PLANO DE INSOLVÊNCIA
RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
NÃO HOMOLOGAÇÃO: - OFICIOSA; - A SOLICITAÇÃO DOS INTERESSADOS.
Sumário


I - Pese embora resulte do n.º 1 do art.º 1º do CIRE que, para o legislador, o “plano de insolvência, baseado (…) na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, deve ser o meio privilegiado de satisfação dos credores, estando o mesmo sujeito a aprovação pela maioria dos mesmos (art.º 212º), continua a depender deles, em primeira linha, a continuidade ou não, daquela.
II - O princípio da igualdade, a que o plano de recuperação está sujeito, nos termos do disposto no art.º 194º do CIRE, arranca do tratamento, por princípio, de todos os credores por igual, permitindo, porém, diferenciações justificadas por razões objetivas, nomeadamente em função da distinção entre créditos garantidos e créditos comuns, desde que observado o principio da proporcionalidade.
III – Assim, o facto de o plano tratar de forma idêntica alguns dos credores garantidos (com excepção do ISSS, da AT e dos trabalhadores) e os credores comuns, não viola o princípio da igualdade.
IV- Porque a finalidade primacial do plano de insolvência é a satisfação do interesse dos credores e porque é nas mãos dos mesmos que é colocado o destino do plano, o art.º 195º, n.º 2 do CIRE exige que lhes sejam facultados todos os elementos que lhes permitam formar, de forma esclarecida, a vontade a expressar no acto de votar.
V - Do art.º 215º do CIRE decorre que ao tribunal apenas é conferido o poder de apreciar da legalidade do plano, ou seja, cabe-lhe a função de sindicar o cumprimento das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo e não da sua viabilidade – estando em causa, nomeadamente, um plano de insolvência que tenha em vista a recuperação da empresa - ou mérito.
VI - O corpo do n.º 1 do art.º 216º do CIRE exige, por um lado, a alegação de circunstâncias concretas que fundamentem o pedido de não homologação, não bastando meras considerações gerais e, por outro, a demonstração em termos de plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria, dessas circunstâncias.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 08/04/2022 foi declarada insolvente C..., Ld.ª.

No final da sentença que declarou a insolvência consta:
“Fixo á causa o valor de € 5000,01.”

A 09/05/2022 a Insolvente juntou aos autos proposta de Plano de insolvência, cujo integral teor, dada a sua extensão (23 páginas, sem considerar os Anexos) se dá aqui por reproduzido.

A 13/05/2022 foi proferido despacho de admissão do plano de insolvência e ordenado o cumprimento no disposto no art.º 208º do CIRE.

A 19/05/2022 os credores reclamantes AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, KK, MM, NN e OO vieram manifestar o entendimento de que o Plano não deve ser aprovado e muito menos homologado, alegando que:
- o presente processo de insolvência foi precedido de três Processos Especiais de Revitalização, apresentados sucessivamente pela Insolvente e que demonstram a sua incapacidade de cumprir com as suas obrigações e prosseguir a sua actividade;
- o Plano é constituído por afirmações genéricas, abstractas e conclusivas, que não permitem aferir a alegada viabilidade e meio de recuperação proposto;
- o Plano apresenta um tratamento mais favorável, injustificado, dos credores Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social e Autoridade Tributária, prevendo-se em relação a estes a manutenção das execuções e garantias existentes, como pagamento da totalidade da dívida, acrescida de juros e coimas, em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano e em relação aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia, prevê-se o pagamento em prestações mensais, um ano e um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação e apenas se contabilizam juros a partir do  trânsito em julgado da sentença homologatória do Plano, o que não sucederia se o Plano não fosse aprovado.

A 20/05/2022 as credoras reclamantes PP e QQ vieram dizer que não deve ser aprovado e muito menos homologado o plano de insolvência invocando:
- a insolvente já passou por três PER’s, por si apresentados, dos quais nada de produtivo resultou para as credoras;
- o Plano está imbuído de considerações genéricas, abstractas e conclusivas, pelo que não se consegue aquilatar a real viabilidade e meio de recuperação pretendida;
- o  Plano apresenta um tratamento injustificado, mais favorável aos credores Instituto de gestão Financeira de Segurança Social e Autoridade Tributária, em que se prevê a manutenção das execuções e garantias existentes, como pagamento da totalidade da dívida, acrescida de juros e coimas, em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória, sendo que, em relação aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia, prevê o pagamento em prestações mensais, após um ano e um mês do trânsito em julgado da mesma sentença e contabilização dos juros da partir do mesmo momento;
- os credores laborais são prejudicados em relação àqueles credores, o que não sucederia se o Plano de insolvência não fosse aprovado.

A 20/05/2002 os credores reclamantes RR, SS, TT, UU, VV e WW vieram dizer que o Plano não deve ser aprovado nem homologado, alegando que:
- o processo de insolvência vem precedido de três Processos Especiais de Revitalização, num dos quais foi aprovado um Plano de Revitalização, sem que a insolvente conseguisse pagar fosse o que fosse aos credores;
- o Plano propõe o tratamento mais favorável de credores como o Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social ou a Autoridade Tributária, em detrimento dos créditos laborais dos requerentes, sem apresentação de uma garantia para o pagamento prestacional proposto;
- a insolvente pretende liquidar juros de mora sobre os créditos laborais a partir do trânsito em julgado da sentença que homologue o Plano, o que é injustificado.

A 20/05/2022 a credora reclamante X... SARL veio dizer que não deve proceder a “aprovação” do plano apresentado, alegando que:
- o plano apresentado é uma cópia do Plano apresentado no PER anterior e continua, tal como este, a conter conceitos genéricos que não se vislumbra como podem ser realizados na prática, porque tal não é explicado;
- anteriormente ao Plano apresentado a insolvente já apresentou plano pelo menos duas outras vezes, em Processos Especiais de Revitalização sucessivos, sendo que todos se baseavam nas mesmas premissas, formas e prazos de pagamento, nenhum deles com sucesso;
- a insolvente insiste em apresentar planos com os mesmos princípios, que não permitem a satisfação dos credores;
- é especialmente evidente o tratamento diferenciado e, por isso, substancialmente mais favorável dos credores Segurança Social e Autoridade Tributária, para os quais o prazo de pagamento do montante em dívida é mais curto (no caso da AT) e não se prevê nenhum perdão de juros, enquanto os restantes credores, nomeadamente os credores comuns, onde se insere a requerente, vêem-se relegados para um perdão de 50% do capital em dívida, redução e consolidação dos juros e pagamento e mais de 12 anos, não sem antes se verificar um período de carência de outros dois anos;
- esta diferenciação não pode aceitar-se, porquanto não corresponde a uma distribuição dos pagamentos de forma equitativa e proporcional.

A 23/05/2022 os credores reclamantes E..., Ld.ª e XX vieram dizer que não deve ser “aprovado” o Plano de insolvência, alegando que:
- o plano apresentado é a repetição das propostas dos três PER anteriormente apresentados e sem sucesso;
- a insolvente apresenta uma imagem genérica, sem qualquer base concreta ou factual, para alegar a viabilidade financeira da sociedade a qual, como já se constatou, inexiste;
- não se concebe nem concede que, à custa dos sucessivos planos, a Insolvente se mantenha no mercado, prejudicando os credores que não param de se avolumar, escapando de fazer qualquer pagamento ou cumprindo qualquer obrigação, o que demonstra claramente a incapacidade da mesma para cumprir qualquer compromisso;
- o tratamento dado aos credores Segurança Social e Autoridade Tributária, relativamente aos outros, é excessivamente favorável, enquanto os credores laborais e comuns se vêem na expectativa de ficarem a aguardar melhor sorte, prevendo-se planos de pagamento com períodos de carência longos, somando-se perdões de juros e mesmo de capital;

A 23/05/2022 a credora reclamante A..., Unipessoal, Lda. veio declarar “emitir o seu parecer desfavorável à aprovação” do Plano alegando:
- o presente processo de insolvência foi precedido de três Processo Especiais de Revitalização, num dos quais foi apresentado um Plano de Revitalização em tudo idêntico ao ora apresentado, que não foi cumprido pela insolvente;
- a insolvente insiste em apresentar Planos contendo conceitos genéricos e abstratos que não permitem aferir da sua viabilidade e não contemplam a satisfação dos seus credores;
- a proposta apresentada evidencia um tratamento mais favorável dos credores Autoridade Tributária e Segurança Social, em detrimento dos demais credores pois em relação àqueles prevê-se o pagamento da totalidade das dívidas num prazo mais curto e em relação aos últimos, onde se insere a requerente, está previsto um perdão de 50% do capital em dívida, redução e consolidação dos juros e pagamento em cerca de 12 anos, não sem antes decorrer um período de carência de 2 anos.

A 23/05/2023 a credora reclamante L..., SARL veio declarar votar contra o Plano de insolvência, alegando que o mesmo não permite a satisfação dos credores e revela um tratamento muito diferenciado de alguns credores, designadamente a Autoridade Tributária e a Segurança Social, em relação aos restantes.

A 23/05/2022 a credora reclamante YY veio pronunciar-se pela não homologação do Plano, invocando:
- antes deste processo, a insolvente já passou por três Processos Especiais de Revitalização, que demonstram a incapacidade de prosseguir a sua actividade, bem como o incumprimento das suas obrigações;
- o Plano “está cheio” de considerações genéricas, abstratas e conclusivas, de modo a não se retirar a real viabilidade e meio de recuperação pretendida;
- a proposta apresenta um tratamento, de forma injustificada, mais favorável aos credores Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e Autoridade Tributária, em que prevê a manutenção das execuções e garantias existentes, como o pagamento da totalidade da dívida, acrescida de juros e coimas, em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória;
- aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia, prevê o pagamento em prestações mensais, após um ano e um mês do trânsito em julgado da sentença de homologação e só se contabilizam juros a partir do mesmo momento, pelo que ficam prejudicados em relação àqueles dois credores, o que não sucederia se o Plano não fosse aprovado.

A 23/05/2022 os credores reclamantes ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, LL e III vieram dizer que:
- o plano não deve ser “aprovado”;
- são já vários os Processos Especiais de Revitalização apresentados pela insolvente e nenhum vingou, o que demonstra a falta de capacidade para prosseguir a sua actividade comercial;
- o plano apresenta um tratamento mais favorável dos credores Autoridade Tributária e Segurança Social, relativamente aos créditos laborais, prevendo o pagamento à AT e Segurança Social dos montantes exequendos, acrescidos de juros e coimas em prestações mensais, iguais e sucessivas, com início no mês seguinte ao trânsito da sentença enquanto os créditos laborais não são garantidos e é previsto o seu pagamento um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória, sendo os juros calculados após o trânsito.

A 26/05/2022 o credor reclamante Banco 1..., SA pronunciou-se desfavoravelmente quanto à proposta de Plano alegando:
- a empresa apresenta, ao longo dos últimos anos, uma “brutal” redução do volume de negócios, passando a registar resultados operacionais fortemente negativos, o que levou à sua incapacidade para cumprir os compromissos assumidos;
- a insolvente está em incumprimento no contrato de leasing imobiliário relativo às instalações onde labora, desde 2018;
- o Banco 1... nada recebe, mas tem suportado os IMI’s, pelo que a dívida tem aumentado significativamente;
- a insolvente tem recorrido a sucessivos PER’s, por não conseguir aprovar e homologar plano que consiga honrar;
- a presente proposta de Plano, não apresenta nenhum elemento novo, face aos PER’s antecedentes, que possa renovar a esperança ou crença no sucesso ou viabilidade desta empresa, sendo uma repetição das propostas dos três antecedentes PER, todos sem sucesso;
- é manifesta a falta de viabilidade desta empresa, que por força dos três PER’s se tem mantido no mercado, escapando a fazer qualquer pagamento ou cumprido qualquer obrigação, aumentando as respectivas dívidas, com prejuízo para todos os credores.

A 26/05/2022 a credora reclamante Banco 2..., SA declarou que o plano é inaceitável, pelo que nunca o votaria favoravelmente.

A 26/05/2022 a credora reclamante JJJ declarou:
- o Plano não deve ser “aprovado”;
- foram vários os Processo Especiais de Revitalização apresentados pela insolvente, que nunca cumpriu, o que demonstra a sua falta de capacidade para prosseguir a sua actividade;
- o plano apresenta um tratamento favorável injustificado dos credores Autoridade Tributária e Instituto de gestão Financeira da Segurança Social, em detrimento dos créditos laborais, prevendo o pagamento à AT e Segurança Social dos montantes exequendos, acrescidos de juros e coimas, em prestações mensais, iguais e sucessivas, com início no mês seguinte ao trânsito da sentença e apenas é previsto o pagamento dos créditos laborais em prestações mensais com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória, sendo os juros calculados após o trânsito.

A 30/05/2022 o Banco 3..., SA – Sociedade Aberta declarou que considerando todo o passado da insolvente, com processos de recuperação, todos eles inconsequentes, o processo deve seguir para liquidação do ativo.

A 30/05/2022 a credora reclamante Banco 4..., veio dizer que não deverá ser aprovado nem homologado o Plano apresentado, alegando:
- o Plano apresentado pela insolvente já foi sindicado nos PER’S que apresentou anteriormente, os quais demonstraram a sua incapacidade de prosseguir com a sua atividade, bem como o cumprimento das suas obrigações;
- a manutenção da atividade da insolvente, sem que se proceda à liquidação imediata do activo, será à custa do sacrifício dos credores, avolumando as suas dívidas sem que a mesma capacidade para fazer face à sua despesa corrente;
- cotejando os elementos contabilísticos da Insolvente, é possível verificar que:
a. Resulta do balanço - que o passivo da Insolvente a fornecedores no ano de 2020 aumentou para 6.223.173€, ou seja, aumentou cerca de 50% comparativamente ao ano de 2019.
b. a dívida ao Estado e outros entres públicos aumentou cerca de 15% comparativamente ao ano de 2019.
c. por conseguinte, os resultados transitados negativos aumentaram cerca de 40% relativamente ao ano de 2019.
d. A insolvente apresenta como valor de vendas e serviços prestados no ano de 2020 € 370.804,00
-  a insolvente não tem condições para se manter em atividade, nem a proposta apresentada apresenta soluções credíveis;
- o perdão de 50% do capital em dívida, com redução e consolidação dos juros – para os credores comuns - com o pagamento a 12 anos, acrescido de 2 anos de carência, não é de todo razoável, nem proporcional;
 - da proposta resulta um evidente tratamento desigual entre categorias de credores, sendo a mesma inaceitável e injustificada, nomeadamente, entre credores públicos, trabalhadores e credores comuns.

A 30/05/2022 a credora reclamante H... – Recrutamento Selecção  Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Ld.ª pronunciou-se contra a aprovação do plano invocando que o mesmo é inviável, constituindo mais um, numa longa série de planos mal sucedidos, e é ilícito, por tratar de modo diferenciado os credores, discriminando, em particular, os credores comuns, remetendo a satisfação dos seus créditos – reduzidos a metade – para daqui a catorze anos, prazo durante o qual continuariam a financiar a actividade da insolvente.

A 30/05/2022 a credora reclamante Banco 5..., SA veio declarar votar desfavoravelmente o plano de insolvência e requerer a sua não homologação, invocando as condições desvantajosas de reembolso, a inexistência de distinção entre si como credor garantido – dado ser dotado de penhor mercantil – e o perdão de 50% dos créditos vencidos quanto aos contratos de locação financeira mobiliária, tanto mais que dois desses contratos haviam chegado ao fim, nada sendo referido no plano quanto ao destino dos equipamentos.

A 30/05/2022 o credor reclamante KKK veio declarar que não deve ser aprovado o Plano invocando que:
- previamente a este processo foram 3 os processos especiais de revitalização apresentados pela insolvente, o que demonstra a sua falta de capacidade para cumprir o que se propôs em cada um deles;
- o plano apresenta tratamento diferenciado e mais favorável aos credores Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e Autoridade Tributária, prevendo o pagamento a tais credores, da totalidade da dívida, acrescida de juros e coimas, mantendo as execuções e garantias existentes, com o pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano;
- quanto aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia, propõe-se iniciar o pagamento em prestações mensais, após um ano e um mês sobre o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, contabilizando-se os juros só desde a referida data.

A 30/05/2022 a credora reclamante Q..., Ld.ª requereu a não “aprovação” do plano alegando:
- a Insolvente permaneceu no mercado à custa dos sucessivos PER, prejudicando os credores, através do escape de qualquer pagamento ou cumprimento de qualquer obrigação;
- por falta de capacidade, considera-se inconcebível a Insolvente prosseguir a sua actividade comercial;
- a Insolvente propõe o Plano de Insolvência com uma imagem genérica e abstrata, sem qualquer base concreta ou factual para alegar a viabilidade financeira da sociedade;
- o Plano demonstra uma disparidade de tratamento entre os credores, sendo favoravelmente beneficiados os credores Segurança Social e Autoridade Tributária em detrimento dos credores laborais e comuns.

A 31/05/2022 o credor reclamante E... ... requereu a não “aprovação” do Plano invocando:
- atendendo ao histórico de incumprimento dos sucessivos planos PER, a Credora não pode deixar de se manifestar desfavoravelmente ao plano apresentado, atendendo à total falta de capacidade de cumprimento das suas obrigações;
- a proposta de pagamento de 50% do crédito reconhecido e dos juros vencidos calculados sobre o valor apurado à taxa anual de 1%, contabilizados desde a data de declaração de insolvência até ao trânsito em julgado da data da sentença homologatória de aprovação do plano de recuperação, não se mostra satisfatória, atendendo a que são beneficiados os credores Segurança Social e Autoridade Tributária em detrimento dos credores laborais e comuns.

Finalmente a 31/05/2022 o credor reclamante LLL veio declarar que não deve ser aprovado o plano de insolvência alegando:
- previamente a este processo de insolvência, foram já 3 os processos especiais de revitalização apresentados pela insolvente;
- tal facto demonstra a sua falta de capacidade para cumprir o que se propôs em cada um daqueles planos,
- o Plano apresenta tratamento diferenciado e mais favorável aos credores Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social e Autoridade Tributária, prevendo o pagamento de tais credores, na totalidade da dívida, acrescida de juros e coimas, mantendo as execuções e garantias existentes, com pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano;
- quanto aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia propõe-se iniciar o pagamento em prestações mensais e após um ano e um mês sobre o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano, contabilizando-se os juros só desde a data do trânsito em julgado de tal decisão.

 A Sra. Administradora da Insolvência apresentou Relatório nos termos do disposto no art.º 155º do CIRE em que, além do mais, afirma:
“Apesar de a empresa estar numa situação de grandes dificuldades financeiras, conforme acima explicado, a mesma entende que tem possibilidade de apresentação de um Plano de Insolvência, com reestruturação da empresa e plano de pagamento aos credores, e que tal situação será mais vantajosa, uma vez que, além de poder pagar aos credores, mantém postos de trabalho.”

Por despacho de 27/06/2022 foi designada data para a assembleia de credores.

A 25/07/2022 realizou-se a assembleia de credores constando da Acta o seguinte:
“De seguida, pedida a palavra pelo ilustre mandatário da insolvente, e sendo-lhe concedida, pelo mesmo foi dito que, foi alertado pelo credor IEFP-Instituto de Emprego e Formação Profissional de que existe um lapso de escrita ao ser colocado no Plano apresentado na relação de credores comuns. Obviamente, esse credor, como consta da lista de credores reconhecidos, é um credor privilegiado e deve ter um tratamento igual ao que no Plano foi proposto para o Instituto da Segurança Social e Autoridade Tributária, tal como todos os créditos laborais. Parecendo acertado que o proposto pagamento ao credor I.E.F.P. seja em tudo semelhante aquele que foi proposto para os credores laborais, o que requere.

*
Dada a palavra ao credor I.E.F.P., pelo mesmo foi dito nada ter a opor, bem como posto à consideração da assembleia da presente alteração/retificação, por todos foi dito nada ter a opor.”

A 26/07/2022 o Banco 3..., SA veio requerer fosse recusada a homologação do Plano de insolvência, alegando que o mesmo é mais uma manobra dilatória pois a insolvente já havia apresentado “inúmeros” processos de revitalização, todos eles inconsequentes, em virtude dos diversos e sucessivos incumprimentos, o incumprimento dos créditos da requerente já se arrasta há vários anos, no plano apresentado o crédito da requerente levaria um “corte” de 50% e começaria a ser liquidado após dois anos do trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano, parte do crédito da requerente é garantido, no Plano não existe qualquer distinção quanto aos créditos garantidos, ao tratar-se da mesma forma créditos comuns e créditos garantidos, existe um tratamento desproporcionado do aqui credor, ofendendo o princípio da igualdade, o Plano afeta de forma séria e sem qualquer justificação o direito da requerente, colocando-a numa situação menos favorável do que a que “interviria” na ausência de qualquer plano.
 
A 29/07/2022 o Banco 6... S.A. veio dizer que o Plano não pode ser homologado.
No entanto a decisão recorrida não considerou o referido requerimento dizendo:
“No entanto não esteve presente [na] assembleia, pelo que o seu pedido não será considerado.”

A 02/08/2022 o Banco 5... S.A. veio requerer a não homologação do plano, invocando que o plano é uma manobra dilatória, tendo em vista protelar o mais possível o cumprimento das obrigações; foram apresentados dois planos de revitalização, em dois processos distintos, que não mereceram o apoio dos credores; entre a apresentação do primeiro plano e o plano de insolvência, manteve-se permanentemente em incumprimento, acumulando dívida; a insolvente propõe um corte de 50% nos créditos da requerente e que a liquidação dos mesmos se inicie apenas dois anos após o trânsito em julgado da sentença de homologação; parte do crédito da requerente é garantido, não se vislumbrando no plano qualquer distinção quanto aos créditos garantidos, numa clara violação do princípio da igualdade de tratamento dos credores que prevê o tratamento diferenciado em função das classes de credores; o plano é equívoco e pouco esclarecedor o que lhe retira credibilidade: no caso dos contratos de locação financeira mobiliária que chegaram ao seu termo, o plano não prevê a restituição dos equipamentos ao locador financeiro, nem o modo como vai [a insolvente] exercer a sua actividade sem tais equipamentos; no caso dos contratos de locação financeira mobiliária que se encontram em vigor, o plano não especifica se o capital vencido irá ser incorporado nas prestações vincendas, mantendo-se o prazo contratual neles previsto; o plano aumenta o receio de que a devedora acumule ainda mais o seu passivo e, consequentemente, torne, de todo, impossível o cumprimento futuro das suas obrigações e comprometa a capacidade de solver as suas dívidas, aumentando as perdas dos credores; a situação da requerente ao abrigo do Plano apresentado é, manifestamente, menos favorável do que a que resultaria da ausência de qualquer plano, que, pelo menos, teria a virtualidade de permitir a liquidação imediata e evitar a acumulação do passivo da devedora.

Foi ordenado que a Sra. AI juntasse aos autos o resultado da votação, o que a mesma fez a 19/08/2022, concluindo que “o Plano de Insolvência foi aprovado com 58,374% de votos favoráveis e 41,626% de votos contra.”

A 04/11/2022 foi dada a legal publicidade, mediante anúncio e edital, à deliberação.

A 02/01/2023 foi proferida a seguinte:
“Decisão:
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido recusar a homologação do Plano de Insolvência.”

A Insolvente interpôs recurso pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que decrete a homologação do Plano de insolvência ou, se assim não se entender e ainda na revogação da sentença, se declare que o Plano é ineficaz relativamente aos credores garantidos, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- No Processo Especial de Revitalização de onde decorre o presente processo de insolvência, foi dado o valor ao processo de €.30.000,01, correspondente à alçada do Tribunal da Relação o qual não foi impugnado por qualquer uma das partes.
2- Mesmo que se considere que o valor da causa poderia ser fixado noutro montante pelo Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, nunca poderia ter sido num valor “aleatório”, sem explicitação e fundamentação para o critério que presidiu a tal fixação.
3- O Tribunal “a quo” não só não lançou mão do disposto no art. 15º do CIRE, tal como também não indicou qualquer fundamentação constante da lei processual ou material para alterar o valor que havia sido dado no requerimento inicial do PER de onde estes autos são provenientes.
4- Nos autos, se mais não fosse, encontravam-se reunidas as condições para fixar um valor à causa, correspondente ao valor do activo da devedora– ou valor aproximado – o qual ascenderá no mínimo a €.953.829,10.
5- Salvo o devido e merecido respeito que, no caso, é muito, não está na disponibilidade do Juiz proceder à fixação do valor da causa fora dos casos expressamente previsto pela norma do art. 15º do CIRE.
6- Existindo já elementos no processo que evidenciam que o activo da sociedade devedora soma, pelo menos, a quantia de €.953.829,10, não pode o tribunal “a quo”, sem explicitar os fundamentos pelos quais o faz, atribuir ao processo o valor de €. 5.000,01.
7- Não existe – nem existia – matéria de facto apurada que aponte no sentido que o valor do património da devedora seja de apenas €. 5.000,01.
8- Pelo que, nenhuma razão existe, para ficcionar, como se faz na decisão do Tribunal “a quo”, que o valor da causa é de apenas €.5.000,01, sob pena se violar direitos constitucionalmente consagrados, máxime, o acesso à justiça prevenido no artigo 20º da C. R Portuguesa e os arts. 205º nº 1 da Constituição da República, tal como sob pena de violação do conjugadamente disposto no art. 154º e 306º e 308º do CPC aplicáveis “ex vi” do art. 17º do CIRE.
9- Assim, deve o valor fixado pelo Tribunal “a quo” ser alterado, em conformidade com o valor indicado no requerimento inicial do PER (€.30.000,01) ou de acordo com o valor do activo da devedora, já devidamente identificados nos autos – aplicação conjugada do art. 15º do CIRE com as supra citadas normas legais.

ISTO POSTO,
10 - O Plano de Recuperação ou Plano de insolvência da empresa devedora acertado e apresentado a votação foi validado e, por isso, mereceu voto favorável de credores cujos votos expressos atingiram as maiorias necessárias para a sua aprovação pela maioria dos credores presentes.
11- O plano votado e seus anexos, como resulta do documento apresentado nos autos para ser analisado, escrutinado e votado – vide gratiae fls._ - indica claramente o meio de recuperação proposto bem como as alterações decorrentes para as posições dos credores da insolvência, como se verifica pela leitura do documento, conjugada com a análise técnicas dos Anexos A e C.
12- A sua finalidade e, bem assim, a descrição das medidas necessárias à sua execução, nomeadamente, a aposta numa política comercial nos produtos de maior margem e diferenciadores.
13- Assim, quanto à finalidade do plano de insolvência, este prevê a manutenção da actividade da devedora, na titularidade do devedor, prevendo-se efectuar o pagamento aos credores através do rendimento gerado pela actividade, plasmado na conta de exploração previsional, Anexo A.
14- O plano, através das medidas nele propostas assegura que será redimensionada a estrutura de custos, adaptando-a ao volume de negócios da
nova realidade empresarial, de acordo com o mesmo Anexo A.
15- O Anexo A junto com o plano, apresenta toda a informação necessária para aferir o que a devedora se propõe a fazer.
16- O plano de insolvência contém, assim, salvo o devido  respeito, todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores, como efectivamente aconteceu, o que deveria ter permitido a sua homologação pelo
Meritíssimo Juiz, nomeadamente, está presente no Plano:
• A descrição da situação patrimonial, financeira e creditícia do devedor;
• A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores que serão obtidos através da liquidação da massa insolvente, da recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;
• No caso de manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores está claramente demonstrado que o fará à custa dos respetivos rendimentos;
• Os réditos resultam na actividade da Insolvente e do que a mesma vai gerar.
17- Ou seja, os meio necessários para pagar aos credores advêm da actividade da devedora, em laboração.
Acresce dizer,
18- Da leitura do anexo, está evidenciado que durante a maturidade do plano o EBITDA gerado em cada ano, é suficiente para honrar os pagamentos aos credores de capital e juros.
19- Estando, também, técnica e validamente suportada de forma clara a situação económica, financeira e reditícia, previsional da devedora.
20- É por este motivo que tais documentos previsionais, que integram os anexos, são requisitos obrigatórios e, até, imperativos do conteúdo do plano, como estipulado o art.195º do CIRE, por forma a que seja evidenciado o que foi vertido no texto do plano.
21- No plano de recuperação, está referido e está demonstrado que, na ausência do apoio dos credores, tornar-se como certo o cenário de liquidação abrupta dos activos da Insolvente e este cenário caracterizar-se-á por venda dos activos, não deixando de acarretar perdas substanciais na venda daqueles bens – em regra, e infelizmente, vendas feitas em “leilões” em que quem aparece apenas compra se for barato… –.
22- Estima-se no cenário de não aprovação, que os credores comuns – nomeadamente fornecedores, bancos e restantes credores –, bem como os próprios credores garantidos e privilegiados, receberão uma percentagem REDUZIDA DOS SEUS CRÉDITOS.
23- Por tudo isto, e como supra se deixou expresso e até demonstrado, não é verdade que o Plano seja omisso na descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da devedora, bastando ver os documentos anexos ao Plano de Insolvência que se encontram juntos aos autos.
Por outro lado,
24- Ninguém articulou e invocou factos concretos e demonstráveis através de métrica que possam ser entendidos como bastantes e suficientes para a demonstração da ilegalidade das medidas constantes do Plano de recuperação.
25- E tudo isto quando também não está invocado e sobretudo não está provado e demonstrado – art. 342º do CC – que as respectivas situações creditícias lhes seriam mais favoráveis – receberiam mais – em caso de insolvência e liquidação do activo da sociedade devedora, em comparação com essa mesma situação creditícia no caso da aprovação e homologação do Plano de insolvência – art. 216º nº 1 al. a) do CIRE-.
26- Tudo para dizer que o Plano de recuperação na versão apresentada nos autos e particularmente nos anexos A, B e C, respeita os normativos legais ao caso directamente atinentes e respeita a lei e os legítimos e sérios interesses, seja da recuperação e sustentabilidade económica e financeira da sociedade Devedora, seja dos melhores e sérios interesses do colectivo composto pela totalidade dos credores, mesmo dos credores garantidos – sendo certo que no que diz respeito aos credores titulares do C... o que está previsto é o cumprimento integral do contrato - .
27- Também demonstrando o Plano que, em caso de ausência de aprovação e homologação do mesmo, os credores ficarão em situação muito pior no que à cobrança dos créditos diz respeito comparativamente à situação em que se encontrarão após a homologação judicial do Plano aprovado pela maioria dos credores.

Aliás,
28- Não está e também não foi requerida nenhuma avaliação actual, para além daquela que resulta das avaliações feitas pelas Finanças para efeitos de IMI, quanto aos imóveis, e da avaliação feitas pelas Finanças relativamente às maquinas, que permita a afirmação que a venda dos bens imóveis e, ou, dos móveis que estão dados de garantia permitam na venda que será feita nas especiais e apressadas na liquidação do activo seja capaz de produzir receita adequada para pagar os créditos que esses credores reclamam.
29- Não existe nenhum fundamento real e factualmente apurado que permita ao tribunal “a quo” chegar a tal prognose.
30- Ao invés, as regras da experiencia comum e o que os tribunais de comércio sabem é que o que acontece é exactamente o contrário. O património das sociedades insolventes, nas mais das vezes, ou é delapidado em “negócios” dos habituais predadores que se perfilam para os “leilões”… ou acaba,  “apodrecendo”, anos a fio, nas mãos dos administradores de insolvência que não conseguem encontrar interessados que paguem o valor desse mesmo património.
31- Nenhum dos aludidos credores garantidos fez prova em termos plausíveis, que o plano de insolvência os coloca numa situação menos favorável do que aquela que decorreria da ausência de qualquer plano.
Por outro lado ainda,
32- Retornando ao Plano, porque nele se mostram consagradas a solução encontrada para a reestruturação e desenvolvimento sustentável da empresa, é fácil perceber que nos anexos A e C se demonstra que a situação rediticia dos negócios da devedora obrigam a que os credores garantidos suportem sacrifício igual ao dos credores comuns no que tange à cobrança dos créditos.
33- Aí, no Plano, está explicado que as anteriores tentativas da empresa de pagar 100% a todos os credores ou até de pagar apenas 100% aos credores garantidos, se revela impossível de concretizar.
34- Em tal situação a empresa não é sustentável e nã consegue retomar em plenitude e segurança os seus negócios e garantir que no futuro todos beneficiarão com a sua integração no tecido económico.
35- Esta assim, e com o apoio da maioria dos credores, estipular, como está, que é crucial a redução do passivo para 50% da divida.
36- Mas, não está previsto no Plano, não foi proposto e também não foi aprovado, que qualquer dos credores garantidos deixasse de beneficiar da garantia hipotecária e, ou, da garantia de penhor mercantil que se encontra constituída.
37- É necessário ainda atender que o art. 197º do CIRE prevê e possibilita a afectação ou restrição dos direitos decorrentes de garantias reais existentes, pelo que sempre seria desnecessário o consentimento dos credores garantidos para que o Plano fosse aprovado.
38- Por isso é entendimento da devedora que também por aqui se deve dar prevalência ao interesse da larga maioria dos credores, ao interesse da viabilização e sustentabilidade da empresa, ao interesse da salvaguarda dos postos de trabalho, ao interesse de manter a empresa na estrutura produtiva e no tecido empresarial em que está integrada, mesmo que em detrimento do interesse de alguns, poucos, credores garantidos.
39- E isto, particularmente, quando não está demonstrado que a liquidação do activo e a liquidação dos bens objecto da garantia possibilite a esses mesmos credores, nas actuais situações de mercado e condições em que os imóveis e nas máquinas se encontram, consigam receber mais do que os 50% que lhes são oferecidos.
40- Deve ainda ser tido em conta que o exercício dos credores laborais do seu privilegio imobiliário geral e mobiliário geral irá atingir esses mesmos bens que garantem alguns dos, poucos, credores.
41- Por isso, e não havendo qualquer violação de norma imperativa do CIRE no Plano, não se justifica e não tem bom fundamento em face do princípio da legalidade e da igualdade recusar a homologação do Plano com esse motivo.
42- E se assim não fosse, atendendo aos interesses subjacentes, jurídicos e sociais, imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sempre deveria ser protegido e salvaguardado a aprovação do plano que foi votado pela maioria dos credores da empresa e procurar uma solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios e a qual será a de decretar a ineficácia dessa concreta clausula relativamente ao pagamento dos créditos dos credores garantidos no que aos mesmos diz respeito.
Pelo que,
43- Salvo o devido e merecido respeito, a douta sentença recorrida, violou e ou interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto nos arts. 20º e 205º nº 1 da Constituição, art. 15º do CIRE e aplicação conjugada dos arts. 154º, 306º e 308º do CPC e ainda e por outro lado a aplicação conjugada do disposto nos arts. 215º “a contrario” e art. 195º do CPC, tal como o art. 216º nº 1 al. a) do CIRE .

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

A 20/03/2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Fixo á causa o valor do activo identificado, ou seja, € 953.829,10.”

E foi admitido o recurso a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

2. Questões

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

A primeira questão suscitada no recurso é relativa ao valor da causa, pretendendo a recorrente fosse fixado o valor de € 30.000,01 ou de acordo com o valor do activo.

A apreciação da referida questão ficou prejudicada porquanto se é certo que na sentença que declarou a insolvência da recorrente, o tribunal fixou à causa o valor de € 5000,01, a 20/03/2023, foi proferido o seguinte despacho: “Fixo á causa o valor do activo identificado, ou seja, € 953.829,10.”, despacho este que, ainda que sem o citar, se fundou no art.º 15º do CIRE e, no que releva, foi de encontro à pretensão da recorrente.

Destarte a questão que cumpre apreciar é a de saber se as causas de não homologação oficiosa e a requerimento dos credores em que a decisão recorrida se fundou, para recusar a homologação do plano de insolvência, não se verificam.

3. Fundamentação de facto
3.1. Incidências processuais

 Consideram-se provadas as incidências processuais supra descritas, nomeadamente que a 09/05/2022 a insolvente juntou aos autos proposta de Plano de insolvência, cujo integral teor, dada a sua extensão (23 páginas, sem considerar os Anexos) se dá aqui por reproduzido.

3.2. Créditos reconhecidos e não impugnados
3.2.1. Extrai-se do apenso de reclamações de créditos que a 20/06/2022 Sra. AI apresentou Relação de Créditos Reconhecidos nos termos do art.º 129º, n.º 2 do CIRE donde resulta que aos seguintes credores foi reconhecido um crédito garantido nos seguintes termos:
- Banco 4... - Penhor mercantil constituído em 28/04/2015 sobre a máquina Bobinadeira Schalafhorst TIPO K40 Fusos, Série n.º ...32
- Banco 4... - Hipoteca voluntária sobre o imóvel da fração autónoma "AE", correspondente a um estabelecimento comercial, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...68, e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...21..., para garantia do empréstimo - capital 81.000,00€, juro anual de 10%, acrescido de 3% em caso de mora, despesas 3.240,00€ e o montante máximo garantido de 115.830,00€. Ap – 1572 de 2017/05/29
- Banco 5..., S.A. - Penhor mercantil: Máquina produção peúgas, marca ..., modelo ... – Full electrónica, diasetro:4""x120 agulhas, matrícula n.º...-257; Máquina produção peúgas, marca ..., modelo ... – Full electrónica, diasetro:4""x120 agulhas, matrícula n.º...61
- Banco 1... S.A. – Hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...05. Capital 217.500,00€ (Banco 1... 75.000,00€); juro anual 7,25% acrescido de 3% em caso de mora; despesas totais 8.700,00€ (Banco 1... 3.000,00€); montante máximo assegurado de 293.081,25€ (Banco 1... 101.062,50€) - Ap) 1478 de 2015/01/07
- Banco 3..., S.A. - - Banco 3... - Parte deste crédito, no valor de 30.559,30 €, encontra-se garantido por Hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...05. Capital 217.500,00€ (Banco 3... 67.500.00€); juro anual 7,25% acrescido de 3% em caso de mora; despesas totais 8.700,00€ (Banco 3... 2.700,00€); montante máximo assegurado de 293.081,25€ (Banco 3... 90.956,25) - AP...78 de 2015/01/07
- B... ... -  Crédito garantido por penhor : 1 ) saldo da conta de depósito a prazo n.º ...-43 - 3.300,00€; 2) saldo bancário da conta de depósito a prazo n.º...35-2.435,00€; 3) saldo bancário da conta de depósito a prazo n.º ...-33 - 561,17€
- E..., S.A. - Penhor mercantil constituído em 09/11/2016 sob uma máquina ".../... ... – montante máximo € 300 000, 00
- Fazenda Nacional:
i) IMI - Privilégio imobiliário especial, nos termos dos artigos 122º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, 744º, n.º 1 do Código Civil, art. 8º do Dl. n.º 73/99 de 16 de Março e art. 97, n.º 1 al. a) e b) do CIRE; sobre os imóveis urbanos art.... AE ; ... AF; e 1538. da freguesia ...
ii) IRC, IRS e IVA - Privilégio mobiliário geral (artº 734º e 736º n.º 1 do CC e art 47º e 97º do CIRE)
iii) IUC e juros - Privilégio mobiliário especial sobre o veículo automóvel matrícula ..-..-RN, nos termos do art. 22º, n.º 3º do Cod. Impo. Único de Circulação
- IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação – privilegiado - Decreto-Lei 159/2014, de 27 de Outubro, art.ª26, n.º16
- Instituto da Segurança Social, I.P. - 3 Hipotecas sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ....º AP- 2459 de 2015/11/16, Capital: 266 216,55€, com o montante máximo assegurado de 266 216,55€; empréstimo para garantia do pagamento da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo para pagamento da dívida, referente ao processo n.º ...97 e apensos. 2.º AP – 2193 de 2017/04/12, Capital: 638 957,58€, com montante máximo assegurado de 638 957,58€, empréstimo para garantia do pagamento da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo para pagamento da dívida, referente ao processo n.º ...40 e apensos. 3.º AP – 2457 Capital: 323 513,00€, com montante máximo assegurado de 323 513,00€, empréstimo para garantia do pagamento da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo para pagamento da dívida, referente ao processo n.º ...80
- N..., S.A. - Penhor sobre 6500 ações da N... - S.... de G..., S.A. no valor nominal de 1 € cada
- Banco 6..., S.A. - Hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38 e descrito na Conservatória de Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...05. Capital 217.500,00€ (Banco 6... 75.000.00€); juro anual 7,25% acrescido de 3% em caso de mora; despesas totais 8.700,00€ (Banco 6...- 3.000,00€); montante máximo assegurado de 293.081,25€ (Banco 6... 101.062,50 €) - AP...78 de 2015/01/07
- S..., Lda. - Garantido por penhor mercantil com data de 21 de Julho de 2017, e reserva de propriedade, sobre os seguintes bens móveis: a) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...05-240; b) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...41; c) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...42; d) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...43; e) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...44; f) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ... – ...; ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...45; g) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...46; h) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...47; i) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...48; j) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...49; k) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...50; l) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...51; m) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...52; n) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...53; o) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o  n.º de série -...54; p) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...55; q) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...56; r) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...57; s) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...05-258; t) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...59; u) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...60; v) 1 (uma) máquina de produção de peúgas, marca ..., modelo ... - Full Electrónica, com o n.º de série -...61;
- S..., S.A - Penhor mercantil e fiança constituído em 11/08/2017 – 12 máquinas de produção de peúgas, da marca ..., modelo ... – ..., Diametro 4" x 120 agulhas, controle
electrónico dos fios ..., Matrícula n.º... -240/241/242/243/244/2 45/246/247/248/249/250. Inovação Sistema Inovativo MMM com motor ... paa corte dos fios no desenho. ... - Hollow Shaft
- NNN
- OOO
- PPP
- QQQ
- RRR
- SSS
- AAA
- AA
- TTT
- BB
- UUU
- CC
- DD
- VVV
- WWW
- XXX
- YYY
- ...
- PP
- ZZZ
- AAAA
- EE
- BBBB
- CCCC
- DDDD
- ...
- EEEE
- ...
- ...
- FFFF
- GGGG
- FF
- HHHH
- BBB
- IIII
- JJJJ
- KKKK
- III
- LLLL
- MMMM
- HH
- NNNN
- OOOO
- RR
- PPPP
- QQQQ
- RRRR
- FFF
- SSSS
- TTTT
- UUUU
- II
- VVVV
- WWWW
- KKK
- JJ
- XXXX
- YYYY
- ZZZZ
- AAAAA
- BBBBB
- CCC
- LL
- CCC
- CCCCC
- KK
- LL
- DDDDD
- EEEEE
- GGG
- FFFFF
- GGGGG
- KK
- HHHHH
- JJJ
- ZZ
- CCC
- GGGGG
- IIIII
- JJJJJ
- KKKKK
- LLLLL
- MMMMM
- SS
- TT
- NNNNN
- OOOOO
- Olha ...
- ...
- PPPPP
- QQQQQ
- RRRRR
- XX
- MM
- SSSSS
- NN
- QQ
- TTTTT
- UUUUU
- EEE
- LLL
- HHH
- YY
- OO
- DDD
- UU
- VV
- WW – privilégio mobiliário geral e imobiliário especial nos termos do art.º 333º do C Trabalho.

3.2.2. – Nenhum dos referidos créditos foi objecto de impugnação.

3.3. Factualidade considerada na decisão recorrida
Muito embora a decisão recorrida não contenha uma parte dedicada aos factos, considerou, do ponto de vista fáctico, o seguinte:
“Prevê o plano de insolvência os seguintes pagamentos:
Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
A totalidade dos créditos do Instituto da Segurança Social, IP, reconhecidos na Lista de Créditos será regularizada através de plano prestacional em 150 prestações, a implementar no âmbito da execução fiscal, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao do transito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano de recuperação.
Pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
Manutenção da suspensão das ações executivas após aprovação e homologação do plano de revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos, extinguindo-se apenas com a regularização integral da dívida em execução nos respetivos processos.
Manutenção das garantias existentes e dispensa de prestação de garantias adicionais nos termos do n.º 13 do art.º 199 do CPPT.
Autoridade Tributária
Pagamento integral do valor reclamado, juros, coimas e demais encargos, sem qualquer perdão, no prazo máximo legalmente aceite, em prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao transito em julgado da sentença homologatória de aprovação do plano de recuperação.
Aplicação da taxa legalmente aceite para cálculo dos juros vincendos.
As garantias serão analisadas no âmbito da execução fiscal.
Privilegiados Laborais
Pagamento de 100% dos créditos reconhecidos em 60 prestações mensais, constantes, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 25 do 13.º mês após o transito em julgado da sentença de homologação do plano.
Sobre a dívida total, vencer-se-ão juros contabilizados desde o transito em julgado da sentença homologatória do plano, calculados à taxa anual Euribor a 12 meses (capeada a zero) acrescida do spread de 1 p.p., que serão liquidados mensalmente, com o 1.º pagamento a ocorrer ao dia 25 do mês seguinte após a data da sentença de homologação do plano.
Créditos Comuns:
- IAPMEI / AICEP / IEFP / ACT
- Contratos de Locação Financeira mobiliária/equipamentos (valores vencidos
- Financiamento Bancário o Fornecedores e Prestadores de Serviços
Na data da sentença homologatória de aprovação do plano de recuperação serão consolidados os seguintes valores:
i. 50% do crédito reconhecido,
ii. Juros vencidos calculados sobre o valor apurado em i. à taxa anual de 1 p.p., contabilizados desde a data de declaração de insolvência até ao transito em julgado data da sentença homologatória de aprovação do plano de recuperação.
Pagamento de 100% da dívida total consolidada (calculada de acordo das alíneas i. e ii.), em 150 prestações mensais, constantes, postecipadas e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 25 do 25.º mês após o transito em julgado a data da sentença de homologação do plano.
Sobre a dívida total consolidada, vencer-se-ão juros contabilizados a partir da data da sentença homologatória do plano, calculados à taxa anual de 1 p.p., que serão liquidados mensalmente, com o 1.º pagamento a ocorrer ao dia 25 do mês seguinte após a data da sentença de homologação do plano.
Contratos de Locação Financeira
Manutenção dos contratos existentes, nos exatos termos atuais, isto é, sem qualquer alteração das condições contratuais.
Créditos sob-condição
Verificada a condição a que estejam sujeitos, os créditos reconhecidos sob condição, serão pagos nos mesmos termos previstos para a categoria de créditos em que se encontrarem.
Créditos Subordinados
Face à sua natureza estes créditos não serão pagos”.

Em sede de assembleia de apreciação de plano foi esclarecido que os o credor IEFP é credor privilegiado e que deveria ser pago do mesmo modo como os credores laborais.

Foram pedidas e explicações quanto ao pagamento prestacional dos contratos de locação e à devolução dos equipamentos, as quais não foram prestadas. Mais foi pedido pelo Banco 1... S.A. que as prestações vencidas fossem pagas aquando da homologação do plano, o que não mereceu anuência da devedora para alteração do plano.

4. Direito
4.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 1º n.º 1 do CIRE:
1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

A finalidade do processo de insolvência, é a satisfação dos credores.

Essa finalidade pode ser prosseguida através de um plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente ou, quando tal não seja possível, na liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores.

Resulta deste n.º 1 que para o legislador o “plano de insolvência, baseado (…) na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, deve ser o meio privilegiado de satisfação dos credores.

Só “quando tal não se afigure possível”, é que o meio de satisfação dos credores será a “liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores”.

Compreende-se a intenção do legislador, quando se pensa nos casos em que a insolvência dita a perda de valor económico e, por conseguinte, social.

Porém, e apesar da preferência do legislador, estando, também, o plano baseado na recuperação, sujeito a aprovação pela maioria dos credores (art.º 212º), continua a depender destes a continuidade ou não continuidade da empresa.

Assim refere Luís Menezes Leitão, in A Recuperação Económica dos Devedores, 2ª edição, pág.95-96 que “apesar de, desde a Lei 16/2012, o legislador manifestar preferência pela recuperação, continua a deixar nas mãos dos credores a escolha entre a recuperação ou a liquidação, dando-lhes inteira liberdade de optarem, em termos de racionalidade económica, por aquela que julgarem ser a melhor solução de defesa dos seus interesses”.

Ou, como refere Alexandre Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, II, 3ª edição, pág. 16: “Está, assim, nas mãos dos credores determinar se a liquidação prevista no CIRE será ou não afastada.”

Além disso, o plano de insolvência, mesmo quando tenha em vista a recuperação, está sujeito a homologação (cfr. art.ºs 214º e segs), podendo não ser homologado ( art.ºs 215º e 216º).

E dessa homologação depende a produção de efeitos, a eficácia da deliberação de aprovação.
*

Como desde logo decorre do advérbio “nomeadamente” utilizado pelo n.º 1 do art.º 1º do CIRE, o plano de insolvência pode não ter em vista a recuperação.

O plano de insolvência pode projectar uma de duas grandes opções: i) promover a continuidade da empresa, sendo as duas grandes medidas a recuperação do devedor, como referido no n.º 1 do art.º 1º e no n.º 3 do art.º 192º, ou a transmissão da empresa a outra entidade, como previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 195º; ii) não promover a continuidade da empresa, regulando, na medida do que for permitido pelo CIRE, de forma diferente, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, como disposto no art.º 192º, n.º 1.

O art.º 193º n.º 1 do CIRE dispõe que tem legitimidade para apresentar proposta de plano de insolvência, nomeadamente, o administrador da insolvência, por sua iniciativa ou, como referido no n.º 2, por incumbência da assembleia de credores, neste caso,  fazendo-o ex novo, na eventualidade de nada existir ou ajustando e modificando o que inicialmente tenha sido apresentado, nesta situação segundo as directrizes aprovadas pela própria assembleia, como estipulado n.º 3 do normativo em referência (Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3ª edição, 2015, pág. 709).

Quanto ao conteúdo do plano, impõe-se, em primeiro lugar, referir os princípios gerais.

Assim e desde logo o n.º 2 do art.º 192º dispõe que o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado pelas normas do CIRE relativas ao plano de insolvência ou consentido pelos visados.
 
Uma das normas que legitima a afectação da posição dos credores é o n.º 1 do art.º 196º, cuja epígrafe é “Providências com incidência no passivo” e que dispõe:

1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:
a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’;
b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor;
c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;
d) A constituição de garantias;
e) A cessão de bens aos credores.

Nesta medida o n.º 1 do art.º 195º, dispõe que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob cit. pág. 721 “sendo o plano um meio alternativo  de prossecução do interesse dos credores, que afasta o recurso à liquidação universal do património do devedor, ele deve conter, na plenitude, a regulação sucedânea dos interesses sob tutela, seja para evitar incertezas que sempre poderiam advir da concorrência de acordos e estipulações estranhas ao instrumento geral, seja por razões de transparência, que aconselham que tudo fique devidamente explicitado para todos os credores poderem conhecer plenamente a situação e assim apreciá-la e valorá-la de modo a melhor fundamentarem a sua opção.”

A este respeito impõe-se ainda referir o disposto no art.º 197º:
“Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência:
a) Os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano;
b) Os créditos subordinados consideram-se objecto de perdão total;
(…)”

Decorre da alínea a), a contrario sensu, que os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios podem ser afectados pelo plano, sem necessidade de consentimento do titular (cfr. parte final do n.º 2 do art.º 192º), desde que a afectação conste do plano e seja respeitado o princípio da igualdade (que veremos a seguir).

Isto com excepção dos créditos tributários, atento o disposto no n.º 2 do art.º 30º da LGT – o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária – e n.º 3 do mesmo normativo - o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial -, e da segurança social, na medida em que aquele normativo lhes é aplicável, porque o art.º 3º, alínea) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado e anexo à Lei n.º 110/2009, de 16/09, considera a LGT subsidiariamente aplicável à relação jurídica contributiva daquele sistema previdencial.

O n.º 3 do art.º 30º da LGT foi introduzido pelo art.º 125º da Lei 55-A/2010, de 31/12 – Lei do Orçamento de Estado - e afastou a interpretação que vinha sendo feita pela jurisprudência, no sentido de que, tratando-se o CIRE de lei especial, os créditos fiscais e da segurança social, para efeitos de homologação do plano de insolvência, se encontravam em plano de igualdade com os restantes créditos.
Destarte, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de insolvência (ou de revitalização de empresa) que contemple a redução, extinção ou mesmo a moratória de créditos de natureza tributária ou previdencial.

Depois importa considerar o n.º 1 do art.º 194º, cuja epígrafe é “Princípio da igualdade” e que dispõe que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.

Colhendo ensinamentos no direito constitucional (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada, 1º Volume, 2ª edição, UCP, pág. 166 e segs.) o princípio da igualdade tem dois sentidos: o negativo, pelo qual se vedam privilégios – situações de vantagem não fundadas - e discriminações – situações de desvantagem – e o positivo e que se traduz em três vertentes: i) tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); ii) tratamento desigual de situações substancial e objectivamente desiguais; iii) tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente iguais  ou desiguais.

O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções. Aliás, admite-as, quando se trata de situações desiguais.
O que proíbe é o arbítrio, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material suficiente, bastante, razoável, sem justificação racional.
A proibição de arbítrio, exige, ainda, tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações que, no plano fáctico, surjam como diversas (Ac. do TC n.º 96/95).

No que diz respeito à determinação das situações que se devem considerar iguais ou desiguais para efeitos de um qualquer tratamento jurídico, importa não olvidar que a igualdade real é sempre relativa, pois a identidade de situações nunca pode ser total.

No que ao normativo em referência respeita, pode afirmar-se que o mesmo acolhe os dois sentidos acima referidos.

Concretamente, no que respeita ao tratamento a dar aos credores garantidos e aos credores comuns, muito embora as suas posições jurídicas sejam diferentes, em geral, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 194º, tal circunstância não impõe, de per si, um tratamento diferenciado.

O que ocorre é algo diferente: a natureza garantida de alguns dos créditos, constituirá, em princípio, razão objectiva para, respeitado o princípio da proporcionalidade, estabelecer situações de vantagem para os créditos garantidos, relativamente aos créditos comuns.

Neste sentido, afirma-se no Ac. da RL de 09/09/2022, processo 21668/21.9T8LSB.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl:
O princípio da igualdade arranca do tratamento, por princípio, de todos os credores por igual, permitindo, porém, diferenciações justificadas por razões objetivas.

E afirmam Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit. pág. 712: “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que agora está assumida no art.º 47º do Código (…).
Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos.
Mas, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.
O que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes, credores em circunstâncias idênticas.”

Como refere Alexandre Soveral Martins, ob. cit., pág. 26: “O que é igual deve ser tratado da mesma forma, o que é desigual também deve ser tratado de forma diferente. Cada credor tem direito a ter o mesmo tratamento que é dado a outros credores que estejam nas mesmas circunstâncias. Encontram-se nas mesmas circunstâncias os credores que tenham posições jurídicas idênticas e interesses económicos semelhantes.
(…) o regime descrito torna possível que, dentro dos limites legais, todos os credores em idêntica situação sejam igualmente afectados pelo plano de insolvência (…). O que não significa que todos tenham de receber o mesmo valor, pois isso também poderia significar uma violação do princípio da igualdade de tratamento. O princípio da igualdade de tratamento será respeitado se cada um receber a mesma percentagem do seu crédito.”

Assim, são admitidas, mas não impostas, diferenciações de tratamento entre credores titulares de créditos de diversa natureza, nomeadamente, entre credores titulares de créditos garantidos por garantias reais v. credores titulares de créditos comuns.

Mas para que uma eventual diferenciação entre credores garantidos e credores comuns não coloque em causa o princípio da igualdade, deve ser observado o princípio da proporcionalidade.

Pese embora tal princípio apareça positivado na CRPortuguesa de forma assistemática, tem, enquanto instrumento de combate aos atos e omissões que se possam revelar agressivos para os direitos dos indivíduos, uma vocação global (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP Anotada, I, 2ª edição, 2017, pág. 274), ou seja, constitui um princípio geral, independentemente da sua concreta positivação.

Tal princípio, na vertente de proibição de excesso, analisa-se em três sub-princípios relativamente autónomos: adequação; necessidade; e proporcionalidade em sentido estrito.
No caso releva o último que prescreve “uma exigência de racionalidade e justa medida, no sentido de que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência adoptada em termos qualitativos e quantitativos e, bem assim, para que esta não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido “ (aut. e ob. cit. pág. 274).

Isto mesmo se extrai do Ac. do STJ de 25.03.2014, proc. 6148/12.1TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
“A parte final do art. 194º, nº1, do CIRE foi ditada por razões de ordem pública convocando o princípio constitucional da proporcionalidade.
Como ensina “Jorge Reis Novais, in “Os Princípios Estruturantes da República Portuguesa”, pág. 171:
“Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável.
Nesta aproximação de definição podem intuir-se, em primeiro lugar, a relativa imprecisão e fungibilidade dos critérios de avaliação; em segundo lugar, o permanente apelo que eles fazem a uma referência axiológica que funcione como terceiro termo na relação e onde está sempre presente um sentido de justa medida, de adequação material ou de razoabilidade, por último, a importância que nesta avaliação assumem as questões competenciais, mormente o problema da margem de livre decisão ou os limites funcionais que vinculam legislador, Administração e juiz.” (pág. 178) [sublinhámos].
Como se afirma no Acórdão n.º 40/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt citando o Acórdão n.º 187/2001, publicado no Diário da República II Série, de 26 de Junho de 2001:
 “O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.

Assim, muito embora seja admissível (repete-se: não imposta) a diferenciação entre credores de diferente natureza, se a mesma for manifestamente desproporcional, isto é, se estabelecer privilégios – situações de vantagem - ou discriminações – situações de desvantagem -, não fundadas, para uma das categorias de credores, se pender de forma excessiva, desrazoável, desproporcionada para uma das categorias de credores, privilegiando-a ou discriminando-a, deve ser recusada a homologação do acordo.

E para operacionalizar o referido princípio da proporcionalidade, acompanha-se o decidido no Ac. desta RG de 10/09/2020, proc. 577/19.7T8MDL.G1, onde se afirma:
“ Em nosso ver, para além da justificação objetiva de tratamento diferenciado, resultante dos três critérios atrás enunciados (distinta classificação dos créditos; grau hierárquico dentro da mesma categoria de créditos; e a diversidade das fontes de crédito), aliados às limitações/imposições legais aplicáveis a determinados créditos (v.g. créditos do Estado e da Segurança Social), importa ainda ponderar, em respeito do princípio da proporcionalidade (intrínseco ao princípio da igualdade dos credores) designadamente: i) a percentagem de redução operada para o valor de capital em dívida dos créditos comuns; ii) o valor dos créditos garantidos e das respetivas garantias reais que lhes estão subjacentes; iii) o valor dos créditos garantidos ou privilegiados em contraposição com o montante dos créditos comuns na globalidade da dívida reconhecida a todos os credores; iv) e os prazos de pagamento previstos para cada um destes créditos, consoante a sua natureza.”

Finalmente, e ainda no âmbito da análise do art.º 194º, o seu n.º 2 dispõe que o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.

Deste n.º 2 decorre a possibilidade de sujeitar a regimes diferentes, credores em circunstâncias idênticas, desde que os mesmos dêem o seu assentimento, nomeadamente através do voto favorável do plano, o que, por sua vez, decorre do facto de estamos perante interesses disponíveis.

Naturalmente que saber se o plano respeita o princípio da igualdade, depende de uma análise casuística, colocando em confronto as medidas propostas para os credores, podendo afirmar-se, em síntese, que a homologação do plano deve ser recusada sempre que resultar daquele confronto que ele estabeleça diferenciações não justificadas objectivamente e, além disso, que se se revelem manifestamente excessivas, desproporcionais ou desrazoáveis para algum credor ou classe de credores.

E por isso, o n.º 1 do art.º 195º dispõe que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência e a alínea g) do n.º 2 dispõe que o plano deve conter: g) A indicação dos credores que não são afetados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afeta.

O concreto “Conteúdo do plano é objecto do art.º 195º, que dispõe:

1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.
2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:
a) A identificação da empresa, indicando o seu nome ou firma, sede, número de identificação fiscal ou número de identificação de pessoa coletiva, e do administrador da insolvência nomeado;
b) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;
c) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;
d) No caso de se prever a manutenção em atividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respetivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores;
e) As formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego, designadamente despedimentos, redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho;
f) O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência;
g) A indicação dos credores que não são afetados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afeta;
h) Qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de insolvência e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano;
i) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.

Afirmou-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004:
“9 - Cessa ainda o carácter taxativo das medidas de recuperação da empresa tal como constante do CPEREF. O conteúdo do plano de insolvência é livremente fixado pelos credores, limitando-se o juiz, quando actue oficiosamente, a um controlo da legalidade, com vista à respectiva homologação.
Não deixam de indicar-se, em todo o caso, algumas das medidas que o plano pode adoptar, regulando-se com mais detalhe certas providências de recuperação específicas de sociedades comerciais, dado o relevo por estas assumido na actividade económica e empresarial.”

Vigora, assim, o princípio da atipicidade das concretas medidas, como decorre da utilização do advérbio “nomeadamente”, na parte final do corpo do n.º 2 do art.º 195º, ainda que o CIRE refira algumas quando a finalidade visada for a recuperação: as providências com incidência no passivo, como previsto no art.º 196º; as providências específicas de sociedades comerciais, como previsto no art.º 198º.

Relativamente ao conteúdo concreto, Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit. pág. 716 recordam que o plano “tem, ele próprio, como finalidade determinante a prossecução e satisfação dos interesses dos credores. (…)
Daí que o significado da 1ª parte do n.º 2 seja o da exigência de o plano clarificar aquilo que com ele é pretendido, enquanto instrumento de tutela dos interesses dos credores, sem prejuízo da consecução de outros objetivos cujo alcance simultaneamente viabilize.
Isto compreende-se ainda pela concorrência de duas razões. Uma, ligada à circunstância de o plano, estribado no princípio da liberdade de estipulação do conteúdo a que se fez referência, poder, realmente, orientar-se por vias substancialmente diversas entre si; outra, respeitante à necessidade de garantir o cabal esclarecimento dos que são chamados a decidir o destino do processo, de forma a poderem ponderar suficientemente as vantagens que estimam resultarem da aprovação de um plano.”

E a seguir escrevem:
“Quanto ao alcance das diversas alíneas do n.º 2 (…) o motivo é sempre o de facultar aos credores a exata perceção da situação, para poderem atuar esclarecidamente, a que acresce a avaliação do tribunal acerca da verificação dos requisitos que legitima a homologação do plano.”

E quanto à questão de saber quais são as consequências decorrentes da aprovação de um plano que omite algum dos elementos exigidos no plano, escrevem (ob. cit. pág. 716-717):
“O facto de, por um lado, se alinhar um conjunto vasto de aspectos a tratar, alguns dos quais parecerão excessivos, e, por outro, a circunstância de estar predominantemente em causa a tutela dos interesses dos credores, podem inculcar a ideia da irrelevância das omissões à vista da deliberação favorável da assembleia.
A solução, porém, não é esta, segundo o que se depreende do art.º 215º. Seja qual for o melhor significado a atribuir a esta norma, sempre resulta que, pelo menos algumas violações das regras aplicáveis ao conteúdo do plano são determinantes da sua não homologação oficiosa; daí a consequência de os vícios não poderem considerar-se supridos simplesmente pelo facto de ter havido uma manifestação de vontade maioritária dos credores traduzida na aprovação.

Sem embargo, e em consonância com o que fica dito nas notas antecedentes, cabe advertir para a desnecessidade de o plano se reportar específica e individualmente a cada uma das menções referenciadas na enumeração legal, posto que o faça em termos globais e inteligíveis, alcançando-se, dessa forma, o fim intentado pela lei.”

No diz respeito à economia do recurso, importa considerar, nomeadamente, o disposto na alínea b) do n.º 2, a qual dispõe:
2 - O plano de insolvência (...) contém (…):
b) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;

A situação reditícia tem a ver com o influxo de benefícios económicos durante um determinado período.

Importa também considerar a alínea c), a qual dispõe:
2 - O plano de insolvência (...) contém (…):
c) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;

Esta norma prevê três formas de obter meios para dar satisfação aos credores:
- liquidação da massa insolvente;
- recuperação do titular da empresa;
- transmissão da empresa a outra entidade

A recuperação do titular da empresa pressupõe, pela natureza das coisas, a manutenção em actividade da empresa, na titularidade do devedor, situação em que será normal prever pagamentos aos credores à custa dos rendimentos da empresa.

Nesta situação dispõe a alínea d) que o plano deve conter o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores;

O plano é sujeito a um controlo jurisdicional liminar, como dispõe o art.º 207º.

Recebido o plano determina o art.º 208º que o juiz notifica a comissão de trabalhadores, ou, na sua falta, os representantes designados pelos trabalhadores, a comissão de credores, se existir, o devedor e o administrador da insolvência, para se pronunciarem, no prazo de 10 dias.

E de seguida, dispõe o art.º 209º n.º 1 que o juiz o juiz convoca a assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano de insolvência.

Nos termos do art.º 210º o plano de insolvência pode ser modificado na própria assembleia pelo proponente, e posto à votação na mesma sessão com as alterações introduzidas, desde que estas, ainda que substanciais quanto a aspectos particulares de regulamentação, não contendam com o próprio cerne ou estrutura do plano ou com a finalidade prosseguida.

A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de 50 /prct. da totalidade dos votos emitidos e, nestes, estejam compreendidos mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados com direito de voto, não se considerando como tal as abstenções, tal como dispõe o art.º 212º.

Subsequentemente à aprovação surge um novo controlo jurisdicional, que tem duas vertentes: a não homologação oficiosa (art.º 215º); a não homologação a solicitação dos interessados (art.º 216º).

Quanto à primeira dispõe o art.º 215º e no que releva, que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza….”

A “violação não negligenciável“ é um conceito indeterminado, o qual só pode ser preenchido casuisticamente.

Mas a doutrina tem tentado a sua densificação.

Assim, Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3º Edição, pág. 782 afirmam:
“ ….são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.”

Luís Menezes Leitão, in A Recuperação Económica dos Devedores, 2ª edição, pág. 108 refere:
“O juiz rege-se aqui por considerações de legalidade, mas apenas pode recusar a homologação em caso de “violação grave, não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano. Violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.”

Alexandre de Soveral Martins, ob. cit., II volume, pág. 87 entende que “uma violação não é negligenciável quando atinge uma certa importância. Mas isto é ainda dizer pouco. Podemos acrescentar que será não negligenciável a violação que põe em causa as finalidades da norma violada. É, no entanto, importante verificar quando é que está a ser violada a norma e quando é que está a ser afastada, nos casos em que o pode ser.
Da leitura do art. 215º conclui-se que a recusa oficiosa de homologação não pode ser fundada em discordância do juiz quanto ao mérito do que foi aprovado. O juiz não pode recusar a homologação, por exemplo, por achar que no caso concreto seria mais adequado liquidar em vez de recuperar ou porque certa medida de recuperação teria, na sua opinião, mais sucesso do que a adotada.

Catarina Serra, in Lições.., pág. 473, refere:
“Tentando colmatar a indeterminação do conceito, é razoável entender que a violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando assim a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação – uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada.”

A referida “violação não negligenciável” tem dois referentes: i) as regras procedimentais; ii) as normas aplicáveis ao conteúdo.

Quanto às primeiras são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, nomeadamente, no que tange ao itinerário processual, aos prazos, às votações; quanto às segundas são aquelas que fixam os princípios a que o plano deve obedecer, nomeadamente, o princípio da igualdade a que nos referimos supra, plasmado no artº 194º.

Referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit. pág. 781 (sublinhado nosso):
“Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe forem presentes - incluindo, por isso as relativas à sua própria convocatória e funcionamento –e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.

Deste normativo decorre que ao tribunal apenas é conferido o poder de apreciar da legalidade do plano, ou seja, cabe-lhe a função de sindicar o cumprimento das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo e não da sua viabilidade – estando em causa, nomeadamente, um plano de insolvência que tenha em vista a recuperação da empresa - ou mérito.

Quanto à segunda, dispõe o art.º 216º:
1 - O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que:
a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;
b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
 (…)

O corpo do n.º 1 alude à necessidade de demonstração “em termos plausíveis”, o que significa, por um lado, a alegação de “circunstâncias concretas que fundamentem o (…) pedido, não bastando meras considerações gerais” (cfr. Alexandre Soveral Martins, ob. cit., II, pág. 91) e, por outro, a demonstração em termos de “plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria” (aut. e loc. cit), o que, no caso da alínea a), significa que quem “solicita a não homologação do plano, terá de apresentar números que justifiquem a sua pretensão” (aut. e ob. cit., pág. 92).

Nos termos da alínea f) do n.º 2 do art.º 195º o plano deve conter “O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência”.

Mas, como refere Alexandre Soveral Martins, ob. cit., II, pág. 94, “[m]uitos elementos poderão aí ser colhidos, mas nem sempre serão suficientes para fundamentar a posição do requerente.”

Relativamente à alínea a) referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 787 (sublinhado nosso) que a mesma “implica que na prova da situação nel[a] referenciada se proced[a] a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que que aconteceria na ausência dele.
Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele. (…)
Ora, é exatamente a concretização da comparação que muitas vezes se revelará de extrema dificuldade (…) porque importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso de venda universal.
Casos haverá, porém, em que a prova não será tão difícil, como sucede quando, mesmo contra a vontade do atingido, se aprove um plano que prevê a redução de um crédito assistido de garantia real ou de privilégio incidente sobre bens que seriam suficientes para assegurar a totalidade do pagamento – ou, pelo menos, um reembolso em percentagem superior à estabelecida no plano.”

A este respeito refere-se no Ac. da RC de 26/02/2019, proc. 3601/17.4T8LRA-C.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc:
“Uma vez que aquilo que cada credor recebe em caso de liquidação do património do devedor depende de vários factores, designadamente do valor desse património, do montante das dívidas da massa insolvente [pois estas são pagas, nos termos do n.º 1 do artigo 172.º do CIRE, antes de se proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência], da classificação do seu crédito e do valor do passivo, cabe ao interessado alegar qual o património do devedor, qual o valor provável que seria obtido com a liquidação desse património na altura do plano, qual o valor provável das dívidas da massa insolvente e indicar como é que seria repartido o produto da liquidação do património pelos diversos credores.”
           
4.2. Em concreto
4.2.1. Violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano – princípio da igualdade

Resulta da factualidade provada que a 09/05/2022 a Sr. AI apesentou um plano de insolvência, tendo em vista a “manutenção da actividade da insolvente, na titularidade do devedor, prevendo-se efetuar o pagamento aos credores através do rendimento gerado pela actividade de produção. “

Está ainda consignado no mesmo que a “estratégia que sustenta a recuperação da empresa passara essencialmente, pelas seguintes medidas:
(…)
4. Reestruturação do passivo, num prazo que permita o cumprimento de um plano de pagamentos ajustado á capacidade de libertação de meios, de acordo com o será preconizado no plano;
(…)”

E no que respeita ao passivo, ficou consignado no mesmo o que consta do ponto 3.3..
           
Depois de proceder ao enquadramento jurídico, a decisão recorrida analisou, num primeiro momento, a questão da violação do princípio da igualdade, tendo ponderado, concretamente, o seguinte:
“ O Plano limita-se a distinguir os créditos do IGFSS, da AT, os créditos laborais e, depois, identifica, apenas, os credores comuns. Não faz qualquer referência expressa aos credores garantidos, seja por estarem garantidos por hipotecas sobre os bens imóveis propriedade da devedora, no caso do Banco 1... S.A. e do Banco 3..., S.A., seja atenta a existência de penhor mercantil no caso o credor Banco 5..., S.A..
Temos como certo que o principio da igualdade foi aqui violado por não ter distinguido o que é, de facto diferente. Na verdade, estes credores não são meros credores comuns. São detentores de garantias, pelo que tinham legítima expectativa de serem tratados de forma diferente dos demais credores comuns. Na verdade, num cenário hipotético de liquidação, a sua posição seria manifestamente mais favorável, dado que seriam pagos à frente de todos os credores comuns. E; quanto a esta desconsideração das suas garantias, nada é dito.
Já no que tange à invocada diferenciação entre os credores laborais e os créditos fiscais, diremos que se deve considerar “plenamente justificada, por razões objetivas, à luz do disposto no artigo 194.º, n.º 1 do CIRE, a diferenciação feita no plano (…) entre os créditos relativos aos credores ali genericamente designados por ESTADO E” IGFSS “e os restantes credores, assente no regime da indisponibilidade dos créditos tributários e da segurança social” - cfr. o Ac. do TRG de 27/9/2018, relatado pelo sr. Desembargador Paulo Reis, in www.dgsi.pt.
Entendemos, pois, que o princípio da igualdade foi violado no que diz respeito à não diferenciação dos credores garantidos, face aos credores comuns.”

Decorre da factualidade provada – ponto 3.2. - que existem diversos credores garantidos – com penhor mercantil, penhor, hipoteca e privilégios creditórios, mobiliários e imobiliários.

Analisando o Plano de insolvência aprovado verifica-se que relativamente aos credores garantidos, são objecto de tratamento diferenciado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Autoridade Tributária e os trabalhadores.

Os restantes  credores garantidos - Banco 4...  - Penhor mercantil sobre máquinas e Hipoteca voluntária; - Banco 5..., S.A. - Penhor mercantil sobre máquinas e  Hipoteca voluntária; - Banco 3..., S.A. - Hipoteca voluntária; - B... ... -  Crédito garantido por penhor sobre saldos bancários;  - E..., S.A. - Penhor mercantil sobre uma máquina; - IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação – Privilégio mobiliário geral e Privilégio imobiliário; - N..., S.A. - Penhor sobre 6500 ações da N... - S.... de G..., S.A. ; - Banco 6..., S.A. – Hipoteca; - S..., Lda. - penhor mercantil sobre um conjunto de máquinas; - S..., S.A - Penhor mercantil sobre uma máquina – são considerados, no plano, na parte relativa aos credores comuns, ou seja, são tratados da mesma forma que os credores comuns.

A decisão recorrida considerou que o facto de não haver uma diferenciação destes credores, garantidos por penhor, hipoteca ou privilégio creditório, e os credores comuns, se traduz numa violação do princípio da igualdade por não se ter distinguido o que é diferente.

Como resulta do art.º 194º n.º 1, em princípio todos os credores devem ser tratados de forma idêntica.
O que ocorre é que a norma prevê a possibilidade de se estabelecerem diferenciações justificadas por razões objectivas.

E uma das razões é a diferente natureza do crédito.

Mas se a norma prevê essa possibilidade, em geral, não impõe essa diferenciação.

Destarte e salvo o devido respeito por opinião contrária, o facto de o plano, ao não estabelecer qualquer diferenciação entre alguns dos credores garantidos - por penhor, hipoteca ou privilégio creditório - e os credores comuns, sendo todos tratados de forma idêntica (e não de forma mais desfavorável, situação esta em que, não havendo razões objectivas para tal, efectivamente, podia haver violação do princípio da igualdade) não viola o princípio da igualdade, pelo que nesta parte não se acompanha a decisão recorrida e, assim sendo, não ocorre uma ”violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo” e, consequentemente, não se verifica este fundamento de não homologação do plano.

Note-se ainda que o plano não prevê qualquer afectação dos direitos decorrentes de garantias reais e privilégios creditórios, pelo que tem plena aplicação o disposto no art.º 197º, ou seja, tais direitos não são afectados.

4.2.2.   Violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano – alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 195º
A este respeito a decisão recorrida ponderou:
Ora, uma das regras relativas ao conteúdo do plano a que o mesmo deve obedecer, consta da al. b) do nº 2 do artigo 195º CIRE, segundo a qual o plano de insolvência deve indicar as medidas necessárias à sua execução e todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente a indicação sobre como serão obtidos os meios de satisfação dos credores, se através da liquidação de algum bem, se à custa de rendimentos e quais, uma vez que, no caso em apreço, se desconhece se o rendimento do marido suportará tamanha prestação mensal. E, como sustentam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda – cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., Quid Juris, anotação 6. Ao artigo 195º, p. 557 - entender-se-á que, pelo menos, algumas das violações de regras aplicáveis ao conteúdo do plano são determinantes da sua não homologação oficiosa, daí a consequência de os vícios não poderem ser considerados supridos pelo facto de ter havido uma manifestação de vontade maioritária dos credores, traduzida na sua aprovação.
No caso vertente, a devedora limitou-se a usar expressões vagas como “foi efectuado um rigoroso levantamento da atividade da devedora”, o plano ter por base “o orçamento de exploração, o plano de investimentos, as demonstrações previsionais dos fluxos de caixa e o balanço previsional para o período de execução”, sem explicar de que forma pretende dotar a empresa de fluxos financeiros suficientes para suportar os encargos que previu. Ou melhor, sem explicar o que é diferente, desta vez.
Assim sendo, considera-se que o plano não contém a clara indicação da situação reditícia da devedora e dos meios que serão afetos à satisfação do acordo de pagamento, o que constitui igualmente violação de norma procedimental, não negligenciável na medida em que impossibilita a apreciação da sua viabilidade.
Em suma: Ocorreram violações não negligenciáveis das normas aplicáveis ao seu conteúdo, pelo que o plano deve ser recusado.”
           
O art.º 195º n.º 2 dispõe que o plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores….

A ratio do preceito radica no seguinte: porque a finalidade primacial do plano de insolvência é a satisfação do interesse dos credores e porque é nas mãos dos mesmos que é colocado o destino do plano, aos mesmos devem ser facultados todos os elementos que lhes permitam formar, de forma esclarecida, a vontade a expressar no acto de votar.

Mas o n.º 2 impõe ainda que o plano deve conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua …homologação pelo juiz…

Conjugando o n.º 2 e a respectiva ratio, com o disposto no art.º 215º - O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza… - temos que, uma vez aprovado, ao juiz caberá verificar se o plano aprovado contém os elementos do art.º 195º, absolutamente essenciais para permitir aos credores formar a vontade de votar de forma esclarecida.

Um plano de insolvência que não contenha os elementos do art.º 195º, absolutamente essenciais para permitir aos credores formar, de forma esclarecida, a vontade a expressar no acto de votar, é um plano que viola de forma não negligenciável o disposto no art.º 195º, pois coloca em causa finalidade essencial do mesmo.

As alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 195º dispõem:
“2 - O plano de insolvência (...) contém (…):
(…)
b) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor;
c) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade;
d) No caso de se prever a manutenção em atividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respetivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores;
(…)”

Quanto à alínea b), verifica-se estar inserido no plano o balanço – pág. 11 – e a demonstração de resultados – pág. 12 - relativos aos anos de 2017 a 2020, pelo que não é possível afirmar que não consta do plano a descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor.

Relativamente à alínea c), importa precisar que a lei refere as três grandes vias de obter os meios de satisfação dos credores, estando subjacente a elas que, em concreto, a satisfação dos credores será obtida, em regra:
- no caso de a via ser a liquidação da massa ou de alguns bens da massa, através do produto obtido com a liquidação;
- no caso de a via ser a recuperação, através dos rendimentos obtidos com a actividade do devedor;
- no caso de a via ser a transmissão da empresa a outra entidade, através do produto obtido com a transmissão.

Analisado o plano e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, afirma-se nas páginas 3-4 (sublinhado nosso):
“Quanto à finalidade do plano de insolvência este prevê a manutenção da actividade da insolvente, na titularidade do devedor, prevendo-se efectuar o pagamento aos credores através do rendimento gerado pela atividade de produção.”

E mais adiante (pág. 7-8) refere-se:
II. EMPRESA
C..., Lda. é uma empresa de produção de meias que foi fundada em 1981 por VVVVV. Rapidamente assumiu uma posição sólida no panorama nacional de produção de meias. Ao longo dos anos, a empresa conseguiu uma grande estabilidade no meio empresarial nacional devido a uma excelente aceitação do seu produto no mercado, tudo isto graças à tecnologia empregue no processo de produção, à qualidade da matéria-prima utilizada e ao design do produto acabado.
Para consolidar o crescimento exponencial, a C... apostou na mais alta tecnologia com vista ao fabrico de produtos cada vez melhores indo, deste modo, ao encontro das necessidades dos seus clientes.
Os desenhos, cores e acabamentos são definidos computadorizadamente e transferidos eletronicamente para máquinas que confecionam o produto, produzindo uma diversa gama de padrões e tamanhos.
A C... dedica-se igualmente ao fabrico de produtos sob encomenda, meias personalizadas e produtos desenvolvidos para outras marcas e empresas.
Com uma área coberta superior a 25.000m2, as instalações albergam a mais moderna tecnologia em teares circulares, possibilitando uma capacidade produtiva superior a 200.000 pares por dia, com um elevado índice de qualidade no produto final. Face à elevada qualidade apresentada aos clientes, é possível trabalhar fortemente com o mercado externo, tendo por isso uma elevada taxa de exportação.
A C..., que adicionalmente se encontra tecnologicamente apetrechada, meios para fazer singrar o negócio a desenvolver.
Sendo que as possibilidades de recuperação são manifestamente positivas. Do diagnóstico efetuado, resultou evidente que a C..., terá capacidade para cumprir as obrigações, desde que devidamente escalonadas no tempo.

E na pág. 9:
Estando a C... tecnologicamente apetrechada com meios para fazer singrar o negócio a desenvolver e com capacidade comercial para retomar vendas e clientes importantes, as possibilidades de recuperação serão manifestamente positivas.

E, na pág. 12-13, consta:
“ A estratégia que sustenta a recuperação da empresa passará, essencialmente, pelas seguintes medidas:
1. Manter o relacionamento com os seus principais clientes, selecionando encomendas com maior margem;
2. Negociação de preço de compra de matéria-prima. Nesta fase, estando a comprar mercadorias a pronto, pelo que, haverá margem para forçar descontos de pronto pagamento;
3. Concentração da atividade de outras empresas parceiras na C...;
4. Reestruturação do passivo, num prazo que permita o cumprimento de um plano de pagamentos ajustado à capacidade de libertação de meios, de acordo com o que será preconizado no plano;
5. Realização de Operação ... ou “Operação ...”, que se traduz na realização de uma redução de capital, seguida de um aumento de capital,
6. De seguida, a realização de operação de “private equity” que, a realizar-se trará condições para uma maior sustentabilidade na recuperação.

E na pág. 14:
Não obstante a dificuldade económica em que a empresa se encontra, a existem bons indícios para obter a sua recuperação económica e financeira.
A C... dispõe de instalações, máquinas, equipamentos e know- how adequados ao desenvolvimento da sua atividade e mantém um bom nome no mercado nomeadamente quanto à qualidade do trabalho desenvolvido.

O plano não é acompanhado de “plano de investimentos “ porque se afirma (pág. 4) que “neste caso não se justifica visto que a empresa está devidamente apetrechada” e é acompanhado de dois anexos, a saber: “Demonstração de resultados por natureza previsionais”, com um conjunto diversificado de items, tendo por objecto “Rendimentos e gastos” para o período de 2021 a 2036 e “Plano de reembolsos previsional”, para os diversos credores, para um período de 15 anos.

Destarte, têm-se por verificadas as exigências da alínea c) do n.º 2 do art.º 195º do CIRE, pelo que também nesta parte, não se acompanha a decisão recorrida, não se verificando uma ”violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo” e, deste modo, não se verifica este fundamento de não homologação do plano.

Recorde-se que a verificação imposta ao juiz pelo art.º 215º, é da pura legalidade do plano, não lhe cabendo aferir o respectivo mérito, ou seja, a sua viabilidade e aptidão para, no caso, permitir a recuperação do devedor e evitar a sua insolvência, questões que cabe, única e exclusivamente, aos credores ponderar, tendo em vista a formação da vontade de votar favorável ou desfavoravelmente o plano.

4.2.3. Posição menos favorável para alguns credores
Neste ponto, a decisão recorrida ponderou:
Alegam alguns credores que a apresentação do Plano de Insolvência os coloca numa posição menos favorável do que aconteceria na ausência de qualquer plano.
Ora, dos autos resulta, pelo menos, que o imóvel onde labora a sociedade não é propriedade da  insolvente. Também existem máquinas estão em regime de locação ou mercadorias que têm penhor, pelo que, num cenário de liquidação, o crédito pignoratício seria graduado à frente dos créditos laborais - Acórdãos de 13/02/2014 ut Proc.º 1216/13.5TBBCL-A.G1, Desembargadora Ana Cristina Duarte, in www.dgsi.pt e, o mais recente, de 13/10/2016 que contém uma resenha completa de referências jurisprudenciais com relação a ambas as teses em confronto (ut Proc.º 764/11.6TBBCL-I.G1, Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira, in www.dgsi.pt), ambos seguindo a posição do Acórdão da Relação do Porto, de 15/09/2011, graduando em primeiro lugar o crédito garantido pelo penhor, apud o Ac. do TRG de 25/5/2017, in www.dgsi.pt.
Ou seja, entendemos que, após os inúmeros processos de insolvência / revitalização, os credores garantidos se podem arrogar do direito de considerar que a liquidação dos bens, a entrega dos bens locado aos proprietários é mais favorável do que o protelar da situação, tanto mais que, por exemplo, no que tange às instalações da devedora, esta continua a ocupá-las, sem pagar as rendas devidas e tendo a locadora que proceder ao pagamento de todos os encargos legais, inclusive IMI. Temos, pois, como possível, concluir, agora em 2023, passados anos desde o inícios dos inúmeros processos aqui no Juízo do Comércio ..., que se verifica a invocada situação de desfavor resultante da execução do plano [neste sentido, cfr.,  entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-11-2016 (relator: Salreta Pereira), proferido na revista n.º 785/15.0T8FND-B.C1.S1 - 6.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt, e de 24-11-2015 (relator: Pinto de Almeida), proferido na revista n.º 2603/13.4T2AVR.P1.S1 - 6.ª Secção, cujo sumário se encontra publicado in www. .pt].

Em primeiro lugar impõe-se observar que a decisão recorrida não identifica os credores que alegaram que a apresentação do Plano de Insolvência os coloca numa posição menos favorável do que aconteceria na ausência de qualquer plano.

E a questão coloca-se porque os credores só têm legitimidade para requerer a não homologação do plano, quando tenham manifestado a sua oposição ao mesmo, anteriormente à aprovação do plano de insolvência.

Vejamos
A 20/05/2022 as credoras reclamantes PP e QQ vieram dizer que não deve ser aprovado e muito menos homologado o plano de insolvência, invocando, além do mais, que os credores laborais são prejudicados em relação àqueles credores, o que não sucederia se o Plano de insolvência não fosse aprovado.

E a 23/05/2022 a credora reclamante YY veio pronunciar-se pela não homologação do Plano, invocando que quanto aos créditos laborais, sem reconhecimento de qualquer garantia, prevê o pagamento em prestações mensais, após um ano e um mês do trânsito em julgado da sentença de homologação e só se contabilizam juros a partir do mesmo momento, pelo que ficam prejudicados em relação àqueles dois credores, o que não sucederia se o Plano não fosse aprovado.

Nas referidas situações não estamos perante um pedido de não homologação à luz do art.º 216º, n. 1, alínea a), porquanto não se intenta a comparação entre a situação do credor ao abrigo do plano e a situação em que o mesmo estaria prosseguindo o processo para liquidação.

A 26/05/2022 o credor reclamante Banco 1..., SA pronunciou-se desfavoravelmente quanto à proposta de Plano.

A 30/05/2022 o Banco 3..., SA – Sociedade Aberta declarou que o processo deve seguir para liquidação do ativo.

Entretanto e após a aprovação do plano, a 26/07/2022 o Banco 3..., SA veio requerer fosse recusada a homologação do Plano de insolvência, alegando, no que releva, que o Plano afeta séria e sem qualquer justificação o direito da requerente, colocando-a numa situação menos favorável do que a que “interviria” na ausência de qualquer plano.
 
A 02/08/2022 o Banco 5... S.A. veio requerer a não homologação do plano, invocando, no que releva, que a situação da requerente ao abrigo do Plano apresentado é, manifestamente, menos favorável do que a que resultaria da ausência de qualquer plano, que, pelo menos, teria a virtualidade de permitir a liquidação imediata e evitar a acumulação do passivo da devedora.

Tendo o Banco 3... e o Banco 5... manifestado a sua oposição ao plano anteriormente à aprovação do plano de insolvência, os mesmos estavam legitimados a requerer a sua não homologação.

Porém e compulsados os respectivos requerimentos, é patente e manifesto que nenhum dos referidos credores deu cumprimento ao disposto no art.º 216º n.º 1 do CIRE, ou seja, nenhum deles alegou, com concretos números, quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele, números esses que, submetidos a um juízo de “plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria”, permitissem concluir que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

Ou, numa perspectiva mais ampla, nenhum dos credores alegou razões concretas que, submetidas a um juízo de “plausibilidade ou verosimilhança, ainda que séria”, permitissem concluir que os respectivos interesses patrimoniais ficavam melhor salvaguardados com a liquidação do activo do que com o plano de insolvência.

Destarte, também aqui não se acompanha a decisão recorrida, impondo-se concluir não estar demonstrado pelos credores Banco 3... e Banco 5... que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

4.2.4. Síntese.
Em face de tudo o exposto, não estando verificadas nenhuma das causas de não homologação oficiosa (215º) ou a requerimento (216º), a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que homologue o plano de insolvência, assim se julgando o recurso procedente.

4.2.5. Custas
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.

No caso em análise, a recorrente obteve vencimento.

Destarte, as custas seriam a cargo do Ministério Público, que contra-alegou, tendo ficado vencido.

No entanto, o mesmo está isento do pagamento de custas ao abrigo do disposto no art.º 4º, nº 1, al. a), do RCP.

Destarte, conclui-se que no presente recurso não há lugar ao pagamento de custas.

6. Decisão
Termos em que acordam os juízes que constituem a 1ª Secção desta Relação em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que homologa o plano de insolvência, assim se julgando procedente o recurso.
*
Sem custas, face à isenção de que goza o Ministério Público (art. 4º, nº 1, al. a), do RCP).
*
Notifique-se
10/07/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente) 
           
Relator: José Carlos Duarte
Adjuntos: Fernando Barroso Cabanelas (vencido, conforme declaração infra)
Rosália Cunha

Voto de vencido do 1º Adjunto Fernando Barroso Cabanelas
Teria confirmado a sentença recorrida, com cuja fundamentação, no essencial, me identifico.
Acrescentaria somente que entendo que o preenchimento do disposto no artº 216º, nº1, alínea a), do CIRE, não pressupõe uma fundamentação exaustiva, bastando-se com juízos probabilísticos alicerçados em critérios de normalidade prática, formulados à luz dos elementos fornecidos pelo processo, designadamente o histórico da insolvente.
Passando por cima de juízos sobre o mérito do plano, que me estão legalmente vedados, não posso deixar de enfatizar um parágrafo da sentença recorrida, que entendo sintetizar cristalinamente o âmago das minhas razões obstativas da homologação do plano: “Ou seja, entendemos que, após os inúmeros processos de insolvência/revitalização, os credores garantidos se podem arrogar do direito de considerar que a liquidação dos bens, a entrega dos bens locados aos proprietários é mais favorável do que o protelar da situação, tanto mais que, por exemplo, no que tange às instalações da devedora, esta continua a ocupá-las, sem pagar as rendas devidas e tendo a locadora que proceder ao pagamento de todos os encargos legais, inclusive IMI. Temos, pois, como possível, concluir, agora em 2023, passados anos desde o início dos inúmeros processos aqui no Juízo do Comércio ..., que se verifica a invocada situação de desfavor resultante da execução do plano. (…)”.
Por tudo o sinteticamente exposto, e reafirmando que concordo com a fundamentação da sentença, teria confirmado a mesma.
Fernando Barroso Cabanelas.
           
*