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INCIDENTE DE FALSIDADE
DOCUMENTO PARTICULAR
FALTA DE PEDIDO
RELAÇÃO DE COMISSÃO
Sumário
I- Mostrando-se um documento particular devidamente impugnado processualmente, a impugnação (por falsidade do texto nele inserido) não está abrangida, em termos de admissibilidade da prova testemunhal, pela força probatória plena do documento (cfr. art. 376º, nº 1 do CC), ainda que o mesmo beneficie da presunção de genuinidade normalmente decorrente da assinatura reconhecida dele constante, pois que a arguição da falsidade visa justamente eliminar a eficácia dessa força probatória plena. II- No entanto, contrariamente ao que sucede no caso da impugnação da assinatura do documento, em que incumbe ao apresentante do documento o ónus de prova da sua veracidade (art. 374º, nº 2 do CC), no caso de o documento ser impugnado por falsidade incumbe à parte arguente o ónus da prova da falsidade (parte final do nº 1 do art. 376º do CC)”. III- Isto considerado, a falsidade material ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafacção (formação do documento por pessoa diversa do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação. IV -A falsidade ideológica ocorre quando se assevera no documento a prática de um facto ou de uma realidade que não se praticou ou não se verificou, verifica-se falta de correspondência entre o que se dá como sucedido e o que realmente aconteceu.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO.
Recorrente: Banco 1..., C.R.L.
Recorrido: AA, Tribunal Judicial da Comarca ..., V.... - Juízo C. Genérica AA, NIF ..., residente na rua ..., ..., ... ..., intentou a presente acção contra Banco 1..., C.R.L, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... ... e BB, com residência na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que a primeira ré fosse condenada a pagar ao autor: “O montante de 10,000,00€ (dez mil euros), a título de capital em dívida acrescido de juro à taxa legal em vigor. O valor dos juros que se venceram a 26/08/2020 sobre o capital 10,000,00€, a liquidar em execução de sentença do montante dos juros caso não fosse a liquidação perpetuada pela atuação ilícita do 2º R, os AA teriam direito, até ao transito em julgado Pagar ao autor a quantia de 4.500,00€ referente a uma indemnização por danos não patrimoniais pela actuação ilícita provocada.”
Alega para o efeito que era titular de conta bancária na Banco 1..., C.R.L no valor de € 10 000,00; que era, também, cotitular das contas do seu tio, a quem acompanhava à instituição bancária, primeira ré, mensal ou quinzenalmente com o propósito deste efetuar depósitos ou consultar os seus valores em conta;
que com aqueles € 10 000,00 o autor constituiu um depósito a prazo por 3 anos, não renovável a um juro anual de 1,35%, sendo que quando terminou este prazo, em 23-08-2013 constituiu um novo depósito a prazo com o mesmo capital;
que cada vez que o autor se deslocava às instalações da primeira ré, o segundo réu falava com o autor para que fizesse outro tipo de depósito a prazo, prometendo-lhe juros mais elevados, invocando a sua qualidade de funcionário e os benefícios que isso lhe concedia referindo poder fazer um juro mais alto; que numa das deslocações que o autor e o seu tio fizeram à Banco 1..., que ocorreu no dia 23-08-2019, o segundo réu voltando a insistir na promessa de juros mais elevados ao autor, já tinha os documento prontos para que este assinasse, o que acabou por fazer, acreditando que estava a fazer um depósito a prazo como já tinha feito, só que desta vez, com uma taxa de juro a 2,00%;
que nesse dia após proceder às assinaturas o segundo réu entregou um documento de nome “promissória” onde consta o timbre, o nome da instituição bancária, o número do balcão da primeira ré, o número do operador – o aqui segundo réu, o nome do cliente, a moeda, a data da abertura, a data de vencimento, o prazo do mesmo, o capital inicial, a taxa de juro do DP, o Código de IRS/IRC, e os respetivos juros brutos, impostos e juros líquidos e a assinatura do autor;
que o autor é portador desse documento por ter sido entregue, ao balcão da primeira ré pelo seu funcionário, o segundo réu, de uma promissória no valor de € 10,000,00 (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início a 26 de agosto de 2019 à taxa de juro de 2,00%;
que confiou no segundo réu, funcionário da instituição bancária, primeira ré, que ali se encontrava em horário de expediente, no exercício das suas funções; que em maio de 2020 a primeira ré contactou o autor comunicando-lhe que não existiam valores em depósito a prazo, que o documento que intitulava de “promissória” era falso e que na sua conta só restava a quantia de € 760,11;
que o segundo réu liquidou a seu depósito a prazo e levantou € 10 000,00, sem nunca o ter autorizado a tal, o que ocorreu com total desconhecimento do autor;
que o segundo réu por ser funcionário da primeira ré tinha conhecimento da disponibilidade financeira do autor, sabendo-o porque se encontrava no exercício das suas funções, pois tinha acesso ao sistema informático Banco 1... e aí realizava as operações inerentes à sua actividade;
que o segundo réu além de utilizar o equipamento e instalações da primeira ré para o exercício das suas funções, utilizava o sistema próprio da Instituição para a movimentação, depósitos, operações de crédito e de débito de clientes, constituindo aí depósitos a prazo, encerrava e abria contas, utilizando igualmente todo o material ali existente da primeira ré;
que o autor não entregou qualquer verba monetária ao segundo réu nem com ele teve qualquer negócio, nem lhe fez qualquer empréstimo, sendo que a única ligação existente era com a primeira ré, a Banco 1..., C.R.L;
que pela actuação ilícita do segundo réu, no exercício de funções para a primeira ré, encontra-se o autor numa situação de fragilidade económica, sentindo-se abalado psicologicamente, transtornado, revoltado, desgostoso e desanimado, colocando-o numa grave situação de grande ansiedade e desespero.
Regularmente citados, o segundo réu, juntou aos autos procuração outorgada a favor de mandatário judicial [fls. 94 e 95], porém não contestou.
A primeira ré apresentou contestação pedindo a improcedência da ação e a consequente absolvição do pedido. Sustentou o seu pedido aduzindo que no dia 26-08-2019, o autor deu ordem de liquidação do depósito a prazo com o n.º ...49; que no mesmo dia ordenou que a quantia de € 10.000,00 creditada na sua conta à ordem n.º ...60 lhe fosse entregue, em numerário;
no dia 01-09-2019, o autor recebeu o extrato integrado que a ré lhe enviou através do qual teve conhecimento da liquidação do referido depósito a prazo;
que o autor estava totalmente informado e com integral conhecimento da forma como se processavam os movimentos entre contas e que desde 26-08-2019 não possuía qualquer depósito a prazo; que o autor apenas constituiu dois depósitos a prazo na ré, o primeiro com o n.º ...83 e o segundo com o n.º ...49 e mais nenhum outro depósito a prazo ou aplicação o autor constituiu na ré;
que no dia 24-06-2020 o autor prestou declarações no âmbito do processo disciplinar instaurado pela ré Banco 1... contra o corréu BB;
que o documento que o autor detém (doc. n.º ...8 junto com a p.i.) não lhe reconhece qualquer valor e que, por esse motivo, desde já refuta como sendo algum produto, título ou documento por si alguma vez comercializado;
que a ré não possui, nos seus balcões, qualquer depósito a prazo titulado pelo autor, com o capital, periodicidade e taxa de juro conforme estão referidas no identificado documento; que a ré acredita que o autor entregou quantias ao réu BB a troco de uma remuneração (juros com taxas mais elevadas que as praticadas pela Banco 1...) e que esse era o argumento utilizado pelo réu BB para aliciar as pessoas a emprestarem-lhe dinheiro, ou seja, que lhes pagava um juro mais alto do que o pago pela Banco 1...;
que muitos, ou quase todos estes documentos denominados “promissórias falsas”, foram entregues pelo réu BB, àqueles que lhe emprestaram dinheiro, já depois de ter sido “descoberto” e “desmascarado” neste esquema; que essas “promissórias falsas” eram fabricadas pelo réu BB, que imprimia uma simulação de um depósito a prazo, depois apagava as palavras “SIMULAÇÃO DE D.P.” e a data e hora, e colocava no canto superior direito o nome e morada do cliente a quem pretendia entregar o documento;
A ré acredita que o autor “embarcou” neste esquema de emprestar dinheiro ao réu BB, bem sabendo o que fazia e como fazia, e também tendo perfeito conhecimento que tal empréstimo nada tinha a ver com a Instituição para a qual aquele trabalhava, antes sendo negócio celebrado à parte e “nas costas” da ora ré;
que no dia 09-06-2020 a ré Banco 1... apresentou uma denúncia criminal contra o réu BB e instaurou procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, o que se concretizou;
que o autor tem culpa na produção dos danos que alega ter sofrido, porquanto um homem médio perceberia a diferença existente entre títulos representativos de depósitos a prazo, alegadamente emitidos pela mesma instituição bancária, mas com imagens e aparências tão diferentes;
que um homem médio não entregaria dinheiro vivo, de considerável valor, sem um documento que titulasse essas entregas e sem o ver refletido nos extratos das contas bancárias;
que um homem médio recusar-se-ia a emprestar dinheiro a um funcionário de uma instituição de crédito por, no mínimo, tal atitude ser imoral e censurável.
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Foi dispensada a audiência prévia e foram proferidos os despachos previstos nos termos do artigo 593.º n.º 2 [fls. 45 a 48].
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: - Absolver o réu BB da instância. - Condenar a ré Banco 1..., CRL. a pagar ao autor AA a quantia de € 10 000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros legais, à taxa legal de 4%, desde a data da consumação do facto ilícito, 26-08-2019, até efetivo e integral pagamento. - Condenar a ré Banco 1..., CRL. a pagar ao autor AA a quantia de € 1 500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da prolação da presente decisão, até efetivo e integral pagamento. - Absolve-se a ré Banco 1..., CRL do demais peticionado. - Condenar autor e ré Banco 1... no pagamento das custas da ação, nas proporções dos respetivos vencimentos, por referência ao valor do pedido, fixando-se em 21% para o autor e em 79% para a ré.
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a Ré, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:
A – Incidente da falsidade do documento n.º ...8 da PI: 1.º O tribunal “a quo” julgou improcedente a arguida falsidade do documento n.º ...8 junto pelo autor/recorrido, uma vez que a primeira ré/recorrente não alegou quaisquer factos que permitam perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica do documento. 2.º Do ponto 31 dos factos provados consta que “O documento n.º ...8 junto com a p.i. (fls. 24v) foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois apagou as palavras “SIMULAÇÃO DE D.P.” e a data e hora, e colocou no canto superior direito o nome e morada do autor a quem entregou o documento.”. 3.º O Tribunal “a quo‖ dá como provado o facto alegado pela primeira ré/recorrente no art.º 44º da Contestação, e que lhe permite perceber que a falsidade alegada e pretendida pela parte, é a falsidade material (aquela que ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação ou por alteração do documento após a sua formação) e não a falsidade ideológica. 4.º O incidente da falsidade deve ser julgado procedente e o documento n.º ...8 junto com a petição inicial ser considerado um documento materialmente falso. 5.º O que a primeira ré/recorrente pretende demonstrar na contestação apresentada, é que o documento n.º ...8 não é um documento que tenha sido por si emitido ou que seja utilizado na sua atividade bancária; muito menos que seja um documento que titule/comprove ou dê forma à constituição de um depósito a prazo. 6.º Nessa medida, não podem restar dúvidas que o documento n.º ...8 junto pelo autor/recorrido é um documento falso, conforme provado no ponto 31 dos factos provados.
B – Impugnação da matéria de facto: (…)
C - Reapreciação da decisão de absolvição do segundo réu da instância: 75.º O autor/recorrido instaurou a presente ação contra a ré Banco 1.../recorrente e o réu BB, alegando a prática de atos ilícitos por este réu ao serviço e enquanto trabalhador daquela, que lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais, terminando por pedir a condenação da primeira ré/Recorrente, na qualidade de comitente, a pagar-lhe uma indemnização. 76.º De acordo com o Acórdão da Relação de Guimarães datado de 17/12/2019, acessível em www.dgsi.pt, “Como decorrência dos princípios do dispositivo e do contraditório, o Autor encontra-se obrigado, na vigência do atual CPC, a delimitar, na petição inicial, subjetiva (sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir), a relação material controvertida que submete à apreciação do Tribunal (…)”. 77.º Também o Acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/2019, acessível em www.dgsi.pt, refere que “(…) nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art.º 552º do CPC, exige-se que o autor, na petição inicial, exponha os factos e as razões de direito e formule o pedido (…)”. 78.º A noção de pedido está consagrada no n.º 3 do art.º 581º do CPC e corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal. Este pedido é o que releva para aferição das exceções da litispendência e do caso julgado. 79.º Se o pedido não existir, a petição inicial será inepta e o processo é nulo nos termos do disposto no art.º 186º n.º 1 e 2 al. a) do CPC. 80.º No caso dos autos, existe um pedido, mas apenas dirigido contra um dos réus (a primeira ré/recorrente), contra quem é instaurada a ação. 81.º Convidado a pronunciar-se sobre a ausência de pedido contra o réu BB (cfr. despacho com a ref. Citius ...05), o autor/recorrido esclareceu que se tratou de um lapso seu não ter deduzido pedido de condenação do réu BB na petição inicial, requerendo a retificação do pedido e juntando nova petição inicial, na qual conclui pelo pedido de condenação dos dois réus (cfr. requerimento com a ref. Citius ...34). 82.º Se o autor demanda na ação o réu BB é porque tem intenção de deduzir contra o mesmo alguma pretensão (pedido), pois caso contrário, bastaria instaurar a ação contra a ré Banco 1..., até porque não se verifica uma situação de litisconsórcio necessário, pois a responsabilidade do comitente e comissário, em relação ao lesado, é solidária, podendo este exigir a indemnização fundada nessa responsabilidade, de um ou de outro, ou de ambos. 83.º Por outro lado, ao longo da petição inicial, o autor alega e imputa a prática de factos a ambos os réus, referindo-se a um e a outro como o primeiro réu e o segundo réu (cfr. artigos 1º, 8º, 9º, etc, da petição inicial). 84.º A isto acresce o facto de o autor, nos artigos 63º e 67º da petição inicial se referir expressamente a ambos os réus quanto à obrigação de o indemnizar. 85.º Parece evidente, como o próprio autor alegou, que se trata de um lapso, na medida em que o autor pretendia deduzir um pedido contra ambos os réus (contra quem instaurou a ação), mas se esqueceu de deduzir o pedido quanto a um deles, como era pretendido. 86.º Assim sendo, a decisão do tribunal não deveria ter sido a de julgar o réu BB parte ilegítima e, consequentemente, absolvê-lo da instância (artigos 576º, 577º al. e) e 278º al. d) do CPC), mas sim, considerar o lapso de escrita do autor/recorrido retificado e, em consequência, ordenar que, onde se lê ―Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e ser a primeira R. , Banco 1..., CRL responsabilizada a indemnizar o A….‖, deve ler-se ―Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e serem os Réus responsabilizados a indemnizar o A….‖.
D - Reapreciação da decisão sobre o mérito da ação: 87.º A responsabilidade do comitente pressupõe a verificação de três requisitos: a) relação de comissão entre comissário e comitente; b) Obrigação do comissário indemnizar; c) que o comissário aja no exercício da função que lhe foi confiada – cfr. art.º º n.ºs 1 e 2 do CC. 88.º De acordo com a matéria de facto provada, designadamente o facto constante do ponto 28-J. e s) O autor tinha perfeito conhecimento e consciência que o réu BB lhe estava a pedir dinheiro emprestado, e a remunerar esse empréstimo, a título pessoal e extravasando o exercício das suas funções na primeira ré”, não há dúvidas que, no caso em apreço, falta o requisito exigido pelo art.º 500º n.º 1 do CC, de o facto danoso dever ser praticado pelo comissário no exercício da comissão estabelecida. 89.º O facto danoso deve, para ficar a coberto do regime da responsabilidade objectiva do comitente, ser praticado no exercício da comissão estabelecida, aqui se considerando abrangidos todos os actos que caiam no quadro geral das funções atribuídas, ou seja, todos aqueles actos que tenham com as funções cometidas um nexo de causalidade — que sejam previsível e abstractamente adequadas ao exercício daquelas funções, daqui se excluindo aqueles casos em que se demonstre que o terceiro lesado tinha conhecimento de que o comissário agia no seu próprio interesse, ou contra ordens do comitente. 90.º De facto, nesta situação, a posição do terceiro não merece tutela, a partir do momento em que ele próprio sabe que o comissário não está a agir no exercício de uma comissão, podendo, se disso for caso, tomar as devidas precauções acrescidas para se poupar a qualquer dano que aquele comissário pudesse provocar na sua esfera de direitos. 91.º Uma vez que não se verificam os pressupostos da responsabilidade do comitente prevista no art.º 500º do CC, a primeira ré/recorrente não está obrigada a indemnizar o auto/recorrido, devendo ser absolvida do pedido. 92.º Sem prescindir, e caso assim não se entenda, considerando a hipótese meramente académica de se considerar a primeira ré/recorrente responsável, na qualidade de comitente, pelos atos praticados pelo segundo réu, comissário e, nessa medida, obrigada a indemnizar o autor/recorrido, estamos perante uma situação em que será de convocar a culpa do autor na produção dos factos danosos, nos termos do disposto no art.º 570º do CC. 93.º De acordo com esta norma, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 94.º Esta culpa do lesado está ligada à não adoção de medidas que teriam evitado o dano ou as consequências previsíveis do facto ilícito. 95.º Dos factos provados nos pontos 7, 8, 9, 28, 28-A, 28-B, 28-C, 28-D, 28-E, 28-G, 29, 30 e 34 resulta que: 7. O autor, com os referidos € 10 000,00, constituiu em 23-08-2010 um depósito a prazo com o número ...83, pelo prazo de 3 anos não renovável, a um juro anual de 1,35%. 8. No dia 23-08-2013 o autor pediu à primeira ré a liquidação total do depósito a prazo n.º ...83, cujo valor foi creditado para a conta de depósitos à ordem n.º ...60. 9. Na mesma data o autor constituiu um novo depósito a prazo com o nº ...49, com o capital de € 10 000,00. 28. e g). O autor teve conhecimento dos extractos integrados que a ré lhe enviou ao longo dos anos, designadamente, no período compreendido entre 01-03-2013 e 01-03-2019 28-A. e h). No dia 01-09-2019, o autor recebeu o extracto integrado n.º 2/2019, que a primeira ré lhe enviou (à semelhança dos anteriores), através do qual teve conhecimento da liquidação do depósito a prazo n.º ...49, e de que não possuía, na primeira ré, qualquer outro depósito a prazo, produto ou aplicação. 28-B. e f). No dia 26-08-2019, o autor ordenou que a quantia de € 10.000,00 creditada na sua conta à ordem n.º ...60 lhe fosse entregue, em numerário. 28-C. e i). O autor estava totalmente informado e com integral conhecimento da forma como se processavam os movimentos entre contas. 28-D. e j) O autor estava informado e tinha conhecimento que não é necessário proceder a levantamentos em numerário para movimentar dinheiro entre contas ou constituir depósitos a prazo. 28-E. e k) O autor estava informado e tinha conhecimento que, desde 26-08-2019, não possuía na primeira ré qualquer depósito a prazo. 28-G. e m) O autor entregou quantias ao réu BB a troco de uma remuneração (juros com taxas mais elevadas que as praticadas pela Banco 1...). 29. Dos extratos integrados juntos com a p.i. sob doc. ... a ...7 (fls. 12 a 24) constava, além do mais, o depósito a prazo n.º ...49, com o valor do capital investido e dos juros pagos, creditados na conta de depósitos à ordem titulada pelo autor com o n.º ...60. 30. Desde 23-08-2010 até 26-08-2019 os depósitos a prazo suprarreferidos venceram juros que foram sempre creditados na conta de depósito à ordem n.º ...60, titulada pelo autor, com a designação “JUROS DP ...83” de 23-08-2010 até 23-08-2013 e de “JUROS DP ...49” de 23-08-2013 até 23-08-2019. 34. Os depósitos a prazo que o autor celebrou com a primeira ré estão devidamente refletidos nos extratos da conta à ordem a que se encontravam associados, sendo que dessa conta à ordem consta a designação “Constituição de DP” e “Liquidação de DP”, seguida da devida numeração atribuída pelo sistema informático e respetivo valor de cada um desses depósitos. 96.º Ao dar a ordem de levantamento dos 10 mil euros e ao entregá-los ao segundo réu para os aplicar a uma taxa de juro mais elevada, o autor/recorrido estava consciente do risco que corria, na medida em que não tinha garantias da forma e modo como o seu dinheiro ia ser aplicado pelo segundo réu. 97.º A partir de Setembro de 2019 o autor ficou a saber que não tinha os 10 mil euros depositados em seu nome, na primeira ré, pois recebeu o extracto bancário com essa informação, mas não teve qualquer atitude no sentido de saber o que se estava a passar com o seu dinheiro. 98.º O autor/recorrido estava em condições de poder e dever agir de modo a evitar os danos que sofreu na sua esfera jurídica. 99.º Ao não ter agido de modo a evitar a produção desses danos, o autor contribuiu para a verificação dos mesmos. 100.º Pelo que, na sua decisão, o Tribunal deveria ter ponderado a culpa do autor para a exclusão da indemnização a cargo da primeira ré/recorrente. 101.º Pelos motivos supra expostos, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue: a) procedente o incidente da falsidade do documento n.º ...8; b) incorrectamente julgados os pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 27, 28 da matéria de facto provada e as alíneas f), g), h), i), j), k), l), m), o), p) e s) da matéria de facto não provada, c) verificado o lapso do autor/recorrido na formulação do pedido apenas contra a primeira ré e ordene a sua retificação para que, onde se lê ―Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e ser a primeira R. , Banco 1..., CRL responsabilizada a indemnizar o A….”, deva ler-se “Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e serem os Réus responsabilizados a indemnizar o A….”; d) a ação totalmente improcedente e absolva a primeira ré do pedido, por não se verificar a responsabilidade do comitente prevista no artigo 500º n.ºs 1 e 2 do CC ou, caso assim não se entenda, julgue a ação totalmente improcedente e absolva a primeira ré do pedido se ter verificado culpa do autor na produção dos danos sofridos, nos termos do disposto no art.º 570º do CC.
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A Apelada apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:
- Apreciar da eventual procedência do incidente da falsidade. - Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada, e, na hipótese de procedência da impugnação da matéria de facto, se deverá também ser alterada a decisão recorrida. - Independentemente da alteração da matéria de facto, reapreciar se a decisão de absolvição do segundo réu da instância deve ser alterada. - Por último, reapreciar a decisão sobre o mérito da acção, que consiste na eventual existência de uma relação de comissão entre o Recorrente e o segundo Réu.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto. A- Factos provados. A) Realizada a audiência de discussão e julgamento, resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. O autor é PSP de profissão, atualmente reformado, viveu durante muitos anos em ..., contudo, após ter tido problemas de saúde e ter sido submetido a uma cirurgia a um tumor cerebral, regressou ao concelho ..., por volta do ano de 2012 e ali ficou a viver com o seu tio, CC, para ter uma vida mais tranquila.
2. A primeira ré, Banco 1..., C.R.L, é uma instituição bancária cuja sede situa-se em ....
3. O segundo réu, BB, também conhecido por “DD” foi, desde data não concretamente apurada do ano de 1993 funcionário da primeira ré até 14-05-2020, tendo sido, entretanto, despedido com justa causa.
4. O segundo réu detinha o número do operador ...08, atribuído pela primeira ré, e desempenhava as funções de assistente de cliente junto desta -Banco 1..., C.R.L, em ... e atuava sob a sua responsabilidade e vigilância.
5. O autor, em 23-08-2010, abriu uma conta na Banco 1..., C.R.L, primeira ré, com o número ...60, com € 10 000,00 que recebeu, a partir de uma transferência bancária, valor esse referente à sua quota-parte de uma herança.
6. O autor acompanhava o seu tio, CC, às instalações da primeira ré, sendo aliás cotitular das suas contas, quando o mesmo aí se deslocava para efetuar depósitos ou consultar os seus valores em conta, o que fazia quinzenal ou mensalmente.
7. O autor, com os referidos € 10 000,00, constituiu em 23-08-2010 um depósito a prazo com o número ...83, pelo prazo de 3 anos não renovável, a um juro anual de 1,35%.
8. No dia 23-08-2013 o autor pediu à primeira ré a liquidação total do depósito a prazo n.º ...83, cujo valor foi creditado para a conta de depósitos à ordem n.º ...60.
9. Na mesma data o autor constituiu um novo depósito a prazo com o nº ...49, com o capital de € 10 000,00.
10. Cada vez que o autor se dirigia ao balcão da primeira ré com o seu tio, o segundo réu falava com o autor para que o mesmo fizesse outro tipo de depósito a prazo, pelo valor de € 10 000,00, e prometia-lhe juros mais elevados.
11. O segundo réu dizia ao autor que por ser funcionário, tinha benefícios e poder-lhe-ia fazer um juro mais alto.
12. O autor não demonstrava interesse na proposta sugerida pelo segundo réu e foi adiando tal constituição, porquanto não necessitando do dinheiro mantinha o capital no depósito a prazo constituído em 2013 a render os juros.
13. Numa das deslocações do autor e do seu tio CC às instalações da primeira ré, designadamente, no dia 26-08-2019, e voltando a insistir na promessa de juros mais elevados ao autor, o segundo réu apresentou-lhe pelo menos três documentos.
14. De entres esses três documentos, o autor assinou dois deles, designadamente um documento denominado “Liquidação de Depósito a Prazo” e outro denominado “Ordem Levantamento”, ambos datados de 26-08-2019.
15. O terceiro documento foi entregue pelo segundo réu ao autor no qual se encontra aposto o nome da instituição bancária - a primeira ré, o timbre e o número do balcão da primeira ré, o número do operador, o nome do cliente, a moeda, a data de abertura, a data de vencimento, o prazo, o capital inicial, a taxa de juro, o código de IRS/IRC, os juros brutos, impostos e juros líquidos, assim como, a assinatura do segundo réu.
16. O autor ao aceitar este terceiro documento fê-lo na convicção de que o mesmo se tratava de uma promissória que, alegadamente, titulava a constituição de um depósito a prazo, no valor de € 10 000,00 (o seu capital), pelo prazo de 365 dias, com início a 26-08-2019, à taxa de juro de 2,00%.
17. O autor ao assinar os documentos id. em 14., acreditou que os mesmos eram necessários para a constituição do alegado depósito a prazo id. em 16.
18. O autor confiou no segundo réu, funcionário da primeira ré, que se encontrava nas instalações desta, em horário de expediente, aí exercendo funções, utilizando os equipamentos e o sistema próprio da instituição para a consulta, movimentação, depósitos, operações de crédito e de débito de clientes, constituindo aí depósitos a prazo, encerrando e abrindo contas, utilizando igualmente todo o seu material ali existente.
19. Em maio de 2020 o autor foi contactado pela primeira ré que lhe comunicou que não existiam valores em depósito a prazo, tendo o autor, de imediato, exibido os documentos de que era portador, ao que lhe responderam que o dinheiro não existia e que o mesmo documento era falso, restando na sua conta desde janeiro de 2020 até junho 2020 o valor de € 760,11.
20. Nesta sequência, a primeira ré questionou o autor se teria emprestado dinheiro ao segundo réu ao que o mesmo respondeu de forma perentória que não, e apresentou os documentos que tinha na sua posse e que o seu capital estava investido naquela Instituição, na Banco 1..., CRL, pois tinha constituído com o segundo réu um depósito a prazo, em agosto de 2019.
21. O autor solicitou à primeira ré, de imediato, a reposição do seu capital, os € 10 000,00 (dez mil euros) pedindo igualmente diversas reuniões e esclarecimentos, ao que, após solicitar o livro de reclamações, lhe responderam que “os factos a que nelas se alude estão a ser objeto de auditoria e averiguações. Tão cedo quanto dispúnhamos dos resultados e conclusões dessas averiguações, voltaremos ao contacto de Vª Exª. Sublinhando que esta instituição nunca se eximiu, nem se eximirá a assumir as responsabilidades que, em cada momento e circunstância, lhe caibam.”
22. Até à entrada em juízo da presente ação a primeira ré não satisfez o pedido do autor, designadamente, não lhe entregou o capital de € 10 000,00, alegando sempre que “estão a ser objeto de auditoria e averiguações”, pelo que o mesmo solicitou todos os documentos relativamente à movimentação da sua conta, perante a primeira ré a fim de averiguar o sucedido.
23. O segundo réu após a liquidação do depósito a prazo n.º ...49 e a assinatura pelo autor do denominado documento “Ordem Levantamento” procedeu ao levantamento do capital de € 10 000,00 do autor.
24. O autor nunca autorizou o segundo réu a proceder ao levantamento do seu capital.
25. O autor não entregou qualquer verba monetária ao segundo réu nem com ele teve qualquer negócio, nem lhe fez qualquer empréstimo, sendo que a única ligação existente era com a primeira ré - a Banco 1..., CRL.
26. O autor sempre foi uma pessoa digna e ao longo da sua vida, acreditou na primeira ré onde decidiu abrir a sua conta para ser colocada aquela verba que havia recebido por herança, verba essa que lhe permitiria alguma estabilidade, caso surgisse uma emergência.
27. Como consequência da atuação do segundo réu, melhor descrita em 10., 11., 13. a 18., 23. e 24, o autor sente-se transtornado e revoltado.
Da contestação
28. O autor teve conhecimento do extrato integrado que a ré lhe enviou em 01-09-2013, relativo ao período de 01-03-2013 a 31-08-2013.
29. Dos extratos integrados juntos com a p.i. sob doc. ... a ...7 (fls. 12 a 24) constava, além do mais, o depósito a prazo n.º ...49, com o valor do capital investido e dos juros pagos, creditados na conta de depósitos à ordem titulada pelo autor com o n.º ...60.
30. Desde 23-08-2010 até 26-08-2019 os depósitos a prazo suprarreferidos venceram juros que foram sempre creditados na conta de depósito à ordem n.º ...60, titulada pelo autor, com a designação “JUROS DP ...83” de 23-08-2010 até 23-08-2013 e de “JUROS DP ...49” de 23-08-2013 até 23-08-2019.
31. O documento n.º ...8 junto com a p.i. (fls. 24v.) foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois apagou as palavras “SIMULAÇÃO DE D.P.” e a data e hora, e colocou no canto superior direito o nome e morada do autor a quem entregou o documento.
32. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, a primeira ré apresentou uma queixa crime contra o segundo réu, BB, que corre termos no DIAP ... sob o n.º 54/20.....
33. A primeira ré instaurou, ainda, procedimento disciplinar contra o réu BB que culminou no seu despedimento com justa causa.
34. Os depósitos a prazo que o autor celebrou com a primeira ré estão devidamente refletidos nos extratos da conta à ordem a que se encontravam associados, sendo que dessa conta à ordem consta a designação “Constituição de DP” e “Liquidação de DP”, seguida da devida numeração atribuída pelo sistema informático e respetivo valor de cada um desses depósitos. B. Factos não provados
Não se consideraram provados os demais factos relevantes para a decisão da causa, nomeadamente:
a) O autor assinou o documento n.º ...8 junto com a p.i (fls. 24 v.).
b) Foi transmitido ao autor pela primeira ré que o funcionário BB teria lesado diversos clientes, incluindo o aqui autor e que estariam a tomar diligências para averiguar toda a situação.
c) Face ao comportamento da primeira ré perante a reclamação das suas verbas que autor tem efetuado, inibindo-se a mesma de as repor, o autor, desde maio, vive com vergonha, descrédito, incerteza e com receio da atuação daquela ré.
d) Perante a ausência de respostas da primeira ré, o autor desde maio de 2020 tem sofrido grande ansiedade e desespero.
e) Como consequência da atuação do segundo réu, melhor descrita em 10., 11., 13. a 18., 23. e 24, o autor sente-se desgostoso e desanimado.
f) No dia 26-08-2019, o autor ordenou que a quantia de € 10 000,00 creditada na sua conta à ordem n.º ...60 lhe fosse entregue, em numerário.
g) O autor teve conhecimento dos extratos integrados que a ré lhe enviou ao longo dos anos, designadamente, no período compreendido entre 01-03-2014 e 01-03-2019.
h) No dia 01-09-2019, o autor recebeu o extrato integrado n.º 2/2019, que a primeira ré lhe enviou à (semelhança dos anteriores), através do qual teve conhecimento da liquidação do depósito a prazo n.º ...49, e de que não possuía, na primeira ré, qualquer outro depósito a prazo, produto ou aplicação.
i) O autor estava totalmente informado e com integral conhecimento da forma como se processavam os movimentos entre contas.
j) O autor estava informado e tinha conhecimento que não é necessário proceder a levantamentos em numerário para movimentar dinheiro entre contas ou constituir depósitos a prazo.
k) O autor estava informado e tinha conhecimento que, desde 26-08-2019, não possuía na primeira ré qualquer depósito a prazo.
l) A primeira ré desconhece o destino dado a tal quantia de € 10 000,00 que o autor levou da ré, em numerário.
m) O autor entregou quantias ao réu BB a troco de uma remuneração (juros com taxas mais elevadas que as praticadas pela Banco 1...).
n) O autor emprestou o dinheiro ao segundo réu, bem sabendo que tal empréstimo nada tinha a ver com as funções que aquele desempenhava na primeira ré e que atuava despido da sua qualidade de funcionário.
o) O segundo réu para aliciar as pessoas a emprestarem-lhe dinheiro, dizia que lhes pagava um juro mais alto do que o pago pela Banco 1....
p) Documentos semelhantes ao que o autor juntou como documento n.º ...8 da p.i. (fls. 24v.) eram utilizados pelo segundo réu para “titular” os empréstimos e ter forma de controlar os reembolsos e remunerações (pagamento de juros) que lhe eram efetuados.
q) Os documentos semelhantes ao que o autor juntou como documento n.º ...8 da p.i. (fls. 24v.) foram entregues pelo corréu BB, àqueles que lhe emprestaram dinheiro, já depois de ter sido “descoberto” e “desmascarado” neste esquema.
r) O corréu BB fabricou documentos semelhantes ao constante de fls. 24v. como forma de envolver a primeira ré e de a obrigar a pagar as quantias que não tivesse capacidade financeira de pagar àqueles que lhe emprestaram o dinheiro, e também, como forma de garantir àqueles que o pressionavam depois de saberem que o “esquema tinha sido descoberto”.
s) O autor tinha perfeito conhecimento e consciência que o réu BB lhe estava a pedir dinheiro emprestado, e a remunerar esse empréstimo, a título pessoal e extravasando o exercício das suas funções na primeira ré.
t) A primeira ré apresentou queixa crime contra o segundo réu em 09-06-2020. C) Outros
As demais expressões, não especificamente dadas como provadas ou não provadas estão em oposição ou constituem a negação de outras dadas como provadas ou não provadas ou contém expressões conclusivas ou de direito ou são irrelevantes para a decisão da causa.
D- Despacho proferido sobre o documento nº ...8. (…) Antes de mais e como questão prévia, porque se nos afigura oportuno, trataremos a questão da invocada falsidade do documento n.º ...8 junto com a petição inicial (fls. 24v) apresentado pelo autor, arguida pela primeira ré. Dispõe o artigo 363.º n.º 1 e 2 do Código Civil que “os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares”, e “os autênticos são os documentos exarados, com formalidade legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares”. No caso concreto foi junto um documento pelo autor com o nome da instituição bancária - a primeira ré, o timbre e o número do balcão da primeira ré, o número do operador, o nome do cliente, a moeda, a data de abertura, a data de vencimento, o prazo, o capital inicial, a taxa de juro, o código de IRS/IRC, os juros brutos, impostos e juros líquidos, assim como, a assinatura do segundo réu. Ora, tal documento não tendo sido emitido por uma entidade pública ou outro oficial público provido de fé pública é, necessariamente, um documento particular. Tal documento não goza de força probatória conferida aos documentos particulares (não impugnados) cuja letra e assinatura ou ambos sejam atribuídos a uma das partes nos termos do artigo 376º do Código Civil, estando sujeitos à livre apreciação do julgador, nos termos do artigo 366º do Código Civil. – [cfr. Acórdão do STJ de 31/05/2005, processo 05B1094 e de 29/01/2008, processo 07B4528, disponíveis em www.dgsi.pt]. Impõe-se determinar se pode ser oposta a um documento particular a sua falsidade, sendo, para tal, necessário distinguir entre falsidade material e falsidade ideológica. A falsidade material ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação (formação do documento por pessoa diversa do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação. A falsidade ideológica ocorre quando se assevera no documento a prática de um facto ou de uma realidade que não se praticou ou não se verificou, verifica-se falta de correspondência entre o que se dá como sucedido e o que realmente aconteceu. No que concerne à falsidade material é inequívoca a oponibilidade a documentos particulares (cfr, artigo 446.º do Código de Processo Civil quando alude a falsidade de documento). Já quanto à falsidade ideológica não é mesma possível quanto a documentos particulares - a este propósito refere Luís Filipe Pires de Sousa que “não sendo o documento particular destinado a fazer prova plena da veracidade das declarações contidas no mesmo, o mesmo não possui o caráter de verdadeira e própria atestação, faltando, por isso, o pressuposto base uma falsidade ideológica”. E acrescenta: “De facto, o conceito de falsidade ideológica é estranha ao documento particular, não subsistindo neste uma obrigação de declarar a verdade (ao contrário do que atestador no documento autêntico), sendo que a documentação particular constitui o meio para a comunicação de uma determinada declaração e não para atestação de factos documentados”. – [vd. Luís Filipe Pires de Sousa, in Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág.148-149]. [1] Assim é inadmissível a arguição da falsidade ideológica quanto a um documento particular, devendo a mesma ser entendida como impugnação da força probatória [cfr. Ac. do STJ de 23/05/1996, processo 96B021, disponível em www.dgsi.pt] solução que se coaduna com o disposto no artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil (vd. Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. pág. 149). Nos presentes autos a primeira ré arguiu a falsidade do referido documento, porém não alega quaisquer factos que permita perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica. Assim sendo, está vedado ao Tribunal conhecer da veracidade do documento, devendo o mesmo manter-se nos autos, sendo sujeitos como supra se referiu à livre apreciação pelo Tribunal e, consequentemente, julga-se improcedente a arguida falsidade documento n.º ...8 junto pelo autor”. (…)
Fundamentação de direito.
- Incidente da Falsidade. Veio o Recorrente alegar que o tribunal “a quo” julgou improcedente a arguida falsidade do documento n.º ...8 junto pelo autor/recorrido, uma vez que a primeira ré/recorrente não alegou quaisquer factos que permitam perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica do documento. Do ponto 31 dos factos provados consta que “O documento n.º ...8 junto com a p.i. (fls. 24v) foi fabricado pelo segundo réu que imprimiu uma simulação de um depósito a prazo, depois apagou as palavras “SIMULAÇÃO DE D.P.” e a data e hora, e colocou no canto superior direito o nome e morada do autor a quem entregou o documento.”. O Tribunal “a quo dá como provado o facto alegado pela primeira ré/recorrente no art.º 44º da Contestação, e que lhe permite perceber que a falsidade alegada e pretendida pela parte, é a falsidade material (aquela que ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafacção ou por alteração do documento após a sua formação) e não a falsidade ideológica. O incidente da falsidade deve ser julgado procedente e o documento n.º ...8 junto com a petição inicial ser considerado um documento materialmente falso. O que a primeira ré/recorrente pretende demonstrar na contestação apresentada, é que o documento n.º ...8 não é um documento que tenha sido por si emitido ou que seja utilizado na sua actividade bancária; muito menos que seja um documento que titule/comprove ou dê forma à constituição de um depósito a prazo”. Com estes fundamentos conclui que não podem restar dúvidas de que o documento n.º ...8 junto pelo autor/recorrido é um documento falso, conforme provado no ponto 31 dos factos provados. Ora, face a esta alegação, como e bem refere a decisão recorrida, “Impõe-se determinar se pode ser oposta a um documento particular a sua falsidade, sendo, para tal, necessário distinguir entre falsidade material e falsidade ideológica. A falsidade material ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafação (formação do documento por pessoa diversa do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação. A falsidade ideológica ocorre quando se assevera no documento a prática de um facto ou de uma realidade que não se praticou ou não se verificou, verifica-se falta de correspondência entre o que se dá como sucedido e o que realmente aconteceu. No que concerne à falsidade material é inequívoca a oponibilidade a documentos particulares (cfr, artigo 446.º do Código de Processo Civil quando alude a falsidade de documento). Já quanto à falsidade ideológica não é mesma possível quanto a documentos particulares - a este propósito refere Luís Filipe Pires de Sousa que “não sendo o documento particular destinado a fazer prova plena da veracidade das declarações contidas no mesmo, o mesmo não possui o caráter de verdadeira e própria atestação, faltando, por isso, o pressuposto base uma falsidade ideológica”. E acrescenta: “De facto, o conceito de falsidade ideológica é estranha ao documento particular, não subsistindo neste uma obrigação de declarar a verdade (ao contrário do que atestador no documento autêntico), sendo que a documentação particular constitui o meio para a comunicação de uma determinada declaração e não para atestação de factos documentados”. – [vd. Luís Filipe Pires de Sousa, in Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág.148-149]. [2] Assim é inadmissível a arguição da falsidade ideológica quanto a um documento particular, devendo a mesma ser entendida como impugnação da força probatória [cfr. Ac. do STJ de 23/05/1996, processo 96B021, disponível em www.dgsi.pt] solução que se coaduna com o disposto no artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil (vd. Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. pág. 149). Nos presentes autos a primeira ré arguiu a falsidade do referido documento, porém não alega quaisquer factos que permita perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica. Ora, como é consabido, “Mostrando-se um documento particular devidamente impugnado processualmente, a impugnação (por falsidade do texto nele inserido) não está abrangida, em termos de admissibilidade da prova testemunhal, pela força probatória plena do documento (cfr. art. 376º, nº 1 do CC), ainda que o mesmo beneficie da presunção de genuinidade normalmente decorrente da assinatura reconhecida dele constante, pois que a arguição da falsidade visa justamente eliminar a eficácia dessa força probatória plena. No entanto, contrariamente ao que sucede no caso da impugnação da assinatura do documento, em que incumbe ao apresentante do documento o ónus de prova da sua veracidade (art. 374º, nº 2 do CC), no caso de o documento ser impugnado por falsidade incumbe à parte arguente o ónus da prova da falsidade (parte final do nº 1 do art. 376º do CC)”. Isto considerado, como se refe na decisão recorrida, “A falsidade material ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafacção (formação do documento por pessoa diversa do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação. A falsidade ideológica ocorre quando se assevera no documento a prática de um facto ou de uma realidade que não se praticou ou não se verificou, verifica-se falta de correspondência entre o que se dá como sucedido e o que realmente aconteceu. No que concerne à falsidade material é inequívoca a oponibilidade a documentos particulares (cfr, artigo 446.º do Código de Processo Civil quando alude a falsidade de documento). Já quanto à falsidade ideológica não é mesma possível quanto a documentos particulares - a este propósito refere Luís Filipe Pires de Sousa que “não sendo o documento particular destinado a fazer prova plena da veracidade das declarações contidas no mesmo, o mesmo não possui o caráter de verdadeira e própria atestação, faltando, por isso, o pressuposto base uma falsidade ideológica”. E acrescenta: “De facto, o conceito de falsidade ideológica é estranha ao documento particular, não subsistindo neste uma obrigação de declarar a verdade (ao contrário do que atestador no documento autêntico), sendo que a documentação particular constitui o meio para a comunicação de uma determinada declaração e não para atestação de factos documentados”. – [vd. Luís Filipe Pires de Sousa, in Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág.148-149]. [3] E assim sendo, como se conclui na decisão recorrida, ”é inadmissível a arguição da falsidade ideológica quanto a um documento particular, devendo a mesma ser entendida como impugnação da força probatória [cfr. Ac. do STJ de 23/05/1996, processo 96B021, disponível em www.dgsi.pt] solução que se coaduna com o disposto no artigo 193º n.º 3 do Código de Processo Civil (vd. Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit. pág. 149). Nos presentes autos a primeira ré arguiu a falsidade do referido documento, porém não alega quaisquer factos que permita perceber se o que pretende é ver declarada a falsidade material ou a falsidade ideológica”. Destarte, como se conclui na decisão recorrida, está vedado ao Tribunal conhecer da veracidade do documento, devendo o mesmo manter-se nos autos, sendo sujeitos como supra se referiu à livre apreciação pelo Tribunal e, consequentemente: Julga-se improcedente a presente apelação quanto a este aspecto, mantendo-se a decisão recorrida. – Impugnação da matéria de facto: Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pela Apelante/Ré pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito. (…) Improcede, na íntegra, a presente apelação com relação à impugnação da matéria de facto. - Independentemente da alteração da matéria de facto, pede ainda o recorrente seja reapreciada a decisão de absolvição do segundo réu da instância. Na verdade, o autor/recorrido instaurou a presente acção contra a ré Banco 1.../recorrente e o réu BB, alegando a prática de actos ilícitos por este Réu ao serviço e enquanto trabalhador daquela, que lhe causaram danos patrimoniais e não patrimoniais, terminando por pedir a condenação da primeira ré/Recorrente, na qualidade de comitente, a pagar-lhe uma indemnização. De acordo com o Acórdão da Relação de Guimarães datado de 17/12/2019, acessível em www.dgsi.pt, “Como decorrência dos princípios do dispositivo e do contraditório, o Autor encontra-se obrigado, na vigência do actual CPC, a delimitar, na petição inicial, subjectiva (sujeitos) e objectivamente (pedido e causa de pedir), a relação material controvertida que submete à apreciação do Tribunal (…)”. A noção de pedido está consagrada no n.º 3 do art.º 581º do CPC e corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal. “A formulação do pedido, dentro do qual se vai desenrolar toda a lide e que circunscreve o âmbito da decisão final, é uma necessidade que resulta, além do mais, da consagração plena do princípio do dispositivo que faz impender sobre os interessados que recorrem às instâncias judiciais o ónus de delimitação do objecto da lide”. “…O pedido deve reunir os seguintes requisitos:” existência, inteligibilidade, determinação, compatibilidade, licitude, viabilidade, probidade e juridicidade. Se o pedido não existir, a petição inicial será inepta e o processo é nulo nos termos do disposto no art.º 186º n.º 1 e 2 al. a) do CPC. No caso dos autos, existe um pedido. Mas existe um pedido apenas dirigido contra um dos réus (a primeira ré/recorrente), contra quem é instaurada a acção. O autor/recorrido identifica as partes contra quem instaura a acção, alega factos (causa de pedir) que respeitam a actos praticados por ambos os réus que, na sua perspectiva (relação material controvertida tal como é apresentada pelo autor), importam a responsabilização de ambos os réus. No entanto, o autor termina pedindo a condenação só de um dos réus, na indemnização que alega ser-lhe devida por força dessa responsabilidade que, no caso da primeira ré/recorrente, é a responsabilidade objectiva, sem culpa. O Tribunal “a quo” decidiu esta questão de ausência do pedido contra o réu BB, considerando-o parte ilegítima e, consequentemente, absolvendo-o da instância. Quanto a nós, e salvo melhor opinião, o tribunal “a quo” decidiu mal, quer considerando o réu BB parte ilegítima, quer absolvendo-o da instância. A legitimidade é um pressuposto processual que nada tem a ver com o mérito da acção. A parte é legítima se tem interesse directo em demandar ou contradizer, de acordo com a relação material controvertida descrita pelo autor. No caso dos autos, como já vimos, de acordo com a relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, não há dúvida que o réu BB é parte legítima (passiva). O réu BB tem interesse directo em contradizer, pese embora nenhum pedido contra si seja deduzido. O facto de ter sido omitido um pedido contra este réu, não o torna parte ilegítima na presente acção. A questão a decidir prende-se, não com o pressuposto da legitimidade, mas com omissão ou ininteligibilidade do pedido. Este (pedido) é que contém uma irregularidade: ou falta ou está mal formulado. É sobre uma destas duas irregularidades que deverá o Tribunal conhecer e decidir, ou seja, tratou-se de uma omissão ou de uma má formulação do pedido? Após consultar as partes (autor e ambos os réus) sobre esta irregularidade, o Tribunal ficou a saber (porque disso foi informado) que o autor se exprimiu mal na formulação do pedido. Tratou-se de um lapso a omissão do réu BB no pedido de condenação. O Autor instaurou a acção contra a ré Banco 1... e o réu BB. Parece evidente, como o próprio autor alegou, que se trata de um lapso, na medida em que o autor pretendia deduzir um pedido contra ambos os réus (contra quem instaurou a acção), mas se esqueceu de deduzir o pedido quanto a um deles, como era pretendido. Posto que, deve ser revogada a sentença nesta parte e não ser o Réu BB absolvido da instância. Definida a questão controvertida procedamos então à sua análise. Como é consabido, a falta de pedido, de causa de pedir, ou o pedido ininteligível, que conduzem à ineptidão da petição e inicial e á consequente absolvição da instância. Na situação vertente, também em nosso entendimento se não colocam questões de legitimidade do segundo Réu, já que os seus requisitos estão demonstrados e a questão que se coloca contende apenas com a falta de pedido. A propósito de questão análoga refere o Acórdão da Relação de Lisboa, de 05/12/2013, o seguinte: (…) Com efeito, e como se verifica nas conclusões supra transcritas, não vem posto em causa no presente recurso o julgamento da matéria de facto, que o tribunal fez com referência aos factos alegados pela autora no requerimento de injunção (de forma a esgotar esse universo). Ora, sendo esse o objecto do recurso, diremos desde já que, vista a sentença proferida, logo se constata que a recorrente não tem razão. Com efeito, e como é sabido, há lugar a absolvição da instância quando o tribunal se depara com algum obstáculo de natureza processual que impede a apreciação do mérito do pedido. Nada obstando ao conhecimento do mérito, o julgador declara o pedido procedente ou improcedente – declarando condenados ou absolvidos aqueles contra quem ele foi deduzido. Nos autos, a autora veio pedir a condenação dos réus a pagar-lhe certa quantia que alegava ser-lhe devida por eles, em consequência de um contrato determinado que entre as partes tinha sido celebrado e que os réus não tinham cumprido. Como se verifica, a causa de pedir, que é o conjunto de factos de onde emerge o pedido, integrava tanto um contrato como o seu conteúdo, a concreta vinculação dele resultante para os réus, as obrigações que a autora dizia não terem sido cumpridas por estes. Não se pode questionar que a constituição da obrigação faça parte da factualidade onde assentava o direito alegado, e cuja prova competia à autora, por força da repartição do ónus da prova estabelecida no art. 342º do Código Civil. Ora o tribunal declarou como não provados todos os factos alegados pela autora para fundamentar o direito que pretendia possuir e queria fazer valer em juízo. Não podia desse modo deixar de julgar improcedente a acção, por não provada, e absolver os réus do pedido. Houve um expresso conhecimento de mérito, e assim tinha que ser. Aliás, na própria sentença, alguns parágrafos antes, afirma-se expressamente que não existiam impedimentos a esse conhecimento de mérito: “Mantêm-se os pressupostos de validade da instância, nada obstando à apreciação do mérito da causa.” A argumentação da recorrente centra-se numa passagem da motivação da sentença, onde o julgador admite que existiu entre as partes contratação (como aliás os réus reconhecem) para logo adiantar que do julgamento não resultou esclarecido o conteúdo da mesma (diz-se nessa motivação, essencialmente; que “alcançou e concluiu o Tribunal que o constante desse requerimento (de injunção) não assume a correspondência com o denominado "contrato de adesão" e com o extracto, do tipo Excel, apresentados”). Por outras palavras, não se provou a factualidade de onde emergia o pedido da autora: a condenação dos réus a pagar só poderia basear-se na existência da obrigação afirmada na petição inicial. Não se provando os factos onde assentava o pedido deduzido só podia o tribunal julgar esse pedido improcedente – e absolver os réus. Nesta sequência nada permitia concluir pela absolvição da instância – que significa uma abstenção de pronúncia sobre o fundo da causa, e tem como pressuposto a existência de um qualquer obstáculo de índole processual a que se conheça do mérito do que foi pedido. A afirmação genérica feita na motivação de que efectivamente tinha havido entre as partes uma qualquer contratação, que não se apurou qual fosse em concreto, mas que não era aquela apresentada em juízo pela autora, não colide de forma alguma com o veredicto essencial: não se provaram os factos que integravam a causa de pedir da autora. Não estamos, francamente, perante “uma recusa de julgamento do fundo ou mérito da causa, por se verificar alguma das irregularidades enunciadas na lei”, como escreve a apelante. O Tribunal diz expressamente que não existe qualquer obstáculo a que se conheça de mérito, e pronuncia-se no sentido da improcedência do que foi pedido. E a recorrente também não especifica qual das “irregularidades enunciadas na lei”, entenda-se a obstar ao conhecimento de mérito, é que encontra no caso em apreço.”[4] E assim sendo, com os aludidos fundamentos, ou seja, perante a existência de umobstáculo de natureza processual que impede a apreciação do mérito do pedido, o segundo Réu foi e, bem, absolvido da instância. Improcede, por isso, também, neste aspecto, a presente apelação. Por último, mais pede a Recorrente que seja reapreciada a decisão sobre o mérito da acção, que consiste na eventual existência de uma relação de comissão entre o Recorrente e o segundo Réu. Ora alega o Recorrente que a responsabilidade do comitente pressupõe a verificação de três requisitos: a) relação de comissão entre comissário e comitente; b) Obrigação do comissário indemnizar; c) que o comissário aja no exercício da função que lhe foi confiada – cfr. art.º º n.ºs 1 e 2 do CC. De acordo com a matéria de facto provada, designadamente o facto constante do ponto 28-J. e s) O autor tinha perfeito conhecimento e consciência que o réu BB lhe estava a pedir dinheiro emprestado, e a remunerar esse empréstimo, a título pessoal e extravasando o exercício das suas funções na primeira ré”, não há dúvidas que, no caso em apreço, falta o requisito exigido pelo art.º 500º n.º 1 do CC, de o facto danoso dever ser praticado pelo comissário no exercício da comissão estabelecida. O facto danoso deve, para ficar a coberto do regime da responsabilidade objectiva do comitente, ser praticado no exercício da comissão estabelecida, aqui se considerando abrangidos todos os actos que caiam no quadro geral das funções atribuídas, ou seja, todos aqueles actos que tenham com as funções cometidas um nexo de causalidade - que sejam previsível e abstractamente adequadas ao exercício daquelas funções, daqui se excluindo aqueles casos em que se demonstre que o terceiro lesado tinha conhecimento de que o comissário agia no seu próprio interesse, ou contra ordens do comitente. De facto, nesta situação, a posição do terceiro não merece tutela, a partir do momento em que ele próprio sabe que o comissário não está a agir no exercício de uma comissão, podendo, se disso for caso, tomar as devidas precauções acrescidas para se poupar a qualquer dano que aquele comissário pudesse provocar na sua esfera de direitos. Uma vez que não se verificam os pressupostos da responsabilidade do comitente prevista no art.º 500º do CC, a primeira ré/recorrente não está obrigada a indemnizar o auto/recorrido, devendo ser absolvida do pedido. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, considerando a hipótese meramente académica de se considerar a primeira ré/recorrente responsável, na qualidade de comitente, pelos atos praticados pelo segundo réu, comissário e, nessa medida, obrigada a indemnizar o autor/recorrido, estamos perante uma situação em que será de convocar a culpa do autor na produção dos factos danosos, nos termos do disposto no art.º 570º do CC. De acordo com esta norma, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. Esta culpa do lesado está ligada à não adopção de medidas que teriam evitado o dano ou as consequências previsíveis do facto ilícito, sendo que, o dar a ordem de levantamento dos 10 mil euros e ao entregá-los ao segundo réu para os aplicar a uma taxa de juro mais elevada, o autor/recorrido estava consciente do risco que corria, na medida em que não tinha garantias da forma e modo como o seu dinheiro ia ser aplicado pelo segundo réu, e estava em condições de poder e dever agir de modo a evitar os danos que sofreu na sua esfera jurídica. Vejamos então se ao Recorrente assiste razão na questão colocada. A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações decorrendo a responsabilidade civil extracontratual da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, não obstante serem lícitos, causam prejuízo a outrem. Como é consabido, as pessoas colectivas respondem pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que o comitente responde pelos actos ou omissões dos seus comissários – cfr. art.º 165.º do CC -, sendo que, a responsabilidade do comitente é uma responsabilidade pelo risco – independentemente de culpa – cfr. art.º 500.º do CC –, sem embargo de se poder provar a culpa do mesmo. Ora, de harmonia com este último preceito, “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”(nº 1), sendo que, “a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada” (nº 2), e “o comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no nº 2 do artigo 497º” (nº 3). São, assim, requisitos ou pressupostos da responsabilidade do comitente:
- A existência de uma comissão; - A prática de um facto ilícito, pelo comissário, no exercício da sua comissão; - E a responsabilidade civil do próprio comissário. A relação de comissão pressupõe uma relação de dependência que autorize o comitente a dar instruções ou ordens ao comissário e tem o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta, no interesse e sob direcção de outrem. Mas a comissão é aqui entendida num sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e direcção de outrem e não no sentido técnico do art.º 266.º do Código Comercial, sendo comitente todo aquele que encarrega outrem de praticar determinado acto ou conjunto de actos – relevando tão somente que haja uma posição de autoridade, não se exigindo, v.g., uma relação laboral, e comissário o que aceita praticar o acto sob direcção do comitente. São muitas as expressões que definem o conteúdo da relação de comissão, mas o que importa é que no caso em concreto se apure a existência, ou não, de uma relação de dependência, pois só desta forma é admissível justificar a responsabilidade do comitente pelos actos praticados pelo comissário. Como refere A. Varela[5], no conceito de comissão cabe qualquer “serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual …”, entendimento, esse, também manifestado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. de 30/04/1996, aí se referindo que “a relação de comissão tem de ser encontrada na definição dada pelo artigo 500, do C.C., e que sobre o lesado impende a alegação e a prova dos factos que tipifiquem a relação de comissão, “na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação”. [6] É, assim, necessário que o facto ilícito tenha sido praticado no exercício da função, pretendendo-se com a exigência de tal requisito que os actos tenham sido praticados no exercício dessa função e não apenas por altura da comissão, sendo ainda pacífico o entendimento de que o comitente responde ainda pelos actos do seu comissário se os mesmos estão formalmente compreendidos no âmbito da comissão, ainda que praticados com um fito estranho a ela. De tudo resulta que, como se disse, a verdadeira questão a decidir na presente situação consistirá em analisar se, em face da materialidade demonstrada, é possível afirmar e existência de uma relação de comissão. Embora não seja um conceito versado na doutrina e na jurisprudência com linear clareza e precisão, pelo menos, em toda a sua amplitude, como refere Pessoa Jorge, poderá dizer-se que a comissão consiste na “realização de actos de caracter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a pessoas diferentes dos interessados”.[7] Contidos na definição estão assim a prática de uma actividade ou tão somente de um ou alguns actos realizados por pessoa diferente do interessado, ou seja, no interesse (característica que alguns designam por alienidade), e sob a direcção de outrem, havendo assim de existir entre comitente e comissário uma relação de dependência, ficando, portanto, e desde logo, afastada do conceito de comissão a relação de representação legal, uma vez que, como salienta Manuel de Andrade, o incapaz não colocou voluntariamente na situação de incapaz. [8] Assim, se a relação que se estabelece entre comitente e comissário pressupõe as tais características da alienidade e da subordinação, como defende a maior parte da doutrina, cumprirá agora analisar se, para existir responsabilidade co comitente, será necessário que exista liberdade de escolha do comissário por parte daquele. Como refere A. Varela, em geral a liberdade de escolha anda associada a relação de dependência, constituído a sua guarda avançada ou primeiro sinal de revelação, pois que, em princípio, de o titular do interesse não tem liberdade de escolha é porque não tem poder de dar ordens e instruções às pessoas encarregadas de satisfazer o interesse, é porque não é ele o comitente mas outra pessoa.[9] É, no entanto, concebível um caso em que não exista liberdade de escolha pelo titular do interesse, mas em que exista poder de vigilância da actuação da pessoa encarregada de o satisfazer, como será o caso de o titular ter delegado noutrem o encargo da escolha da pessoa encarregada de o satisfazer, mas ter conservado o poder de dar ordens e instruções. Mas o âmbito da escolha não se cinge, contudo, à pessoa do comissário, exigindo-se, isso sim, um mínimo de liberdade na constituição do vínculo de comissão, seja escolhendo o comissário, seja, mesmo, determinando o âmbito da comissão, o momento da sua efectivação, etc…, contanto que funcione em pleno a relação de subordinação ou dependência entre comitente e comissário. Como refere A. Varela, mal se concebe na prática a existência de casos em que seja totalmente suprimida a liberdade de escolha, e, apesar disso, subsista a relação de dependência, expressa no facto de dever ser exercida sob as ordens e segundo as instruções do titular do interesse satisfeito. “Assim, não serão comissários os donos das bagagens ou da mercadoria os estivadores ou os empregados que, por designação e sob as ordens da administração do porto ou do aeroporto, procedem à sua carga, descarga ou transporte. Mas já funcionará como comissário da empresa interessada o agente da polícia que, a requerimento dela e sob as suas ordens ou instruções, realiza operações especiais de policiamento e de fiscalização, ainda que o agente tenha sido designado para o efeito pelo director da respectiva corporação”.[10] E à luz de tudo o exposto, verificados o primeiro e o segundo requisitos (A existência de um facto voluntário do lesante e a ilicitude do facto, nos termos que constam da decisão recorrida) “dúvidas inexistem que a prática de tais ilícitos foi facilitada pelo facto do réu BB ali trabalhar e exercer as funções que exercia, numa relação de comitente-comissário com a ré Banco 1.... Assim sendo, ao actuar da forma descrita em 10., 11., 13. a 18., 23. e 24 dos factos provados, o segundo réu fê-lo de forma ilícita e culposa. Em virtude da actuação do segundo réu, deve, portanto, a ré Banco 1... ser responsabilizada pelos danos causados pelo seu funcionário ao autor, por via da relação de comissão existente entre ambos. O réu BB teve com as funções que exercia na ré Banco 1... uma conexão adequada, já que, como visto, era seu funcionário e adulterou um documento, procedeu ao levantamento de € 10 000 pertença do autor e apropriou-se deles, valendo-se, precisamente, dessa relação de trabalho que tinha ré Banco 1..., que lhe permitia dispor (como veio a dispor) das instalações e meios ali existentes e à primeira ré pertencentes, dessa forma logrou apropriar-se de € 10 000, atuando de forma ilícita, extravasando por isso as funções que fora incumbido e estava autorizado, podendo, afirmar-se que ele se encontrava numa posição especialmente adequada à prática dos factos danosos. Foi, efectivamente, nas instalações da ré Banco 1... e servindo-se dos instrumentos desta que o segundo réu ludibriou o autor e procedeu à falsificação do documento de fls. 24v. que entregou ao autor sem correspondência com a realidade. Ao autor cabia o ónus de provar que o segundo réu, comissário, agiu no exercício da função que lhe foi confiada (o que provou – que o segundo réu era funcionário da primeira ré, exercendo funções de assistente de cliente), nos supramencionados termos, cabendo à comitente, segunda ré, a prova do facto impeditivo, designadamente que era do conhecimento do autor que o segundo réu atuava fora das funções que lhe foram incumbidas por aquela, o que não provou (cf. art. 342.º n.º 1 e 2 do Código Civil). Por fim, relativamente ao terceiro pressuposto - sobre o comissário deve, necessariamente, recair também a obrigação de indemnizar. Portanto, significa isto que se não existisse a relação de comissão, o comissário responderia exclusivamente pelo dano causado a terceiro. Torna-se, assim, elementar que os requisitos da responsabilidade civil estejam preenchidos contra o comissário, para que o comitente seja igualmente responsável. In casu, não soçobram dúvidas de que se verifica este terceiro e último pressuposto - a responsabilidade do próprio comissário quanto à obrigação de indemnizar o autor - para que se possa verificar a responsabilidade do comitente. Este requisito implica forçosamente que o comissário tenha praticado um facto ilícito e culposo, porquanto só quando assim se verifique o comitente responderá objectivamente. Nos presentes autos dos factos provados resulta o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil do segundo réu e a consequente obrigação de indemnizar conforme supra se apurou. Portanto, responde o comissário a título de culpa e o comitente a título de responsabilidade objectiva, sendo este um dos casos em que existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa. Dessarte, a ré Banco 1..., atenta a sua qualidade de comitente relativamente ao respectivo funcionário, aqui segundo réu, responde objectivamente pelos danos causados por este na esfera do um terceiro, sem prejuízo de, em princípio, poder vir a exercer o direito de regresso sobre o comissário quanto às quantias que a esse título satisfaça ao lesado [cfr. artigo 500.º n.º 3 do Código Civil]. Destarte, e por tudo o acabado de expender, improcede, na íntegra a presente apelação, mantendo-se, assim, a decisão recorrida. Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C. I- Mostrando-se um documento particular devidamente impugnado processualmente, a impugnação (por falsidade do texto nele inserido) não está abrangida, em termos de admissibilidade da prova testemunhal, pela força probatória plena do documento (cfr. art. 376º, nº 1 do CC), ainda que o mesmo beneficie da presunção de genuinidade normalmente decorrente da assinatura reconhecida dele constante, pois que a arguição da falsidade visa justamente eliminar a eficácia dessa força probatória plena. II- No entanto, contrariamente ao que sucede no caso da impugnação da assinatura do documento, em que incumbe ao apresentante do documento o ónus de prova da sua veracidade (art. 374º, nº 2 do CC), no caso de o documento ser impugnado por falsidade incumbe à parte arguente o ónus da prova da falsidade (parte final do nº 1 do art. 376º do CC)”. III- Isto considerado, a falsidade material ocorre quando há alteração da materialidade gráfica do documento, por contrafacção (formação do documento por pessoa diversa do autor aparente) ou por alteração do documento após a sua formação. IV -A falsidade ideológica ocorre quando se assevera no documento a prática de um facto ou de uma realidade que não se praticou ou não se verificou, verifica-se falta de correspondência entre o que se dá como sucedido e o que realmente aconteceu. IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 10/ 07/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
[1] Vide neste sentido Ac. TRG de 22-01-2022, processo n.º 4651/20.9T8GMR-B.G1, relator José Carlos Pereira Duarte, disponível em www. dgsi.pt [2] Vide neste sentido Ac. TRG de 22-01-2022, processo n.º 4651/20.9T8GMR-B.G1, relator José Carlos Pereira Duarte, disponível em www. dgsi.pt [3] Vide neste sentido Ac. TRG de 22-01-2022, processo n.º 4651/20.9T8GMR-B.G1, relator José Carlos Pereira Duarte, disponível em www. dgsi.pt [4] Cfr. Acórdão da Relação de lisboa, de 05/12/2013, proferido no processo nº131552/12.5YIPRT.E1, in www.dgasi.pt. [5] Cfr. P Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pg. 562. [6] Cfr. D.R., II Série, nº. 144, de 24/06/1996, ou em www.dgsi.pt [7] Cfr. Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 148, e, no mesmo sentido, A. Varela, Das Obrigações em Geral», Antunes Varela, I Vol., 4 ª ed., pgs. 532/3. [8] Cfr Manuel de Andrade Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pg 134. [9] Cfr A. Varela Das Obrigações em Geral», Antunes Varela, I Vol., 4 ª ed., pgs. 564. [10] Cfr A. Varela Das Obrigações em Geral», Antunes Varela, I Vol., 4 ª ed., pgs. 566.