrou em contacto com o DD no sentido de dar conta das anomalias identificadas; Em data não concretamente apurada, o DD deslocou-se novamente à obra onde se encontrava a dita máquina acompanhado por um eletricista; Após inspeção à dita máquina, verificou-se que o sensor de temperatura do motor e o medidor do nível de gasóleo estavam inoperacionais, sem que, no entanto, os conseguissem reparar nesse dia; Receosa com a ausência de leitura da temperatura do motor, a ré não usou mais a maquina; A 13 de Novembro de 2021, o DD deslocou-se novamente à obra da Autora, em ..., a fim de substituir a válvula de temperatura da máquina e assim proceder à reparação dessa anomalia; No entanto, a válvula que havia trazido não era original da marca e não funcionava na dita máquina; Pelo que, também nesse dia a Ré não reparou essa anomalia, comprometendo-se a regressar com a competente válvula”.
Ora, o que resulta destes factos, em suma, é que a ré se deslocou à obra para verificar as anomalias do painel da máquina, tendo constatado a sua existência, e assumido repará-las, fazendo mesmo diligências para as reparar, mas interrompeu tais diligências no dia 13 de Novembro, e não voltou mais ao local, nem deu qualquer satisfação à A sobre a situação, ou sobre as diligências que tinha em curso, em ordem á reparação do dito painel, sendo certo que a A parou a utilização da máquina, mesmo antes do dia 13 de novembro, por causa dessa anomalia, receosa pela falta de leitura da temperatura do motor da máquina.
Ora, quanto a este defeito, tudo quanto a A fez, seguidamente “ao manifesto desinteresse da ré” em repará-lo, é quanto a nós legítimo e merece proteção legal, em termos de se responsabilizar a ré pelo pagamento da reparação dessa anomalia da máquina, que assumiu reparar e não o fez, num prazo que consideramos razoável, considerando os interesses da A em jogo: a paralisação da máquina, e o conhecimento por parte da ré dessa situação. 
Ou seja, no dia 24 de novembro de 2021, 11 dias volvidos desde que a ré saiu da obra e prometeu voltar com a dita válvula, e 11 dias volvidos após a paralisação da máquina, com todos os prejuízos inerentes a essa paralisação, a Autora enviou os ditos equipamentos para o representante da marca, a empresa “D...- equipamentos para minas, pedreiras e obras públicas, Lda.”, tendo nessa oficina sido apurado, entre outras anomalias, o “Painel danificado, que impede a leitura de níveis de gasóleo e da temperatura”, situação que a A reportou à ré, no dia 27 de novembro de 2021, pedindo a sua colaboração para a reparação daquele defeito (e dos demais), solicitando-lhe uma resposta até 29 de novembro, atendendo à urgência na resolução dos problemas em causa, colaboração que a ré declinou logo no email de 29 de Novembro de 2021, dizendo que descartava toda e qualquer responsabilidade pela reparação das máquinas.
Ainda no mesmo dia, a A interpelou novamente a ré, via email, para proceder à reparação dos defeitos das máquinas, entre eles a reparação do Painel da mini giratória, concedendo-lhe 5 dias para o efeito, sob pena de ordenar a reparação dos mesmos junto do representante da marca, e imputar os custos à ré, e a Ré nada respondeu, nem demonstrou qualquer interesse em proceder à reparação dos artigos em questão. Daí que a A tenha aceite os orçamentos da D..., e pague as quantias de €7.900,95 e de €713,40, respetivamente, para reparação das anomalias detetadas nas máquinas.
Ora, tendo havido anteriores tentativas fracassadas de reparação, e/ou a recusa do devedor na efetuação da reparação, independentemente da razão invocada (ou até da falta de invocação), para não proceder à reparação, tem sido entendido na nossa doutrina e jurisprudência, que é legítimo ao comprador reparar ou mandar reparar os defeitos da coisa, imputando os seus custos ao vendedor incumpridor, por aplicação do artigo 828.º do Código Civil (Regime Jurídico da Execução Específica).
Concretizando:
Concetualmente defende-se que estruturalmente a garantia obrigacional foi concebida no Código Civil considerando duas fases sucessivas do negócio: a fase estipulativa (contemporânea da formação da vontade negocial, em que o comprador adquire a coisa na errónea convicção de que seja isenta de defeitos), e a fase executiva (contemporânea da efetivação do sinalagma funcional das prestações), em que mantendo-se válido o contrato, o cumprimento imperfeito ou inexato rompe o equilíbrio prestacional, já que o credor aceitou o cumprimento, no pressuposto do seu cumprimento escorreito, impondo-se, por isso, a correção do vício, com minimização dos prejuízos sofridos, através de vários mecanismos, como sejam a reparação da coisa ou a sua substituição, a redução do preço, com eventual indemnização, por aplicação do preceituado nos artigos 911.º e ss. do Código Civil.
Efetivamente, como resulta dos artigos 916º e ss. do Código Civil, denunciados os defeitos da coisa comprada, a lei não giza os direitos do comprador, de modo a conceder-lhe a possibilidade de providenciar pela reparação da coisa, por si ou a seu mando, com direito a ser indemnização pelo valor gasto com a reparação.
A lei estabelece, em primeira linha, o direito à reparação ou substituição, permitindo que o vendedor assegure o resultado da obrigação, ou seja, a eliminação do defeito, ou a substituição da coisa defeituosa, se tal for necessário e a coisa for fungível.
Se, apesar dessa interpelação, o vendedor nada fizer, então o comprador poderá reduzir o preço, ou resolver o contrato, se os defeitos tornarem a coisa inadequada ao fim a que se destina, sempre sem prejuízo do direito de indemnização nos termos gerais.
Todas estas soluções legais partem da referida estrutura obrigacional sinalagmática, e visam repor o equilíbrio prestacional acordado, que foi rompido com o cumprimento imperfeito ou inexato de uma das partes, repondo-o na medida do possível.
Mas para além deste dualismo estrutural ser entendido como sucessivo, por atuação do princípio da boa fé, subjacente à prossecução do equilíbrio das prestações sinalagmáticas inerentes aos contratos de compra e venda, tem a doutrina e a jurisprudência vindo a admitir que, excecionalmente, o credor possa apenas pedir a indemnização, por não haver outra alternativa que satisfaça os seus interesses.
Tal sucede nos casos de urgência na reparação, ou nos casos em que, volvido um prazo razoável, o devedor não realizar de forma definitiva e de modo útil, a prestação a que está vinculado. Nesses casos, o princípio da boa fé e da razoabilidade, traduzido no equilíbrio das prestações contratuais, determina que seja permitido ao credor executar por si ou por terceiro, a eliminação dos defeitos à custa do devedor, por aplicação do disposto no artigo 828.º do Código Civil.
Parte-se assim da ideia de que o direito de primazia concedido ao vendedor relativo à eliminação dos defeitos não é absoluto. Nos casos de urgência na reparação, ou nos casos – que lhe são equiparáveis -, em que decorrido um prazo razoável, o vendedor não repara os defeitos que lhe foram denunciados, e que aceitou reparar – como foi o caso dos autos -, mantendo o comprador eternamente à espera da prestação que lhe foi anunciada, o princípio da boa fé e da razoabilidade, traduzido no equilíbrio das prestações contratuais, determina que seja permitido ao comprador reparar ou mandar reparar os defeitos denunciados, em ordem à sua eliminação, e à utilização em tempo útil das coisas compradas.
Nesse sentido se pronuncia Romano Martinez (“Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Colecção Teses, Almedina, 2001, p. 379) – embora reportado às reparações urgentes -, quando menciona que “…em casos de manifesta urgência, e para evitar maiores prejuízos, é admissível que o credor, directamente e sem a intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo depois as respectivas despesas. Esta ilação tem por base o princípio do estado de necessidade (art. 339º)...” E assim tem sido decidido de forma reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça (como a título exemplificativo nos dão conta os Acs. daquele tribunal de 24.09.2009, de 10.07.2008, de 04.12.2007, de 13.12.2007, de 08.06.2006, e de 30.11.2004, todos disponíveis em www.dgsi.pt.). No mesmo sentido se pronunciou o Ac. RP de 30.11.2009 (também disponível no mesmo sítio).
É essa seguramente a situação dos autos, em que ficou provado que o defeito do painel da máquina foi denunciado em tempo (com o seu reconhecimento por parte da ré), e que não foi debelado de forma satisfatória em tempo oportuno, estando provado que era possível à ré o cumprimento exato da prestação em falta, como ficou demonstrado com a reparação levada a cabo por terceiro (pela empresa representante da marca).
Aliás, a ré, não só não reparou o defeito manifestado no painel da máquina em prazo razoável, deixando decorrer 11 dias desde a última intervenção efetuada na mesma, como mesmo depois de ser interpelada pela A para o fazer, pelo email de 29.11.2021, recusou perentoriamente fazê-lo, o que se traduz num incumprimento definitivo da sua parte.
Donde, a solução legal, e que foi a seguida na decisão recorrida, de impor à A a necessidade de percorrer “a via sacra” das medidas legais que tem ao seu dispor, dando a possibilidade à ré de reparar o defeito que reconheceu expressamente, afigura-se-nos manifestamente desajustado à situação descrita.
Perfilhando o entendimento acima descrito, de que o direito de primazia concedido ao vendedor relativo à eliminação dos defeitos não é absoluto, podendo o mesmo conter exceções, consideramos que a conceção de um prazo razoável à ré para eliminar os defeitos do painel da máquina reveste a natureza de exceção àquele direito, o qual deve permitir à A ser ressarcida dos valores pagos à empresa D... para reparar tal defeito.
Tal como refere o STJ, num aresto onde também se discutia questão semelhante, “Aos casos de urgência na reparação dos defeitos são de equiparar aqueles outros em que, volvido um prazo razoável, o vendedor/empreiteiro não realiza, definitivamente, a prestação a que está vinculado…”, sob pena de “…fazer pender a balança do equilíbrio contratual das prestações, a favor de quem, reiterada e culposamente, não cumpre.” (Ac. STJ, 10.07.2008, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, este raciocínio aplica-se indiscutivelmente ao caso presente, pela inadequada tentativa de reparação da máquina por parte da ré, e pelo tempo entretanto decorrido sem ter efetuada a mesma.
Considerando ademais o tipo de defeitos verificados (no painel de leitura da temperatura do motor), que levou a que a A, receosa, imobilizasse a máquina, com todos os prejuízos inerentes a essa imobilização, dificilmente se poderá aceitar ser exigível que a A aguardasse o desfecho desta ação, e eventualmente a execução da mesma, para poder proceder à reparação da máquina (no mesmo sentido se decidiu no Ac RP de 30.11.2009, também disponível em www.dgsi.pt).
As regras da boa-fé, do agir diligente, e com consideração pelos interesses da contraparte, impõem por isso que se permita à A ser ressarcida dos custos tidos com a reparação do painel da máquina, no exercício de autotutela de um direito de que era titular.
Assim sendo, e entendendo o pedido por si formulado – de pagamento da reparação do painel danificado da máquina -, como exercício dessa autotutela, reconhece-se que a A, em função da desconsideração dos seus direitos pela Ré, tem direito a ser ressarcida do valor despendido naquela reparação.
Não se tendo no entanto logrado provar qual o valor em concreto despendido com a reparação do painel danificado da máquina, mas sendo inquestionável que a reparação importou um custo (como decorre do documento nº ... junto aos autos com a petição), relega-se para incidente de liquidação de sentença o apuramento desse valor, a suportar pela Ré.
Procedem, assim, ainda que apenas em parte, as conclusões de recurso da A.
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V- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se parcialmente procedente a Apelação e altera-se a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar à A o valor por ela despendido com a reparação do painel da máquina (mini giratória) adquirida à ré, valor esse a fixar em incidente de liquidação.
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Custas da Apelação por ambas as partes, na proporção do seu decaimento (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Notifique
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Sumário do Acórdão:

I- Antes de apreciar a impugnação da matéria de facto, deve o tribunal apurar a natureza da matéria impugnada, pois caso a impugnação tenha por objeto matéria conclusiva ou com significação jurídica, as partes não estão oneradas com a sua demonstração, nem são responsáveis pela sua aquisição para a matéria de facto, a qual deve, pelo contrário, ser dela retirada.
II – No contrato de compra e venda mercantil, os efeitos da compra e venda, assim como as suas vicissitudes, nomeadamente as relacionadas com a perfeição do negócio, com o cumprimento e incumprimento do contrato, e com o cumprimento defeituoso, a solução de tais questões tem o seu campo de aplicação no âmbito do direito civil, comungando os contratos de compra e venda mercantil do mesmo regime jurídico especialmente concebido para a compra e venda civil.
III- No entanto, o prazo de denúncia dos defeitos na compra e venda comercial é apenas de 8 dias, nos termos previstos no art.º 471º do C Comercial.
IV – No âmbito da compra e venda de bens defeituosos cabe ao comprador o ónus de alegação e prova da desconformidade da coisa vendida em relação à sua função normal, assim como lhe cabe a alegação e prova de que o denunciado defeito existia à data do cumprimento do contrato.
V- O direito do vendedor à reparação dos defeitos não é absoluto, podendo ele ser obrigado a indemnizar o comprador pela reparação feita por ele da coisa defeituosa, ou com recurso a reparação por terceiro, se o vendedor a não reparar num prazo razoável.
VI- Efetivamente, tendo havido anteriores tentativas fracassadas de reparação, e/ou a recusa do devedor na efetuação da reparação, independentemente da razão invocada (ou até da falta de invocação), para não proceder à reparação, tem sido entendido na nossa doutrina e jurisprudência, que é legítimo ao comprador reparar ou mandar reparar os defeitos da coisa, imputando os seus custos ao vendedor incumpridor, por aplicação do artigo 828.º do Código Civil (Regime Jurídico da Execução Específica).
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Guimarães, 10.7.2023