Decisão INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DE ARGUIÇÃO DE IRREGULARIDADES PROCESSUAIS NA DECISÃO SINGULAR.IMPROCEDENTE OS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO.INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE IRREGULARIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE ASSINATURA DA JUÍZA ADJUNTA DO TRIBUNAL COLECTIVO.PARCIALMENTE PROCEDENTES O RECURSO DOS RECORRENTES.
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CORRUPÇÃO PASSIVA E ACTIVA
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS
PREVARICAÇÃO
PECULATO
Sumário
1- A indicação do recorrente de que pretende a realização de audiência para debater cada um dos pontos infra indicados nas conclusões do recurso não cumpre o ónus de especificação constante do artigo 411º nº 5 do Código de Processo Penal. 2- A diligência de prova cujo indeferimento conduz a nulidade processual não será a que se possa entender apenas como “útil” ou “proveitosa”, mas aquela que seja susceptível de vir a ser considerada como absolutamente indispensável e essencial para a descoberta da verdade e a decisão final. 3- O meio processualmente adequado para reagir ao despacho que indefere diligência de prova requerida ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal é o recurso da decisão de indeferimento e não a arguição da nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal. 3- A junção por escrito das alegações orais proferidas pelo advogado do recorrente durante a audiência não pode constituir uma exposição, memorial ou requerimento a subsumir na previsão do Art.º 98.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 4- Porém, a forma tarifada em que assenta o processo penal não pode descurar a diferenciação processual que tem de ser encontrada para melhor gerir a complexidade crescente dos casos que chegam à justiça criminal e à qual se tem de dar a adequação formal necessária e entendida como mais conveniente, sem perda das necessárias garantias processuais penais, tanto no sentido da defesa como da acusação. 5- Em casos de excepcional complexidade, deve ser sempre aceite que as partes façam chegar ao tribunal os documentos de trabalho, as exposições escritas ou os esquemas de anotações que possam auxiliar a tarefa do tribunal na apreciação do objecto do processo, desde que isso seja feito com a devida publicidade, contraditoriedade e equidade. 6- O exame crítico da prova não exige a exposição descritiva de todas as provas produzidas, nem é necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que se tem de deixar claro é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma valoração do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo. 7- A incompletude da fundamentação em um ou outro segmento da decisão não justifica a nulidade enquanto vício do procedimento. 8- A pronúncia cuja falta ou omissão determina a nulidade da sentença tem de incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas alegados. 9- O cumprimento da norma constante da alínea b) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, numa interpretação conforme o princípio constitucional da plenitude das garantias de defesa, exige que na acusação (como na pronúncia) o objecto do processo e os poderes de cognição do tribunal sejam definidos pela indicação precisa e compreensível dos eventos da vida real que fundamentam a aplicação ao arguido de uma sanção, normativamente considerados, ou seja, por relação às normas jurídicas infringidas e ao preenchimento dos tipos de crime. 10- Nas situações em que se depreende que o recorrente pretende impugnar a decisão em matéria de facto por erro de julgamento, apesar de invocar o vício decisório, o tribunal de recurso deve conhecer dessa impugnação “ampla”, desde que o recorrente tenha cumprido o ónus de especificação imposto no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal. 11- A consciência da ilicitude não necessita de ser articulada como facto imputado e, posteriormente, enunciada na matéria provada, uma vez que constitui um mero “reflexo” ao nível da culpa do tipo de ilícito. 12- A prova indirecta passou a ser o tipo de prova por excelência na criminalidade de índole económico-financeira, na criminalidade organizada e nos delitos contra o Estado (onde se enquadra a corrupção). O apelo à prova indiciária as imposições relativas ao combate a novos tipos de criminalidade em que os sinais, ou indícios, são factores essenciais para descodificar situações complexas nas quais surgem formas de actuação criminosa até agora quase desconhecidas. 13- Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma directa atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. 14- O bem jurídico protegido no crime de corrupção no sector público consiste na autonomia intencional da Administração, entendida como expressão das exigências de legalidade, objectividade e independência inerentes ao exercício de funções públicas num Estado de direito. 15- O crime de corrupção activa consuma-se com a oferta ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial a um funcionário para a obtenção de vantagem decorrente de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, enquanto que a consumação do crime de corrupção passiva se verifica no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita contrária aos deveres do cargo. 16- O que significa que o juízo valorativo da ilicitude a considerar é o que resulta da prática da promessa ou oferecimento e da aceitação do suborno e não a que resulta da execução do acto ilícito por parte do corrupto passivo. A não execução do acto ilícito pelo funcionário poderá posteriormente ser atendida na fixação da pena, funcionando como atenuante geral, mas não é necessária a existência de uma relação sinalagmática entre o acordo corruptivo e a prática de um concreto acto de violação das normas que regem a actividade pública desenvolvida pelo corruptor passivo 17- A autonomia típica entre a corrupção activa e a corrupção passiva impõe que a punição dos respectivos agentes se deva determinar isoladamente, em função de cada um dos correspondentes preceitos incriminadores, devendo mesmo assinalar-se que a oferta de suborno configura um crime de corrupção activa consumada ainda quando recusada e o pedido de suborno configura um crime de corrupção passiva consumada ainda quando rechaçado e que pode mesmo haver crime de corrupção activa e crime de corrupção passiva sem que fique demonstrado que a solicitação, aceitação ou oferta de peita têm por objectivo a prática de um acto concreto e determinado. 18- Quer para o tipo legal matricial do Código Penal, quer para o crime especial da responsabilidade de titulares de cargos políticos, não é indispensável que a conduta prometida ou efectuada pelo empregado público em contrapartida do suborno se inclua na esfera das suas específicas atribuições ou competências, sendo suficiente que a actividade visada pela gratificação se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo. 19- Num concreto circunstancialismo de facto em que os eventos da vida real em que se traduziu o mercadejar do cargo na corrupção passiva são exactamente os mesmos dos que são susceptíveis do preenchimento do elemento “vantagem patrimonial” do crime da corrupção activa, a punição dessas condutas pela aplicação do regime de concurso efectivo de crimes previsto no artigo 77º do Código Penal significaria uma intolerável violação do princípio jurídico-constitucional da proibição de dupla valoração do artigo 29º nº 5 da CRP. 20- A existência de uma conexão objectiva e/ou subjectiva deixa transparecer que o sentido de ilícito correspondente ao crime na forma passiva se configura como absolutamente dominante, enquanto o crime da forma activa surge apenas como subsidiário, dependente ou mesmo instrumental, pelo que a condenação pelo ilícito típico mais grave da corrupção passiva exprime de forma suficiente e proporcional o desvalor do comportamento global e se deve considerar a verificação de um concurso aparente ou impuro entre os tipos de crime de corrupção activa e passiva, justificando-se, porém, que o ilícito excedente ao crime na forma passiva seja oportunamente considerado na medida concreta da pena correspondente ao crime na forma activa. 21- O crime de peculato de uso tem como elementos objectivos do tipo: - um funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso; - para fins alheios àqueles a que se destinem; - de coisa imóvel, de veículos, de outras coisas móveis ou de animais de valor apreciável, públicos ou particulares; - entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções; ou, - funcionário dar a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado;- sem que especiais razões de interesse público o justifiquem. 22- e, como elemento subjectivo, o dolo, em qualquer uma das suas formas. Dir-se-á que a intenção do agente não é a de fazer seu o bem, mas a de o usar temporariamente, ou de permitir o seu uso, tendo que existir ab initio a intenção de restituição. 23- O bem jurídico protegido pela incriminação do peculato de uso consiste na integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário. Está essencialmente em causa, a protecção do bom andamento, legalidade e transparência da administração, através da repressão de abusos de cargo (função) por parte de funcionários que, em razão das suas funções, têm a posse de determinados bens. 24- O crime de tráfico de influência tem como elementos objectivos do tipo: - solicitação ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial por entidade pública, ou a sua promessa; - para abusar da sua influência, real ou suposta; - por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação; - para si ou para terceiro; - com o fim de obter uma qualquer decisão ilícita favorável; ou, - com o fim de obter uma qualquer decisão lícita favorável e, como elemento subjectivo, o dolo, em qualquer uma das suas formas. 25- O crime de tráfico de influência é um crime de perigo abstracto (quanto ao bem jurídico) e de mera actividade (quanto ao objecto da acção) e para a consumação do crime não é necessário que a influência seja exercida, que seja obtida uma decisão (lícita ou ilícita) favorável. 26- Quer no crime de corrupção, quer no crime de tráfico de influência, o bem jurídico que se visa proteger consiste na autonomia intencional do Estado. 27- No caso vertente, existem os três ingredientes que impedem a dupla incriminação: há uma clara identidade do bem jurídico; existe unidade (e não pluralidade) de resoluções criminosas do agente; existe uma conexão temporal dos vários momentos da conduta em apreço. São estes os critérios aferidores a ter em conta, quando se trata de perscrutar a matéria do concurso de crimes ou da sua unidade. 28- O crime de prevaricação tem como elementos objectivos do tipo: - condução ou decisão um processo por titular de cargo político em que intervenha no exercício das suas funções; - conscientemente contra direito. E, como elemento subjectivo: - o dolo, excluindo a forma eventual em face da utilização da expressão “consciente” pela norma legal; e, - especial intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém. Para o cometimento do crime de prevaricação não é necessária a existência de prejuízo para a entidade adjudicante, mas que o agente, conscientemente, conduza – ou decida – contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém. 29- A doutrina caracteriza o bem jurídico protegido nesta incriminação como a necessidade de assegurar aos cidadãos que qualquer serviço que envolva a prestação de uma actividade pública funciona de acordo com a lei, respeitando o ordenamento jurídico, sendo eficaz na sua actuação. 30- É preciso distinguir o que deve ser sancionado penalmente e o que merece eventualmente uma sanção disciplinar. Uma decisão que assente numa possível (ainda que isolada) interpretação de norma jurídica aplicável ao caso tratado no processo, não deverá ser considerada contra direito se for "objectivamente defensável" e se nela não se surpreenderem "motivos contrários à Ordem Jurídica” nomeadamente o intuito de prejudicar ou favorecer alguém. 31- A pena de suspensão de execução da prisão constitui uma pena de substituição em sentido próprio, autónoma e distinta da pena de prisão de cumprimento efectivo em meio institucional. 32- Suscitando-se a eventualidade de opção pela pena de suspensão da execução de prisão, se o facto revelar um flagrante e grave abuso da função ou manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes ou ainda quando o facto revelar indignidade no exercício do cargo, o tribunal pode impor o cumprimento de deveres e/ou o cumprimento de regras de conduta referentes ao exercício da profissão que se revelarem necessárias, adequadas e proporcionais, ao abrigo do disposto nos artigos 51º e 52º do Código Penal. 33- A pena de suspensão de execução de prisão não preenche o pressuposto formal de aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função. Uma vez que não se verifica uma condenação em pena de prisão efectiva, sendo os arguidos condenados em pena de substituição, de diferente natureza, a pena acessória de proibição de exercício de função não lhes pode ser aplicada. 34- O sistema legal português actual contempla: a) a perda clássica dos instrumenta/producta sceleris (Art.ºs 109.º e 110.º, do Código Penal); b) a perda clássica das vantagens do crime (Art.ºs 111.º e 112.º, do Código Penal); c) a perda alargada (Art.º 7.º e ss. da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), que consagra um sistema de confisco, nos termos do qual «se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito (Art.º 7.º, n.º 1). 35- Para decidir a liquidação, o tribunal deve ter em consideração toda a prova produzida no processo. A base de partida é o património do arguido, todo ele, pois o conceito é utilizado no mencionado, numa perspectiva omnicompreensiva, de forma a abranger não só os bens de que o arguido seja formalmente titular (do direito de propriedade ou de outro direito real), mas também aqueles de que ele tenha o domínio de facto e de que seja beneficiário (i.e., os bens sobre os quais exerça os poderes próprios do proprietário), à data da constituição como arguido ou posteriormente. Para este efeito, incluem-se, no património do arguido, os bens transferidos para terceiros de forma gratuita ou através de uma contraprestação simbólica nos cinco anos anteriores à constituição de arguido e os por ele recebidos no mesmo período. Apurado o valor do património, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita, auferidos pelo arguido naquele período. Se desse confronto resultar um “valor incongruente”, não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, uma vez que, condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) de origem ilícita desse valor. ( Sumário elaborado pelo relator )
Texto Integral
Acordam os juízes desembargadores no Tribunal da Relação de Lisboa[1],
I- RELATÓRIO
1. Nestes autos de processo comum nº do Juízo Central Criminal de Lisboa (Juiz 15) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, após a realização da audiência de julgamento, foi proferido o acórdão que termina com o seguinte dispositivo (transcrição):
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo deliberaram:
A– Absolver o arguido AF da prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos no núcleo B);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em autoria material (factos relacionados com o acordo firmado com EB, descritos no Núcleo C);
- um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 1 e 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com o arguido AS (factos relacionados com JS, descritos no Núcleo C);
- um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos relacionados com BS descritos no Núcleo C);
- um crime de branqueamento de capitais, p. e p., pelo artigo 368.º-A n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo D).
- dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (factos acima descritos sob o ponto E);
- um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos MM, JA e MP (factos descritos no núcleo F-1.).
A.1– Condenar o arguido AF da prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B) na pena parcelar de 9 (nove) meses de prisão;
- um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87 (factos descritos sob o ponto E) na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, (factos acima descritos sob o ponto E) na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
A.3– Condenar o arguido AF em cúmulo jurídico de penas nos termos do artigo 77.º do Código Penal na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
A.4– Condenar o arguido AF nos termos do artigo 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código Penal na pena acessória de suspensão do exercício de funções públicas pelo prazo de 3 (três) anos, sendo levado já em conta o tempo de suspensão já cumprido.
B– Absolver o arguido Z pela prática, em concurso efectivo e como autor material, de:
- um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, como autor material (factos descritos no núcleo B);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
B.1.- Condenar o arguido Z pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335.º nº 2 do Código Penal (factos descritos no núcleo B) na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros, o que perfaz a quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros).
B– Absolver o arguido ZB pela prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, em co-autoria com o arguido Z (factos descritos no núcleo B);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
B.1.- Condenar o arguido ZB pela prática, como autora material, de um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335.º nº 2 do Código Penal (factos descritos no núcleo B) na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), o que perfaz a quantia de € 1500,00 (mil e quinhentos euros).
C– Absolver o arguido XB pela prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1 e 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b) do Código Penal, em co-autoria com o arguido Z (factos descritos no núcleo B);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, em co-autoria com o arguido Z (factos descritos no núcleo B).
D– Absolver o arguido MP pela prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com o arguido AF (factos descritos no núcleo B);
- um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com MM, JA e AF (factos descritos no ponto F-1.);
- um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com MM (factos descritos no ponto F-2).
E– Absolver o arguido JA pela prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 27.º n.º 1 e n.º 2 e 28.º n.º 1 do Código Penal, como cúmplice do arguido AF (factos descritos no núcleo B);
- um crime de Prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 28.º n.º 1 do Código Penal, em co-autoria com os arguidos MM, AF e MP (factos descritos em F-1);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal (Líbia) (factos descritos em F-2);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal, em co-autoria com o arguido MM (factos descritos em F-3).
F– Absolver o arguido EB pela prática, como autor material, de:
- um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d) e) e f), da Lei nº 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b) do Código Penal (factos relacionados com o acordo firmado com o arguido AF descritos no Núcleo C).
G– Absolver o arguido AS pela prática, em concurso efectivo, de:
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos AF, PE, PV, JG e EA (factos relacionados com o acordo firmado com EB, descritos no Núcleo C); e,
- um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 1, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com o arguido AF (factos relacionados com JS descritos no núcleo C).
H– Absolver a Arguida EA da prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos AF, PE, PV, JG e AS (factos relacionados com o acordo firmado com EB, descritos no Núcleo C).
I– Absolver o arguido PE da prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos AF, EA, PV, JG e AS factos relacionados com o acordo firmado com EB, descritos no Núcleo C do texto da acusação);
J– Absolver o Arguido JG pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos AF, EA, PV, PE e AS (factos relacionados com o acordo firmado com o arguido EB, descritos no Núcleo C).
L– Absolver o arguido PV pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos AF, EA, PE, JG e AS (factos relacionados com o acordo firmado com o arguido EB, descritos no Núcleo C).
M– Absolver o arguido JS pela prática, como autor material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 2 e 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.
N– Absolver o arguido FP pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p., pelo artigo 368.º-A, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, em co-autoria com AF (factos descritos no Núcleo D).
O– Absolver a arguida MA pela prática, em concurso real, de dois crimes de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2, do Código Penal (factos acima descritos sob o ponto E).
O.1– Condenar a arguida MA pela prática, em concurso real, de:
Um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos acima descritos sob o ponto E do texto da acusação); e,
Um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 18.º n.º 1 ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (factos acima descritos sob o ponto).
O.2– Condenar a arguida MA em cúmulo jurídico de penas nos termos do artigo 77.º do Código Penal na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
O.3– Condenar a arguida MA nos termos do artigo 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código Penal na pena acessória de suspensão do exercício de funções públicas pelo prazo de 3 (três) anos, sendo levado já em conta o tempo de suspensão já cumprido.
P– Absolver o arguido MM pela prática, em concurso efectivo, de:
Um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alínea a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos em F-1);
Um crime de Prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-2);
Um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal, em co-autoria com o arguido JA (factos descritos no ponto F-3); e,
Um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d), ambos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-4).
Q– Absolver o arguido PLC pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de dois crimes de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (factos descritos nos pontos F-2 e F-3).
R– Absolver a arguida "LP,Ldª." pela prática de um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d) e) e f), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b), 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal, em concurso aparente, com o crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 374.º n.º 1, 374.º-A n.º 2, por referência aos 386.º n.º 1 alínea d), 202.º alínea b), 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal (factos relacionados com o acordo firmado com o arguido AF descritos no Núcleo C).
S– Absolver a arguida "FZ,Ldª." pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1 e 19.º n.º 2 e n.º 3, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, com referência aos 202.º alínea b), 28.º n.º 1 e 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal, em concurso aparente, com o crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 373.º n.º 1, 374.º-A n.º 2, por referência aos 202.º alínea b), 386.º n.º 1 alínea d) e 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal (factos relacionados com o acordo firmado entre os arguidos AF e EB descritos no núcleo C).
T– Absolver a arguida "ILS, LDª–Área da Saúde, Ld." pela prática de um crime de tráfico de influência, p. e p., pelos artigos 335.º n.º 1 alínea a) e 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal (factos descritos no ponto F-3.).
U– Absolver a arguida "JAG,Ldª." pela prática de um crime de tráfico de influência, p. e p., pelos artigos 335.º n.º 1 alínea a) e 11.º n.º 2 alínea a) e n.º 4 do Código Penal (factos descritos no Núcleo F-2 e F-3).
Mais vão os arguidos AF, Z, ZB e MA condenados no pagamento de 6 UC e, solidariamente, nas custas.
Ordena-se a restituição de todos os bens e objectos apreendidos aos arguidos neste processo, consignando-se que neste universo não se incluem os bens e direitos objecto de arresto, os quais terão tratamento expresso nos respectivos apensos.
V– julgar o pedido de perda ampliada improcedente, por não provado e, consequentemente, deliberaram:
- não declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 231.517,55 (duzentos e trinta e um mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos) e absolver o arguido AF de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 512.673,24 (quinhentos e doze mil seiscentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) e absolver os arguidos Z e ZB de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 56.543,78 (cinquenta e seis mil quinhentos e quarenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e absolver o arguido MP de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 717.444,11 (setecentos e dezassete mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e onze cêntimos) e absolver o arguido JA de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 215.839,29 (duzentos e quinze mil oitocentos e trinta e nove euros e vinte e nove cêntimos) e absolver o arguido AS de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 239.682,81 (duzentos e trinta e nove mil seiscentos e oitenta e dois euros e oitenta e um cêntimos) e absolver o arguido PE de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 239.682,81 (duzentos e trinta e nove mil seiscentos e oitenta e dois euros e oitenta e um cêntimos) e absolver o arguido PE de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 32.072,30 (trinta e dois mil e setenta e dois euros e trinta cêntimos) e absolver o arguido JG de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 21.801,06 (vinte e um mil oitocentos e um euros e seis cêntimos) e absolver o arguido PV de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 746.417,05 (setecentos e quarenta e seis mil quatrocentos e dezassete euros e cinco cêntimos) e absolver a arguida MA de pagar esse montante ao Estado Português.” Recurso do arguido AF..
O arguido AF interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“VÍCIOS QUE RESULTAM DO PRÓPRIO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA - CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (ARTIGO 410, N.º 2, AL. B) DO CPP)
1. A fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida padece de contradições insanáveis, nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, al. b) do CPP nos segmentos seguintes:
2. O Tribunal a quo deu como provados os pontos E.85 (relativa à PRONÚNCIA) e também os pontos E.175 e E.176 (relativa à CONTESTAÇÃO do Recorrente) factos que, conjuntamente apreciados são, entre si, contraditórios.
Assim,
3. Do ponto E.85 da matéria de facto provada relativa à PRONÚNCIA resulta que “Ainda no mesmo dia 19 de dezembro de 2013, o arguido AF contactou por telefone o presidente do júri o Dr. JM com vista a condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri e cuja publicação havia evitado.”
4. Do ponto E.175 da matéria de facto provada relativa à CONTESTAÇÃO do Recorrente resulta que “Considerando o apoio por parte da Secretária-Geral à candidata CF , o arguido AF consultou o Dr. JM, Vice-Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e elemento do júri do concurso, tentando aferir acerca da escolha feita.”
5. Do ponto E.176 da matéria de facto provada relativa à CONTESTAÇÃO do Recorrente, resulta que “O arguido AF apenas reportou ao Dr. JM o interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.”
6. Ora, não pode resultar provado que o Recorrente tenha, simultaneamente, tentado “condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri” e tenha “tentado aferir acerca da escolha feita”, tendo “apenas reportado ao Dr. JM o interesse preferencial da Secretária Geral do MJ”, no âmbito do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do IRN.
7. Assim, a decisão sobre tais pontos (E.85, E.175 e E.176) da matéria de facto provada padece de contradição insanável, nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, al. b) do CPP.
E ainda,
8. O Tribunal a quo deu como provados e não provados factos que, conjuntamente apreciados são, entre si, contraditórios.
Assim,
9. Do ponto E.112 da matéria de facto provada relativa à PRONÚNCIA, resulta que MA pediu a AF para que envidasse esforços junto do Ministro da Administração Interna, MM, no sentido de HM ser provido ao cargo de Secretário de Estado do MAI.
10. Do ponto E.182 da matéria de facto provada relativa à CONTESTAÇÃO do Recorrente resulta que “na sequência de um pedido efetuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, num encontro ocasional e passageiro, sem, no entanto, pedir o que quer que fosse, que o Dr. HM estava a concorrer ao cargo de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos do MAI.”
11. Do ponto E.g) da matéria de facto não provada relativa à PRONÚNCIA, resulta que o Tribunal a quo considerou não provado a circunstância de MA querer beneficiar HM no procedimento concursal para Secretário-Geral do MAI.
12. Não pode resultar, simultaneamente, provado e não provado a intenção de MA em querer beneficiar HM, bem como a intenção do Recorrente em ter acedido a usar a amizade que sabia que este tinha junto do Ministro da Administração Interna.
13. Assim, a decisão sobre tais pontos (E.112 e E.g)) da matéria de facto provada e não provada, respetivamente, padece de contradição insanável, nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, al. b) do CPP.
IMPUGNAÇÃO QUANTO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
NÚCLEO B
14. Relativamente ao núcleo B, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada (todos da pronúncia) que o Recorrente considera incorretamente julgados (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410, n.º 2 alínea a) do CPP):
15. Pontos B.40, B.44 e B.45, B.99, B.118, B.120, B.122, B.124, B.129, B.136, B.146, B.167, B.172, B.205, B.257, B.261, B.279, B.313, B.315, na medida em que se imputa ao Recorrente a execução de um acordo com o arguido Z, nos termos do qual incumbiria ao Recorrente favorecer terceiros, providenciando um atendimento personalizado e prioritário, praticar actos fora da sua esfera de competência formal, instrumentalizar meios materiais e humanos do IRN, afetando-os à prossecução de uma atividade totalmente alheia aos interesses públicos prosseguidos pelo IRN eexclusivamente afeta à atividade lucrativa de terceiros, em particular, os interesses comerciais do arguido Z, fazendo uso do ascendente hierárquico e funcional que detinha sobre as pessoas que determinava, em abuso dos seus poderes hierárquicos, violando os princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade a que estava adstrito;
16. Pontos B.776, B.777 e B.778, na medida em que se imputa ao Recorrente a atuação com dolo, nos termos aí descritos.
17. Pontos B.779 a B.786, na medida em que se imputa ao Recorrente a atuação com dolo, e a afetação dos veículos automóveis do Estado, exclusivamente, ao desenvolvimento de atividade privada de natureza lucrativa, fazendoum uso abusivo e indevido de tais veículos, nos termos aí descritos.
18. Relativamente ao núcleo B, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do artigo 412, n.º 3, alínea b) do CPP):
19. Neste particular há que frisar que dos vários meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, não resulta que tenha existido qualquer acordo com o sentido descrito nos pontos B.40, B.44 e B.45, B.99, B.118, B.120, B.122, B.124, B.129, B.136, B.146, B.167, B.172, B.205, B.257, B.261, B.279, B.313, B.315 e B.779 a B.786 da matéria de facto provada (páginas 160 a 300 do ACÓRDÃO).
20. De nenhum meio de prova testemunhal ou documental resulta, sequer, um vislumbre do acordo e da intencionalidade descritos.
21. Sendo de frisar que o Tribunal a quo considerou que “os depoimentos das testemunhas foram prestados com conhecimento direto dos factos e de forma isenta e com respeito pela verdade dos factos” (cfr. expôs na sua motivação da matéria de facto, especificamente quanto ao núcleo B, cfr. página 952 do ACÓRDÃO).
22. Para o ACÓRDÃO, a existência do dito acordo é facto determinante para a conclusão de que o Recorrente agiu com dolo, tratando-se, assim, de faces de uma mesma moeda. O dolo residiria no estabelecimento do acordo e na respetiva motivação, tendo em conta os fins a que se destinava [ver a este respeito, De acordo com o exposto na página 956 do ACÓRDÃO[2]].
23. Sucede que, salvo o devido respeito, não resulta, sequer da prova indireta (e mormente a apontada conversa telefónica) que os atos praticados pelo Recorrente (essencialmente, as indicações que deu ao secretariado para intervir em determinados procedimentos) correspondam a qualquer sinalagma (seja com o arguido Z ou com qualquer outra pessoa).
24. A esta conclusão chegaremos facilmente, atentarmos nos depoimentos do próprio Recorrente e das suas secretárias (cujos depoimentos relevam para a compreensão e contextualização do comportamento do Recorrente), conjugados com a própria matéria de facto provada sob os pontos B.787 a B.831 [páginas 477 do ACÓRDÃO].
25. Assim, o ACÓRDÃO deu como provado na página 497: “As reformas implementadas pelo arguido AF tiveram sempre como bússola e como norte a prossecução do interesse público e não qualquer espúrio interesse próprio ou de terceiros.” (ponto B.798 da nossa sistematização).
26. Resultou igualmente demonstrado que o Recorrente era uma pessoa disponível, sendo essa uma característica marcante da sua imagem enquanto dirigente. Isso mesmo foi confirmado pelas testemunhas CSS [3], e por FMN [4] que foram secretárias do Recorrente tendo trabalhado com este durante 10 anos.
27. O Recorrente era, nas palavras de MAN, uma pessoa muito acessível, muito aberta, muito afável, de muito fácil contacto[5]e, nas de FMN [6], uma pessoa que estava sempre pronta para ajudar; sempre disponível para atender fosse quem fosse; ou seja, mesmo um cidadão anónimo que, porventura lhe dirigisse um pedido de ajuda, podia contar com uma atitude prestável e solícita.
28. Era, efetivamente, esta forma de estar do Recorrente[7], que o levava a empenhar-se na satisfação dos pedidos que lhe eram dirigidos (cfr. ponto 803 da matéria de facto provada, página 497 do ACÓRDÃO).
29. Numa atitude que o caracteriza desde sempre – assim o confirma quem com ele trabalhou ao longo de 10 anos, como se viu – não tendo sido motivada pelo advento do fenómeno dos “vistos gold” ou por qualquer interesse espúrio.
30. Relevantes para esta matéria são, também, as próprias declarações que o arguido prestou na sessão de 13.11.2017 da audiência de discussão e julgamento[8]. Com efeito, o Recorrente referiu-se ao seu conceito de Administração Pública aberta, não contida em compartimentos, antes votada a uma sériedefunções e procedimentos que não corresponderiam a atos específicos do IRN. Por isso fazia parcerias com entidades privadas e desempenhava. Afirmou (e reafirma) o Recorrente que era evidente que havia na sua atuação disponível e solícita, uma componente que entendia que eram serviços públicos, independentemente de estar concomitantemente a ajudar um amigo; era efetivamente encarado pelo Recorrente como a prestação de um valoroso serviço público o fazer com que o projeto “vistos gold” fosse um sucesso.
31. Defendia que a Administração Pública devia ter um único qualquer local de atendimento onde o cidadão trataria de todos os assuntos da Administração Pública.
32. Daí derivou a interlocução com o SEF, as conservatórias e os demais serviços da administração. Não de qualquer intuito de cumprir um “acordo” com terceiros, na expectativa de obtenção de ganhos pessoais.
33. Não resultou provado qualquer acordo que servisse de móbil à conduta do Recorrente. Muito pelo contrário, provou-se que este agiu com uma intenção absolutamente salutar.
34. Uma vez que, de acordo com a motivação do ACÓRDÃO (cfr. página 956 e excertos já supra transcritos), a existência do alegado acordo constituiu facto determinante para a conclusão de que o Recorrente agiu com dolo, temos que a falta de prova do acordo leva, necessariamente, à falta de prova de que o Recorrente tenha agido com dolo.
35. Donde, não se provou o elemento subjetivo do tipo de ilícito do crime de peculato de uso. Neste particular, cabe recordar que “o tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo”[9], mas não é punível a título de negligência, cfr. as disposições conjugadas dos artigos 376 e 13[10] do Código Penal, motivo pelo qual deve o Recorrente ser absolvido da prática do crime de peculato de uso, pelo qual foi condenado em primeira instância.
36. Mesmo que assim se não entenda, a verdade é que, da prova produzida na audiência de julgamento (os depoimentos e documentos já aludidos supra e aqueles a que nos referiremos, doravante) resulta, de forma clara, que, mal ou bem, o Recorrente ignorou sempre que a utilização que fazia da viatura de serviço e as indicações que dava ao secretariado do IRN pudessem consubstanciar a prática do crime de peculato de uso.
37. Ou seja, agiu o Recorrente sem culpa, nos termos do disposto no artigo 17, n.º 1 do Código Penal, motivo pelo qual deve o Tribunal ad quem determinar a impunibilidade da respetiva conduta.
38. O Recorrente afirmou, de forma absolutamente credível, que nunca teve a perceção de que o seu comportamento pudesse ser reputado de ilícito (cfr. declarações já supra transcritas) e, por isso mesmo, em conformidade com a convicção de licitude do seu comportamento, nunca ocultou ou pediu que fossem ocultadas as deslocações que fez ou mandou fazer através da viatura de serviço ou as indicações que transmitia ao secretariado.
39. Conclusões que resultam, desde logo, dos factos que no ACÓRDÃO foram dados como provados. Em nenhum momento se assaca ao Recorrente o ter ocultado, tentado ocultar ou disfarçar aquilo que fazia, Bem pelo contrário, comportamento que indicia a tal convicção de licitude que sempre norteou a conduta adotada.
40. JAC (motorista do IRN) quando perguntado sobre se o Recorrente alguma vez lhe pediu para esconder as visitas que fazia, respondeu, perentoriamente, que “não, nunca pediu”; acrescentando, ainda, que, relativamente ao diário de km, colocavam os km que faziam no dia, aspeto esse em que o Recorrentenunca se meteu, nempediu para ocultar kms feitos”[11].
41. No mesmo sentido depôs a testemunha, NC (que, ocasionalmente, substituiu JAC), assegurando que procedia ao preenchimento regular de “uma folha diária de controlo de km”[12].
42. Também quanto às deslocações na viatura de serviço, ainda que se considere que a convicção do Recorrente quanto à licitude do seu comportamento era errada, a verdade é que, tal erro não lhe é censurável (nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17), face ao que se acha exposto no Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I), conforme se desenvolverá adiante.
43. Avulta da matéria de facto dada como provada que essa utilização ocorreu entre 25.9.2013 e 11.9.2014, concretamente nas seguintes situações: (i) Data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada (ponto B.175); (ii) 3.1.2014, 16h30 (ponto B.197); (iii) 6.1.2014, 14h01 (ponto B.194); (iv) 8.1.2014, aproximadamente às 14h52 (ponto B.201, referindo-se o ponto B.199 à hora aproximada); (v) 14.2.2014, a hora não concretamente apurada (ponto B.482); (vi) 20.2.2014, 15h37 (ponto B.209; de acordo com o ponto B.218, “no mesmo dia”, em data não concretamente apurada, terá ocorrido outra deslocação); (vii) 29.4.2014, aproximadamente às 17h00 (ponto B.222 referindo-se o ponto B.221 à hora aproximada); (viii) 1.9.2014, a jantar na Embaixada da República Popular da China (ponto B.249); (ix) 11.9.2014, “à hora do almoço” (ponto B.252).
44. Constata-se, assim, que o uso, alegadamente alheio aos fins do IRN, ocorreu, amiúde, nos períodos das refeições do Recorrente ou no final do dia, situação que o Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I), não prevê constituir qualquer infração.
45. O Regulamento visa criar normas, procedimentos e critérios de utilização de veículos, que promovam a racionalização do PVE, a segurança dos veículos e dos condutores e o controlo da despesa orçamental, assegurando, da mesma forma, o cumprimento das obrigações legais ou decorrentes de contrato (artigo 1 do Regulamento, fls. 38 do mencionado Ap. W, Vol. I); aplica-se à frota de veículos afetos ao IRN e a todos os trabalhadores que utilizam os mesmos (artigo 2 do Regulamento, fls. 38) e prescreve, também, que os veículos são classificados como veículos de serviços gerais, cujo destino é satisfazer as necessidades de transporte normais e rotinados dos serviços (artigo 3 do Regulamento, n.º 1, fls. 38 e artigo 8, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei 170/2008, de 26.8.).
46. Nos restantes normativos do Regulamento nada é estatuído quanto à possibilidade ou impossibilidade de utilização de viatura de serviço em áreas adjacentes ao local de trabalho, fora do horário laboral e de forma comportável no quotidiano do cidadão comum.
47. Por isso o Recorrente representou como lícita a utilização da viatura em todos os momentos e circunstâncias consideradas relevantes no ACÓRDÃO.
48. Finalmente, o Recorrente agiu, como se disse, na convicção de que lhe era lícito determinar o secretariado do IRN à prática de determinados atos – a realização de agendamentos (nomeadamente, reuniões ou prática de atos registrais), o envio de emails, o contacto telefónico, a impressão de documentos ou a consulta de bases de dados – votados à simplificação de procedimentos, designadamente, por via do reforço da colaboração entre organismos do Estado – exemplo: o IRN, o SEF, as Conservatórias – e da concentração de serviços.
49. Tudo isto em ordem a agilizar, desburocratizar e simplificar os serviços proporcionados pela Administração Pública (como se consignou no ponto 788 da matéria de facto provada, cfr. página 477 do ACÓRDÃO).
50. As indicações que dava ao secretariado do IRN – todas tendentes a simplificar procedimentos e, por vezes, a concentrá-los num único serviço – enquadram-se, plenamente no espírito da Portaria n.º 547/2009 de 25.5.[13], que, implementou o denominado “programa SIMPLEX”, mormente, mediante a criação de “balcões únicos” e a “simplificação transversal de procedimentos”.
51. Efetivamente, pode ler-se o seguinte no preâmbulo da Portaria n.º 547/2009 de 25 de maio: “No âmbito do programa SIMPLEX e com o objetivo de reduzir os custos de contexto e os encargos administrativos para as pessoas e as empresas, foram concretizadas numerosas medidas de simplificação na área dos registos de veículos, comercial, civil, predial e da propriedade industrial. Essas medidas refletiram-se em três eixos; criação de balcões únicos, simplificação transversal de procedimentos e disponibilização de novos serviços através da Internet. Assim, em primeiro lugar,foram criados novos serviços que permitem, em atendimento presencial único, todos os atos e procedimentos necessários a uma situação da vida de pessoas ou empresas, de forma mais simples, evitando formalidades dispensáveis e a constante deslocação a vários serviços e entidades. É o caso dos balcões «Nascer cidadão». «Divórcio com partilha», «Heranças», «Associação na hora», «Casa pronta», «Documento único automóvel», «Empresa na hora» e «Marca na hora»”.
NÚCLEO E
52. Relativamente aos núcleos E2, E3 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada que o Recorrente considera incorretamente julgados (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410, n.º 2 alínea a) do CPP):
Da PRONÚNCIA:
53. De forma integral, os pontos E.7, E.8, E.9, E.10, E.11, E.12, E.28, E.51, E.131, E.132, E.138, E.139, E.140 e E.141.
54. Ponto E.16 na parte em que imputa a MA e a AF a existência de um acordo firmado e, ainda, na parte em que imputa a MA a intenção de querer beneficiar AF quando afirma que agiu “em detrimento dos demais oponentes que se apresentassem, violou os deveres de sigilo e reserva a que estava obrigada.”
55. Ponto E.17 na medida em que imputa ao Recorrente o preenchimento dos requisitos para o exercício do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN “de acordo com o seu próprio perfil assim adequando os requisitos do concurso ao seu curriculum.”
56. Ponto E.18 estrita medida em que ACÓRDÃO dá como provado que os requisitos preferenciais se adequavam plenamente ao seu perfil pessoal e profissional do Recorrente.
57. Ponto E.27 na medida em que imputa ao Recorrente e a MA a existência de um acordo e que o apoio dado pelas funcionárias AMR, APE e CCF, com as quais colaboraram FMN e CSS foi prestado dentro do horário de trabalho.
58. Ponto E.29 e E.30 na parte em que imputa a MA o objetivo de conferir vantagem ao arguido AF e a violação do dever de sigilo a que estava obrigada e, ainda, na parte em que o questionário “iria ficar disponível online quando o concurso abrisse”.
59. Ponto E.36 na medida em que imputa a MA a alteração de documentos de acordo com os conhecimentos que, enquanto membro do júri da CReSAP, possuía relativamente àquilo que era essencial demonstrar no concurso, tendo em conta as percentagens já definidas para cada um dos itens do perfil em que ela própria tinha participado enquanto júri do concurso.
60. Ponto E.49 na medida em que imputa ao Recorrente a renovação do grupo de trabalho, o qual, com a ajuda da arguida MA, continuou a preparar a candidatura daquele nos termos em que o fizera anteriormente.
61. Ponto E.60 na medida em que imputa ao Recorrente AF o posicionamento numa situação de vantagem concorrencial perante os restantes candidatos, bem como imputa a MA ter violado dos deveres de isenção e sigilo a que estava obrigada.
62. Ponto E.61 na medida em que o Tribunal a quo dá como provado que o documento denominado Perfil de Competências Comportamentais era um documento estritamente confidencial.
63. Ponto E.67 na estrita medida em que o procedimento de extração da cópia em papel do resultado do testeAnálise do Perfil Pessoal foi alterado de forma a facilitar a consulta pelos membros do júri.
64. Ponto E.68 na medida em que imputa a MA o facto de ter tido acesso à Análise do Perfil Pessoal do Recorrente antes da entrevista, em data não apurada, mas entre o dia 4 e a manhã do dia 7 de fevereiro de 2014, bem como tivesse obtido indevidamente o resultado da prova.
65. Ponto E.71 na medida em que imputa a MA ter, durante a entrevista e com o objetivo de se antecipar a outro membro do júri na colocação da questão, confrontou o arguido AF, colocado a pergunta relativa ao estado de frustração, cuja resposta este tinha preparado com antecedência.
66. Ponto E.xvii na medida em que imputa a AF e MA terem garantido que dificilmente haveria outro concorrente com perfil semelhante, aquando da elaboração dos requisitos do cargo no concurso para Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
Da CONTESTAÇÃO do Recorrente:
67. Ponto E.150 na estrita medida em que os requisitos preferenciais não foram elaborados por e para o Recorrente.
68. Relativamente aos núcleos E2, E3 e E7, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do artigo 412, n.º 3, alínea b) do CPP):
69. Em primeiro lugar, o ACÓRDÃO dá como provada a existência de um acordo estabelecido entre o Recorrente e a Arguida MA, sem, porém, fazer, nem sequer esboçar, a demonstração do que afirma. Ou seja, não foi produzida prova que sustente a existência de um tal acordo, que teria como fito beneficiar o Recorrente no procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN (ou, na verdade, qualquer outro objetivo) a troco de contrapartidas que fechariam o sinalagma.
Na verdade,
70. É dado como provado o ponto E.5 da matéria de facto[14] relativo à longa relação de amizade existente entre os Arguidos, que remonta a 2004.
71. Contudo, não se vislumbra qualquer prova que tenha sido produzida e que reflita a existência de um acordo que envolvesse prestações recíprocas, violadoras das suas incumbências funcionais. Nada se trata para além de uma longa relação de amizade.
72. Contrariamente ao que é dado como provado pelo ACÓRDÃO no tocante ao conhecimento prévio da abertura do procedimento concursal para provimento do cargo para Presidente do Conselho Diretivo do IRN – cfr. pontos E.13 a E.26 da matéria de facto provada da pronúncia[15], a prova produzida em audiência de julgamento foi apenas num sentido: o Recorrente teria que ter conhecimento da abertura do procedimento na CReSAP para o cargo de Presidente do IRN antes dos demais oponentes. Tudo devido às funções que exercia à data.
73. A Arguida MA explicou[16] que o nascimento da CRe SAP criou nos vários dirigentes institucionais algumas manifestações (leia-se de desagrado). Os dirigentes de topo da administração pública não se conformavam com a obrigação de se sujeitarem a um concurso para cargos para os quais haviam sido nomeados pela tutela[17], designadamente porque a maioria já era, já tinha uma certa idade, tinha muita experiência nos lugares que estava a ocupar e, portanto, achavam que um concurso era perfeitamente desnecessário. De tal forma a que “a senhora Ministra começa a ver-se rodeada de muita gente que não estava disposta a concorrer a um concurso.”
74. A testemunha FFS[18] referiu que AF era um dirigente muito importante na perspetiva da receita do próprio Ministério. As pessoas talvez não saibam, enfim, com certeza aqui todos sabem, mas dentro do Ministério da Justiça, cerca de 50% das receitas são receitas próprias e não provêm do Orçamento do Estado. Mais explicou que AF lhe confidenciou intenção de sair do IRN, considerando que não estava interessado em concorrer à CReSAP[19].
75. Referiu, ainda, que AF era um dos dirigentes críticos da CReSAP[20]. Aliás, a instâncias de MJC [mandatária de MA], AF esclareceu que manifestou, junto da Senhora Ministra da Justiça, PTC, a sua intenção de sair da administração pública[21]. No entanto, a pedido da própria Ministra, não o fez, porquanto existiam vários projetos em curso que necessitavam de acompanhamento, tendo, a final, acedido a sujeitar-se ao concurso da CReSAP, pelo menos, até ao final do mandato dela, eu pudesse estar com ela e pudesse continuar com ela. E assumi, efetivamente, esse compromisso.[22]
76. Também MA confirmou esta preocupação que existiu junto do Ministério da Justiça, emanada da Ministra PTC e do Secretário de Estado, FFS, quando AF se demonstrou desinteressado em concorrer ao procedimento concursal para o cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN. Revelou, ainda, que foi a própria Ministra, que solicitou a MA que tentasse convencer AF a mudar de posição, no sentido de concorrer e, por conseguinte, apresentar a respetiva candidatura na CReSAP.[23]
77. A testemunha APE referiu que AF transmitiu aos serviços do IRN que não ia candidatar-se. Até porque estava cansado, tinha dificuldades em gerir, em ter que ir procurar, outra vez, papéis, que não estava, que não se ia candidatar[24]. A testemunha ficou preocupada com esta posição assumida por AF, atento os projetos em curso no IRN e que se tornariam inviáveis com a saída deste. Por isso se disponibilizou para auxiliar AF na candidatura à CReSAP, conforme se exporá infra.
78. Imbuída desse espírito que sabia existir dentro do Ministério da Justiça, sintetizável na enorme vontade em que AF prosseguisse no cargo, em função do excelente trabalho que tinha vindo a produzir, MA agiu em concordância com o que era expectável: tentou incentivar AF a concorrer ao procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN.
79. Não se tratou do estabelecimento de um qualquer acordo entre AF e MA, mas sim a prossecução de um desígnio político, diretamente emanado pelo Gabinete da Ministra da Justiça. Na verdade, numa tentativa de que os cargos do IRN não tivessem que passar no crivo CReSAP, MA esclareceu mesmo que, o Gabinete chegou a tentar alterar a Lei do Orçamento (à semelhança do que aconteceu no caso dos Magistrados e do pessoal do MNE) mas aí já não passou em Conselho de Ministros.[25]
80. Resultou claro dos depoimentos de PTC, APE, MRP, e das declarações de AF e MA que AF tomou conhecimento da abertura do procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN, em momento anterior à abertura do concurso.
81. Aliás, nem tal poderia ter acontecido de outra forma.
82. O Tribunal a quo dá como factos provados os pontos E.144 a E.148 e E.150, relativos à contestação do Recorrente, que explicam, por si só, a razão que subjaz ao facto do Recorrente ter tomado conhecimento da abertura do concurso antes dos demais oponentes e que, por facilidade, se passam a transcrever: 144. O arguido AF teria, necessariamente, que tomar conhecimento da abertura do procedimento concursal antes dos restantes oponentes. 145. A arguida MA, enquanto Secretária Geral do Ministério da Justiça, tinha como incumbência, atribuída pela Ministra da Justiça de proceder à elaboração dos documentos necessários para o efeito. 146. Como tal, seria imperativo a elaboração dos requisitos do cargo, perfil de competências de gestão, perfil de competências comportamentais e da carta de missão. 147. A arguida MA não poderia saber e decidir quais os requisitos especiais que deveriam ser levados em linha de conta para o cargo de Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", mormente os chamados requisitos preferenciais. 148. Nesta senda, o arguido AF, atuando enquanto dirigente máximo dos Registos e Notariado, e com um conhecimento único nesta matéria, tratou de auxiliar a Secretária-Geral do Ministério da Justiça e a pedido desta, remetendo o correio eletrónico de 16 de outubro de 2013, contendo os requisitos preferenciais que deveriam ser submetidos. 150. Era, de facto, este o perfil de Conservador que se pretende para o cargo de dirigente máximo dos Registos e Notariado.
83.Tendo em conta tal factualidade dada como provada, o Tribunal a quo não deveria ter dado (também) como provados os pontos E.16, E.17 e E.18 da matéria de facto relativa à PRONÚNCIA.
84.Dir-se-á, de forma sumária, que os pontos E.144 a E.148 e E.150, dados como provados e relativos à CONTESTAÇÃO do Recorrente, explicam a razão pela qual AF (i) tomou conhecimento do concurso em momento prévio e (ii) o porquê de ter auxiliado a Secretária-Geral no preenchimento dos documentos que foram remetidos para a CReSAP e que permitiram a abertura do procedimento concursal.
85. No entanto e à cautela, proceder-se-á à enunciação das concretas provas que, a terem sido atendidas, fariam com que os pontos E.16, E.17 e E.18 da matéria de facto relativa à PRONÚNCIA fossem considerados como não provados (na parte em que se os impugnou), tal como agora se peticiona.
86. Como explicou a testemunha PTC, os serviços que procedem ao preenchimento dos documentos que são, posteriormente, enviados à CReSAP para que os concursos sejam abertos[26].
87. Tendo MA sido incumbida pela Ministra da Justiça de desencadear o procedimento concursal, enviou aos serviços, designadamente a AF, na qualidade de dirigente máximo do IRN à data dos factos, os tais documentos para que este último a auxiliasse nessa empreitada.
88. Isto é, houve necessariamente uma coordenação entre o Gabinete da Ministra da Justiça – que procedeu ao envio dos documentos que os serviços deveriam preencher, designadamente Requisitos do Cargos, Perfil de Competências de Gestão, Perfil de Competências Comportamentais e Carta de Missão – e o IRN – que enviou os documentos preenchidos. Os emails que o demonstram constam dos autos:
. Apenso P, relatório 1, fls. 131 a 144 – Email enviado por MA contendo os documentos;
. Apenso P, relatório 1, fls. 154 – Resposta ao email de MA enviada por AF..
89. MA bem explicou ao Tribunal a quo que tanto a Secretaria Geral como o próprio Ministério não saberiam elaborar os requisitos indicados para o perfil do cargo, à semelhança do que aconteceu com a Carta de Missão[27]. Quem tinha o conhecimento do perfil que melhor se enquadrava no cargo seriam os serviços e não propriamente a tutela.
90. Nesta senda, o Recorrente, atuando enquanto dirigente máximo dos Registos e Notariado, e com um conhecimento único nesta matéria, tratou de auxiliar a Secretária-Geral do Ministério da Justiça, o que fez a pedido desta, remetendo o e-mail de 16.10.2013[28], contendo os requisitos preferenciais que deveriam ser submetidos.
91. Não porque se tratassem de requisitos preferenciais decalcados à sua própria imagem, mas sim porque eram os que efetivamente se enquadravam no exercício do cargo.
92. Repare-se que o ACÓRDÃO jamais infere que o Recorrente haja tido conhecimento da data e hora exatas em que o procedimento concursal seria aberto. O ACÓRDÃO indica apenas que o Recorrente teve conhecimento em momento anterior ao da abertura do concurso.
93. É, pois, natural e inevitável que AF soubesse da abertura do procedimento concursal porquanto foi o Gabinete da Ministra, na pessoa da Secretaria Geral, MA, que remeteu os vários documentos que deveriam ser preenchidos e que, posteriormente, acompanhariam o pedido de abertura do concurso junto da CReSAP[29].
94. Tudo o que se acabou de expor foi confirmado por AF aquando das suas declarações[30].
95. Mais: a testemunha APE afirmou que também os serviços eram conhecedores desta situação. Isto é, o IRN tinha conhecimento que, provavelmente, iria abrir a candidatura ao cargo porque o Sr. Dr. AF e os restantes membros do Conselho estavam nomeados provisoriamente. Portanto, internamente era do conhecimento de que a qualquer momento poderia abrir o lugar do cargo. Até porque tinham estado já a abrir esses lugares dentro do Ministério da Justiça, a que ele estava provisoriamente provido, digamos assim e, portanto, para cumprimento da lei, era expectável que a qualquer momento isso pudesse acontecer.[31]
96. A testemunha JM também confirmou esta factualidade[32].
97. A testemunha MRP[33] referiu que a carta de missão devia ser elaborada por um membro do governo, mas presume que possa haver articulação entre o governo e dirigente máximo[34].
98. A testemunha JB, Presidente da CReSAP, referiu que era o júri da CReSAP que definia o perfil.E definíamos o perfil. Uma vez definido o perfil, o que significa que, na prática, pegávamos no perfil que vinha do Ministério e víamos, para já, se ele era coerente. E, muitas vezes, alterávamos mesmo. Portanto, eu tive de alterar vários.[35]
99. Ou seja, os Requisitos do Cargo, mencionados no ponto E.21 do ACÓRDÃO[36] não são imutáveis, tratando-se de mera proposta remetida pelo Governo e sujeita a aprovação por parte do júri da CReSAP. Como tal, não corresponde à verdade que o perfil enviado pela arguida MA, na qualidade de Secretária-Geral do Ministério e atuando em nome da Ministra da Justiça, para abertura do concurso para provimento do cargo de Presidente do IRN, fosse um “fato à medida”, nascido de um acordo prévio entre esta e AF. Tudo isto porque, como já referido, os requisitos que compunham o perfil não eram definitivos, carecendo de aprovação da CReSAP.
100. O Recorrente rejeitou totalmente que o procedimento concursal em causa tenha sido “um fato à medida”, conjeturado entre si e a arguida MA. Mais a mais, os requisitos preferenciais foram posteriormente usados para novo procedimento concursal, levado a cabo pela CReSAP, e que culminou na nomeação de JM para o cargo de Presidente do IRN.
101. Era, de facto, este – e não outro - o perfil de Conservador que se pretendia para o cargo de dirigente máximo do IRN.
102.A adequada ponderação destes factos, solidamente apoiados na prova produzida, faz cair por terra a ficcionada tese do ACÓRDÃO, serventuária da fantasia criada na acusação, segundo a qual existia um “acordo” entre AF e MA que permitiu “viciar” o procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN.
103. Ao contrário da tese sustentada no ACÓRDÃO, designadamente os pontos E.27 e seguintes da matéria de facto provada relativa à PRONÚNCIA[37], a Arguida MA não conferiu vantagem, nem tão-pouco beneficiou o Arguido AF na candidatura ao procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN. Mais uma vez e nesta parte, o ACÓRDÃO ignorou a prova produzida em audiência de julgamento, conforme se passará a expor.
104. É verdade que AF contou com ao auxílio de AMR, APE e CCF, coadjuvadas por FMN e CSS com vista à preparação e preenchimento dos documentos que instruiriam a candidatura à CReSAP. No entanto, é falso que o tenham feito dentro do horário de serviço,
105. A testemunha APE referiu que a colaboração desenvolvida foi feita maioritariamente à distância[38], tendo reunido com as colegas AMR e CCF, no IRN. A testemunha refere que foi tudo feito “fora de horas”, em dois fins de dia[39].
106. As testemunhas JM[40], MMS[41], JR[42], APE[43], FMN[44], CCF[45] foram perentórias ao afirmar que a documentação que era exigida para instruir os concursos da CR e SAP – e não só para procedimento concursal para o cargo de Presidente do IRN – era complexa e de difícil preenchimento, pelo que os concorrentes socorreram-se do apoio de pessoas da sua confiança dentro do IRN para os auxiliarem na tarefa de preenchimento.
107. O envio do questionário de autoavaliação por MA a AF, por email em 23.10.2013 (antes da publicação do Aviso do Concurso), não visou beneficiar nem poderia ter beneficiado este no procedimento concursal porquanto já se encontrava disponível, desde 12.06.2013, no Diário da República n.º 112/2013, Série II de 2013-06-12, sob a epígrafe “ (Anexo a que se refere o n.º 2 do artigo 4.º)”, do Despacho 7533/2013 – Regulamento de Tramitação de Procedimentos[46] e disponível no website da CReSAP.
108. Aliás, a testemunha APE refere que tomou conhecimento do envio do aludido email, no entanto, apercebeu-se que o que constava desse questionário, o questionário ia em branco, e o questionário tem a informação que constava do Anexo, salvo erro de um despacho sete mil e qualquer coisa, quinhentos e trinta e três, salvo erro, que eu já tinha recolhido do site. Aliás, eu, por volta de meados de setembro, quando regressei de férias e quando me apercebi que o Sr. Dr. teria já disposição para se candidatar, eu fui ao site da CRESAP e recolhi a informação. Porque a informação está, essencialmente, toda no site. Estava e está toda no site. Portanto, desde a legislação que é aplicável, desde minutas, desde a forma como se elabora o Currículo. Tudo isso está no site da CRESAP. E eu já tinha essa informação toda na mão quando me foi reencaminhado esse documento. Eu olhei para o documento e pelos descritivos das competências que constavam desse documento, pareceram-me as que constavam do anexo.[47]
109. E, ainda, com relevância para os presentes pontos E.29 e E.30 da matéria de facto provada que se impugna, remete-se para a transcrição feita na motivação do presente recurso, relativo ao depoimento da testemunha APE, prestado em 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:10.43 a 00:10:50 da gravação.
110. Com efeito, não se retirou significado prático (nem qualquer vantagem) do envio do dito e-mail, nem tão-pouco foi violado o dever de sigilo a que estava obrigada MA, porquanto o documento era público.
111. E, relativamente ao preenchimento propriamente dito do questionário de autoavaliação, MA elucidou o Tribunal a quo de que as simples orientações que prestou a AF foram no sentido de reforçar o que já se encontrava vertido no curriculum do concorrente, bem como algumas correções “de português”, esta frase não interessa. Eu não estou… esta frase não interessa, ou esta coisa não faz, ou outra coisa.Não tem a ver com conteúdo[48].
112. Isto é, o questionário de autoavaliação era, na verdade, uma reprodução organizada e segmentada do curriculum dos concorrentes, sendo imperativo que ambos os documentos fossem absolutamente coincidentes[49].
113. Ademais, resulta claro tanto das declarações de MA[50], como das sms que constam do Apenso L, volume I, A4, fls. 378 e fls. 406-424, que as orientações dadas tiveram por base a profunda amizade entre os Arguidos, bem como o conhecimento que MA tinha da vida profissional de AF, designadamente ao nível de obra desenvolvida no IRN.
114. A bem da verdade, quem procedeu à elaboração do questionário de autoavaliação foi APE, que datilografou o que AF lhe ia ditando relativamente às várias rúbricas que constituíam o currículo e questionário de autoavaliação, tendo feito um resumo dos projetos em curso e das competências[51].
115. Quando o primeiro procedimento concursal para provimento do cargo para Presidente do Conselho Diretivo do IRN ficou deserto, o concurso foi reaberto, nos termos do respetivo regulamento[52].
116. O ACÓRDÃO indica, no ponto E.49 da matéria de facto provada da PRONÚNCIA, que a arguida MA continuou a preparar a candidatura daquele, nos termos em que o fizer anteriormente, indicando como prova a transcrição da escuta telefónica que consta do Apenso C, Volume I, fls. 2.
117. Ora, a escuta em causa consubstancia uma conversa telefónica tida entre o Arguido AF e APE, em que a última apenas dá nota que o Concurso já teria sido reaberto e que aguardavam a publicação em DR.
118. Assim, desta concreta prova enunciada não é possível afirmar que MA continuaria a preparar a candidatura de AF à CReSAP.
119.Foi dado como provado, no ponto E.51 dos factos relativos à Pronúncia, que MA, munida da password pertencente ao arguido AF, acedeu ao site da CReSAP, na parte reservada à candidatura daquele, e alterou dados que tinham sido introduzidos pelo grupo de trabalho do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." nos documentos de Auto Avaliação e Curriculum Vitae.
120. Ora, tal facto não poderia ter resultado provado na medida em que não foi produzida prova nesse sentido. Aliás, foi produzida prova do contrário pelo depoimento das testemunhas APE[53], CCF[54], FMN[55], MAN[56] e declarações do Recorrente[57].
121.É ainda dado como provado, nos pontos E.54 e E.55, que MA deu a nota mais alta no segmento da avaliação curricular.
122. Ora, é verdade que MA atribuiu a nota de 18.548 valores no segmento da avaliação curricular do Recorrente (ponto E.54 da matéria de facto provada). É também verdade que, tal como se infere do ponto E. 55 da matéria de facto provada, que a nota atribuída por MA ao Recorrente foi superior em 3,225 valores à nota dada pelo Presidente da CReSAP, o Professor JB, em 3,665 valores à nota dada pela Vogal Permanente, a Professora MMA, e em 3.090 valores à nota dada pela Perita MRP..
123. No entanto, a atribuição de tal nota não significou que MA tivesse querido beneficiar o Recorrente. Isto é: MA atribuiu a tal nota à parte curricular do Recorrente e justificou essa atribuição convenientemente. Tal como explicou a testemunha JB “quando a nota que aparecia, final, era supe, igual ou superior a três valores, se havia, por exemplo, a média, normalmente, andávamos, vamos imaginar um caso: doze, doze e meio, doze e setenta e cinco, treze. Aparecia-me alguém com dezasseis. Quem deu o dezasseis precisava explicar aos membros do Júri porque razão é que deu o dezasseis. Porque uma nota, uma diferença de três valores é muitoacentuada[58].
124. Também a testemunha JB referiu que atribuiu a nota de 15 valores a AF, apesar de não o fazer de forma habitual, conquanto aquele 15, é uma nota das notas mais elevadas[59].
125.A mesma testemunha acrescentou que a fundamentação dada por MA teve aceitação junto dos demais membros do júri, na medida em que ela conhecia a pessoa em causa, uma vez que estava há muitos anos à frente do Instituto de Registos e Notariado. Quase que juro que uma primeira intervenção foi esta. Portanto, conhecia, portanto, tinha dados que nós, efetivamente... frescos, (impercetível) conhecimento da pessoa em causa, que nós não teríamos. E aqui – não sei como é que é do ponto de vista jurídico – mas do ponto de vista técnico, é importante que aquelas duas pessoas que representavam o Ministério, são fundamentais num Júri de recrutamento e seleção porque elas têm um apport sobre a realidade do Ministério que os dois, o Presidente e o coiso, só por mero acaso é que terão. E, portanto, eu respeitava muito esse apport. Se alguém dizia, vindo do Ministério – e utilizei isto para todos: olhe, porque a pessoa, etc., etc.[60]
126. No ponto E.60 da matéria de facto dada como provada[61] refere-se que o Recorrente solicitou a MA que lhe facultasse o Perfil de Competências Comportamentais para preparação da entrevista.
127. Mais refere o ACÓRDÃO que este documento era sigiloso e que os concorrentes não deveriam ter acesso a ele.
128. Na verdade AF enviou uma sms a MA pedindo-lhe o “Perfil de Competências Comportamentais”, nos termos que se transcrevem[62]:"Ola Toninha! Como vai o fim de semana? Estou a preparar-me para a entrevista e os testes. Se puder enviar-me perfil de competências comportamentais era bom"
129. Mas cumpre esclarecer que o Perfil de Competências Comportamentais é um documento que se divide em duas partes: uma parte pública e outra sigilosa.
130. Ora o ACÓRDÃO induz, sem sustento probatório, que o pedido de AF a MA se dirigia à parte “sigilosa” do perfil de competências comportamentais quando isso não é verdade.
131. O Recorrente AF não pediu a MA um documento sigiloso. Pediu, sim, um documento que foi tornado público no aviso integral de abertura do concurso publicado no website da CReSAP[63]. Um pedido que se justifica atenta a infoexclusão manifesta patentetada por aquele.
132. Para além de que não consta dos presentes autos qualquer email enviado por MA em esta que remeta ao Recorrente o dito documento.
133. Chama-se a atenção para o facto de o Recorrente ter aconselhado JM[64] e JR[65] que consultassem esse preciso documento, disponível no website da CReSAP, para que também eles melhor se preparassem para os concursos para os quais estavam a concorrer.
134. Face ao exposto, os pontos E.60 e E.61 deveriam ter sido dados como não provados, o que se peticiona.
135. A testemunha LPN[66] confirmou o procedimento adotado pela CReSAP no que concerne à prova de Aptidão Pessoal e Profissional, que consiste num teste on-line na plataforma Thomas International. Explicou que após cada candidato terminar o teste, a própria testemunha fazia a finalização que permitia o envio do relatório ao secretário designado para aquele concurso. Na qualidade de vogal permanente, recebia sempre uma cópia com o nome do candidato e relatório.[67]
136. Mais explicou que o teste ficava na guarda... Em primeiro lugar, sob o ponto de vista informático, ficava no Sistema da Empresa que detém... a propriedade do teste. Concretamente a Thomas International. Em termos da CRESAP, eu recebia o mail com o relatório em PDF e o Secretário Técnico do concurso recebia, também, o relatório. Esse relatório ficava no processo em causa.[68]
137. Apesar de ser este o procedimento adotado inicialmente, a testemunha IS referiu que passou a imprimir uma cópia para cada elemento do júri, de forma a facilitar o acesso e consulta ao teste, durante as entrevistas.
138. Tal, foi, aliás, confirmado pela testemunha LPN, referindo que, a dado momento soube que era esse o procedimento que estava a ser adotado, pese embora, não estivesse legalmente tipificado[69], bem como pelas testemunhas SF[70] e IMN[71], ambas secretárias técnicas da CReSAP.
139. Também a testemunha JB, confirmou que aconselhava os membros do júri a chegarem mais cedo, precisamente para que tivessem tempo para consultar os resultados do candidato[72].
140. A adoção desse procedimento fez com que MA tivesse tomado conhecimento no dia da entrevista (e não antes)da existência de um estado de frustração na função que poderia afetar o desempenho do cargo.Tal resulta óbvio do auto de transcrição de conversações que indica a hora – às 9 horas e 9 minutos do dia da prova - a que MA remeteu a aludida sms a AF[73].
141. No ponto E.71 da matéria de facto dada como provada relativa à PRONÚNCIA, estabelece-se que MA confrontou o Recorrente com esta questão da frustração, tendo-lhe dirigido, na entrevista, uma pergunta a esse respeito.
142. Ora, tal afirmação não tem sustentação probatória e MA negou ter dirigido essa pergunta a AF, que se prende com o nível de frustração na função ao Recorrente, aquando da entrevista.[74]
E-4. Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." a que concorreu CF..
143. Relativamente aos núcleos E4 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada que o Recorrente considera incorretamente julgados (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410, n.º 2 alínea a) do CPP):
Da PRONÚNCIA:
144. Ponto E.79 na estrita medida imputa ao Recorrente e a MA a existência de um acordo.
145. Ponto E.81 na estrita medida em que imputa ao Recorrente a emissão de uma ordem a AFF para que suspendesse a publicação da deliberação.
146. Ponto E.82 na medida em que imputa ao Recorrente o objetivo de manipular o resultado do concurso.
147. Ponto E.83 na medida em resultou provado que, pese embora o pedido do Recorrente, o envio dos documentos para publicação em Diário da República do Aviso da Proposta de Designação dos candidatos que o Júri propôs não foi sustido.
148. Ponto E.85 na medida em que imputa ao Recorrente o objetivo de condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri, bem como o facto de ter evitado a publicação.
149. Ponto E.86 na estrita medida em que imputa ao Recorrente determinada conduta que não resultou provada.
150. Ponto E.87 na medida em que imputa ao Recorrente um estado de frustração por não ter logrado influenciar a decisão de JM, o que não resultou provado.
151. Ponto E.xxi na medida em que resultou provada a "vontade" da Secretária-Geral do Ministério da Justiça para integrar CF no cargo de Chefe de Divisão do Sector de Administração de Recursos Humanos, por a considerar uma excelente funcionária e, por isso, uma ótima aquisição para o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", e o Recorrente tratou de saber se a escolha estava devidamente fundamentada, para que não se viesse a acusar o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." de estar a favorecer o candidato oriundo da casa, e em caso de reclamação ou recurso estar o concurso devidamente blindado, e ainda para não se gerarem conflitos institucionais entre o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e a Secretária-geral.
152. De forma integral, os pontos E. 84, E.134 e E.137.
153. Relativamente aos núcleos E4 e E7, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do artigo 412, n.º 3, alínea b) do CPP):
154. O Tribunal a quo dá como factos provados os constantes dos pontos E.172[75], E.175[76] e E.176[77], relativos à contestação do Recorrente, que explicam, por si só, a conduta por este assumida.
155. Reitera-se, uma vez mais, que não existiu qualquer acordo entre AF e MA. Por isso mesmo, nenhuma prova foi produzida (nem poderia tê-lo sido) nesse sentido, mas sim, no sentido contrário.
156. O Tribunal a quo desconsiderou em absoluto o teor do Auto de Transcrição de Conversações ou Comunicações, Apensos de Investigações C, vol. I, fls. 148 a 150, que, por facilidade, se transcreve: AF: (impercetível) é uma coisa incrível. Eu tou a ouvi-lo, eu tou a ouvi-lo. Olhe uma coisa, concorreu aí aos recursos humanos, para o lugar de chefe de divisão, chefe de sector, uma fulana lá de baixo da Secretaria-geral, não foi? Uma CLÁUDIA? AM: Sim, sim, sim, sim, mas a gente não a aprova, ninguém gostou dela do júri ninguém gostou dela. AF: Ela ficou atrás de quem? AM: Ela ficou atrás do... Ela concorreu ao lugar do PAULO. O PAULO é o melhor, foi o melhor de todos, de todos os membros, de todas as pessoas que foram entrevistadas. De todos os sectores foi quem ficou primeiro. AF: Olhe que a MA está a dar-lhe aí muito apoio, muita força, cuidado. AM: Então, tá bem, mas a gente tá a fundamentar muito bem. A gente consegue fundamentar muito bem a vinda de... Ela concorreu pó lugar do doutor LUIS M e pó lugar do doutor PAULO, mas o PAULO é exatamente o melhor que nós temos, é exatamente o melhor que nós temos. É verdade, soutor. E foi o que teve um comportamento exemplar, (impercetível) muita bem, tem o melhor currículo. AF: Bom... Vejam lá que... AM: (impercetível) Ainda por cima foi diretor do SIS, tudo isso. Pronto, tem um currículo que é imbatível, mas isso tá bem fundamentado, soutor, não se preocupe. AF: Vejam bem isso que... AM: Tá bem, tá bem. AF: Ela tem o apoio lá de baixo da MA e a MA já... Já mandou para aí uma boca qualquer, cuidado. AM: Isso foi por causa dela, foi para lá fazer queixinhas, ainda por cima, armada em parva. AF: Cuidado, cuidado, tá bem? AM: Tá bom, soutor, teja descansado que isso também é fundamentado.
157. Relativamente ao concurso em crise, a testemunha JM referiu (à primeira solicitação, a instâncias do Senhor Procurador do MºPº e sem que ainda tivesse sido verdadeiramente confrontado com a escuta acima transcrita) que MA manifestou interesse a AF, de que CF ficasse colocada, tendo em conta a relação de amizade que mantinham. Nessa sequência, AF contactou a testemunha JM questionando-o acerca de quem tinha sido o escolhido (reitera-se, neste momento, que a escolha já tinha sido feita) porque estava preocupado com a fundamentação da escolha[78]. Fundamentação aqui olhada como a blindagem que muraria a dita escolha, feita a contragosto do pedido de MA..
158. A testemunha JM descansou AF ao afirmar, “mas a gente tá a fundamentar muito bem”, “mas isso tá bem fundamentado, soutor, não se preocupe”.
159. Isto resulta linear do teor do diálogo, constituindo prova direta, insuscetível de ser contornada e muito menos capaz de suportar interpretação oposta, como aquela que foi acolhida no ACÓRDÃO.
160. A testemunha JM, confrontada efetivamente com a escuta telefónica acima mencionada, reiterou (a instâncias de RA) que se recorda de AF ter expressado alguma preocupação com a fundamentação das escolhas feitas pelo júri para os cargos do IRN, considerando o facto de que as pessoas que estavam a ser escolhidas em concurso eram maioritariamente “da casa”, isto é, do IRN.[79]
161. Mais declarou que jamais interpretou a conduta de AF como se de uma cunha se tratasse.
162. Como decorre linear do teor da escuta telefónica e do depoimento de JM, nunca o Recorrente AF tentou vincular o júri, designadamente JM, à escolha de CF para o cargo. AF apenas se mostrou preocupado com a fundamentação das escolhas efetuadas, para as tornar incontestáveis.
163. Cumpre ainda referir que não resultou provada a factualidade relativa à ordem emanada pelo Recorrente dirigida a AFF..
164.A testemunha AFF explicou os marcos temporais relativos a este concurso: “a intervenção do júri terminou, no primeiro concurso, em novembro de 2013 e de coordenador, em dezembro de 2013. Foi remetido e preparado texto em janeiro de 2014 e as publicações ocorreram em março.
165. Instada pelo Sr. Juiz Presidente sobre o tempo em que documentação esteve retida, a testemunha AFF referiu que “eu não diria que tenha existido, propriamente, uma retenção”; “tudo leva a crer que o andamento dos concursos foi idêntico para todos esses concursos”[80], acrescentando que apenas o júri de concurso poderia alterar o que quer que seja do concurso.
166. A testemunha AFF referiu ainda que de janeiro a março, há toda uma documentação que tem que ser preparada antes da publicação e que vai a despacho do dirigente dos recursos humanos. Os concursos seguiram a tramitação normal. Os júris eram diferentes, mas [os concursos] terminaram todos ao mesmo tempo. A testemunha reitera que “o processo seguiu a sua tramitação normal”[81].
167. Com efeito, da ata de janeiro de 2014 do Conselho Diretivo[82] que homologou o concurso em causa e a partir da qual se produziram os efeitos jurídicos, pode-se constatar o curto espaço de tempo que mediou a conversa telefónica mantida entre AF e JM e a homologação propriamente dita. O tempo que levou à publicação em março tem apenas a ver com a tramitação administrativa e burocrática do processo.
168. O arguido AF nunca teve nem pretendeu ter domínio ou influência sobre os júris do concurso em análise. A conversa com JM é autoexplicativa e tratou-se de uma mera precaução da parte de AF, querendo acautelar a transparência e imagem com Instituto, dado que ambos os concorrentes selecionados no concurso eram funcionários do IRN e já desempenhavam informalmente as funções para que se candidatavam.
169. Aliás, quando o Recorrente deu conhecimento a MA do desfecho do concurso onde era oponente CF, a última não retaliou, não teceu qualquer comentário desagradável, ou, se se pretender uma imagem mais expressiva, nada cobrou, porque nada havia a cobrar. Simplesmente conformou-se.
170. Assim, e em suma, o concurso para chefe de divisão do departamento de recursos humanos e do setor de administração pública de recursos humanos do IRN nunca sofreu qualquer desvio, seja em forma ou substância e nem houve qualquer atuação nesse sentido por parte de AF..
171. E nem nunca esteve em vias de ser alterado devido ao contacto do arguido AF com JM ou com AFF...
E-6. Do concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente HM..
172. Relativamente aos núcleos E6 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada que o Recorrente considera incorretamente julgados (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410, n.º 2 alínea a) do CPP):
173. Ponto E.102 na medida em que imputa ao Recorrente e MA a existência de um acordo, que o primeiro aceitou, em colaborar com a arguida MA, satisfazendo pedidos de colocação de pessoas próximas desta ou que de alguma forma lhe pudessem vir a ser úteis.
174. Ponto E.103 na medida em que indica HM como sendo “um desses casos”.
175. Ponto E.111 na medida em que imputa ao Recorrente e MA a existência de um acordo de troca de favores recíprocos, em dezembro de 2013, e que o primeiro aceitou para que fizesse uso do seu poder de influência junto do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, a fim de que este favorecesse HM num concurso para Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna.
176. Ponto E.112 na medida em que imputa a MA ter sugerido ao Recorrente que envidasse esforços no sentido de HM, interessado no cargo, nele fosse provido.
177. Ponto E.116 na medida em que imputa a MA ter insistido com o Recorrente para que falasse pessoalmente com o Ministro da Administração Interna, para que visse lá aquilo para o HM..
178. Ponto E.117 na medida em que imputa ao Recorrente a execução do acordo firmado com a arguida MA, bem como o facto de o Recorrente ter abordado o arguido MM novamente, alertando-o para o interesse que tinha em que HM fosse provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna.
179. Ponto E.118 na medida em que imputa a MM ter referido ao Recorrente que o concurso para o cargo seria organizado pela CReSAP, pedindo-lhe que o fosse alertando para a situação.
180. Ponto E.119 na medida em que imputa ao Recorrente ter dado conta a arguida MA da conversa que, segundo o ACÓRDÃO teria tido com MM..
181. Ponto E.121 na medida em que imputa ao Recorrente ter dito a HM que iria dar uma palavrinha ao M, referindo-se ao arguido MM..
182. Ponto E.123 na medida em que imputa ao Recorrente ter continuado a endividar esforços com o objetivo de HM ser provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, tendo mesmo enviado o Curriculum deste último ao arguido MM, a isso aludindo em conversa que com este manteve em 4 de fevereiro de 2014.
183. De forma integral, os pontos E.133, E.135, E.136.
184.Relativamente aos núcleos E6 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto não provada que o Recorrente considera incorretamente julgados (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410, n.º 2 alínea a) do CPP):
185. Ponto j) na medida em que resultou provado que o Recorrente nada pediu a MM..
186. Relativamente aos núcleos E4 e E7, são as seguintes as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (indicação ora feita, nos termos e para os efeitos do artigo 412, n.º 3, alínea b) do CPP):
187. Conforme já exposto, o Tribunal a quo deu como provado o ponto E.182[83] da matéria de facto relativa à Contestação do Recorrente, que se transcreve: “Na sequência de um pedido efetuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, num encontro ocasional e passageiro, sem, no entanto, pedir o que quer que fosse, que o Dr. HM estava a concorrer ao cargo de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos do MAI.”
188. A tese do ACÓRDÃO (que nasceu na acusação e continuou na pronúncia) tenta transformar um diálogo banal e episódico, numa tentativa de influenciar ou corromper o que ou quem quer que fosse.
189. Além disso, o Tribunal a quo ignorou, mais uma vez, o contexto específico em que as coisas se passaram, deixando-se enlear em equívocos nascidos do errado ponto de partida que vicia todo o apuramento factual sequente.
190.Na verdade, gerou-se uma verdadeira confusão relativamente não só aos cargos que estavam em causa, como quanto aos que estavam sujeitos à CReSAP e, ainda, quanto ao teor das comunicações a este respeito estabelecidas entre o Recorrente e MA.. Permita-se esclarecer a confusão reinante no ACÓRDÃO:
191. O Ministro da Administração Interna, MM, estava ativamente à procura de uma pessoa que pudesse integrar o cargo de Chefe de Gabinete, anteriormente ocupado por RAL (que se demitiu em dezembro de 2013), o que resulta, aliás, da transcrição do auto de conversações que consta do Apenso C, Volume II, fls. 670.
192. A seleção de uma pessoa que pudesse integrar este cargo de Chefe de Gabinete não passava pela CReSAP. Tratava-se de uma escolha direta do Ministro[84].
193. Paralelamente a esta situação, existiam dois concursos abertos no MAI (através da CReSAP), para provimento do cargo de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos e para o cargo de Secretário-Geral[85]. O Ministro MM tinha delegado no Secretário de Estado Adjunto, FA[86], a competência de escolher o candidato que melhor se ajustasse ao cargo.
194. Ou seja, o Ministro não tinha o pelouro desta matéria, o que era, aliás, do conhecimento de AF e MA, Cfr. apenso C, volume I, fls. 153.
195. No entanto, era o Ministro quem poderia nomear diretamente o Chefe de Gabinete. Ora,
196. A seguinte transcrição do auto de conversações que consta do Apenso C, Volume I, fls. 157 ilustra bem a desordem assinalada: AF: Ah o HM vai concorrer não vai? Lá ao concurso da CRESAP? MA: Oh não abriu. Concorrer para que concurso? AF: Aquele que está na CRESAP, aquilo está na CRESAP? MA: Não sei, ele, eu também não vejo todos os concursos que abrem, mas está na CRESAP desde quando? AF: Não sei, ele disse-me que estava na CRESAP, disse pronto, para o ir lembrando tal e tudo isso assim, mas que o perfil está muito aberto tal tal tal não sei aquilo tá na CRESAP, temos que confirmar isso. MA: Ah quando tiver isso amanhã vou ver se isso está lá na CRESAP agora tenho essa ideia, mas eu não ando atrás dos concursos, quer dizer, reencaminho pessoas, mas não, não ando atrás disso AF: Eu também vou ver MA: Mas vou ver, mas acho estranho porque atão a mulher saiu agora, só está a sair agora AF: Eu tive aqui com ela, ela tá aqui também, ele teve aqui agora, ainda portanto MA: A mulher vai-se embora, mas também AF: Nem lhe perguntei, mas ele diz que tá na CRESAP MA: Pronto, tá bem AF: Só se houve alguma confusão, mas penso que não MA: Está bem AF: Eu vou ver também MA: Se calhar está e eu também AF: Eu vou ver também MA: Eu vou ver você não precisa de perder tempo com isso AF: É? Então depois diga-me MA: Tá bem Daqui resulta o seguinte:
. MM estava à procura de um(a) Chefe de Gabinete.
.Tendo, alías, pedido a AF sugestões de pessoas para esse efeito;
. Intui-se que MM não percebeu que, na sequência desse pedido, AF sugeriu HM para Chefe de Gabinete e, por isso MM terá indicado que o concurso para o cargo seria organizado pela CReSAP;
. Tanto é assim que, quando das suas declarações em audiência de julgamento, MM declarou que “O arguido AF chegou-lhe a falar na nomeação do senhor HMe a informação que lhe deu – quando se encontrava na Embaixada da Roménia, numa cerimónia pública, em que o senhor Embaixador da Roménia foi portador de uma condecoração, quer para si, quer para o então Ministro da Defesa, para si, pelo facto de termos suportado, politicamente, a questão da entrada da Roménia no Espaço Schengen e termos politicamente sido muito ativos, no sentido de favorecer e de haver apoios Comunitários para que a Roménia satisfizesse os requisitos para esse efeito – foi que esse concurso está na CReSAP, e era a CR eSAP que decidia. Depois, o concurso seguiu irrepreensivelmente pela CReSAP, a CReSAP apresentou, nos termos da lei, 3 propostas ao Ministro da Administração Interna, e o Ministro da Administração Interna optou, como a lei previa que optasse, por aquele que, à data, era o n.º 2 da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, que estava em funções.”, cfr. página 1115 e 1116 do ACÓRDÃO.
. AF questionou MA sobre se HM estaria a concorrer à CReSAP;
. MA mostrou-se surpreendida, achando estranho porque atão a mulher saiu agora, só está a sair agora. Esta referência a uma “mulher” apenas poderia ser dirigida à anterior chefe de gabinete de MM , RAL..
197. Ou seja, jamais MA pediu ao Recorrente que envidasse esforços junto de MM para que HM tivesse provimento no procedimento concursal que iria decorrer na CReSAP.
198. Os pontos E.111 e E.112[87] foram erradamente dados como provados e, por isso, impugnados expressamente pelo Recorrente.
199. Do teor do email mencionado no ponto E.112[88] é possível induzir, com meridiana clareza, que nenhuma sugestão ou pedido foi dirigido a AF, nem tão-pouco é mencionado MM. Trata-se apenas da constatação de um facto, seguido de um pedido de opinião.
200. Acresce que, parece resultar que, no dia em que MA pediu o curriculum a HM – 12.12.2013 -, este já teria concorrido à CReSAP “HMmande-me o seu curriculum...já tem pronto aquele que entregou para a CRESAP”
201. A testemunha HM desconhecia a razão pela qual MA estaria a pedir o currículo. Mais esclareceu o Tribunal a quo que apenas posteriormente, quando regressou das férias de Natal, é que questionou MA sobre a razão de ter enviado o currículo, “E nessa altura, a Dra. MA disse: olha, tive uma conversa com o AF, disse que o Ministério ia abrir concursos, que o Ministro lhe perguntou se conhecia alguém com currículo que pudesse ser desafiado para concorrer ao lugar. E o currículo era para ver se era aquele tipo de pessoa que pretendiam, efetivamente, para o lugar.”[89]
202. Do ponto E.121[90] resultou provado que AF iria dar uma palavrinha ao Ministro[91]. Note-se que o foco e objetivo desta conversa telefónica entre o Recorrente e HM em 10.01.2014, não é sobre os concursos da CReSAP, mas sim, de um convite para um jantar que HM estava a organizar.
203. Tratou-se de um mero comentário, sem relevância, feito en passant e sem efeitos práticos. Nem tão pouco foi produzida prova no sentido de o Recorrente ter, de facto, dado “essa palavrinha”.
Ademais,
204. A testemunha HM declarou desconhecer se AF chegou a falar com MM relativamente aos concursos para os quais estava a concorrer. No entanto, a instâncias de RA, induz-se que, na eventualidade de o Recorrente ter dado efetivamente dado “uma palavrinha” ao Ministro, seria inverosímil que a testemunha e o Secretário de Estado se tivessem incompatibilizado durante a entrevista na CReSAP[92], o que aconteceu.
205. Na verdade, a testemunha HM explicou que desistiu de ambos os concursos visto ter uma má relação com o Secretário de Estado, FA, responsável pela escolha para o cargo, por delegação de competência do Ministro da Administração Interna, MM..
206. AF nada fez relativamente ao concurso em causa, isto é, não se moveu dentro da amizade que tinha com o arguido MM de forma a facilitar o acesso de HM ao concurso da CReSAP.
207. Finalmente, também neste caso, inexiste acordo firmado entre AF e MA e/ou com MM para atribuição de lugar na secretaria do MAI em que era concorrente HM, pois não resulta da prova produzida ter sido movida qualquer influência sobre qualquer dirigente ou funcionário da CReSAP ou sobre MM..
IMPUGNAÇÃO QUANTO À DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
208.Pese embora não se conforme com a matéria de facto dada como provada pelo ACÓRDÃO, o Recorrente, apreciará a matéria de direito, como se a matéria provada, na versão do ACÓRDÃO, visando, assim, demonstrar que, mesmo face à realidade que o ACÓRDÃO configura, sempre estaria errada a qualificação jurídica dos factos, tendo como consequência que as penas aplicadas teriam de se considerar inaceitáveis.
NÚCLEO B – O crime de peculato de uso
209.O crime de peculato de uso consuma-se com a utilização, pelo funcionário, de veículo ou outra coisa móvel de valor apreciável, para fins alheios àqueles a que se destinam (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.6.2012 [proc. n.º 357/10.5TAAMT.P1)[93].
210. Analisada a matéria de facto dada como provada quanto ao denominado Núcleo B (páginas 160 a 300 do ACÓRDÃO[94]) constata-se que a mesma se divide em duas categorias: Em primeiro lugar, (i) factos em que mais não há mais do que uma alusão vaga e imprecisa a meios humanos (não materiais) instrumentalizados. Enquadrar-se-ão nesta categoria, os factos vertidos nos Pontos B.35[95], B.41 a B.45[96], B.118, B.119; B.120;B.136 e 137[97], 146[98], B.167[99], B.172[100],B.173[101], B.205[102], B.236[103], B.256[104], B.257, B.258; B.259; B.260, B.261, B.262; B.263; B.264; B.265; B.266; B.267; B.269; B.270; B.271; B.272; B.273; B.276; B.279; B.280; pontos B.284, B.285, B.286, B.287, B.288, B.289, B.292, B.296, B.304, B.305 e B.306 e, ainda, os pontos B.293, B.294, B.297, B.298, B.299[105]; pontos B.295, B.300, B.301, B.302, B.303, B.308, B.309, B.310, B.311, B.312, B.313, B.316, B.317; pontos 318, 321 e 326; B.411[106]; B.479[107]; .490[108]; B.501[109]; B.511[110]; B.523[111], B.528[112], B.523[113], B.535[114], B.536[115], B.542[116], B.563[117], B.594[118], B.616[119], B.618[120], B.619[121], B.678[122], B.709[123], B.723[124], B.776, B.777, B.778.
211. A segunda categoria de factos que o Tribunal a quo considerará integrante do crime de peculato de uso refere-se ao (ii) uso de veículo automóvel conduzido por motoristas do IRN. Enquadrar-se-ão nesta categoria, os factos vertidos nos pontos B.175[125], B.194[126], B.197[127], B.201[128],.209[129], B.218[130], B.222[131], B.249[132], B.252[133], B.482[134], B.779, B.780, B.781, B.782, B.783, B.784, B.785, B.786.
NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO (ARTIGOS 410 N.º 3, 374 N.º 2 E 379 N.º 1 ALÍNEA C) DO CPP)
212. No que diz respeito à condenação pelo crime de peculato de uso, a decisão recorrida deve considerar-se nula nos termos dos artigos 410, n.º 3 e 374 n.º 2 e 379, n.º 1 alínea c) do CPP, uma vez que não são indicados os concretos “factos descritos no núcleo B” (página 2428 do ACÓRDÃO), que integram o elemento do tipo do ilícito de peculato de uso.
213. Ao omitir essa indicação, incumpriu o Tribunal a quo o dever, prescrito nos artigos 97, n.º 4[135] e 374, n.º 2 do CPP de “…exposição, tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão”, deixando, assim, de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, nos termos do artigo 379, n.º 1, alínea c) do CPP, normas que, por sua vez, decorrem da exigência do processo equitativo, consagrado no artigo 6 n.º 1, da ConvençãoEuropeia dos Direitos do Homem,[136] e do disposto no artigo 205, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa[137] [veja-se, a este respeito, o. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.01.2011, processo n.º 1670/07.4TAFUN-A.L1-5[138] e A Henriques Gaspar e outros, CPP Comentado, Almedina, 2014, pp. 1168 e ss[139]].
214. Só uma decisão suportada em motivação clara e suficiente permite, de modo eficaz, o exercício do direito de recurso para um tribunal superior.[140]
215. E no caso, a motivação do ACÓRDÃO não é clara (nem suficiente), quanto aos factos do Núcleo B que considera que preenchem o tipo do ilícito do peculato de uso, porquanto se limita a uma remissão, por atacado, para mais de 700 parágrafos, que na sua esmagadora parte contêm factos que não podem, sequer remotamente, consubstanciar a prática de qualquer crime, nomeadamente, o de peculato de uso.
216. Assim, nesta específica parte decisória, o ACÓRDÃO não dá a conhecer os factos provados, assim inviabilizando o controlo da respetiva atividade decisória pelo tribunal de recurso, nomeadamente, no que diz respeito à subsunção ao direito aplicável da matéria de facto provada[141].
USO INDEVIDO DE EQUIPAMENTOS PELO SECRETARIADO do IRN
A INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (ARTIGO 410, N.º 2, ALÍNEA A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL)
217. A decisão recorrida padece, ainda, do vício previsto no artigo 410, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, isto, no que se refere ao alegado uso indevido de equipamentos pelo secretariado, uma vez que não há factos que descrevam quaisquer bens móveis de valor apreciável que hajam sido utilizados indevidamente pelo secretariado do IRN (assim determinado pelo Recorrente).
218. Não se enquadra no tipo objetivo do ilícito o comportamento do funcionário que fizer uso para fins alheios àqueles a que se destinem, de coisas móveis de valor diminuto.
219. Assim, “a coisa deve ter um valor apreciável, isto é, deve ser coincidente com o conceito legal de «valor elevado», uma vez que este valor é considerado pela ordem jurídica penal suficientemente sério para justificar a agravação dos crimes patrimoniais” [in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, anotação 6 ao artigo 376 do Código Penal, páginas 1000 e 1001. Ver, também, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, página 1003[142] e Conceição Ferreira da Cunha, In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Artigos 308 a 386, Coimbra Editora, 2001, página 708[143]].
220. Valor elevado é, nos termos do disposto no artigo 201, alínea a) do Código Penal, “aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”, ou seja, €5.100,00 (cinco mil e cem euros).
221. Também não se enquadram no tipo objetivo do ilícito os fatos que se referem ao mero trabalho realizado por funcionárias do IRN (a realização de agendamentos, nomeadamente de reuniões, o envio de emails, o contacto telefónico, a consulta de bases de dados, a prática de atos registrais e outros, já profusamente descritos).
222. Mesmo quando, ao longo do ACÓRDÃO, se alude à “instrumentalização de meios materiais e humanos”, a verdade é que a decisão só considera, para efeitos do preenchimento do tipo do ilícito “ (cfr. página 2239, últimos dois parágrafos e página 2240) o “…uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Diretivo do “Instituto dos Registos e Notariado, I.P.””, no desenvolvimento das tarefas solicitadas pelo Recorrente.
223. Como expendido na página 2239 do ACÓRDÃO, “o uso abusivo não se refere ao trabalho propriamente dito desenvolvido pelos funcionários em causa, mas ao uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado…”.
224. Não envolve o acompanhamento dos coarguidos em visitas a imóveis ou em reuniões, a prática, considerada em si mesma, de determinados atos por funcionários do IRN (nomeadamente o envio de emails), nem o alegado exercício de influência junto de terceiros.
225. Ora, se assim é, forçoso seria que se pudesse descortinar de entre a matéria de facto provada quais teriam sido os equipamentos utilizados pelo secretariado. E, uma vez localizados tais equipamentos, teriam os mesmos de ser de valor apreciável para que pertencessem à categoria de bens que o legislador elegeu para conformar o tipo objetivo do ilícito do peculato de uso.
226. Sucede que da matéria de facto provada [e recorde-se que, seguindo o decidido no ACÓRDÃO, referimo-nos sempre aos factos que se acham descritos nas suas páginas 160 a 300, representando a matéria de facto dada como provada quanto ao denominado Núcleo B], não constam quaisquer referências a “bens móveis” que hajam sido utilizados pelo secretariado, muito menos há qualquer pista capaz de servir para determinar o respetivo valor.
227. Não sabemos que coisas móveis foram momentaneamente utilizadas pelo secretariado, porque da matéria de facto provada só consta a descrição de atos praticados por tais funcionários: o envio de correio eletrónico, desconhecendo-se através de que concreto equipamento (o computador de serviço ou o pessoal?); o contacto telefónico, desconhecendo-se se foi através de que telefone ou telemóvel (e qual a titularidade do telefone ou telemóvel utilizados!).
228. Tratou-se do uso de canetas, computadores, telemóveis, papel, impressoras? O ACÓRDÃO não responde a esta questão, arrumando o tema com a alusão vaga e genérica a “equipamentos” de cujo valor nada se sabe…
229. Ainda que se considere – por hipótese - implícita na matéria de facto, a referência a um telefone, quando em causa estiver o ato de telefonar, a verdade é que sem conhecermos o valor do aparelho em causa, não podemos concluir quanto à punibilidade da conduta do agente.
230. Mas podemos inferir com segurança que uma caneta, um computador, uma impressora ou um telemóvel não excedem o valor de €5.100,00…!
231. Assim, é forçoso concluir que o Recorrente não podia – como foi – ser condenado pela prática do crime de peculato de uso, na parte em que essa condenação se alicerça no alegado uso indevido de equipamentos do IRN por parte do secretariado (factos descritos no Núcleo B, páginas 160 a 300 do ACÓRDÃO, a que correspondem os pontos B.1 a B.786 da nossa sistematização), impondo-se, assim, a revogação de tal decisão, nesta parte, com as legais consequências, mormente, em termos da escolha da pena e da sua medida.
232. A este respeito, veja-se, por todos, o Acórdão do STJ de 4.10.06 (proc. n.º 06P2678[144]), em cujo sumário pode ler-se: “É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.”
USO INDEVIDO DO VEÍCULO AUTOMÓVEL
233.A utilização que o Recorrente fez do veículo do IRN não preenche a conduta típica prevista pelo crime de peculato de uso previsto no artigo 376, n.º 1 do Código Penal.
234. Analisada a factualidade do Núcleo B que se refere ao alegado uso indevido da viatura do IRN, temos que, no período de cerca de um ano, isto é, desde a data da autuação dos presentes autos até à data da detenção do Recorrente para sujeição a primeiro interrogatório judicial (26 de novembro de 2013 a 14 de novembro de 2014), a indicação de uso indevido do automóvel ocorreu nas seguintes circunstâncias de tempo: (i) Data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada (ponto B.175); (ii) 3.1.2014, 16h30 (ponto B.197); (iii) 6.1.2014, 14h01 (ponto B.194); (iv) 8.1.2014, aproximadamente às 14h52 (ponto B.201, referindo-se o ponto B.199 à hora aproximada); (v) 14.2.2014, a hora não concretamente apurada (ponto B.482); (vi) 20.2.2014, 15h37 (ponto B.209; de acordo com o ponto B.218, “no mesmo dia”, em data não concretamente apurada, terá ocorrido outra deslocação); (vii) 29.4.2014, aproximadamente às 17h00 (ponto B.222 referindo-se o ponto B.221 à hora aproximada); (viii) 1.9.2014, a jantar na Embaixada da República Popular da China (ponto B.249) e (ix) 11.9.2014, “à hora do almoço” (ponto B.252);
235. Estes episódios de uso alegadamente indevido de veículo resumem-se a escassas visitas a imóveis e, em alguns dos casos, encontros com o arguido Z, que, na sua maioria, ocorreram no período de almoço do Recorrente ou no final do dia, logo, fora do seu horário de expediente (cfr. pontos B.194, B.201, B.209 e B.252, que aludem, respetivamente, às “14h01”, “14h52” e às “15h37” e à “hora do almoço” e o ponto B.249 em que se narra uma deslocação a um “jantar” na Embaixada da República Popular da China).
236. Esta circunstância é muito relevante, atendendo a que é bastante comum e aceite como lícito pela generalidade dos cidadãos a utilização livre de uma viatura de serviço quando essa utilização ocorra fora do período normal de trabalho e seja utilizada em áreas adjacentes do local de trabalho e no âmbito de atividades de algum modo comportaveis no quotidiano do cidadão comum.
237. Não sendo uma tal conduta proibida, quer pelo Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I), quer pelo disposto no Decreto-Lei 170/2008, de 26.8.
238. Sendo, também, evidente que a norma do artigo 376 do Código Penal não visa punir o utilizador de uma viatura de serviço que, após o seu horário de trabalho e a caminho de casa, faz um desvio para ir ao supermercado ou aproveita para ir jantar ou almoçar com amigos…! Como bem expende Conceição Ferreira da Cunha, “o essencial parece ser o referido abuso de cargo, que se consuma no momento da utilização indevida, podendo relevar o prejuízo para as finalidades administrativas (…) no âmbito da medida da pena e até, eventualmente da isenção de pena (tratando-se de uma situação de adequação social ou de uma bagatela penal).”[145]
239. O mesmo se pode dizer dos restantes episódios em que terá havido uso indevido da viatura de serviço dentro do horário dito de expediente, porquanto não se provou a adstrição do Recorrente a um qualquer horário.
240. Estamos a falar de escassas situações, em que este fez um desvio do percurso habitual do veículo de serviço para atender a uma finalidade pessoal, o que, salvo o devido respeito é conduta que, ainda que possa merecer censura ética não tem qualquer relevância penal.
241. Como se pode ler no Acórdão de 5.3.2019 do Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 193/12.4TABRG.G1)[146] “…só é considerável relevante para o direito penal a conduta socialmente danosa, que atinge o meio em que as pessoas vivem, ferindo, em elevado grau, o sentimento de justiça e o senso de adequação social de um povo estando, pois, excluídas da incidência típica as condutas que, em determinado contexto histórico, são socialmente toleradas e praticadas pela sociedade, mesmo que pudessem justificar uma qualquer espécie de crítica à luz de padrões que, noutros planos, também orientam a vida em comunidade, ou, ainda, que não sejam inteiramente normativas, por desrespeitarem regras administrativas ou, p. ex., de âmbito civil.”
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA E DE JUSTIFICAÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE
242.Ainda que não se considere que o Recorrente não praticou o crime de peculato pelo qual foi condenando, então, sempre se dirá que deve considerar-se que este atuou ao abrigo de uma causa de justificação, na medida em que dos factos dados como provados avultam circunstâncias que excluem a culpa do Recorrente (como se verá), e, logo, determinam a impunibilidade da conduta respetiva.
243. Assim, tendo o Recorrente dado às coisas móveis um uso ligado a interesse público de simplificação e concentração de procedimentos, que justifica essa sua conduta, teremos que o interesse punitivo do Estado deve ser afastado face aos mais altos motivos atinentes às necessidades ou bem-estar da comunidadeque no caso concreto ressaltam, com evidência, da matéria de facto provada.[147]
244. No caso específico do alegado “uso indevido de equipamentos”, o interesse público justicativo da conduta do Recorrente prende-se com a simplificação de múltiplos procedimentos, nomeadamente concentrando-os, tanto quanto possível, nos serviços proporcionados pelo IRN em colaboração com o SEF, realidade que é aflorada na matéria de facto provada, particularmente nas página 214 do ACÓRDÃO (ponto B.278 da nossa numeração) e páginas 477 a 482 do ACÓRDÃO (pontos B.787 a B.831 já transcritos na motivação).
245. A circusntância de o Recorrente não ter emitido “…qualquer despacho pelo qual considerasse – de forma abstrata e uniforme – que toda e qualquer atividade registral e conexa atinente a atos de investimento subjacentes à atribuição de ARI fossem integrados no âmbito dos procedimentos simplificados e integrados do Sistema Integrado de Registo[148].” [facto que o Tribunal a quo deu como provado na página 214, ponto B.278 da nossa numeração] não significa que não fosse de interesse relevante - quer na ótica dos serviços prestados pelos organismos do Estado aqui em questão, quer na ótica mais lata do interesse público – a integração no âmbito dos denominados procedimentos simplificados das operações de registo relacionadas com a atribuição ARI.
246. E, por outro lado, provou-se que “as reformas implementadas pelo arguido AF tiveram sempre como bússola e como norte a prossecução do interesse público e não qualquer espúrio interesse próprio ou de terceiros.” (ponto B.798 da nossa sistematização página 497 do ACÓRDÃO);
247. Tendo o Recorrente sido “…o responsável pelo processo de desburocratização e simplificação dos actos registrais, que em muito facilitou o relacionamento dos cidadãos e das empresas com serviços de registo, diminuindo os custos directos e de contexto, e desta forma, constituindo um precioso contributo para o desenvolvimento económico do país” (cfr. ponto B.788 da matéria de facto).
248. Sendo neste contexto que, em 20.5.2013, o Recorrente criou o balcão SIR – soluções Integradas de Registo de Lisboa, com competência para a prática dos procedimentos para operações especiais de registo (através do despacho que consta de fls. 19292 dos autos principais).
249. O Recorrente, foi, assim, segundo resulta da matéria provada no ACÓRDÃO, percursor de importantes reformas, das quais avulta, a diminuição dos tempos de espera e as deslocações aos serviços, a abolição da competência ou circunscrição territorial, podendo os utentes escolher livremente os serviços que melhor se adequassem às suas necessidades e a criação de balcões únicos de atendimento (cfr. pontos B.789, B.790 e B.791 da matéria de facto provada).
250. Assim, o comportamento do Recorrente, quando instruiu o secretariado para agilizar determinados procedimentos deve ser devidamente contextualizado, em face desta matéria que o próprio Tribunal a quo deu como provada nas páginas 477 a 482.
251. Estando, além do mais, de acordo com o espírito da Portaria n.º 547/2009 de 25 de maio[149], que, como se sabe, procedeu à centralização em “balcões únicos” de variadíssimas operações de registo, em cujo preâmbulo se pode ler que, “no âmbito do programa SIMPLEX e com o objectivo de reduzir os custos de contexto e os encargos administrativos para as pessoas e as empresas, foram concretizadas numerosas medidas de simplificação na área dos registos de veículos, comercial, civil, predial e da propriedade industrial. Essas medidas reflectiram-se em três eixos; criação de balcões únicos, simplificação transversal de procedimentos e disponibilização de novos serviços através da Internet. Assim, em primeiro lugar,foram criados novos serviços que permitem, em atendimento presencial único, todos os actos e procedimentos necessários a uma situação da vida de pessoas ou empresas, de forma mais simples, evitando formalidades dispensáveis e a constante deslocação a vários serviços e entidades. É o caso dos balcões «Nascer cidadão». «Divórcio com partilha», «Heranças», «Associação na hora», «Casa pronta», «Documento único automóvel», «Empresa na hora» e «Marca na hora»”.
252. Pretendeu o Recorrente simplificar os procedimentos tendentes à obtenção de determinados títulos, ciente de que essa simplificação era do interesse dos cidadãos, e estava de acordo, quer com as diretivas que o Recorrente recebia diretamente do Governo, quer com a própria legislação reguladora do “programa SIMPLEX”.
253. É assim que deve ser enquadrado aquilo que é, indevidamente, apelidado no ACÓRDÃO como instrumentalização de meios humanos e materiais do IRN, aqui incluindo funcionários, bases de dados e equipamentos (ainda que não idenficados, concretamente, na matéria de facto provada).
254. Trata-se não de instrumentalizar indevidamente, mas sim, de colocar tais meios ao serviço de um programa ambicioso de simplificação de procedimentos plenamente legal e admissível. O que sendo de evidente interesse público constitui causa de justificação da conduta do Recorrente.
255. A este respeito, sublinhamos a seguinte doutrina a propósito das causas de justificação que podem determinar a impunibilidade da conduta que, em abstrato, se subsuma ao crime de peculato de uso: “A prossecução de um especial interesse público («sem especiais razões de interesse público que o justifiquem») é uma causa de justificação da conduta…”[150]. “A verdade é que, como flui, aliás, do inciso «sem que especiais razões de interesse público o justifiquem», a lei, a propósito, «quis dar um tratamento especial (mais favorável) às situações de desvio de dinheiro público para finalidades públicas»…”[151]
256. Mesmo no alegado uso indevido da viatura de serviço do IRN avulta como causa de justificação o interesse - ligado a necessidades ou bem-estar da comunidade[152] - em captar investimento estrangeiro para o País que (recorde-se) à data vivia submerso numa crise económico-financeira gravíssima que afetava muito o respetivo desenvolvimento (circunstância esta que é pública e notória).
257. Ainda que, em situações concretas, esse interesse público possa ter coexistido com interesses particulares de terceiros (os interesses privados de natureza empresarial do arguido Z ) enquanto investidores, essa circunstância não anula, evidentemente, o aspeto público do interesse, que aqui reafirmamos.
258. Também nestas situações o Recorrente visou agilizar (simplificar) procedimentos conexos com essas múltiplas formas de investimento estrangeiro, o que implicou, em certos casos, “efetuar serviços de fretes” (ponto B.728, página 291 do ACÓRDÃO) que, embora do interesse direto do arguido Z, eram, também, interesses ligados a necessidades ou bem-estar da comunidade[153].
NÚCLEO E – O crime de corrupção (ativa e passiva)
259.A apreciação da matéria de direito, no tocante aos crimes de corrupção passiva e ativa, padece das mesmas dificuldades que se verificam em todos os momentos da análise do ACÓRDÃO: (i) uma copiosa matéria de facto, subsidiária da falta de critério da acusação e da pronúncia, que não separaram o trigo do joio e tratando tudo como se só de joio se tratasse; (ii) a ausência de uma efetiva motivação no que à matéria de facto diz respeito; (iii) a ausência de um enquadramento jurídico-penal que, indo para além das generalidades consensuais, conseguisse afeiçoar-se aos factos concretos aqui sob escrutínio.
260. Esta trilogia padece, o que mais agrava a débil abordagem que é feita no ACÓRDÃO, de um pecado original[154], que consiste na aceitação de um plano, estabelecido próximo do verão[155], à luz do qual se procura injetar conteúdo criminoso em atos avulsos, esses sim provados sem margem para dúvida, mas que apenas espelham e exteriorizam conversas subsidiárias da amizade que existe entre o Recorrente e a arguida MA.[156] O plano é de ficção. Não tem sustento nos factos, não tem lógica e sai, na sua evidente fantasia, totalmente desmascarado.
NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO (ARTIGOS 410 N.º 3, 374 N.º 2 E 379 N.º 1 ALÍNEA C) DO CPP)
261. A tarefa de escalpelizar, sistematizar, analisar e concluir atenta todos os factos vertidos na PRONÚNCIA, assume um elevadíssimo grau de dificuldade. Porém, esta forma moderna de produzir acusações superpovoadas, não pode implicar o afastamento das normas legais que enformar o tratamento a ser dado numa sentença.
262. No caso vertente o ACÓRDÃO adotou uma metodologia sintética, visando, no que diz respeito às declarações dos arguidos e aos depoimentos das testemunhas “tornar auto explicativa a motivação da convicção do Tribunal Coletivo.”[157]
263. Optou, e bem, pela consideração das declarações dos arguidos prestadas em audiência, em detrimento das que haviam prestado em fases anteriores do processo.[158]
264. Louvou-se, de igual modo, nos depoimentos das testemunhas, prestados com “sinceridade e verdade”[159] e na vasta prova documental disponível.
265. Especificamente no que diz respeito ao núcleo E[160], o ACÓRDÃO assinala que “a essencialidade objetiva dos factos constantes da acusação pronúncia foram provados com base nas declarações dos arguidos AF e MA, os quais aceitaram a atuação objetiva, alicerçada pela prova documental e as interceções das comunicações”. Trata-se de uma opção correta do Tribunal. Tudo resulta claro da prova produzida: quem falou com quem; o que disse; o que queria; porque queria.
266. O ACÓRDÃO, contudo, saiu da zona de conforto dada pela consistência probatória e cedeu à vacuidade da prova indireta, conceito no qual, cada vez mais, se agregam todas as explicações para as quais não existe prova nenhuma: É o que ocorre quando, sem o fundamentar, o ACÓRDÃO decide que, neste conspecto, “a troca de favores neste caso é por demais evidente”. [161]
267. A conclusão expedita relativa à troca de favores, baseia-se nisto: “No momento da submissão ao concurso da CReSAP o arguido AF estava preocupado e sentia-se incapaz de apresentar a candidatura – tanto mais que assumidamente era uma pessoa que não lidava bem com as novas tecnologias e a apresentação da candidatura envolvia capacidade informáticas (sic), Das conversas estabelecidas entre os arguidos AF e MA, alcança-se uma tendência para a manipulação da máquina e de lugares administrativos por parte desta última. Perante esta tendência, não se pode aceitar como altruísta a oferta da arguida Maria …,…”[162]
268. É com este paupérrimo silogismo que se conclui o que se aferiu e o ACÓRDÃO se precipita para a antecâmara da corrupção. Duma penada não só se acolhem as premissas de todo deficitárias para justificarem o tal dito acordo, como se desconsideram os ingredientes que justificam as intocadas condutas objetivas.
269. Assim, neste segmento, a decisão recorrida é nula, por violação do disposto no artigo 374, n.º 2, do CPP (aplicável ex vi do disposto no artigo 379, n.º 1, al. a) do C.P.P.)
270. Soma-se à nulidade arguida uma clara insuficiência da matéria de facto provada no que diz respeito a este mesmo vetor, que aqui igualmente se convoca, o que se enquadra no disposto no artigo 410, n.º 2, alínea a) do C.P.P., sendo aqui de convocar o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.01.2011 (proc. n.º 1670/07.4TAFUN-A.L1-5)[163], particularmente quando alude ao dever de indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
271. Incorreu, ainda, o Tribunal a quo em erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, b) do CPP, matéria a que já se aludiu anteriormente e que aqui se dá por reproduzida[164].
FALTA DE PREENCHIMENTO DO TIPO
272. Não havendo vestígios do famigerado acordo celebrado entre o Recorrente e a arguida MA, então as respetivas condutas terão de ser reconduzidas às adequadas e reais motivações. Feita esta análise, concluir-se-á que, sendo censurável a forma como possam ter agido, não se abre espaço à aplicação de qualquer norma penal sancionatória.[165]
273. Na antecâmara do concurso para provimento do cargo de Presidente do IRN o Recorrente estava desmotivado para prosseguir nessa tarefa, ou seja, não pretendia ser reconduzido ao cargo, que vinha desempenhando com excelência.
274. Todavia, a Ministra da Justiça de então, pretendia que o Recorrente continuasse, tendo em conta a qualidade dos serviços por este prestados.
275. Amiga de longa data do Recorrente, a arguida MA era, então, Secretária-Geral do Ministério da Justiça, tendo, nessa dupla condição procurado estimulá-lo a que concorresse, a que não desistisse, a que, numa palavra, se apresentasse no concurso.
276. Era claro para toda a gente, como resultou intocado para o Tribunal, que, uma vez concorrendo, o Recorrente seria o designado pela Ministra, porquanto tinha um currículum inigualável a par com um conhecimento sem paralelo do IRN.
277. Na base das insistências recorrentes da arguida MA, estava a conceção de que o Recorrente teria de se submeter às provas, por isso ser condição sine qua non para prosseguir em funções.
278. Da mistura entre a amizade que os unia e no desejo manifestado pela tutela na continuação do Recorrente, nascem as diligências, regra geral unilaterais, da arguida MA..
279. Ao invés do que concluiu o ACÓRDÃO, trata-se de um comportamento feito com tons de altruísmo, no que à amizade e à disponibilidade manifestada diz respeito e de algum egoísmo de Estado, na forma como se insistia com o Recorrente em algo que ele já não pretendia prosseguir.
280. Esta explicação, por ser real e ter sido demonstrada, deve ser adotada, com a consequente proscrição do “plano”, de cujo nascimento não existe rasto. Aqui chegados, cumpre escalpelizar o aspeto jurídico da causa.
281. A construção dogmática do ACÓRDÃO[166] suscita um prévio comentário: A decisão alude à tal troca de favores, a qual, em esquema, se definiria assim: (i) O Recorrente praticou o crime de corrupção passiva, quando aceitou os ficcionados favores da arguida MA no âmbito do concurso ao cargo de Presidente do IRN e (ii) praticou o crime de corrupção ativa, quando alegadamente intercedeu por dois concorrentes – CF e HM – no âmbito de procedimentos concursais específicos que decorreram no MAI (tanto quanto se percebe) e no próprio IRN.[167]
282. Talvez pelo insólito desta construção o ACÓRDÃO prescindiu, neste caso, de se referir à problemática da autoria. Não se menciona de o Recorrente praticou o crime como autor ou como coautor.
283. É que, em bom rigor, haveria lugar apenas à prática de um crime e não de dois: cada um dos arguidos condenados, mesmo na ótica enviesada da PRONÚNCIA, recebeu algo (a intercessão em seu benefício), para fazer algo (interceder em benefício do intercessor, direta ou indiretamente). Razão suficiente para detetar um clamoroso erro de julgamento, que expressamente se argui.
284. Quando, no hall de entrada do enquadramento jurídico-penal da causa o ACÓRDÃO faz o inventário dos elementos do tipo de corrupção passiva para a prática de ato ilícito (página 2211), refere quer a aceitação de uma vantagem, quer a contrapartida, consistindo na prática de um ato ou omissão contrários aos deveres do cargo. Ora, a ser assim, o Recorrente, ao aceitar um benefício (a ajuda no concurso relativo à presidência do IRN), para auxiliar os referidos CF e HM, tê-lo-ia feito no âmbito da mesma resolução criminosa, que é uma e uma apenas (Cfr. o artigo 30 n.º 1 do Código Penal).
285.A ser assim, o Recorrente, ao aceitar um benefício (a ajuda no concurso relativo à presidência do IRN), para auxiliar os referidos CF e HM, tê-lo-ia feito no âmbito da mesma resolução criminosa, que é uma e uma apenas.[168]
286. Dito de outra forma: em cada uma das normas que definem os elementos típicos do crime de corrupção, seja ativa, seja passiva, já se encontram conglomeradas as duas vertentes que compõem o acordo de vontades: aceitar ou solicitar vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida, visando a prática de um ato contrário aos deveres do cargo.
287. O ACÓRDÃO contornou esta evidência, cindindo aquilo que, por natureza, não é cindível e, por essa via, furtando-se a analisar quem, neste caso, seria o corruptor ativo e o corruptor passivo.
288. O Tribunal a quo desdobrou a conduta do Recorrente, que considera consistir em aceitar um favor (que teria recebido) por outro (que iria fazer), autonomizando e duplicando o desvalor respetivo: O ato de receber algo transformar-se-ia na materialidade da corrupção passiva e a contraprestação, onde já incorpora o desvalor da aceitação, num ato de corrupção ativa.
289. Mas, como uma qualquer análise rigorosa determinará, isso corresponderia a punir, duplamente, um dos elementos objetivos da incriminação, porquanto esta já acolhe as duas vertentes: aceitar ou solicitar para praticar, onde, por maioria de razão, se inclui a prática propriamente dita.
290. Se nos afastássemos desta avaliação, teríamos então que, no caso da corrupção ativa, o autor seria punido por ter aceitado e por ter praticado, quando é generalizadamente que o crime se consuma com a aceitação para o ato, inexistido punição autónoma para o ato que vier a ser praticado.
291. A opção do ACÓRDÃO gerou uma dupla valoração da mesma conduta (do mesmo ato) do Recorrente, em violação do disposto no artigo 29, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, na interpretação segundo a qual o Recorrente praticou, simultaneamente, um crime de corrupção ativa e um crime de corrupção passiva, nos termos do disposto nos artigos nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), e, ainda, nos termos do disposto nos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, mediante a mera aceitação do “suborno”, a qual aqui expressamente se argui.[169][170]
292. E, porque o ACÓRDÃO também não explica como é que procedeu a esta multiplicação de crimes, omite, assim, em absoluto, a devida fundamentação nesta matéria, incorrendo na nulidade prevista nos artigos 374, n.º 2 e 379, n.º 1, al. a) ambos do C.P.P..
293.À qual, a talhe de foice, se sucede uma nova contradição entre a fundamentação e a decisão – que expressamente se argui nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, al. b) do C.P.P. -, que se demonstra de forma exuberante, no cotejo entre as duas partes seguintes do ACÓRDÃO: (i) Na sua página 2411 refere-se que “a tutela das expetativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, fica assegurada com a imposição ao arguido AF das penas seguintes: …,… 2 anos e seis meses de prisão pela prática do crime de corrupção ativa…,…”. (ii) Todavia, cfr. página 2429 do ACÓRDÃO, a sanção efetivamente aplicada ao Recorrente no caso da corrupção ativa foi de 3 anos e seis meses de prisão. Admite-se tratar-se de um lapso, mas, em qualquer caso, deverá o Tribunal de Recurso intervir, no sentido de também dar provimento a este vetor do recurso.
294. Assim, no limite, o Recorrente só poderia ser condenado pela prática de um crime de corrupção ativa ou passiva, e sendo certo que, no formato estabelecido pelo ACÓRDÃO se estaria, no caso do Recorrente, mais próximo da corrupação passiva, o que se alvitra por mero dever de patrocínio e sem conceder.
A CORRETA AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO DO RECORRENTE
295. Do exposto caberá retirar as devidas ilações, avaliando o comportamento do Recorrente também aqui com amparo da doutrina e da jurisprudência alinhadas pelo ACÓRDÃO, bem como o duplo prisma da corrupção ativa e passiva, por ser assim que a decisão recorrida se encontra feita.
296. O crime tem de ser um facto (ou um conjunto de factos).[171] E o que temos de objetivo esgota-se na matéria de facto relativa, desde logo, à intervenção que a arguida MA teve, regra geral por sua iniciativa e com as já aludidas motivações, no âmbito da CReSAP e nos concursos relativos à presidência do IRN[172].
297. Dispõe o artigo 17 n.º 1 da Lei 34/87 de 16 de julho: O titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
298. O Recorrente não pretendeu obter para si vantagem patrimonial ou não patrimonial, por um lado, nem, por outro, se comprometeu a praticar ou praticou, atos contrários aos deveres do cargo. Assim:
299. Resultou claro[173] que no que aos concorrentes HM e CF se refere, o Recorrente terá dado uma palavra (para usar a expressão popular) ao então Ministro MM, que o informou que esse assunto estava entregue ao seu Secretário de Estado. O Recorrente disto informou a arguida MA, ficando o assunto encerrado sem qualquer diligências suplementares.
300. Já no que concerne ao concurso de CF, o que resulta claro, da matéria de facto é apenas isto: a arguida MA intercedeu por aquela oponente em moldes que estão demonstrados. O Recorrente não pressionou o júri, como a testemunha JM reconhece. Limitou-se a perguntar como estavam as coisas, o que fez, para depois reportar MA, que se conformou com o resultado.
301. A arguida MA não aludiu a nenhuma obrigação do Recorrente, não lhe cobrou nenhum favor, não referiu, de forma expressa ou implícita qualquer acordo que estivesse a ser violado.[174] Interessou-se por quem seriam seus amigos, pediu informações ao Recorrente e pronto.
302. Ambos os assuntos tiveram o seu curso normal[175], sendo totalmente inócua e irrelevante a menção ao pedido de suspensão do resultado do concurso, que tanto parece sensibilizar o Tribunal recorrido, a ponto de ser o único fundamento de facto esgrimido. Sem embargo do que fica exposto, cumpre ainda adicionar o que segue.
303. Quer o concurso do IRN, quer o concurso a decorrer no MAI, estão fora da esfera de intervenção do Recorrente que, assim, não dispunha de poder para interferir em qualquer dos procedimentos em causa. No que ao que se desenrolava no IRN diz respeito, o assunto estava sob a alçada de um Vice-presidente e do júri por este presidido. No que a HM diz respeito, o Recorrente não tinha qualquer possibilidade de interferir, mesmo querendo.
304. Não se verifica sequer a ocorrência de qualquer poder de facto, suscetível de fundear a incriminação (não poderiam estar em causa atos ou omissões “contrários aos deveres do cargo).[176] Quando, no desenho legal da corrupção é vital que o autor, ofendendo o bem jurídico em causa, a autonomia intencional do Estado, viole os deveres do cargo. Como bem assinala Almeida Costa “na correspondente fattispecie não cabem, assim, as hipóteses de em que a dádiva respeita a uma atividade ou prestação não efetuada no desempenho das suas competências públicas …,… o recebimento de tais gratificações pode integrar um qualquer ilícito, mas não o que subjaz á corrupção passiva. O seu objeto não é constituído por “atos de serviço” e, portanto, não ocorre nenhuma transação com a autoridade do Estado – circunstância indispensável para a verificação de um delito daquela espécie”.[177]
305. Aliás, uma vez mais, o ACÓRDÃO não explicita os fundamentos da sua conclusão. O mesmo se diga, reflexamente, quanto ao que se passou no concurso no qual participou o Recorrente, agora na ótica da vantagem que perceberia.
306. Desde logo ficam dúvidas sobre se estaremos mesmo a falar de uma vantagem, tendo em conta o desinteresse manifestado pelo Recorrente no assunto, por um lado e a evidência inatacável de que, concorrendo, garantiria, sem margem para dúvidas, a nomeação para o lugar.
307. Como se extrai da matéria de facto provada, no hemisfério objetivo, o que se passou analisa-se, exclusivamente, como um conjunto de intervenções próprias de amigos de longa data, com intensidades, motivações e consequências distintas: A arguida procurou, com a sua ajuda, motivar o Recorrente a concorrer; o Recorrente, por se amigo da arguida, aceitou a sua ajuda; o Recorrente obteve informações sobre o concurso de CF sem nunca nele ter interferido, nem nunca ter procurado condicionar o resultado[178].
308. E fez uma abordagem inócua e inconsequente a MM, no que diz respeito a HM, o que, aliás, é dado como provado no ponto E.182[179] (provado porque foi precisamente isso que resultou da prova produzida em audiência de julgamento) da matéria de facto relativa à Contestação do Recorrente, que se transcreve: “Na sequência de um pedido efetuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, num encontro ocasional e passageiro, sem, no entanto, pedir o que quer que fosse, que o Dr. HM estava a concorrer ao cargo de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos do MAI.”
309. No final, todos os concursos seguiram os respetivos percursos, sem se verem afetados na sua integridade pelos contactos listados. Afastado o indemonstrado plano, as coisas retornam à sua forma genuína, reduzindo-se a contactos justificados pela amizade, tolerados pela boa educação e sem qualquer relevância criminal, forçoso será concluir que não se encontra preenchido o tipo objetivo do crime de corrupção, seja ativa, ou passiva.
310. Como ensina Figueiredo Dias: …,… “é, desde logo, a exigência de dignidade punitiva prévia das condutas enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa …,… que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem, apenas, em sentido estrito, a ineficácia de outro meio jurídico”.[180]Acrescenta ainda o mesmo Professor: “Este critério adicional é – como, de resto, uma vez mais diretamente se conclui a partir do já tantas vezes referido art.º 18 – 2 da CRP – o da necessidade (carência) da tutela penal. A violação de um bem jurídico-penal não basta por si para desencadear a intervenção, antes se requerendo que esta seja absolutamente indispensável à livre realização da personalidade de cada um na comunidade. Nesta precisa aceção o direito penal constitui, a verdade, a ultima ratio da política social e a sua intervenção é de natureza definitivamente subsidiária.” E remata: “Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição de excesso. Tal sucederá, por exemplo, quando se determine a intervenção penal para proteção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis …,… pelas sanções do direito administrativo …,…”[181]
A SANÇÃO ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS
311.O Recorrente foi ainda condenado na sanção acessória de proibição de exercício de funções públicas pelo período de 3 anos, levando-se já em consideração o tempo já cumprido[182].
312.A pena acessória é, evidentemente, uma verdadeira pena, [183] tendo dois pressupostos: um formal, que exige que a condenação em pena de prisão (ainda que suspensa na sua execução) seja superior a três anos e um material que “pode consistir na prática do facto com abuso “flagrante e grave” da função ou com violação “manifesta e grave” dos deveres do funcionário, na indignidade revelada no exercício da função.[184]”
313.Contudo, conforme indica Paulo Pinto de Albuquerque “o tribunal de julgamento tem de aferir da existência do pressuposto material, não podendo deduzi-lo automaticamente da prova do facto principal. A consequência prática desta exigência típica é clara: impõe-se a alegação na acusação e a prova no julgamento de factos autónomos especificamente referidos a este pressuposto material da pena acessória.”[185]
Ora,
314. O Tribunal a quo deduziu de forma automática e prescindindo de qualquer prova produzida em audiência de julgamento, relativamente a factos autónomos que permitissem inferir que, tendo em conta que, de acordo com os factos provados, os arguidos AF e MA tiveram um comportamento em "flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes", designadamente, a gravidade da infração dos deveres de transparência, isenção e imparcialidade.[186]
315. O Recorrente desconhece sobre o que preencheu o pressuposto material de aplicação da pena acessória uma vez que o Tribunal a quo , omitindo a indicação dos concretos os factos provados que permitiram a condenação numa pena acessória de proibição do exercício de funções públicas, aplicou essa sanção de forma automática e desprovida de fundamento - seja de facto, seja de direito – baseando-se apenas na circunstância de haver condenado o Recorrente a um crime punido com pena de prisão superior a 3 anos. Em segundo lugar:
316. A condenação do Recorrente na pena acessória de proibição do exercício de funções públicas é surpreendente, porquanto a PRONÚNCIA não a fazia prever. Isto é, a PRONÚNCIA não contém qualquer referência à pena acessória agora aplicada, designadamente a menção da disposição legal aplicável – no caso, o artigo 66 do CP –, pelo que, por maioria de razão, não a coloca como hipótese, nem estabelece a sua quantificação devida.
317. Dispõe o artigo 283, n.º 3, al. c) do CPP que “a acusação contém, sob pena de nulidade” (…) “a indicação das disposições legais aplicáveis”.
318. Nos termos do disposto nos artigos 283, n.º 3, alíneas b) e c), 308, n.º 2, e 374, n.º 2 e 3, alínea a), na acusação, pronúncia e sentença, a qualificação jurídica dos factos opera- se mediante a indicação de todas (e não algumas) disposições legais que lhes são aplicáveis, indicação que, obviamente, a lei manda que se faça a seguir à narração ou descrição daqueles.
319. O arguido, confrontado com uma acusação, deverá ter total conhecimento dos elementos essenciais (e outros) constitutivos do crime por forma a conseguir preparar e organizar convenientemente a defesa.
320. Sendo certo que a vinculação do Tribunal de julgamento aos factos vertidos na acusação (e, no presente caso, pronúncia) não é absoluta, querendo migrar para fora das fronteiras pré-definidas na pronúncia tem aquele de o fazer pelas formas legalmente previstas.
321. Assim, nos termos do disposto no artigo 358, n.ºs 1 e 3 do CPP, se, no decurso da audiência de julgamento, se verificar uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, deverá ser esta comunicada ao arguido e concedido prazo para, querendo, preparar a defesa.
322. Foi precisamente este comando normativo que não foi cumprido.
Vejamos:
323. Foram dados como provados os pontos da matéria de facto E.127 a E.141 relativos à PRONÚNCIA (e que a ela correspondem integralmente[187]), sob o subnúcleo E7 “Da conduta dos arguidos AF e MA”[188] do ACÓRDÃO[189].
324. Na PRONÚNCIA nada é referido relativamente à proibição do exercício de funções, nos termos do disposto no artigo 66 do CP.
325. Ora, não sendo coincidente a indicação das disposições legais aplicáveis aos factos feita na PRONÚNCIA e no ACÓRDÃO, e tratando-se para além do mais, de duas penas diferentes (pena principal de prisão suspensa e pena de proibição de exercício de funções) dúvidas não podem restar de que se verifica uma alteração da qualificação jurídica dos factos.
326. Veja-se a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2008[190], aplicável ao presente caso: «Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.º 1 do artigo 69 do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º deste último diploma legal.» (…) “A narração ou descrição factual e indicação normativa da maior importância, visto que o objeto do processo é o objeto da acusação, o qual se mantém até ao trânsito em julgado da sentença, protegendo o arguido contra arbitrários alargamentos da atividade cognitória e decisória do tribunal, assegurando os direitos ao contraditório e à audiência, direitos essenciais à defesa do arguido e à democraticidade do processo penal, que se traduzem no direito de o arguido ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete [alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal], bem como no direito a que todos os atos e procedimentos processuais, na fase de julgamento, sejam suscetíveis de oposição e de discussão, o que implica uma efetiva participação neles, com possibilidade de os discretear, mediante a apresentação de razões e argumentos de facto e de direito.”
327. Havendo tal alteração da qualificação jurídica, em especial, qualquer alteração que importe um agravamento das sanções penais (ainda que acessórias), tem necessariamente de ser dada a conhecer ao Arguido (ora Recorrente) através do "instituto da alteração dos factos", previsto nos artigos 358° e 359° do CPP.
328. Como bem expende o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.06.2009 (proc. n.º 106/09.0YFLSB[191]), “a vexata quaestio da alteração do enquadramento jurídico da conduta imputada ao arguido em figura criminal mais grave e da consequente necessidade ou não de lhe dar conhecimento de tal modificação culminou, em termos jurisprudenciais, com a prolação do “Assento” n.º 3/2000, de 15-12-1999 (Proc. n.º 43073, DR Série I-A, n.º 35, de 11-02-2000), que reformulou o “Assento” n.º 2/93, de 27-01-92, fixando a seguinte doutrina: «Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronúncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do respetivo enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para o que o mesmo pudesse organizar a respetiva defesa».”
329. De acordo o disposto no artigo 32, n.º 1 da CRP, que “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
330. Seria imperativo que o Recorrente conhecesse quer as disposições legais que se tivessem alegado naquela em sustento da condenação na pena acessória de proibição de funções públicas, como, como se já sublinhou, teriam de ser usados factos autónomas, devidamente identificados, como pilares nos quais a condenação assentaria.
331. O artigo 358, n.º 3 do CPP visando garantir o direito de defesa do arguido perante uma alteração da qualificação jurídica, impões a comunicação ao Recorrente, garantido o comando constitucional vertido no artigo 32, n.º 1 da CRP.
332. Por isso, qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos feita na PRONÚNCIA, designadamente qualquer alteração que importe um agravamento, como é o presente caso, terá necessariamente de ser dada a conhecer ao Arguido (ora Recorrente) para que dela se possa defender.
333. Ao condenar o Recorrente em pena acessória cuja indicação da disposição legal que a prevê e estabelece a sua medida foi omitida na PRONÚNCIA, sem que da respetiva alteração tivesse sido prevenido nos termos do artigo 358, n.º 1 e 3, o ACÓRDÃO incorreu na nulidade prevista no artigo 379, n.º 1, alínea b) do CPP, 334. O que, além do mais, impõe a revogação da condenação na pena acessória de proibição de funções.
Mais:
335. Foi aplicada ao Recorrente a medida de coação de prisão preventiva por despacho datado de 18.11.2014. Posteriormente, por despacho de 6.11.2015 foi esta medida substituída pela OPHVE.
336. Esta, por seu turno, veio a ser revogado em 18.03.2016 ficando vigentes as seguintes medidas de coação[192]:
. TIR;
. Apresentação diária no OPC da residência que consta do TIR;
. Suspensão do exercício de funções públicas;
. Proibição de ausência para o estrangeiro;
. Proibição de contactos com o arguidos e testemunhas indicadas no despacho de acusação.
337. Finalmente, por despacho de 8.02.2017, proferido já no decurso da audiência de julgamento, foi alterada a situação coativa do Recorrente, nos seguintes moldes: “manter ao arguido AF as medidas de coação de termo de identidade e de residência, de proibição de ausência para o estrangeiro, de proibição de contactos com as testemunhas de acusação e demais arguidos, de proibição do exercício de funções públicas, exceto as funções de conservador do registo.”
338. Em síntese: o Recorrente foi privado da sua liberdade durante 2 (dois!) anos. Naturalmente que esta privação não lhe permitiu exercer qualquer profissão, seja de cariz público ou privado.
339. Acresce que, após a revogação da OPHVE, o Recorrente permaneceu por mais 10 meses e 20 dias sem poder exercer funções públicas, incluindo as de conservador dos registos.
340. O Recorrente esteve praticamente 3 (três) anos sem auferir quaisquer rendimentos.
341. Apenas em 8.02.2017, foi proferido despacho no sentido de possibilitar o Recorrente de voltar a exercer as funções de conservador, conforme supra referido.
342. Contudo a proibição de exercício de funções públicas, mantém-se, de direito (de facto há muito mais tempo[193]) desde 18.03.2016 até ao presente, porquanto o despacho proferido a 8.02.2017, a manteve.
343. Contudo, o tempo de suspensão do exercício da função a título cautelar, aplicado nos termos do artigo 199 do CPP é descontado na pena acessória do exercício de função[194].
344.Como tal, a contagem de prazo da proibição de exercício de funções públicas iniciou-se quando o Recorrente foi, de facto (sobretudo de direito), sujeito a tal medida, ou seja, em 18.03.2016.
345. Tal medida nunca foi revogada, mantendo-se, até ao presente, pelo que o Recorrente sempre completaria o período ao qual foi (mal) condenado no dia 17.03.2019.
346. Isto porque, recorde-se, para efeitos de contagem do prazo para o cumprimento da sanção acessória em causa, o Tribunal a quo indicou que se deve levar em linha de conta o “tempo já cumprido”, ou seja, desde 18.03.2016. Ora o período de três anos iniciado em 18 de março de 2016, termina em 17 de março de 2019. À cautela, por mero dever de patrocínio, dir-se-á o seguinte:
347. O Recorrente era Presidente do Conselho Diretivo do IRN, tendo sido no âmbito do exercício deste cargo, que foi condenado à pena acessória de proibição de exercício de funções púbicas.
348. Não poderia o Tribunal a quo limitar, de forma absoluta e através de uma pena acessória, o direito ao trabalho do Recorrente, constitucionalmente consagrado no artigo 30, n.º 4 e 58, da CRP.
349. Tal como é referido no Acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2011 (proc. n.º 76/10.2GTEVR-3[195]), “Uma segunda nota para referir que as profissões, funções e atividades de que os arguidos podem ser suspensos ao abrigo do artigo 199.º do Código de Processo Penal são apenas aquelas cujo exercício lhe pode vir a ser proibido nos termos do artigo 66.º do Código Penal. Isto significa que a suspensão apenas pode ocorrer quanto à atividade no exercício da qual o crime foi praticado e não quanto a outras atividades que lhe sejam próximas.”
350.O que o artigo 66 do CP pretende punir com a respetiva sanção acessória, é a indignidade para a profissão resultante do crime que se puniu a título principal.[196]
351. Por conseguinte, a sanção acessória a aplicar tem de ter por objeto a função, profissão ou atividade no âmbito da qual o arguido manifestou indignidade ou desadequação para a exercer e não qualquer profissão que seja conexa, como é o caso de Conservador dos Registos, profissão que o Recorrente exerce atualmente.
352. Qualquer outra interpretação normativa do artigo 66 n.º 1, al. a) do CP estaria ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 29, n.º 4, 30, n.º 4 e 58, n.º 1 da CRP, ao considerar que a sanção acessória de proibição de funções pode ter por objeto toda e qualquer profissão pública, sem proceder à discriminação indicada (o âmbito da daquela no qual a indignidade se manifestou), por um lado e, na outra face da moeda, operando uma sanção através do generalidade.
353. A norma legal é bastante clara: começa por definir o tipo de funções abrangidas (titular de cargo público, funcionário público ou agente da administração); detalha, de seguida, a atividade que pode ser sujeita a suspensão do exercício, a saber, aquela para que foi eleito ou nomeado; para depois se referir àquela como sendo a suscetível de ser objeto de proibição (é também proibido do exercício daquelas, as tais nas quais terá cometido o crime).
354. O ACÓRDÃO violou a lei, ao determinar a suspensão de todas as funções públicas, sem olhar ao constrangimento legal limitador. Porém, ao fazê-lo, para além de violar o disposto no artigo 66, n.º 1 do C.P., aplicou-o de forma a interpretá-lo de forma manifestamente violadora dos artigos citados da nossa Constituição, o que aqui expressamente se arguiu.”
Recurso do Ministério Público
O Ministério Público interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :
“1º O Acórdão recorrido, apesar de depositado, não observou o disposto no art.º 374.º do Código de Processo Penal, ou seja, do mesmo não constam as assinaturas de todos os membros do Tribunal (art.º 374.º, n.º 3, al. e), do Código de Processo Penal). Ora, tratando-se de acto de julgamento para o qual a lei exige a presença de todos os juízes do Tribunal Colectivo, ao abrigo do disposto no art.º 380.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, deve proceder-se à correcção respectiva, providenciando-se para que do Acórdão passe também a constar a assinatura em falta da Excelentíssima Juíza-Adjunta.
2.ª O Ministério Público, ora recorrente, mantém interesse na subida dos recursos pendentes constantes de fls. 38663 a 38676, de fls. 38677 a 38692 e de fls. 39094 a 39100 dos autos - art.º 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
ERROS COM REPERCUSSÃO NA VALORAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO/NULIDADES DE PROCEDIMENTO E NULIDADES DE PROVA: DOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS INTERPOSTOS CUJA APRECIAÇÃO CONTINUA A REVESTIR UTILIDADE PARA A BOA DECISÃO DA CAUSA
Indeferimento do Requerimento de Leitura das Declarações dos arguidos em Audiência de Julgamento.
3.ª O indeferimento da pretensão do Ministério Público no sentido de que se procedesse à leitura, em audiência, das declarações dos arguidos prestadas em sede de inquérito, perante autoridade judiciária, com as legais advertências, determinou a prática pelo Tribunal recorrido de nulidade sanável, prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que foi omitida uma diligência reputada como essencial para a descoberta da verdade, nulidade que foi tempestivamente arguida (cfr. alínea a) do n.º 3 do mesmo artigo).
4.ª Daí que a mencionada omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (art.º 340.º do Código de Processo Penal) importe, a nosso ver, a revogação da decisão de indeferimento e dos actos processuais afectados, nomeadamente, a revogação do Acórdão recorrido.
5.ª E, consequentemente, impõe a reabertura da audiência de julgamento a fim de, e com excepção dos arguidos EB e EA, se proceder à leitura das declarações prestadas pelo arguido JS e à reprodução das declarações prestadas pelos restantes arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução).
6.ª Porém, e como um dos juízes que compunha o Tribunal Colectivo já não se encontra no Tribunal, deve proceder-se a novo julgamento (Cfr., neste sentido e entre outros, Ac. TRL de 25/2/2004, CJ, XXIX, 1, 141).
Indeferimento de arguição de nulidade por violação do artº 340º do CPP. Indeferimento de diligência de Quebra de Sigilo Profissional da testemunha APM.
7.ª Foi interposto recurso interlocutório do Despacho proferido pelo Mmo. Juiz Presidente que, após deliberação do Tribunal recorrido constante da Acta de Audiência de Julgamento de 19/3/2018 - 69.ª sessão, parte da manhã, indeferiu a arguição das nulidades de procedimento invocadas com a fundamentação de que, quanto ao incidente da quebra de sigilo profissional da testemunha APM, o Tribunal recorrido não se pronunciou quanto à admissibilidade do incidente mas, tão só, quanto à pertinência e à relevância do depoimento da testemunha, sustentando-se que não se trata de uma questão de um vício processual mas sim uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso.
8.ª O Tribunal, ao indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM, incorreu na nulidade sanável prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que omitiu realização de uma diligência reputada como essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa
9º Nulidade esta que foi objecto de oportuna arguição nos termos dos artigos 120.º, nºs 1 e 2, al. d), 340.º, ambos do Código de Processo Penal.
10.ª Caso seja reconhecida tal nulidade, e entendendo-se justificada a quebra de sigilo profissional da testemunha, impõe-se, assim, a reabertura da audiência de julgamento para efeitos da inquirição da testemunha sobre às matérias narradas nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA».
11.ª Porém, e como um dos juízes que compunha o Tribunal Colectivo já não se encontra no Tribunal, deve proceder-se a novo julgamento (Cfr., neste sentido e entre outros, Ac. TRL de 25/2/2004, CJ, XXIX, 1, 141).
Junção aos autos da exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais
12.ª O despacho judicial de 15/5/2018 que ordenou a junção aos autos da exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentado pelo arguido AF mostra-se ferido de inexistência jurídica, tratando-se de acto processualmente atípico ante o princípio da legalidade vigente no processo penal (art.º 2º do CPP), não podendo ter sido admitida e junta aos autos a mencionada exposição.
13.ª Ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se entendesse admissível no referido momento processual a mencionada exposição escrita, sempre, quanto à mesma, e face ao princípio do contraditório, deveria ter sido assegurado o exercício do direito de audição ao Ministério Público enquanto sujeito processual e atento o preceituado nos artigos. 32.º, n.º 5, da CRP, 165.º, n.º 2 e 327.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
14.ª Daí que a ordenada junção autos da mencionada exposição sem que ao Ministério Público tivesse sido dada qualquer oportunidade de, quanto à mesma, se pronunciar, integre uma violação dos artigos 32.º, n.º 5, da CRP, 165.º, n.º 2 e 327.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
15.ª As exposições escritas que corresponderam a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelos arguidos, na sequência do convite feito pelo Tribunal já após o encerramento da audiência, e independentemente de terem sido juntas ou não aos autos, acabaram, eventualmente, por contaminar a apreciação e valoração da prova por parte do Tribunal, sendo certo que ao Ministério Público não foi dada qualquer oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo das mencionadas exposições apresentadas em data posterior ao encerramento do julgamento e já após os arguidos terem prestado as suas últimas declarações e de ter sido declarada encerrada a discussão da causa, nos termos do disposto no art. 361.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
16.ª A confirmação da mencionada inexistência jurídica (ou, no mínimo, irregularidade), importa a revogação da decisão que ordenou a junção aos autos das alegações complementares escritas e dos actos processuais subsequentemente realizados e afectados e, consequentemente, impõe a reabertura da audiência de julgamento com vista à prolação de novo acórdão, pois a invalidade decorrente da verificada inexistência jurídica (ou irregularidade) deve estender-se à totalidade do Acórdão recorrido e não, apenas, a segmentos do mesmo, na medida em que face à notificação-convite que lhes foi feita pelo Tribunal recorrido, os Defensores dos arguidos apresentaram alegações complementares escritas as quais foram atendidas pelo Tribunal ao realizar o Acórdão ora recorrido.
17.ª Porém, e como um dos juízes que compunha o Tribunal Colectivo já não se encontra no tribunal, deve proceder-se a novo julgamento (Cfr., neste sentido e entre outros, Ac. TRL de 25/2/2004, CJ, XXIX, 1, 141).
Não valoração probatória das declarações dos arguidos prestadas na fase de inquérito perante autoridade judiciária.
18.ª Em consonância com a posição adoptada quanto à não admissibilidade da leitura, em sede de audiência de julgamento, das declarações dos arguidos prestadas em inquérito, o Tribunal, a fls. 952 do Acórdão recorrido, admitindo ter ouvido tais declarações, veio a afastar a relevância probatória das mesmas, referindo que a situação de detenção e de urgência de liberdade retiraram espontaneidade e veracidade a tais declarações.
19.ª Afastou, assim, deste modo, sem mais, o valor probatório quer das declarações prestadas pelos arguidos detidos, em sede de primeiro interrogatório judicial, quer, surpreendentemente, dada a não verificação da situação de detenção, as declarações prestadas, em sede de inquérito, por arguidos em situação de liberdade ante Magistrado do Ministério Público alguns dos quais (como o caso de Z) a pedido dos próprios arguidos.
20.ª A fórmula genérica utilizada pelo Tribunal recorrido, a fls. 952 do acórdão, apodando as declarações prestadas em sede de interrogatório judicial de arguidos detidos como «declarações prestadas sob condicionantes negativas (longa detenção e urgência de liberdade)» as quais, na perspectiva do Tribunal recorrido, colocariam em causa a «espontaneidade e respeito pela verdade dos factos», sem curar o Tribunal recorrido de concretizar, na sua fundamentação, quaisquer factos ou circunstâncias concretas (para além da própria condição de detenção inerente ao acto processual de primeiro interrogatório de arguido detido) que conduzissem ao desvirtuamento de tal meio de prova, extravasa em muito a liberdade de apreciação da prova plasmada no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
21.ª Aliás, constitui uma verdadeira interpretação correctiva das disposições conjugadas dos art.ºs 141.º, n.º 4, al. b); º, 357.º, nº1, al. b), violando expressamente os art.ºs 125.º e 127º do Código de Processo Penal ao retirar, de forma tabelar, e numa assentada, a validade probatória às declarações prestadas perante Juiz de Instrução por qualquer arguido detido em sede de primeiro interrogatório judicial pelo simples facto de se encontrar detido e com urgência em ver decidida a sua situação de condicionamento da liberdade.
22.ª Ora, tal interpretação levada a efeito pelo Tribunal recorrido consubstancia uma interpretação correctiva proibida, na medida em que derroga as disposições legais processuais supra mencionadas e relativas ao valor das declarações dos arguidos enquanto meio de prova, bem como viola o art.º 125.º e o artº 127.º do Código de Processo Penal, e, bem assim, o próprio princípio constitucional da separação de poderes consagrado no art.º 2.º da CRP, substituindo-se o julgador ao legislador ao criar uma espécie de tabela abstracta do valor probatório de certos actos, tratando-se, assim, de uma interpretação inconstitucional de tais preceitos.
23.ª Usando as palavras do Professor Oliveira Ascensão, sempre se dirá que através desta fundamentação assente numa interpretação correctiva das referidas normas do Código de Processo Penal, o Tribunal recorrido, mais do que certificar a morte da norma (como sucede na interpretação ab-rogante) matou a própria norma interpretada, actividade que lhe está constitucionalmente vedada.
24.ª A fórmula genérica utilizada pelo Tribunal recorrido para afastar, em bloco, a relevância probatória das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito (não curando, sequer, de atender ou justificar a falta de ponderação dos interrogatórios prestados pelos arguidos em situação de liberdade perante o Ministério Público com as advertências do art.º 141.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, com observância dos demais formalismos, nomeadamente o registo audiovisual) revela-se, ainda, na prática, equivalente a uma ausência de análise crítica de tal meio de prova, o que integra uma nulidade do acórdão (art.º 379.º, nº 1, al. a) do CPP, ex vi do art.º 374.º, nº 2 do CPP), conforme melhor se explicitará infra.
25.ª A violação dos referidos preceitos, na medida em que se traduz, na prática, numa falta de avaliação crítica de meio de prova que deveria ter sido considerado pelo Tribunal, faz, assim, com que o Acórdão recorrido seja nulo, nos termos do art.º379º, n.º 1, al. a), por referência aos art.ºs 374.º, n.º 2 do CPP.
26.ª E, ainda, que padeça, em simultâneo, do vício do art.º 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, porquanto o Tribunal deixou de considerar matéria de facto que deveria ter considerado caso não tivesse afastado liminar e ilegalmente o teor das declarações dos arguidos prestadas em primeiro interrogatório judicial de arguido detido e em interrogatórios presididos por Magistrado em sede de inquérito com observância das legais formalidades.
27.ª Tal nulidade probatória, na vertente de omissão de valoração probatória, importa a revogação do Acórdão e, consequentemente, impõe a reabertura da audiência de julgamento com vista à prolação de novo acórdão no qual sejam consideradas as referidas declarações no cotejo com as prestadas em sede de audiência pelos arguidos que não optaram pelo exercício do direito ao silêncio.
28.ª Porém, e como um dos juízes que compunha o tribunal colectivo já não se encontra no tribunal, deve proceder-se a novo julgamento (Cfr., neste sentido e entre outros, Ac. TRL de 25/2/2004, CJ, XXIX, 1, 141).
DOS VÍCIOS QUE RESULTEM DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA, POR SI SÓ OU CONJUGADA COM AS REGRAS DA EXPERIÊNCIA (Vícios da Decisão - 410.º do CPP).
Da Prova Indirecta e Das Regras da Experiência Comum:
29.ª Não fez o Tribunal recorrido, na decisão ora recorrida, uso correcto da chamada prova indirecta, indiciária ou por presunção, e das regras e orientações vigentes em tal domínio.
30.ª Prova indirecta esta que no domínio da criminalidade económico-financeira, como é o caso dos autos, assume particular relevo, considerando as particulares e especiais capacitações dos agentes para dissimular acordos, condutas e intenções delituosas, mormente porque, por regra, dominam (de facto e de direito) o sector institucional e económico em que operam, nos casos em que - como sucede nos autos - não são mesmos os responsáveis públicos últimos pela legalidade das instituições a que presidem.
31.ª Na perspectiva do Ministério Público, a formação da convicção do Tribunal no Acórdão recorrido não assentou num processo lógico e racional que sempre deve presidir à actividade jurisdicional de apreciação da prova.
32.ª Não tendo o Tribunal recorrido observado, assim, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.° 127.° do Código de Processo Penal, mostrando-se ,outrossim, a decisão (parcialmente) contrária às regras da experiência comum vigentes em tal domínio..
33.ª Ora, a análise correcta e logicamente concatenada dos indícios plúrimos, graves e concordantes não foi, de todo, sequer, encetada realizar pelo Tribunal, conforme bem decorre do texto do Acórdão recorrido, e melhor se explicitará nos pontos seguintes.
34.ª Estando vedado ao Tribunal fazer uso do princípio in dubio pro reo, e da garantia constitucional da presunção de inocência, quando o correcto uso da prova indirecta permita haver como provados factos imputados aos arguidos, como é o caso, nos autos, dos factos atinentes à maior parte dos acordos delituosos descritos e elementos subjectivos dos ilícitos imputados.
35.ª Independentemente do que infra se referirá quantos aos concretos vícios resultantes do texto do Acórdão recorrido a propósito de cada um dos núcleos da pronúncia, tal errónea apreciação da prova indirecta, ou a total omissão da apreciação e valorização da mesma, faz incorrer o Acórdão ora recorrido de um vício transversal de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP) e, em simultâneo, de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão (art.º 410.º, nº 2, al. a) do CPP.
36.ª No sentido da verificação de tais vícios no caso de violação das regras de produção da prova indirecta, veja-se o recente e elucidativo Acórdão do TRE, proferido no Pº 175/15.4JASTV.E1, na data de 26/03/2019, e relatado pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Dra. Ana Brito.
37.ª Em tal Acórdão, e quanto à falta de explicitação do iter probatório próprio do raciocínio lógico-operativo da prova indirecta, ou seja, no caso de desconsideração de provas, a cuja avaliação não se procedeu, bem como a ausência de relacionação de provas indirectas, no seu conjunto, sendo tais omissões detectáveis a partir do texto do acórdão e caso comprometam irremediavelmente a decisão sobre a matéria de facto, decidiu-se que ::“Na ausência destas especificações e explicações, no sentido de, por exemplo, se mostrar desconsiderada ou não apreciada na decisão determinada prova indirecta que o devia ter sido, ou de não se encontrar examinada tal prova com o detalhe e a co-relação que a sua própria natureza particularmente impõe, o texto da sentença (e do acórdão) pode enfermar de erro notório na apreciação da prova. Erro que será sempre o erro evidente e facilmente detectado, resultante do texto da decisão ou do encontro deste com a experiência comum, mas que, em casos de prova indirecta, a “falha grosseira e ostensiva na análise da prova” poderá resultar da própria desconsideração dos especiais procedimentos de análise exigidos pela prova indirecta.”
38.ª Concluindo o referido acórdão por uma decisão de revogação do acórdão recorrido, por se entender que o mesmo enfermava, em simultâneo, de dois vícios de texto da decisão recorrida: o previsto no art.º 410.º, nº 2, al. c) do CPP (erro na apreciação da prova) e o previsto no artº 410.º, n.º 2, al. a) do CPP (insuficiência da matéria de facto para a decisão), com o consequente reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do processo, nos termos do art.º 426.º, n.º 1 do CPP.
39.ª Ora, tal errónea apreciação da prova indirecta, verifica-se, indubitavelmente no Acórdão recorrido, como melhor e especificadamente se passará a demonstrar, pelo que o mesmo se deve considerar viciado nos termos das referidas alíneas a) e c) do nº 2 do artº 410º do CPP.
Núcleo A
RELAÇÕES ENTRE OS ARGUIDOS MP, AF E Z..
40.ª A fls. 955 da Motivação da Decisão de Facto constata-se que, no que concerne às relações de amizade entre os arguidos, consta que «o arguido MP não mantinha relação de amizade com os restantes arguidos, apenas relações institucionais com os arguidos AF e o arguido MM», sendo que quanto às relações entre os arguidos AF e MP, os próprios arguidos tentaram provar que apenas mantinham um tratamento formal e institucional e que «nem sequer se tratavam por tu», o que tentaram provar através do depoimento de testemunhas de defesa JC, cuja transcrição de depoimento consta de fls. 1532 do Acórdão recorrido.
41.ª Ora, à semelhança de muitas outras situações, no que concerne às relações entre os arguidos AF e MP, não consta da Motivação da Decisão de Facto, nem de nenhuma das outras quatro partes que compõem o acórdão, qualquer exame crítico sobre esta matéria factual, ficando-se, assim, sem se saber em que meio de prova é que o Tribunal recorrido se apoiou para, erradamente, assim ter concluído, na medida em que o Tribunal recorrido, sustenta a fls. 1681 que a «Conversa sobre a entrega de vinho a MP releva tratamento muito próximo entre AF e MP», o que se mostra em contradição com o referido a fls. 955 do Acórdão recorrido, onde se refere que só existiam relações institucionais entre ambos.
42.ª E apesar de ter indicado a transcrição da sessão 1175 do Alvo AF a fls. 1681 e seguintes do Acórdão recorrido, temos como certo que não valorou tal meio de prova face ao que consta de fls. 955 quanto às relações entre os arguidos AF e MP..
43.ª Se a conversa sobre a entrega de vinho a MP já releva tratamento muito próximo entre os arguidos AF e MP, caso o Tribunal recorrido tivesse apreciado e valorado correctamente a transcrição da sessão 1175 teria deduzido, com toda a certeza, que a forma como arguido MP tratava o arguido AF só podia ser mantida entre pessoas que mantêm relações próximas e de amizade e não entre pessoas que mantêm meras relações institucionais.
44.ª Na verdade, e se essa conversa sobre oferta de vinhos ocorreu a 23/12/2013, já meses antes, nomeadamente no dia 28/6/2013, o arguido MP tinha jantado em casa do arguido Z na companhia de AF, sendo que, nessa altura, lhe foi endereçado, por intermédio de AF, convite para participar na cerimónia de celebração do casamento da filha do arguido Z, tudo conforme factos dados como provados a fls. 159 e 227 do Acórdão recorrido.
45.ª Aliás, e de acordo ainda com o facto dado como provado a fls. 233/234, no dia 4/4/2013, os arguidos AF e MP reuniram no SEF, com o casal RL e CC, os arguidos Z e ZB e SP, todos sócios da “BT,Ldª.”, os quais foram apresentados pelo primeiro ao segundo como potenciais investidores e proprietários de minas na China.
46.ª E de acordo com o facto dado como provado a fls. 240, no dia 15/5/2013, os arguidos AF, MP e Z voltaram a encontrar-se na cerimónia levada a efeito no Ministério da Administração Interna a propósito da entrega dos títulos de residência ao casal RL e CC..
47.ª Por outro lado, a fls. 226 do Acórdão recorrido foi dado como provado o seguinte facto «Mesura que o arguido AF, a 23/12/2013, transmitiu ao arguido MP, a quem referiu a intenção do arguido Z o agraciar, à semelhança do que pretendia fazer com o arguido MM, com umas garrafas de vinho que tencionava deixar, ainda nesse dia, nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Taguspark».
48.ª Pelo que a fundamentação constante de fls. 955 no sentido de que «o arguido MP não mantinha relação de amizade com os restantes arguidos, apenas relações institucionais com os arguidos AF e o arguido MM » se mostra em contradição insanável com a menção constante de fls.1681 quanto à referência que é feita ao tratamento muito próximo, com os factos dados como provados a fls. 159, 226, 227, 233/234 e 240 e com a Sessão 1175 de 23/12/2013, apenso C, volume 1.º, p. 245-248.
49.ª Nestes termos, a mencionada contradição da fundamentação quanto à natureza das relações pessoais existentes entre os arguidos AF, MP e Z faz com que o próprio texto do Acórdão recorrido sofra, nesse particular, do vício de contradição insanável da fundamentação, vício que pode ser perfeitamente sanado de modo a entender-se que entre os arguidos intercediam relações pessoais de grande proximidade, o que constitui facto indiciante relativamente a outros factos relacionados com o Núcleo Factual B- IRN/SEF e F1 (OLI).
PARCERIAS NEGOCIAIS ENTRE OS ARGUIDOS.
Parceria de JA e MM com a sociedade «BA,SA».
50.ª O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto quanto a uma parceria de JA e MM com a sociedade “BA,SA”: “No ano de 2008, os arguidos MM e JA mantiveram contactos de natureza negocial com JSG da "BA,SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C – Companhia de Planejamento do Distrito Federal de Brasília", do Brasil».
51.ª Na nota de rodapé n.º 808, a fls. 839 e 840 do Acórdão recorrido, o Tribunal cita, resumindo, a prova documental constante do Ap. P, Relatório 31, dos autos, sem efectuar qualquer análise crítica da mesma.
52.ª No entanto, da mera leitura dos referidos emails transcritos no Acórdão recorrido, à luz das regras da experiência comum, resulta inequivocamente provado o facto que o Tribunal deu como não provado, daí que, neste particular, o texto da decisão recorrida sofre do vício de contradição insanável da fundamentação.
53.ª Com efeito, da dita documentação infere-se a existência de contactos entre os arguidos e funcionário da “BA,SA” a propósito de matéria negocial atinente a actividade concursal pública no Brasil. Veja-se o resumo contido no texto do Acórdão recorrido a propósito do Apenso P, relatório 31, fls. 2-5, fls. 21-23, 38, 39-43, 44-47, 48, 49, 51 Ap. P, Relatório 31 citado no Acórdão:
54.ª Este relacionamento anterior de MM e JA com o grupo empresarial "BA,SA" releva sobremaneira para o julgamento correcto da matéria de facto, não apenas para dilucidar qual a natureza das relações entre o arguido MM e o arguido JA, nomeadamente ao nível da comunhão de interesses negociais, mas, também, quanto ao Núcleo F4- Kamov, para alcançar, por método lógico-indutivo, a prova do dolo no que respeita à violação objectiva das regras concursais dada como provada quanto ao procedimento respectivo.
Quanto à sociedade "JF,Ldª"..
55.ª O Tribunal recorrido deu como não provado, quanto à sociedade “JF,Ldª ”, o seguinte facto relativo à dita sociedade que, na tese da pronúncia, teria como co-sócio de facto AF, juntamente com LMM e os arguidos MM, JA : «Sendo ALF uma mera testa de ferro do arguido AF, representando os interesses do seu pai na referida estrutura societária, o qual é sócio de facto da mesma, tendo acompanhado activamente toda a actividade da referida entidade colectiva»
56.ª Seguindo, na respectiva fundamentação, a Fls. 840, na nota de rodapé n.º 809, a citação da prova documental (correspondência electrónica), sem qualquer análise crítica, a qual, aparentemente, usa como fundamento para não dar como provado tal facto, sendo que, no entender do Ministério Público, da mesma resulta, inequivocamente, juízo contrário, quando por si só considerada, e, ainda, quando conexa com as declarações do arguidos JA em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido nas quais confessou tal facto (declarações cujo relevo probatório o Tribunal recorrido afastou liminarmente em violação das normas que conferem relevo probatório às declarações dos arguidos).
57.ª Refere, o Tribunal recorrido, a propósito, laconicamente, que «as breves referências ao arguido AF não são suficientes para afirmar que este era o verdadeiro sócio e que acompanhava toda a actividade da empresa».
58.ª Ora, tal asserção colide frontalmente com as declarações do arguido JA em sede de primeiro interrogatório, bem como, para o efeito do vício patente ora em apreço, com o próprio teor da correspondência electrónica citada no texto do acórdão e constante do Ap. P, Relatório 26, fls. 1; fls. 2-7; fls. 141-144; 145.
59.ª A concatenação de tais meios de prova expressamente enunciados no Acórdão recorrido com os factos dados por provados e meios de provas citados que os sustentam, designadamente a fls. 155 do acórdão e nota de rodapé 14/fls.155, quanto aos pagamentos efectuados à "JF,LDª" pela sociedade "FI,SA." única cliente conhecida da "JF,Ldª", e seus concretos destinatários, no parágrafo que se inicia por «Após a emissão da respectiva factura…», e que descreve subsequentemente os pagamentos efectuados aos sócios da "JF, LDª" (em valor idêntico), e, bem assim, que a quota-parte respeitante à alegada sócia ALF foi paga, de acordo com os factos provados, a um amigo pessoal de AF, através de uma sociedade deste, não poderia, salvo melhor opinião, de acordo com as regras da experiência comum, dar azo a conclusão diversa acerca da qualidade de mera “testa de ferro” que assumia ALF sociedade "JF,Ldª"..
60.ª Incorreu, assim, o Tribunal recorrido em erro notório na apreciação da prova ao ter dado como não provado o mencionado facto.
61.ª Conclusão a que se teria inequivocamente que ter chegado se houvesse sido valorada, como deveria, a expressa confissão de tais factos pelo arguido JA em sede de primeiro interrogatório, o que o Tribunal recorrido não fez por haver liminar e ilegalmente afastado a relevância probatória de tal meio de prova legal, conforme já acima referido. Sendo que ao mesmo resultado se teria chegado caso se tivessem analisado criticamente outros meios de prova citados no próprio Acórdão recorrido, designadamente a fls. 843, nota de rodapé 811, na qual o Tribunal recorrido reproduziu prova da qual resulta inequivocamente que o arguido AF usava a sua filha ALF como intermediária dos seus negócios de influência com os restantes arguidos, nomeadamente com o arguido JA..
62.ª O Tribunal recorrido, a fls. 841, dá como não provado, quanto à «assessoria comercial» estabelecida entre a "JF,LDª" e a "FI,SA" o seguinte facto: «A assessoria comercial com a sociedade "FI,S.A.", na prática, consistia na facilitação de contactos privilegiados no âmbito da contratação pública, nomeadamente em concursos públicos em que aquela viesse a ser oponente».
63.ª Na mesma página, na nota de rodapé 810, o Tribunal recorrido, como já acima referido, cita, sintetizando, prova documental constante do Apenso P, Relatório 26, cujo conteúdo sugere a prova positiva, pelo menos parcial, do referido acto.
64.ª Ora, tais elementos, contantes da «fundamentação da matéria de facto dada como não provada», uma vez concatenados com os factos provados e os elementos de prova que os sustentam e descritos no acórdão (a fls. 154- 156 do acórdão), não poderiam dar azo a outra decisão em matéria de facto que não fosse o haver como provado qual o real escopo do acordo de «assessoria comercial» em causa, prova que mais se reforça com a matéria atinente à "O…," tratando-se de uma mera réplica de conduta ou um padrão ou modelo de actuação.
65.ª Assim sendo, o texto da decisão recorrida sofre também, neste particular, do vício de contradição insanável da fundamentação.
"JAG - Lda"..
66.ª A fls. 842 do Acórdão recorrido, o Tribunal recorrido, acerca da matéria do relacionamento entre a empresa "FI,SA" e a empresa "JAG-Ldª" (do arguido JA) -para a qual passou, conforme matéria de facto dada como provada, o relacionamento anteriormente mantido com a "JF,Ldª" após a saída do arguido MM (coincidente com a sua entrada para o Governo), e no âmbito do qual foram efectuados pagamentos no valor total de 172, 725€, entre 2011-2013, correspondendo a facturas mensais no valor de 6.150€ (conforme matéria dada como provada a fls. 157), não deu como provado o seguinte facto: “Serviços que, na prática, consistiam na prestação de serviços de influência junto de terceiros próximos ou de decisores no âmbito de concursos públicos (ANA, EPAL, ICNB, Câmara Municipal do Porto; Câmara Municipal de Lisboa, etc.), fazendo uso o arguido JA da sua rede dedicada de contactos, nomeadamente o arguido AF, como aconteceu, em Outubro de 2012, entre outros, com um Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM Porto.»
67.ª Como fundamento para a falta de prova de tal facto o Tribunal recorrido indicou a seguinte prova documental, constante do AP. P, relatório 14, fls. 110 e ss., citada no próprio Acórdão recorrido, em versão resumida, na nota de rodapé 811, de fls. 842, efectuando os juízos que se reproduzem acerca da sua irrelevância:
«Com data de 22 de Outubro de 2012, um correio electrónico do arguido JA e para o arguido AF, com o assunto "Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM do Porto".
«O arguido JA escreve "Dr. AF, podemos fazer alguma coisa", reencaminhado um email que o arguido JA recebeu de JN (da FI,SA), fazendo o ponto da situação do concurso, em que "a nossa proposta foi apresentada ontem e aguardamos agora o veredicto final que (...) amanhã falamos pessoalmente melhor sobre este concurso".
Trata-se do concurso para a celebração de um acordo quadro singular para a prestação de serviços de manutenção dos espaços verdes e arvoredo dos bairros municipais do Porto: CLPQI/l/12/DMC_Fase_Convite, 21-10-2012, valor € 2.800.000,00.
Este documento não demonstra qual a influência que o arguido AF pode ter na decisão deste concurso.
O mesmo se pode afirmar dos documentos que se seguem.
Estes documentos evidenciam que são transmitidas ao arguido JA informações sobre oportunidades de negócio para a empresa e identificação dos decisores. E esta transmissão de informação tem subjacente uma intencionalidade que não é completamente clara.
Pode evidenciar uma pretensão de influência ilícita para obtenção de uma posição de destaque nos concursos, mas não passa de um fraco indício de um comportamento não normativo. E, como tal insuficiente para demonstrar os factos em causa».
68.ª Ora, salvo melhor opinião, as provas elencadas e descritas não deixam margem para dúvidas razoáveis quanto ao tipo de influência almejada (e paga), como decorre da indicação especificada dos decisores públicos no âmbito de concursos e a indicação expressa de quais de entre eles teriam - como expressamente se refere no email de 22.10.2012 - mais «influência no processo de decisão» (cit.).
69.ª Aliás, e no que respeita à solicitação de JA a AF, que tipo de influência legal outra, que não ao nível do processo decisório, questiona-se, à luz das regras da experiência comum, poderia um titular de um alto cargo público, como um Presidente do IRN, prestar a terceiros num concurso público lançado por um Município já após a apresentação das propostas pela entidade concorrente?
70.ª Caso o Tribunal recorrido tivesse, como devia, realizado uma análise criteriosa da prova – o que, salvo o devido respeito, não curou de fazer ou sequer encetar fazer – teria atendido ao «perfil comercial», no mínimo «agressivo», da empresa "FI,SA" que resultava dos elementos de prova coligidos no Ap. A-F (carta rogatória remetida às Justiças espanholas) da qual decorre o envolvimento da "FI,SL" num esquema de corrupção em matéria de concursos públicos em Espanha, facto este que o Tribunal recorrido, como já referido, deu, sem mais, como não provado a fls. 842 do Acórdão recorrido, sem curar, sequer, de fazer qualquer menção, por breve ou superficial que fosse, aos elementos noticiosos e à certidão da Audiência Nacional que integram o Ap. A-F dos autos, o que configura o vício de erro notório na apreciação da prova.
71.ª Assim sendo, o texto da decisão recorrida sofre, neste particular, do vício de erro notório na apreciação da prova.
Relativamente ao relacionamento da "FI,SA" com JA e restantes arguidos.
72.ª A fls. 843, ainda relativamente ao relacionamento da "FI,SA" com JA e restantes arguidos, o Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto:
«No âmbito do relacionamento do arguido JA com a empresa "FI,SL" vieram a ocorrer os factos que se descreverão (no ponto F-4) relativos a procedimentos concursais públicos abertos, sob a égide do Ministério da Administração Interna, e referentes à operação e manutenção dos meios aéreos pesados e ligeiros do Estado (helicópteros KAMOV e B3) de combate a incêndios.»
e
«Tendo os representantes da "FI,SL.", nomeadamente Ang…M e JGB, intermediado contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F", com interesses comerciais na actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov.»
73.ª Mais uma vez, na nota 812, a fls. 843, o Tribunal cita, reproduzindo a síntese elaborada pelo OPC, os elementos de prova documentais, constantes do apenso P, relatório 31, a fls. 86 a 90, realizando o seguinte juízo analítico: «Sequência de correio electrónico, datados de 18-Maio-2012, nos termos dos quais um documento "scaneado" é enviado por Ang…M (FI,SL) para JGB (FI,SL), e deste para o arguido JA. O documento "scaneado" é, por sua vez, uma sequência de correio electrónico, de 11 e 15 de Maio-2012, em castelhano, o primeiro envolvendo LLD para MAT, no qual LLD envia um rascunho da conversa que ambos tiveram, para que Miguel acrescente alguma coisa e a transmita para "nouestra persona de Portugal (JA) ", para que se ocupe do assunto. O assunto é relacionado com um contrato envolvendo 6 Kamovs pesados e 3 B3 ligeiros de Eurocopter, propriedade da "EMA, S.A.", no valor de 23 milhões de euros, sendo que o remetente de correio electrónico tece considerações sobre os critérios de avaliação do concurso (com marcador laranja assinalado).No segundo correio electrónico, LLD escreve a JGB, esclarecendo que o contrato que lhes interessa é o primeiro refendo, de ligeiros, pois quanto ao resto a "F," não tem meios disponíveis. Encontra-se riscada a parte relativa aos helicópteros sanitários. Embora este encadeamento de mensagens de correio electrónico mostre algum interesse da "F," pela manutenção dos helicópteros, não existe conexão com o 2.º concurso internacional de manutenção e operação dos 6 helicópteros Kamov.
Tanto mais que a "F," não se apresentou a nenhum dos concursos».
74.ª Não se logra , todavia, descortinar a qual a base de tal asserção crítica quanto ao facto e à prova em causa, considerando que do documento apresentado resulta inequívoca uma triangulação JA, «FI,SL» e «F,»..
75.ª Ora, tal segmento do texto da decisão recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova uma vez cotejado com os factos dados como provados a fls. 474 e ss., nomeadamente quanto ao «desprezo» valorativo do interesse da "FI,SA" e da "F," por ambos os concursos (2012 e 2014): como resulta dos factos provados e prova que os sustenta e referidos no Acórdão recorrido, designadamente:
. Contactos anteriores à abertura do primeiro concurso;
. Consulta pela "FI,SA" das peças concursais atinentes ao primeiro concurso;
. Proposta da "F," reencaminhada por JA, na data de 02.01.2013, a MM, já após a deserção do primeiro concurso e atinente à gestão dos KAMOV, e ainda à disponibilização de mais helicópteros;
. Proposta remetida pela "F," a JA , na data de 20/04/2013, relativa à manutenção de 5 Kamov, e ainda ao fornecimento de uma sexta;
. O facto de, paralelamente a este interesse manifestado, no Verão de 2013, em plena fase “charlie” (justificadora de «urgência» para efeitos de legitimação de ajuste directo) a empresa "F," coincidentemente, e apesar de nunca antes ter antes estabelecido relações com o MAI, haver sido a única empresa a ser contactada para apresentar uma proposta de fornecimento de uma aeronave;
. O facto de, não obstante não ter apresentado formalmente qualquer proposta no âmbito do procedimento concursal de 2014, ter, afinal, sido subcontratada pela adjudicatária "E…Aviação e…,SA" para os serviços de operação e manutenção dos KAMOV:. (cfr. Fls. 474-477 do Acórdão recorrido e meios de prova elencados em nota de rodapé).
76.ª Revela-se, pois, absolutamente desprovida de lógica (pelo menos a descortinável à luz da racionalidade crivada pelo filtro da experiência comum que norteia a actividade jurisprudencial) a asserção crítica a que o Tribunal recorrido chegou.
TCNBRS, PE, MM e JA..
77.ª A fls. 844- 845, o Tribunal deu como não provado o seguinte facto: «PE e os arguidos MM e JA em Março de 2008, mantido contactos relativos a actividade de agilização de negócios, no Brasil, referentes a concessões municipais de actividade de exploração de água e esgotos, no Rio de Janeiro.»
78.ª Para sustentar tal, na nota de rodapé 814, a p. 845, recorre o Tribunal recorrido à prova documental constante do apenso P, relatório 31, p. 6, realizando a seguinte análise crítica: “Correio electrónico datado de 27-Março-2008, de PE para o arguido JA (que o reencaminha para o arguido MM), dando conta de um potencial negócio ("se houver interesse temos como agilizar o negócio") relacionado com uma concessão de uma empresa de exploração de água e esgoto, num município do Rio de Janeiro, não identificado. O teor deste documento refere a palavra «agilizar», mas é antecedida da expressão «se houver interesse». Assim, com base neste documento, é excessivo concluir que existiu alguma actividade de agilização neste negócio por parte dos arguidos JA e MM ».
79.ª Ora, salvo melhor opinião, a análise crítica efectuada reporta-se a um facto não descrito na acusação, isto é que os arguidos desenvolveram actividade de agilização.
80.º Com efeito, o facto descrito na pronúncia reporta-se, simplesmente, à manutenção de contactos entre os arguidos e o individuo de nome PE (na tese da pronúncia parceiro negocial dos arguidos) acerca de uma actividade que os interlocutores cunharam de «agilização»), existindo, assim, vício de erro notório na apreciação da prova, devendo o facto descrito ter sido dado como provado.
Núcleo B
PODERES DE DIRECÇÃO DO ARGUIDO AF..
81.ª O Acórdão recorrido sofre do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão no que respeita à matéria de facto provada e à fundamentação de direito, e subsequente decisão, no que se reporta à matéria atinente aos poderes de direcção descritos na pronúncia e referente aos actos de corrupção passiva imputados a AF. Com efeito:
82.ª Na matéria de facto provada, mais concretamente a fls. 167 e seguintes, o Tribunal recorrido dá como provado todo o acordo corruptivo imputado ao arguido AF pela pronúncia, nomeadamente quanto ao concreto conteúdo dos actos prometidos praticar no âmbito das suas atribuições funcionais, descrevendo, de seguida, seguindo a lógica da pronúncia, dando-os como provados, a execução de diversos actos pelo arguido nos quais, reconhece, o arguido instrumentalizou os seus poderes hierárquicos (cf., a título de exemplo, na preparação dos veículos societários usados por Z, a fls. 173, no que respeita à alteração do objecto da sociedade «Hora do Descanso»; quanto à execução do acordo, a fls. 180 e ss., no âmbito da actividade de prospecção imobiliária, designadamente as ordens e instruções dadas à Conservadora FR e, quanto à actividade de consulta de base informática do IRN - fls. 193 - no imóvel cujo negócio foi feito com intermediação de PS; a fls. 208-209; quer, ao nível da instrumentalização dos meios humanos e materiais do IRN (ponto B.5, fls. 209 e ss.), nomeadamente mediante ordens e instruções dadas aos funcionários do IRN e às Conservadoras AMR, FV, FR e VM).
83.ª Identificando, depois, como acima referido, na matéria provada, a fls. 180 e ss., no capítulo dedicado à execução do acordo (ou seja, matéria extra-típica atenta a conformação legal do crime de corrupção, o qual se consuma com o mero acordo), nos subpontos da prospecção imobiliária (fls. 181 e ss.) e da instrumentalização de meios humanos e materiais do IRN (fls.209 e ss.), a prática de vários actos, designadamente a emissão de ordens e instruções a funcionários do IRN, designadamente Conservadores, para que realizasse, consultas nas bases de dados do IRN, procedessem a agendamento prioritário de actos registais e escrituras, procedessem a atendimento personalizado e sem agendamento em serviços sem vocação institucional para atender utentes com as características do arguido Z e clientela respectiva, ordens dadas a motoristas e ao secretariado da Direcção para praticarem actos de transporte e de secretariado empresarial do arguido Z e parceiros negociais, etc.
84.ª Já ao apreciar, a fls. 2219 e ss., em sede de fundamentação de direito, a imputação ao arguido AF dos mesmos factos atinentes ao Núcleo B e integradores, na perspectiva do Ministério Publico, do Juiz de Instrução e, também, diga-se, do Tribunal da Relação nas diversas decisões proferidas nos recursos interpostos pelo arguido AF, um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º, n.º 1, 19.º, n.º 2 e n.º 3, 3.º-A, alíneas d), e), f), todos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho e 202.º, al. b), 66.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material, designadamente no que respeita aos actos acordados praticar (e levados efectivamente a cabo) com o arguido Z, concluiu o Tribunal, em manifesta e insanável contradição com os factos dados como provados, que “Assim esta instrumentalização dos meios materiais e humanos efectuada pelo arguido AF e colocada ao serviço de interesses do arguido Z, não ocorreu no âmbito da prática de nenhuma das atribuições previstas no artigo 5.º citado, mas de outros actos que nada se relacionam com o exercício das funções próprias de Presidente do Conselho directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.”.
85.ª Ora, os actos descritos na matéria de facto, e dados como provados no Acórdão recorrido, reconduzem-se na íntegra à execução prática dos poderes formais de direcção acima referidos (cfr. Art.º 5.º, nº 1, al. a) e nº 3 do diploma acima referido), consistindo em emanações práticas e concretas das formais e legais atribuições de dar ordens, emitir instruções e directivas em que se desdobra o poder de direcção hierárquico, que decorrem de uma relação de hierarquia legalmente estabelecida entre dois órgãos de uma mesma entidade. (cf. o que infra se dirá, relativamente ao núcleo F1, a propósito da destrinça entre hierarquia e tutela, em matéria administrativa).
86.ª Incorre, assim, o Acórdão recorrido nessa contradição manifesta e insanável, aliás, para maior espanto de quem o lê e procura seguir o fio do seu raciocínio, após haver discorrido , a fls., 2212 e ss., acerca da jurisprudência e doutrina pertinentes ao tema da corrupção, tendo, nomeadamente, citado acórdãos do STJ que, de forma generosa e não consensual, vêm perspectivando o acto prometido praticar no crime de corrupção, não apenas como um acto formal ou legalmente incluído nas atribuições/competências do agente, mas antes como qualquer acto que se compreenda nos meros poderes «factuais» atinentes ao normal cumprimento das funções, ainda que o agente, no caso exorbite os seus poderes (o que, obviamente, tratando-se de acto praticado no exercício abusivo de uma função nunca se poderia, por natureza e lógica, considerar compreendido formal e legalmente nas respectivas atribuições).
87.ª Assim, o caso dos citados (mas não inteiramente assimilados pelo Tribunal recorrido) acórdãos do STJ de 21/03/2018, relatado pelo Juiz Conselheiro Oliveira Mendes, e de 18/04/2018, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, nos quais se pugna que, ao preenchimento do tipo de corrupção passiva, basta a promessa de acto com conexão funcional material com a actividade do agente funcionário.
88.ª Posição esta, aliás, em consonância com a posição defendida, por exemplo, por Paulo Pinto de Albuquerque, que defende, apoiando-se na doutrina alemã de CRAMER, DREHER-TRONDLE, e JESCKECK, ser irrelevante que o funcionário tenha competência material e territorial para o acto ou não a tenha, bastando que exista uma conexão funcional directa do acto com o «cargo», apenas colocando fora da tipicidade os actos privados ainda que violadores de deveres do cargo, ou seja, sem qualquer conexão material com a função.
89.ª Ora, tais acórdãos, como acima se referiu, pugnam por uma interpretação (com a qual, aliás, concordamos na íntegra) do tipo legal matricial (e tipo especial, como é o caso presente) do crime corrupção passiva própria que não é, sequer, consensual na jurisprudência e na doutrina, havendo quem, ao contrário de tal posição, defenda que o acto mercadejado deve compreender-se no círculo mais restrito de funções, atribuições e competências legais e formais do agente passivo da corrupção.
90.ª Ora, no caso concreto, como acima referimos, até na perspectiva desta tese mais restritiva que defende que os actos ilícitos prometidos se hão-de de circunscrever na esfera formal de competências do funcionário (à qual não aderimos), entendemos que grande parte dos actos prometidos praticar (o que basta à consumação do crime) e, efectivamente, praticados, no âmbito do acordo firmado entre AF e Z, se encontram inscritos no núcleo duro legal e formal das atribuições do Presidente do IRN, e não apenas nos seus poderes fácticos conexos com a função.
91.ª Sendo que, a nosso ver, até a própria fundamentação de direito encetada no Acórdão recorrido, de per se, encerra uma contradição, tropeçando nas suas dicotomias internas, ao dizer-se, como acima citado, e sem destrinça da natureza dos poderes e actos acordados/praticados, que o arguido «usou os poderes que lhe foram conferidos» e os colocou ao serviço de interesse privados, para logo após concluir que os poderes usados e abusados não integram as funções.
92.ª Razão pela qual, em suma, entendemos, que o Acórdão recorrido, também neste particular, enferma, em simultâneo, de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art.º 410.º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal) e de um erro de direito, ao fazer má e errada interpretação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07, dele excluindo os poderes de direcção legalmente atribuídos ao arguido AF, por força do nº 3 da mesma disposição, devendo, em consonância, o arguido AF ser condenado pela prática do crime em apreço, o qual se encontra provado de acordo com a matéria de facto dada como provada.
PARTICIPAÇÃO DO ARGUIDO XB..
93.ª Compulsado o Acórdão recorrido, nomeadamente na parte relativa à motivação da decisão de facto, consta a fls. 956 e seguintes que «a adesão do arguido XB ao acordo estabelecido entre os arguidos AF e Z e ZB é inexistente. Este arguido teve uma breve passagem por território nacional, não tinha domínio da língua portuguesa ou inglesa, o único contacto que mantinha era com o arguido Z, sendo que intenção deste arguido era obter ARI para si e para a família e aproveitar oportunidades de investimento imobiliário que na altura eram relevantes. Tudo o mais são deduções sem o menor apoio fáctico».
94.ª O Tribunal recorrido só refere que o arguido teve uma breve passagem em Portugal porque desvalorizou as declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, pois, se o Tribunal recorrido tivesse apreciado devidamente e valoradas essas declarações, teria dado por assente que afinal o arguido em 2013 esteve, pelo menos, uma vez em Portugal, em princípio, de 26/10/2013 a 27/11/2013 e em 2014 esteve, pelo menos, três vezes em Portugal, a primeira de 4/1/2014 a 9/1/2014, a segunda de 26/3/2014 a 14/4/2014 e a terceira em Novembro de 2014, tendo sido nesta última vez que decorreu o jantar de despedida que antecedeu a detenção dos arguidos.
95.ª Porém, e não obstante o Tribunal recorrido não ter valorado tais declarações, sempre se chega a tal conclusão se se tiver em conta a cópia de passaporte apreendida nos autos e recepcionada e acolhida no texto do Acórdão recorrido a fls. 1617 quando refere os «Documentos aprendidos e constantes dos Apensos de Busca 1 a 96» (Cf. Ap. DCIAP H: Passaporte arguido XB).
96.ª Por outro lado, o arguido não se limitou a manter um breve e fugaz contacto com o arguido AF, antes pelo, contrário, teves vários contactos com o mesmo, como aliás resulta dos factos dados como provados e constantes de fls. 158 (Parcerias com AF), 159 (Clube de Empresários Portugueses e Chineses com AF), 191 (esteve com AF, em Setembro de 2013, no Fórum Euro-Ásia, em Xn, China) e de fls. 194, 195, 203, 205, 213, 219, 252 a 266, sendo que, o arguido XB, segundo o depoimento da testemunha JAC (motorista do arguido AF), e cuja transcrição consta de 1171, foi transportado na viatura do IRN e o arguido AF chegou a levá-lo, em Abril de 2014, a um jogo de futebol e apresentou-o como amigo, como aliás resulta dos depoimentos das testemunhas João … e José …, cujos depoimentos transcritos constam, respectivamente, de fls. 1201 e 1209.
97.ª Além disso, visitou diversos locais com o arguido AF, nomeadamente a casa deste último sito próximo de uma adega.
98.ª Relativamente ao Processo de Ari 196/2014 (arguido XB), decorre das sessões 15881 e 15882 do alvo 62001060, que o arguido AF tinha uma relação de amizade com o arguido XB, «Alguns minutos depois, (4/2/2014) às 17 horas e 14 minutos, o arguido AF enviou a seguinte mensagem escrita ao arguido MP: " XB, 20/07/1975 MP este e o meu melhor amigo de quem te tenho falado. O pedido de autorização ficou ontem completo. O Sr. Z vai para a China dia 12 e gostaria de poder levar-lhe o cartão para virem juntos no fim do mês. Podes dar uma ajudinha?Abr"».
99.ª E, além disso, AF mantinha relações negociais (presentes e perspectivas futuras de negócio) com o arguido XB, como aliás decorre do facto dado como provado a fls. 198 «No dia 05/03/2014, às 11 horas e 18 minutos, o arguido AF, ainda a propósito da vinda do arguido XB e da aquisição do palácio para a casa de massagens, e outros negócios que esperavam vir a angariar com a vinda deste, comentou com o arguido JA que o nosso amigo XB deveria vir nessa semana, que o mesmo já tinha ARI e que não sairia do país sem fechar alguns negócios, o que é bom, designadamente aquela situação da casa das massagens e a ver se estamos com ele, enfim, arranjamos o nosso jantarinho, até com o nosso amigo – referindo-se ao arguido MM – mencionando que "ele agora vem mesmo com vontade de começar a fazer coisas… e devemos estar envolvidos, e pronto, ajudar». (sessão 55243 do alvo 62001060 (AF), apenso C, volume III, fls. 990 a 996).
100.ª A ser assim, é evidente que o arguido XB, contrariamente ao que consta da fundamentação do Acórdão recorrido, não teve uma breve passagem por território nacional, nem o único contacto que mantinha era somente com o arguido Z, sendo que com o arguido AF não manteve um breve e fugaz contacto antes pelo, contrário, teves vários contactos com o mesmo. Mantendo com os arguidos relações próximas e negociais evidenciadas pela documentação apreendida e constante dos Auto de Busca 8 (Residência de XB) e o Auto de Busca 42 (Residência de Z), referidos no acórdão, autos cuja mera leitura revelaria a conclusão do Tribunal destituída de qualquer fundamento. ( Assim, a título de exemplo, no Ap. de Busca 8 ( Residência do arguido XB), na “Pasta Sala” , resultam apreendidos, entre outros, 12 Cartões-de-visita, do qual se destaca o cartão-de-visita de MP, com o número de telemóvel 96….41; 1, bem como um cartão da Segurança Social, em nome de Z e 1 cartão multibanco da CGD, em nome Z; no Ap. Busca 42 (Residência Z), na Pasta 1, resultam apreendidos os seguintes documento ::Doc.14-Cartão identificação de XB; Doc.25-3, Documentos BCP das contas de XB e XZ; Doc.26 : Capa Cartório Notarial AAS com documentação relativa à aquisição de imóveis, com referências a XZ, XB e à arguida ZB; Doc.27-Documentos em nome de XZ e XB)..
101.ª Nestes termos, a fundamentação constante do Acórdão recorrido quanto à participação do arguido XB, mostra-se em contradição insanável com os factos dados como provados e constantes de fls. 158 (Parcerias com AF), 159 (Clube de Empresários Portugueses e Chineses com AF), 191 (esteve com AF, em Setembro de 2013, no Fórum Euro-Ásia, em Xn, China) e de fls. 194, 195, 203, 205, 213, 219, 252 a 266, e com as sessões 15881,15882 e 55243 do alvo 62001060o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
DA ACTIVIDADE DE COLABORAÇÂO DOS ARGUIDOS MP E JA..
102.ª A fundamentação constante do Acórdão recorrido a respeito dos arguidos MP e JA mostra-se em contradição insanável da fundamentação com os factos dados como provados.
103.ª Relativamente ao arguido MP tal contradição é manifesta se for cotejada com o Relatório da IGAI constante de fls. 161 a 183 do Apenso W, reproduzido em julgamento através do depoimento da testemunha J…R… (transcrição a fls. 1148), e com o depoimento da testemunha LP, cuja transcrição de depoimento consta de fls. 1132 , bem como com as regras da experiência comum.
104.ª A actuação do arguido MP respeitante ao crime de corrupção como co-autor do arguido AF reveste-se, facticamente, como a «contrapartida» do acordo de tráfico de influência celebrado entre os arguidos Z e AF, sendo a conduta do arguido MP mercadejada pelo arguido como «serviço paralelo» a par da actividade criminosa própria na sua esfera de competência específica e já acima referida.
105.ª Por outro lado, e quanto aos actos ilícitos praticados pelo arguido AF na sequência do acordo entre os arguidos Z e AF, no que concerne à actividade de facilitação do processo burocrático, no âmbito das respectivas atribuições funcionais públicas, designadamente através do uso de meios humanos e materiais do IRN”, no qual se descrevem actos praticados no exercício de funções os quais servem directamente a actividade lucrativa de Z sem que qualquer interesse de natureza serviço público o justifique, tal matéria decorre das sessões 597, 415, 619, 613, 771, 929,1150, 1253, 1714, 1738, 1739, 1741, 1773, 1783, 1811; 1865, 2488, 2504, 2598, 2962, 2964, 22596, 22599, 22069,26587, 37625, 126891, 139376, 139931, 139992, 140072,140075,140076140084 Alvo 62001060 (AF); 415; 2956; 32037; 111876; 112771; 112772; 112773; 112777; 112780; 112788; 112954 Alvo 62001060 (AF); 24478, 26358 Alvo 63125040 (Z)); e quanto às vantagens de natureza pecuniária almejadas pelo arguido AF mediante o acordo estabelecido com o arguido Z propósito este, aliás, bem explícito na eloquente expressão da sua autoria: «agora há que arrebanhar por todo o lado» (sessão 1132-1130 Alvo 62001060) e ver ainda sessões 372; 108/202/382; 1122; 1132; 2593-2594-2595; 18186-18257; 110122;11096 e 11122; 22637-26587; 1823-37729-45930 (Alvo 62001060-AF); 12970/12988/13086/13069/21116/21328 (Alvo 63125040-Z); sessão 209 Alvo 65345040 (Z).
106.ª Quanto ao tráfico de influência prometido exercer sobre o arguido MP, e acordado entre os arguidos Z e AF e atinente, não à prática de factos da esfera de competência funcional do arguido AF, mas do arguido MP, vejam-se as seguintes sessões referidas no Acórdão recorrido:
- Sessão 2593 (conversa entre JA e AF na qual discutem, entre outras coisas, em que circunstâncias apresentarão o arguido XB - sócio de Z - ao Ministro MM, fazendo depender tal apresentação da circunstância do arguido XB trazer ou não algum negócio);
- Sessão 26587 Alvo 62001060 (conversa entre Z e o AF na qual é frisado a mais valia da parceria comercial de ambos quanto á intervenção facilitadora e economicamente vantajosa (mormente pela dispensa de intervenção de advogados) de MP e ao papel desempenhado por AF como uma espécie de elo de ligação entre o universo empresarial de Z e parceiros e a realidade da administração pública - « (...) aqui em Portugal eu abro-lhe as portas todas. Empresas privadas, administração pública, tudo”; “Eu depois também quero apresentar-lhe o Dr. MM para ele ficar a conhecer também. Pronto, que é para ele ver que nós temos aqui um grupo de pessoas»;
- Sessão 1584, Alvo 63125040, na qual Z conta a um concidadão chinês como conseguiu obter, em apenas dois dias, os “cartões” do SEF, respondendo-lhe o interlocutor que “só eles conseguem fazer isso”, e da importância de o A “abrir a boca” para que os documentos estejam prontos tão rapidamente, fazendo menção a uma “senhora velha” no atendimento no SEF que ficou espantada, uma vez que ma tinha recebido os impressos, recebeu logo os documentos no dia seguinte;
- Sessão 2256, Alvo 62001060 (na qual AF, a propósito da retenção de cidadão chinesa em Amsterdão, refere a ZB que vai falar com MP, que vai fazer um “bocadinho de pressão”).
107.ª Apesar da colaboração de MP prestada à actividade corruptiva de AF, quem beneficiou (recebendo a vantagem indevida) com os actos ilícitos praticados por MP foi um terceiro, no caso o próprio AF, tratando-se de um erro de leitura destinado a descredibilizar a pronúncia a tese ( da defesa a que aderiu o Tribunal) de que se hajam imputado a Z actos de pagamento a MP, nomeadamente através da entrega de duas garradas de “Pera Manca” confessada pelo Arguido Z em sede de primeiro interrogatório judicial. Acto a que, no próprio texto da pronúncia, foi atribuída, até pela sua localização sistemática, uma merca carga simbólica ilustrativa do relacionamento que intercedia entre os arguidos e convocadora, ainda, do funcionamento hipotético de uma cláusula de adequação social, não obstante o valor da oferenda se situar acima dos 150€ ( valor padrão usado, por exemplo, no Código de Conduta de Membros do Governo)
108.ª Ora, decorre das regras da experiência comum que a prática intensa, sistemática e continuada dos factos relativos aos pedidos de ARI’s com origem no IRN, fora de um contexto de vantagens de natureza material, apenas poderá ter justificação plausível na tentativa de se lograr a manutenção num cargo de direcção de primeiro grau - com a vantagem económica daí decorrente - caindo nas boas graças de um Ministro que – segundo as declarações do próprio arguido MP prestadas perante o Ministério Público na fase de inquérito - terá, na qualidade de deputado, exigido publicamente a substituição do arguido MP..
109.ª Decorre dos autos e dos factos provados que o arguido MP praticou, no exercício das suas atribuições funcionais, actos violadores das normas e princípio que regem a actividade administrativa, nomeadamente os princípios gerais de legalidade, isenção e objectividade que regem a actividade administrativa, nomeadamente dispensou aos arguidos AF e Z, um tratamento de favor ante os demais utentes dos serviços do SEF, sendo que face às regras da experiência comum não pôde ter deixado de inferir que tinha que existir, necessariamente, um acordo firmado entre os arguidos AF e Z..
110.ª Assim, proporcionou a prática de actos de aceleração do procedimento de atribuição e emissão de vistos, recepcionando os pedidos, e muitas vezes instruindo-os, no seio do seu próprio secretariado - o qual não possuí competência formal para a matéria - disponibilizando ao arguido AF e respectivo secretariado o acesso directo, telefónico e por correio electrónico ao seu secretariado para o efeito de dar bom e célere caminho aos pedidos de ARI's de AF (ou seja Z), colocando o seu motorista de serviço ao dispor de tais interesses particulares de natureza lucrativa, ordenando-lhe a prática de actos de transporte de expediente respectivo e de entrega expedita dos ARI's, sendo que quanto a tal matéria é de particular interesse atentar nas sessões 469; 511; 771; 889-898; 923; 929,1019; 1122;1149,1150; 1865; 2256; 2473, 2504; 2598; 15852; 15881-15882; 15884; 17948; 18220; 18234; 18252; 19455;22512; 22596; 22599; 22637; 23168; 24967; 24973; 25141; 35434; 61754; 62613; 69208-69209; 69209; 69645; 70557; 70579; 71476; 74942 Alvo 62001060; 1854, 2580, 5899, 5903 Alvo 63125040.
111.ª O serviço prestado pelo arguido MP, era, pois, o de conferir um tratamento de favor aos pedidos canalizados por AF, o qual, não obstante existir no SEF um email destinado ao público em geral - divulgado no portal do SEF - para recepção dos pedidos de ARI's ( ), encaminhava os pedidos, directamente, ou para o email do secretariado do arguido MP, sendo os vistos tratados com incomum celeridade e, muitas vezes entregues pelo próprio secretariado do SEF, ou pelo motorista do SEF, rapidez essa expressamente reconhecida pelos arguido Z e parceiros, e feita notar a Z por AF como “coisas que não caem do céu”, realçando a qualidade do serviço prestado - cf. sessões 1584 Alvo 63125040; sessões 1122 e 26587 Alvo 62001060.
112.ª E tal celeridade foi igualmente salientada por IS, titular do tel. 96…..19 – funcionária do SEF - a qual, na data de 05/06 (a propósito das notícias vindas a público) refere que os pedidos para andar mais rápido limitam-se a «duas pessoas», uma delas o AF cujos pedidos «vinham da IS» do secretariado de MP e eram «hiper-rápidos» - cf. Sessão 21912, Alvo 64605040.
113.ª Assim procedendo sem que qualquer interesse de natureza pública o justificasse, dispensando um tratamento de favor - sem paralelo com outros utentes dos serviços do SEF em tal matéria ou outro grupo empresarial – a este grupo de indivíduos em prol dos seus interesses económicos.
114.ª Quanto ao conhecimento pelo arguido MP do acordo estabelecido entre os arguidos AF e Z - para cuja concretização contribuiu de forma essencial - e à natureza «não institucional» da intervenção de AF no processo de obtenção de ARI's atente-se nos seguintes elementos probatórios referidos no acórdão:
- Na sessão 22216 (Alvo MP) - conversa entre MR e “Zé”, na data de 05/06/2014, na qual, fazendo referência às notícias vindas a lume este último refere «Mas o do IRN, tu já me tinhas dito uma vez, que Já tinhas alertado o gajo (...) cuidado, cuidado que ele acho era sempre a abrir, não era, que tu uma vez me falaste nisso, não foi»;
- Nos presentes oferecidos na época natalícia por AF e Z ao secretariado de MP e ao próprio;
- No cartão-de-visita, com o telemóvel manuscrito de MP apreendido na casa de XB;
- Ao facto de, desde a fuga de informação ocorrida nos autos - em finais de Fevereiro, início de Março de 2013 - patente nas condutas dos arguidos AF (que aborda o Director Nacional da PJ para saber se está sob escuta) e Z (que a 23/03 alerta um amigo que está sob escuta sessão 6528 Alvo 63125040) - o arguido MP - que terá tido conhecimento das intercepções - ter alterado a sua conduta, pois, a referida conduta de facilitação - contínua desde que se iniciaram as intercepções, em Novembro de 2013 - parece ter sido abruptamente interrompida, no caso do ARI de LING pedido por AF, com a proclamação telefónica efectuada pelo arguido MP, na data de 09/05/2014, para a sua secretária, de que “todos os processos têm de seguir os trâmites normais, independentemente de quem solicite urgência na solicitação” (cf. sessão 11786, Alvo 64605040).
115.ª Por outro lado, e não havendo qualquer justificação para parar uma «colaboração institucional» regular no momento em que a mesma se intensificava, a alteração de conduta, face às regras da experiencia comum, só se ficou a dever ao facto do arguido MP ter tomado conhecimento das intercepções de que era alvo, e se encontrar ciente da irregularidade da sua conduta.
116.ª Quanto à natureza essencial da comparticipação do arguido MP na actividade corruptiva dos arguidos AF e Z justificadora de uma co-autoria e não mera cumplicidade, há que atentar nos casos que se passam a expor.
117.ª A referida colaboração - essencial à prossecução dos objectivos comerciais de Z- teve que ser suprida profissionalmente, a partir de Junho de 2014, já após a vinda a público de notícias sobre o processo- com a contratação de serviços (onerosos) de solicitadoria- cf. a matéria atinente à contratação do escritório de L…B… (cf. sessão 25574).
118.ª Aliás, e quanto à Renovação de ARI’s de CC e familiares que sempre tiveram um tratamento VIP, após serem publicadas as notícias na comunicação social acerca do presente processo, nos inícios de Junho de 2014, a renovação revelou-se morosa e até envolveu advogado, conforme decorre até dos factos dados como provados, ou seja, deixou de ter tratamento VIP.
119.ª Na verdade, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, CC e familiares (fls. 241) apresentaram pedido de renovação ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 02/05/2014, pedido que só foi deferido pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o arguido MP, na data de 04/11/2014.
120.ª Mais, no âmbito das renovações de ARI da família CC, os cidadãos chineses da família CC passaram a ser representados junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras pelo mandatário JMV que, na data de 21/07/2014, numa ocasião em que o Dr. FLA já não exercia funções de Secretário de Estado da Administração Interna, remeteu a este último a seguinte mensagem relativa a processos ARI e a reagrupamentos familiares associados:
"FLA, Conforme tinha referido temos tido enorme dificuldade em trabalhar com o SEF nomeadamente nos processos de golden visa. Não existe um contacto telefónico (útil) para onde se possa ligar, os funcionários do SEF e o próprio SEF não respondem aos e-mails com solicitações/esclarecimentos pedidos pelos advogados, os processos não têm seguimento apesar de estarem já completamente instruídos, não existe um centro de atendimento onde se possa consultar os processos e falar com o funcionário responsável, etc. etc. Neste momento, temos parados os seguintes processos:
INVESTIDOR: RL(2886313)
REAGRUPAMENTO:
CC (2886314)
YC (2941443)
RL (2938836)
Y (2938444)
Aqui, apesar dos diversos e-mails e tentativas de contacto telefónico, nunca nos foi comunicada a razão para estes processos estarem parados, ou quais os elementos em falta. (…)".
O referido correio electrónico, foi reencaminhado para AB, Chefe de Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna J…, e por este para LG, Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que, por sua vez, o reencaminhou para a Dra. P…, dando azo a diversa correspondência electrónica sobre o estado dos referidos processos e outros mencionados no correio electrónico.
121.ª Mas mesmo assim, AF continuou com os negócios, nomeadamente com os terrenos da Feira Popular e sobre este negócio JA acabou também por se envolver e, devido a tal negócio, no dia 12/11/2014 pediu até a PLC que dentro dos seus conhecimentos fizesse com que o investidor chinês que queria comprar os terrenos da Feira Popular fosse recebido pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, como aliás consta da sessão 9256, de 12/11/2014, do Apenso F, Vol. II, fls. 219 a 220 e verso.
122.ª Relativamente à comparticipação criminosa dos arguidos MP e JA, respectivamente enquanto co-autor e cúmplice, há ainda a referir que a realidade da participação parcelar de cada um dos co-autores na conduta integradora da factualidade típica não obsta a que se verifique tal forma de comparticipação, a qual não exige imputar a cada um dos comparticipantes conduta que se reconduza na íntegra ao tipo de ilícito, o que sucede, no caso dos autos, quanto ao «extraneus» JA..
123. Acresce que, não obstante, no crime de corrupção a consumação formal ocorrer com o mero acordo, haverá, salvo melhor entendimento, que reconhecer, para alguns efeitos legais, designadamente para efeitos da comparticipação, relevância ao exaurimento material do acordo, à sua execução material,: ou seja, dever-se-á considerar a possibilidade de comparticipação na execução do acordo, nomeadamente na prática do acto, sendo certo que, não raro, o acordo (podendo ser tácito) flui da própria execução do acto ilícito.
124.ª Tal visão das coisas, aliás, revela-se de acordo, aliás, com a eficácia jurídica atribuída, por exemplo para efeitos de prescrição, ao resultado não compreendido no tipo de crime (cfr. art.º 119.º, n.º4), norma que, para além dos crimes preterintencionais, deverá abranger todo o tipo de crime cuja consumação formal e material se encontre dissociada.
125.ª Nestes termos, os factos dados como não provados de fls. 852 a 859, bem como o que consta da fundamentação a respeito dos arguidos MP e JA, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com os factos dados como provados de fls. 225 e 294, com o Relatório da IGAI constante de fls. 161 a 183 do Apenso W, reproduzido em julgamento através do depoimento da testemunha J…R… (transcrição a fls. 1148), com o depoimento da testemunha LP, cuja transcrição de depoimento consta de fls. 1132 e com as regras da experiência comum, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
DAS COMISSÕES PAGAS PELO ARGUIDO Z AO ARGUIDO AF..
126.ª Relativamente ao negócio com intermediação de POS ("I"), descrito nos art.º 296.º e seguintes da pronúncia, constata-se que, a fls. 482, foi dado como provado o seguinte facto da contestação do arguido AF «O arguido AF pôs então em contacto POS com o arguido Z e, o negócio de compra e venda da casa de C… concluiu-se, sem que, contudo, tenha sido dividida ou paga qualquer comissão pela venda da mesma ao arguido AF» e noutro passo, da matéria de facto dada como não provada, a fls. 851 consta que «O arguido AF e POS combinando dividir entre ambos a comissão que lhe viesse a ser entregue pelo arguido Z»..
127.ª Ora, tais factos mostram-se em contradição insanável com o facto dado igualmente como provado a fls. 193: «Na sequência dos contactos anteriores, na data de 16/12/2013, POS enviou um sms ao arguido AF, a propósito da divisão de comissão de angariação do imóvel, lembrando-o para dizer ao arguido Z para que não se esquecesse "da sua prenda", a que se refere como "five" (cinco).
128.ª Assim, não há margens para dúvidas de que foi dado como provado que o sms foi enviado a propósito da divisão da comissão, daí que, e face às regras da lógica e da experiência comum, tal só aconteceu porque essa divisão teve que ser falada e acordada anteriormente entre o arguido AF e POS..
129.ª Por outro lado, é tendo em conta, precisamente, essas mesmas regras da lógica e da experiência comum, que se infere que uma pessoa como o arguido AF só se poderia dedicar quase em “full time” aos negócios com o arguido Z se, além das outras vantagens prometidas a auferir futuramente, auferisse determinadas comissões na negociação dos imóveis.
130.ª Daí que os factos dados como não provados a fls. 859 a 861 se revelem em contradição insanável não só com as regras da lógica e da experiência comum mas também, e em especial, com o facto dado como provado a fls. 226 (que corresponde ao art. 453.º da pronúncia) com a seguinte redacção «Mercê da informação que o arguido AF lhe transmitia, o arguido Z julgava que o arguido MP prestava uma colaboração prestada a troco da entrega de parte das comissões que pagava ao AF»..
131.ª É que nem podia ser de outra maneira, no entanto, e para que não fique qualquer dúvida, certo é que foi dado como provado que o arguido Z pagava comissões ao arguido AF, daí que a fundamentação de direito, a fls. 2219, ao considerar somente a promessa de pagamento de comissões futuras mostra-se em manifesta contradição com o facto dado como provado a fls. 226.
132.ª Nestes termos, o facto dado como não provado a fls. 851, bem como os factos dados como não provados de fls. 859 a 861, de fls. 901 a 902, e ainda o segmento da fundamentação de direito constante de fls. 2219, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com os factos dados como provados a fls. 193 e 226, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
Núcleo C
IDENTIFICAÇÃO DE OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO EM ANGOLA POR PARTE DO ARGUIDO AF.
133.ª Relativamente ao ponto C-4. Enquadramento: dos anos de 2005 a 2011 do despacho de pronúncia, consta de fls.864 que foi dado como não provado o seguinte segmento de facto: «O arguido AF tendo em conta as necessidades de Angola identificou grandes oportunidades de negócio».
134.ª Tal segmento de facto integrava, originariamente, o art.º 1007.º do despacho de pronúncia com a narração seguinte: «O arguido AF estava, assim, perfeitamente consciente das prioridades definidas pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola que passavam pela actualização legislativa, pela aquisição de novas ferramentas, como as aplicações informáticas e consequente necessidade de formação especializada, tendo, com essas necessidades, identificado grandes oportunidades de negócio».
135.ª Assim, de tal segmento de facto, a fls. 304/305 do Acórdão, foi dado como provado que: «O arguido AF estava, assim, perfeitamente consciente das prioridades definidas pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola que passavam pela actualização legislativa, pela aquisição de novas ferramentas, como as aplicações informáticas e consequente necessidade de formação especializada».
136.ª Porém, é evidente que face às regras da experiência comum qualquer cidadão médio com o mínimo de experiência na matéria em causa, e tendo em conta tais prioridades de investimento e necessidade de formalização especializada, identificaria grandes oportunidades de negócio, para mais o arguido AF que, desde de Fevereiro de 2004, tinha sido nomeado Director-geral dos Registos e Notariado, tendo, nessa qualidade, levado a efeito um desenvolvimento e uma modernização nos Serviços de Registo em Portugal, não deixaria, naturalmente, de fazer essa identificação, na medida em que já o tinha feito em termos nacionais na área da sua competência e que abrangia matérias como as que então estavam em causa em Angola.
137.ª Aliás, repare-se que, mais à frente na fundamentação do próprio Acórdão recorrido, acaba-se por se fazer alusão há existência de perspectivas de negócios por parte do arguido AF em Angola, referimo-nos nomeadamente à nota de rodapé 824, constante de fls. 865 do Acórdão recorrido e que tem o seguinte conteúdo «Cfr., fls. 259 a 262, 274, 275 a 280, 281, 282, 321, 322, apenso Z, p. 2 de 3359 relatório 3, p. 70 de 3359 relatório 3, p. 7 a 13 de 3359 relatório 3, p. 14 a 39 relatório 3, p. 40 a 49 relatório 3 – esta documentação não demonstra o interesse do arguido AF, apenas a existências das perspectivas de negócio».
138.ª Assim como se dá como provado que o arguido tinha interesse no desenvolvimento de Angola, como aliás decorre da fundamentação da nota de rodapé 825, constante de fls. 865 do Acórdão, que tem o seguinte conteúdo «Cfr., fls. 329, 325, 326, 327, 338, 339, 340 Apenso Z – esta documentação demonstra um interesse do arguido AF em dar prioridade à intervenção do Estado português no desenvolvimento de Angola em detrimento de outros Estados que se perfilavam para dar a mesma colaboração; sendo de relevar que nesta documentação não existe referência a empresas concorrentes».
139.ª Por outro lado, e no que concerne a negócios com a sociedade “G,Ldª.” relativos a 2011, há que ter em consideração o facto dado como provado a fls. 309 com a redacção seguinte: «Imediatamente após esta ruptura, o arguido EB fez saber aos sócios da “G,Ldª” e a AF que, estando JPG nesta empresa, não fariam negócios em Angola».
140.ª Ora, de tal facto dado como provado decorre que o arguido AF também fazia ou estava em vias de fazer negócios (e não mera formação) em Angola.
141.ª Daí que, os segmentos de facto que constam de fls. 864 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada (enumeração dos factos dados como não provados) e de fls. 304/305 e 309 do ponto 3.1.1. Matéria de Facto Provada do Acórdão recorrido (enumeração dos factos dados como provados) mostram-se contraditórios entre si.
142.ª A ser assim, dúvidas não há que, neste particular, estamos perante um vício de contradição insanável da fundamentação que decorre directamente do texto da decisão recorrida e da conjugação das regras da experiência comum.
RELAÇÕES ENTRE O ARGUIDO AF COM OS ARGUIDOS PE, JG E PV:
143.ª Relativamente às relações entre o arguido AF com os arguidos PE, JG e PV, designadamente relações de subserviência e dependência hierárquica, consta de fls. 865 como não provado o seguinte facto: «Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF de quem dependiam hierarquicamente».
144.ª Ora, tal segmento de facto integrava, originariamente o art.º 1022.º do despacho de pronúncia, no qual se narrava: «Por outro lado, o arguido AF tinha relações muito próximas com os arguidos PE, JG e PV, caracterizadas por uma subserviência destes àquele de quem dependiam hierarquicamente».
145.ª Assim, tal segmento de facto, tendo em conta o que consta de fls. 304/305, foi dado como provado que: «Por outro lado, o arguido AF tinha relações muito próximas com os arguidos PE, JG e PV»..
146.ª Aliás, as relações eram tão próximas que o arguido EB os apelidava de os “Três Mosqueteiros” do arguido AF conforme decorre assente no Acórdão.
147.ª Porém, da transcrição das intercepções telefónicas constante, também, do texto do Acórdão recorrido, nomeadamente, e entre outras, das sessões 2716 (fls. 407), 2969 (fls.435) e 22560 (fls. 744), do Alvo 62001060 (AF) decorre, claramente, que os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF..
148.ª A ser assim, o texto do Acórdão recorrido, a fls. 865 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido, ao ter dado como não provado que «Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF de quem dependiam hierarquicamente», quando da transcrição das intercepções telefónicas decorre precisamente o contrário, incorre, neste particular, não só no vício da contradição insanável da fundamentação mas também no vício do erro notório na apreciação da prova.
149.ª Relativamente à dependência hierárquica, decorre directamente do texto da decisão recorrida que os arguidos PE, JG e PV dependiam hierarquicamente do arguido AF..
150.ª Por um lado, do ponto C-3. Enquadramento: dos arguidos do despacho de pronúncia, consta provado a fls. 302 a 303 que os arguidos PE, JG e PV foram nomeados funcionários de registo pelo arguido AF e que foi este quem lhes autorizou a mobilidade interna na categoria nos Serviços Centrais do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.
151.ª Por outro lado, do ponto C-11. Dos requerimentos de concessão de autorização para acumulação de funções e de licenças sem vencimento do despacho de pronúncia, consta como provado a fls. 378 a 379 que foi o arguido AF quem, por despacho de 17/7/2012, lhes indeferiu os requerimentos de autorização para acumulação de funções, e que, em Julho de 2014, os aconselhou a desistirem dos pedidos de concessão de licença sem vencimento e, ainda, que, em Julho ou Agosto de 2014, lhes indeferiu novo pedido de acumulação de funções.
152.ª Ora, face à prática provada de tais actos, dúvidas não há que os arguidos PE, JG e PV dependiam hierarquicamente do arguido AF..
153.ª Daí que, e no que concerne à dependência hierárquica, os segmentos de facto que constam de fls. 865 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada (enumeração dos factos dados como não provados) e de fls. 302 a 303 e de fls. 378 a 379 do ponto 3.1.1. Matéria de Facto Provada do Acórdão recorrido (enumeração dos factos dados como provados) mostram-se em si mesmos contraditórios.
154.ª A ser assim, dúvidas não há que, neste particular, estamos perante um vício de contradição insanável da fundamentação que decorre directamente do texto da decisão recorrida, pois se foram dados como provados factos comprovativos que o arguido AF praticou actos que revelam a sua superioridade hierárquica sobre os arguidos PE, JG e PV jamais se poderia dar como não provada a dependência hierárquica.
INCENTIVO DO ARGUIDO AF PARA QUE OS ARGUIDOS PE, JG, PV E EA CONSTITUÍSSEM SOCIEDADES.
155.ª Relativamente ao incentivo do arguido AF para que os arguidos PE, JG, PV e EA procedessem à constituição de sociedades, consta de fls. 865 a 866 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido que foi dado como não provado o seguinte segmento de facto: “Com vista à realização de negócios com Angola, visando retirar vantagens económicas que não lhe eram devidas, com violação dos deveres funcionais a que estava adstrito, o arguido AF, tendo em vista o aproveitamento e rentabilização dos conhecimentos técnicos dos arguidos PE, JG e PV, incentivou-os, e também à arguida EA, Conservadora de quem era próximo e que daria apoio jurídico, a constituírem empresas, através das quais celebrariam contratos com as empresas do arguido EB, fora do quadro das respectivas funções públicas, como foi o caso das sociedades "G,Ldª.", "S,Ldª." e "FZ,Ldª.", como adiante se verá, visando a distribuição de vantagens pecuniárias, também, pelos Três Mosqueteiros».
156.ª Ora, e face à matéria de facto dada como provada, as sociedades “G,Ldª.”, “S, Ldª.” e “FZ,Ldª.” celebraram contratos com empresas do arguido EB, sendo que decorre também da matéria de facto dada como provada, ainda que indirectamente, que tais contratos foram celebrados fora do quadro das funções públicas, na medida em que, em Maio de 2012, os arguidos PE, JG e PV requereram autorização para acumular as funções públicas que representavam com as de sócios de uma sociedade comercial a constituir, requerimentos estes que foram indeferidos pelo arguido AF- Decorre, assim, da matéria de facto dada como provada, que não foi concedida aos arguidos autorização para acumularem funções públicas com privadas.
157.ª Porém, se o arguido AF, como veremos, beneficiou dos negócios levados a efeito pelas sociedades “G,Ldª.”, “S,Ldª” e “FZ,Ldª.” com empresas do arguido EB, é evidente que de tal facto, analisado em termos das regras da experiência comum e da lógica, infere-se que o arguido AF, não sendo sócio formal de tais sociedades, nas mesmas teve interesse nas mesmas, e, ainda, como se passará a demonstra, teve alguma intervenção aquando da constituição das mesmas, nomeadamente incentivando os arguidos a constituírem as ditas sociedades.
LIGAÇÃO DO ARGUIDO AF À SOCIEDADE "G,LDª"..
158.ª Começando pela sociedade “G,Ldª”, cumpre destacar, desde já, que a fls. 307 do Acórdão recorrido foi dado como provado que «A G,Ldª. no seu documento de Apresentação fez constar que é uma empresa que tem o reconhecimento do Exmo. Sr. Dr. AF, Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, I.P., que lhe atribui a capacidade técnica e jurídica para a promoção e implementação dos mais variados projectos da administração pública, na área da justiça e em particular na dos registos e notariado».
159.ª O reconhecimento que esteve na base da atribuição de capacidade técnica e jurídica à sociedade "G,Ldª " (constante do documento de Apresentação do qual foi dado conhecimento público) teve, necessariamente, que ter tido a anuência do arguido AF, o qual, e por isso mesmo, teve que ter sido contactado para tal efeito.
160.ª Por outro lado, e contrariamente ao conteúdo da fundamentação da nota de rodapé 826 constante de fls. 866 do Acórdão recorrido, os documentos mencionados (fls. 63 a 65 e 264 a 267 de 314 dos documentos anexos ao relatório 30, Apenso P), demonstram, claramente, e por si só, a intenção de constituir o arguido AF sócio da sociedade "G,Lda.”
161.ª Assim, o Acórdão recorrido ao ter enveredado pela argumentação de que tais documentos nem sequer indiciariamente demonstram a intenção de constituir o arguido AF sócio da sociedade “G,Ldª”. fê-lo porque errou notoriamente na apreciação da prova e o mais grave é que a ter referido expressamente tal fundamentação na nota de rodapé 826 fez com que o texto da decisão recorrida enferme, neste particular, do vício de erro notório na apreciação da prova.
162.ª Mais, não é a documentação que não demonstra indiciariamente a intenção de constituir o arguido AF sócio da sociedade “G,Ldª”, o Acórdão recorrido é que acabou por não demonstrar que assim não era, pois limitou-se a apresentar uma argumentação infundada, contraditória e acrítica, a qual esbarra, desde logo, no confronto com a própria documentação que refere expressamente no texto da decisão, nomeadamente a fls. 62 a 65 de 314 quando se refere expressamente o nome do arguido AF, no entanto, e quanto a tal elemento probatório, na fundamentação nada se refere, ficando-se até com a impressão que não se procedeu a uma leitura e análise correcta de tais documentos citados.
163.ª É que, convém não olvidar, os documentos a que se faz alusão no texto do Acórdão recorrido, principalmente nas notas de rodapé, foram dados a conhecer ao Tribunal recorrido pelo Ministério Público através da aplicação SIIP, no entanto, e como nem todos foram lidos em audiência de discussão em julgamento, estamos em crer que todos os documentos, ainda que não lidos e explicados em audiência, e dentro do que é permitido pelo art.º 355.º do Código de Processo Penal, foram tomados em consideração na formação da convicção do Tribunal recorrido que os cita..
164.ª Assim, e relativamente aos mencionados documentos, consta logo de fls. 43 a 45 de 314 do Relatório 30, Apenso P, um documento com o título «acta n.º 1», datado de 26 de Setembro de 2011, relativo a assembleia geral da sociedade “G,Ldª ” ( sócios JPG, EA, PE e JG), nos termos da qual se dá a divisão e cessão de quotas dos sócios PE e JG a «estranhos à sociedade», não identificados, sendo que o total das quotas cedidas a «estranhos a sociedade» é de 950 euros (500 de PE e 450 de JG)..
165.ª E de fls. 62 a 65 de 314 do Relatório 30, consta um documento com o timbre da “G,Ldª” e título «Contrato de cessão de quotas», datado de 26 de Setembro de 2011, nos termos do qual os sócios PE e JG cedem, respectivamente, 500 e 450 euros das suas quotas ao arguido AF, expressamente identificado como o cessionário das quotas, sendo que o documento remete para a acta n.º 1 da sociedade, na mesma data.
166.ª Por outro lado, do documento de fls. 264 de 314 do Relatório 30 constam as referências de “AF” como sócio e “AF” com quota 950,00, sendo que o documento de fls. 264 de 314 do Relatório 30 não pode deixar de ser conjugado com o de fls. 43 a 45 de 314 do mesmo Relatório.
167.ª Assim, o documento constante de fls. 263 a 267, com o título «projecto de pacto», e sem data (logo anterior ao documento de fls. 43 a 45), parece ser um projecto de constituição de uma sociedade com três firmas então ainda em aberto (ou “G,Ldª”, ou “As”, ou “Lm”), com sede na Quinta …, Paço …, cujo objecto é, entre outros, consultoria, desenvolvimento de software e formação, na área dos registos e notariado.
168.ª Os sócios estão identificados pelas iniciais «AF» (estas aparecem em primeiro lugar, e corresponderão a AF), «JPG» (será JPG), «EA» (será EA), «PE» (será PE) e «JG» (será JG) e as quotas são divididas da seguinte forma: «JPG» - 1600 euros; «EA» - 950 euros; «AF» - 950 euros (dividido por?);- «PE» - 750 euros; «JG» - 750 euros. Ficando como gerente «JPG».
169.ª Porém, e não obstante tantas evidências probatórias, a fundamentação constante da nota de rodapé 826 não só fez com que o texto da decisão recorrida enferme, como se notou, do vício de erro notório na apreciação da prova como também, e noutra perspectiva, enferma do vício de contradição insanável da fundamentação.
170.ª Voltando, no entanto, a atentar no conteúdo da nota de rodapé 826 da qual consta «Cfr., fls. 264 a 267, 63 a 65, de 314 dos documentos anexos ao relatório 30, apenso P – esta documentação não demonstra nem sequer indiciariamente a intenção de constituir o arguido AF sócio desta empresa; as declarações do arguido PE apontam que esta reserva estava prevista para a cessão das quotas a um antigo colega dele, o que se mostra tão plausível como a cedência ao arguido AF, pelo que não existe prova suficiente para cimentar esta afirmação», dúvidas não há que tal parte da fundamentação tentou analisar a questão da cessão e cedências de quotas da sociedade “G,Ldª” e se houve, ou não, alguma intenção de constituir o arguido AF sócio da referida sociedade, acabando por concluir que tal intenção nem sequer estava demonstrada indiciariamente, ou seja, que não houve essa intenção.
171.ª Ora, se nem sequer houve essa intenção de constituir o arguido AF como sócio da sociedade “G.,Ldª”, não se entende o sentido e o alcance de, a fls. 310, se ter dado como provado que «No entanto, a cedência de uma quota da «G,Ldª.» ao arguido AF não veio a ocorrer».
172.ª Certo que tal segmento de facto integrava, originariamente o art.º 1040.º do despacho de pronúncia com a seguinte narração: «Este pedido de autorização visava a cedência das quotas de € 500.00 e € 450.00, dos arguidos PE e de JG ao arguido AF, ficando este com uma quota unificada de € 950.00, tal como, antes da constituição da sociedade, foi delineado entre todos. No entanto, esta cedência não veio a ocorrer».
173.ª O Acórdão recorrido ao ter separado (ou fragmentado) o art. 1040.º do despacho de pronúncia em dois pontos de facto autónomos, tendo dado um como não provado e outro como provado, e ao ter utilizado a fundamentação constante da nota de rodapé 826, incorreu num duplo vício de contradição insanável da fundamentação.
174.ª Por um lado, originariamente no art.º 1040.º do despacho de pronúncia fazia-se referência fáctica à cedência das quotas de €500.00 e €450.00, dos arguidos PE e de JG (referência plural de quotas), narração fáctica que foi transposta para o ponto de facto dado como não provado e que consta de fls. 866 , no entanto, e em oposição, no facto dado como provado (que resultou da separação/fragmentação fáctica operada no Acórdão recorrido), e que consta de fls. 310, só se refere a cedência de uma quota (referência singular de quota), daí que, neste particular, estamos perante um vício de contradição insanável da fundamentação.
175.ª Por outro lado, e enquanto da nota de rodapé 826 decorre que não existiu qualquer intenção de constituir o arguido AF sócio da sociedade “G,Ldª”, do facto dado como provado a fls. 310 infere-se que, não obstante a cedência não ter ocorrido, foram realizadas, certamente, diligências com vista a tal cedência, pois caso contrário, tal facto seria irrelevante ab initio e não teria sido narrado na pronúncia.
176.ª Assim, do confronto de tal facto dado como provado (que resultou da separação/fragmentação fáctica operada no Acórdão recorrido) e que inculca a ideia de que foram realizadas diligências com vista à cedência de quotas, com a fundamentação constante da nota de rodapé 826, é manifesto o vício de contradição insanável da fundamentação.
177.ª Acresce que outra realidade fáctica a ter em conta e que liga o arguido AF à sociedade "G,Ldª" tem a ver com a situação de a fls. 309 do Acórdão recorrido se ter dado como provado: «Imediatamente após esta ruptura, o arguido EB fez saber aos sócios da "G,Ldª " e a AF que, estando JPG nesta empresa, não fariam negócios em Angola».
178.ª Ora, de tal facto dado como provado decorre que o arguido AF, não obstante não ser sócio formal, encontrava-se muito ligado à sociedade "G,Ldª " pois, se assim não fosse, o aviso (ameaça) que o arguido EB lhe fez (de não fazer mais negócios em Angola) não faria qualquer sentido, o que comprova que o arguido AF também tinha poder de influência fáctico na sociedade “G,Ldª”, nomeadamente quanto à questão de manterem ou não JPG como sócio da dita sociedade.
LIGAÇÃO DO ARGUIDO AF À SOCIEDADE "S,Ldª"..
179.ª Quanto à ligação do arguido AF à sociedade “S,Ldª”, e à semelhança do que tinha acontecido com a sociedade “G,Ldª, cumpre referir que a fls. 312 e 313 do Acórdão recorrido foi dado como provado que «A "S,Lda." no seu documento de Apresentação fez constar que tinha o reconhecimento do Exmo. Sr. Dr. AF, Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, I.P., que nos atribui a capacidade técnica e jurídica para a promoção e implementação dos mais variados projectos da administração pública, na área da justiça e em particular na dos registos e notariado».
180.ª O reconhecimento que esteve na base da atribuição de capacidade técnica e jurídica à sociedade “S,Ldª.” (constante do documento de Apresentação do qual foi dado conhecimento público) teve, assim, que ter tido a anuência do arguido AF, o qual, e por isso mesmo, teve que ter sido contactado para tal efeito.
181.ª Porém, e além deste facto de ligação do arguido AF à sociedade “S,Ldª”, existem muitos outros, desde logo, o facto de esta sociedade ter sido constituída para substituir a sociedade “G,Ldª”, havendo, assim, uma linha de continuidade em todos os aspectos entre ambos os veículos, no entanto, um facto que se assume como nuclear e que permite ligar o arguido AF à sociedade “S,Ldª” prende-se com as transferências bancárias feitas pela arguida EA nos dias 5, 6 e 7 de Setembro de 2012, cada uma delas no valor de 3.500,00€.
182.ª Assim, de fls. 319 do Acórdão recorrido resulta que foram dadas como provadas tais transferências, constando da nota de rodapé 407, a fls. 319 do Acórdão recorrido, e por referência a fls. 20, apenso Q anexo C - 1.1, que nenhum dos meios de prova indiciam que o arguido AF tenha dado ordem para a execução desse crédito naquela conta bancária, sendo que tendo por base factos constantes da contestação criminal apresentada pelo arguido AF, fls. 488 do ponto 3.1.1. Matéria de Facto Provada do Acórdão recorrido, deram-se como provados os seguintes factos:
«O arguido AF teve conhecimento desta reunião e, posteriormente, a arguida EA sabendo do know-how do arguido AF nesta matéria, solicitou a sua ajuda, trocando impressões com o mesmo, esclarecendo dúvidas e obtendo alguns contributos valiosos para a elaboração do trabalho.
A posteriori, e uma vez que o arguido AF havia colaborado na elaboração do trabalho, a arguida EA, estando muito reconhecida com a ajuda dada pelo arguido AF, queria gratificá-lo.
O arguido AF nada quis receber, e a arguida EA acabou por entregar um valor a título de prenda à filha daquele (ALF), que se ia, entretanto, casar.
O que justifica a transferência bancária no valor de € 3.500,00, efectuada para a conta da filha do arguido AF e do seu genro o Dr. N…»..
183.ª Porém, e como veremos, tais factos dados como provados, em conjugação com a nota de rodapé 407, fazem com que o texto da decisão recorrida sofra, por um lado, do vício de contradição insanável da fundamentação e, por outro lado, do vício de erro notório na apreciação da prova.
184.ª Com efeito, os factos dados como provados tendo por base a contestação criminal apresentada pelo arguido AF assentaram, sobretudo, mas mal e erradamente, nas declarações prestadas pelo mesmo na audiência de discussão e julgamento, na medida em que tais declarações não só não se mostram credíveis face às que o arguido prestou anteriormente nas fases preliminares, como também se mostram afastadas liminarmente pela transcrição das intercepções telefónicas, bem como pela Análise dos suportes digitais constantes do Apenso L, meios de prova esses que não podem deixar de funcionar também como aferidor da credibilidade a conferir às declarações prestadas pelos arguidos.
185.ª Ora, foi precisamente o que aconteceu relativamente às transferências bancárias feitas pela arguida EA nos dias 5, 6 e 7 de Setembro de 2012, cada uma delas no valor de 3.500,00€, sendo que tal matéria constante do texto da decisão recorrida não pode deixar de ser analisada também à luz das regras da experiência comum, aliás como o impõe o n.º 2 do art. 410.º do Código de Processo Penal.
186.ª Será que o Tribunal recorrido apreciou e valorou como normal o facto das transferências bancárias em causa terem ocorrido em datas muito próximas e para destinatários diferentes? Será que o Tribunal recorrido apreciou e valorou como normal o facto das transferências bancárias terem sido feitas todas pelo mesmo valor, nomeadamente que tenha sido transferido para ALF e Dr. N…, no total, o mesmo valor que aquele que foi transferido para os restantes arguidos?
187.ª Será que o Tribunal recorrido apreciou e valorou tal facto indiciário isoladamente, sem que o tivesse conjugado, globalmente, com outros factos indiciadores, nomeadamente com o perfil de ocultação e de invisibilidade revelado pela conduta do arguido AF que, nos diversos núcleos factuais, nomeadamente no Núcleo A relativamente às parcerias negociais, revelou sempre uma tendência para utilizar manobras de ocultação e de invisibilidade da respectiva actividade.
188.ª Aliás, foi nesse contexto que foi a sua filha ALF quem ocupou, formalmente como sócia, o seu lugar na sociedade “JF,LDª ”. (conforme acima referido) e que, relativamente à sua parte do pagamento efectuado pela sociedade “FI,S.A”,. no valor de 7.084,80 €, tratou que essa quantia fosse paga à sociedade “I,Lda”., sociedade gerida pelo sócio POS, amigo do arguido AF e com quem este teve intervenção no negócio de compra e venda da casa de C… no qual participou o arguido Z..
189.ª No entanto, e caso não fossem já suficientes os mencionados indícios para se deduzir que a transferência bancária feita pela arguida EA, no dia 7 de Setembro de 2012, no valor de 3.500,00€, se destinou, efectivamente, ao arguido AF, sempre se passa a indicar indício ainda mais forte e que, por isso mesmo, impõe que se opere tal dedução.
190.ª Assim, e contrariamente ao que consta da nota de rodapé 407, de fls. 319 do Acórdão recorrido, existem elementos probatórios que indiciam que foi o arguido AF quem deu ordem para a execução do crédito referido na conta bancária de ALF e Dr. N…. Referimo-nos, obviamente, à mensagem trocada no dia 4/9/2012 entre os arguidos JG e EA constante de fls. 294 de 2540 do Vol. III do Apenso L (Análise dos Suportes Digitais), da qual, no que concerne à concretização das mencionadas transferências bancárias, consta, com interesse, o seguinte «Zé, bom dia. Diz à IS para confirmar a transferência indicada pelo Paulo. Temos a conta do AF? Beijos».
191.ª Da mensagem em causa infere-se que a arguida EA pretendia era saber do número da conta bancária do arguido AF e não do número da conta para a qual veio a fazer, a final, a transferência, sendo que, e como seria normal se houvesse algum fundo de verdade em tal versão apresentada por alguns arguidos, não há qualquer conversa ou sinal relativamente a uma oferta de prenda (e com o mesmo valor que as outras transferências) a ALF..
192.ª Assim, tal indício probatório devidamente conjugado com os demais permite deduzir que a transferência bancária feita pela arguida EA no dia 7 de Setembro de 2012, no valor de 3.500,00€, se destinou efectivamente ao arguido AF..
193.ª Daí que a fundamentação constante da nota de rodapé 407, de fls. 319 do Acórdão recorrido e os factos dados como provados constantes de fls. 488 do ponto 3.1.1. Matéria de Facto Provada do Acórdão recorrido, se mostrem em contradição com a mensagem de 4/9/2012 constante de fls. 294 de 2540 do Vol. III do Apenso L e com as regras da experiência comum, nomeadamente com o perfil de ocultação e de invisibilidade que o arguido AF utilizou também na prática dos factos que lhe são imputados nos núcleos factuais A e B.
194.ª Assim, a mencionada contradição, e tudo sendo analisado à luz das regras da experiência comum, acaba por se reconduzir e configurar, claramente, um vício de contradição insanável da fundamentação.
LIGAÇÃO DO ARGUIDO AF À SOCIEDADE ARGUIDA "FZ,Ldª"..
195.ª Quanto à ligação do arguido AF à sociedade arguida “FZ,Ldª .” cumpre referir que tal facto decorre claramente da transcrição das intercepções telefónicas, nomeadamente, e de entre outras, das sessões 2969 e 3054 de 8/1/2014, da sessão 6242 de 17/1/2014, todas do Alvo 62001060 (AF), bem como das sessões 615, 968 e 4261 do Apenso E, fls. 210 e 216 e ainda das declarações prestadas pelo arguido PE aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
196.ª Dúvidas não há que existem elementos probatórios comprovativos de que o arguido AF incentivava os arguidos PE, JG, PV e EA para que procedessem à constituição de sociedades.
197.ª A ser assim, e voltando a fls. 865 a 866 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido, há que referir que o texto do Acórdão recorrido enferma do vício de contradição insanável da fundamentação no que concerne ao seguinte facto dado como não provado: «Com vista à realização de negócios com Angola, visando retirar vantagens económicas que não lhe eram devidas, com violação dos deveres funcionais a que estava adstrito, o arguido AF, tendo em vista o aproveitamento e rentabilização dos conhecimentos técnicos dos arguidos PE, JG e PV, incentivou-os, e também à arguida EA, Conservadora de quem era próximo e que daria apoio jurídico, a constituírem empresas, através das quais celebrariam contratos com as empresas do arguido EB, fora do quadro das respectivas funções públicas, como foi o caso das sociedades "G,Ldª.", "S,Ldª." e "FZ,Ldª.", como adiante se verá, visando a distribuição de vantagens pecuniárias, também, pelos Três Mosqueteiros».
ALTERAÇÕES SOCIETÁRIAS FEITAS PELO ARGUIDO EB..
198.ª Relativamente às alterações societárias feitas pelo arguido EB, e compulsado o Acórdão recorrido, constata-se que a fls. 313 do Acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos: «Também, por efeito daquela ruptura, o arguido EB determinou a realização de alterações societárias na "MC,Ldª" Angola» e «Assim, por escritura de 20 de Fevereiro de 2012, o arguido EB, por si e pelos seus representados, afirmando-se como únicos accionistas da "MC,Ldª" Angola, determinou uma alteração societária quanto à denominação, adoptando a sociedade a nova denominação de "MC, Ldª" numa tentativa de se desligar da associação inevitável da "SA– C,SA," Angola à "SA-C de JPG, empresa já conhecida em Angola».
199.ª Ora, da leitura e do próprio confronto dos factos em causa, constata-se que o texto do Acórdão recorrido enferma do vício de contradição insanável da fundamentação, na medida em que se houve lugar a nova denominação social e se a anterior era “SA-C,S.A.," Angola, é evidente que a nova denominação social teria que ser diferente, como foi, tendo sido adoptada como nova denominação social, “MC,Ldª" Angola.
200.ª Aliás, repare-se que tais pontos de facto correspondiam, originariamente, aos artigos 1051.º e 1052.º do despacho de pronúncia, tendo o primeiro a seguinte redacção:
«Também, por efeito daquela ruptura, EB determinou a realização de alterações societárias na "SH"», daí que no Acórdão recorrido se tenha confundido a sociedade "SH" com a sociedade MC,Ldª" Angola.
ACORDO CELEBRADO ENTRE OS ARGUIDOS AF E EB..
201.ª No que respeita ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB em Novembro de 2011 (C-5), e uma vez compulsado o Acórdão recorrido, constata-se que a fls. 867 foram dados como não provados os factos relativos ao mencionado acordo, sendo que tais pontos de facto correspondiam, originariamente, aos artigos 1062.º e 1063.º do despacho de pronúncia.
202.ª O Acórdão recorrido deu tais factos como não provados tendo em conta, desde logo, a fundamentação constante da nota de rodapé 827 de fls.867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido.
203.ª Ora, e tendo em conta tal fundamentação, nomeadamente a indicação dos meios de prova, cumpre referir que o Acórdão recorrido, também neste particular, limitou-se a indicar e a apreciar apenas os meios de prova referidos e que foram dados a conhecer ao Tribunal recorrido pelo Ministério Público através da aplicação SIIP.
204.ª Assim, os meios de prova indicados (sessão 11573, fls. 624, sessão 12004, fls. 635; sessão 5573, fls. 502, sessão 74, fls. 6, sessão 1051, fls. 183, alvo AF, apenso C, fls. 375 apenso L) foram decisivos para que no Acórdão recorrido se desse como não provado o ponto de facto acima referido e que se reporta ao acordo negocial ajustado entre os arguidos AF e EB..
205.ª Ora, se atentarmos no ponto 3.2. Motivação da Decisão de Facto do Acórdão recorrido constante de fls. 950 e seguintes, e no que concerne ao Núcleo C, a partir de fls. 957, constata-se que se concluiu que face aos depoimentos das testemunhas, às declarações dos arguidos, à prova documental e às intercepções de telecomunicações, não se demonstrou todo o iter lógico que conduz à prova da existência de um acordo entre os arguidos AF e EB, no entanto, como é que tal inferência se pode ter retirado de tais meios de prova se quanto à existência de tal acordo não foi feito qualquer exame crítico sobre tais meios de prova, com excepção daquilo que consta criticamente da nota de rodapé 827 de fls.867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido e que acima foi referida.
206.ª Porém, e mesmo assim, e sempre quanto à existência de tal acordo, tendo em conta o conteúdo da nota de rodapé, no Acórdão recorrido só se atendeu, neste particular, e quanto a intercepções de telecomunicações, às que foram indicadas pelo Ministério Público (sessão 11573, fls. 624, sessão 12004, fls. 635; sessão 5573, fls. 502, sessão 74, fls. 6, sessão 1051, fls. 183, alvo AF, apenso C, fls. 375 apenso L), daí que nem sequer foram tidas em conta e valoradas muitas outras intercepções telefónicas extremamente relevantes, na medida em que das mesmas é possível extrair elementos probatórios comprovativos da existência do mencionado acordo, referimo-nos, obviamente, e tendo por referência o Alvo 62001060 (AF), ainda às sessões 476 (fls. 87), 639 (fls. 119), 2969 (fls. 435), 3642 (fls. 482), 10024 (fls. 587), 10826 (fls. 611), 11864 (fls. 631), 14995 (fls. 656), 26545 (fls. 810), 29548 (fls. 844), 29959 (fls. 861), 51484 (977), 138306 (fls. 1292), 138423 (fls. 1229), 140546 (fls. 1471), 140630 (fls. 1478) e 140678 (1498).
207.ª Assim, este conjunto de sessões permite apurar, claramente, quais eram as intenções dos arguidos, nomeadamente dos arguidos AF e EB, bem como da existência de um acordo ou pacto entre eles, sendo que, e como é sabido, e tal como acontece com o crime de associação criminosa, não é necessário nem tal se exige, que um acordo dessa natureza tenha que ser celebrado por escritura pública para que se possa comprovar o mesmo, antes basta tão só a existência e conjugação de factos donde o mesmo se possa deduzir com toda a clareza.
208.ª Assim, e por exemplo, na sessão 14995 (fls. 656), conversa entre os arguidos AF e AS, este refere que conversou com EB e que «é preciso ir a Angola, ele, a IS e o AF buscar o dinheiro para pagar às pessoas»; Noutro passo, na sessão 26545 (fls. 810), na conversa entre os arguidos AF e AS faz-se alusão a «retribuição fora do normal» e a formadoras com a «língua afiada» que não deviam ser seleccionadas para irem a Angola; Ou então na sessão 476 (fls. 87), conversa entre os arguidos AF e EB, no dia 17/12/2013, em que AF pede a EB que lhe envie um documento escrito a solicitar a colaboração para ter uma justificação para começar a trabalhar, para não virem dizer que estavam a trabalhar com um privado, para terem essa «cobertura», sendo que, além disso, e nesse seguimento, e na mesma conversa, AF diz a EB que «o importante é que façam chegar um pedido de colaboração nessa matéria e que a partir aí dá andamento».
209.ª Aliás, e no seguimento da última conversa telefónica, foi dada como provada, a fls. 336 do Acórdão recorrido, a seguinte matéria de facto:
«Os arguidos EB e AF combinaram, então, em 17 de Dezembro de 2013, orçamentar a proposta com base no orçamento do ano passado que nós vimos, deixando, no entanto, o arguido AF a questão do acerto de valores para o arguido EB e para o Ministro da Justiça de Angola».
«Comprometeu-se o arguido AF perante o arguido EB, na mesma data, a constituir, rapidamente, uma equipa de trabalho para iniciar a proposta de alteração dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado, solicitando, no entanto, àquele que, previamente, lhe fizesse chegar um documento oficial do Estado angolano a pedir essa colaboração "que é para depois não virem dizer que a gente está a trabalhar aqui com o privado, … pois tínhamos essa cobertura chamamos-lhe assim... está a ver?».
«Acordaram, também, nessa data que o arguido EB escreveria uma carta que daria a assinar a ISS supramencionado, à data, responsável pelas Políticas de Justiça, em Angola, solicitando, oficialmente ao Estado Português, em nome do Ministério da Justiça de Angola, a colaboração necessária, ao abrigo do Protocolo de 11 de Fevereiro de 2013».
210.ª Ora, tendo em conta tais factos dados como provados, não há dúvidas que em tal data (17/12/2013), e no que concerne à revisão dos Códigos de Registo (e não códigos de justiça) foram estabelecidos entre AF e EB combinações, compromissos e acordos, sendo que, e como se reconhece na nota de rodapé 449 (a fls. 335), nessa data os arguidos AF e EB colocaram a hipótese de acoitar a revisão dos códigos sob a capa da cooperação entre Estados.
211.ª No entanto, o Tribunal recorrido ficou-se por hipóteses e foi incapaz de dar o salto lógico no raciocínio lógico-indutivo e de analisar globalmente a prova indiciária, e antes, e mais uma vez, se ficou pela técnica (ilegítima e inadmissível) da apreciação isolada de cada indício, ou seja, pela técnica do «por si só», ou seja, na data de 17/12/2013 para os Códigos de Registo houve acordo entre os arguidos AF e EB para utilizarem simuladamente o Protocolo de Cooperação e antes não houve acordo?
212.ª Ao contrário do pretendido pelo Acórdão, essas combinações, compromissos e acordos não foram meras hipóteses de trabalho que foram colocadas, antes foram realidades praticadas pelos arguidos, ou seja, na data de 17/12/2013 AF e EB acordaram em fazerem a revisão dos códigos sob a capa de cooperação entre os Estados.
213.ª Aliás, repare-se que se na nota de rodapé 449 (a fls. 335) se refere que foi uma hipótese colocada pelos arguidos AF e EB, no entanto, em contrapartida na fundamentação constante de fls. 1637, em autêntico comentário à transcrição das intercepções telefónicas, sustenta-se que «o estatuto de cooperação é uma capa para receberem os valores dos contratos», ou seja, e não obstante a contradição, deixou-se de se falar em hipóteses para se falar em realidades.
214.ª Assim, a questão que se coloca é a de apurar se em tal data e quanto à matéria dos códigos de registo houve acordo entre os arguidos e utilização simulada do protocolo de cooperação, se tal facto indiciante devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica e atendendo às ligações que os arguidos já vinham mantendo a alguns anos, inculca que esse acordo já existia e que a utilização simulada do Protocolo de Cooperação já era uma prática que vinha sendo utilizada nos diversos domínios em que se estendeu a acção dos arguidos, nomeadamente na elaboração do “Plano Estratégico de Intervenção na Modernização dos Registos e do Notariado em Angola”, nas Acções de formação em Angola, na Revisão dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado e no Desenvolvimento de aplicações informáticas.
215.ª Aliás, era do interesse dos arguidos a utilização simulada do Protocolo de Cooperação, até porque se o mesmo fosse accionado devida e formalmente, face ao quadro legal vigente, teria que haver pagamento de ajudas de custo, o que implicaria um controlo mais apertado nas idas a Angola, daí que, e por isso mesmo, é que o protocolo de cooperação não era formalmente accionado, uma vez que seria acompanhado pelos departamentos competentes, o que não deixaria de levantar suspeitas, pelo menos, em Portugal e, por outro lado, o seu não accionamento efectivo permitia aos funcionários receber quantias muito mais elevadas do que aquelas que receberiam se fosse accionado o pagamento das ajudas de custo, ou seja, e tendo por referência a matéria narrada nos artigos 981.º e 982.º da pronúncia e, por exemplo, o depoimento da testemunha CV, cuja transcrição consta de fls. 1296 do Acórdão recorrido, por cerca de 15 dias de formação era-lhes pago cerca de 5000 dólares pela "MC,Ldª", ao passo que se solicitassem ajudas de custo só lhes seria paga a quantia de cerca de 1800 € ou, caso fossem (como foram) fornecidas refeições, só lhes seria paga a quantia de cerca de 1260 €, daí que, e face a tal discrepância de valores, percebe-se bem porque é que não era accionado o pagamento de ajudas de custo: é que os funcionários só não recebiam bem mais do que o dobro, como assim escapavam a um controlo mais apertado nas idas a Angola, o que permitia que o arguido AF escolhesse quase sempre os mesmos funcionários, nomeadamente os que não tivessem a língua afiada.
216.ª Por fim, sempre se dirá que o facto dado como não provado constante de fls. 867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada e respeitante ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB - Novembro de 2011 (C-5) se mostra em contradição insanável com o facto dado como provado a fls. 390 (e que corresponde ao art.º 1469.º) com a seguinte redacção «Com efeito, no dia 8 de Janeiro de 2014, PE informou AF que já tinha estabelecido os contactos necessários, comprometendo-se aquele a falar com um indivíduo de nome M…, da NOR…, para estabelecerem os parâmetros de um acordo semelhante ao que tinha com EB »..
217.ª Nesta perspectiva, entende-se que existe vício de contradição insanável de fundamentação entre os factos dados como provados que acima foram referidos e o facto dado como não provado constante de fls. 867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido e respeitante ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB - Novembro de 2011 (C-5), daí que, e caso seja dado como provado o mencionado acordo face aos elementos constantes do processo, e até pelas razões aduzidas a fls. 957 e 959 do Acórdão recorrido, a contrario, como que renasce o acordo quanto aos arguidos AS, PE, PV, JG e EA..
218.ª Aliás, das intercepções telefónicas a JG transparece a ideia que PE queria dar-se como arrependido e colaborar com a justiça e contar tudo aquilo que sabia, nomeadamente das sociedades e do dinheiro que ficou em Angola numa conta bancária de EA ou de familiar desta, como melhor se percebe da sessão 986 de 23/11/2014 do Apenso E, fls. 216. Com muito interesse há que ter também em conta a conversa entre os arguidos PE e JG no dia 21/11/2014, em que se referem ao contrato de teletrabalho que lhes permitia trabalhar nas respectivas residências e a eventual dissolução da sociedade “FZ,Ldª”, referindo que «se vocês andarem, a dissolver tudo e a acabar com tudo, dá a impressão que só servia para aquilo mesmo» e falam no PV (ver sessão 4261 de 21/11/2014 do Apenso E, fls. 216).
PAGAMENTO DA QUANTIA DE € 20.000,00 AO ARGUIDO AF..
219.ª A fls. 338 foi dado como provado que «Assim, no início de 2014, o arguido EB fez chegar à disponibilidade do arguido AF, que a fez sua a quantia de € 20.000,00 em numerário, como contrapartida na sua participação de um seminário realizado em Angola», no entanto, e ainda que parcialmente, tal facto parece ter alguma correspondência com o art.º 1196.º da pronúncia que tinha a redacção seguinte «Assim, no início de 2014, na execução do acordado, EB fez chegar à disponibilidade de AF, que fez sua, como contrapartida acordada, a quantia de 30.000,00€ em numerário».
220.ª Porém, o facto dado como provado resultou de um deficiente enxerto fáctico, na medida em que, e como aliás consta da nota de rodapé 460, tal facto parece ter resultado da contestação criminal apresentada pelo arguido AF, levando o Acórdão recorrido a misturar factos praticados em 2012 e factos praticados em 2014.
221.ª Na verdade, e segundo os factos dados como provados a fls. 376 a 378, tal quantia foi-lhe entregue, em 28 de Agosto de 2012, pela funcionária da sociedade “LP, Lda.” -RBP, sendo que os factos dados como provados a fls. 395 confirmam que tal quantia recebida da dita funcionária em 2012 foi entregue a FP em 8.1.2014.
222.ª Ora, tais recebimentos e entregas, com um intervalo temporal tão dilatado, não encaixam nem se percebem à luz das regras da lógica e da experiência comum, nem com o perfil do arguido AF que mostrava avidez pelo dinheiro e que fazia depósitos em numerário com regularidade, sendo que não está afastada a hipótese muito plausível de tal quantia , pelo contrário, ter sido depositada no mês de Setembro de 2012 tendo em conta o quadro constante de fls. 2180 dos autos.
223.ª A ser assim, e por outro lado, os factos dados como não provados a fls. 888 (e relativos ao ponto C-10) mostram-se em contradição insanável com os factos dados como provados a fls. 376 a 378 e a fls. 395.
224.ª Por fim, e em contradição final, jamais o arguido EB, tal como foi dado como provado, poderia ter feito chegar tal quantia à disponibilidade do arguido AF no início de Janeiro de 2014, quando já a tinha feito chegar em Agosto de 2012, a não ser que tenha pago, pelo menos, por duas vezes a mesma quantia.
225.ª A ser assim, e neste particular, o texto do Acórdão recorrido sofre do vício de contradição insanável da fundamentação.
226.ª Aliás, nesta matéria de pagamentos e entregas de dinheiro, e compulsado o Acórdão recorrido, nota-se que houve como que uma preocupação de “blindar” esses pagamentos e entregas de dinheiro quanto ao arguido AF, tanto assim que o Tribunal recorrido ao apreciar e valorar o depoimento da testemunha CV, cuja transcrição consta de fls. 1296 do Acórdão recorrido, e ao sujeitar a julgamento o art.º 1131.º do despacho de pronúncia, errou notoriamente na apreciação da prova, fazendo constar do facto dado como provado a fls. 327 que o arguido EB pediu à dita testemunha para trazer um envelope com dinheiro para entregar ao arguido JG, quando o beneficiário com a entrega não era este mas sim o arguido AF que, aliás, era o nome que constava do art.º 1131.º do despacho de pronúncia.
ALTERAÇÕES DE PROCEDIMENTOS POR PARTE DO ARGUIDO AF APÓS AS NOTÍCIAS NA COMUNICAÇÃO SOCIAL.
227.ª Tal matéria factual constava do art.º 1136.º da pronúncia que tinha a seguinte redacção «Após a saída da notícia na revista … e no jornal … …, em … de … de …, todo este procedimento foi alterado por AF, tendo recomendado, em 23 de Junho de 2014, a AS, quando questionado acerca das respostas que daria aos jornalistas sobre a formação em Angola, porque tinha havido muito mais gente do que aquele perguntava, que só responderiam ao que era pedido».
228.ª Por sua vez, o mencionado art.º 1136.º repousava probatoriamente na Sessão 138306 de 23/6/2014, do Alvo AF, na qual o alvo AF (AF) recebe uma chamada da secretária do IRN (93…..50) pondo ao telefone o Dr. AS, e falam sobre respostas a dar sobre questões colocadas relativas a formações do protocolo.
229.ª Ora, o que se nota, desde logo, da mencionada fragmentação factual é que houve uma preocupação do Tribunal recorrido em retirar o arguido AF da referida imputação factual, no entanto, o Tribunal recorrido fê-lo ao arrepio e em contradição com o que evola da mencionada transcrição telefónica.
230.ª Com efeito, não só as questões colocadas pelo jornalista tinham a ver com questões anteriormente noticiadas, como efectivamente o arguido AF recomendou ao arguido AS só para responder ao que era pedido.
231.ªPor outro lado, e quanto à alteração de procedimentos do arguido AF após a saída da notícia na revista … e no jornal … …, em … de … de …, e revisitando o que referimos anteriormente, o arguido AF transmitiu, desde logo, o dossier da cooperação ao Dr. JM, o qual ao ser inquirido como testemunha, e cuja transcrição de depoimento consta de fls. 1276 do Acórdão recorrido, referiu que «crê que o arguido AF lhe delegou a cooperação com Angola por causa de notícias públicas relacionadas com os formadores em Angola que estariam a receber dinheiro por fora».
232.ª Acresce que começou a contactar com EPC através de uma conta de email, não oficial, criada por ordem de AF precisamente para tal efeito, uma vez que a conta de e-mail de EPC é o único contacto da lista de contactos que consta da referida conta de e-mail: “ ”, com a password de acesso …A…5…..
233.ª Além disso, e ainda quanto à alteração de procedimentos do arguido AF após a fuga de informação, sempre tal facto dado como não provado se mostra em contradição com os factos dados como provados a fls. 343 do Acórdão recorrido, nomeadamente no que respeita à alteração parcial da composição da equipa anteriormente contactada para proceder à revisão dos Códigos de Registo.
234.ª A ser assim, o mencionado facto dado como não provado, facto que seria altamente relevante do ponto de vista da prova indiciária, mostra-se em contradição insanável com a transcrição da intercepção telefónica referida, com o depoimento da testemunha JM e com a criação da nova conta de email e com os factos dados como provados a fls. 343, daí que, a ser assim, e tendo toda essa documentação sido acolhida no Acórdão recorrido, o texto deste, e neste particular, enferma, pois, de vício de contradição insanável da fundamentação.
DA EXECUÇÃO DO ACORDO: DESENVOLVIMENTO DE APLICAÇÕES INFORMÁTICAS (C-9).
235.ª O desenvolvimento das aplicações informáticas era um dos domínios a que se estendeu a acção dos arguidos EB, AF, AS, PE, PV, JG e EA..
236.ª Ponderando nos factos dados como provados relativamente a tal matéria e que constam de fls. 352 a 376 do Acórdão recorrido, bem como no teor das notas de rodapé 499 e 376, nomeadamente nas sessões telefónicas indicadas, toda esta fundamentação devidamente conjugada com as regras da lógica e da experiência comum, no mínimo, mostram-se em manifesta contradição com os factos dados como não provados a fls. 882 a 888 do Acórdão recorrido.
237.ª Aliás, e tendo em conta as mencionadas regras da lógica e da experiência comum, não se entende por que razão é que o Tribunal recorrido ao ter dado como provados determinados factos, que mais não são do que factos indiciantes, não retirou as devidas inferências dos mesmos.
238.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal a solução ardilosa que foi acordada entre os arguidos AF e AS quanto à justificação de faltas do Conservador ASS?
239.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal a convocatória, por email, que foi feita no dia 22/1/2014 ao Conservador ASS para reunião no dia 23/1/2014, nos serviços centrais, subordinada ao tema “Formação P…”? E depois achou normal que no referido dia, em vez da reunião, o arguido AS determinasse que o Conservador o acompanhasse às instalações da “LP,Ldª”, em L… …?
240.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal que o arguido EB, assim que chegou a Portugal. no dia 29/1/2014, e por telefone, pedisse ao arguido AF que lhe disponibilizasse de imediato os seus “três mosqueteiros”, com a advertência, de que se tal aceitasse, negociariam tudo o que o arguido AF lhe dissesse?
241.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal que reuniões entre os arguidos AF, EB, PE, PV e JG (que tinham a ver supostamente com a cooperação), não se fizessem nas instalações do IRN mas na casa do arguido AF, em M…?
242.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal o acerto da quantia monetária (os preços disto) que os arguidos AF e AS teriam que fazer com o arguido EB e da necessidade, depois do acerto, terem que deslocar a Angola para trazerem o dinheiro para pagarem às pessoas?
243.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal a solução encontrada pelo arguido AS para dar cobertura às deslocações dos arguidos PE, PV e JG às instalações da “LP,Ldª”, em L… …, uma vez que a falta deles já era notada por IF?
244.ª Ou será que o Tribunal recorrido achou normal as faltas que os arguidos PE, PV e JG deram durante quatro/cinco dias a testes aplicacionais agendados no âmbito de uma parceria do IRN com a “Nov…” sem que tivessem apresentado qualquer justificação o que gerou várias queixas dos responsáveis?
245.ª É evidente que poderíamos prosseguir com a enunciação de muitas outras anormalidades, no entanto, as que ficaram expostas e fundadas nos factos dados como provados e ancoradas nas sessões telefónicas indicadas nas respectivas notas de rodapé, não deixa de criar a convicção de que tudo foi feito no mais puro secretismo e em simulações procedimentais, o que colide com a ideia de que tudo se desenvolvia no âmbito de aplicação do Protocolo de Cooperação., quando o que se tratava na realidade era de negócios, como aliás foi referido ao telefone por EB, os quais, face às regras da lógica e da experiência comum, só poderiam ter tido lugar devido ao acordo entre todos os arguidos envolvidos.
246.ª Nestes termos, os factos dados como não provados a fls. 882 a 888 do Acórdão recorrido mostram-se em contradição insanável com a fundamentação dos factos dados como provados que constam de fls. 352 a 376 e com as notas de rodapé 499 e 376, nomeadamente com as sessões telefónicas indicadas, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
DA ANGARIAÇÃO DE CONTRATOS DE EXECUÇÂO G… - C… E…, SA. (C-13).
247.ª Compulsado o Acórdão recorrido, constata-se de fls. 892 que tais factos foram dados como não provados, no entanto, e ainda que parcialmente, tais factos mostram-se em contradição com os factos dados como provados a fls. 386.
248.ª E os factos dados como provados a fls. 386, ancoraram-se probatoriamente, na Sessão 1127, Alvo AF, fls. 214 e seguintes, Apenso C, sendo que nessa sessão AF (AF) ligou para AS (AS) (91…..89). AF diz que ele perguntou «como é que queria fazer chegar», que estava com algum prurido sobre como abordar a situação. Fala de um livro e de um envelope. (…) AF diz que tem que ficar logo definido quanto é que ele vai deixar nos outros, que isto que ele deixa agora, os mil, é muito pouco, que é uma coisa que não dá para nada. Diz que ele é que ganha o dinheiro e não pode ser.
249.ª Assim, e contrariamente ao que consta da nota de rodapé 577, é evidente que os arguidos na dita conversa telefónica falaram, efectivamente, em comissões recebidas (no passado) e a receber (no presente e no futuro) de MS da “C… E…” e falaram em diversos valores, nomeadamente nos mil euros (e não mil folhas) que estavam prestes a receber, como receberam e dividiram.
250.ª Aliás, e quanto a tal comissão de 1000 €, é o que resulta quer da sessão indicada, bem como das sessões 819, 1129, 1130, 1132 do Alvo 62001060)
251.ª Nestes termos, os factos dados como não provados a fls. 892 do Acórdão recorrido, bem como a nota de rodapé 577, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com os factos dados como provados a fls. 386 e com a na Sessões 1127, 819, 1129, 1130, 1132 do Alvo AF, fls. 214 e seguintes, Apenso C, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
DA ANGARIAÇÃO DE NEGÓCIO PARA BS (C-14).
252.ª Esta matéria mostra-se relacionado com os artigos 1461.º, 1462.º, 1463.º, 1464.º e 1465.º da pronúncia.
253.ª O art.º 1462.º tinha a seguinte redacção «Logo ali AF ficou interessado naquele negócio que seria a independência de BS e tratou de pensar numa forma de obter alguma vantagem económica com o mesmo.»
254.ª Tal facto foi dado como não provado, como aliás consta de fls. 893 do Acórdão recorrido, no entanto, no entendimento do Ministério Público, e face às regras da lógica e da experiência comum e atendendo ao perfil do arguido AF e ao facto de ter sido ele quem apresentou BS ao arguido EB com vista a que o mesmo colaborasse em projectos na área dos tribunais, conforme consta dos factos dados como provados a fls. 388, o plano mental arquitectado pelo arguido AF mostra-se lógico, natural e adequado à situação que lhe foi comunicada pelo arguido PE..
255.ª O art.º 1463.º tinha a seguinte redacção «Considerando que tinha sido o elo de ligação de BS e EB na concretização daquele negócio que tinha, no fundo, angariado o negócio para BS, assumiu ter direito a uma percentagem do valor global do mesmo» e ancorava, probatoriamente, na sessão 11573, alvo AF, fls. 629.
256.ª Tal facto foi dado como não provado, como aliás consta de fls. 893 do Acórdão recorrido, sendo que, como fundamentação antecipada, da nota de rodapé 868, consta que o teor da conversa telefónica evidencia que o arguido AF, em “declaração não séria”, revela interesse em receber uma percentagem sobre o valor do negócio. O que não teria sido levado a sério por BS..
257.ª O art.º 1464.º tinha a seguinte redacção «Assim, em 10 de Janeiro de 2014, AF solicitou a BS que lhe entregasse um ou dois por cento do valor que viesse a ser contratado por si com EB, dizendo-lhe – olhe que eu quero um ou dois por cento dessa merda, não quero mais (…) que eu estou aqui a dar o meu contributo, a minha força para isso» e ancorava, probatoriamente, na sessão 3642, Alvo AF, fls. 482, sendo tal facto foi dado como provado, como aliás consta de fls. 389 do Acórdão recorrido.
258.ª O art.º 1465.º que tinha a seguinte redacção «BS não aceitou tal solicitação, nem tinha sequer qualquer contrato em formação naquela ordem de grandeza», sendo que tal facto foi dado como não provado, como aliás consta de fls. 893 do Acórdão recorrido.
259.ª Por outro lado, a Motivação da Decisão de Facto do Acórdão recorrido que consta a fls. 960, e sempre com o devido respeito, carece de lógica.
260.ª Ora, não se pode olvidar que o arguido AF soube da situação através do arguido PE de acordo com o facto dado como provado a 389, o qual, por sua vez, soube da mesma através de ACN, o qual, a propósito do preço do desenvolvimento da aplicação relativa a contabilidade que pretendiam vender, contou a AF que BS estaria a vender, também, a EB uma aplicação informática para o Tribunal Constitucional preço chave na mão, pelo valor de seis ou sete milhões de euros», conversa que ancora, probatoriamente, na sessão 2969, alvo AF, fls. 435.
261.ª Assim sendo, não estamos perante uma mero conto infantil, mas sim perante uma informação recolhida no contexto empresarial, para mais junto de uma fonte muito próxima do arguido EB..
262.ª Daí que face a tal informação concreta e precisa (aplicação informática para o Tribunal Constitucional preço chave na mão, pelo valor de seis ou sete milhões de euros) e o modo como a mesma lhe foi transmitida pelo arguido PE, o pensamento que o arguido AF firmou sobre o negócio que BS teria celebrado só pode ter sido no sentido de que o mesmo correspondia à realidade e ao valor que lhe foi referenciado, daí que a análise agora feita no Acórdão recorrido de que o mesmo não passou de um negócio de tostões é que não colhe qualquer fundamentação, antes configura um raciocínio meramente especulativo e subjectivo.
263.ª Na verdade, se tivermos em conta a conversa mantida entre o arguido AF e a testemunha BS na sessão 3642, Alvo AF, fls. 482, constata-se que se tratou de um negócio real, com algum trabalho feito, nomeadamente na parte funcional e que só faltavam serem acertados aspectos formais.
264.ª Assim, da leitura e análise de tal sessão telefónica - e ainda mais da sua audição - e contrariamente ao que consta da nota de rodapé 868, não se infere de forma alguma que BS não tenha levado a sério tal conversa, aliás, tanto a levou a sério que, como veremos mais à frente, até a comentou em modo sério num “chat”com o Dr.JÁ ou Dr.CB.
265.ª Por outro lado, e quanto à argumentação do Tribunal recorrido de que o pedido do arguido AF não poder ser tido como sério, pois, o arguido AF não tinha qualquer justificação para fazer o pedido, na medida em que se limitou a apresentar BS ao arguido EB, cumpre referir que o Tribunal recorrido olvidou a posição que o arguido AF ocupava nos negócios com EB em Angola.
266.ª Ora, tal posição transparece de forma muita clara na conversa telefónica acima apreciada, nomeadamente quando o arguido AF, logo após ter pedido a percentagem no negócio, refere «eu estou aqui a dar o meu contributo, a minha força para isso», assim foi com esta posição de domínio e tutelar e também de apresentador, no contexto fáctico das funções de cooperação do IRN com Angola, que o arguido solicitou a percentagem ao BS daí que, e contrariamente à fundamentação sustentada no Acórdão recorrido, tal pedido deve ser tido como sério.
267.ª Aliás, e quanto à seriedade do pedido, não estará afastada a contaminação dessa parte da fundamentação do Acórdão recorrido devido ao apelo que o arguido AF vem fazendo desde o primeiro interrogatório judicial de arguido detido à figura jurídica das «declarações não sérias» no caso do pedido de 1% a 2% que endereçou a BS na data de 10/01/2014.
268.ª No entanto, quer tenha havido ou não essa contaminação, certo é que tal posição ou versão de apelo à figura jurídica das «declarações não sérias» não merece qualquer credibilidade não só devido ao tom sério usado pelo arguido AF, mas também devido ao contexto comunicacional em que tal solicitação directa e inequívoca foi dirigida a BS pelo arguido AF (cf. sessões 74, 3642, 5573, 11573 Alvo 62001060).
269.ª Mais, e caso subsistisse alguma dúvida a tal respeito, sempre teríamos os esclarecimentos prestados em sede de depoimento pela testemunha BS cuja transcrição de depoimento, e na parte que nos interessa consta de fls. 1328, a qual sobre tal matéria referiu que se «Recorda de um telefonema com o arguido AF, em que o mesmo lhe solicitou 1%, 2% dessa verba para ele. Referiu-se-lhe a sessão 3642 do alvo do arguido AF, na conversa de 10/1/2014, em que este disse: "Eu quero 1 ou 2%". E, já após a detenção do arguido AF, num “chat” com o Dr. JÁ ou Dr. CB, escreveu que na altura houve a tentativa de cobrança de percentagem. O que confirmo referindo não saber porque lhe foi pedida a referida percentagem. Confirmando ter trabalhado com o arguido AF, desde 2005 até 2012, como “colegas na administração pública”. Tiveram, inclusivamente, várias situações conjuntas de contratação e outras coisas importantes, nunca tinha acontecido».
270.ª A ser assim, nem sequer deste depoimento (transcrito) se evidencia que se tivesse tratado de declarações não sérias, antes pelo contrário, o que resulta do depoimento é que o arguido AF fez seriamente tal pedido, na medida em que a testemunha sentiu que o arguido tentou, efectivamente, a cobrança de tal percentagem, sendo que, e no que concerne ao crime de Recebimento Indevido de Vantagem que aqui está em causa, e que resulta provado das transcrições das intercepções telefónicas referidas, a consumação do mesmo verificou-se com a mera solicitação de vantagem indevida.
271.ª Nestes termos, a fundamentação constante de fls. 960 do Acórdão recorrido, bem como a nota de rodapé 868, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com o facto dado como provado a fls. 389, com as sessões 74, 3642, 5573, 11573 Alvo 62001060, com o depoimento da testemunha BS e ainda com as regras da experiência comum, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
EXPANSÃO DOS NEGÓCIOS PARA MOÇAMBIQUE E BRASIL (C-15).
272.ª Esta matéria mostra-se relacionada com os artigos 1467.º, 1468.º, 1469.º, 1470.º e 1471.º da pronúncia.
273.ª O art.º1467.º tinha a seguinte redacção «Concomitantemente com os factos descritos, AF tinha o interesse de expandir os seus negócios para outros países africanos que necessitassem de mão-de-obra com conhecimentos técnicos especializados e começou a efectuar contactos com o objectivo de fazer parcerias com empresas interessadas, tendo, para o efeito, a ajuda de PE que considerava ser o seu ponta de lança para África» e ancorava, probatoriamente, na sessão 6251, alvo AF, fls 531 e na 2969, alvo AF, 435.
274.ªTal facto foi dado como não provado, como aliás consta de fls. 893 do Acórdão recorrido, no entanto, em contradição insanável com as conversas telefónicas que constam das sessões 2716, 2969, 3054, 6242 e 6251 (Alvo AF), cujos sumários se encontram transcritos no corpo da motivação de recurso.
275.º Nestes termos, o facto dado como não provado «Concomitantemente com os factos descritos, AF tinha o interesse de expandir os seus negócios para outros países africanos que necessitassem de mão-de-obra com conhecimentos técnicos especializados e começou a efectuar contactos com o objectivo de fazer parcerias com empresas interessadas, tendo, para o efeito, a ajuda de PE que considerava ser o seu ponta de lança para África», a fls. 893, bem como o conteúdo da nota de rodapé 869, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com a transcrição das intercepções telefónicas reportadas às sessões 2716, 2969, 3054, 6242 e 6251 do Alvo AF, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
VÍCIOS RESPEITANTES AO NÚCLEO FACTUAL F.
VÍCIOS RESPEITANTES AOS FACTOS RELACIONADOS COM O NÚCLEO F.1. (OLI).
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A NATUREZA DA ORDEM PARA CRIAÇÃO DE POSTO OLI
276.ª O Tribunal recorrido, para além de um vício de direito a que infra se fará referência desenvolvida, incorreu numa contradição insanável da fundamentação entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação de direito, ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP para a criação de um posto OLI na China, simultaneamente, como um acto de natureza política e como um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica do MAI sobre o SEF.
277.ª Existindo uma contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.), na qual se sufraga estar-se ante um acto político não sindicável judicialmente, e a fundamentação de facto, na parte em que se dá como assente que a referida ordem se integra nos poderes hierárquicos de direcção do arguido MM (cf. fls. 427), encontra-se, assim, o acórdão recorrido ferido do vício do artº 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.
278.ª Tendo o Acórdão recorrido, ao considerar tal acto como um acto político, para assim afastar a prática de crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político, atenta a margem de liberdade da actividade de natureza política do Governo, conforme melhor se desenvolverá infra, violado as disposições dos artºs 197º, 199º da CRP e art.º 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
ERRO DE DIREITO E CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO: O PAPEL DO OLI E SEU RELEVO NA EMISSÃO DE VISTOS ENQUANTO PASSO ESSENCIAL NO PROCEDIMENTO DE OBTENÇÃO DE ARI.
279.ª Incorre o Acórdão recorrido num erro de direito, fazendo uma interpretação errada do Regime ARI e da figura legal do OLI, vício de raciocínio jurídico que inquinou todo o juízo realizado quanto à matéria de facto atinente à intenção de instrumentalização de tal cargo para o cumprimento de fins lucrativos da actividade de AF e JA, conforme infra se vai referir.
280.ª Concluindo, na “motivação de direito” (a fls. 2252-2434 e a fls. 2266-2267,) após descrever o estatuto funcional de OLI, no qual inclui a atribuição de “possibilitar o tratamento mais célere de vistos” que «Desta forma, as atribuições do OLI enquadravam-se na perfeição nas necessidades detectadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e não nas necessidades dos arguidos AF e JA»..
281.ª Ora, quanto a tal juízo incorreu o Tribunal recorrido num erro de interpretação jurídica ao concluir que a figura de um OLI em nada servia os interesses dos arguidos em matéria de ARI., e, bem assim, o que ora se analisa, numa contradição insanável de fundamentação, porquanto a obtenção de ARI se encontra dependente da prévia obtenção de visto.
282.ª Assim, bastaria atentar no procedimento de tramitação ARI fixado por Despacho do Director Nacional do SEF n.º 62/DN/2012, de 03/12/2012, uma vez complementado, a partir de 01/07/2013, com a proposta do GADR para Manual Informático ARI (cf. fls. 291- 297 Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol.), para que o Tribunal recorrido com mediana facilidade e clareza houvesse de concluir que a obtenção de ARI pressupunha sempre a prévia obtenção de um Visto Schengen junto de um posto diplomático e consular português para entrada em Portugal nos casos de os requerentes não se encontrarem em território nacional.
283.ª Aliás, se dúvidas soçobrassem no espírito do Tribunal recorrido quanto à íntima conexão dos vistos e do ARI, a mera leitura da Proposta concreta para a criação do OLI na China - Doc. 2, Busca 31 – seria, de per se, bastante para colmatar tal dúvida, uma vez que na mesma se refere expressamente como justificação para a sua criação, entre outros aspectos, “poderem aportar um importante contributo na captação de investimento directo estrangeiro - um dos objectivos estratégicos consagrados no programa do XIX Governo Constitucional. Objectivo para o qual tem em muito contribuído o regime especial de concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) que tem vindo a dinamizar em conjunto com o MNE e a AICEP desde 2012, determinando a concessão do direito de residência a investidores oriundos de países terceiros.”, bem como, constituírem “uma mais-valia na prestação de apoio técnico permanente junto da Embaixada ao nível da emissão de vistos(…)”.
284.ª Razão pela qual, concluímos, ao desconsiderar a íntima conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI, se entende que o Acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos artºs 90.º A da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/2012, de 09/08. Relativo à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento; despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012 e Manual Informático ARI vigente no SEF desde Julho de 2013; artº 32º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
285.ª Entrando, outrossim, numa contradição insanável da fundamentação ao dar como provado, em simultâneo, o papel do OLI em matéria de vistos e ao considerar que a matéria dos vistos nada concerne à matéria dos ARI´s, e, assim, à actividade de angariação de clientela chinesa para tais títulos de residência levada a cabo conjuntamente pelos arguidos AF e JA com o beneplácito e suporte do arguido MM..
DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DA ORDEM DADA POR MM A MP NO SENTIDO DE REALIZAR UMA PROPOSTA DE NOMEAÇÃO DE OLI PARA A CHINA COMO UM ACTO POLÍTICO E NÃO COMO ACTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA E DA CONTRADIÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.
286.ª Segundo o entendimento do Tribunal recorrido, plasmado a fls. fls. 2369 e ss. do acórdão, a ordem comprovadamente dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de criação de um posto OLI era uma ordem de natureza política e, por isso, insusceptível de sindicância judicial atento o princípio da separação de poderes.
287.ª Ora, entre o Ministro da Administração Interna e o SEF intercede uma relação de dependência hierárquica (art.º 1.º do DL n.º 252/2000, de 16 de Outubro, alterado pelo DL n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro), e não de tutela administrativa (a qual pressupõe a existência de duas entidades colectivas distintas, o que, no caso, não se verifica, sendo o SEF um serviço da administração directa do Estado).
288.ª A ordem verbal dada pelo Ministro MM ao Director Nacional do SEF no sentido de realizar uma proposta administrativa de criação de um posto OLI não é um acto político, mas sim um acto informal e verbal compreendido nos poderes administrativos de direcção do MAI sobre o SEF, nomeadamente enquadrável no artº 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
289.ª Tal ordem não exprime, nem em substância, nem em forma, qualquer opção sobre os interesses gerais da colectividade, antes se destinando a promover (na leitura do Ministério Público, ilegalmente, porque de forma não isenta e imparcial, mas refém de interesses de natureza particular) um procedimento administrativo, espoletando-o, de forma sub-reptícia, através da criação da aparência de espontaneidade de uma necessidade de cariz administrativo: nunca um Director Nacional do SEF poderia praticar, executando, um acto político, pelo que a ordem (informal) destinada à execução de tal comando não poderia jamais haver-se como acto político, ainda que, a final, caso viesse a ter acolhimento pelo MAI pudesse dar origem a uma opção de natureza política, nomeadamente a alteração das prioridades políticas quanto aos postos OLI então criados por despacho conjunto n.º 189/2005, então em vigor, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Ministro das Finanças e publicado no DR, II S, de 04/03/2005.
290.ª Ainda que pudesse pretender-se que a opção pela criação de um novo posto OLI, e a ordem do arguido dada para espoletar tal procedimento, se encontrasse inserida na «Reserva de administração não sindicável jurisprudencialmente», a qual, para lá do conceito estrito de actos políticos, nos termos do n.º 1 do art.º 3.º do CPTA, integra uma zona da actividade fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais (designadamente administrativos), em tal zona, todavia, não são excluídos, nos termos do mesmo artº 3º, os poderes de cognição dos tribunais no que tange à vinculação da Administração por normas e princípios jurídicos.
291.ª Ou seja, ainda que a conveniência ou oportunidade da actuação da Administração, designadamente a conformidade ou não da sua actuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que a administração visa satisfazer com a sua actuação, se encontrem subtraídas à apreciação jurisdicional, já o mesmo não sucede quanto se detectar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, enunciados no n.º 2 do art.º 266.º da CRP.
292.ª Ora, conforme a propósito da impugnação da matéria de facto se dirá, a “escolha” ou “opção” em causa, ao ser norteada pela necessidade de satisfação de interesses particulares de indivíduos ligados por interesses comuns negociais, violou exactamente o princípio matricial da prossecução do interesse público e da imparcialidade que devem nortear a actividade administrativa.
293.ª Ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP como um acto de natureza política, e não um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica, o Acórdão recorrido, violou as disposições dos artºs 197.º, 199.º da CRP e art.º 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
294.ª Sendo que, igualmente, quanto à mesma matéria, incorreu numa contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.) e a fundamentação de facto, na parte em se dá como assente a prática de acto integrado nos poderes hierárquicos de direcção do arguido MM (cf. fls. 427).
VÍCIOS RESPEITANTES AOS FACTOS RELACIONADOS COM O NÚCLEO ILS/VISTOS (F.2.)
295.ª Quanto ao Núcleo ILS/Vistos (F2), o Tribunal recorrido incorreu em vários vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, como os que a seguir exemplificativamente se irão indicar.
296.ª Quanto à subtracção de competências dos Gabinetes Regionais fixada pelo art.º19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47.º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000: O Tribunal recorrido deu como não provado, quanto a actos de subtracção da competência das Direcções Regionais do SEF quanto à instrução de pedidos de visto, a fls. 912 e 914, tais actos de subtracção.
297.ª No entanto, e quanto à mesma matéria de facto, em sentido diametralmente oposto o Tribunal dá como provado, a fls. 439, 445, 448-449; 452-453, a determinação por MP de actos de avocação das competências legais das Direcções Regionais do SEF, em matéria de verificações de segurança e parecer do SEF em matéria de vistos da ILS, as quais atribuiu ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais (GADR), gabinete que funciona junto da Direcção Nacional e sem competência legal em tal matéria. .
298.ª No que respeita a actos de impulso do procedimento no interesse da ILS levados a cabo por MP sem qualquer requerimento/intervenção formal da ILS: A fls. 912-913, deu como não provado, quanto a actos da iniciativa de MP no interesse da ILS o seguinte facto: «Também actuando em execução do que lhe havia sido determinado pelo arguido MM e no interesse da arguida "ILS,–Área da Saúde, Ldª.", em 9 de Agosto de 2013, em violação do princípio da imparcialidade que rege a actividade pública administrativa, substituindo-se em tal iniciativa à própria empresa».
299.ª Para, ao contrário, a fls. 436 haver dado como provado uma prática, em matéria de Vistos de Estada Temporária, da iniciativa dos particulares: “Com vista à apresentação do projecto negocial e suas especificidades e mediante iniciativa dos privados com interesses negociais na Líbia, foi desenvolvida uma prática de realização de reuniões de enquadramento prévio na Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, com a presença de elementos do SEF, SIS e autoridades policiais».
300.ª E a fls. 439, quanto à mesma matéria, dá como provado, em sentido oposto, referindo-se a actos de impulso de MP: «Diligenciou junto da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas pela marcação de reuniões do interesse da arguida ILS…».
301.ª E, bem assim, a fls. 441 dá como provado, referindo-se ao pacote de medidas disponibilizado pelo arguido MP quanto à ILS: «Aceitar aprioristicamente uma mera declaração de boa conduta a emitir pelo Ministério da Saúde Líbio em substituição da certidão de registo criminal, independentemente da prévia e casuística indicação e justificação pela arguida “ILS…” da impossibilidade prática de obter tal elemento junto das autoridades líbias competentes».
302.ª A fls. 449, dá ainda como provado: “Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, o arguido MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do SEF quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da ILS». (Ao invés do facto da pronúncia: «Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, nas palavras do Embaixador JMC, para fazer diligências em favor da ILS, MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do SEF quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da ILS»).
303.ª No que respeita à dispensa (ilegal) de seguro por um período igual ao do visto de estada temporária, a fls. 913-914 dá como não provado:
«Na qual o arguido MP, actuando com o aval do arguido MM, e após prévia concertação com o arguido JA, propôs medidas excepcionais. Com efeito, o referido tratamento disponibilizado pelo arguido MP à arguida "ILS,– Área da Saúde, Ldª." revelava-se violador as seguintes disposições legais imperativas (…) artigo 52.º n.º 1 alínea f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigo 12.º n.º 1 alínea e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do artigo 54.º n.º 2 da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias.
Alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.”
304.ª A fls. 441., pelo contrário, dá como provado, quanto ao pacote de medidas aprovado por MP:
«Aceitar como válida e suficiente para a emissão de um parecer positivo pelo Serviço de Estrangeiro e Fronteiras uma apólice se seguro por 90 dias, ao invés dos 120 dias legais correspondentes ao período de validade do visto de estada temporária para tratamento médico.»
305.ª Ora, tal, integra uma insanável contradição entre os factos e a sua qualificação jurídica quanto a uma prática violadora da lei.
306.ª Quanto ao Núcleo ILS/Vistos (F2), o Tribunal recorrido incorreu, ainda, em vários de erro notório na apreciação da prova, como os que a seguir exemplificativamente se irão indicar:
307.ª O Tribunal recorrido, quanto ao acordo estabelecido entre JA e PLC, dá como assentes os factos descritos a fls. 436 e ss. e também, quanto à «motivação de direito», no que respeita ao arguido JA, a fls. 2284 e ss, sendo que quanto à apreciação que no Acórdão recorrido é feita do e-mail trocado entre os arguidos JA e PLC de Agosto de 2013 (cf. fls. 133, Ap. O)) e, especialmente no que à actividade de exegese encetada pelo Tribunal recorrido quanto à palavra «facilitador» , diremos que não podemos estar mais em desacordo com a leitura realizada de tal meio de prova à luz das regras de interpretação (art.º 9.º do Código Civil), das regras civilísticas da interpretação das declarações consagradas no art.º 236.º do CC, e à luz da experiência comum.
308.ª No que concerne à análise feita no Acórdão recorrido ao significado da palavra «facilitador» a mesma encerra um erro notório na apreciação da prova, uma vez que omite que a determinação do significado de uma dada palavra, enquanto actividade hermenêutica judicial, haverá necessariamente de atender ao valor literal da palavra, mas também ao seu valor de uso e ao contexto concreto em que foi proferida.
309.ª Como bem lembra a jurisprudência do STJ: «Não se requer que o julgador, ao ter como preenchida a factualidade integradora de um crime ou, melhor, ao fazer a análise da prova, tenha que partir da literalidade das palavras. O que importa é o sentido das palavras». (Ferreira Vidal, Ac. STJ de 21/12/94, Pº 047195)
310.ª O Tribunal, ao não apreciar tal expressão, no contexto em que foi proferida, efectuando uma análise desgarrada da restante prova produzida, nomeadamente o e- mail de fls. 37, Ap. O), AP. F, sessão 2755, alvo 66799040., fls. 146; cf. Ap. F sessão 2760, Alvo 66799040, fls. 150 – cujo conteúdo é dado como assente a fls. 451 dos autos - o tratamento concreto dado à ILS no procedimento dos Vistos; as cautelas usadas por PLC no email no qual fala de actividade de facilitação, incorreu num erro notório na apreciação da prova.
311.ª Não sendo possível, ante o uso das regras da experiência comum, assacar, no referido contexto, qualquer outro sentido à expressão «facilitador» que não o de um agente agilizador de procedimentos na obtenção de vistos, tendo tal actividade sido acordada na previsão da adopção de condutas violadora das normas e procedimentos, atenta a forma sub-reptícia e não contratualmente formal como foi acordada entre os arguidos.
312.ª Pelo que quanto ao conteúdo das comunicações interceptadas e apreendidas em causa, seu sentido e alcance, o Tribunal recorrido incorreu num manifesto erro notório na apreciação da prova, sendo que tal e-mail e a sua compreensão se revelam cruciais para atestar um acordo de tráfico de influência que foi formalizado entre as empresas dos arguidos por contrato datado de 02 de Setembro de 2013, o qual deu origem aos pagamentos dados como assentes.
313.ª Reforçando, ainda, tal leitura dos factos aponta a análise contabilística da empresas de JA (JA), a qual o Tribunal recorrido nem sequer faz referência na análise que (não) faz da prova produzida e meramente listada/enumerada no Acórdão recorrido. (Cf. Relatório DISIFAE, Ap. DCIAP C2 , fls. 28-30, quanto à análise da estrutura de despesas da JAG da qual não resultam quaisquer despesas associadas à actividade logística formalmente contratada)
314.ª Quanto à conclusão feita no acórdão no sentido da não discriminação positiva de tratamento entre a ILS face a outros operadores, o Tribunal recorrido apreciou a conduta de MP considerando que a mesma em nada se distinguiu da prestada a outros operadores e que, no caso da dispensa de seguro por tempo igual ao da duração do vistos se trataria de uma solução que, ainda que inovadora, se fundava num parecer técnico. e que a dispensa de CRC era uma solução juridicamente defensável. (fls. 2271).
315.ª Em tal apreciação, o Tribunal omite vários pontos da matéria de facto dados como assentes, designadamente os factos já acima referidos de impulso e proactividade de MP ao invés da normal iniciativa dos particulares; o pacote completo proposto ao MNE por MP no caso da ILS: proposta de aposição de vinhetas no aeroporto», a aceitação apriorística de declaração de boa conduta ao invés do CRC independentemente da alegação casuística pela empresa da impossibilidade de obter CRC; seguro por 90 dias ao invés dos 120 dias legais (cf. Fls. 440 e 441 da matéria provada).
316.ª Quanto às reacções do MNE plasmadas em documentação oficial (nomeadamente correio diplomático) do MNE apreendida nas buscas efectuadas à DGAC- designadamente a fls. 441 a 443 dos autos, as quais apontam para um tratamento de favor dispensado à ILS pelo SEF, com o aval da tutela, o Tribunal desvalorizou tais reacções referindo que se tratariam de meros “comentários paralelos” de quadros intermédios do MNE, desvalorizando, igualmente, um juízo do Embaixador JMC, responsável máximo pela DGSCCP, referindo que, com base num parecer disponibilizado por MP, viria a aceitar a solução relativa ao seguro que anteriormente reputara de ilegal.
317.ª Ora, salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal recorrido ao realizar tal juízo probatório, o qual, no entender do Ministério Público, revela-se realizado ao arrepio das regras da experiência comum (para além de desvalorizar a prova produzida em inquérito, em diligência presidida por magistrado e confrontada em audiência, mormente as declarações dos visados pela apreciação realizada, nomeadamente o depoimento da testemunha JMC devidamente transcrito no Acórdão Recorrido).
318.ª Qualificar posições expressas em documentos oficiais, nomeadamente correio diplomático do MNE, como «conversas paralelas», como se de mera conversa de café se tratasse, é, no mínimo, revelador de uma insensibilidade ou desconhecimento relativo ao mundo institucional e desconforme à realidade da vida diplomática e aos cuidados de trato e conduta (mormente quando plasmada em escritos) pela mesma exigida.
319.ª Por outro lado, desvalorizou o Tribunal recorrido um facto não despiciendo que deu como assente, é que o Embaixador JMC (como melhor resulta do seu depoimento mas também dos factos provados) tomou a posição de aderir à proposta do SEF, ao contrário da sua posição técnica inicial expressa por escrito, apenas após haver exigido uma posição expressa do SEF, a qual veio a assumir a forma de «parecer técnico» disponibilizado pelo arguido MP, entendendo (ou defendendo-se deste modo, melhor seria dizer) que a matéria em causa era mais de natureza securitária que de política externa ou diplomática.
320.ª Esqueceu igualmente o Tribunal recorrido de valorizar o facto de o «parecer técnico» ter sido elaborado por determinação por MP e de acordo com pressupostos por si previamente indicados.
321.ª Esqueceu ainda o Tribunal recorrido de considerar que, ao fazê-lo, o arguido MP omitiu expressamente à técnica que tipo de situação se trataria e qual a duração concreta do visto, no caso, tendo o parecer sido emitido na pressuposição de que o seguro seria equivalente ao tempo do visto, e que se trataria de um visto emitido por apenas três meses (cf. conforme matéria que deu como provada a fls. 443 )
322.º Não se tratando a matéria do seguro de uma questão técnica de somenos importância que um qualquer funcionário decidisse resolver (para mais sem solicitação da interessada) em tal sentido contrário á lei porque, nas palavras do Tribunal recorrido, «naturalmente, alguém pensou que não fazia sentido fazer um seguro por 120 dias quando a permanência dos doentes líbios em território nacional não ultrapassava os 90 dias».
323.ª Sendo que, na prática, para além da poupança criada para a ILS, foi assim criado um risco para o Estado Português: no caso de a permanência em Portugal se arrastar por mais tempo que os três meses (por exemplo por complicações médicas supervenientes), inexistindo seguro, era o Estado Português quem assumia os custos do repatriamento.
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA QUANTO À MATÉRIA DOS VISTOS (F2): CRIME DE PREVARICAÇÃO E DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA.
324.ªO Tribunal, na sua motivação, a fls. 2272, 2273 e 2372, conclui que a factualidade apurada, quanto à conduta do arguido MM, e aos actos de comparticipação de MP, não se poderiam subsumir ao Crime de Prevaricação, porquanto não ficou provado que tenham influenciado o sentido da decisão, que os mesmos não tinham competência decisória na matéria dos vistos, e, ainda, porque a intervenção de MM intervenção foi pontual e residual; não sendo alvo de censura que MP recebesse particulares, não tendo, ainda ficado provado qualquer pacto entre ambos, ainda, que MP tivesse recebido dinheiro.
325.ª A referida análise da prova dos autos e sua recondução ao crime de prevaricação de titular de cargo político funda-se numa errónea compreensão do tipo de crime.
326.ª Uma correcta compreensão do tipo legal facilmente permitiria ao Tribunal concluir que se subsume à respectiva previsão a indiciada conduta de um Ministro que, postergando princípios gerais regentes de toda a actividade da administração pública, nomeadamente da prossecução do interesse público (cfr. Art.º 4.º do CPA) e da igualdade (art.º 5.º do CPA), pratica actos, mediante ordens e instruções dadas a um seu subordinado hierárquico, mediante as quais são dispensadas a uma empresa um tratamento excepcional e ilegal.
327.ª Bastando que essas ordens sejam proferidas para efeitos da condução do processo de forma ilegal ou contrária aos princípios de igualdade e imparcialidade que regem a actividade administrativa, sendo, assim, absolutamente espúrias as considerações acerca da competência decisória a atribuição dos vistos.
328.ª O SEF tinha competências próprias no seio do procedimento e foram estas que foram instrumentalizadas, conforme decorre da matéria dada como assente (relembrando o que acima se referiu quanto à manifesta contradição do acórdão no que respeita às ilegalidades praticadas).
329.ª Resumindo, e apenas de acordo com a matéria dada como assente pelo Acórdão recorrido: a avocação ilegal das competências dos Departamentos Regionais para a emissão do parecer; a emissão de pareceres positivos mediante uma lista nominativa de requerentes eivadas de erros e omissões e documentos sem validade; a tomada de iniciativa (sem impulso do particular) quanto à disponibilização de um conjunto de medidas de natureza excepcional e independentemente da alegação de dificuldades na obtenção de documentação obrigatória, designadamente a substituição do CRC por uma declaração de boa conduta; a aceitação de um seguro por um prazo inferior ao legal; a aposição de vinhetas de visto no aeroporto. (cf. Fls. 440-441; cf. 448-449, da matéria de facto provada)
330.º Relativamente a esta última medida (proposta por MP ainda que não concretizada), note-se (conforme decorre expressamente da posição escrita assumida pelo Embaixador JMC e citada no acórdão) que a mesma assume natureza excepcionalíssima, apenas prevista na lei para situações imprevistas, humanitárias e de interesse nacional (ex: crise de refugiados e desmantelamento total das instituições, situação que sucedeu, por exemplo, excepcionalmente para Estudantes Sírios), atentos os riscos securitários que comporta e, ainda, os custos para o erário público que da mesma decorrem potencialmente (monitorizações de embarque pelo SEF no aeroporto de partida; possibilidade de o Estado ter que suportar custos de repatriamento no caso de recusa de visto à chegada) (cf. 67.º, 68.º da Lei 23/2007, 41.º e 42.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03).
331.ª Conforme se referirá em sede de impugnação da matéria de facto, o referido tratamento dispensado à ILS, para além de ilegal, foi igualmente discriminatório ante outras empresas, ao contrário do afirmado no Acórdão.
332.ª Não é, assim, pressuposto do tipo de crime a prática de qualquer acto decisório, bastando a condução de processo contra direito, única conduta que foi imputada e dada como assente, sendo, assim, espúrias as considerações realizadas no Acórdão recorrido à entidade decisória.
333.ª Ora, apesar de inexistir prova directa do sentido concreto das ordens dadas pelo arguido MM ao arguido MP, a verdade é que tal conteúdo se extraí necessariamente das regras da experiência comum ante a restante prova directa produzida, por funcionamento das regras da prova indirecta, como também das mesmas resulta o elemento subjectivo do ilícito.
334.ª Ordens que, explicite-se, não foram dadas numa relação de tutela administrativa (como pretende o Acórdão recorrido), mas antes de hierarquia administrativa, ou seja, no âmbito das competências formais e legais do MAI sobre o SEF, no âmbito de poderes de direcção de natureza administrativa.
335.ª Todas as medidas que o arguido MP adoptou na condução do procedimento (quer as de 2013, quer as de 2014, após o encerramento da Embaixada), o foram após a intervenção de MM, intervenção que diríamos discreta, é certo, mas adequada causalmente à produção do efeito alcançado atenta a relação de hierarquia existente e a personalidade subserviente de MP evidenciada pela prova, nomeadamente pelas suas próprias declarações prestadas na fase de inquérito ao Ministério Público.
336.ª É que, relembramos, apesar de pouco aparatosa, não deixou de ser notada no seio do MNE. Lembrando a propósito, aquilo que, na data de 14 de Setembro de 2013, LGS, Director da Direcção de Vistos e Circulação de Pessoas da DGACCP, a propósito do pacote de medidas de excepção proposto por MP ao MNE, transmitiu à Embaixadora IP acerca de haver resultado da conversa com o SEF «claro o interesse político da parte da tutela do SEF em facilitar o negócio da ILS, não descartando algumas medidas muito excepcionais.» Facto dado como assente.
337.ª Considerando, ainda, o recorte legal do Crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político, não se descortina qual a pertinência das observações realizadas no Acórdão recorrido acerca de factos nunca imputados aos arguidos, nomeadamente acerca da prova do recebimento de vantagens, pois caso tal matéria estivesse sob discussão probatória estar-se-ia ante condutas corruptivas e não ante o crime imputado o qual não exige quaisquer contrapartidas.
338.ª Ora, o procedimento foi conduzido por MP, após intervenção hierárquica de MM, em moldes contra o direito, nomeadamente em moldes contrários às seguintes disposições legais: Art.ºs 67º e 68º da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, art.ºs 41º e 42º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, os quais fazem reconduzir a competência do SEF e MAI, respectivamente, para a emissão de vistos em postos de fronteiras a situações de natureza excepcional, imprevistas e de impossibilidade de solicitação de visto à entidade competente (art.º 67º), razões humanitárias ou de interesse nacional (art.º 68º); Art.º 52, n.º 1, al. f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, art.º 12º, n.º 1, al. e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do art.º 54º, n.º 2, da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias; Alínea c) do n.º 1 do art.º 12º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.; Art.ºs 19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11, os quais conferem competência às Direcções Regionais do SEF para as verificações de segurança, e não ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais que funciona junto da Direcção Nacional do SEF.
339.ª Se dúvidas houvesse quanto à leviandade dos procedimentos adoptados, e sua natureza excepcionalíssima, poderia o Tribunal recorrido ter sido alertado para o facto dado como provado que as «verificações de segurança» levadas a cabo pelo GADR, após o encerramento da Embaixada da Líbia, o foram com base numa «listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro» (cf. fls. 452 da matéria provada), isto, relembre-se, apesar de a Líbia ser considerado país de risco a nível internacional. (cf. anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.; ver também acerca da situação de insegurança da Líbia em 2013 e 2014 os Relatórios Anuais do Conselho de Segurança das NU, listas de sanções in https://www……………………… aq_sanctions_list; ou o site http://………………………………….. index_en.htm).
339.ª Pelo que quanto à referida matéria, e atenta a factualidade dada como assente, deveria o Tribunal haver dado como provados os factos integradores do referido crime de prevaricação de titular de cargo político praticado em co-autoria por MM e MP, não o tendo feito por manifesto erro na apreciação dos factos e da prova, o que inquina o acórdão do vício do artº 410º, nº 2 , al. c).
340.ª Quanto ao Crime de Tráfico de Influência (imputado a JA, como vendedor, e a PLC, como comprador), refere-se no Acórdão recorrido a fls. 2394 e ss., após desvalorizar a troca de correspondência electrónica entre ambos na qual falam da actividade de facilitação no procedimento de obtenção de vistos, que: «Desta forma, os factos provados não permitem concluir que a oferta do arguido JA foi para usar da sua influência para obter uma decisão favorável aos interesses do arguido PLC e da arguida "ILS, -Área da Saúde ".»
341.ª E, ainda, que «a influência com relevância jurídico-penal tem de ser exercida directamente sobre o decisor e não exercida sobre terceiro ou terceiros que, por sua vez, tenham capacidade de conseguiu influenciar o decisor» (fls. 2400)
342.ª Tal apreciação da prova ancora, para além de um erro notório na apreciação da prova já acima referido, numa errónea compreensão do tipo de crime de tráfico de influência.
343.ª No crime de tráfico de influência a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais - salvo o respeito devido pela opinião contrária- da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal, não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público.
344.ª Independentemente da posição sufragada quanto ao bem jurídico tutelado, releva é que a consumação do crime de tráfico se consuma independentemente de qualquer exercício efectivo de influência, bastando à sua consumação um pacto de venda de uma influência real ou suposta sobre um decisor público, e independentemente de essa influência se vir ou não a exercer, e a fortiori, se de forma directa ou indirecta (aliás, quanto a esta questão da influência directa ou indirecta dir-se-á que “ ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”)
355.ª Ora, no caso, a matéria de facto a apreciar a fim de saber se subsumiria ao tipo de crime era, exactamente e tão só, a do acordo estabelecido entre JA e PLC, e quanto ao mesmo, como supra dissemos, reproduzindo aqui o já referido, fez o Tribunal recorrido no entendimento do recorrente uma apreciação probatória errónea ante os factos dados como assentes (mas também face à prova produzida e não valorada correctamente tendo em conta as regras da experiência comum).
356.ª Assim, a tal respeito, como já acima dissemos, ficou provado um acordo formal e um acordo informal, do qual, recorde-se, era objecto pagar aos facilitadores, bem como a realização efectiva de pagamentos no âmbito da execução de tal acordo.
357.ª Ficaram, outrossim provadas «démarches» de JA junto de MM a que se sucederam contactos deste com MP e a adopção por este de condutas de condução do procedimento desconformes à lei com vista à satisfação excepcional dos interesses comerciais da ILS..
358.ª Face ao regular funcionamento das regras da prova directa e da prova indirecta, e ao uso correcto da apreciação da prova, não se divisa, pois, fora do contexto de um erro notório na apreciação da prova, como não haver como provados os elementos objectivos e subjectivos do crime ante uma correcta interpretação do tipo legal pertinente
359.ª Razão pela qual deveriam os arguidos JA e PLC ter sido condenados pelo crime de tráfico de influência imputado, só não o tendo feito o Tribunal por haver incorrido num erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº2, al. c) do CPP)
VÍCIOS RESPEITANTES AOS FACTOS RELACIONADOS COM O NÚCLEO F.3. (IVA).
360.ª Relativamente ao núcleo F3 (IVA-ILS), o Tribunal recorrido, para além da falta de fundamentação e de análise crítica da prova em que incorreu (conforme infra se referirá a propósito das nulidades do acórdão), fez uma notória apreciação errónea da prova, no cotejo com o tipo legal, e, ainda, uma errónea interpretação do tipo legal de Crime de Tráfico de Influência como acima, aliás, já se referiu quanto ao núcleo dos Vistos Líbios (F2).
361.ª Tais vícios decorrem, logo, ínsitos, naquilo a que o Tribunal chamou “ Motivação de Facto”, a fls. 963 e ss, na qual fez consignar o Tribunal que: “Relativamente à questão do processo de pedido de reembolso de IVA a tese da acusação/pronúncia assentava num comportamento do arguido MM que se provou não ser real. (…)Também neste caso a intervenção do arguido MM foi residual e inócua.”
362.ª E ainda que: «Todo o processo de reembolso do IVA foi resolvido de forma regular no interior dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira e sem intervenção de qualquer entidade terceira – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria.»
363.ª Ora, tal conclusão denota, uma vez mais, uma errónea compreensão dos factos imputados e até dos factos dados como provados no cotejo com o recorte típico do crime de Tráfico de Influência relativamente ao qual já nos pronunciámos no ponto relativo aos Vistos Líbios.
364.ª Com efeito, nunca a tónica do crime poderia estar na actuação de MM, mas sim no acordo indiciariamente firmado entre PLC e JA, desta feita com vista ao exercício de influência junto da ATA, nomeadamente do SEAF a fim de que este, no exercício dos seus poderes hierárquicos sobre a AT (cf. Delegação de Competência da Ministra das Finanças - por Despacho nº 9783/2013, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 142, de 25/07/2013, quanto ao exercício dos poderes de direcção, substituição e revogação sobre a Autoridade Tributária, enquanto serviço que integra a administração directa do Estado sob a alçada do Ministério das Finanças) pudesse condicionar a decisão no âmbito do processo inspectivo em curso num sentido favorável aos interesses da ILS..
365.ª Ora, a descrição da conduta anómala e ilegal da ATA nesta matéria, não sendo, todavia, integrante do tipo de crime (a cujo preenchimento basta o acordo), ilumina (em termos de funcionamento da prova indirecta) o juízo indiciário que se impunha realizar acerca do conteúdo e escopo de tal acordo e sentido da intervenção dita «residual» e «inócua» de MM..
366.ª O que importava ao Tribunal recorrido apreciar era se teríamos como assente uma conduta de MM, subsequente à intervenção de JA, bem como, sequencial e causalmente, do SEAF e da ATA susceptível de permitir inferir logicamente tal acordo, seus termos e escopo, e a adesão ao mesmo.
367.ª Ora, no entendimento do Ministério Público, os factos dados como provados permitiam fazer essa inferência, sem margem para dúvidas razoáveis, sendo certo que inexiste, ao contrário do encetado fazer pelo Tribunal recorrido, um quadro indiciador contraditório que permita infirmar a tese da pronúncia à luz do funcionamento das regras da experiência feitas funcionar no nosso contexto cultural, social e institucional.
368.ª Com efeito, a contra-tese de que estaríamos apenas ante uma abertura da administração pública ao cidadão-contribuinte é, a todos os níveis, uma efabulação que nem num país do norte da Europa lograria convencer o Tribunal mais crédulo.
369.ª Perguntamos: qual é o Estado cujos Secretários de Estado determinam o acompanhamento informal (não plasmado em qualquer documentação oficial), a par e passo, o aconselhamento e a monitorização, por membro do seu gabinete, de um contribuinte e de um procedimento administrativo no qual o mesmo é interessado e que, aparentemente, decorreria sem entraves de maior? Se tal procedimento de atendimento e reuniões personalizadas eram tão comuns, porque precisou a ILS da intermediação de JA e de MM para promover tal encontro entre a sua estrutura empresarial e o SEAF? Mais, se um qualquer contribuinte for alvo de uma acção inspectiva na qual nada de anómalo aparentemente ocorra (a não ser a hipótese de uma divergência com a posição da AT) poderá ter reuniões com o SEAF e este determinará o seu «coaching» personalizado por um membro do seu gabinete, sugerindo procedimentos e actuações possíveis nas suas interacções com a Administração Fiscal, como se de um consultor fiscal se tratasse? Não haverá, porventura, em tal conduta um conflito de interesses com os interesses do próprio Estado? Se tal conduta não se justificar de um ponto de vista de discriminação positiva, não se estará perante uma violação dos princípios da igualdade e imparcialidade que, nos termos do CPA, devem pautar toda a conduta administrativa?
370.ª Estas perguntas, parece-nos, não assomaram, como deveriam, ao espírito do Tribunal recorrido e isto apesar de haver dado como assentes factos que as suscitariam a qualquer espírito atento.
371.ª Ora, quanto às vantagens recebidas por JA e oriundas de PLC contemporâneas do procedimento da ATA e da actuação de influência imputada aos arguidos JA e MM, as mesmas, obviamente, deveriam ter sido observadas pelo Tribunal recorrido no contexto da actuação deste e não desgarradas de outras considerações.
372.ª Aliás, uma das considerações contextuais que merecia ter sido realizada era a da prova enunciada no próprio acórdão e que não mereceu qualquer reflexão crítica, nesta sede, nomeadamente a análise à contabilidade das empresas de JA, a fim de perceber a falta de justificação contabilística de tais entradas de dinheiro, nem que fosse com um mero contrato formal que justificasse tais movimentações (como sucedeu com os Vistos e a JAG). (cf. Apenso DCIAP C2- Relatório DSIFAE, fls. 28/30 (ILS/JAG); fls. 33-39 (PARS; JAG; AGE))
373.ª Designadamente, deveriam tais movimentos ter sido observados à luz de uma indiciária reiteração de conduta, ante o que sucedeu com os Vistos da ILS, à luz de um padrão de comportamento anti-nornativo que, aliás, deveria ter sido analisado tendo por pano de fundo as parcerias negociais de JA e MM, às quais, como dissemos, o Tribunal recorrido pura e simplesmente, não dispensou um minuto de reflexão probatória conforme decorre patente no processo de fundamentação decisório respectivo a que infra se fará referência.
374.ª No que respeita a uma versão «simplex» do aparelho de Estado, nomeadamente ao nível da sua cúpula, a nossa leitura das regras da experiência comum, infelizmente para nós enquanto meros cidadãos e contribuintes, não podem estar mais nos antípodas da leitura feita pelo Tribunal recorrido: não é, de todo, comum ou normal (ainda que, em tese, desejável, não fosse a impossibilidade prática de uma tal conduta ser adoptada com observação de critérios de igualdade para todos os contribuintes) que um SEAF acompanhe e determine o acompanhamento do tipo daquele que foi disponibilizado à ILS por parte do «staff» do seu gabinete.
375.ª No que respeita à qualificação da actuação do SEAF e JT como uma conduta de mera «observação passiva» (e diríamos nós, candidamente, com que finalidade pública um assessor de gabinete observaria o normal desenrolar de um procedimento administrativo?), entendemos que os factos dados como assentes a fls. 454 e ss. do Acórdão recorrido estão longe de se subsumirem a tal passividade, apodando, assim, nesta sede, de manifestamente errónea tal conclusão do Tribunal recorrido.
376.ª Sendo contrárias à referida matéria de facto as conclusões realizadas pelo Tribunal, quanto à matéria em apreço, a fls. 2324, 2375 e 2400 da motivação de direito. Conclusões que estão longe de aderir a uma valoração correcta dos factos dados como assentes, integrando um erro notório na apreciação da prova e uma errónea compreensão do tipo de crime de tráfico de influência.
377.ª Desde logo, e quanto à compreensão do tipo legal de crime, se dirá que não teria que ficar provado o exercício efectivo de influência pelos arguidos JA e MM, o que haveria sim que haver por indagado (o que o Tribunal não fez) era antes se o arguido MM com a sua conduta prestou ou não auxílio essencial ao arguido JA, dando credibilidade à sua promessa de influência, a qual, desde que verificada, dispensa tipicamente a sua concretização.
378.ª Ora, este relacionamento entre ambos, e o papel que essa relação significava para PLC no contexto de tal possível acordo é que não foi apreciado criticamente pelo Tribunal recorrido.
379.ª Assim, os factos provados, demonstram à saciedade, uma expectativa de APM e de PLC no sentido de que “os parceiros de JA”, com quem reuniram, tivessem encetado uma qualquer actividade que resultasse numa decisão favorável à ILS no âmbito do procedimento. Uma actividade que passava não por uma solução de natureza técnica, mas uma “solução política”, para a qual tinham, aliás, que ganhar tempo a fim de alcançar os seus objectivos (reproduzindo as palavras dos próprios dadas como assentes na matéria de facto pelo acórdão recorrido).
380.ª Por outro lado, conforme acima dissemos, os actos pontuais e cirúrgicos de MM foram o bastante para criar a ponte com a cúpula hierárquica da entidade decisória, donde, inexistindo qualquer outra via de acesso à mesma, segundo regras de normalidade, não se poderia considerar tal comportamento de inócuo.
381.ª Cúpula que, da matéria assente (apesar de se não haverem dado como assentes todos os factos imputados na pronúncia), reuniu, aconselhou, analisou documentação remetida pela ILS, estabeleceu contactos vários com os técnicos da ATA, nomeadamente fazendo-se notar durante o decurso de uma acção inspectiva às instalações da contribuinte, mediante um telefonema efectuado por JT o qual foi dado conhecimento ao técnico.
382.ª Cúpula que, aliás, teve conhecimento de que um dado pedido de prorrogação de prazo feito pela contribuinte à AT foi realizado tendo por base uma inveracidade: a espera de um documento que já se encontrava na posse do contribuinte e cujo conteúdo e data recepção foi oportunamente transmitido a JT..
383.ª Estamos, assim, salvo o devido respeito, muito longe de um cenário de mera observação passiva de um procedimento administrativo a desenrolar-se em normalidade e liberdade de actuação técnica, como é a leitura do Tribunal recorrido.
384.ª Ao invés desse procedimento de normalidade, o que ficou provado foi antes um procedimento no qual a AT inverteu o curso de um processo decisório, o qual se encaminhava para considerar infundada a não cobrança de IVA e o pedido de reembolso efectuado pela ILS, com base numa declaração supostamente emitida pelas autoridades líbias relativamente à qual possuía vários elementos para suspeitar da respectiva falsidade, designadamente as características da mesma; a minuta encontrada nas instalações da contribuinte; a discrepância entre o pedido de prorrogação e a data da recepção da declaração; a falta de certificação, nos termos legais, da referida declaração.
385.ª Uma declaração que, para além do mais, conforme decorre dos factos que o Tribunal recorrido omitiu erroneamente apreciar e integrantes da ilicitude do procedimento da AT e respectiva decisão final (cf. fls. 1946 e ss.):
“Não continha os elementos mínimos exigidos na prática administrativa da Direcção de Serviços de Reembolso da Autoridade Tributária para a certificação de tal qualidade de sujeito passivo no âmbito do exercício do ónus da prova para efeitos de reembolso de IVA. ”Certificado este que, de acordo com orientações internas da Direcção de Serviços do IVA, para tal comprovação na falta de número de contribuinte ou de outros elementos obtidos das autoridades fiscais do país terceiro. “Não estando, assim, conforme à prática administrativa da Autoridade Tributária e às instruções quanto a tal matéria plasmadas pela Direcção de Serviços do IVA no Ofício Circulado n.º 30115, de 12/12/2009, (alínea c) parte III – Incidência Subjectiva), e ao disposto no artigo 18.º n.º 3, alínea a), do Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de Março de 2011, que estabeleceu as medidas de aplicação da Directiva 2006/112/CE (Directiva IVA), para cujo teor é feita remissão pelo ofício circulado ”“Normativos e orientações cujo parecer solicitado à Direcção de Serviços do IVA, elaborado em 10 de Março e subscrito pelo Subdirector Geral do IVA, MSP em 19 de Março, se havia limitado laconicamente a reproduzir.
Sendo o conteúdo e forma da referida declaração, uma vez aliados ao circunstancialismo em que decorreu o procedimento de inspecção externa levado a cabo pela Autoridade Tributária, bem como a própria conduta da contribuinte a arguida "ILS, –Área da Saúde, Ldª.", de molde a justificar legítimas dúvidas quanto à sua autenticidade e validade enquanto meio de prova no ordenamento jurídico português.
Não estando, assim, face às dúvidas verificadas, tal documento devidamente legalizado à luz da ordem jurídica portuguesa atento o disposto nos artigos 364.º n.º 1 e 365.º n.º 2, do Código Civil e no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
Uma vez que, tratando-se de alegado documento autêntico emitido por Estado não aderente à Convenção de Haia de 05 de Outubro de 1961 – Decreto-lei 48450, de 24 de Junho de 1968 – ratificada por Portugal conforme Aviso publicado em Diário do Governo de 28 de Fevereiro de 1968 (vulgo Convenção Apostilha), a respectiva legalização pressupor o reconhecimento da assinatura do funcionário estrangeiro por agente consular ou diplomático português, mediante aposição do selo branco. “
“Violando a lei o entendimento da Autoridade Tributária que, numa situação de dúvida fundada quanto à sua autenticidade, lhe reconheceu, no caso, valor probatório formal no âmbito do exercício do ónus da prova que, no caso, impendia sobre a contribuinte a arguida "ILS - Área da Saúde, Ldª.".
“ Não tendo, quanto ao conteúdo de tal declaração, a equipa da Autoridade Tributária, ao contrário do procedimento usual, desenvolvido os esforços adequados a comprovar a veracidade da informação atestada”
386.ª Ora, ante tal juízo probatório que se impunha fazer, era irrelevante saber qual dos dois intermediários da ILS (APM, junto de um contacto na AT que lhe disponibilizou a decisão ainda antes de estar vertida no relatório final, e JA em parceria com MM junto do SEAF) efectivamente teriam logrado obter tal feito ilegal.
387.ª O crime de Tráfico de Influência é um crime de perigo abstracto, não exige, sequer, o exercício efectivo da actividade de influência acordada e, por maioria de razão, a decisão ilícita, logo também não, et pour cause, o nexo causal entre a actividade de influência e essa decisão ilícita.
388.ª O que importava indagar – o que o Tribunal recorrido não curou de fazer- era se a actuação provada era de molde a permitir inferir o acordo a que o Tribunal deveria ter chegado pelo uso correcto da prova indirecta, analisando os factos dos quais decorria, designadamente: o papel assinalado por PLC a JA e “parceiros”; as parcerias anteriores entre JA e MM, as quais dão enquadramento especial à referida conduta; o facto de este tipo de intervenção não ser um acto isolado, mas ser replicado no caso dos Vistos, configurando um padrão relacional entre JA e MM; os pagamentos contemporâneos do procedimento da AT e disponibilizados por PLC a JA ; a forma como o próprio arguido JA enquadrou e qualificou o papel de MM na resolução “exclusiva” dos impasses administrativos da ILS no exercício da sua actividade; a natureza “sigilosa” da intervenção de MM aquele que JA designa, em conversa com APM, como a“ terceira pessoa, cujo nome não pode dizer ao telefone”, secretismo que não quadra com o alegado contexto de transparência e proximidade da Administração.
389.ª Ora, com base numa concepção errada do crime de Tráfico de Influência, não curou o Tribunal recorrido de avaliar correctamente a prova e os factos por esta atestados, tendo, assim, salvo melhor opinião, incorrido num erro manifesto na avaliação da prova e numa interpretação errada do artº 335.º do Código Penal.
390.ª Sendo absolutamente espúrias à análise de tal crime as considerações realizadas no acórdão acerca do exercício ou não da influência e da sua aptidão ou não para dar azo ou causa à decisão ilícita verificada.
391.ª Quanto, mais uma vez, à intervenção “discreta” de MM veja-se, a propósito, a falta de valorização crítica pelo Tribunal recorrido dos factos assentes relativamente à prestação de contas feita por PN a MM e à prova da pronta comunicação do resultado obtido deste último a JA. Se tudo decorria no quadro de normalidade procedimental, o porquê deste prestar de contas do SEAF a terceiros que não a contribuinte ILS?
392.ª Razões, pelas quais, em suma, se entende que a matéria de facto assente, era de molde a permitir a inferência do acordo de tráfico, a adesão ao mesmo por MM, e os elementos subjectivos do tipo de 335º, nº 1 do CP, apenas não o tendo feito o Tribunal recorrido por erro notório na apreciação da prova e do direito pertinente à sua análise.
393.ª Devendo, assim, o Tribunal ter condenado os arguidos PLC, JA e MM pelos crimes de tráfico de influência imputados.
VÍCIOS RESPEITANTES AOS FACTOS RELACIONADOS COM O NÚCLEO F.4. (KAMOV).
394.ª A fls. 474, o Tribunal a quo deu como provado os seguintes factos:
«O arguido JA, com o conhecimento do arguido MM, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MAT (CEO do Grupo espanhol "F,SA" que integra as empresas "H", "F,C", "S,A ", "C,S")..
Com efeito, em 18 de Maio de 2012, agentes e representantes da "FI,S.A.". nomeadamente Ang…M e JGB, intermediaram contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA" relativos à actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov 799
Contactos esses que precederam temporalmente a abertura do procedimento concursal 04/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado, conforme acima referido, em 16 de Julho de 2012 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136800.
Tendo uma empresa do grupo "FI," – identificando-se como "FI– SA" (firma não correspondente a qualquer sociedade com registo nacional) – intervindo como interessada no âmbito desse procedimento concursal 04/EMA/2012, solicitado esclarecimentos referentes ao respectivo caderno de encargos 801. Sendo que, em 4 de Setembro de 2013, LLD da "FI," solicitou ao arguido JA informações acerca das consequências de um episódio ocorrido com um helicóptero Kamov – o qual havia caído – para o curso do procedimento concursal 04/EMA/2012802.
Em 2 de Janeiro de 2013, já após o conhecimento da deserção do lote 1 do Concurso Público Internacional n.º 04/EMA/2012, o arguido JA remeteu ao arguido MM, a solicitação deste, um correio electrónico relativo a uma proposta comercial da "F,SA.", datada de 20 de Novembro de 2012, e relativa à gestão da frota de helicópteros e disponibilidade de helicópteros de tipo médio.
A referida proposta referia-se a um serviço de disponibilização à "EMA", em reforço da sua frota própria, de dois helicópteros tipo médios com dois motores, a fim de completar a frota da "E,SA..
Em 20 de Abril de 2013, MAT Almagro, da "F,SA.", enviou ao arguido JA uma proposta negocial de disponibilização de uma sexta aeronave Kamov e relativa à manutenção de um conjunto de cinco helicópteros Kamov, propriedade do Governo português (número correspondente às aeronaves Kamov operacionais e propriedade do Estado português cuja actividade de manutenção e operação era objecto da referido lote 1)”
395.ª A fls. 927, em manifesta contradição, o Tribunal recorrido deu como não provado, quanto à mesma matéria atinente ao conhecimento de MM da natureza das relações entre JA e a "F,SA" o seguinte facto:
«Empresa "F,SA." é parceira negocial do arguido JA..
O arguido MM tinha conhecimento das relações mantidas entre MAT, CEO do Grupo "F,SA" e o arguido JA, por intermédio de representantes da empresa "FI,S.A.".»
396.ª Tal, salvo melhor opinião, integra uma contradição insanável da fundamentação, a qual faz inquinar a decisão do vício do art.º 410.º, nº 2, al. b) do CPP.
397.ª Sendo que a prova disponível nos autos e expressamente referida no Acórdão recorrido, aponta para a prova do conhecimento pelo arguido MM das relações entre JA e a "F,SA" por um lado, e, por outro, o papel de intermediária da "FI,SA" empresa que efectuou pagamentos quer a "JF,LDª" (de que MM e JA foram sócios), quer da "JAG, Ldª" (de JA), após a entrada de MM para o executivo e sua saída da "JF,Ldª". Sendo certa a essencialidade de tal facto para aferir , por indução lógica, o elemento subjectivo do crime de Prevaricação e reconduzível à intenção de beneficiar terceiros.
Pelo que também neste particular se encontra o acórdão inquinado do vício previsto no artº 410º, nº 2, al. c) do CPP.
398.ª Assim, atente-se na prova referida em nota de rodapé a fls. 474 do acórdão: Ap. P, Relatório 31, fls. 86-90; Ap. P, Relatório 27, fls. 106; fls. 107-115, 113-121; Ap. P. Kamov. Anexo 31.
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E ERRO DE DIREITO quanto à disponibilização do caderno de encargos a um particular na fase preparatória de um concurso público por parte do Ministro da Administração Interna sob a alçada de quem se encontrava o procedimento concursal
399.ª A fls. 926 dos autos, o Tribunal deu como não provado o seguinte facto:
“Ao remeter o referido caderno de encargos ao arguido JA, na fase preparatória do concurso de Julho de 2014, o arguido MM muniu o mesmo de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico.”
400.ª Ou seja, para além dos elementos subjectivos do tipo, os quais deu como não assentes após a não valoração infundamentada, como acima se disse, da matéria atinente às parcerias que MM mantinha com JA, e após, como acima igualmente se disse, haver entrado em contradição insanável quanto aos factos atinentes ao conhecimento de MM das ligações de JA à "F,SA" por intermédio da "FI,SA" (sua parceira comercial por via da "JF,Ldª"), o Tribunal recorrido deu ainda como não assente este facto objectivo integrador da conduta contra direito que fundou, objectivamente, a imputação de um crime de prevaricação de titular de cargo público.
401.ª Isto é, de acordo com o Acórdão recorrido, a disponibilização a um empresário particular e operador económico de um caderno de encargos por parte de um Ministro, numa fase preparatória de um concurso público sob a sua alçada funcional, não integraria qualquer violação à lei.
402.ª Ora, tal conclusão probatória, após se haver dado por assente o facto base, assenta, salvo o devido respeito, num manifesto e grosseiro desconhecimento da lei que rege a contratação pública.
403.ª Os factos dados como assentes nos autos, designadamente a fls. 471 e ss., apontam inequivocamente para o potencial lesivo, ao nível da igualdade e da concorrência, do acto da disponibilização de um caderno de encargos a particulares antes da sua divulgação pública ao mercado: (cf. fls. 471 e ss.)
404.ª A fls. 477, o Tribunal dá igualmente como assente que: “Em 6 de Março de 2014, ao enviar ao arguido JA o referido caderno de encargos, o arguido MM tinha conhecimento dos interesses comerciais do Grupo "F,SA" na matéria em causa.»
405.ª Ou seja, independentemente da participação ulterior da "F,SA" no concurso de 2014, a verdade é que, já após a deserção do Concurso de 2012, esta empresa, com o conhecimento de MM, e por intermediação de JA, manifestava interesses comerciais concretos no objecto da actividade que viria a ser alvo da contratação pública de 2014.
406.ª Por coincidência, ou não, esta empresa viria, através de uma subcontratação da adjudicatária "E…Aviação. E…,S.A.", a prestar serviços no âmbito da actividade contratada. (cf. Facto assente a fls. 476)
407.ª Ora, tais factos dados como provados são incompatíveis com a conclusão fáctico-jurídica de que a disponibilização a JA (intermediário da ("F,SA") junto de MM através de ligações que mantinha com a ("FI,SA") não integraria qualquer vantagem ao nível informacional concorrencial.
408.ª Desde logo porque qualquer empresa que tivesse acesso a tal informação estaria apta, em tese, a preparar com um avanço de três meses uma proposta, face ao resto do mercado. E, repare-se que, como se deu como assente, este caderno de encargos sofrera ajustamentos ante o caderno de 2012.
409.ª A importância temporal do acesso ao caderno de encargos decorre linear, desde logo- se não fosse apenas pelo mero funcionamento das regras da experiência comum ante os princípios que norteiam a contratação pública - pelo facto comprovado de, no concurso de 2014, terem havido, a pedido dos concorrentes, duas prorrogações do prazo para apresentação das propostas.
410.ª O que, desde logo, evidencia a relevância prática efectiva do acesso ao caderno para preparar as propostas, não sendo suficiente para a apresentação atempada de propostas o conhecimento anteriormente disponibilizado ao mercado com o antecedente concurso de 2012.
411.ª E não se pretenda considerar razoável, à luz das regras da experiência comum, a versão do arguido MM de que estaria interessado em evitar nova deserção.
412.ª Se assim fosse, pergunta-se candidamente, porque não antecipar a divulgação pública do caderno de encargos para todas (ainda que poucas) as empresas com interesses na matéria?
413.ª A resposta linear a tal questão encontraria-a o Tribunal recorrido fazendo uso correcto das regras da experiência comum, caso houvesse apreciado a prova relativa às parcerias negociais que intercediam entre MM, JA e a "FI,SA" intermediária da "F,SA".O que, todavia, como acima explanado, não curou de fazer.
414.ª Parcerias das quais surgiria, uma vez conjugadas com os factos assentes, precípuo, através do funcionamento das regras da prova indirecta, o elemento subjectivo do crime de prevaricação: a intenção de beneficiar terceiros.
415.ª Por outro lado, há que acrescentar, quanto aos mais argumentos esgrimidos pela defesa (e a que o acórdão recorrido aderiu de forma imediata) com vista a afastar a comprovação da intenção de beneficiar ou prejudicar terceiros, enquanto elemento subjectivo do crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político, que os mesmos não colhem.
416.ª Designadamente o argumento de que, caso o arguido MM, ao enviar antecipadamente o caderno de encargos, visasse favorecer a "F,SA" o poderia ter feito de um modo mais expedito, porquanto, tendo o concurso de 2012 ficado deserto, o arguido MM poderia, fundadamente, ao abrigo do art.º 24.º , nº1, al. a) do Código do Contratos Públicos (não expressamente mencionado) , ter lançado mão de uma adjudicação directa, procedimento que, todavia, não adoptou, tal argumentação , no entendimento do Ministério Público, não colhe.
417.ª Ora, no caso concreto, antes do mais, não se revelava verificado o condicionalismo do funcionamento de tal normativo legal constante do segundo segmento da norma, porquanto o caderno de encargos foi comprovadamente ajustado no segundo procedimento concursal a fim de tornar a proposta mais apetecível ao mercado, conforme decorre da matéria provada.
418.ª Ou seja, houve uma alteração substancial do caderno de encargos e dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira não sejam substancialmente alterados em relação aos daquele concurso.
419.ª Por outro lado, não se verificava igualmente o requisito temporal do nº 7 do artº 24º do CCP.
420.ª Ou seja, no caso não se verificava quer um requisito material (inalterabilidade substancial do caderno de encargos), quer temporal (adjudicação no prazo de seis meses após a verificação da deserção, a qual, no caso, se verificou na data de 04/09/2012, sendo que a própria resolução de abrir novo procedimento só ocorreu em Agosto de 2013), para que se pudesse legalmente proceder a uma adjudicação directa.
421.ª De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Contas, e a título de exemplo, integram situações que configuram uma alteração substancial ao caderno de encargo as seguintes: a alteração dos parâmetros base, nomeadamente quanto à execução do contrato cf. Ac. TContas nº 12/3.07.2012, 1S); a alteração do modelo de avaliação das- Ac. TContas 7/2011., de 20/12 do TV. 1ª S; a alteração do preço base – cf. Ac. 58/2011 - 14/07/2011 – 1ª SECÇÃO/SS); a alteração do “requisito habilitacional - cf. DECISÃO N.º 3/FP/2012. TContas Secção Regional da Madeira).
422.ª Ora, conforme resulta provado a fls. 474 do Acórdão, o caderno de encargos sofreu ajustes de relevo face ao caderno de encargos do concurso de 2012, “por forma a tornar a proposta mais atractiva aos potenciais concorrentes”, tendo sido alterado o objecto do contrato, diminuindo as horas de voo, e, bem, assim, introduzidas alterações aos requisitos de habilitação dos concorrentes, nomeadamente quanto ao momento para apresentação de comprovativo da titularidade de certificado para a prestação de serviço de operação e manutenção de aeronaves, o qual deixou de ser requisito de aceitação da proposta para passar a ser requisito do acto de consignação das aeronaves.
423.ª Tal constitui, indubitavelmente, face à mencionada jurisprudência do Tribunal de Contas, uma modificação substancial do caderno de encargos.
424.ª Ou seja, e voltando às regras de funcionamento da prova indirecta, inexiste uma contratese susceptível de infirmar a operacionalidade plena dos indícios plúrimos e concordantes quanto à real intenção do arguido MM : beneficiar JA (e parceiros) disponibilizando-lhe uma informação com valor venal no âmbito de um procedimento concursal, em manifesta violação dos princípios da concorrência, igualdade e transparência que regem os concursos públicos.
425.ª Ora, ao dar como não assente o facto acima referido, o Tribunal recorrido, pelas razões supra expostas, para além de incorrer num erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, al. c) do CPP), violou ainda as disposições dos artigos 266.º, n.º 1 da CRP, 6.º do CPA e 4.º n.º 1 do CCP., à luz das quais deveria ter dado como assente que a disponibilização de um caderno de encargos a um particular com interesses no objecto da contratação antes da sua divulgação ao mercado integra uma conduta que conforma objectivamente uma informação privilegiada e uma informação potencialmente geradora de proveito económico.
OUTROS VÍCIOS DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA.
426.ª No que se reporta a factos descritivos de procedimentos habituais ou regra em sede de tramitação administrativa, os mesmos foram apurados nos autos através de actividade materialmente probatória (nomeadamente prova documental ou testemunhal) não estando inscritos na natureza das coisas, nem sendo reconduzíveis ao procedimento legal que enquadra uma dada actividade administrativa, pelo que, caso não houvessem sido apurados e descritos não se logra descortinar como dos mesmos poderia o Tribunal adquirir conhecimento, sendo certa a sua essencialidade a fim de caracterizar a actividade dos arguidos como espúria ao procedimento-regra seguido antes a pretensão de um cidadão comum. (cf. , a título exemplificativo, os seguintes elementos de prova atinentes a tal matéria Ap. W. Vol. II, fls. 318 e 319: Manual de Procedimento ARI-SEF, Homologado pelo MAI; Ap. W, fls. 418-421- Relatório Complementar IGAI/ARI; ; Ap. DCIAP A: Relatório 122/2014, 30/12/2014, IGAI, Processo Inspectivo ao Procedimento de Concessão de ARI; Ap. DCIAP C3- IGAI- Processo de Auditoria Extraordinária PI-21/2014; Ap. W, Vol. I, fls. 161-18, Relatório IGAI: Análise aos Processos ARI apreendidos nos autos; cf. declarações dos Inspectores da IGAI em sede de audiência relatados no acórdão dos autos.)
427.ª Ora, conforme se refere no Ac. STJ de 06.09.2017, relatado por Gabriel Catarino, Pº 4029/16.6TDLSB: «Não são conclusivas as descrições de realidades perceptíveis pela observação de outras pessoas que se constituem aptas a ser objecto de prova judicial e como tal capazes de serem apresentadas e transmitidas ao julgador e por este validadas, pela correspondência que podem apresentar com a realidade e a acreditação/confirmação que os meios probatórios exibidos podem atestar/contestar».
428.ª Integra, assim, erro notório na apreciação da prova a recondução dos factos como os a seguir exemplificativamente enunciados para a matéria insusceptível de prova; «Na prática administrativa o referido Grupo…» fls. 1921; «Por despacho do Director nacional do….» Fls. 1922; «Desde 01 de Julho…» (fls. 19229; «Sendo a seguinte a documentação exigida ….” (idem) e ss. (até fls. 1925).
Das consequências processuais dos vícios do artº 410º do CPP.
429.ª Atendendo à invocação vinda de fazer dos vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal relativamente aos Núcleos Factuais A, B, C, D e F, e com excepção dos crimes imputados ao arguido FP e ao arguido MP quanto aos factos descritos no Núcleo F-1 (OLI) entende o Ministério Público que o Tribunal de recurso, pode decidir da causa, na medida em que dispõe de todos os elementos de facto e de direito que o habilitam a revogar e substituir o Acórdão recorrido por uma decisão condenatória dos arguidos (relativamente aos crimes de que se encontravam pronunciados quanto a esses núcleos factuais) AF, MP, JA, EB, AS, EA, PE, JG e PV, JS, MM, PLC e as sociedades arguidas "LP,Ldª", "FZ,Ldª ", "ILS - Área da Saúde, Ldª" e "JAG,Ldª".
430.ª Caso assim não se entenda, e com excepção do decidido quanto ao Núcleo Factual E e ao crime de peculato de uso, bem como quanto ao crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF (factos descritos no Núcleo B) e aos crimes de corrupção activa e de tráfico de influências imputados aos arguidos Z, e ZB (factos descritos no Núcleo B), deverá anular-se o julgamento e o Acórdão recorrido, e ordenar-se o reenvio parcial do processo para novo julgamento quanto aos demais Núcleos Factuais e demais arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 426.º, n.º 1, e 426.º-A do Código de Processo Penal.
Ainda que não se entenda verificados os invocados vícios, sempre haverá, pelo menos, que concluir-se pela nulidade do Acórdão proferido
VÍCIOS DA DECISÃO: NULIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO (ARTº 379º DO CPP)
Da omissão de Motivação da Decisão de Facto (falta de análise crítica da prova).
431.ª Compulsado o Acórdão recorrido, nomeadamente o ponto 3.2., com a epígrafe “Motivação da Decisão de Facto”, constata-se a quase total ausência de análise crítica das provas que serviram para o Tribunal recorrido formar a sua convicção, nomeadamente quanto aos factos dados como não provados.
432.ª Conforme se refere no Ac. STJ de 06.09.2017 «Para que ocorra uma falta, omissão, essencial e determinante da nulidade elencada no art.º 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, importa que o tribunal tenha deixado de indicar os meios de prova em que firma a sua convicção, deixe de fazer alusão a prova documental donde retira a existência de realidades factuais plasmadas na decisão de facto e que se tenham tornado relevantes para o raciocínio que se depreende e perscruta na exposição desenvolvida na decisão, e, ao invés, deixe de aludir, de forma plena e completa, ao material probatório analisado e ponderado, à concatenação ou conchavo factual onde escora a sua razão de inteligência para dessumir pela solução afirmativa ou negativa ao enunciado que havia sido proposto para decisão da questão de direito a resolver.»
433.ª Ora, foi exactamente isso que se verificou no Acórdão recorrido. Com efeito, a motivação de facto não se confunde nem com os factos provados (thema decidendum), nem com os meios de prova (thema probandum), reconduzindo-se antes aos elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
434.ª Lê-se, quanto à motivação da decisão de facto, no Acórdão recorrido o seguinte:
«A motivação da matéria de facto provada e não provada assentou nos diversos meios de prova produzidos durante o processo quer pela acusação quer pelas defesas dos arguidos, entre os quais se destacam, as declarações dos arguidos, os depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa, os documentos apresentados pela acusação e pelas defesas dos arguidos, as intercepções de telecomunicações e prova pericial.
Esta motivação iniciou-se aquando da narração fáctica efectuada ao incluir notas de rodapé para justificar a convicção do Tribunal Colectivo ao considerar provado ou não provado determinado facto.
Esta opção resultou da dificuldade prática de indicar o meio de prova específico que justificou a convicção de cada facto concreto da extensa matéria de facto prova e matéria de facto não provada .
Assim, nos casos em que afigurou possível indicar o meio de prova concreto, em especial documental ou intercepção telefónica, foi elaborada uma nota de rodapé.»
435.ª Após o que passou a «motivar de facto» a respectiva decisão, ressaltando de tal motivação a quase total ausência de análise crítica das provas produzidas, tendo o Tribunal recorrido, nos casos pontuais em que indicou e analisou concretos meios de prova, quase limitado os mesmos àqueles que foram expressamente indicados e dados a conhecer ao Tribunal recorrido pelo Ministério Público através do Sistema Integrado de Informação Processual (SIIP) sempre que tentou fazer prova sobre a matéria constante dos articulados devidamente numerados.
436.ª O que, salvo melhor opinião, equivale, na prática, a falta de motivação de facto quanto à actividade do exame crítico das provas.
437.ª Com efeito, como referia Marques Ferreira, logo nos primeiros trabalhos sobre o novo Código Processo Penal, divulgados pelo CEJ em 1988, a obrigatoriedade da motivação de facto (em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929), fruto de uma concepção democrática do processo penal, não «poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal».
438.ª Ora, foi exactamente essa remissão genérica para os meios de prova que o Tribunal recorrido fez, como resulta ilustrado do trecho supra citado, não fazendo qualquer conexão – salvo pontuais excepções - entre os factos dados como provados e não provados com os meios de prova especificamente indicados para cada núcleo fáctico.
439.ª Abstendo-se, assim, o Tribunal recorrido, na sua actividade de motivação, de realizar o exame e análise de cada uma das provas e a relacionação de todas elas no seu conjunto, como lhe era imposto realizar no pressuposto de que «motivar é argumentar», sendo a enumeração dos factos dados como provados e não provados fruto necessário de um processo lógico-argumentativo e não «fruto de uma intuição decorrente de poderes extra-sensoriais» que os juízes que compõem o Tribunal certamente não possuem.
440.ª Sendo que, nalguns casos, a acompanhar a mera enumeração dos factos provados e não provados se limita o Tribunal recorrido a indicar, relegando-os para nota de rodapé, os meios de prova, sem qualquer apreciação crítica dos mesmos, meios de prova estes que, na óptica do recorrente, nalguns casos, sustentariam, directa ou indirectamente, os factos, mais do que os infirmariam, no cado da factualidade dada como não provada pelo Tribunal recorrido.
441.ª Não colhe, por outro lado, salvo o devido respeito por opinião diversa, a justificação adiantada no Acórdão recorrido para tal ausência de fundamentação e análise crítica da prova de uma alegada «dificuldade prática de indicar o meio de prova específico» atenta a forma como a prova se encontra organizada nos autos do prisma da pronúncia.
442.ª Por um lado, a referida indicação especificada de cada meio de prova para o facto, quando efectuada, e como foi referido anteriormente, foi suportada informaticamente por um link digital para o meio de prova específico previamente digitalizado, através da utilização da aplicação «SIIP» em sede de audiência de julgamento, a qual foi disponibilizada para os autos.
443.ª Por outro lado, e quanto aos restantes meios de prova, os mesmos foram expressa e individualmente indicados e identificados no índice exaustivo que acompanhou a acusação, e, no capítulo dedicado à prova, a indicação da mesma por núcleos temáticos, acompanhando-se, na sua enumeração, a própria organização da narrativa da acusação/pronúncia: 1) Relações entre arguidos; 2) IRN/SEF e ARI; 3) IRN Angola, etc. (cf. índice de fls. 19866 a 19942 dos autos: 77 páginas de índice exaustivo de cada Apenso dos autos e discriminação da prova respectiva dos mesmos constantes). Sendo que, do prisma da gestão documental da prova em suporte físico, foi a mesma organizada em apensos documentais autónomos e temáticos, por reporte aos temas e sub-temas da acusação/pronúncia, apensos documentais cuja organização foi previamente explicitada em nota para o efeito inserida na própria acusação.
444.ª Inexiste, assim, salvo o devido respeito, qualquer suporte para a alegação de dificuldade prático-organizativa na individualização - nomeadamente em núcleos temáticos e sub-núcleos temáticos- da prova apresentada e produzida nos autos. Admitindo-se, por inegável, e formalmente declarada, a especial complexidade dos autos, a mesma revelou-se transversal a todas as fases processuais não tendo, até à data, sido impeditiva de uma análise cuidada e fundamentada, quer em primeira instância durante as fases preliminares, quer em segunda instância nos diversos recursos interpostos, conforme decorre dos Apensos atinentes aos recursos (Ap. TCIC- V. Quadro 1 da nota organizativa que integra a acusação)
445.ª Assim, há que concluir que a dificuldade declarada no Acórdão recorrido se revela, sobretudo, de índole subjectiva e psicológica ante a complexidade fáctico-jurídica dos autos e não alicerçada em qualquer deficiência organizativo-estrutural do processo, mormente ao nível da acusação e da pronúncia.
446.ª Ilustrando o que se vem de dizer quanto à falta de motivação de facto e de análise crítica das provas veja-se, a título de mero exemplo, o trecho da matéria dada como não provada no acórdão recorrido e atinente ao Núcleo A atinente às relações entre os arguidos (cf. fls. 837 e ss.).Assim, nesse trecho, o Tribunal recorrido, e entre outras situações, não procedeu a qualquer análise crítica da prova nos casos seguintes:
- A fls. 839, nota de rodapé 808, o Tribunal recorrido cita, em nota de rodapé, o Ap. P, Relatório 31, atinente a correspondência electrónica de vários dias de Abril de 2008 envolvendo os arguidos MM, JA e um funcionário da "BA,SA", sem que faça acompanhar tal indicação de qualquer nota de análise crítica;
- A fls. 840, nota de rodapé 809, na qual cita o Ap. P, Relatório 26, nomeadamente um conjunto de emails (fls. 3 a 4) que, na óptica do recorrente, sustentam as ligações de AF, como sócio de facto, à sociedade "JF,Ldª, sem qualquer análise quanto à sua relevância (ou falta dela) ao nível probatório;
- A fls. 841, nota de rodapé 810, onde a remissão para um vasto conjunto de emails do Ap. O, Relatório 26, atinente ao relacionamento entre a "JF,Ldª" e a "FI,SA" é citado em nota de rodapé sem qualquer explicação analítica;
- A fls. 842, nota de rodapé 811, acerca da mesma matéria do relacionamento entre a "JF,Ldª" e a "FI,SA";
- A fls. 846, nota de rodapé 815: motiva conclusivamente o facto dado como não provado e atinente à razão de ser da não realização de uma viagem de MM para a China programada no seio do seu gabinete, sem especificar qual o meio de prova que fundou tal asserção contrária à versão da pronúncia, na qual se refere que a viagem foi cancelada na sequência de uma fuga de informação ocorrida nos autos.
447.ª Para além destas situações, e de algumas situações pontuais onde, aquando da enumeração dos factos não provados, são efectuadas ligeiras e superficiais notas de apreciação da prova em sede de rodapé (por exemplo. a fls. 842, nota 811; fls. 843, nota 812), na restante matéria atinente ao Relacionamento dos Arguidos, designadamente no que respeita à matéria atinente às parcerias negociais existentes entre os arguidos, a motivação dos factos dados não provados - a fls. 954 a 956 - é, salvo melhor opinião, totalmente omissa no Acórdão recorrido.
448.ª Inexistindo qualquer análise crítica da prova indicada nos autos de forma especificada para tal núcleo factual, na medida em que não basta indicar ou remeter para os meios de prova, sendo que os mesmos têm que ser analisados criticamente, actividade essa que o Tribunal omitiu claramente.
449.ª Assim, o Tribunal recorrido quanto a tal núcleo factual, limitou-se a analisar a matéria atinente às relações de amizade e institucionais entre os arguidos, confirmando, infirmando ou corrigindo a tese da acusação/pronúncia com base nas declarações dos arguidos (que não especifica) e com base nos documentos (que igualmente não enuncia).
450.ª Ora, tal matéria factual constante do Núcleo A, apesar de, na lógica da narrativa, se encontrar destacada, em moldes introdutórios, da descrição dos ilícitos típicos imputados, revela-se crucial para, no exercício de raciocínio que preside à produção da prova indirecta, estabelecer a conexão lógica e finalística entre os aparentes actos dispersos dos arguidos, conferindo-lhe um sentido e uma intencionalidade conjunta inequívocos, sentidos e intencionalidades estes que nenhuns outros elementos de prova produzida em julgamento, ante o funcionamento das regras da experiência comum, lograram arredar.
451.ª A prova de tais factos revela-se crucial para o estabelecimento do salto lógico indutivo que o Tribunal recorrido se absteve de dar quanto, designadamente, à prova (necessariamente) indirecta do dolo dos arguidos, nomeadamente no que respeita ao elemento subjectivo do tipo de prevaricação cuja verificação o Tribunal recorrido confirmou nos seus elementos de tipicidade e ilicitude.
452.ª No entanto, variada era a prova disponível quanto aos factos dados como não provados, neste segmento, a qual não foi objecto de qualquer análise crítica.
453.ª Incorrendo, assim, o acórdão, na nulidade do artº 379º, nº 1, al. a), por referência ao artº 374º, nº2, ambos do CPP, nulidade, que conforme infra se fará referência, se verificou igualmente quanto ao Núcleo F3 (ILS-IVA).
DAS DECLARAÇÕES DOS ARGUIDOS/AUSÊNCIA DE ANÁLISE CRÍTICA DE TAL MEIO DE PROVA.
454.ª Na motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido, a fls. 952 do acórdão, afastou liminarmente a relevância probatória das declarações prestadas pelos arguidos, quer em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, quer aos prestados em liberdade, em sede de inquérito, ante o Ministério Público, com observância, respectivamente, dos artºs 141.º, n.º 4, al. b); 144.º, 357.º, n.º1, al. b), e 126º, todos do Código de Processo Penal.
455.ª Fê-lo, igualmente, nalguns casos de forma individualizada, como no caso do arguido JA, referindo a fls. 840, nota 809: «Declarações do arguido JA, em sede de 1.º interrogatório judicial, tendo em consideração a forma como foi efectuado o interrogatório dos arguidos, as declarações por eles prestadas não podem ser consideradas acriticamente, só se forem suportados noutros meios de prova» , não curando o Tribunal de esclarecer que tipo de vicissitudes afectaram o interrogatório do arguido para além do facto de o mesmo se encontrar legalmente detido, sendo que o arguido JA nem sequer prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento.
456.ª Assim, a fórmula genérica utilizada pelo Tribunal para afastar, em bloco, a relevância probatória das declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial (não curando, sequer, de atender ou justificar a falta de ponderação dos interrogatórios prestados pelos arguidos MM, PLC e MP (segundo interrogatório prestado perante o Ministério Público) e Z (segundo interrogatório prestado perante o Ministério Público) em situação de liberdade perante o Ministério Público com as advertências do art.º 141.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, com observância dos demais formalismos, nomeadamente o registo audiovisual) revela-se, na prática, equivalente a uma ausência de análise crítica do meio de prova, o que integra a nulidade do acórdão prevista no art.º 379.º, nº 1, al. a) do CPP, por referência ao art.º 374.º, nº 2, ambos do CPP.
457.ª Por outro lado, tal ausência de análise crítica do meio de prova também se detecta na falta de cotejo crítico, por exemplo, das declarações dos arguidos AF, MP, PE, AS prestadas nos interrogatórios de arguidos realizados em fases anteriores ao julgamento com as declarações prestadas pelos mesmos em sede de audiência.
458.ª O que, comportando uma desvalorização de tais meios de prova, comporta, de outro prisma, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. a) do CPP.
459.ª Ora, as declarações de arguido, meio de defesa por excelência, são também um meio de prova.
460.ª Foi essa a opção do legislador na disciplina do art.º 141.º, n.º 4, al. b), 144.º, nº 1, 344.º e 357.º do Código de Processo Penal. Ao ter optado por abandonar uma defesa de nada dizer, as declarações do arguido passaram, assim, a integrar o conjunto das provas livremente valoráveis, de acordo com o princípio da aquisição processual.
461.ª Pelo que também quanto a tal meio de prova, especificamente, se revela o Acórdão recorrido nulo por falta de consideração crítica dos concretos interrogatórios, os quais foram liminarmente afastados com uma fórmula genérica e infundada de suspeição acerca do modo como os mesmos ocorreram, conforme supra se referiu quanto à violação das disposições legais dos artºs 125º, 127º, e a interpretação correctiva, constitucionalmente proibida, ao abrigo do artº 2º da CRP, das disposições legais dos artº 141.º, n.º 4, al. b); 144.º, 357.º, nº1, al. b), todos do CPP. Nulidade esta que importa a revogação do Acórdão e, consequentemente, impõe a reabertura da audiência de julgamento com vista à prolação de novo acórdão no qual sejam considerados tais elementos de prova, pois tal nulidade deve estender-se à totalidade do Acórdão recorrido e não, apenas, a segmentos do mesmo. Sendo certo, igualmente, que a falta de consideração da matéria de facto decorrente de tais elementos de prova, integra, ainda, de outro prisma, um vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada do artº 410º, nº 2, al. a) do CPP.
FACTOS DA PRONÚNCIA NÃO DADOS COMO PROVADOS NEM COMO NÃO PROVADOS.
462.ª Compulsado o Acórdão recorrido, constata-se que no ponto 3.3., com o título «Matéria de facto insusceptível de prova» (fls. 1913 e seguintes do Acórdão), se entendeu enumerar um conjunto de factos, ou melhor, no seu entendimento, «não factos», que integrariam pura matéria de direito ou juízos de valor, tratando-se, assim, de matéria conclusiva (portadores de uma valoração jurídica ou fáctica) e, por isso mesmo, insusceptíveis de prova, não podendo ser integrados nem na enumeração dos factos dados como provados, nem na enumeração dos factos dados como não provados. Em tais “não factos” incluiu o Tribunal práticas administrativas regra apuradas nos autos e objecto de desvios no SEF (núcleos B e F) e, bem assim, os factos reconduzíveis aos elementos normativos dos crimes de prevaricação, corrupção e tráfico de influência.
463.ª Se tal se revela inquestionavelmente acertado quanto às componentes da acusação/pronúncia reconduzíveis ao enquadramento jurídico-administrativo efectuado das diversas condutas imputadas aos arguidos, enunciação que – ainda que pouco consentânea com a pureza fáctica esperada, segundo os cânones, de uma acusação/pronúncia- se optou por realizar em prol da eficácia da compreensão da matéria (segundo a velha máxima latina «quod abundant non nocet»), visando facilitar a compreensão dos factos, atenta a natureza extravagante e dispersa dos referidos regimes (ARI, Vistos de Curta Permanência, OLI, certificação de autenticidade de documentos emitidos por entidades estrangeiras, etc.), o mesmo já não sucede com a factualidade descrita e reconduzível àquilo que a doutrina penal, em sede de teoria geral do crime, vem designando por «elementos normativos» dos tipos, por oposição aos elementos descritivos.
464.ª Encontram-se em tal situação todos os factos indicados pelos Tribunal como insusceptíveis de prova e reconduzíveis:
- À forma como foi implementado o Grupo de Acompanhamento ARI e sua prática administrativa concreta violadora de disposições legais (fls. 1920 e ss.)
- Aos procedimentos – regra seguidos nas instituições (IRN; SEF), na respectiva prática administrativa, os quais foram objecto de desvio nos casos descritos nos núcleos B e F (cf. s fls. 1922 e ss. (ARI e Reagrupamento Familiar)
- Aos factos reconduzíveis ao elementos «acto ilícito» feito constar dos tipos de tráfico de influência, corrupção;
- Aos elementos normativos do tipo de prevaricação reconduzível á decisão ou condução de processo «contra direito».
465. No que se reporta a factos descritivos de procedimentos habituais ou regra em sede de tramitação administrativa, os mesmos foram apurados nos autos através de actividade materialmente probatória (nomeadamente prova documental ou testemunhal) não estando inscritos na natureza das coisas, nem sendo reconduzíveis ao procedimento legal que enquadra uma dada actividade administrativa, pelo que, caso não houvessem sido apurados e descritos não se logra descortinar como dos mesmos poderia o Tribunal adquirir conhecimento, sendo certa a sua essencialidade a fim de caracterizar a actividade dos arguidos como espúria ao procedimento-regra seguido antes a pretensão de um cidadão comum. (cf. a propósito, e a título de exemplo, os Ap. W. Vol. II, fls. 318 e 319: Manual de Procedimento ARI-SEF, Homologado pelo MAI; Ap. W, fls. 418-421- Relatório Complementar IGAI/ARI; ; Ap. DCIAP A: Relatório 122/2014, 30/12/2014, IGAI, Processo Inspectivo ao Procedimento de Concessão de ARI; Ap. DCIAP C3- IGAI- Processo de Auditoria Extraordinária PI-21/2014; Ap. W, Vol. I, fls. 161-18, Relatório IGAI: Análise aos Processos ARI apreendidos nos autos; cf. declarações dos Inspectores da IGAI em sede de audiência relatados no acórdão dos autos)
466.ª No caso dos elementos normativos em causa, os mesmos, integrando juízos de valoração social jurídica, integram, o próprio tipo legal, não podendo assim, o intérprete – aplicador do direito evitar a sua descrição típica, ainda que a mesma se possa, prima facie, confundir com juízos valorativos.
467.º Por outras palavras, não há como descrever facticamente um acto ilícito, ou uma conduta contra direito, no caso em que integrem um tipo legal de crime, sem descrever o normativo jurídico violado com uma dada conduta.
468.ª Assim, salvo o devido por opinião contrária, mal andou o Tribunal recorrido ao considerar como conclusivos os factos a seguir exemplificativamente enunciados (relativos a actos ilícitos imputados aos arguidos AF e MP, designadamente, quanto a este último as diversas irregularidades no âmbito de processos ARI detectadas pela sua análise efectuada aos Processos ARI apreendidos nos autos): «Pedidos esses violadores dos deveres de imparcialidade….» - Fls. 1928.; «A Taxa de Urgência…» - Idem.; «A referida multiplicidade de moradas não suscitou….» – Idem ; «Violando as orientações políticas aprovadas no ….» – Idem.; «Determinando, assim, o arguido MP a prática pela referida transportadora aérea de uma contra-ordenação….» Fls. 1930.
469.ª A ser assim, e contrariamente ao que entende o Tribunal recorrido na sua subjectividade, pelo menos, os pontos de facto mencionados deveriam ter sido objecto de julgamento.
470.ª Ora, tal omissão de pronúncia sobre os mencionados factos constitui a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o que faz com que, neste particular, o Acórdão recorrido seja nulo.
471.ª Por outro lado, e porque os mencionados factos foram alegados pela acusação/pronúncia e são relevantes para os efeitos previstos nos artigos 369.º e 370.º, e essenciais para a qualificação jurídica, a falta de enumeração de tais factos, quer na enumeração dos factos provados, quer na enumeração dos factos não provados, constitui nulidade por omissão de narração de factos provados ou não provados, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal, com referência ao n.º 2 do artigo 374.º do mesmo diploma legal.
472.º A ser assim, e neste particular, o Acórdão recorrido é nulo.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO AOS PAGAMENTOS À SOCIEDADE "JF,Ldª"..
471.ª A fls. 155 dos autos, quanto ao pagamentos efectuados à "JF,Ldª" pela "FI,SA" tribunal apenas dá como assente que o valor de €7.084,80 - na tese da pronúncia destinados ao sócio de facto AF (representado na sociedade pela sua filha ALF) – foram pagos a uma sociedade de um amigo de AF..
472.ª Dando, assim, implicitamente por não assente a tese da pronúncia, relativamente ao verdadeiro destinatário do pagamento.
473.ª Ora, a fls. 840, na enumeração dos factos não provados quanto às parcerias dos arguidos AF, MM e JA através da "JF,Ldª" o Tribunal omite qualquer referência à falta de prova quanto ao referido facto atinente ao destinatário do pagamento, o qual, atenta a forma equitativa como foi distribuída pelos restantes três sócios da "JF,Ldª" deveria ter sido destinado a ALF (o mesmo é dizer, na tese da pronúncia, a AF (cf. O que se referiu quanto ao erro notório na apreciação da prova).
474.ª Ao não levar à matéria de facto não provada o referido facto – sobre o qual omite pronunciar-se – o Tribunal recorrido incorreu numa omissão de pronúncia, sendo certo a essencialidade de tal facto para a prova das relações que intercedem entre os arguidos e, assim, acerca das finalidades ultimas que norteiam as condutas imputadas a título de ilícito criminal nos núcleos subsequentes.
475.ª Ora, tal omissão de pronúncia sobre os mencionados factos constitui a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o que faz com que, neste particular, o Acórdão recorrido seja nulo.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA RELATIVAMENTE A FACTOS RESPEITANTES AO NÚCLEO F3/IVA e OMISSÃO DE ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
476.ª No que respeita ao núcleo F3 (IVA), mais uma vez o Tribunal recorrido, não curou de fundamentar a sua decisão quanto à matéria de facto não provada, nem, tampouco, esclarecer qual o juízo crítico que a prova dos autos (na sua completude - nomeadamente testemunhal e documental - e não apenas os elementos de prova directos indicados na aplicação SIIP, nomeadamente escutas e e-mails) lhe mereceu.
477.ª Desconhecendo-se, assim, o «iter» do processo lógico de avaliação (negativa) da prova, o qual se revela, deste modo, insusceptível de sindicância em sede de recurso. Não servindo tal função a mera enumeração descritiva e acrítica da prova produzida em audiência e a reprodução parcial e truncada.
478.ª No que respeita àquilo que chamou «Motivação de Facto», refere o Tribunal recorrido laconicamente a fls. 963 e ss.:«Relativamente à questão do processo de pedido de reembolso de IVA a tese da acusação/pronúncia assentava num comportamento do arguido MM que se provou não ser real. Desta feita, a única intervenção do arguido MM nesta matéria foi ter pedido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para receber em audiência o arguido JA. Também neste caso a intervenção do arguido MM foi residual e inócua. Todo o processo de reembolso do IVA foi resolvido de forma regular no interior dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira e sem intervenção de qualquer entidade terceira – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria.»
479.ª E, quanto aos factos dados como não provados, o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, relegando para nota de rodapé tal fundamentação, nos moldes a seguir exemplificados:
480.ª Quanto ao seguinte núcleo de factos relativo à decisão da ILS de não cobrar IVA na operação em causa: A fls. 921, em nota de rodapé nº 897, o Tribunal limitou-se a reproduzir a prova documental indicada pelo Ministério Público na aplicação SIIP, sem qualquer referência à prova pessoal pertinente, fazendo uma mera duplicação da enumeração de tal prova nos seguintes moldes: “ Cfr. Correio electrónico de 25/06/2013, 23/07 pelo qual decidem não aplicar entre LBF, PC, NP, APM, SL), Ap. M, vol.2, fls. 89; fls. 104; cf. SMS´s de fls. 247; 247 v. 248 v.; 249, Ap. M, Vol. II.”)
481.ª Desconhecendo- se, assim, que avaliação mereceram os elementos de prova indicados, e a razão pela qual foram “desqualificados” enquanto meios de prova.
482.ª Quanto aos pagamentos efectuados por PLC a JA, o Tribunal refere na nota 898, a fls. 922: “cf. Ap. I, Vol. I, fls. 120; busca 54-B- Certidão inquérito 122/13.8TELSB, busca 27, doc. 6, 2º Vol., fls. 654, 669, 670; cf. Ap. Q, anexo L; Cf. Relatório IV da UPFC da PJ, quadro 1, quadro 2; cf. Ap. T – certidão Nuipc 122/13.8TELSB, conta Suíça”
483.ª Sem curar de realizar sobre tais meios de prova acerca das vantagens disponibilizadas por PLC a JA qualquer valoração crítica, afastando, designadamente, quanto à ocorrência de tais movimentações (a qual só parcialmente dá como provada), informação pericial financeira e o relatório da DSIFAE como se se tratasse de prova sem qualquer valor acrescido.
484.ª Quanto à adesão de MM ao referido acordo de tráfico de influência, a fls. 922, o Tribunal na nota 899, limita-se a citar uma referência de prova documental contida na aplicação SIIP, nos seguintes moldes: “cf. AP.M, vol. 2, fls. 199- 210 – esta documentação não comprova os factos descritos”, ficando-se, assim, por perceber porque desvalorizou o Tribunal tal meio de prova, nomeadamente uma correspondência da ILS que caracterizava por “abordar politicamente o assunto” e de obter uma “decisão politica” numa matéria de natureza técnico-administrativa como a de saber se, à luz da lei portuguesa, uma dada operação se havia, ou não, de considerar como localizada em Portugal para efeitos de liquidação de IVA:
485.ª Quanto às reuniões ocorridas na SEAF, seu conteúdo, objectivos, e participantes o Tribunal dá a factualidade pertinente como não provada, limitando-se, quanto à mesma, na nota 900, a fls. 923, a fazer a seguinte menção “: Cfr., documento 6, pasta 2, busca 74; sms de 23/06 - APM/PLC, apenso M, volume 2.º, fls. 262 – esta documentação não demonstra o plano para a realização desta reunião.”, ficando, assim, por saber qual o iter lógico da avaliação feita de tal prova.
486.ª O mesmo sucedendo a fls. 924, quanto ao seguinte facto: “Vindo tal sugestão a ser ponderada, como plano alternativo, numa reunião ocorrida, nessa mesma data, nas instalações da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª ", entre APM, EL, NP, LBF, M…A… e o arguido PLC”..
487.ª Limitando-se a apreciação da prova à nota 901, fls. 924: “ Cfr., fls. 7-8; 39-40 busca 3, documento 3, volume 1; apenso M, volume 2.º, fls. 70 – esta documentação não comprova os factos descritos.”
488.ª No que respeita ao papel de JA e MM, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto: “Em 2 de Julho, o arguido PLC incumbiu APM de solicitar nova intervenção do arguido JA a fim de que este, mais uma vez através da actuação do arguido MM, facilitasse a obtenção de tal acordo diplomático”
489.ª Limitando-se a, na nota 902, fls. 924, fazer a seguinte referência “ Cfr., apenso M, 2.º volume, fls. 263 v. – esta documentação não demonstra que APM tenha sido incumbida de falar com o arguido JA. Do conjunto da prova produzida resulta que APM e o arguido JA estavam a trabalhar com independência e no final ambos quiseram reclamar os louros pela resolução favorável do problema.”
490.ª Ficando- se, assim, sem se saber qual o processo lógico que levou o Tribunal a optar por uma dada interpretação dos factos ante a prova directa de troca de SMS´s entre APM e PLC acerca de contactos com JA a propósito da matéria do IVA, após reunião ocorrida no SEAF na data de 01.07, e , ulteriormente, no mesmo dia 02/07, no qual terá feito novos contactos com JA, APM refere a PLC que encetou outros contactos com JA nos quais depreciou a importância da intervenção dos “parceiros dele”, e que, na sequência de diligências junto do Director da DSIVA, JA referiu que, para já, não ia contactar “M”..
491.ª Ainda, quanto às conversas via SMS´s de APM e PLC, o tribunal recorrido dá como não provado que: (fls. 924)“Na parte da tarde desse mesmo dia, APM transmitiu ao arguido PLC que ainda na noite desse mesmo dia teria feedback de uma reunião na Autoridade Tributária e que alguém que conhecia vai intervir que, mercê das suas diligências pessoais, antevia alcançar” “Referindo-se ao arguido MM e à matéria da promoção de um acordo diplomático.”“Disputa de méritos esta entre APM e o arguido JA a que não era de todo alheio o arguido PLC atentos os custos decorrentes da intervenção acordada dos arguidos JA e MM..”
492.º Não apresenta, quanto a tais factos, qualquer análise da prova dos autos, a qual consiste em SMS´s constantes do mesmo, nomeadamente no Vol 1, (APENSO M, Vol 2, fls. 263-264 dos autos.
493.ª No que respeita à prova dos factos atinentes ao pagamento da declaração que atesta a qualidade do Sujeito Passivo do Estado Líbio na operação em causa (declaração indiciariamente forjada na perspectiva da pronúncia), o Tribunal dá como não provado o seguinte facto:“Pela obtenção de tal declaração, HE cobrou € 53.647,00 à arguida "ILSª– Área da Saúde, Ldª..”
494.ª Na nota de rodapé 903, fls. 924: 903, o Tribunal faz referência a dois elementos de prova documental sem tecer quaisquer considerações críticas acerca dos mesmos, fazendo-o nos seguintes moldes: “Cfr., documento de fls. 350 – 354 v., apenso busca 54, Certidão processo 122/13.8TELSB, busca 3. “
495.ª Quanto ao facto relativo ao valor que o Estado Português deixou de liquidar em sede de IVA ao ter dado como boa uma declaração indiciariamente forjada, deu o Tribunal como não provado, sem qualquer avaliação crítica, a factualidade pertinente
496.ª Ora, ao não dar como assentes tais valores, os quais resultaram, quanto ao valor de IVA não cobrado, de um cálculo efectuado pela própria DSIFAE (cf. Relatório AT de 30/06/2015, fls. 399, Ap. DCIAP C), sem curar de explicitar qual o raciocínio que conduziu a não aceitar tal valor incorreu o Tribunal numa manifesta falta de análise crítica da prova e falta de fundamentação.
497.ª Mais, ainda, a fls. 1946 e ss., ao considerar, erradamente, a violação de práticas administrativas e orientações de serviço da ATA apuradas nos autos através de actividade probatória (nomeadamente documental e testemunhal), o Tribunal recorrido omitiu pronunciar-se quanto às mesmas (como se tratasse de pura matéria de direito), concluindo, depois, de forma errónea, no entendimento do recorrente, acerca da lisura procedimental da ATA nesta matéria.
498.ª A tal propósito, veja-se o que já dissemos neste recurso acerca da avaliação pelo Tribunal recorrido dos factos integrantes de elementos normativos do tipo, designadamente “decisão ilícita favorável”, também presente no tipo de tráfico de influência a que se reconduz a matéria em apreço.
499.ª Razões pelas quais, quanto a tais factos, o Tribunal incorreu simultaneamente em omissão de pronúncia, e, por isso, na nulidade do art.º 379.º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal, uma vez que não obstante se reportarem a um acto extra-típico: a decisão desconforme ao direito, relevam, na sua prática, para permitir inferir o tipo de actuação almejada com o acordo de tráfico firmado, segundo a pronúncia, entre os arguidos JA e PLC..
500.ª Verificando-se, assim, quanto a tal núcleo F3, quer as nulidades previstas no artº 379º, nº 1, al. a), por referência ao artº 374º, nº 2 (omissão de motivação de facto), quer do artº 379, nº 1, al. c) (omissão de pronúncia), pelo que também, quanto a tais vícios, deve o acórdão recorrido ser declarado nulo.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ART.ª 1.º, AL. F), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ART.º 358.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; A NULIDADE DO ART.º 379.º, N.º 1, AL. C), DO CÒDIGO DE PROCESSO PENAL: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA DE AF ATINENTE À VENDA DE INFLUÊNCIA FIRMADA COM O ARGUIDO Z (NÚCLEO B).
501.ª A fls. 2235 do Acórdão recorrido pode ler-se que, não obstante o Tribunal recorrido haver considerado integralmente provados os factos descritos no Núcleo B e atinentes a um crime de tráfico de influência imputado ao arguido AF no acordo firmado com o arguido Z, o Tribunal recorrido reconhecendo (e bem!) que a factualidade descrita e imputada ao arguido AF integrava um tráfico de influência para a prática de acto ilícito p. p. nos termos do art.º 335.º, nº1. al. a) ( acto de venda de influência sobre o poder de decisão de terceiro) , e não o crime activo (acto de compra de influência) correspondentemente p. e p. nos termos do art.º 335.º, n.º 2, ambas as disposições do Código Penal, veio a entender estar impedido de conhecer e condenar por tais factos, por considerar que havendo que operar-se uma requalificação jurídica da mesma, quanto ao arguido AF, resultaria uma «alteração substancial da qualificação» porquanto determinante da aplicação de uma moldura penal cujo limite máximo era superior ao crime erroneamente imputado.
502.ª Ao assim decidir o Tribunal recorrido criou uma nova categoria legal e dogmática que cunhou criativamente de «alteração substancial da qualificação», uma neo-categoria sita algures entre a mera alteração da qualificação jurídica (que deveria e poderia conhecer uma vez cumpridas as formalidades do art.º 358.º, nº 3 do CPP), e a verdadeira (e única) «alteração substancial dos factos», conceito jurídico definido na lei processual penal no seu art.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, o qual, para verificar-se, pressupõe, antes do mais, “et pour cause” uma «alteração dos factos», o que não se verifica de todo no caso em apreço.
503.ª Relembrando o básico e retomando o norte hermenêutico já por nós tantas vezes perdido no trilho errático do acórdão ora recorrido, diremos a propósito que, não obstante a íntima conexão do objecto do processo com a subsunção jurídica dos factos, ou seja, reconduzindo-se o objecto do processo a um todo interligado de factos e direito definido desde a acusação, desde 1998 e, também com a reforma do Código de Processo Penal de 2007, que o legislador processual penal conferiu à alteração dos factos e à alteração da qualificação jurídica tratamentos jurídico processuais absolutamente distintos.
504.ª O legislador processual penal pôs, assim, termo a alguma divergência jurisprudencial quanto à recondução (ou não) da alteração da qualificação jurídica da qual resultasse punição mais grave a uma verdadeira alteração substancial dos factos.
505.ª Tal divergência, recorde-se, assentava na circunstância de o Código de Processo Penal, na sua versão original (DL 78/87, de 17/02), não prever uma norma equivalente ao actual nº 3 do artº 358.º do Código de Processo Penal (apenas introduzido pela Lei nº 58/98, de 25/08), o que facilitava, no caso de alterações da qualificação jurídica em prejuízo da posição do arguido, uma prática jurisprudencial não garantística de não comunicação ao arguido de tal alteração, cerceando, assim, direitos de defesa os quais eram sacrificados no altar da liberdade da qualificação jurídica.
506.ª Assim, desde a alteração do Código de Processo Penal em 1998 que não se pode haver, salvo melhor opinião, como correcta alguma jurisprudência (minoritária) que considerava que a mera alteração da qualificação jurídica, desde que da mesma resultasse a imputação de crime mais grave, se reconduzia (por falta de previsão legal de um mecanismo similar ao da alteração não substancial dos factos) a uma alteração substancial dos factos, equiparando, assim, a aquisição de novos factos integrantes de, por exemplo, uma circunstância qualificativa, à mera alteração da qualificação jurídica desde que da mesma resultasse punição mais grave (é o caso da posição minoritária referida no Ac. TRL de 2-12-2009, CJ, 2009, T5, pág. 127)
507.ª Sendo que já antes de 1998, se perfilava como maioritária a posição jurisprudencial que não assimilava a alteração da qualificação jurídica (da qual resultasse pena mais grave) à alteração substancial dos factos, como resulta do AC. STJ 10-10-96, BMJ 460. 1996, p. 574, no qual se firmou jurisprudência no sentido de que era permitida ao tribunal a «alteração da qualificação jurídica», mantendo-se intocados os factos. Considerando-se que se com a proibição de uma alteração substancial de factos a lei pretenderia, essencialmente, proteger o arguido da situação de, sendo chamado a julgamento acusado da prática de determinados factos, poder vir a ser surpreendido pela discussão e apuramento de outros, com evidente violação dos seus direitos de defesa, o arguido teria que se «defender dos factos que lhe são imputados e não das qualificações jurídicas» que deles se fazem, distinguindo «vinculação temática» da qualificação jurídica, afastando esta do objecto do processo, reconhecendo, em princípio, inteira liberdade do tribunal quanto à qualificação, no pressuposto de que a base factual da acusação ou da pronúncia se mantenha inalterada.
508.ª Conforme se refere expressamente no Ac. TRE de 7/04/2015: «Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador tomou posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via de aditamento de um número ao artigo 358.º, o n.º 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário á preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa - n.º 2 do artigo 358.º».
509.ª Assim, inexistindo qualquer alteração da base fáctica (o que já sucede, por exemplo, quando no decurso do julgamento se apuram factos integrantes e circunstâncias qualificativas não descritas), ainda que a alteração da qualificação jurídica resulte num agravamento da pena aplicável, por exemplo, o Tribunal deve sempre recorrer ao mecanismo do 358.º do Código de Processo Penal, o que sucede, por exemplo, quando os factos permanecem os mesmos mas o Tribunal, por exemplo, entende, ante crimes que violem bens pessoais, não se estando perante uma situação de unidade criminosa mas sim de concurso efectivo. Neste sentido, cf. Ac. TRP de 8-07-2015 no qual se decidiu que «III. Representa uma alteração de qualificação jurídica, sujeita ao regime do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a qualificação dos factos descritos na acusação e na pronúncia como tantos crimes de tráfico de pessoas quanto o número de vítimas, quando nestas eram qualificados com um único crime.»
510.ª Reconduzindo a alteração da qualificação jurídica, igualmente, ao art.º 358.º do Código de Processo Penal, sem destrinça de situações que conduzam a uma punição mais severa, cf. igualmente o Acórdão do STJ n.º 11/2013 de Fixação de Jurisprudência in DR de 19.07.2013; e o Ac. TRC de 4-06-2008, CJ, 2008, T3, pág.52.
511.ª Dispõe, igualmente, e desde a Reforma de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29/08), o n.º 3 do artigo 424.º do Código de Processo Penal que, em sede de recurso, sempre que se verifique uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.
512.ª Ora, tendo, aparentemente, o Tribunal recorrido só tomado consciência de tal alteração de qualificação aquando da feitura do acórdão ora recorrido – a qual, sublinhe-se, nunca foi comunicada aos sujeitos processuais - deveria, ainda assim, salvo melhor opinião, ter feito uso do mecanismo do artº 358.º, n.º 3 do CPP, à semelhança, e por argumento a fortiori, de idêntica faculdade conferida ao Tribunal Superior quando só em sede se recurso dê conta de uma alteração de qualificação, mecanismo, aliás, que deverá ser utilizado, nesta sede, pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa
513.ª Assim, e ainda que, por absurdo, se houvesse de credibilizar esta neo-categoria da «alteração substancial da qualificação» (julgamos que, no raciocínio do Tribunal recorrido, aquela que, não comportando qualquer alteração dos factos, comporte, tão só, a imputação de um crime mais grave), sempre o Tribunal deveria ter procedido nos moldes do disposto no art.º 359.º do Código de Processo Penal, comunicando tal alteração com vista a aferir da existência de amplo consenso quanto ao julgamento da referida «nova qualificação», o que não curou de fazer.
514.ª Ao decidir nos moldes em que o fez, nunca tendo suscitado a questão de uma alteração de qualificação jurídica dos factos, o Tribunal recorrido, assim invalidando qualquer possibilidade de oposição atempada à sua posição jurídica, logrou operar uma maior «acrobacia processual» do que aquela que seria produzida por uma decisão surpresa (e proibida) assente numa alteração da qualificação jurídica sem observância das legais formalidades consistente na comunicação aos sujeitos processuais do novo enquadramento jurídico realizado (cf. Art.º 358º, n.º 3 do Código de Processo Penal).
515.ª Ao omitir, no caso, o procedimento legal do art.º 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não havendo, sequer, suscitado a questão da alteração da qualificação jurídica dos factos, recusando-se, tão só, a conhecer de tais factos fixados na pronúncia e que, em sede de julgamento, deu como provados, considerando-se legalmente impedido de o fazer, o Tribunal recorrido, por via de uma interpretação errónea das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º, al. f) e 358.º, nº 3 do Código de Processo Penal, incorreu numa omissão de pronúncia, o que integra a nulidade do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal.
516.ª Encontrando-se, assim, também por esta via, enfermo de nulidade o Acórdão ora recorrido.
517.ª Tal nulidade poderá ser directamente suprida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa mediante o mecanismo do art.º 424.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Ainda que se entenda não estarem verificados os vícios e nulidades atrás elencados, nem por isso a demais prova produzida nos autos, devidamente valorada, pode deixar de levar a que se dêem como provados, no essencial, os factos da pronúncia que no acórdão se deram como não provados e foram determinantes da absolvição dos arguidos.
VÍCIOS DE JULGAMENTO/IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO
518.ª A formação da convicção do Tribunal no acórdão ora recorrido não assentou, na perspectiva do Ministério Público, de forma alguma, num processo lógico e racional na apreciação da prova, o que fez com que incorresse, naturalmente, em erro de julgamento.
519.ª Quanto à matéria de facto constante dos autos considera o Ministério Público, ora recorrente, que a mesma foi parcial e incorrectamente julgada, no que respeita à apreciação e fundamentação dos factos dados como provados e não provados. Não tendo o Tribunal "a quo" observado, assim, o princípio da livre apreciação da prova ínsito no art° 127° do C. P. Penal, mostrando-se outrossim a decisão (parcialmente) contrária às regras da experiência comum.
520.ª Na esteira do exarado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011 (processo n.º 936/08.0JAPRT.S1, in www.dgsi.pt, relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral), os indícios elencados e apreciados pelo Tribunal, ao arrepio das regras da experiência comum e de normalidade, para dar como não provada a factualidade que a seguir se elencará, não permitem infirmar os fortes indícios coligidos nos autos, que de seguida se elenca igual e especificadamente, dos quais é possível inferir, sem margem para uma dúvida razoável, em sentido oposto, isto é, que os factos haveriam de ter sido dados como assentes, o que alteraria diametralmente o sentido da decisão proferida.
521.ª O Tribunal, com efeito, para além de, nos casos infra discriminados, não ter feito uma avaliação correcta da chamada prova directa ( a que tem por objecto imediato factos reconduzíveis a elementos típicos), não fez igualmente uso correcto, como acima já se explanou genericamente, da chamada prova indirecta, indiciária ou por presunção. Assim, veja-se os seguintes pontos da matéria de facto especificamente impugnados de seguida.
RELAÇÕES E PARCERIAS NEGOCIAIS ENTRE OS ARGUIDOS.
522.ª O Tribunal recorrido, a fls. 838, deu como não provados os seguintes factos quanto a uma Ligação comercial de JA e MM com a sociedade «"O…":« No ano de 2008, os arguidos JA e MM mantiveram uma parceria privada de escopo lucrativo com SCS./ Nos termos do acordo firmado, incumbia aos arguidos JA e MM "facilitar contactos com entidades públicas e privadas a fim de «blindar/fechar negócio», fazer a aproximação a quem de direito e indicado por vós", disponibilizar informação a fim de "estabelecer contacto imediato sempre que saiam novos concursos", junto das entidades contratantes, nomeadamente públicas./Entre as entidades contratantes visadas pelo acordo estabelecido contavam-se o Ministério da Administração Interna (concurso para futuras instalações da Polícia de Segurança Pública), a GALP, a Tabaqueira; a Biblioteca Pública da Horta; a EDP; a Logoplaste; a APL-SINES; o Comité Olímpico; "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (Lojas do Cidadão); Câmaras Municipais; Câmara de Sintra; "Ilhas Valor, S.A."; e "AMA – Agência para a Modernização, S.A."./ A referida parceria foi formalizada através de um denominado "acordo de colaboração comercial" celebrado com LB, companheira marital do arguido JA, a qual actuou em tal contrato como uma testa de ferro, tendo a referida minuta sido elaborada pelo arguido MM..»
523.ª Ora, o Tribunal recorrido só assim concluiu, na medida em que relativamente à matéria atinente às parcerias de MM e JA e a "O…", errou no julgamento e apreciação dos factos e prova ao não apreciar e valorar os documentos juntos aos autos no Ap. O, a fls. 137 a 141 ( caixa de correio elecrónico ): um conjunto de emails trocados entre SCS e LB e a testemunha RF - usuário do email - do quais, no entendimento do recorrente, decorrem provados os factos dados como não provados e constantes dos artigos 45.º, 48.º, 49.º, 50º e 51.º da pronúncia.
524.ª Tais elementos de prova, reportando-se ao ano de 2008, descrevem como parceiros contratuais de SCS ("O…") os arguidos MM e JA, e LB como mera «testa de ferro» dos interesses destes, bem como um acordo relativo ao exercício de influência em matéria de contratação pública visando, nos termos literais da referida correspondência «blindar/fechar negócios» (cf. fls. 137, Ap. O) no âmbito de contratação pública já após a entrega de propostas (cf. caso do Concurso para empresa pública (Sector Público Emptresaria da Região Autónoma dos Açores) IV, SA, no qual foi reservada uma comissão de “16.000,00€” para a colaboração acordada.
525.ª Assim, no email de fls. 138, ponto 9, questiona-se, quanto a um contato com a EDP, «poderá o JA falar com o MeX ?»; no ponto 10 , acerca da LOG…, dá-se a indicação: “ Ver situação com MM, que já falou com o AR » ; no ponto 13, RF faz expressa referência de que se aguarda as “ indicações de JA e MM” ( para contratação atinente às Lojas do Cidadão - IRN); no ponto 15, sob o título, “Câmaras Municipais”, refere-se “Elaborar uma lista onde se poderá ter a intervenção de M. Com estes dados a "O…" poderá contar com mais informação e estabelcer contacto imediato sempre que saiam novos concursos.”; no ponto 16, sob o título “ Câmara de Sintra”, refere-se : «Sexta 06 será efectuada uma reunião de apresentação da "O…". Necessário uma palavra de MM..»
526.ª Não obstante, no email de fls. 139 surgirem como beneficiários dos pagamentos das comissões LB e RF, o teor do email anterior (fls. 138) não suscita dúvidas acerca de quem prestava os serviços acordados no denominado «acordo de colaboração comercial» o qual, conforme decorre do email de fls. 140, foi elaborado por MM, estabelecendo uma percentagem de 7% por cada «venda» concretizada, sendo que, o cotejo do teor do contrato (fls. 140 e ss.) e com o teor do email de fls. 138, não suscita dúvidas que a alegada percentagem nas vendas mais não se tratava do que uma comissão para contratos alcançados pela "O…" com intermediação de MM e JA..
527.º Por outro lado, o email junto por RF a fls. 16596 e ss. , e o cheque destinado ao seu pagamento (realizado em nome da empresa “Xystus”) comprovam que, não obstante no contrato celebrado, apenas LB constar como prestadora de serviço, se verificavam outros pagamentos não contemplados formalmente por tal acordo o qual, conforme decorre da correspondência electrónica abarcaria comissões a pagar a também a RF e a LB..
528.ª Assim sendo, dúvidas não há que a mencionada documentação comprova, ao fim ou cabo, a existência, ao tempo, de uma ligação comercial entre a "O…" e os arguidos MM e JA, daí que os factos acima mencionados deveriam ter sido dados como provados e não como não provados, o que só aconteceu devido ao erro de julgamento na matéria de facto.
529.ª O Tribunal recorrido, a fls. 842, e quanto À "FI,SA" dá como não provado o seguinte facto: «A "FI,SL" teve envolvimento num processo-crime de corrupção em Espanha.»
530.ª Ora, o Tribunal recorrido ao ter dado o mencionado facto como não provado, fê-lo por erro de julgamento na apreciação dos factos e da prova, ao não apreciar e valorar a carta rogatória constante do Apenso A-F dos autos.
531.ª Assim, do conteúdo da mencionada carta rogatória resulta de forma inequívoca que, em Espanha, em data próxima da acusação proferida nos presentes autos (então de arguido preso) corria termos um processo crime no qual era imputado à "FISL" actividade de centralização de uma rede corruptiva no âmbito de concursos públicos, como decorre em especial da notícia de fls.10 e ss., publicada no Observador de 18.09.2015; do conteúdo noticioso de fls.12 e ss., do “Estrela Digital“; e da certidão de fls.143 provinda da Audiência Nacional e referente ao Processo abreviado 74/2015, na qual se pode ler, logo a fls. 143 v.: «Los hechos objeto de la causa implican la presunta existência en la empresa "FI,SL" de una actividad planificada dirigida a adjudicarse por médios fraudulentos contratos públicos».
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Núcleo OLI – F.1.
532.ª A fls. 961 e ss. do Acórdão, o Tribunal enceta uma motivação de facto acerca de tal núcleo F1, nos moldes a seguir sinteticamente enunciados: A) )Inexistência de prova acerca de qualquer acordo entre os arguidos, ou, sequer, de coordenação de actividade, tratando-se, na perspectiva do Tribunal recorrido, os planos negociais de JA e AF de abertura de uma Agência na China e a ordem dada por MM e o seu cumprimento por parte de MP de dois acontecimentos paralelos, autónomos, sem qualquer conexão; B) Os planos de criação de uma Agência de Vistos Gold na China – admitidos pelo Tribunal recorrido – tratar-se-iam de «imaginação destes dois arguidos»; C) Rematando tal processo lógico de apreciação da prova com a afirmação de que “A nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração na China em nada servia os interesses dos AF e JA em criarem uma Agência de Vistos Gold na China.”(Cf. fls. 962 da Motivação de facto).
531.ª O Ministério Público discorda totalmente de tal leitura da prova dos autos.
532.ª Com efeito, concatenando a matéria de facto dada como provada (cf. 426 a 434) com a matéria dada como não provada e que, no entendimento do recorrente deveria ter sido dada como provada, não restava ao Tribunal recorrido senão concluir, ao contrário do que fez, que a ordem dada por MM a MP a fim de que fizesse uma proposta de OLI para a China destinava-se a servir os interesses lucrativos de AF e JA numa parceria negocial na qual planeava, no futuro, participar.
533.ª Com efeito, para tal concorre, antes do mais, a contemporaneidade das intercepções das conversas entre os arguidos e anúncio, no seio do MAI, por MM do propósito de criação de OLI (cf. matéria provada a fls. 427 e 432 e ss.), o que, não se tratando, por certo, de uma coincidência cósmica entre a alegada “mitomania” do então Presidente do IRN e um empresário Português, retiram, de acordo com o funcionamento das regras da experiência comum, base fáctica à conclusão realizada pelo Tribunal recorrido de que os planos dos arguidos e o procedimento OLI ocorreram em universos paralelos e inteiramente distintos a que só uma alegada gabarolice inconsequente dos arguidos AF e JA dariam unidade.
534.ª Inexiste, no entendimento do recorrente, suporte fáctico para alicerçar a dúvida que o Tribunal recorrido usou como impedimento para realizar o salto lógico que conectaria a criação da Agência na China com a criação de um posto de OLI na China.
535.ª Sempre a partir de uma ideia de postura de «gabarolice» dos arguidos AF e JA, e de um desconhecimento dos seus planos mitómanos por parte dos arguidos MM e MP, os quais, na análise do Acórdão recorrido, como que conservariam uma distância securitária ante os devaneios dos primeiros.
536.ª Estranho é que o Tribunal recorrido tenha descredibilizado, neste particular, as versões dos arguidos plasmadas em conversas telefónicas interceptadas (onde o público das «gabarolices» seria, à partida inexistente), para depois, sem qualquer fundamento, conferir credibilidade às respectivas declarações em sede de julgamento.
537.ª Ainda segundo o recorrente, o funcionamento das regras da experiência comum conduziria a credibilizar a versão de que o arguido MM apenas não deu andamento ao procedimento na sequência da fuga de informação ocorrida nos autos juízo que decorre da prova produzida nos autos quanto à fuga de informação (Notícia publicada na revista … e no -… …, em …de … de … – cf. Ap. A: Violação de Segredo de Justiça) e à circunstância de a proposta do arguido MP, após tanta urgência na sua tramitação, ter ficado sem, andamento no Gabinete Ministerial. (cf. Apenso de busca 31 e Doc. 1 (tramitação informática do expediente no Gabinete; cf. declarações do arguido AF em sede de primeiro interrogatório judicial que confirmou ter abordado o DN da PJ sobre as escutas; cf. Ap. A – certidão para violação de segredo de justiço; doc. de fls. 2498-2502, 8º Vol; fls. 292 AP. R, IV Vol. fls. 292-298.
538.ª O referido juízo da matéria de facto tem, também, como pressuposto de base o erro de direito (e a contradição insanável) em que incorreu o Tribunal recorrido e já acima referido quanto à alegada inadequação das funções de OLI ao cumprimento dos objectivos dos arguidos JA e AF em matéria de angariação de clientela chinesa.
539.ª Bem como a desconsideração probatória da concreta Proposta de criação do posto OLI na China realizada por MP na sequência da ordem que lhe foi dada por MM (cf. - Doc. 2, Busca 31).
540.ª Tal proposta- refere expressamente a valência dos OLI por “poderem aportar um importante contributo na captação de investimento directo estrangeiro - um dos objectivos estratégicos consagrados no programa do XIX Governo Constitucional bem como o facto de constituírem “uma mais-valia na prestação de apoio técnico permanente junto da Embaixada ao nível da emissão de vistos”, sendo, assim, para além de um erro de direito, um manifesto erro de apreciação na matéria de facto a dissociação da figura do OLI com a matéria dos ARI e. bem assim, com a matéria da emissão dos vistos ( sendo a prévia obtenção de um visto Schengen um passo essencial no procedimento de obtenção de visto).
541.ª Ora, face a tais elementos de prova, desconhece-se, por não intuível e não explicado no acórdão recorrido, qual o percurso lógico que conduziu o Tribunal recorrido à negação de qualquer potencialidade do cargo OLI para os propósitos (reais) negociais dos arguidos: captação de possível clientela OLI. Não podendo, pois, sufragar-se o referido juízo probatório, devendo haver-se, pelo contrário, como assente a factualidade que o Tribunal considerou não provada.
542.ª A fls. 906 e ss. dos autos, o Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto: “O arguido MM acompanhou de perto, directamente ou através do arguido JA e da Dra.AG – os quais assumiram os papeis de porta-voz de tomadas de posição daquele –, a actividade do arguido AF e do arguido Z na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI.»
543.ª Fundamentando tal conclusão probatória, na Nota de rodapé 874, fls. 906, o Tribunal recorrido limitou-se, uma vez mais, a elencar meios de prova, como várias sessões de escutas e prova documental limitando-se a referir, sem qualquer análise crítica dos referidos meios de prova, como infra se referirá quanto à nulidade do Acórdão recorrido, que, cita-se, «estes meios de prova nada permitem concluir sobre a participação (nem sequer acompanhamento) do arguido MM nesta matéria da actividade dos arguidos AF e Z na área imobiliária instrumental da obtenção de AR»
544.ª Ora, tal conclusão a que o Tribunal recorrido chegou por um salto no escuro no processo lógico ou através do habitual de adivinhação, não poderia estar mais afastada de uma correcta análise dos meios de prova.
545.ª Os seguintes meios de prova impunham, com efeito, decisão que desse como provado tal facto: Doc. de fls. 420, apenso L, volume 1 – A4: troca de SMS´s entre MM e AF, na data de 03.04.2013, no qual é combinado entre ambos pormenores de um jantar com um cidadão chinês, manifestando-se MM preocupado com facto de, durante o jantar, ter que atender uma chamada de PP, aconselhando AF a avisar o “chinês”; Docs. de fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1: fotografias extraídas do telemóvel de Z nas quais se encontra fotografado MM juntamente com Z, ZB, CC e RFL; Doc. fls. 614 do apenso L, volume 1, A4.: Troca de SMS´s, de 18.04.2013, entre AF e C…C…, presidente da CM de …, nas quais AF refere que o está a contactar porque MM lhe disponibilizou o telefone a fim de que fosse apresentar uma delegação Chinesa para obtenção de elementos urbanísticos para a Quinta …; sms no qual MM disponibiliza a AF o número de telefone de C…C….; Doc. fls. 18 a 22, volume 1, apenso L, Volume 1, C1: fotografias constantes do telemóvel do arguido Z (da marca Apple iPhone 5 (A….) _IMEI_01…………..4, Z – C1;: fotografias da «cerimónia privada» ocorrida no MAI para entrega de ARI a RFL e a CC, na qual estes cidadãos estiveram a sós com MM, AF e MP, sem qualquer divulgação na agenda do Ministério da Administração Interna e realizada ao arrepio das regras de divulgação firmadas no Grupo ARI, sendo que segundo as declarações prestadas pelo arguido Z na fase de inquérito , em 2/10/2015, perante o Ministério Público tal cerimónia foi feita a pedido de CC, pois gostaria de conhecer o gabinete de trabalho de MM ; Cf. Sessão 424, 1162, 2331, 26587, 55243 ALVO 62001060 (AF): conversa entre AF e JA, datada de 16/12/2013, na qual AF refere que o Z quer ir entregar prendas a JA e a MM; conversa datada de 12/02/2014, entre AF e Z, na qual AF refere a Z que tem a capacidade para lhe abrir as «portas da administração» e que quer apresentar MM a XB, a quem Z, a fim de convencer XB a entrar em negociações com eles, deveria dizer que «tinham aqui um grupo»; conversa de 05/03/2014, na qual AF refere a JA que o «nosso amigo Xá» (XB) está para chegar e que «diz que não sai daqui enquanto não fechar alguns negócios», e «a ver se estamos com ele, enfim, arranjamos aí o nosso jantarinho, até com o nosso amigo» e que, «acho que ele vem mesmo agora com vontade de começar a fazer coisas, e pronto. E devemos estar envolvidos com ele, no sentido de dar-lhe algum apoio, e pronto, ajudar. Porque ele merece.».; Sessões 20209,20237,20239, 20248 ALVO 63125040 (alvo Z) : na data de 23/05/2014, Z telefona a JA a pedir bilhetes para ir ver um jogo, respondendo-lhe que vai falar com o MM, referindo, depois, que a LB está a tentar marcar visitas a casas, descrevendo casa na Quinta da … que o Z e o AF tinham ido ver, numa visita em que o JA não tinha conseguido ir; na mesma data e na chamada de JA para Z na qual refere que o MM já ligou para o Presidente da Federação para arranjar bilhetes; segundo contacto no qual JA refere a Z que o MM conseguiu arranjar um bilhete, e que mais tarde confirma se arranja segundo, durante a conversa, MM, que se encontra com JA, intervém e manda um abraço para Z; Sessões 523,561, 2328 ALVO 66799040 (JM): Na data de 17.07.14, de manhã, MM telefona a JA a dizer-lhe que já falou com o MP a propósito daquela questão; na mesma, da parta da tarde, MM telefona a JA a dizer a “boa notícia que que aquilo está resolvido”; na data de 22/08/2014, JA diz a AF que “já deu o recado ao outro” e que ele lhe vai ligar, dizendo-lhe AF que há gente perigosa no gabinete a tentar lixá-lo. (sessões últimas estas que demonstram que JA, num período após a fuga de informação nos autos, serviu de interlocutor/intermediário entre MM e AF)..
546.ª A fls. 906, o Tribunal recorrido dá como não provado o seguinte facto: «Já após o início das suas funções como Ministro da Administração Interna, o arguido MM, conjuntamente com o arguido JA, prestou colaboração à referida actividade do arguido AF, cujos contornos conhecia, exercendo os seus poderes formais administrativos hierárquicos de direcção de forma a favorecer a referida actividade lucrativa de cujos proventos almejava futuramente participar.»
547.ª Na nota de rodapé nº 875, a fls. 906., o Tribunal recorrido indica os seguintes meios de prova:- Sessão 64 do alvo 65345040 (Z), apenso D, fls. 335: sessão de 09/05/2014, entre o arguido Z e n.º 8615229275999 (INI), no qual, fala de um LJ e refere planos relativos à associação/clube de elite de empresários chineses e portugueses na China e partilha de lucros entre os arguidos JA, AF, Z e Ministro..
548.ª Referindo, sem qualquer análise crítica, lacónica e peremptoriamente, que: «estes meios de prova nada permitem concluir que o arguido MM tivesse alguma remota intenção de obter proventos da actividade na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI».
549.ª Ora, na referida sessão 64, de 09/05/2014, Z fala com um INI, a quem diz que esteve com o AF e o JA no dia anterior. Fala igualmente do MINISTRO, «aquele da Administração Interna». Diz que esteve com eles. Z diz ao seu interlocutor que eles disseram que querem criar uma associação com a designação de clube seria melhor, mais exclusivo, de elite. Z refere ao referido indivíduo que, como eles são entidades oficiais, podem resolver qualquer assunto que possa surgir. Z diz “depois podemos expandir o clube para Angola, Macau, Moçambique e Brasil”. Z diz que “ele" disse que quando fosse à China seria o clube a pagar. Que “ele” disse que com a entrada de dinheiro lhe podiam dar uma parte dos lucros. Z diz que para já podem entrar no clube ele próprio, o interlocutor, AF e JA. O Interlocutor pergunta a Z quando é que está pronto e Z diz que para a semana já está pronto para assinar. Z diz que “eles pensaram” muito bem nisto.
550.ª Quanto ao teor da referida conversa, o arguido Z, em sede de interrogatório na fase de inquérito, em 2/10/2015, presidido pelo Ministério Público o, com observância das legais advertências e formalidades - e não valorado, indevida e ilegalmente, pelo Tribunal recorrido nos moldes já acima referidos- esclareceu os contornos do acordo estabelecido com AF, o qual compreendia a troca da colaboração (realização de pesquisas nas bases de dados no IRN acerca da situação registral de imóveis; marcação de escritura e actos de registo “sem ficar na fila”, obtenção de ARI´s de forma mais célere através da transmissão pela secretária do IRN do nomes de requerentes ao SEF, admitindo que, assim, conseguia levantar título mais rápido do que se fosse um advogado a intermediar o requerimento) de AF por uma futura participação social numa sociedade (objecto relativo a turismo, massagens, azeite e vinho) a constituir com AF, XB e S…LU (residente em Espanha); que o AF estava muito interessado em fazer negócio na China; que foi à China duas vezes com o A, uma das vezes com a família, da segunda vez com o JA e com um Rui; que da primeira vez o AF pagou as passagens e as despesas de alojamento foi o AF quem pagou, tendo a alimentação sido disponibilizada por amigos, que por vezes, lhe pagava a comida; da segunda vez, a Xn, o alojamento foi pago por AF, as viagens não sabe quem comprou porque estava na China; foi o SP quem estabeleceu os contactos para a realização da visita (SP sócio de ZB), que houve um problema de tradução relativamente ao cargo e traduziram por Vice-Ministro; que quem ajudava na aquisição de casas de Base Tropical era um P…M…; que deu uma pintura ao Presidente da Câmara Municipal de …; conhece FR e que era o AF a marcar as escrituras com a FR para a "BT". AF ajudava para um dia mais tarde entrar nas sociedades com Z e no futuro, nos dividendos, AF ganharia mais e quando saísse do Estado iria ganhar entre 4000 a 7000 euros mas tinha mais expectativas de ganho. Combinaram isto em 2012. E no futuro JA e MM podiam participar nas sociedades. A propósito do Clube de Empresários, falou-se em MM participar no mesmo quando saísse de Ministro. O CC queria ver onde é que o MM trabalhava. O CC ficou muito contente de ir ao MAI receber o ARI. MP jantou em casa de Z. AF e JA tentaram abrir uma Agência de Imigração na China e falaram na hipótese de abrir em Xn uma espécie de consulado. Eram duas pessoas do SEF que iriam para lá. Se houvesse um consulado em Xn e se fossem pessoas do SEF para lá, seria mais fácil tratar dos vistos, na China demorava um mês. Conhecia M… de S…, foi-lhe apresentada por AF. Com MP não falou sobre isso. A Hora de Descanso e a Forma Absoluta venderam quatro imóveis. A hora de Descanso comprou cinco imóveis mas ainda não conseguiram vender. Foi dinheiro do XB. AF quando estava a ajudar já tinha em vista ganhar dinheiro. Deu duas garrafas de Pêra Banca ao Director do SEF e para MM a prenda foi tabaco e uísque. Que não lhe passou pela cabeça que isso podia ser proibido. Que as ajudas de AF lhe deram vantagem, não considerando tal vantagem reprovável porque é normal os amigos ajudarem-se e não achou que fosse ilegal pedir ao AF que as ARI’s fossem despachadas mais rápidas.
551.ª Ora, salvo melhor opinião, inexiste qualquer razão atendível para descredibilizar tais declarações do arguido Z, uma vez que as mesmas dão uma explicação lógica e um sentido racional a um conjunto de actuações do arguido MM que, de outro modo, careceriam de justificação lógica ante o quadro legal que enforma a sua conduta, as práticas seguidas em matéria de atribuições de ARI e acordadas entre os Ministérios Envolvidos no Grupo de Acompanhamento ARI, o qual não prestou declarações em julgamento.
552.ª Razões pelas quais o Tribunal deveria ter dado como provado o facto acima referido.
553.ª A fls. 907, o Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto: “Sendo o poder de influência exercido sobre o arguido MM parte da actividade acordada desenvolver pelo arguido AF ante os arguidos Z e ZB, em troca de benefícios de natureza patrimonial por este prometidos/prestados àquele.”
554.ª Na nota de rodapé 86, a fls. 907, o Tribunal recorrido indica a sessão 26587, do alvo 62001060, referindo, lacónica e peremptoriamente, sem, uma vez mais, fazer qualquer análise crítica, que a mesma «não demonstra o facto em causa», omitindo, assim, qualquer referência ao teor da conversa a qual não cura de analisar criticamente, no cotejo com a restante prova, limitando-se a afirmar, sem mais, a sua falta de relevo probatório.
555.ª Ora, a referida sessão, reportando-se a uma conversa de 12-02-2014 entre AF e Z, aborda matéria relativa ao ARI de XB e um desabafo de Z a AF acerca de conflitos negociais do primeiro com S… LU, contexto no qual AF aconselha Z a afastar-se em termos negociais de S…LU, dizendo-lhe que se S…LU está insatisfeito que “arranje um advogado” , que “arranje um revisor oficial”…. “ que vai ver quanto isso custa”, que o problema dele era as “coisas serem tratadas sem ele pagar nada”, e que “se habituou mal”…. A dada altura da conversa, AF, a propósito do arguido XB, incentiva Z a dizer aquele “ Você só tem que lhe dizer Z, que eu estou com ele, sou amigo dele e aqui em Portugal eu abro-lhe as portas todas. Empresas privadas, administração pública, tudo.», respondendo-lhe Z : “(…) Xá sabe. Já também já sabes, connosco…ele disse, este ano vai fazer vários negócios. Ele tem assim já confiança com Drs., com amigos.”, respondendo AF “depois também quero apresentar-lhe o Dr. MM, para ele ficar a conhecer também. Pronto, que é para ver que nós temos aqui um grupo de pessoas (21:16 imperceptível 21:19).”
556.ª Ora, salvo melhor opinião, desta conversa flui claramente, para um homem médio, que um dos «serviços» prestados por AF a Z eram - para além dos serviços sucedâneos de actividade normalmente prestada e paga por e a advogados, contabilistas e revisores de contas- os contactos privilegiados e as influências que alegava ter (e tinha, de facto) no seio da administração pública, nomeadamente junto de MM..
557.ª Não se divisa do teor literal da conversa e do seu contexto outra leitura possível. Não se percebe, assim, como chega o Tribunal à conclusão da irrelevância probatória da referida sessão (a qual analisa isoladamente, como se matéria pura fosse a dissecar em laboratório) para provar quais os serviços prometidos prestar por AF a Z, nomeada e expressamente, na palavras do próprio, a influência que detinha sobre MM, devendo tal facto dar-se como provado.
558.ª A fls. 907, o Tribunal recorrido dá como não provado o seguinte facto: «Participando o arguido JA, pelo menos, desde Agosto de 2013, com conhecimento do acordo firmado entre os arguidos Z e AF, na actividade de prospecção imobiliária levada a cabo pelo arguido AF em prol dos interesses do arguido Z, angariando possibilidades de negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z..»
559.ª Na nota de rodapé 877, a fls. 907, o Tribunal recorrido elenca a prova indicada digitalmente pelo Ministério Público na aplicação SIIP, designadamente as sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF); 15748, 20209 alvo 63125040 (Z); 1278, 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JM), concluindo que o arguido JA prestou um auxílio pontual na prospecção imobiliária, indicado a existência de alguns imóveis que poderiam ter interesse.
560.ª Ora as referidas sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF), impunham o juízo probatório oposto. Assim : Sessão 333, de 15.12.13: AF e Z falam de interesse de Z no edifício dos R… e de um escritório na Avª …, falam de JA e da mulher, nomeadamente se Z esteve com ambos no fim-de-semana.; Sessão 380, de 16.12.2013: AF e JA falam de Z e de SP, e da pretensão do primeiro em visitar escritório na Avª …, visita a ser preparada por JA, e outros palácios.; Sessão 424, de 16.12.2013: JA (93…..61) liga para AF e este diz que está com o Z. JA diz para lhe dar um abraço e comentam as negociações para a compra de um imóvel por parte de Z e que este apresentou uma nova proposta de 3.800.000 euros. AF pergunta a JA qual o tabaco que o DR. MM fuma porque o Z lhe quer dar uns tabacos no Natal. JA diz que acha que é LM azul mas que depois confirma.; Sessão 470, de 17/12/2013: AF e JA falam de negócios de Z e XB, propostas e valores, características dos prédios, visitas feitas com a LB (mulher de JA); queixa-se do SEF e do MP - “É pá eu não consigo falar com o MP, eu telefono-lhe uma, duas, três vezes o gajo não me atende o telefone, quando precisa de chatear e quer ver um processo de nacionalidade que é o MM que lhe pede ou qualquer coisa assim pá, pumba, é pá, se não lhe atendo o telefone, um minuto ou dois, cinco minutos o mais tardar, já sabe como é que eu sou, pá telefono” e que «o problema que existe, vou lá ver, ... com os meus conservadores alguma coisa pendente, com um carago ponho logo tudo em marcha, dois berros daqui, cum carago fica tudo em sentido, fogo o gajo não consegue ter mão naquela gente, é uma coisa incrível. E depois a maior parte do tempo não está cá, ninguém toma conta daquela casa. Do ponto de vista interno a funcionar, aquilo é do pior que pode haver, é uma coisa inacreditável. Mas é que é tudo assim, é pá tenho lá três ou quatro coisas penduradas sem problema nenhum, é pá é assim, olhe, como aquela situação do ???daquela fulana”(…); Sessão 1227: 23.12.2013: AF telefona a JA, dando conta de visitas imobiliárias que faz com Z, dizendo-lhe que estão nos R… e que vão ao Rui “do investimento”, fala do CC, diz-lhe que depois passam pelo MP para lhe darem garrafas, combinam encontro mais tarde.; Sessão 2331, de 01/01/2014: JA liga a Alvo AF e diz-lhe que esteve com o “CAVALO BRANCO”. AF diz-lhe que esteve com o SP e que é importante reunirem-se. ; Sessão 55243, 05/03/2014: AF diz a JA que o “nosso amigo” XB deve vir nesta semana, que já tem AR e que não sai daqui enquanto não fechar negócios, designadamente ver a casa de massagens, a “ver se estamos com ele, enfim, arranjamos aí o nosso jantarinho, até com o nosso amigo”, “acho que ele vem mesmo agora com vontade de começar a fazer coisas, e pronto. E devemos estar envolvidos com ele, no sentido de dar-lhe algum apoio, e pronto, ajudar. Porque ele merece.”; Sessão 96497, de 11.04.2014: AF liga a Z que entretanto lhe passa o telefone a JA, que também se encontra em casa do Z, desculpando-se por não conseguir estar com eles e com o XB.; Sessão 104419, de 08.052014: SMS de AF para JA : “Dr. JA pode vir almoçar comigo e o nosso Zu? Abr”; Sessão 104430, mesma data: AF envia uma mensagem escrita a JA dizendo que no dia seguinte não pode. Acrescenta que haveria interesse em JA estar presente por causa de outra pessoa que também vai ao almoço; Sessão 139560, de 29.07.2014: JA diz que a coisa não está fácil e que está a tentar trabalhar. AF diz que é por isso que precisam de falar com urgência, diz que está em Mira e que vai jantar a Azeitão a casa de AMR do RNPC. AF diz que esteve em Antilla com os amigos NN e JL e que o pessoal de Madrid quer uma reunião urgente com o JA, pelo que falam depois na 2ª feira. AF continua a falar, mas por meias palavras e linguagem vaga, notando-se que JA entende perfeitamente o teor, nomeadamente a hipótese de JA trabalhar directamente com a empresa, que JA assuma na reunião preparativa de Agosto, podendo levar a uma reunião em Setembro com o pessoal de Madrid, ao mais alto nível. JA refere que falam depois, para não falarem por telefone. AF continua, referindo que houve alterações na empresa, que eles querem aqui um ponta de lança, que fique à frente disto, podendo ser o JA essa pessoa, para depois se avançar para coisas de maior envergadura, que são uma série de empresas internacionais que se estão a posicionar e que não querem perder o “comboio”
561.ª Também as seguintes sessões reforçam a ligação entre JA, MM, Ahu e AF, bem como o interesse directo de JA nas actividades de Z e AF : sessão 15748, alvo 63125040 (Z 04/05/2014 : ALVO (Z) faz uma chamada para o JA (JA), que lhe diz que está com AF em Isla Antilla e que nessa noite o AF e ele podem falar para combinar. Diz ao Alvo que quando combinarem falam os três; sessão 20209, de 23/05/2014: O ALVO (Z) liga para JA (JA) e pede bilhetes para o jogo (final da Liga dos Campeões), porque sabe que os bilhetes eram para o MP e ele já não vem. O ALVO diz que os bilhetes são para um cliente. JA diz que vai falar com o MM, que vai fazer o seu melhor, e depois diz-lhe alguma coisa. JA pergunta ao ALVO se ainda está interessado na casa que está junto ao mar, na Quinta …, a que viu com o AF e de que o AF gostou muito.; Sessões 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JA): 2331 de 22.08.2014 JA (JA) pergunta Z se é este o número. Z confirma. JA diz que vai gravar – trata-se de um número novo de Z após fuga de informação nos autos; 2563, 27-08-2014, Z (92…..35) liga para JA e pergunta se JA tem tempo para tomar um café. JA diz que depois do almoço lhe dirá alguma coisa; 2694, 28.08.2014: JA diz que passa em casa de Z pelas 19h30, que depois tem um compromisso em C…; 2881,2004, 2911 de 01/09/14 (jantar na Embaixada da China (Z e JA combinam detalhes e conversam sobre jantar na Embaixada da China; 34101, 5/09/2014: AF (AF) recebe chamada de JA (JA) (93…..61). Pelo minuto 1:14 JA pergunta a AF se há algum comentário “daquele nosso encontro”. AF diz que o anfitrião gostou muito, do “jantar”. JA refere que ainda em relação a essa história e na sequência do pedido que AF fez a JA para este fazer um levantamento, JA diz que tem "coisas fabulosas". AF pede então para falar ainda hoje com JA, mas este diz não pode. Combinam para terça-feira. JA diz que nem vai falar ao outro gajo. AF diz que falam só os dois e que depois dão uma volta, mas que acertam 2.ª feira. Despedem-se.
562.ª Ora, a leitura da prova dos autos feita pelo Tribunal não adere à prova indicada e à prova global produzida nos autos. O que flui dos referidos elementos de prova, nomeadamente das intercepções acima referidas é, ao contrário, que a colaboração do arguido JA no âmbito da prospecção imobiliária - apesar de não essencial ao cumprimento do acordado com Z, daí a imputação haver sido realizada a título de cumplicidade - era relevante para a parceria entre Z e AF e não se tratava de uma colaboração desinteressada, mas antes uma colaboração consciente quanto aos contornos do acordado e pré-ordenada a um fim comum: obter negócios conjuntos e lucros, na senda, aliás, como se referiu quanto ao núcleo “A”, da natureza do relacionamento que intercedia entre ambos desde há vários anos: parceria negocial envolvendo a venda de alegada influência na administração e empresas públicas.
563.ª A fls. 907, o Tribunal recorrido deu como não provados o seguinte grupo de factos acerca da motivação e fins da ordem dada por MM a MP quanto à proposta de criação de um OLI para a China, bem como acerca da participação de AF, JA e MP no plano conjunto dos primeiros quanto à criação de tal posto como meio pelos mesmos antevisto de facilitar actividade negocial de angariação de clientes na China:
“Por volta de Novembro de 2013, os arguidos JA e AF envidaram esforços para abrirem na China uma Agência de Imigração/Vistos Gold que divulgasse os serviços desenvolvidos por ambos em Portugal e angariasse clientela.”
“Em data não apurada em Novembro ou Dezembro de 2013, o arguido JA comunicou ao arguido MM a referida necessidade de divulgarem e angariarem directamente na China os serviços imobiliários instrumentais à obtenção de ARI.”; “Tal objectivo empresarial determinou o arguido MM a, no âmbito dos poderes "tutelares" do Ministério da Administração Interna sobre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, formular o desígnio interior de criar ex novo um posto de Oficial de Ligação para a Imigração na China como forma de favorecer essa actividade”; “Com a criação de tal posto de Oficial de Ligação para a Imigração, a qual concertou com os arguidos JA e AF, o arguido MM visou, em moldes não oficiais, favorecer a actividade de natureza privada e lucrativa levada a cabo por estes.”; “Instruções estas relativas à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China e das finalidades de tal nomeação que foram objecto de troca de considerações entre os arguidos JA e MP, em data não determinada de finais de Dezembro de 2013.”
564.ª Na nota de rodapé 878, a fls. 908, o tribunal elenca a prova elencada digitalmente pelo Ministério Público na aplicação SIIP, designadamente as sessões 2593, 2594, 2595, 2599 do alvo 62001060, referindo, sem qualquer análise, no estilo solipsista uniformemente adoptado na “fundamentação” que “não existe nenhum meio de prova que demonstre indubitavelmente a existência de conversas entre os arguidos MP e JA sobre este assunto. Efectivamente, as intercepções telefónicas em causa consubstanciam conservas entre os arguidos AF e JA, os quais manifestam um desconhecimento das competências e funções de um OLI. Com efeito, tais funções não se contabilizam com as necessidades que os arguidos AF e JA revelam para desenvolver o projecto na China.”
565.ª Ora, tal leitura não adere minimamente ao conteúdo das sessões. Veja-se: Sessão 2583, de 06.01.2014: AF (AF) fala com JA (JA) e resume-lhe parte da conversa que acabou de ter com Z. JA diz a AF que quer fazer uma letter, uma apresentação escrita em mandarim, com a descrição de serviços de visto, a parte processual em termos de visa e também imobiliária. JA diz que se AF o autorizar utiliza a "JAG,Ldª" que é uma empresa de consultadoria e prestação de serviços, que agarrava nisso e mandava para “tudo quanto é contactos na China”, para imobiliárias. JA diz que se criava um mail para responder em mandarim e se fosse preciso até atender o telefone em mandarim. AF diz "isso parece-me uma boa ideia pá". JA diz que a semana passada teve uma reunião com o MP e que ele lhe confirmou que “o nosso amigo" lhe deu instruções para indicar alguém do SEF para ele nomear para ir para a China porque o SEF não tem ninguém na China e diz que “isso faz com que os vistos se atrasem para caralho lá na China". JA diz que é “para agilizar e também para pôr os gajos a ir a Xn”. JA diz que se nós tivermos uma carta de intenções a dizer que prestamos estes serviços, que ajudamos nos vistos, que você (AF) tem aquele contacto na embaixada e que “depois nós com o gajo do SEF também podemos ter aí um bom contacto" (AF vai concordando), com a angariação imobiliária e na residência. A diz que “nós temos condições para fazer um bom trabalho nessa matéria”. JA diz que não vai dizer que “nós” somos uma empresa imobiliária, mas uma empresa de serviços. A diz que é importante dizer que “temos advogados a trabalhar connosco que podem tratar dos vistos e essas coisas assim”. JA diz que “é isso”, que temos um departamento que trata da obtenção de vistos de residência, de visa gold. JA diz que “em bom rigor não temos porra nenhum a”. JA diz que vai fazer o texto primeiro em português e que se AF estiver de acordo traduzem e enviam para toda a China. JA diz que está é dependente do Z. AF concorda e diz que ficou com a ideia que o SP e o TSUI disseram que o Z é boa pessoa mas que complica muito e que de negócios não sabe nada, que podem ter alguns negócios com ele mas que estão receptivos para fazer outros negócios sem ser com ele. AF diz que “a gente tem de ver também a mesma coisa”. AF diz que se pudessem arranjar um bocadinho com o DR.MM esta semana para lhe apresentarem o XB e jantarem todos era porreiro. JA diz que “se o gajo trouxer algum negócio a gente leva. Se não trouxer que se foda...Não andamos a encher pneus”. JA diz a AF que teve esta conversa com o MM sobre isto de que lhe falou e o gajo disse “então espera aí que vou ligar ao MP são gajos cinco estreias, eu adoro os gajos, estarei com eles. Agora não vamos andar a encher pneus, porra”. JA diz que os contactos são deles, agora vamos tirar partido deles. A concorda. JA diz “você é que manda. Se quiser que eu convide o DR.MM eu convido”. AF diz que ficamos assim e avançamos autonomamente. AF diz que o Z joga em muitos campos e a verdade é que não têm visto nada de concreto. A chamada cai.»
566.ª Na Sessão 2594 de 06.01.2014: AF (AF) continua com JA (JA) a conversa anterior. JA diz que têm uma professora universitária que dá mandarim e que têm a sobrinha da LB que anda no terceiro ano e que já fala e escreve. JA diz que se têm todas as condições porque é que não avançam? AF também acha que sim e que cá também têm todas as condições e bons contactos. AF diz que falam directamente para o SEF, têm as imobiliárias... JA diz que agora vão pôr lá o gajo do SEF e não ficam dependentes da Embaixada. AF diz que vão dizer que tratam da documentação para a angariação dos vistos para Portugal e depois para cá para a Autorização de Residência. AF diz que é lá e cá. JA pergunta a AF se não quer ser ele a fazer essa parte porque é uma parte técnica. 2595, de 06.01.2014: continua com JA a conversa anterior. JA volta a perguntar a AF se pode escrever sobre a documentação do visto e da residência. AF diz que sim, que pode escrever para cá, para o ARI e para lá. JA diz que trata da introdução, da parte imobiliária e da parte turística. AF diz que faz a parte jurídica. 2599, de 06/01/2014: JA liga a AF (AF) sugere-lhe um nome para colocar no mail a criar . Diz que "JAG,Ldª" é de JA e que é importante que tenha o visa no nome. AF concorda e diz que também acha importante que tenha o visa.
567.ª A análise das sessões acima referidas, uma vez conjugadas com o teor das declarações prestadas pelos arguidos JA, AF e MP em sede de primeiro interrogatório, não permitem sustentar a conclusão do Tribunal recorrido.
568.ª Com efeito, e atentando-se, por exemplo, nas declarações prestadas pelo arguido MP aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo, nessa parte, sido confrontado com as mesmas em julgamento, o mesmo referiu «A ideia de uma agência na China foi o Ministro do MAI que me falou que podia ser uma solução para termos um gabinete do SEF para a tramitação dos ARI´s e qual seria a região na China com maior fluxo de cidadãos com interesse em investir em Portugal. Abordei este assunto também com AF para saber qual a região da China que traz mais emigrantes. Que no dia 9/1/2014 quando estava a almoçar com AF e este atendeu uma chamada do Z (sessão 3220), foi nessa altura que surgiu a ideia da agência e tem ideia de ter trocado impressões sobre a agência com MM, no gabinete dele, era uma ideia embrionária, houve a ideia, foi discutida mas depois não foi materializada».
569.ª No entendimento do recorrente, o Tribunal recorrido, como acima já referido, cometeu um erro notório na apreciação da prova (indicada e produzida em sede de julgamento), e, ainda, como já acima se referiu, um erro de direito acerca do procedimento de obtenção de ARI o qual, apesar de, cautelarmente, descrito na pronúncia, quanto aos seus contornos legais, e, bem assim, após produção de prova, quanto à prática administrativa seguida no SEF, veio a ser relegado pelo Tribunal recorrido para o capítulo dedicado aos factos conclusivos e “insusceptíveis de prova”, não tendo, assim, após tal anátema, merecido qualquer ponderação e reflexão por parte do Tribunal recorrido que, considerando tais “factos” como não relevantes descurou-os na sua relevância jurídica.
570.ª Razões pelas quais deveriam ter sido dados como provados os factos acima referidos e relativos à instrumentalização que foi feita da figura do OLI por parte dos arguidos na ordem dada por MM a MP, visando-se, com tal ordem, a satisfação de interesses negociais de JA e AF em matéria de angariação de clientela chinesa.
571.ª A fls. 908 dos autos, o Tribunal recorrido dá como não provado, o seguinte facto:
«Na execução do seu plano de autonomização da actividade dos arguidos Z, JA e AF combinaram agendar um jantar a fim de apresentarem os arguidos XB e MM e se inteirarem das propostas de negócio pelo primeiro trazidas para o grupo.»
572.ª Na nota de rodapé 879, a fls. 908, o Tribunal cita a sessão 2593 do alvo 62001060, de cuja análise isolada, supõe-se , extraí a seguinte conclusão: «a vontade de agendar esse encontro é real, no entanto, a intenção é uma mera dedução, sem apoio probatório, da tese da acusação/pronúncia. Tanto mais, que a comunicação com o arguido XB não era fácil, nem tão pouco a comunicação com o arguido Z.»
573.ª Ora, atento o que acima se referiu quanto à prova indirecta, e sua plena operacionalidade, a referida intenção não é, ao contrário do referido pelo Tribunal recorrido uma “mera dedução”, é antes uma operação lógica indutiva a partir dos restantes factos provados nos autos, nomeadamente quanto à natureza do relacionamento dos arguidos AF e JA com os arguidos Z e XB, e fins negociais visados com tais contactos…. Tal intencionalidade, aliás, decorre precípua do teor da conversa mantida e, designadamente, do seguinte trecho: “se o gajo trouxer algum negócio a gente leva. Se não trouxer que se foda…”, referindo-se JA a XB e à hipótese de o levarem a jantar com MM..
574.ª A fls. 908, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto: “A propósito de tal projecto empresarial e da proposta de nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, os arguidos AF e MP encontraram-se e trocaram impressões acerca dos referidos planos de expansão da actividade, da ordem dada pelo arguido MM para que o arguido MP indicasse um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, analisando as regiões na China de onde proviria o maior número de chineses para Portugal, a importância estratégica da pessoa de M… de S… (funcionária da Embaixada de Portugal em Pequim) para o projecto de abertura de uma agência na China, tendo o arguido MP indicado a pessoa do Secretário de Estado das Comunidades J…C… como contacto relevante para o efeito, abordando ainda, em tal ocasião, a matéria do ARI para o arguido XB.»
575.ª Na nota 880, a fls. 909, o Tribunal recorrido indica as sessões 3293 e 3220 do alvo 62001060, de cuja análise isolada, aparentemente, extrai a seguinte conclusão: “ estas intercepções telefónicas ocorreram em conversas entre os arguidos AF e Z, dada a capacidade do primeiro em empolar os relatos, não é crível que tenha sucedido aquilo que disse”.
576.ª Considerando o contexto em que decorreram as conversas, o tom sério usado, a adesão das referências efectuadas nas intercepções às restantes conversações, não aderimos, de todo à interpretação realizada pelo Tribunal.
578.ª Tal facto foi, aliás, expressamente confessado por MP no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, como acima referido, e indevida e ilegalmente desvalorizado pelo Tribunal.
579.ª Impondo, assim, a prova dos autos, dar como provado o facto em apreço.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (Núcleo ILS/VISTOS-F2)
580.ª Quanto a tal matéria, e no que respeita à motivação de facto, o Tribunal, como supra referido, limitou-se a afirmar, no que respeita ao arguido MM, que:
“Relativamente à questão da concessão de vistos de entrada temporária de doentes líbios a intervenção do arguido MM foi residual e inócua.
O arguido MM limitou-se a pedir ao arguido MP para receber em audiência o arguido JA e, posteriormente, falou sobre o assunto com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr.R…M….
Todo o procedimento se desenrolou entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido adoptados critérios gerais de actuação e sem que tenha existido alguma influência externa a estes decisores – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria, assim como, as declarações do arguido MP.» (cf. fls. 962))
581.ª Não analisando criticamente a prova, nem indicando, de forma especificada, quais os elementos de prova nos quais alicerçou a referida convicção, designadamente quanto à adopção de critérios gerais de actuação, afastando a relevância probatória dos elementos que caracterizavam a actuação, no caso, como absolutamente excepcional e diversa da actuação adoptada quanto a outras empresas nacionais.
582.ª Posteriormente, e de forma estruturalmente confusa, o acórdão, naquilo que designa de “motivação de direito” aprecia, quanto a alguns dos arguidos (fls.2267 e ss., MP ; fls. 2284 e ss., JA ; fls. 2372 e ss., MM e fls. 2394 e ss., PLC), alguma da prova produzida o que faz em moldes errados no entendimento do Ministério Público a seguir desenvolvido.
583.º O tribunal, fazendo uma errónea apreciação da prova, dá como não provados os seguintes factos, de cuja prova, uma vez conjugada com a restante matéria dada como assente, resultaria, mediante o normal funcionamento das regras da experiência comum, indirectamente provados, por método lógico-indutivo, as componentes da conjugação da actuação dos arguidos, designadamente acordos tácitos (MM e MP; JA e PLC) e elementos subjectivos (dolo na prevaricação e no tráfico de influência). Assim:
584.º A fls. 991 o Tribunal dá como não provado o seguinte facto atinente às reservas levantadas pelo SEF, quanto ao Hospital de Guimarães, quanto a uma proposta de dispensa de Registo Criminal , o que denotaria uma atitude contrária ante a proposta de dispensa no caso da I:“Proposta que se deparou com reservas por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras face aos interesses securitários tutelados por tal requisito.”
585.ª Ora, tal matéria fáctica relativa a uma prática do SEF contrária e reservada face à sugestão do MNE em dispensar registo criminal assume particular relevo, entre outros factos, para permitir comprovar um tratamento de favor dispensado pelo SEF, através de determinação de MP que interveio, após determinação hierárquica de MM (na tese da pronúncia), no que respeita às pretensões da arguida ILS, dispensando-lhe um tratamento de favor.
586.ª Não se descortina qual o juízo probatório que mereceu tal facto em particular e, bem assim, a prova que ao mesmo se encontra associada , a qual correctamente apreciada deveria ter permitido a prova de tal facto, designadamente:
- Fls. 2-6 da Paginação digital. – e-mail P…/DN SEF) Relatório 13, Ap. P; : Com data de 24-01-2013, às 9:53, um e-mail de DrªP… para Secretariado do DN SEF, dirigido a MP, enviando em anexo informação de serviço referente à deslocação a território nacional de cidadãos líbios para tratamento médico em unidades hospitalares privadas'. Faz o enquadramento da situação, referindo que, em Outubro de 2011, Portugal recebeu o primeiro grupo de cidadãos líbios (21), considerados feridos de guerra para tratamento médico em unidades hospitalares militares, na sequência de pedido de assistência médica formulado pela Representação Diplomática da Líbia ao Estado Português. Chama a atenção de ter sido reportada a aproximação de alguns elementos deste grupo a indivíduos referenciados em território nacional por alegadas ligações a movimentos extremistas. Refere ainda que, em Outubro de 2012, o SEF teve conhecimento da chegada a Portugal de um segundo grupo de cidadãos líbios (19) para tratamento médico, em unidade hospitalar de Guimarães - Hospital Privado de Guimarães / Unidade AMI. Este grupo compreendia os pacientes e respectivos acompanhantes, pessoal médico, funcionários do Ministério da Saúde Líbio e respectivos familiares. DrªP… considera ser “preocupante a solicitação efectuada pela AMI, com a concordância do MNE, para que não seja exigido para este efeito certificado de registo criminal aos cidadãos líbios que, segundo informação disponibilizada, sejam provenientes do Ministério dos Mártires, Feridos, e Desaparecidos (cerca de 500 pacientes), do Ministério da Defesa (cerca de 67 pacientes) e do Ministério da Saúde (pacientes civis).
- Anexo 15, fls. 405 e ss. : documentos remetidos ao Processo pela testemunha DrªP…, nos quais o MNE nalgumas situações solicitou a substituição do Registo Criminal, facto que teria suscitado uma atitude de reserva expressa no doc. anteriormente referido.; reserva reflectida no doc. do SEF a fls. 414 assinado por DrªP…;
- Ap. N1; cf. Anexo 19, fls. 444 e ss.: documento no qual o MNE expõe o negócio pioneiro do Hospital de Guimarães no que respeita ao tratamento de doentes Líbios e a abertura do MNE para abrir excepção à exigência de certificado de registo criminal.
- Depoimento da testemunha TL cuja transcrição consta a fls. 1461 e seguintes do Acórdão recorrido.
587.ª Pelo que tal facto foi indevidamente dado como não provado.
588.ª A fls. 912, o tribunal dá como não provado o seguinte facto atinente ao conhecimento por MM de interesses de outras empresas no mercado relativamente aos doentes Líbios:
«Conduta que MM adoptou apesar de estar funcionalmente a par da existência de interesses concorrenciais de outras empresas em tal domínio, nomeadamente do Hospital Privado de Guimarães, e ciente do melindre securitário suscitado em tais matérias, circunstâncias que fundavam especiais cuidados de isenção»
589.ª Ora, tal conhecimento da existência de interesses concorrenciais com os da ILS (os quais justificavam maior isenção de conduta) resulta directamente do Ap. F 1- certidão de inquérito 140/12.3TELSB – transcrições de intercepções MM/A…M….
590.ª De tais elementos (não analisados pelo Tribunal), resulta que A…M… deu conta a MM, na data de 19/03/2013 – ou seja,, ainda antes dos contratos da ILS – que o Hospital de Guimarães operava neste domínio e que se encontrava a experienciar “dificuldades”, nomeadamente com o SEF para obter autorização de hospedagem dos pacientes em hotéis (ao invés do internamento a que se destinavam os vistos), intercedendo A…M… junto de MM a fim de que as pretensões do Hospital de Guimarães tivessem eco, referindo MM, em tal contacto. ao seu interlocutor, os perigos securitários associados à facilitação da entrada de cidadão Líbios. O que se revela apto a percepcionar a consciência por MM dos perigos de se facilitar o procedimento de vistos e a monitorização dos cidadãos líbios em Portugal, bem como consciência da discrepância de cuidados “protocolares” em ambas as situações.
591.ª Pelo que tal facto, atinente a uma realidade psicológica, deveria haver-se como provado ante o normal funcionamento das regras da experiência comum e da prova indirecta.
592.ª A fls. 912, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto:
“Com efeito, por expressa indicação do arguido MM nesse sentido, em finais de Julho/princípios de Agosto de 2013 e sem a presença de outros técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (…)”
593.ª Na nota 88, a fls. 912, o Tribunal refere os elementos documentais indicados na aplicação SIIP, referindo laconicamente, sem qualquer análise crítica, que os mesmos não provam o facto em apreço, nada referindo quanto às declarações dos arguidos JA e MP a tal propósito em sede de interrogatório judicial pelas razões já referidas supra, omitindo tal prova, bem como as declarações de MM em inquérito, o que, em nosso entendimento, consiste numa errónea apreciação da prova, uma vez que tal facto decorre precípuo de tais declarações.
594.ª Ora, as declarações dos arguidos, uma vez conjugados com tais elementos de prova, atestam tal facto.
595.ª Sendo relevantes, igualmente, quanto a tal matéria os seguintes os seguintes docs.: e- mail de fls. 134, apenso O: email enviado por JA a LB relativo à reunião marcada com MP e seus objectivos; correio electrónico de JA/MP fls. 16, relatório 13, apenso P: com data de 06-08-2013, 3:56:47 PM, e-mail de JA (Pars) para MP, relativo ao assunto “Vistos”, no qual agradece a oportunidade concedida em lhe poder apresentar o projecto do acordo estabelecido entre a ILS e o Ministério da Saúde Líbio. Conforme combinado, aguarda de MP envio dos requisitos necessários para solicitar ao Governo Líbio os documentos obrigatórios para a emissão dos vistos. Agradece atenção dispensada e amabilidade com que foi recebido.
596.ª Pelo que tal facto se deveria ter havido como provado.
597.ª A fls. 913, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto:
“Tendo o arguido MP mencionado, no decurso da mesma, a pessoa do Ministro o arguido MM como mentor do pedido de agendamento da referida reunião.”
598.ª Ora, a correcta apreciação dos seguintes elementos de prova, permitiriam ter dado tal facto como provado: e-mail MP/JMC, datado de 09/08/2013, e resposta positiva subsequente, a fls. 17 a 21, Relatório 13, Ap. P, quanto à proactividade e à iniciativa de MP ( e não da ILS) para a marcação de reunião no interesse desta a realizar na segunda-feira seguinte; Doc. de fls. 55 e 56; 58-60 Doc. 18, Busca 65.: correspondência diplomática ente o Embaixador JMC e a Embaixada de Trípoli, na qual dá conta da realização de uma reunião, na data de 12/08, 2013, a solicitação de MP, remetendo documentação relativa ao contrato da ILS/Estado Líbio; depoimento prestado pela testemunha ACR que, e após ter sido confrontada com o depoimento prestado na fase de inquérito pelo Ministério Público, esclareceu, conforme se alcança da transcrição de fls. 1436 do Acórdão recorrido, que «aquando da primeira reunião o arguido MP na apresentação terá feito alguma referência ao MAI que teria pedido para receber as pessoas ou alguma coisa assim», antes do confronto a testemunha já tinha referido que «na reunião houve uma introdução em que foi referido ter sido o pedido ou as pessoas encaminhadas pelo Senhor Ministro da Administração Interna».
599.ª Pelo que o Tribunal haveria de ter dado como provada a menção feita a MM por MP na reunião que, por sua iniciativa, e no interesse da ILS, a pedido de MM, manteve com o MNE.
600.ª A fls. 914, o Tribunal, no que respeita a um tratamento diferenciado dispensado à ILS, designadamente no que respeita à AMI- Hospital Privado de Guimarães, dá como não provado o seguinte facto:
«E contrária à prática do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras relativamente à interessada AMI de rejeitar a possibilidade legal de emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico por tempo inferior ao período legal de 120 dias.”»
601.ª Ora, o Tribunal , na nota 885, a fls. 914, reportando-se à prova documental de fls. 4-5, 6-7 relatório 24, apenso P; apenso N1, 1.º volume, fls. 58-59 , refere “desta documentação não resulta que esta entidade tenha requerido a concessão de visto por prazo inferior a 120 dias.”, Todavia, tal conclusão não adere à referida prova.
602.ª Assim: o Doc. de fls. 4-5, do Relatório 24, Ap. P, que consiste no parecer pedido por MP ao seu assessor PBL, a propósito da possibilidade de, no caso dos Vistos de Estada Temporária, o seguro ser exigido por períodos inferiores ao da validade dos vistos (4 meses) uma vez que a finalidade para tratamento médico estaria bem balizada temporalmente, o qual foi depois entregue, para assinatura, à técnica jurídica HDB que corroborou tal parecer com base em pressupostos errados transmitidos por MP (conforme matéria dada como provada a fls. 443 do acórdão ), julgando estar-se ante vistos com a mera duração de três meses, ou seja, período igual ao da estada projectada (cf. declarações da testemunha HDB em julgamento reproduzidas no acórdão a fls. 1454 ).; o doc. constante do apenso N1, 1.º volume, fls. 58-59, que consiste num e-mail remetido aos autos por JMC, contendo anexo o parecer assinado por HDB, no qual explica que o facto de ter inflectido na sua posição inicial de não aceitar um seguro por período inferior ao prazo dos vistos se fundou no parecer técnico assinado por HDB, e disponibilizado por MP, no que respeita aos vistos para tratamento de cidadãos Líbios, tendo o próprio assumido ter exigido uma justificação por escrito ao Director do SEF que justificasse essa sua alteração de posição.
603.ª Também as declarações de JMC e do Engenheiro TL, em julgamento, corroboram tal tratamento diferenciado.
604.ª A Fls. 914 o Tribunal considerou como não provado, no que à iniciativa de MP respeita no tratamento dos interesses da ILS, o seguinte facto:
“Posição que adoptou sem que, em momento algum do procedimento, a arguida "ILS - Área da Saúde", haja suscitado e justificado por escrito junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros a impossibilidade de obter tal elemento, e num contexto temporal em que outras empresas portuguesas com interesses comerciais na Líbia lograram instruir os respectivos pedidos de visto com certidões de registo criminal.”
605.ª Na nota 886, a fls. 914, o Tribunal fazendo referência apenas à prova documental constante de fls. 4, fls. 14, fls. 21 apenso N1, 1.º volume, refere que “esta documentação não comprova os factos descritos”.
606.ª Ora, a fls. 3 e ss. do Ap. N1, 1º Vol. encontra-se documentação enviada aos autos pelo Embaixador JMC, no qual, na al. b) se refere a pedidos de vistos que, no mesmo período temporal, foram instruídos pela empresa CSL ( igualmente com interesses na Líbia) contendo CRC´s e não meras declarações de boa conduta;.
607.ª A fls. 7, anexo III, de Tal Ap. N1, consta a listagem e datas de pedidos de visto de estada temporária pela "COM…":
608.ª A fls. 13 e ss. do mesmo AP. N1, Vol. 1, constam as autorizações dos requerentes para junção de CRC, seguido, a fls. 14, de um exemplar de CRC datado de 22/03/2014 e emitido por autoridades Líbias.
609.ª A fls. 21 do mesmo Ap. N1, consta o comprovativo do seguro por todo o período do Visto, no caso entre 1 de Abril de 2014 e 31 de marco de 2015.
610. A este respeito, reproduzindo o que acima se referiu quanto a uma contradição insanável da prova, consideramos que tal facto deve ser dado como provado.
611.ª A fls. 914., o Tribunal deu como não assente o seguinte facto relativo à conduta de JMC no âmbito do procedimento de obtenção de Vistos por parte da ILS:
“Determinando JMC todavia, que tal solução particular e excepcional não poderia, em caso algum, revestir a natureza de precedente.”
612.ª Na nota 887, fls. 914, o Tribunal faz referência aos documentos de fls. 224-225; 320-332, do relatório 13, apenso P, referindo que “esta documentação não comprova os factos descritos”
613.ª Ora o doc. de fls. 223/225 do relatório 13, apenso P, reporta-se a um email de ACR para DrªP… (SEF), datado de 15/09/2013, no qual refere que não será conveniente abrir excepção para a ILS quanto à matéria do seguro, atentos os riscos verificados, o Doc. de fls. 320., por seu turno, o doc. de fls.320-332, reporta-se ao seguro efectivamente contratualizado pela ILS, por um período inferior ao do visto.
614.ª O Tribunal deveria ter atendido, o que não fez, ao Doc. de fls 46-49, Doc. 18, Pasta 1, Busca 65, correspondência diplomática na qual tal posição técnica foi reiterada em 16 de Setembro de 2013 pelo Embaixador JMC a IP, Embaixadora de Portugal na Líbia, em resposta a questões por esta suscitadas em telegramas por si expedidos nos dias 6 e 15 desse mês, manifestando-lhe a rejeição liminar das referidas propostas do SEF que, através da pessoa de NP da ILS haviam sido pessoalmente veiculadas àquela Embaixadora, em Trípoli, logo no início de Setembro.
615.ª Tal facto resulta igualmente comprovado da análise conjunto do doc. constante de fls. 105-107, 239 Relatório 13, Ap. P.; fls. 48, Doc. 18. Pasta 1, Busca 65; e Fls. 67 -74 Ap. N1a
616.ª Devendo, assim, haver-se como provado.
617.ª A fls. 914 , o Tribunal dá como não assente o seguinte facto:
A fim de satisfazer o mais rapidamente possível as pretensões da arguida "ILS - Área da Saúde, Ldª"– de trazer o contingente de cidadãos líbios ainda no mês de Setembro de 2013
618.ª Na nota 887, a fls. 914. o Tribunal, no que à prática do SEF, indiciariamente comprovada, de fazer as verificações de segurança no Gabinete de Apoio às Direcções Regionais (GADR) que funciona junto da Direcção Nacional, e não na DR de Lisboa e na DR do Porto, consoante o destino do requerente (como previsto legalmente) antes de dar entrada qualquer pedido de visto por parte da ILS e com base em listagem nominativa dos requerentes, contendo vários lapsos, entendeu que a documentação de fls. 224-225; 320-332 relatório 13, apenso P, não comprovaria os factos descritos.
619.ª Ora, o Doc. de fls. 224 e ss. consiste na referida listagem utilizada com base da actividade de verificação de segurança, cujo e-mail de remessa por parte de LA para ACR, MNE, refere expressamente que apenas é acompanhada de nome do requerente e ano de nascimento, facto que se revela manifestamente insuficiente para qualquer controlo securitário atinente a cidadãos líbios, nacionalidade qualificada como de risco para efeitos securitários pelo próprio SEF ( cf., quanto à listagem das nacionalidades de risco, anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.)
620.ª Também o doc. de fls. 312 a 321, do mesmo Relatório 13, Ap. P, consiste numa listagem dos requerentes de visto enviada por NP a LA, contendo a listagem, de doentes com o número de passaporte, sem qualquer referência à data de validade do documento indicado ou cópia do mesmo.
621.ª Documentos estes que não foram, assim, validamente valorados pelo Tribunal, uma vez que não satisfazendo os requisitos legais de correcta identificação dos requerentes de visto, permitiriam concluir, à luz das regras da experiência comum, que a conduta do SEF, ao não prosseguir interesses públicos securitários, apenas poderia prosseguir interesses da empresa ILS, pelo que al facto se havia de ter dado como provado.
622.ª A fls. 915, o Tribunal dá como não assente o seguinte facto:
“Sendo a intervenção da Direcção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (doravante DRLVTA) meramente formal.”
623.ª Ora, tal facto decorreria precípuo do facto provado de a verificação de segurança ter sido efectuada pelo GADR e não pela DRL como era legalmente sua competência, devendo, assim, face ao modo como a verificação foi efectuada, e a documentação lacunar que lhe serviu de base, ter sido dado como assente tal facto.
624.ª A fls. 915, o Tribunal dá como não provado:
“Tendo parte dos requerentes de visto por destino o Hospital da Prelada no Porto, circunstância determinante da competência legal desta Direcção Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a qual foi afastada por determinação do arguido MP..
625.ª Tal facto resulta, todavia, documentalmente provado a partir dos seguintes elementos:
- O Doc. de fls. 471 , Relatório 13, Ap. P, o qual constitui uma listagem com o destino dos requerentes dos vistos, alguns dos quais tinham como destino o Hospital da Prelada no Porto, o que, nos termos legais (já acima referidos) determinava a competência da DRP do SEF para proceder às verificações de Segurança.
- Verificações de segurança estas que, conforme factos provados, foram realizadas no GADR, conforme decorre do email de fls. 437 de DrªP… para J…S… da DRL do SEF, a qual validou formalmente validações de segurança feitas pelo GADR, num primeiro momento numa listagem meramente nominativa e, num segundo momento numa nova listagem contendo já números de passaporte mas sem cópias do documento e comprovativo da validade.
- A fls.. 521 a 525 do mesmo Apenso consta igualmente a listagem usada pelo SEF para as verificações de segurança das quais não se consigna, em muitos dos casos, qual o diagnóstico médico do requerente, elemento apto a comprovar as finalidades do visto e a veracidade dos motivos indicados e regularmente exigido para a emissão de tais vistos e parecer ancilar.
626.ª Por outro lado, a determinação do arguido MP resulta inequivocamente dos factos provados quanto à iniciativa e autoria do pacote de excepção proposto pelo mesmo para a ILS, na reunião que manteve com o SEF a 12/08/2013.
627.ª A fls. 915, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto relativo a um tratamento diferenciado da ILS face a outras empresas nacionais:
“No mesmo contexto temporal, a sociedade AMI reportou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros atrasos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na emissão dos pareceres obrigatórios em processos de vistos de cidadãos líbios abrangidos pelos seus contratos.” e “Anteriormente, a mesma empresa hospitalar vira rejeitada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a possibilidade de emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico por um período inferior ao período de 120 dias – solução contrária àquela feita constar do parecer que viria a fundar a solução, por argumento a fortiori, de aceitar seguro por tempo inferior ao da validade legal do visto (120 dias)”
628.ª Ora, ao contrário do referido pelo Tribunal na Nota 889, a fls. 915, os documentos de fls. 102, 105, fls. 107-109, 118-119 documento 17, pasta 1, busca 65 e a informação de fls. 3,5-6; fls. 24, ponto 3 e fls. 51-52 do apenso, atestam tais factos. Assim:
- Os Doc. de fls. 3-6, e Doc. de fls. 24 ponto 3, e Doc. fls 50- 51-52, Ap. N1, os quais constituem um conjunto de docs. remetidos aos autos pelo MNE, dos quais resulta uma diferenciação significativa de tempo de análise dos pedidos de vistos pelo SEF entre a ILS e o HPG, após o início de actividade da ILS, no ano de 2013.
- O Doc. de fls. 102, documento 17, pasta 1, busca 65, que consiste em correspondência diplomática, datada de 28/06/2013, na qual a Embaixadora IP dá conhecimento à DGACCP da manifestação de desagrado por parte da Comissão de Tratamento de Feridos das demoras, que consideram inaceitáveis, para a emissão de vistos requeridos para feridos Líbios por parte do Hospital Privado de Guimarães, referindo atrasos de meses; a fls. 105, conta da resposta para tal reporte por parte da DGACCP, partilhando a DGACCP a preocupação manifestada pela Embaixadora.
- Fls. 107 do Doc. 17, pasta 1, busca 65 :correspondência do MNE para a Embaixada na Líbia, relativo a pretensões do HPG, no qual se faz consignar, a impossibilidade legal de emitir um visto por período inferior ao legal (120 dias), posição em manifesta contradição com a tomada pelo SEF quanto à ILS, no parecer técnico que MP enviou ao Embaixador JMC, e gizado pelo seu assessor a seu pedido e feito assinar, a posteriori, por uma técnica jurista, quanto à possibilidade de aceitar seguros por tempo inferior ao da validade dos vistos.
- A fls. 120 do mesmo Doc., um Relatório do MNE no qual se dá conta da situação do HPG, na data de 05/06/2013, referindo a posição do SEF de inviabilizar a pretensão do HPG e das autoridades líbias para emitir vistos por tempo inferior ao legalmente previsto ( um mês prorrogável), bem como a situação de suspensão de 225 pedidos de vistos por parte dessa empresa.
629.ª Ora tais elementos de prova, se devidamente considerados pelo Tribunal, deveriam ter alicerçado a comprovação do facto em apreço e relativo a um tratamento discriminatório entre a ILS e o Hospital Privado de Guimarães, facto atestado pelas declarações do Engenheiro TL em sede de julgamento e reproduzidas a fls. 1461 e ss. do acórdão,.
630.ª A fls. 915 e 917, o Tribunal dá como não provado um conjunto de factos atinentes a uma nova intervenção do arguido MM na matéria do procedimento dos vistos da ILS, junto do arguido MP, após solicitação do arguido JA na sequência do Encerramento da Embaixada de Portugal em Trípoli:
“Mais uma vez em execução do acordo estabelecido com o arguido PLC através do veículo societário a arguida "JAG, Ldª ." quanto à facilitação dos procedimentos de vistos, o arguido JA colocou o então Ministro da Administração Interna a par das referidas dificuldades a fim de que este, fazendo uso dos seus poderes hierárquicos de direcção (junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e de influência política (junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros) lograsse desbloquear a situação de entraves colocados à emissão dos vistos para um novo grupo de pacientes líbios./ Na sequência do que, entre finais de Julho e princípios de Agosto de 2014, o arguido MM, conhecedor do acordo firmado entre os arguidos JA e PLC a fim de que o mesmo, uma vez mais, no exercício das suas funções, adoptasse procedimentos de favor à arguida "ILS - Área da Saúde, Ldª, ainda que em violação da lei./Determinação que este último acatou.”; e, ainda, “Em execução do que lhe fora determinado pelo arguido MM, o arguido MP, encontrando-se embora de férias pessoais, e agindo em prol do interesse privado lucrativo da arguida "ILS-Área da Saúde. Ldª", determinou a concessão à clientela da arguida "ILS-Área da Saúde, Ldª" de novo tratamento de excepção.
631.ª Tais factos , todavia, encontram-se provados a partir dos seguintes elementos de prova:
- Declarações do arguido MP, em sede de interrogatório judicial, a 14/11/2014, e em interrogatório presidido em inquérito por magistrado do Ministério Público, na data de 7/11/2014, os quais não foram valorados indevidamente pelo Tribunal.
- Intercepções realizadas a JA, nomeadamente sessões 2163; 2165; 2168; 2170,2174, 2176 2180; 2194; 2215; 2236; 2242; 2244, 2245, 2264; 2755, 2760 Alvo 66799040 (JA), relativas aos encontros de JA e MM nas datas de 18 e 20 de Agosto de 2014.; sessão 2268, 2341, 2290 Alvo 66799040 (JA) relativas a contactos com MP..
- Análise ao conteúdo de telemóvel de MP constante do Ap. L, Vol. I, relatório MP, fls. 43, dos quais constam mensagens trocadas entre MP e JA em Agosto de 2014, bem como o acompanhamento pessoal da situação dos vistos da ILS por parte de MP em Setembro de 2014, em SMS´s trocados com este e DrªP….
632.ª Decorre ainda de factos dado como provados, na matéria de facto provada, e prova que os sustentam, assim:
“No dia 20 de Agosto de 2014, por contacto telefónico, JA, actuando sob as instruções de MM, que, entretanto curara pessoalmente de contactar a tutela da DGACCP, e após várias tentativas goradas de que deu conta a MM, logrou contactar MP (o qual se encontrava no gozo de férias em Porto Santo), pondo-o a par da situação, mantendo ambos novo contacto acerca da matéria no dia 22.” - cf. sessão 2268, 2341 2290 Alvo 66799040; cf. Ap. L, Vol. I, relatório MP, fls.43.
“Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, nas palavras do Embaixador JMC, para fazer diligências em favor da ILS, MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do SEF quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da ILS. “(cf. Ap. P, relatório 32, fls. 78, 79-82).
633.ª A fls. 917, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto: “Actuando no interesse do arguido JA e da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.", o arguido MM contactou o Ministro dos Negócios Estrangeiros visando junto deste alcançar a cobertura política para a solução visada pela arguida "ILS-Área da Saúde, Ldª": lograr a emissão de vistos via Túnis para os cidadãos líbios abrangidos pelo contrato da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.", como se de uma situação excepcional se tratasse”
634.ª Ora, tal intervenção de MM junto do Ministro Dr.R…M… resulta directamente provada de fls. 37/37 verso, apenso O: e-mail reencaminhado por MM para JA, na data de 29/08/2014, através de uma conta de correio particular, na qual lhe transmite um email que lhe fora enviado, na mesma data, por Dr.R…M…, no qual este lhe comunica que, na sequência das questões que lhe haviam sido colocadas directamente por MM, havia sido decidido considerar a situação da ILS com uma situação excepcional, para efeitos da emissão de vistos por Túnis, equiparando a situação à emissão de vistos requeridos por funcionário e familiares de funcionários da Embaixada Portuguesa em Trípoli, casos humanitários, ou de incontestável interesse ou urgência económica, referindo, ainda, a importância de tal mecanismo se manter como excepcional ante as pretensões de outras empresas nacionais que já tinham acordos com entidades líbias; acabando por atestar que , quanto ao caso concreto exposto por MM, teria informação que já estava a ser solucionado.
635.ª E ainda do AP. F, sessão 2755, alvo 66799040., fls. 146, intercepção da qual resulta que, na mesma data, em conversa que mantiveram a propósito do e-mail de MM, LB e JA vangloriaram-se com o resultado alcançado com a excepção aberta para a ILS, referindo a falta de capacidade das outras empresas para conseguirem idêntico resultado na matéria dos vistos.
636.ª Bem como da sessão 2533, alvo 66799040 (JA), na qual JA em conversa com NP reclama para si os méritos do tratamento excepcional prestado à ILS graças à sua intervenção junto de MM..
637.ª Resulta, ainda, da análise conjugada de tais elementos de prova, com fls. 5-6, Doc. 20. Pasta 1, Busca 65 – DGACCP; e doc. 6, Busca 76, MNE, que , anteriormente ao contacto de MM com Dr.R…M…, o Embaixador JMC se havia oposto expressamente a considerar a situação da ILS como enquadrável nas situações de excepção (humanitárias e de interesse nacional) que justificariam a emissão de vistos por Túnis.
638.ª Com efeito, conforme o seguinte facto dado como provado com base em tais elementos de prova (cf. fls. 5-6, Doc. 20. Pasta 1, Busca 65 – DGACCP; cf. Ap. P, relatório 32, fls. 69-70; 71):
“Em 21 de Agosto, ante a pressão da ILS junto da Embaixadora IP, o Embaixador JMC, em e-mail remetido a J…C… (Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas), FL, AM (Chefe de Gabinete do MNE), IP, AnaM…, RV, LGS, BPM e A…S…, reiterou tais instruções, esclarecendo as directivas emitidas quanto às excepções à suspensão da actividade de emissão de vistos, consignando que as mesmas consistiam em:
- Aceitar que pedidos de vistos que estivessem então pendentes (já introduzidos nos sistema e já pagos), se autorizados, pudessem excepcionalmente ser emitidos na Secção Consular da nossa Embaixada em Túnis;
- Alargar essa possibilidade a outros casos excepcionais, devidamente fundamentados e decididos pontualmente (…) por exemplo, familiares próximos de cidadãos nacionais ou de funcionários superiores da Embaixada da Líbia em Lisboa; ou ainda casos de incontestável interesse e urgência por manifestas razões humanitárias»
Referindo, expressamente, nessa correspondência, o Embaixador JMC: «a não abrangência de tal regime de excepção por regra às pretensões das empresas portuguesas com interesses na Líbia, a qual, a ser aberta, o deveria ser por autorização superior o que deveria ser efectuado após entendimento prévio com o SEF, mediante identificação rigorosa de todos os requerentes e apresentação de programa exaustivo das respectivas estadias em Portugal.»
639.ª Ora, tal salvaguarda de “autorização superior”, sendo JMC subordinado imediato do MNE, só poderia advir, de acordo com as regras da experiência comum, de determinação do Ministro Dr. R…M…, conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha em sede de julgamento e que consta da transcrição de fls. 1418 e seguintes do Acórdão recorrido.
640.ª Instruções superiores que, temporal e logicamente, atenta a prova produzida, foram proferidas após a intervenção de MM junto de Dr.R…M….
641.ª Sendo tal facto, logicamente inferido, a única explicação lógica para o facto – dado como assente- de que, ulteriormente, quanto à dispensa de um tratamento de excepção à ILS, invertendo a sua posição técnica, e o “Embaixador JMC veio a aceitar considerando a postura do SEF e a natureza essencialmente securitária da matéria em apreço, bem como a disponibilização pelo MNE de um funcionário para Túnis.” (cf. Anexo 14, fls. 322 e ss., Ap. N1, e o depoimento de JMC em julgamento, nesta parte, deve atender-se ao que consta de fls. 1420 da transcrição constante do Acórdão recorrido.)
642.ª A fls. 917, o Tribunal dá como não provado o seguinte facto: “Desse modo, a realização formal das verificações de segurança exigidas por lei foi efectuada em condições materiais insusceptíveis de afiançar a eficácia de tais medidas securitárias ante os elementos disponibilizados.”
643.ª Ora tal facto resulta precípuo de outro facto dado como provado pelo Tribunal, e já acima referido aquando da apreciação das contradições insanáveis em que incorre o acórdão recorrido, designadamente que:
“Na sequência do determinado pelo arguido MP, a coordenadora do GADR --- Drª.P… e o técnico superior J…S…, Chefe de Núcleo do GADR, sob a orientação do Director Nacional Adjunto LG, executaram o seguinte procedimento:
- Avocação da competência legal das Direcções Regionais do SEF para a realização das verificações de segurança (vetting check) e emissão de pareceres prévios em matéria de vistos, a qual foi executada excepcionalmente pelo GADR;
- Realização das verificações de segurança mediante a entrega pela ILS de uma listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro;
- Transmissão por escrito à DGACCP de uma pré-aprovação da emissão de vistos de um conjunto de indivíduos identificados pela empresa ILS, sem que qualquer pedido de visto, devidamente instruído, houvesse dado entrada em serviço consular português competente;
Redução do parecer obrigatório a emitir pelo SEF (o qual foi formalmente executado pela DGLVTA, mesmo quanto a pacientes destinados ao Hospital da Prelada no Porto) numa mera formalidade, destituída de qualquer actividade de controlo substancial dos pedidos de visto. »
644.ª Facto este dado como assente a fls. 452, e atestado pelos seguintes elementos de prova: e-mail de NP/DrªP… a fls. 40, Ap. O;; e-mail de J…S… (SEF) para IS (ILS), fls. 30, Ap. O; e-mail de ACR (MNE) para NP (ILS), C/C -LGS (MNE) e L…P…. (MNE), de fls. 27/28, Ap. O; fls. 751, 753-783; 784-786; 791-817; 842-869; 870-895; fls. 896-900; 906-912; 1058-1055 Relatório 13, Ap. P; sessões 2532, 2533, 2568, 2574, 3104, 3212, 3221, 6516 Alvo 66799040; cf. Ap. L, Relatório MP, fls. 40)
645.ª Com efeito, não se vislumbra como se poderiam efectuar verificações de segurança fidedignas com base em documentação do tipo daquela que comprovadamente acompanhava a listagem de requerentes de visto ( incompleta e inexacta).
646.ª Pelo que tal facto deveria dar-se como provado.
647.ª A fls. 917 o Tribunal dá como não provados os seguintes factos relativos a uma conduta discriminatória entre a ILS e a AMI:
“No mesmo contexto temporal dos episódios vindos de descrever, a AMI, empresa pioneira no tratamento de feridos Líbios em Unidades de Saúde portuguesas, e directa concorrente da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.", na pessoa do seu representante TL, encetou, debalde, esforços para marcar uma reunião com o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de lhe expor as dificuldades sentidas em matéria da emissão de vistos para cidadãos líbios após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia e a necessidade de emissão de vistos para um grupo de 20 pacientes necessitados de tratamento urgente.
Esforços a que o arguido MP, em 7 de Agosto de 2014, através do seu assessor PBL, respondeu apenas dando instruções hierárquicas para que a referida empresa articulasse com a Direcção Regional Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros mecanismos de certificação da identidade dos requerentes e de cabal verificação dos requisitos legais a fim de se seguirem os regulares trâmites para emissão de parecer pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”
648.ª Na nota 894, a fls. 917, o Tribunal, alicerçando tal convicção negativa, indica a prova constante da aplicação SIIP que lhe foi disponibilizada, sem realizar da mesma qualquer avaliação crítica, designadamente: fls. 742-750 relatório 13, apenso P – paginação suporte digital; fls. 2, documento 20, busca 65 – DGACCP; apenso P, relatório 32, fls. 41-42, 45-46, 59-60, 61-64, 65-68 – paginação suporte digital.
649.ª Ora, tais factos, ao contrário do entendido pelo Tribunal, decorrem provados dos seguintes elementos de prova documental:
- Fls. 2, documento 20, busca 65 – DGACCP: que consiste em correspondência electrónica trocada entre os embaixadores IP e JMC, em Agosto de 2014, na sequência do encerramento da Embaixada na Líbia, no qual constatam as tentativas de emissão de visto via Túnis por parte de várias empresas.
- Doc. de fls. 742-750 relatório 13, apenso P – paginação suporte digital, O assessor de MP, PBL, na data de 07/08/2014, na sequência de um email no qual TL, do HPG, solicitava reunião com a DN do SEF para efeito de solucionar a situação da suspensão de emissão de vistos na Líbia, veicula instruções no interior do SEF, para a DR do Porto, CG, no sentido de que a situação do HPG deveria ser resolvida por articulação em primeira mão com o MNE.
650.ª Resultando de tais documentos que, no caso do HPG, o SEF, nomeadamente MP, não tomou qualquer iniciativa no sentido de propor ao MNE um tratamento de excepção como o fez com a ILS, na sequência da intervenção de JA e MM..
651.ª Pelo que, em consonância com tal facto que se haveria de ter dado como assente, deveria ainda o Tribunal ter igualmente dado como comprovada a conclusão de ilicitude que encerra o seguinte facto dado como não provado a fls. 918 e reconduzível a um elemento normativo do tipo de prevaricação:
“Dispensando assim o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, por decisão do seu Director Nacional, o arguido MP, tratamento diverso a pretensões semelhantes de duas entidades empresariais distintas, em violação dos princípios gerais da igualdade e imparcialidade que regem toda a actividade administrativa e consagrados, respectivamente, nos artigos 5.º n.º 1, 6.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11, à data em vigor.”
652.ª A fls. 918, dá o Tribunal como não assente, acerca de tal conduta discriminatória ante outros operadores económicos, o seguinte facto:
“O mesmo sucedendo com o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa, que não logrou igualmente a emissão de vistos para um grupo de 70 feridos líbios.”
653.ª Ora tal facto decorre provado, no entendimento do Ministério Público, da prova documental constante do apenso P, relatório 32, fls. 43-44, 73-74.
654.ª A fls. 918, o Tribunal dá igualmente como não assente quanto a tal tratamento discriminatório, o seguinte facto:
“Com efeito, após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, fora do quadro de excepção traçado pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, apenas a sociedade arguida "ILS-Área da Saúde,Ldª" logrou a emissão de vistos para grupos de cidadãos líbios seus clientes.”
655.ª Ora, tal facto decorre, indirectamente, do depoimento prestado em julgamento pela testemunha APR que consta da transcrição de fls. 1439 e seguintes do Acórdão recorrido, sendo que após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia os pedidos do Hospital Privado de Guimarães estavam pendentes e assim continuaram e, a não ser o caso da ILS, não se recordar de qualquer outra empresa a solicitar vistos.
656.ª A fls. 918, o Tribunal deu como não assente o seguinte facto:
“Sendo que, como meio de fundamentar qualquer decisão excepcional semelhante à acima referida, o actual Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras veio a exigir um prévio parecer da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal no sentido da confirmação do manifesto interesses estratégico para a economia nacional por parte da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal de um dado projecto económico.”
657.ª Tal facto resulta claramente provado da correspondência de fls. 422 a 432, anexo 16, apenso N1, 2.º volume, consistente em correspondência electrónica entre NP (ILS) e DrªP… (SEF), e entre NP e o Chefe de Gabinete do MAI, - AB, na data de 09/03/2015 (já após a saída de MP do cargo de DN do SEF, na sequência da sua detenção nos presentes autos),no qual se refere ao facto de a ILS ter sido confrontada pelo SEF com a necessidade de, a fim de continuar a obter vistos via Túnis, ter que encetar uma diligência adicional junto do AICEP de forma a obter um parecer que permita ao MAI considerar o interesse económico nacional da instrução de vistos de cidadão Líbios.
658.ª Razão pela qual tal facto deveria ter sido dado como assente, resultando do mesmo, a contrario sensu, que MP no tratamento que dispensou à ILS, nunca curou de atestar do “interesse económico nacional” excepcional da actividade da ILS a fim de justificar um tratamento de excepção ante os restantes operadores com interesses negociais na Líbia,
Independentemente de se entender não estarem verificados os vícios, nulidades e erros de julgamento atrás elencados, sempre os erros de direito impõem, nalguns casos, diferente decisão.
VÍCIOS DE JULGAMENTO: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO.
RECURSO SOBRE MATÉRIA DE DIREITO
659.ª Para além de o Tribunal recorrido haver incorrido em vícios de julgamento quanto à matéria de facto, incorreu, ainda, na perspectiva do recorrente, em erros na apreciação da matéria de direito, conforme os que a seguir se explanarão.
DO CRIME DE CORRUPÇÃO IMPUTADO A AF: A RECONDUÇÃO DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS AO CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA IMPUTADO AO ARGUIDO (NÚCLEO B). A VIOLAÇÃO DA DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 5.º DO DECRETO-LEI N.º 148/2012, DE 12/07, e ARTº 17.º, N.º1, DA LEI Nº 34/87, DE 16 DE JULHO
660.ª Ao não considerar, como acima se referiu quanto à contradição insanável em que incorre o acórdão, os actos prometidos e praticados, e dados como provados, reconduzíveis ao exercício do poder de direcção pelo arguido AF atribuído pelo art.º 5.º do decreto-lei n.º 148/2012, de 12/07 ao Presidente do Conselho Directivo do IRN, ou seja, ao Presidente do IRN, cargo desempenhado pelo arguido, o Tribunal violou a referida disposição legal.
661.ª Mais violou o art.º 17.º, n.º1 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, ao interpretar erroneamente, nos moldes acima referidos, o conceito legal de «acto ou omissão contrários aos deveres do cargo», deles excluindo actos compreendidos em poderes formais de direcção e, bem assim, actos em conexão funcional directa com a função pública levada a cabo pelo arguido.
662.ª Razão pela qual, em suma, entendemos, que o Acórdão recorrido, também neste particular, enferma em simultâneo de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art.º 410.º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal) e de um vício de direito, ao fazer má e errada interpretação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07, dele excluindo os poderes de direcção legalmente atribuídos ao arguido AF, por força do nº 3 da mesma disposição, devendo, em consonância, o arguido AF ser condenado pela prática do crime em apreço, o qual se encontra provado de acordo com a matéria de facto dada como provada.
DA ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS AF E MA DA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA P. e P. PELO ART.º 335.º, n.º 1, DO CÓDIGO PENAL (FACTOS DESCRITOS NO NÚCLEO E).
663.ª Sustenta-se no Acórdão recorrido, a fls. 2237 e seguintes que Defende o recorrente que, a considerar-se indiciada a prática de factos integradores de tráfico de influência, tal factualidade estaria já abarcada pela prática do crime de corrupção igualmente indiciado, intercedendo entre ambos os crimes de tráfico de influência uma relação de concurso aparente, designadamente uma relação de consumpção, e não uma relação de concurso efectivo, porquanto os dois crimes tutelariam o mesmo e único bem jurídico: a autonomia intencional do Estado.
664.ª Ora, salvo melhor opinião, inexiste, no caso, qualquer unidade de infracções e concurso de normas, cuja resolução passe pela punição do crime mais grave, através da operação de uma relação de consumpção pura.
665.ª Com efeito, ainda que se possa entender que ambos os crimes tutelam o mesmo bem (o que não se revela sequer doutrinariamente liquido, conforme se dirá infra, o mesmo será violado por duas condutas objectivamente diversas, não contemplando o tipo de ilícito da corrupção, na sua previsão típica, porque alegadamente mais ampla, os elementos do tipo de ilícito objectivo do crime de tráfico de influência.
666.ª Este último crime é, por definição, praticado, entre o agente “adquirente” do tráfico (um qualquer indivíduo) - tratando-se de um crime comum- e um outro indivíduo (funcionário ou não funcionário) que transacciona/mercadeja um vero ou alegado poder fáctico sobre um funcionário com poder decisório, e não, directamente, o núcleo fáctico ou formal de poderes inerentes ao exercício de uma dada função pública - objecto imediato do acordo corruptivo.
667.ª Assim, enquanto no crime de tráfico a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por funcionário ou não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais - salvo o devido e muito respeito por opinião contrária - da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal (não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público) - estando contemplado na Livro II, Título V (Dos Crimes contra o Estado), Capítulo I (Dos Crimes contra Segurança do Estado), Secção II (Dos Crimes Contra a Realização do Estado de Direito) - o crime de corrupção tutela, enquanto crime de resultado de dano, a própria autonomia intencional da administração pública, a qual se revela lesada com a mera transacção (ainda que não consequente em actos concretos de violação do cargo) dos poderes inerentes ao cargo funcional público por parte de quem os detém formal/materialmente mercê da sua categoria de funcionário - estando previsto no Livro II, Titulo V (Dos Crimes contra o Estado), Capitulo IV, sob a epígrafe “Dos Crimes Cometidos No exercido de Funções Públicas”.
668.ª Ainda que se entenda estarmos perante o mesmo bem jurídico, e não obstante a indiciada unidade temporal de acordo corruptivo/tráfico, o objecto da transacção unitária reporta-se a realidades objectivas e substancialmente diversas: no primeiro caso os actos próprios da função do arguido, no segundo caso actos próprios da função de terceiro funcionário/decisor público.
669.ª Teríamos, assim, uma pluralidade de violações do mesmo bem jurídico (concurso efectivo real e não ideal, atenta a diversidade da acção típica, não naturalisticamente entendida): a autonomia intencional do Estado seria violada, por duas vezes, através de duas condutas objetiva e subjectivamente distintas.
670.ª Ora, no caso concreto, e estando afastada uma situação de concurso aparente de normas resolúvel por qualquer relação de consumpção, especialidade ou subsidiariedade, apenas poderia vislumbrar-se uma situação de unicidade criminosa através das figuras ou do crime continuado ou do crime único composto.
671.ª Com efeito: «O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», e que, «a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material» (cf., v.g., o Acórdão de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005).
672.ª O legislador, após consagrar, no art.º 30.º, n.º 1, um critério teleológico de destrinça da unidade e pluralidade criminosa, por oposição a um critério naturalístico de acção, cuja pedra de toque passa pela pluralidade de tipos legais de crime a que se reconduz a conduta do agente, estabeleceu, no seu n.º 2, por razões de eficácia e de justiça, uma excepção a tal regra.
673.ª Ora, no caso concreto, falece, desde logo, a existência dos seguintes requisitos 1) uma violação plúrima do mesmo tipo; 2) pluralidade de resoluções criminosas, atenta a indiciada unidade de acordo corruptivo/tráfico de influência 3) circunstancialismo justificador de uma diminuição da censurabilidade pela violação dúplice verificada.
674.ª Por seu turno, o Crime Único Composto (com antecedentes de consagração legislativa no art.º 421.º,§ 3 do CP de 1886, e actualmente sem definição legal expressa apesar de jurisprudencialmente reconhecido) verifica-se uma realização repetida do mesmo tipo legal de crime na sequência de uma resolução unitária devendo esta, ao executar-se a primeira actividade, dirigir-se ao empreendimento das outras condutas sucessivas, enquanto, ao invés, no crime continuado às diversas condutas correspondem diversas resoluções que, todavia, não são autónomas entre si, encontrando-se numa dependência tal que nunca se pode considerar uma delas sem necessariamente tomar em conta a anterior, não podendo o juízo de censura em que se estrutura a culpa recair autonomamente sobre cada uma das resoluções que o constituem
675.º Ora, no caso concreto, inexiste, conforme supra referido uma violação do mesmo tipo-de-ilícito, estando-se ante duas condutas criminalmente puníveis com contornos objectivos diversos, e, ainda que tutelando o mesmo bem jurídico, em graus de danosidade diversos (o que não se revela líquido face ao recorte sistemático legal das mesmas), através de tipos distintos, não intercedendo entre as respectivas previsões típicas qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção.
676.ª Nestes termos, e contrariamente ao entendimento plasmado a fls. 2237 do Acórdão recorrido, verifica-se antes um concurso real de crimes e não meramente um concurso aparente, daí que os arguidos AF e MA devem também serem punidos pela prática, cada um deles, de dois crimes de tráfico de influência p. e p. pelo art.º 335.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (factos descritos no Núcleo E).
ERRO DE DIREITO: O PAPEL DO OLI E SEU RELEVO NA EMISSÃO DE VISTOS ENQUANTO PASSO ESSENCIAL NO PROCEDIMENTO DE OBTENÇÃO DE ARI.
677.ª Incorre o Acórdão recorrido, igualmente, na perspectiva do recorrente, num erro de direito, fazendo uma interpretação errada do Regime ARI e da figura legal do OLI, vício de raciocínio jurídico que inquinou o juízo realizado quanto à matéria de facto conforme infra se vai referir, a qual enferma de uma notória contradição com a matéria de direito.
678.ª Assim, naquilo a que chama de «motivação de direito», a fls. 2252-2434 e a fls. 2266-2267, refere o Tribunal recorrido que, cita-se:
“Ora, conforme decorre do estatuto o conteúdo funcional do OLI contempla as seguintes atribuições:
- Cooperar com as entidades nacionais e anfitriãs;
- Garantir a regulação do fluxo migratório;
- Prevenir a entrada de emigrantes em situação ilegal;
- Garantir o combate à imigração ilegal; e,
- Possibilitar o tratamento mais célere de vistos concedidos de acordo com a legislação portuguesa ou ao abrigo de acordos de imigração temporária.
Assim sendo, parece líquido que os OLI não têm atribuições em matéria de concessão de autorizações de residência para investimento. E, não se confunda a concessão de vistos (que são da competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros) com a concessão de autorizações de residência (da competência do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). (fls. 2253)
Desta forma, as atribuições do OLI enquadravam-se na perfeição nas necessidades detectadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e não nas necessidades dos arguidos AF e JA»..
679.ª Ora, quanto a tal juízo incorreu o Tribunal recorrido num erro de interpretação jurídica ao concluir que a figura de um OLI em nada servia os interesses dos arguidos.
680.ª Assim, bastaria atentar no procedimento de tramitação ARI fixado por Despacho do Director Nacional do SEF n.º 62/DN/2012, de 03/12/2012, uma vez complementado, a partir de 01/07/2013, com a proposta do GADR para Manual Informático ARI (cf. fls. 291- 297 Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol.), para que o Tribunal recorrido com mediana facilidade e clareza houvesse de concluir que a obtenção de ARI pressupunha sempre a prévia obtenção de um Visto Schengen junto de um posto diplomático e consular português para entrada em Portugal nos casos de os requerentes não se encontrarem em território nacional.
681.ª Ou seja, em circunstâncias normais não estaria o requerente ARI dispensado de se deslocar a Portugal e de entregar, directa e pessoalmente, o requerimento numa Direcção/Delegação Regional do SEF, nomeadamente para recolha de dados biométricos. Isto independentemente da inscrição ou pré-registo no Portal ARI (o qual podia ser efectuado a partir do estrangeiro). (cf. fls. 121 e 124, Ap. DCIAP-D, 2º Vol.; cf. fls. 291, Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 67, 67-82Ap. DCIAP-D, 1º Vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol. (IGAI - Processo de Auditoria Extraordinária PI-21/ 2014); cf. Lei nº 29/2012, de 09/08, pela qual foi introduzida alteração à Lei 23/2007, de 04/07, aditando o artº 90º-A relativa à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento, definindo os requisitos legais para a obtenção de ARI; cf. despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012; Manual Informático ARI).
682.ª Ora, atento o disposto no art.º 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF), o qual contempla a figura do OLI, o conteúdo funcional de cada posto OLI consta do despacho de nomeação (cf. artº 32º, nº 3), enquadrando-se sempre nas atribuições gerais de combate à imigração ilegal, designadamente: cooperar com as entidades nacionais e anfitriãs; garantir a regulação do fluxo migratório; prevenir a entrada em território nacional de imigrantes em situação ilegal; prevenção e detecção de documentação falsa; possibilitar o tratamento mais célere de vistos/situações de retorno; auxílio à investigação criminal no domínio da criminalidade transnacional organizada conexa com as migrações.
683.ª A tal propósito, se dúvidas soçobrassem no espírito do Tribunal recorrido quanto à íntima conexão dos vistos e dos ARI, a mera leitura da Proposta concreta para a criação do OLI na China - Doc. 2, Busca 31 – seria, de per se, bastante para colmatar tal dúvida, uma vez que na mesma se refere expressamente como justificação para a sua criação o «contributo de relevo na regulação dos fluxos migratórios na sua origem, com forte com ponente de trabalho técnico ao nível consular, na dinamização da troca de informações sobre imigração ilegal (trabalho em rede com outros OLI e com autoridades portuguesas relevantes), no estabelecimento e manutenção de contactos directos com as autoridades de imigração, fronteiras e asilo no país de acolhimento, com organizações internacionais que actuam no terreno nestas matérias, assim como com as companhias transportadoras. Facultam formação, nas áreas específicas de imigração, aos serviços congéneres, autoridades consulares e companhias transportadoras e prestam assistência no regresso de nacionais de países terceiros aos países de origem e/ou trânsito». A que acresceria, cita-se: «poderem aportar um importante contributo na captação de investimento directo estrangeiro - um dos objectivos estratégicos consagrados no programa do XIX Governo Constitucional. Objectivo para o qual tem em muito contribuído o regime especial de concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) que tem vindo a dinamizar em conjunto com o MNE e a AICEP desde 2012, determinando a concessão do direito de residência a investidores oriundos de países terceiros. Bem como, constituírem «uma mais-valia na prestação de apoio técnico permanente junto da Embaixada ao nível da emissão de vistos, da comunicação de alertas aos Estados Membros sobre a utilização de documentos falsos, contrafeitos e/ou falsificados, bem como na identificação dos riscos migratórios, de tendências e das rotas da imigração ilegal e do tráfico de seres humanos com destino à União Europeia provenientes da China e seus países transfronteiriços, com o objectivo de reforçara segurança dos Estados Schengen».
684.ª Razão pela qual, concluímos, ao desconsiderar a íntima conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI, se entende que o Acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos artºs 90.º A da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/2012, de 09/08. Relativo à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento; despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012 e Manual Informático AR I vigente no SEF desde Julho de 2013; artº 32º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
ERRO DE DIREITO: DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DA ORDEM DADA POR MM A MP NO SENTIDO DE REALIZAR UMA PROPOSTA DE NOMEAÇÃO DE OLI PARA A CHINA COMO UM ACTO POLÍTICO E NÃO COMO ACTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA.
685.ª A propósito da criação do posto OLI refere o Tribunal recorrido (cfr. fls. 2369 e ss, quanto ao arguido MM) que a factualidade apurada não suporta qualquer juízo de censura jurídico-penal, quer como autor, quer como co-autor de um crime de prevaricação de titular de cargo político. Fundamentando tal conclusão, refere-se na decisão, do ponto de vista da motivação jurídica, que:
«O processo de criação de um Oficial de Ligação para a Imigração tem a sua tramitação prevista na lei e, portanto, constitui um processo tipicamente administrativo.
No entanto, na base do início do processo estaria uma decisão que não poderá deixar de ser considerada como uma decisão política.
Decidir criar um posto de OLI em Pequim ou um posto de OLI em Islamabad implica a adopção de critérios políticos e instrumentalmente administrativos.
A vertente política fica fora da sindicância jurisdicional, em razão do princípio constitucional basilar do Estado de Direito na vertente da separação de poderes.
Tal implica que a decisão do Ministro da Administração Interna de dar início ao processo de criação de um posto de OLI é uma decisão política e como tal assunto fora da sindicância dos tribunais, mas já não a condução do processo, a qual, admite, tratando-se de matéria administrativa, estaria na alçada da sindicância judicial.
Ora o arguido ter-se-ia limitado a dar uma ordem ao arguido MP para que iniciasse o referido procedimento administrativo».
686.ª Ou seja, segundo o entendimento do Tribunal recorrido, a ordem comprovadamente dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de criação de um posto OLI era uma ordem de natureza política e, por isso, insusceptível de sindicância judicial atento o princípio da separação de poderes.
687.ª Ora, mais uma vez salvo o devido respeito pela referida opinião, à mesma não logramos aderir face ao quadro constitucional e legal vigente e aos factos em apreço. Vejamos:
688.ª Entre o Ministro da Administração Interna e o SEF intercede uma relação de dependência hierárquica (art. 1.º do DL n.º 252/2000, de 16 de Outubro, alterado pelo DL n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro), e não de tutela administrativa (a qual pressupõe a existência de duas entidades colectivas distintas, o que, no caso, não se verifica, sendo o SEF um serviço da administração directa do Estado).
689.ª O Governo, do qual faz parte o Ministro da Administração Interna, é um dos órgãos de soberania (cfr. artigo 110.º da Constituição da República Portuguesa - CRP) e tem funções de condução da política geral do país e de órgão superior da administração pública (cfr. artigo 182.º da CRP), sendo responsável perante o Presidente da República e a perante a Assembleia da República (cfr. artigo 190.º da CRP). O Governo detém, assim, competências políticas (cfr. artigo 197. da CRP), legislativas (cfr. artigo 198.º da CRP) e administrativas (cfr. artigo 199.º da CRP).
690.ª Nos termos do artigo n.º 199.º da CRP, a competência administrativa do Governo compreende três funções: garantir a execução das leis; assegurar o funcionamento da Administração Pública; promover a satisfação das necessidades colectivas.
691.ª No âmbito da sua competência administrativa e enquanto órgão superior da administração pública, compete ao Governo dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma.
692.ª O Governo exerce, assim, o poder de direcção relativamente à administração directa, o poder de supervisão quanto à administração indirecta; e o poder de tutela (que se limita ao controlo da legalidade) quanto à administração autónoma.
693.ª A Administração Directa (cfr. n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro) é constituída pelos serviços (centrais e periféricos) que se encontram sujeitos ao poder de direcção dos membros do Governo, exercendo os serviços centrais a sua competência em todo o território nacional e os periféricos numa área territorial restrita.
694.ª O SEF inclui-se na administração Directa do Estado.
695.ª Cada Ministério dispõe de uma lei orgânica própria, onde são fixadas as respectivas atribuições e onde se identificam os serviços que integram a administração directa e a administração indirecta. Assim acontece com o MAI e o SEF.
696.ª De acordo com as lições do Prof. Freitas do Amaral, (cf. Curso de Direito Administrativo, 2ª Ed., VI, Coimbra, 1996, p. 632 e ss.) o poder hierárquico de natureza administrativa compreende três subpoderes: poder de direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar.
697.ª O poder de direcção consiste na faculdade de o superior dar ordens e instruções, apenas em matéria de serviço, ao subalterno. O poder de direcção não carece de consagração legal expressa, pois é inerente ao desempenho das funções de chefia. As manifestações deste poder esgotam-se no âmbito da relação hierárquica e não produzem efeitos jurídicos externos; o poder de supervisão consiste na faculdade do superior revogar ou suspender os actos administrativos praticados pelo seu subalterno, este poder pode ser exercido por iniciativa do superior ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo interessado; por fim, o poder disciplinar consiste na faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei, em consequência das infracções cometidas na função pública.
698.ª No que toca aos deveres do subalterno, um que diz directamente respeito à relação hierárquica, o dever de obediência. O dever de obediência consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e sob a forma legal (Artigo 3º/8 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas). Assim, é importante mencionar os três requisitos que este dever de obediência deve preencher: a) A ordem ou as instruções devem provir do legítimo superior hierárquico do subalterno em causa; b) A ordem ou as instruções deve apenas ser dada em matéria de serviço; c) A ordem ou as instruções devem sempre revestir a forma legalmente prescrita.
699.ª Não existindo, todavia, dever de obediência quando a ordem emane de quem não seja legítimo superior do subalterno em causa, quando uma ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno ou quando tenha sido dada verbalmente se a lei exigia que fosse escrita. O subalterno não tem, igualmente, dever de obediência se a ordem que lhe é dada estiver contida num acto nulo, de acordo com o Artigo 161º CPA. Cessa igualmente o dever de obediência quando o cumprimento da ordem ou instrução implique a prática de um crime (cf. artº 5º, nº 5 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas).
700.ª Por seu turno, com referia A. Queiró (cf. Teoria dos Actos do Governo, Coimbra Editora, 1948), a função politica do governo engloba «todos os actos concretos dos órgãos constitucionais, cuja competência e cujos limites estejam definidos na Constituição» e não em leis ordinárias.
701.ª O exercício da função política traduz-se em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação necessidades colectivas de segurança e de bem-estar das pessoas. (cf. Ac. STA de 04/07/2013, Pº 654/11)
702.ª Por ser assim é que só os órgãos superiores do Estado – maxime o Governo - podem exercer essa a função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos (Vd. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., vol. I, pg.s 8 a 10, S. Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e F. Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438) e de 9/05/2001 (rec. 28.775).).
703.ª De acordo com a jurisprudência do STA, do ponto de vista do conteúdo do acto político: “a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade” (cf. Ac. STA, 06/03/2007, Pº 1143/07), tratando-se de «uma actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras, à luz desses fins».
704.ª Conforme se refere num Ac. do Pleno STA, de 20/05/2010, «Várias podem ser as definições de “função política”. Para uns é a actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade política e a definição e a prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis (Prof. Marcelo Caetano, Manual, 10ª ed., 1º vol., pág. 8). Para outros corresponde à prática de actos que exprimem opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade, e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 10). Segundo outros, traduz-se numa actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins (Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 30). Ainda para outros, o objecto da política são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo, a função legislativa corporiza as opções vencedoras e a função administrativa dá-lhes execução (Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 1º, 2ª ed., págs. 48/49).”
705.ª Ora, salvo melhor opinião, e face ao que se vem de dizer, a ordem verbal dada pelo Ministro MM ao Director Nacional do SEF no sentido de realizar uma proposta administrativa de criação de um posto OLI, não configura um acto político, mas sim um acto informal e verbal compreendido nos poderes administrativos de direcção do MAI sobre o SEF, nomeadamente enquadrável no artº art.º 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
706.ª Tal ordem não exprime, nem em substância, nem em forma, qualquer opção sobre os interesses gerais da colectividade, antes se destinando a promover (na leitura do Ministério Público, ilegalmente, porque de forma não isenta e imparcial, mas refém de interesses de natureza particular) um procedimento administrativo, espoletando-o, de forma sub-reptícia, através da criação da aparência de espontaneidade de uma necessidade de cariz administrativo: nunca um Director Nacional do SEF poderia praticar, executando, um acto político, pelo que a ordem (informal) destinada à execução de tal comando não poderia jamais haver-se como acto político, ainda que, a final, caso viesse a ter acolhimento pelo MAI pudesse dar origem a uma opção de natureza política, nomeadamente a alteração das prioridades políticas quanto aos postos OLI então criados por despacho conjunto n.º 189/2005, então em vigor, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Ministro das Finanças e publicado no DR, II S, de 04/03/20005.
707.ª Tal ordem verbal, tal como exige o tipo de prevaricação de titular de cargo político, integra uma subversão dos poderes administrativos de direcção, dando início a um procedimento administrativo (“conduzindo-o” contra direito, conforme o elemento objectivo do tipo de prevaricação) em ordem a cumprir interesses de natureza privada, ficcionando uma necessidade num serviço público sem que quaisquer diligências fossem realizadas no seio do dito serviço para aquilatar da real necessidade. Relembre-se, a tal propósito, quanto à matéria de facto dada como provada, as dificuldades orçamentais verificadas e a circunstância das necessidades existentes ao nível da pressão consular com pedidos de vistos estarem a ser supridas com serviços externos para o efeito contratados, bem como a forma tabelar como a matéria foi tratada no seio do SEF e, bem assim, a não intervenção no procedimento do Secretário de Estado a quem se encontrava delegada a matéria OLI (cf. matéria provada a fls. 426 e ss., em especial 431, 432, 433).
708.ª Ainda que, por mera hipótese, pudesse pretender-se que a opção pela criação de um novo posto OLI, e a ordem do arguido dada para espoletar tal procedimento, se encontrasse inserida na chamada «Reserva de administração não sindicável jurisprudencialmente», a qual, para lá do conceito estrito de actos políticos, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CPTA, integra uma zona da actividade fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais (designadamente administrativos), em tal zona, todavia, não se encontram excluídos, nos termos do mesmo artº 3º do CPA, os poderes de cognição dos tribunais no que tange à vinculação da Administração por normas e princípios jurídicos.
709.ª Ou seja, ainda que a conveniência ou oportunidade da actuação, designadamente a conformidade ou não da sua actuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que a administração visa satisfazer com a sua actuação, se encontrem subtraídas à apreciação jurisdicional, já o mesmo não sucede quanto se detectar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, enunciados no n.º 2 do art.º 266.º da CRP, como é o caso..
710.ª Ora, conforme a propósito da impugnação da matéria de facto se disse, a “escolha” ou “opção” em causa, ao ser norteada pela necessidade de satisfação de interesses particulares de indivíduos ligados por interesses comuns negociais e venais, violou exactamente o princípio matricial da prossecução do interesse público e da imparcialidade que devem nortear a actividade administrativa.
711.ª Tal leitura encontra-se em “consonância essencial com a opção constitucional, consubstanciada na adopção do princípio da separação e interdependência de poderes (art. 2.º da CRP), nos termos da qual cabe aos tribunais, tendo a lei como único elemento condicionante, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (arts. 202.º, n.º 2, e 203.º da CRP), cabendo à Administração, além do mais, a escolha das providências necessárias para o desenvolvimento económico e social e a satisfação das necessidades colectivas [art. 199.º, alínea g), da CRP], dentro dos limites traçados pela lei, entendida como bloco de legalidade aplicável.” (cf. Ac. STA, 06/03/2007, Pº 01143/06, Relator Jorge Sousa)
712.ª Assim, e em conclusão, pode “extrair-se do CPTA uma orientação genérica no sentido de que a margem de livre decisão administrativa se encontra submetida a um pleno controlo de juridicidade mas, também, a um mero controlo de juridicidade: tudo aquilo que, no iter conducente à decisão, seja juridicamente determinado ou juridicamente valorável constitui campo de controlo jurisdicional (…)». (cf. Ac. ASTA, 06/03/2007, Pº 01143/06, Relator Jorge Sousa)
713.ª Ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP como um acto de natureza política, e não um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica, o Acórdão recorrido, violou as disposições dos artºs 197.º, 199.º da CRP e art.º 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
Sendo que, igualmente, como acima referido, e quanto à mesma matéria, incorreu numa contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.) e a fundamentação de facto, na parte em que dá como assente a prática de tal acto como integrado nos poderes de direcção do arguido MM (cf. fls. 427)
ERRO DE DIREITO QUANTO À MATÉRIA DOS VISTOS (F2): CRIME DE PREVARICAÇÃO E DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA
714.ª Na matéria atinente ao Núcleo ILS/Vistos (F2) o Tribunal recorrido faz uma notória apreciação errónea da prova produzida e uma análise jurídica errada dos tipos de crime de tráfico de influência de prevaricação de titular de cargo político, erro este que, quando ao crime de tráfico de influência, aliás, reiterou no Núcleo F3 (IVA), conforme decorre das considerações realizadas na «motivação de direito» que passaremos a analisar:
715.ª Para melhor enquadrar juridicamente a matéria atente o Venerando Tribunal nos aspectos do regime jurídico que enquadra a matéria e que (bem) foi considerado pelo Tribunal recorrido como componentes da pronúncia «insusceptíveis de prova» a fls. 1943 e ss.):
- A concessão dos vistos de estada temporária para tratamento médico pelos postos consulares portugueses está dependente de um parecer obrigatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (com natureza vinculativa, se negativo) que, para o efeito, realiza um conjunto de verificações prévias com vista a avaliar a existência de riscos migratórios nos termos do disposto nos artigos 53.º n.º 1 alínea a), n.º 5 e n.º 6, 54.º n.º 1 alíneas a) e b) da Lei n.º 23/2007, de 04/07 (diploma que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração), com as alterações da Lei n.º 29/2012, de 09/08, e no artigo 35.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03.
- A instrução dos respectivos pedidos (vistos E1 e E7) deve efectuar-se, em requerimento de modelo próprio, nos termos dos artigos 11.º, 12.º, 18.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, e das Portarias n.º 1563/2007, de 16 de Julho, n.º 760/2009, de 11 de Dezembro (meios de subsistência) e n.º 7/2008, de 03/01 (emolumentos consulares).
- Requerimento que, nos termos regulamentares, deverá ser instruído com os seguintes documentos: documento de viagem válido por mais três meses após a duração da estada prevista; duas fotografias; título de transporte que assegure o regresso; seguro de viagem válido que permita cobrir as despesas médicas necessárias com assistência médica urgente e eventual repatriamento; requerimento para consulta de registo criminal português pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; certificado de registo criminal do país de origem emitido por autoridade competente; comprovativo de condições de alojamento e meios de subsistência em território nacional; relatório médico; comprovativo de que se encontra assegurado o internamento/tratamento ambulatório em estabelecimento de saúde oficial português; comprovativo de laços de parentesco com familiares que acompanha.
- O referido procedimento legal de emissão de Vistos Nacionais de Estada Temporária, no caso de cidadãos líbios, nos termos legais, impunha o seguinte procedimento legal: apresentação presencial pelo interessado do pedido de emissão de visto no posto consular português em Trípoli, devidamente instruído com documentação legal exigível e sua análise nos serviços consulares; registo dos pedidos de vistos regularmente instruídos no sistema informático (RPV); encaminhamento informático do referido pedido para a Direcção de Serviços de Vistos da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas onde eram feitas as consultas obrigatórias aos parceiros e ao SIS; encaminhamento informático, via SIEV, para a Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras territorialmente competente (de acordo com o destino final do requerente) com vista à realização de análise em contexto local instrumental da emissão, no prazo de 20 dias, de parecer obrigatório favorável ou negativo, este último vinculativo. (quanto à competência das Direcções Regionais e da não competência do GADR v. Artigos 19.º-B (competência Gabinete de Apoio às Delegações Regionais) e 47.º n.º 1 alínea k) (competência dos Directores Regionais) da Lei Orgânica Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11.)
- A emissão do parecer de visto obrigatório por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos vistos de estada temporária pressupõe: a realização instrumental de verificações de segurança de risco migratório; a análise da documentação de instrução do pedido e análise da credibilidade dos motivos da estada; a verificação do registo criminal e medidas cautelares e, no caso de nacionalidade de risco, o que sucede com a nacionalidade líbia, a realização de consultas ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).
716.ª Ora, tendo em mente tal quadro legal e procedimental, refere-se no Acórdão ora recorrido, quanto ao Crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político (imputado a MM em co-autoria com MP), Cf. Fls. 2272 que:
«É certo que estas decisões foram acompanhadas pela tutela, quer do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, quer do Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr.R…M….
No entanto, não ficou demonstrado que, para além do acompanhamento tutelar, estes tenham tido intervenção no processo decisório».
Assim sendo, a intervenção do arguido JA junto do arguido MM limitou-se a chamar a atenção para um problema que afectava a actividade da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª". Actividade essa que, além da actividade lucrativa, objectivamente, pode ser considerada meritória atento a finalidade prosseguida e prestigiante para a imagem de Portugal e para o reconhecimento da qualidade dos serviços médicos prestados em território nacional.
Este contacto limitou-se a chamar a atenção do Ministro da Administração Interna de um problema que necessitava de uma decisão administrativa. É claro que o intuito do arguido JA ao fazer esta chamada de atenção era o de resolver o mesmo favoravelmente aos interesses da "ILS- Área da Saúde, Ldª"..
No entanto, não ficou demonstrado que tenha indicado a solução que preconizava para o problema, nem solicitado que o assunto fosse resolvido de forma favorável à arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª"..
Não ficou provado que o comportamento do arguido MM tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo amigo».
717.ª E, a fls. 2272 e 2273:
«Assim sendo, a intervenção do arguido JA junto do arguido MM limitou-se a chamar a atenção para um problema que afectava a actividade da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª ". Actividade essa que, além da actividade lucrativa, objectivamente, pode ser considerada meritória atento a finalidade prosseguida e prestigiante para a imagem de Portugal e para o reconhecimento da qualidade dos serviços médicos prestados em território nacional. Este contacto limitou-se a chamar a atenção do Ministro da Administração Interna de um problema que necessitava de uma decisão administrativa. É claro que o intuito do arguido JA ao fazer esta chamada de atenção era o de resolver o mesmo favoravelmente aos interesses da "ILS- Área da Saúde, Ldª". No entanto, não ficou demonstrado que tenha indicado a solução que preconizava para o problema, nem solicitado que o assunto fosse resolvido de forma favorável à arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª". Não ficou provado que o comportamento do arguido MM tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo amigo.
Adoptou um comportamento que se poderá considerar adequado, tendo conhecimento de um problema que, afectava as áreas de actuação do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tratou de falar sobre o mesmo com o seu colega de Governo. E, em conjunto deixaram as entidades competentes que tutelavam resolver o problema.”
E que : “Não se poderá considerar objecto de censura penal o simples contacto dos particulares com os titulares dos órgãos decisores da administração pública, com a finalidade de pedir a solução de um problema. Tal conclusão terá de ser distinta se o contacto tiver o dom de determinar o sentido da decisão. O que não foi o caso. Reitere-se que a solução do problema foi apontado pela Embaixadora IP..
Desta forma, o problema da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª" foi resolvido sem que tenha existido prejuízo para a autonomia intencional do Estado. (…)
Não ficou demonstrado que o arguido MP tenha recebido alguma vantagem patrimonial ou não patrimonial como contrapartida do comportamento adoptado neste processo.»
(…)
De qualquer forma, entre os arguidos MP e MM não existiu nenhum pacto sceleris e, como tal, inexistiu qualquer actuação conjunta para a execução do facto típico.»
717.ª Concluindo, a Fls. 2372 in fine e ss., o Tribunal recorrido que factualidade apurada não sustenta a imputação ao arguido MM de um crime de prevaricação de titular de cargo político, porquanto: o arguido MM não teria tido qualquer intervenção no procedimento administrativo de concessão de vistos de permanência temporária para cidadãos líbios que se deslocaram a território nacional para tratamento médico, sendo a competência para emissão de vistos da competência do MNE, cabendo ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a emissão de um parecer de segurança, o qual é vinculativo no caso de parecer negativo; sendo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não tendo, todavia, o Ministro da Administração Interna quaisquer competências neste tipo de procedimento. Pelo que a tese da acusação nunca poderia, assim, subsumir-se ao crime de prevaricação, uma vez que este pressupõe uma conduta consciente de condução ou decisão contra direito num processo em que o agente haja tido intervenção no exercício das suas funções.
- E ainda que, conclui o Tribunal recorrido, fazendo eco da tese da defesa, “Ora, o arguido MM na qualidade de Ministro da Administração Interna não tinha competência legal para intervir na concessão de vistos de permanência temporária; o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem nesta matéria uma competência legal muito restrita, e sendo tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não o era pelo Ministro da Administração Interna.”
718.ª Pelo que, sem outras considerações, considerou o Tribunal que, quanto a MM (e, por extensão, MP) desabaria a tese da acusação/pronúncia.
- Referindo, de seguida, que o arguido se limitou a praticar, de acordo com a prova dada como assente, os seguintes actos: “Solicitou ao arguido MP que recebesse os representantes da "ILS- Área da Saúde, Ldª" para que fossem informados dos procedimentos a adoptar para a realização da operação de entrada dos doentes líbios em território nacional; Após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, o arguido MM providenciou que ocorresse novo contacto entre os arguidos MP e JA, numa altura em que aquele se encontrava no gozo de férias; Falou com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr.R…M…, no intervalo de uma reunião do conselho de Ministros, colocando-o a par da situação que se estava a passar com a vinda de cidadãos líbios para tratamento em Portugal – na sequência deste contacto o Dr.R…M… procedeu a averiguações junto dos serviços e comunicou ao seu colega o resultado dessas averiguações, as quais por sua vez o arguido MM remeteu para o arguido JA..
Ora, de acordo com o Tribunal recorrido, os factos dados como provados não permitem concluir que o arguido MM haja tido uma intervenção directa ou, sequer, remota, nas decisões que foram tomadas.” (cf. fls. 2439).
719.ª Ora, salvo melhor opinião, esta análise dos factos e do direito, quanto ao crime de Prevaricação de Titular de Cargo Politico peca, desde logo, por pouco conforme ao figurino legal. Vejamos:
Do Crime de Prevaricação:
720.ª O bem jurídico protegido com a incriminação da prevaricação em questão é a autonomia intencional do Estado, a realização das funções de Estado segundo o direito e no interesse do bem comum, sem ilegalidades, nem deliberado privilégio ou prejuízo de interesses particulares. Tem-se em vista “… a necessidade de assegurar aos cidadãos que qualquer serviço que envolva a prestação de uma actividade pública funciona de acordo com a lei, respeitando o ordenamento jurídico, com eficácia de actuação (...),” salvaguardando-se a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e na credibilidade destas.
721.ª A norma defende, em primeira linha, interesses colectivos, supra-individuais, pese embora a tutela normativa se estenda, mediatamente, aos interesses (privados) individuais, que possam ser afectados pela conduta delituosa e que aqui recolhem protecção reflexa.
722.ª Os elementos constitutivos da incriminação em causa são, ao nível do tipo-de ilícito objectivo: a titularidade de cargo político pelo agente; a condução ou decisão contra direito de um processo por parte do agente; o exercício defunções; ao nível do tipo de ilícito subjectivo: a vontade consciente do agente em assim proceder, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.
723.ª Anota-se, como o faz também Maria do Carmo Silva Dias (op. e loc. cit.), que, diversamente do crime de prevaricação comum previsto no art. 369.-, n.º 1 do CP, a incriminação em questão não contempla a forma mais simples de prevaricação, traduzida na simples actuação contra direito mesmo sem a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.
724.ª Vem sendo entendido, de forma pacífica, que o conceito de direito a que a norma faz referência “ (...) abrange, em primeiro lugar, o conjunto das normas vigentes na ordem jurídica positiva, independentemente da sua origem ou modo de revelação (sc. fonte), tenham cunho material ou, antes, processual, natureza pública ou privada, de criação estadual ou não (v.g. convenções colectivas de trabalho). Abrangem-se, ainda, os princípios jurídicos não directa ou expressamente consignados em normas positivadas, mas que delas decorrem e gozam de força cogente (...).
725.ª Sobre o que configura a actuação contra direito, prevista na descrição típica, existe também consenso no sentido de que essa actuação pode traduzir-se na incorrecta interpretação e aplicação de normas jurídicas, de natureza substantiva ou adjectiva, ou na fixação de uma base factual falsa ou errónea para estribar a actuação do agente ou ainda na violação da margem de discricionariedade conferida pela norma em que a actuação se sustenta.
726.ª De acordo com Medina de Seiça, partindo de um critério de natureza objectiva, a actuação contra direito será, em essência, aquela que se mostrar em contradição com as normas jurídicas pertinentes, colocando a tónica distintiva (no eu respeita ás teorias subjectivas e puras teorias objectivas) nos fundamentos da actuação do agente, configurando actuação contra direito a que se funde em motivos contrários á ordem jurídica, nomeadamente no intuito de prejudicar ou favorecer alguém. Deste modo, pode suceder que a actuação, apesar de ter algum sustento no plano abstracto normativo (nomeadamente em pareceres jurídicos ou correntes interpretativas) seja, ainda assim, contra direito sempre que, em concreto, tenha tido fundamento em considerações estranhas à objectividade que se exige do agente no exercício das suas funções.
727.ª No que concerne ao tipo subjectivo, torna-se clara a exigência de dolo, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente” (cf. no mesmo sentido o Acórdão da Relação de Lx de 9/11/2011, que “Neste contexto, o agente deve: - Bem saber da sua qualidade (...); - Bem saber que a acção ou omissão em causa é cometida no exercício das funções inerentes àquela qualidade; - Bem saber que tal acção ou omissão é contrária ao direito; - Agir com o propósito de prejudicar ou beneficiar alguém. (...) o “alguém” de que se fala pode ser uma pluralidade de pessoas, singulares ou colectivas, desde que concretamente determinadas. (...) Dito de outro modo, o delito em causa tão-só sucede quando a atitude do agente é pautada pela intenção de favorecer ou prejudicar alguma ou algumas pessoas concretamente determinadas.” - in http://www.dgsi.pt.24)
728.ª Estamos, portanto, perante um crime específico próprio, de dano, e de resultado cortado (na medida em que para a sua consumação não se exige que o prejuízo ou benefício de uma pessoa tenham efectivamente ocorrido, bastando, bastando a existência a actuação contra direito imbuída do particular elemento intencional).
729.ª Relativamente às situações de comparticipação, importa referir que a qualidade especial exigida ao agente é comunicável aos comparticipantes que a não possuam, nos termos do art.º 28.º do Código Penal (como resulta claro da norma relativa à separação de processos do art.º 42.º).
730.ª Feita esta breve análise do tipo em questão, facilmente se depreende que se subsume à respectiva previsão a indiciada conduta de um Ministro que, postergando princípios gerais regentes de toda a actividade da administração pública, nomeadamente da prossecução do interesse público (cfr. Art.º 4.º do CPA) e da igualdade (art.º 5.º do CPA), pratica actos, mediante ordens e instruções dadas a um seu subordinado hierárquico, mediante as quais são dispensadas a uma empresa um tratamento excepcional e ilegal.
731.ª E bastará, reitera-se, que essas ordens sejam proferidas para efeitos da condução do processo de forma ilegal ou contrária aos princípios de igualdade e imparcialidade que regem a actividade administrativa, sendo, assim, absolutamente espúrias as considerações acerca da competência decisória a atribuição dos vistos.
732.ª Ora, o SEF tinha competências próprias no seio do procedimento e foram estas que foram instrumentalizadas, conforme decorre da matéria dada como assente (relembrando o que acima se referiu quanto à manifesta contradição do acórdão no que respeita às ilegalidades praticadas).
733.ª Resumindo, e apenas de acordo com a matéria dada como assente pelo Acórdão recorrido: a avocação ilegal das competências dos Departamentos Regionais para a emissão do parecer; a emissão de pareceres positivos mediante uma lista nominativa de requerentes eivadas de erros e omissões e documentos sem validade; a tomada de iniciativa (sem impulso do particular) quanto à disponibilização de um conjunto de medidas de natureza excepcional e independentemente da alegação de dificuldades na obtenção de documentação obrigatória, designadamente a substituição do CRC por uma declaração de boa conduta; a aceitação de um seguro por um prazo inferior ao legal; a aposição de vinhetas de visto no aeroporto.
734.ª Relativamente a esta última medida (proposta por MP ainda que não concretizada), note-se (conforme decorre expressamente da posição escrita assumida pelo Embaixador JMC e citada no acórdão) que a mesma assumiu natureza excepcionalíssima, apenas prevista na lei para situações imprevistas, humanitárias e de interesse nacional (ex: crise de refugiados e desmantelamento total das instituições, situação que sucedeu, por exemplo, excepcionalmente para Estudantes Sírios), atentos os riscos securitários que comporta e, ainda, os custos para o erário público que da mesma decorrem potencialmente (monitorizações de embarque pelo SEF no aeroporto de partida; possibilidade de o Estado ter que suportar custos de repatriamento no caso de recusa de visto à chegada) (cf. 67.º, 68.º da Lei 23/2007, 41.º e 42.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03).
735.ª Conforme se referiu em sede de impugnação da matéria de facto, o referido tratamento dispensado à ILS, para além de ilegal, foi igualmente discriminatório ante outras empresas, ao contrário do afirmado no Acórdão.
736.ª Não é, assim, pressuposto do tipo de crime a prática de qualquer acto decisório, bastando a condução de processo contra direito, única conduta que foi imputada e dada como provada, sendo, assim, espúrias as considerações realizadas no Acórdão recorrido à entidade decisória.
737.ª Ora, apesar de inexistir prova directa do sentido concreto das ordens dadas pelo arguido MM ao arguido MP, a verdade é que tal conteúdo se extraí necessariamente das regras da experiência comum ante a restante prova directa produzida, por funcionamento das regras da prova indirecta, como também das mesmas resulta o elemento subjectivo do ilícito.
738.ª Ordens que, explicite-se, não foram dadas numa relação de tutela administrativa (como pretende o Acórdão recorrido), mas antes de hierarquia administrativa, ou seja, no âmbito das competências formais e legais do MAI sobre o SEF, no âmbito de poderes de direcção de natureza administrativa.
739.ª Todas as medidas que o arguido MP adoptou na condução do procedimento (quer as de 2013, quer as de 2014, após o encerramento da Embaixada), o foram após a intervenção de MM, intervenção que diríamos discreta, é certo, mas adequada causalmente à produção do efeito alcançado atenta a relação de hierarquia existente e a personalidade subserviente de MP evidenciada pela prova, nomeadamente pelas suas próprias declarações prestadas na fase de inquérito ao Ministério Público.
740.ª É que, relembramos, apesar de pouco aparatosa, não deixou de ser notada no seio do MNE. Lembrando a propósito, aquilo que, na data de 14 de Setembro de 2013, LGS, Director da Direcção de Vistos e Circulação de Pessoas da DGACCP, a propósito do pacote de medidas de excepção proposto por MP ao MNE, transmitiu à Embaixadora IP acerca haver resultado da conversa com o SEF claro o interesse político da parte da tutela do SEF em facilitar o negócio da ILS, não descartando algumas medidas muito excepcionais.
741.ª Considerando, ainda, o recorte legal do crime de prevaricação de titular de cargo político, não se descortina qual a pertinência das observações realizadas no Acórdão recorrido acerca de factos nunca imputados aos arguidos, nomeadamente acerca da prova do recebimento de vantagens, pois caso tal matéria estivesse sob discussão probatória estar-se-ia ante condutas corruptivas e não ante o crime imputado o qual não exige quaisquer contrapartidas.
742.ª Ora, o procedimento foi conduzido por MP, após intervenção hierárquica de MM, em moldes contra o direito, nomeadamente em moldes contrários às seguintes disposições legais:
- Art.ºs 67º e 68º da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, art.ºs 41º e 42º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, os quais fazem reconduzir a competência do SEF e MAI, respectivamente, para a emissão de vistos em postos de fronteiras a situações de natureza excepcional, imprevistas e de impossibilidade de solicitação de visto à entidade competente (art.º 67º), razões humanitárias ou de interesse nacional (art.º 68º);
- Art.º 52, n.º 1, al. f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, art.º 12º, n.º 1, al. e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do art.º 54º, n.º 2, da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias;
- Alínea c) do n.º 1 do art.º 12º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.-
- Art.ºs 19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11, os quais conferem competência às Direcções Regionais do SEF para as verificações de segurança, e não ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais que funciona junto da Direcção Nacional do SEF.
743.ª Se dúvidas houvesse quanto à leviandade dos procedimentos adoptados, e sua natureza excepcionalíssima, poderia o Tribunal recorrido ter sido alertado para o facto dado como provado que as «verificações de segurança» levadas a cabo pelo GADR, após o encerramento da Embaixada da Líbia, o foram com base numa «listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro» (cf, fls. 452 da matéria provada), isto, relembre-se, apesar de a Líbia ser considerado país de risco a nível internacional. (cf. anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.; ver também acerca da situação de insegurança da Líbia em 2013 e 2014 os Relatórios Anuais do Conselho de Segurança das NU, listas de sanções in https://www…………………..; ou o site http://………………….
744.ª Violando, assim, o acórdão ora recorrido, no entendimento do Ministério Público, o referido art.º 11.º da Lei n.º 34/87 e o art.º 1.º do CP, ao adoptar uma interpretação do tipo legal em apreço que, ao arrepio da letra da lei, exclui do crime de prevaricação a mera actuação consciente contra direito, com a intenção de beneficiar alguém, de condução de processo, adoptando uma interpretação restritiva que propugna a exigência da adopção por parte do titular do cargo político de um acto decisório contra direito, impondo, ainda, que tal acto decisório seja adoptado no exercício de uma competência legal exclusiva.
745.ª Quanto ao Crime de Tráfico de Influência (imputado a JA, como vendedor, e a PLC, como comprador), refere-se no Acórdão recorrido a fls. 2394 e ss-:
«A troca de correspondência entre os arguidos PLC e JA e as referências a "pagamento de consultores, advisors internacionais e facilitadores" e "de facilitação na obtenção de vistos" pode suscitar dúvidas sobre qual a verdadeira vontade expressa no texto. Com efeito, não pode deixar de afirmar que em termos conceituais facilitador é sinónimo de dinamizador. E, se tivesse sido este o substantivo empregue com certeza não lhe seria dada nenhuma conotação negativa.”
(…)“ a 13 de Agosto de 2014, o arguido JA manifestou ao arguido PLC a sua disponibilidade para ajudar no processo, disponibilidade que lhe reiterou no dia 28 desse mês, relembrando o "compromisso" consigo firmado para "ajudar a resolver o problema". O arguido JA fez a proposta de ajudar a resolver o entrave à concessão de vistos, mas não ficou provada qual a resposta do arguido PLC..”
746.ª Admitindo, depois, a possibilidade de ter sido aceite tal proposta, o Tribunal recorrido faz referência aos subsequentes contactos de JA com MM, para logo concluir que, apesar de tais contactos, «a influência com relevância jurídico-penal tem de ser exercida directamente sobre o decisor e não exercida sobre terceiro ou terceiros que, por sua vez, tenham capacidade de conseguiu influenciar o decisor» (fls. 2400)
747.ª Para logo concluir, ainda, que: «Desta forma, os factos provados não permitem concluir que a oferta do arguido JA foi para usar da sua influência para obter uma decisão favorável aos interesses do arguido PLC e da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª"..»
748.ª Tais asserções, salvo o devido respeito, não poderiam estar mais arredadas do recorte legal do crime de tráfico de influência. Com efeito:
749.ª No crime de tráfico de influência a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais - salvo o respeito devido pela opinião contrária- da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal, não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público.
750.ª Não obstante a sua inserção sistemática, autores há que, relativamente ao bem jurídico tutelado pelo crime de tráfico de influência, e, bem assim, à sua construção típica, pugnam por uma sua natureza de crime de perigo abstracto numa tutela antecipada da «autonomia intencional do estado» e não como um crime de dano para a honorabilidade da função estatal.
751.ª Independentemente da posição sufragada, releva é que a consumação do crime de tráfico se consuma independentemente de qualquer exercício efectivo de influência, bastando à sua consumação um pacto de venda de uma influência real ou suposta sobre um decisor público, e independentemente de essa influência se vir ou não a exercer, e a fortiori, se de forma directa ou indirecta (alias, quanto a esta questão da influência directa ou indirecta dir-se-á que “ ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”)
752.ª Ora, no caso, a matéria de facto a apreciar a fim de saber se subsumiria ao tipo de crime era, exactamente e tão só, a do acordo estabelecido entre JA e PLC, e quanto ao mesmo, como supra dissemos, reproduzindo aqui o já referido, fez o Tribunal recorrido no entendimento do recorrente uma apreciação probatória errónea ante os factos dados como assentes (mas também face à prova produzida e não valorada correctamente tendo em conta as regras da experiência comum).
753.ª Assim, a tal respeito, como já acima dissemos, ficou provado um acordo formal e um acordo informal, do qual, recorde-se, era objecto pagar aos facilitadores, bem como a realização efectiva de pagamentos no âmbito da execução de tal acordo.
754.ª Ficaram, outrossim provadas «démarches» de JA junto de MM a que se sucederam contactos deste com MP e a adopção por este de condutas de condução do procedimento desconformes à lei com vista à satisfação excepcional dos interesses comerciais da ILS.
755.ª Face ao regular funcionamento das regras da prova directa e da prova indirecta, e ao uso correcto da apreciação da prova, não se divisa, pois, fora do contexto de um erro notório na apreciação da prova, como não haver como provados os elementos objectivos e subjectivos do crime ante uma correcta interpretação do tipo legal pertinente.
756.ª Pelo que ao não considerar os factos provados como reconduzíveis ao crime de tráfico de influência, violou o Tribunal a disposição do artº 335.º do CP, bem como o artº 1º do CP, interpretando erroneamente e contra a letra da lei, tal preceito legal, pressupondo que a consumação do crime de tráfico exige, por um lado, o exercício efectivo de influência junto do decisor, e, ainda, que tal influência seja efectuada de forma directa, quando a lei não impõe, sequer, o efectivo exercício de influência, e, a fortiori, não distingue entre a natureza directa ou indirecta da influência prometida.
DA MEDIDA DA PENA APLICADA QUANTO AOS CRIMES EM QUE OS ARGUIDOS AF,MA, Z E ZB FORAM CONDENADOS
757.ª Quanto à condenação do arguido AF pela prática de um crime de peculato p. e p. pelo art. 376.º do Código Penal (Factos descritos no Núcleo B), considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, entende-se que face à duração da utilização da viatura automóvel em tal actividade criminosa (quase dois anos), que a pena a ser aplicada nunca deverá ser inferior a dez meses de prisão.
758.ª Relativamente aos factos descritos no Núcleo E e aos crimes por cuja prática os arguidos AF e MA, considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, e, atentando-se na personalidade dos arguidos, no comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo nenhum deles verbalizado arrependimento, nas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas, e, ponderando na ilicitude global do facto, na culpa dos arguidos e nas exigências de prevenção requeridas no caso concreto e na medida da culpa dos arguidos, entendemos que a pena única a ser aplicada nunca deverá ser inferior a cinco anos de prisão.
759.ª Ainda relativamente aos factos descritos no Núcleo E, sustenta-se no Acórdão recorrido, a fls. 2237 e seguintes que os factos integradores de tráfico de influência estão abarcados pela prática do crime de corrupção, intercedendo entre ambos os crimes uma relação de concurso aparente, designadamente uma relação de consumpção, e não uma relação de concurso efectivo, porquanto os dois crimes tutelariam o mesmo e único bem jurídico: a autonomia intencional do Estado.
760.ª Porém, e contrariamente ao entendimento plasmado a fls. 2237 do Acórdão recorrido, e face às razões tecidas anteriormente no corpo da motivação de recurso, verifica-se antes um concurso real de crimes e não meramente um concurso aparente, daí que os arguidos AF e MA devem também serem punidos pela prática, cada um deles, de dois crimes de tráfico de influência p. e p. pelo art.º 335.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (factos descritos no Núcleo E), sendo que, e vistas as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, devem ser condenados pela prática de cada um deles na pena de dois anos de prisão, aceitando-se que a arguida MA seja condenada na pena única de cinco anos de prisão (tendo em conta a totalidade das penas), suspensa na sua execução por idêntico período.
761.ª Relativamente à condenação dos arguidos Z e ZB pela prática de um crime de tráfico de influência p. e p. no art. 335.º, n.º 2, do Código Penal, considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, entende-se que face à duração da actividade criminosa (quase dois anos), que a pena a ser aplicada nunca deverá ser a pena de multa, na medida em que, no caso em apreço, entendemos que não se afigura adequada a satisfazer as finalidades da punição, existindo uma errada interpretação das disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal.
762.ª São elevadas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada, justificando-se, no caso em apreço, uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
763.ª Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar, nomeadamente a ilicitude dos factos praticados pelos arguidos e as suas consequências, que, no caso em apreço, assumem especial gravidade, bem como o grau da culpa, a personalidade dos arguidos, o comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo estes verbalizado arrependimento.
764.ª Assim, as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
Assim, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa dos arguidos e as exigências de prevenção requeridas no caso concreto e à medida da culpa dos arguidos, entendemos que a pena a ser aplicada, a cada um dos arguidos, nunca deverá ser inferior a dois anos de prisão.
765.ª Relativamente ao crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo B) de cuja prática o arguido AF foi absolvido há que atender, neste particular, à matéria anteriormente desenvolvida nos pontos 3.3.2. 1. (poderes de direcção do arguido AF) e 6.1.1. (erro de direito), daí que, e por razões de economia e clareza da exposição, para aí remetemos e dando por reproduzidas todas as considerações.
766.ª A ser assim, e corrigida a errada interpretação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07, dele excluindo os poderes de direcção legalmente atribuídos ao arguido AF, por força do nº 3 da mesma disposição, não há dúvida que o arguido deve ser condenado pela prática do crime em apreço, o qual, aliás, se encontra provado de acordo com a matéria de facto dada como provada.
767.ª Com efeito, os actos descritos na matéria de facto, e dados como provados no Acórdão recorrido, reconduzem-se, na íntegra, à execução prática dos poderes formais de direcção acima referidos (cfr. Art.º 5.º, nº 1, al. a), e nº 3 do diploma acima referido), consistindo em emanações práticas e concretas das formais e legais atribuições de dar ordens, emitir instruções e directivas em que se desdobra o poder de direcção hierárquico e que decorrem de uma relação de hierarquia legalmente estabelecida entre dois órgãos de uma mesma entidade.
768.ª Ora, se o arguido AF, como foi dado como provado, ao actuar, no âmbito do alto cargo público que desempenhava, se norteou pela prossecução dos interesses venais de um particular com quem estabeleceu negócios, o mesmo lesou, inevitavelmente, essa liberdade de actuação institucional, colocando o aparelho do Estado ao serviço e à mercê, e mesmo refém, de interesses lucrativos individuais de todo espúrios às finalidades do IRN.
769.ª Conduta que, no caso concreto, atenta a respectiva duração, os meios humanos mobilizados e a forma sistemática e organizada (quase empresarial) com que levou a cabo tal usurpação do aparelho público, se revestiu de particular e elevada gravidade quer do ponto de vista da ilicitude objectiva, quer subjectiva.
770.ª Ora, considerando os factos dados como provados no Acórdão recorrido, e as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, e sendo elevadas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada, justifica-se, no caso em apreço, uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
771.ª Na determinação da medida concreta da pena, há que se ponderar, nomeadamente na ilicitude dos factos praticados pelo arguido e as suas consequências, que, no caso em apreço, assumem especial gravidade, bem como no grau da culpa, nas condições de vida do arguido - familiarmente e profissionalmente integrado, sem antecedentes criminais - na personalidade do arguido, o comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo este verbalizado arrependimento.
772.ª As necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
773.ª Assim, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do arguido e as exigências de prevenção requeridas no caso concreto e à medida da culpa do arguido, entendemos que a pena a ser aplicada nunca deverá ser inferior a cinco anos de prisão e, em cúmulo jurídico com as penas acima referidas, o arguido deve ser condenado numa pena única nunca inferior a sete anos de prisão.
774.ª Relativamente ao crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º, alínea b) do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo B) de cuja prática os arguidos Z e ZB foram absolvidos e como os factos em causa nesta imputação constituem o reverso do crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF e se este arguido deve ser condenado pela prática do referido crime, é evidente que, face à matéria de facto dada como provada, é de concluir que a conduta dos arguidos Z e ZB integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção activa referente aos factos descritos no núcleo B.
775.ª Ora, considerando os factos dados como provados no Acórdão recorrido, e as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, e sendo elevadas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada, justifica-se, no caso em apreço, uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
776.ª Na determinação da medida concreta da pena, há que se ponderar, nomeadamente na ilicitude dos factos praticados pelos arguidos e as suas consequências, que, no caso em apreço, assumem especial gravidade, bem como no grau da culpa, nas condições de vida dos arguidos - familiarmente e profissionalmente integrado, sem antecedentes criminais - na personalidade dos arguidos, o comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo estes verbalizado arrependimento.
777.ª As necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
778.ª Assim, ponderada a ilicitude global do facto, a duração da actividade criminosa, a culpa dos arguidos e as exigências de prevenção requeridas no caso concreto e à medida da culpa do arguido, entendemos que a pena a ser aplicada, a cada um deles, nunca deverá ser inferior a quatro anos de prisão e, em cúmulo jurídico com as penas acima referidas, cada um dos arguidos deve ser condenado na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período com regime de prova e com a imposição, ao abrigo do disposto no art.º 51.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, de cada um deles pagar ao Estado a quantia de € 50.000,00.
DO PEDIDO DE PERDA AMPLIADA.
779.ª Entende o recorrente, para além de tudo aquilo que já se disse em sede de recursos interpostos quanto às decisões de arresto decretados nos autos, que o Tribunal recorrido adoptou, em sede de perda alargada, uma interpretação que viola de forma clara o estatuído no artº 7º, nº 1, por referência ao art.º 1.º, n.º 1, al. f), ambos da «Lei n.º 5/2002, norma legal que determina que, em caso de condenação pela prática de um dos crimes de catálogo, se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
780.ª Ou seja, ao adoptar uma interpretação restritiva do preceito do art.º 7.º, nº 1, o Tribunal recorrido limita, ilegalmente, e ao arrepio da ratio e da norma, bem como da história do preceito, o funcionamento da presunção legal em que a mesma se consubstancia uma presunção iuris tantum que inverte o ónus da prova acera da proveniência lícita dos bens, afastando-a nos casos em que apesar de se verificar uma condenação por um dos crime de catálogo, e se haver liquidado património incongruente cuja perda foi regularmente requerida nos autos – como é o caso - o Ministério Público não haja descrito factos e realizado prova de que a actividade objecto de acusação e condenação haja dado origem a vantagens de natureza material, mas tão só a vantagens de natureza imaterial.
781.ª Veja-se, a propósito do arguido AF e da arguida MA, como o Tribunal recorrido faz recair sobre o Ministério Público o ónus da prova da licitude do património incongruente apurado, fazendo a dúvida gerada funcionar contra as pretensões do Estado e não contra os arguidos, afirmando, para mais, que não foram apurados ganhos com a prática. (cf. fls. 2424 e ss.; 2439 e ss. )
782.ª Com efeito, caso tais factos houvessem sido apurados (o nexo causal, directo ou indirecto, entre a actividade e uma dada vantagem material ou imaterial) não haveria necessidade de fazer uso da perda alargada, pois verificando-se um nexo causal da vantagem com o acto ilícito estaríamos no âmbito do funcionamento da perda clássica da vantagem ou do seu valor, no caso em que a primeira não fosse susceptível de ser apreendida em espécie (v. g. o caso das vantagens imateriais)
783.ª Ou seja, mesmo no caso de uma vantagem de natureza imaterial (ex: uma contratação por um dado período de tempo determinável), caso se conseguisse lógica e seguramente converter tal vantagem imaterial num valor patrimonial determinado (por exemplo, o valor pago pela contratação ilegal) seria hoje, face ao quadro legal vigente, viável proceder à perda directa ou clássica de tal valor face ao disposto nos artºs 110.º, n.º 1, al. b), e nº 4 do Código de Processo Penal.
784.ª Ou seja, o Tribunal recorrido confunde o instituto do confisco ampliado com o instituto do confisco clássico, o qual abarca os instrumentos, os produtos e as vantagens dos crimes, ou seja, os que se encontrem numa relação de causalidade com a prática do crime pelo qual se verificou a condenação, e já não o valor correspondente à liquidação do património incongruente o qual não carece de qualquer nexo causal com a actividade criminal.
785.ª Uma vez verificada a condenação por um dos crimes de catálogo, não incumbe ao julgador, a fim de ilidir a presunção ou afastar o seu funcionamento, dar como provado que a actividade ilícita não deu origem em qualquer vantagem patrimonial, com efeito a presunção legal opera sobre a origem ilícita do património, não recaindo sobre o Ministério Público, sequer, que faça prova de que, para além da actividade imputada e condenada o arguido haja nos cinco nos anterior desenvolvido qualquer outra actividade ilícita ou uma carreira criminosa.
786.ª Dada a autonomia da presunção ante os factos objectos da condenação (excepção feita à integração do catálogo legal o qual não pode ser alargado por uma integração analógica), o funcionamento da mesma também não depende de quaisquer juízos de proporcionalidade ou necessidade: ou seja, mesmo num caso em que a condenação pelo crime – pressuposto não se revele particularmente grave, atenta a pena concreta aplicada, não se encontra o juiz legitimado para afastar o funcionamento da presunção e o decretamento da perda do património incongruente, no caso de a presunção não ser ilidida.
787.ª No caso do “Confisco Alargado”, estamos, assim, ante aquilo a que tecnicamente se apoda de “non-conviction based confiscation”,dada a autonomia causal do confisco com a actividade ilícita apurada e objecto de condenação, bastando ao funcionamento da presunção (e confisco) a condenação por um dos crimes de catálogo e o apuramento de um património incongruente com o património lícito do arguido condenado. A presunção não permite, assim, até face à presunção de inocência constitucionalmente consagrada, apurar se o arguido cometeu um dado crime ou se encontra inserto numa carreira criminosa nos últimos cinco anos, em causa está apenas a origem do património do visado, que, em virtude de uma condenação e de uma incongruência patrimonial, se presume ilícito.
788.ª Tal matéria encontra-se intimamente relacionada com a questão da natureza do confisco, o qual, apesar de conexionado com a prática de crime, assume, para alguns autores, o que propugnamos, a natureza de uma reacção não penal, que procura lograr uma ordem patrimonial conforme ao direito, trata-se de uma consequência jurídica do crime sem pressuposição da prova da prova do facto e da culpa. (quanto às vários correntes dogmáticas relativas à natureza do confisco em processo penal, cf. Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues, in a “Recuperação de Activos na Criminalidade Económico-Financeira, Viagem pelas Idiossincrasias de um Regime de Perda de Bens em Expansão”, Ed. SMMP, p. 185 e ss.; Hélio Rigor Rodrigues, in “ O Novo Regime de Recuperação de Activos à Luz da Directiva 2014/42/EU e da Lei que a Transpôs, INCM, 2018, p. 39 e ss.)
789.ª Uma vez operada a presunção, incumbirá ao arguido ilidi-la, nos termos do art.º 9.º, podendo fazê-lo nas três modalidades aí especificadas, não sendo legalmente adequada à ilisão da presunção – por falta de previsão legal e inadequação à natureza da presunção - a alegação e prova de que a actividade pela qual foi condenado apenas lhe granjeou vantagens de natureza imaterial.
790.ª Ora, não tendo sido ilidida a presunção legal, deveria o Tribunal recorrido ter declarado perdido a favor do Estado os montantes cuja origem não ficou positivamente demonstrada de forma inequívoca, e não, como o fez, não decretar o arresto, em caso de dúvida acerca da origem, mormente por considerar que não foram imputados aos arguidos, como no caso da arguida MA, a percepção de vantagens materiais.
791.ª O não afastamento pelos arguidos da presunção legal resulta, aliás, evidenciado na matéria de facto dada como provada acerca de tal matéria, a fls. 2032 e seguintes do Acórdão recorrido, da qual não se lobriga em que factos e prova fez o Tribunal assentar a sua convicção quanto à origem de tais valores incongruentes detectados no património dos arguidos. Designada e especialmente, qual a concreta origem dos avultados depósitos em numerário (mais de 70.000€) verificados nas contas do arguido AF..
792.ª Omissão esta, em sede de pronúncia quanto à matéria de facto, que configura, igualmente, a nulidade do artº 379º, nº1, al. c) do CPP.
793.ª Pelo exposto, entende-se que ao assim decidir, o Tribunal recorrido violou a norma do art.º 7.º, nº 1, por referência ao art.º 1º, n.º 1, al. d) e f), ambos da Lei n.º 5/2002, norma legal que determina que, em caso de condenação pela prática de um dos crimes de catálogo, se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, tendo excluído o funcionamento da presunção e a inversão de ónus de prova que acarreta no caso de dúvidas acerca da proveniência do património incongruente e, ainda, no caso de o crime de catálogo não ter gerado vantagens dadas como provadas. Devendo, assim, nesta parte, ser o acórdão revogado, e, confirmando-se as condenações dos arguidos e dado provimento ao presente recurso quanto à decisão de absolvição, ser declarado perdido a favor do Estado o valor da incongruência patrimonial liquidado nos autos.
794.ª Nestes termos, deve ser ordenada a revogação do Acórdão recorrido e ordenar-se o reenvio parcial do processo para novo julgamento nos moldes apontados.
795.ª Porém, e caso não seja ordenada a revogação do acórdão recorrido por outro de molde a serem supridas as invocadas nulidades de sentença, nem seja ordenada a repetição do julgamento ou decretado o reenvio para novo julgamento, sempre atento o erro de julgamento, deverá haver lugar à modificação da base factual nos termos apontados e, consequentemente, os arguidos devem ser condenados pela prática dos crimes de que se encontram pronunciados, sendo que, quanto ao Núcleo Factual E e ao crime de peculato de uso, bem como quanto ao crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF (factos descritos no Núcleo B) e aos crimes de corrupção activa e de tráfico de influências imputados aos arguidos Z e ZB (factos descritos no Núcleo B) os arguidos AF, MA, Z e ZB devem ser condenados nos moldes acima apontados.
796.ª O acórdão recorrido violou os artigos 127.º, 374.º, 379.º e 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, bem como outras disposições legais especificadamente mencionadas na impugnação sobre a matéria de direito, interpretando-as e aplicando-as em sentido contrário ao que as devia ter interpretado e aplicado.” Recurso da arguida MA..
A arguida MA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
“1.Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido nos presentes autos nos termos do qual se decidiu condenar a Recorrente pela prática, em concurso real de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. nos termos dos artigos 17.°, n.° 1, ex vi 3.° A, alíneas d), e) e f), todos da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. nos termos dos artigos 18.°, n.° 1, ex vi 3.° A, alíneas d), e) e f), todos da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e ainda na pena acessória de suspensão do exercício de funções públicas pelo prazo de 3 anos, sendo levado em conta o tempo de suspensão já cumprido.
I - Nulidades e Vícios da Decisão.
- DA OMISSÃO OU INSUFICIÊNCIA DE IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA - DA APLICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIXADA NO ACORDÃO DO STJ n.° 1/2015 - DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA (art.° 410.°, n.° 2, alínea a), do CPP)
2. Nos termos do artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do Código de Processo Penal, a Acusação e a subsequente Pronúncia tinham de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos dos crimes imputados, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos bens jurídicos.
3. A imputação subjectiva constitui um elemento típico nuclear da responsabilidade criminal, em torno da qual se avalia a culpa e a consciência dos acusados, pelo que dela não pode prescindir-se, em caso algum, impondo-se por isso a alegação de factos demonstrativos da representação do crime e vontade de o cometer - e a subsequente prova e apreciação e decisão pelo tribunal de julgamento -, sob pena de não poder ser assacado qualquer comportamento criminalmente relevante.
4. E por isso, de acordo com o estipulado no art.° 283.°, n.° 3, al. b), do Código de Processo Penal, da Acusação / Pronúncia devem constar os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivo do tipo incriminador imputado ao agente, sob pena de nulidade.
5. A verificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo, traduzidos em factos alegados na Acusação ou na Pronúncia constitui, pois, um pressuposto inultrapassável da verificação do crime, sendo que a falta da sua descrição não permite a imputação de uma conduta ilícita típica.
6. Estando a actividade cognitiva e decisória do tribunal limitada aos factos levados à Acusação ou Pronúncia, o Tribunal de julgamento não pode pronunciar-se sobre factos que não foram alegados naquelas peças, nem mesmo nas circunstâncias previstas nos artigos 358.° do Código de Processo Penal, sob pena de violação da estrutura acusatória do processo penal, do direito de defesa e das regras dos artigos 18.° e 32.° da Constituição da República Portuguesa.
7. A omissão de descrição dos factos integradores do elemento subjectivo dos ilícitos imputados apresenta-se como insanável, estando vedado ao poder cognitivo do tribunal de julgamento suprir essa omissão.
8. É este o entendimento doutrinário e jurisprudencial unanimemente defendido, e que foi consagrado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça.
9. Analisada a Pronúncia face aos ensinamentos doutrinais e jurisprudência fixada, manifesto é que da mera leitura de tal peça, verifica-se que não contemplou a vertente do elemento subjectivo dos tipos incriminadores ali referidos pelos quais a Arguida veio a ser condenada, nem por recurso à consignação de que a Arguida MA, ao actuar da forma ali descrita, agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10. Estando a actividade cognitiva e decisória do tribunal limitada aos factos levados à Acusação ou Pronúncia, o Tribunal de julgamento não podia pronunciar-se sobre factos que não foram alegados naquelas peças - como de facto, não se pronunciou - pelo que, a consequência da ausência ou insuficiência da imputação subjectiva é a da absolvição do agente.
11. Sem a imputação de factos demonstrativos do conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, da sua livre determinação e da vontade da Arguida para cometer os alegados ilícitos com o sentido do correspondente desvalor, a pronúncia era infundada porque insusceptível de suportar a aplicação de uma pena, e a decisão ora recorrida é nula, por ter decidido, implicitamente, sem atender ao elemento subjectivo do tipo.
12. Entendimento diverso, de resto, sempre implicaria desconformidade constitucional da norma de suporte, fosse ela qual fosse e, designadamente, da norma do art.° 283.°, n.° 3, al. b), do Código de Processo Penal, nomeadamente por violação das garantias de defesa salvaguardadas no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa.
13. - DA OMISSÃO DE IDENTIFICAÇÃO DOS TIPOS INCRIMINADORES POR REFERÊNCIA A CADA SUBNÚCLEO DE FACTOS - ININTELIGIBILDADE, INSUFICIÊNCIA - NULIDADE DA SENTENÇA, POR NÃO SUPERAÇÃO DESSA OMISSÃO DA PRONÚNCIA.
14. Para aferir do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos criminais tipificados na lei, é imperativo saber-se qual o concreto tipo incriminador que que o titular da acção penal considera preenchido por cada uma das condutas descritas na acusação ou na pronúncia.
15. Esta concretização é uma imposição que resulta desde logo do princípio da vinculação temática, mas também dos princípios e normas constitucionais, convencionais e processuais que exigem e garantem que o direito de defesa possa ser exercido de forma efectiva e cabal.
16. Ninguém tem dúvidas que para que tais princípios se tenham por respeitados, que a Acusação e a Pronúncia se devem apresentar como absolutamente claras e inequívocas quanto às normas incriminadoras por referência a cada uma dessas concretas condutas que se têm por violadoras de bens jurídicos penalmente tutelados.
17. Não é indiferente para o exercício do direito de defesa contra determinada imputação, que o tipo incriminador seja o da corrupção ou, pelo contrário, o de tráfico de influências, e dentro do crime corrupção, se se está perante uma conduta que integra a corrupção passiva ou activa e nesta, se para prática de acto ilícito ou acto lícito.
18. As quatro sequências de eventos que foram imputadas à Arguida (- E-3 (Do Procedimento Concursal para provimento do cargo de Presidente do IRN); / - E-4 (Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos a que concorreu CF); / - E-5 (Do concurso da CRe SAP para provimento dos cargos de Vogai do IRN em que foi oponente LGP); e / - E-6 (Do concurso para SG do MAI em que foi oponente HM) nunca foram relacionadas, de forma inteligível, aos crimes imputados à arguida (que começaram por ser: um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.°, n.° 1, ex vi do artigo 3.°-A, als. d), e) e f), da Lei n.° 34/87 e dos artigos 66.°, n.° 1, als. a), b) e c) e 68.°, ambos do Código Penal; um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18.°, ex vi do art.° 3.°-A, als. d), e) e f), da Lei n.° 34/87; Dois crimes de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335.°, n.° 2, do Código Penal.
19. Quanto ao crime de corrupção activa, a Pronúncia nem sequer identificou qual das modalidades do art.° 18 ex vi do art.° 3.° A, alíneas d), e) e f), da Lei n.° 34/87 estava em causa, se a do n.° 1, do n.° 2 ou do n.° 3.
20. Como repetidas vezes se referiu, não era possível compatibilizar as quatro sequências de eventos com os três tipos legais imputados simetricamente a ambos os arguidos (no caso da Arguida, corrupção activa; corrupção passiva; e tráfico de influência activa; no caso de AF, corrupção activa; corrupção passiva, e tráfico de influência passiva).
21. Se os dois crimes de tráfico de influência activa fossem os de E-4 e E-6 (E-4 (Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos a que concorreu CF); e - E-6 (Do concurso para SG do MAI em que foi oponente HM), então uma das actuações da Arguida na sua qualidade de vogal da CReSAP (E-3 (Do Procedimento Concursal para provimento do cargo de Presidente do IRN) ou E-5 (Do concurso da CReSAP para provimento dos cargos de Vogal do IRN em que foi oponente LPG) constituiria um crime de corrupção activa. Crime esse em que, sendo AF acusado, em simetria, pelos mesmos tipos de crime (três deles em forma passiva), teria necessariamente de ser corrompido pela Arguida (corrupção passiva) num dos crimes de corrupção. Como não podia ser corruptor passivo no seu concurso (E-3), teria de o ser no de LGP (E-5). Mas como, se o crime de corrupção supõe o exercício de competências funcionais e ele não tinha nenhumas nesse caso.
22. Se os dois crimes de tráfico de influência activa fossem os de E-5 e E-6 (E-5 (Do concurso da CR e SAP para provimento dos cargos de Vogal do IRN em que foi oponente LGP); e - E-6 (Do concurso para SG do MAI em que foi oponente HM), como parecia (pouco) mais lógico, até pela sequência de apresentação dos factos e dos crimes, então o crime de corrupção activa que era imputado à Arguida teria de ser ou E-3 (Do Procedimento Concursal para provimento do cargo de Presidente do IRN), ou E-4 (Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos a que concorreu CF); Afastado o primeiro (por ainda ser teoricamente concebível encontrar nele um crime de corrupção passiva), por exclusão de partes, teria de ser o segundo. Mas como, se AF nenhum poder de decisão tinha nessa matéria.
23. Como explica Damião da Cunha, "saber se se é, ou não, funcionário não é questão abstracta; é uma questão concreta, em relação à posição e à actividade do agente".
24. E como nada foi dito - na acusação, pronúncia ou condenação - sobre quem deu/prometeu ou solicitou/aceitou o quê, a quem, com vista a quê, nenhum dos elementos típicos do crime de corrupção (ou do tráfico de influência) se podia dar como preenchido.
25. E, claro, sem perceber em que procedimento concursal é que a Arguida teria prometido, ou dado, uma vantagem, e em que outro é que teria recebido, ou ficado na expectativa de receber, uma vantagem, não se consegue perceber em qual é que cometeu um crime de corrupção passiva, e em qual é que cometeu um crime de corrupção activa (e os dois de tráfico de influência que foram considerados consumidos pelos dois crimes de corrupção), que a Arguida nunca soube e continua a não saber mesmo após ter sido condenada.
26. Para além do conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, O exercício efectivo do direito de defesa exigia ainda o conhecimento das disposições legais com base nas quais é submetida a julgamento, pois só assim teria tido condições de preparar a sua defesa de forma adequada.
27. A omissão do cumprimento de tal exigência importou a impossibilidade de um efectivo exercício do direito de defesa, o qual não se basta com um exercício formal e quase abstracto, resultante da insuficiente inteligibilidade da pronúncia, antes se pretendendo que seja efectivo, dessa forma se dando pleno significado e conteúdo aos princípios gerais que regem o processo penal e às garantias de defesa consagradas no art.° 32.°, n.°s 1 e 5 a CRP, bem como do direito a um processo justo e equitativo nos termos consagrados no art.° 20.°, n.° 4 da mesma Lei Fundamental e no art.° 6.° da CEDH.
28. O julgamento não serviu para desfazer essa dúvida e a decisão recorrida reflecte a dificuldade de subsunção dos factos provados aos tipos incriminadores, não tendo as deficiências da Pronúncia sido suplantadas na Decisão recorrida.
29. Mas a deficiência da acusação /pronúncia, designadamente no que respeita à não identificação em qualquer dos núcleos delituais do tipo incriminador que na acusação e pronúncia se entendeu terem sido violados pelas actuações ali descritas, não podia ser suprida pelo tribunal de julgamento - e, em boa verdade, não foi: a condenação continuou a assentar em sequências de eventos que poderiam, quando muito, configurar desvios (por mais bem intencionados que tivessem sido) a deveres de cargo, nunca, em circunstância alguma, a elementos típicos de um crime de corrupção (muito menos dois).
30. Tal como no despacho de pronúncia, na Sentença não foram descritos (muito menos de forma precisa), nem foram suficientemente concretizados os factos relativos aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos incriminadores em causa, antes se bastando com considerações mais ou menos genéricas, alheias ao nível de concretização exigidos, quer do ponto de vista factual, quer da sua fundamentação e integração jurídico-penal, não se evidenciando de forma clara, rigorosa e inequívoca, que factos possam integrar cada um dos ilícitos cuja prática é imputada à Arguida e, por consequência, que possam servir de fundamento à aplicação de uma sanção de natureza penal.
31. Não basta dizer-se que a Arguida incorreu na prática de um crime de corrupção activa (p. e p. pelo art.° 18.°, da Lei 34/87, para mais sem referência a qual das modalidades dos seus n.°s 1,2 e 3), e num crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art.° 17.°, da Lei 34/87, declarando consumidos dois crimes de tráfico de influências, p. e p. pelo art.° 335.°, n.° 2, da Lei 34/87, apenas por referência ao núcleo E, intitulado "E Da Arguida MA.".
32. É antes imperativo que seja efectuada expressa referência ou concretização em relação aos factos ali vertidos, e indicados de forma absolutamente clara e inequívoca os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais imputados por referência a cada sub-núcleo factual.
33. A nulidade da acusação / pronúncia, como resulta de uma interpretação conjugada do disposto no art.° 283.°, n.° 3, al. c) e 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. c), todos do CPP, é de conhecimento oficioso e, na prática, insanável, pelo que em face do exposto, a Arguida teria necessariamente de ser absolvida dos crimes por que foi condenada.
34. Por outro lado, foi dado como provado que houve um acordo de troca de favores entre ela e AF, e que tal acordo foi firmado "Em data não concretamente apurada, mas próxima do Verão de 2013".
35. Esse acordo - o elemento essencial dos crimes de corrupção, agora que há tipificação autónoma para o crime de recebimento indevido de vantagem - não foi sustentado, porém, em nenhum elemento de facto que o indicie ou concretize, não há na Decisão recorrida (como não havia na acusação, nem no despacho de pronúncia) - nem em qualquer outra parte dos autos - qualquer índice, qualquer arrimo, qualquer evento, de que se pudesse retirar tal imputação, muito menos situá-lo nessa data, e não em outra qualquer.
36. Em consequência, não há na decisão condenatória (nem podia haver) qualquer indicação de quais os meios de prova que serviram para formar a convicção quanto aos factos dados como provados, permanecendo a Arguida sem saber como se chegou a tal conclusão fáctica, essencial para o preenchimento do elemento objectivo dos tipos incriminadores (passivo e activo) pelos quais foi condenada.
37. Como a Arguida referiu, era incompreensível o modo como um "acordo" entre os Arguidos, que começou por ser "tácito" (e anterior a 2008) e que implicava uma suposta atribuição de vantagens por parte de AF ao filho da Arguida (por via da Fiowmotion, empresa deste), passou a situar-se em 2013 após se ter determinado o arquivamento dos autos no que concerne à única "vantagem" antes expressamente referida como tendo sido concedida por AF à Arguida.
38. Resultando da lei, da doutrina, e da jurisprudência, que é no momento da conclusão do acordo que o crime de corrupção se consuma, e não quando se verificam os supostamente subsequentes "actos de execução", a laboriosa descrição das condutas dos arguidos nos procedimentos concursais (E-3 a E-6) é indiferente ao essencial: a consumação dos crimes de corrupção teria ocorrido com o acordo próximo do Verão de 2013.
39. Tal como é (era) crucial saber a quem é que foi imputada a solicitação e a quem é que foi imputada a aceitação - ainda que não se possa perceber como é que o "mercadejar do(s) cargo(s)", próximo do Verão de 2013, se desdobra depois em dois autónomos crimes cometidos a partir, supõe-se, de Outubro desse ano, altura em que não se refere a existência de qualquer acordo.
40. A Acusação, para além de não concretizar o alegado acordo entre os arguidos (excepto na data provável da sua consumação), dispensou a identificação da vantagem pretendida/obtida por cada um - que também não teve qualquer concretização no despacho de pronúncia nem no Acórdão condenatório.
41. O que implica que a vantagem dada/prometida no crime de corrupção passiva era a própria corrupção activa, com dupla valoração do dado/prometido: por um lado seria o elemento constitutivo do crime de corrupção activa; por outro seria o pagamento/benefício dado em troca do crime de corrupção passiva.
42. O que envolve um entendimento inconstitucional das normas dos artigos 17.° e 18.° da Lei n.° 34/87, designadamente à luz do princípio consagrado no n.° 5 do artigo 29.° da Constituição.
43. Também por não se ter pronunciado sobre o tipo de participação nos termos do art.° 26.° do Código Penal, relativamente aos crimes pelos quais a Recorrente foi condenada, incorreu a decisão ora recorrida no vício previsto na al. a) do n.° 2 do artigo 410.°, do Código de Processo Penal, vício esse que deve ser declarado, ou, caso assim se não entenda, declarada a nulidade prevista no art.° 379.°, n.° 1, al. c), do mesmo diploma legal.
44. O que, a não acontecer, também implicará necessariamente que serão dadas a estas normas entendimentos desconformes com os princípios constitucionais, designadamente os do n.° 1 do artigo 32.° da Constituição.
- DA NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 374.°, n.° 2 e 379.°, n.° 1, ALÍNEAS a) e c) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES E OMISSÃO DE PRONÚNCIA - DA VERIFICAÇÃO DO VÍCIO DO ARTIGO 410.°, n.° 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
45. Não obstante a extensão da motivação da Decisão recorrida, não foi dado cumprimento efectivo e integral ao dever de fundamentação das decisões constitucionalmente consagrado no art.° 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, nem ao disposto no art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, vício esse que resulta do próprio texto da decisão recorrida, e que consubstancia nulidade insanável nos termos do disposto nos artigos 410.°, n.° 3 e art.° 379.°, n.°s 1, alíneas a) e c) e 2, do mesmo diploma legal.
46. Em relação a parte da factualidade que vinha imputada à Arguida MA, a fundamentação ocorre por mera remissão para as folhas dos volumes e apensos, sem indicação dos documentos a que se referem (com raríssimas excepções), bem como para sessões de avos com referências ao número, apensos, volumes e folhas em que se encontram.
47. A fundamentação resume-se à afirmação de uma "troca de favores", que diz ser "por demais evidente", que "da submissão ao concurso da CReSAP o arguido AF estava preocupado e sentia-se incapaz de apresentar a candidatura - tanto mais que assumidamente era uma pessoa que não lidava bem como as novas tecnologias e a apresentação da candidatura envolvia capacidade informáticas e que das conversas estabelecidas entre os arguidos AF e MA alcança-se uma tendência para a manipulação da máquina e de lugares administrativos por parte desta última", concluindo que "Perante esta tendência, não se pode aceitar como altruísta a oferta da arguida MA.."
48. Da motivação acima transcrita decorre que o Tribunal a quo não procedeu ao exigido exame crítico dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, considerando que a síntese do relato das declarações dos arguidos e testemunhas são suficientes para tonar auto explicativa a motivação da convicção do Tribunal Colectivo, uma vez que "estes relatos permitem efectuar a narração fáctica em que assenta a fundamentação de facto deste acórdão.".
49. Sendo que o único assomo de um princípio de apreciação crítica dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, constam da apreciação que faz sobre o núcleo E, acima transcrita.
50. Mas nessa parte o Tribunal a quo limita-se a afirmar a existência de um acordo de troca de favores, que qualifica de evidente, mas não indicando os concretos meios de prova dos quais o mesmo resulta, bastando-se com uma declaração genérica de que os factos da pronúncia, quanto à essencialidade objectiva, foram provados com base nas declarações dos arguidos, os quais aceitaram a actuação objectiva, alicerçada pela prova documental, testemunhal e as intercepções de telecomunicações, afastando aquelas declaração no que toca à essencialidade subjectiva.
51. Porém, as declarações dos arguidos vertidas na motivação de facto da decisão, as mesmas não se apresentam como auto explicativas da existência de um acordo de troca de favores pois nenhum dos dois afirmou a existência de qualquer acordo de troca de favores, nem tal se pode inferir de tais declarações, bem pelo contrário.
52. Por outro lado, os relatos dos depoimentos das testemunhas vertidos na motivação não se apresentam como auto explicativos desse facto, tal como de resto de outros factos dados como provados quanto a este núcleo, da prova documental indicada de fls. 1610 a 1622, também nada se extrai quanto a esse afirmado acordo, das comunicações por correio electrónico indicadas na motivação, nada se retira quanto a esta questão essencial, tal como de resto em relação a outras o mesmo se concluindo face às intercepções telefónicas mencionadas na motivação da decisão de facto e transcritas de fls. 1631 a 1912, as quais respeitam a um período posterior, compreendido entre 11/11/2013 e 07/02/2014, sendo que nenhuma alusão é feita a esse dito acordo, nem delas tal se pode inferir.
53. Acresce que dos 4 núcleos fácticos envolvidos, limita-se a fazer referência a um (o do concurso de AF para Presidente do IRN), omitindo qualquer referência aos demais núcleos e nada se dizendo quanto a concatenação dos meios de prova que sustentaram a convicção do Tribunal a quo quanto aos restantes concursos cujos factos foram dados como provados e não provados.
54. O Tribunal a quo não procedeu ao exigido exame crítico dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, não explicitando, como se lhe exigia, o processo lógico e racional que lhe subjaz, não permitindo compreender de que forma e através de que meios de prova concluiu no sentido ali expresso, nomeadamente, como se comprovou que a arguida MA e o arguido AF, acordaram uma troca de favores no verão de 2013 e que os factos provados foram realizados em execução desse acordo de troca de favores, factos estes de extrema relevância para a decisão e, para mais, levados às contestações apresentada por ambos os arguidos em sentido oposto ao que foi dado como provado. A motivação de facto é inexistente.
55. A falta ou insuficiência da fundamentação percorre toda a decisão sobre a matéria de facto, mas também sobre a matéria de direito, no que se inclui a imputação jurídico-criminal dos factos, a medida concreta das penas parcelares e únicas e a aplicação e medida da pena acessória de proibição do exercício de funções públicas.
56. Por outro lado, o Tribunal a quo também não se pronunciou, dando como provados ou não provados, os factos da pronúncia e da contestação da arguida transcritos de fls. 1939 a 1941, por considerar “não poderem ser objecto de prova", por serem “factos jurídicos e/ou factos conclusivos", reconduzindo-os para a “Matéria de Facto Insusceptível de Prova", não obstante incluir matéria que pode e deve ser sujeita a um juízo probatório, logrando-se prová-la ou não
57. Não sendo tal factualidade jurídica ou conclusiva, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre a mesma.
58. De outra banda, pronunciou-se sobre factos jurídicos e conclusivos, dando-os como provados, como sucede, entre outos, com os factos levados aos §§ 1691 a 1693 da pronúncia.
59. O Tribunal a quo também não se pronunciou sobre as questões jurídicas suscitada na Contestação apresentada pela arguida, quer quanto à impossibilidade das subsunções vertidas nos Despachos de pronúncia e de acusação, quer quanto à aplicação da pena acessória de proibição de exercício de funções, omitindo qualquer referência ou discussão sobre as mesmas questões jurídicas suscitadas.
60. A falta ou insuficiência da fundamentação percorre toda a decisão sobre a matéria de facto, mas também sobre a matéria de direito, nomeadamente na fundamentação da imputação jurídico-criminal dos factos, da medida concreta das penas parcelares e únicas e a aplicação e medida da pena acessória de proibição do exercício de funções públicas, tudo em patente desconformidade com o padrões fixados na melhor jurisprudência, como consagrado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/03/2016..
61. A imposição do exame crítico das provas e a enumeração de todos os factos relevantes para a decisão a proferir, enquanto elemento ou parte da fundamentação, visa delimitar com clareza e rigor a base de facto da decisão a proferir pelo tribunal de julgamento sobre as questões de direito relativas à questão da culpabilidade e, simultaneamente assegurar que o tribunal apreciou e decidiu toda a matéria de facto relevante sujeita ao seu julgamento (cf. art.° 368.°, n.°s 2 e 3 do Código de Processo Penal).
62. Resulta da conjugação do preceituado nos artigos 339.°, n.° 4, 368.°, n.°s 2 e 3, 369.° e 374.°, n.° 2, todos do Código de Processo Penal, que da fundamentação, para além do exame crítico da prova, deve constar a enumeração dos factos provados e não provados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, relevantes para decidir as diversas questões que, no seu conjunto, constituem a questão da culpabilidade, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação ou da pronúncia sob pena de ser verificar a nulidade da decisão a que se reportam as alíneas a) e c) do n.° 1, do art.° 379.° do mesmo diploma legal.
63. Ao não cumprir os enunciados comandos, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 97.°, 374.°, n.° 2, 339.°, n.° 4, 368.°, n.°s 2 e 3 e 369.°, todos do Código de Processo Penal.
64. Não tendo cumprido o dever de fundamentação, a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto, nos termos do art. 379.°, n.° 1, al. a) do Código de Processo Penal, bem como de nulidade por omissão de pronúncia nos termos da al. c) do mesmo normativo legal, a qual deve ser declarada nos termos e para os legais efeitos.
65. Caso o douto Tribunal ad quem não decida pela violação do disposto no n.° 2 do art.° 374.° do Código de Processo Penal, como parece incontornável dos termos expostos - o que se admite por mero dever de patrocínio -, a interpretação que fizer dessa norma, confirmando a da 1.a instância, secundará um entendimento inconstitucional do aí disposto desconforme com o que necessariamente impõe o art.° 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
II - DOS VÍCIOS DA DECISÃO RECORRIDA - ARTIGO 410.°, n.° 2, alíneas a) e b) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
66. Por oportunidade de exposição, já acima se invocou que a Decisão recorrida padece do vício do art.° 410.°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Penal - da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que de novo se convoca noutro segmento, mas como agora se conclui, também do vício da al. b) - contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão, os quais resultam do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
67. O Tribunal a quo deu como provado o facto vertido no § 1632 da pronúncia os factos da contestação do arguido AF respeitantes ao ponto E.4, os quais se apresentam inconciliáveis entre si, porquanto sentido de que no dia 19/12/2013, este contactou JM com vista a condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri e ao mesmo tempo que o consultou tentando aferir da escolha feita, apenas tendo reportado o interesse preferencial da Secretária-Geral do Ministério da Justiça.
68. Ora, independentemente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativa ao facto de se ter dado como provado neste segmento o "apoio por parte da Secretária-Geral à oponente esse concurso e o seu "interesse preferencial" pela mesma, é manifesto que se verifica uma contradição insanável entre aqueles factos provados - pois pretender "condicionar o sentido da decisão já proferida peio júri" configura-se, objectiva e subjectivamente, como uma realidade diversa de consultar para "aferir acerca da escolha feita" e reportar o dito interesse preferencial - vício da decisão que se invoca de deve ser declarado.
69. Por outro lado, o Tribunal a quo deu como provados os factos vertidos no § 1632 integrado em E-6. Do concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente HM, e o facto da contestação de AF sobre essa matéria, primeiro no sentido de que a arguido sugeriu ao arguido que envidasse esforços no sentido de HM ser provido no cargo a concurso de Secretário-Geral do MAI e depois no sentido de que deu conhecimento sem estar a pedir o que quer que fosse e simultaneamente deu como não provado que a arguida, "fruto da sua amizade com HM, e como forma de agradecimento daquela situação passada, decidiu beneficiá-lo na expectativa que o mesmo tinha de ver alterada a sua situação labora. ". (§ 1662 da pronúncia).
70. Tais factos apresentam-se como inconciliáveis entre si, pois por um lado afirma-se que a arguida MA sugeriu ao co-arguido AF que envidasse esforços junto do então Ministro MM no sentido de HM ser provido no cargo e que o arguido AF, em conformidade, deu conhecimento a MM, sem pedir o que quer que fosse e, por outro lado, que a arguida não decidiu beneficiá-lo.
71. Por outro lado ainda, decorre dos factos provados e do facto não provado acima transcritos, que a arguida MA não efectuou um pedido ao Arguido AF no sentido de o mesmo influenciar o arguido MM, antes sugeriu àquele que desse conhecimento a este de que HM tinha interesse no cargo, mas que com essa conduta não pretendeu beneficiá-lo nem a mesma foi determinada pela amizade com HM nem se revelava como forma de agradecimento por qualquer situação passada.
72. A decisão do Tribunal a quo não ficou suficientemente esclarecida, verificando-se uma contrariedade entre os factos provados e não provados e os seus fundamentos com inevitáveis repercussões na decisão condenatória e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que do facto não provado em referência, resulta a ausência de intenção da arguida de beneficiar HM e, consequentemente, o elemento subjectivo do correspondente crime por que foi condenada, vício da al. a), do n.° 2, do artigo 410.°, do Código de Processo Penal, o qual deve ser declarado, com as legais consequências.
73. O Tribunal a quo deu ainda como provados no âmbito do "E.5. Do concurso da CR e SAP para provimento dos cargos de Vogal do "instituto dos Registos e do Notariado, I.P." em que foi oponente LGP", que em 15/01/2014, a arguida contactou AF " no sentido de obter a sua anuência à promoção e favorecimento da candidatura de LGP ao lugar de Vogal do IRN e de imediato o arguido aderiu a essa proposta, concordando ambos que, ..." e ao mesmo tempo o correspondente da contestação de AF" no sentido de o esclarecer acerca do facto do Dr.LGP estar a concorrer ao cargo de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e ainda que "Mais uma vez, a par do que já havia acontecido, o arguido AF anuiu à recomendação emanada pela Secretária Geral do Ministério da Justiça com o peso institucional que detinha.".
74. Tais factos são contraditórios entre si, na medida em que por um lado se refere que MA contactou AF " no sentido de o esclarecer acerca do facto de LGP estar a concorrer", ao cargo ali referido e, por outro lado, dá como provado que o arguido "anuiu à recomendação emanada pela Secretária-Geral do Ministério da Justiça, com o peso institucional que detinha".
75. Ora, esclarecer que LGP estava a concorrer e recomendar, para mais como Secretária-Geral e com o peso institucional que detinha, são dois factos contraditórios e inconciliáveis entre si e dizer-se que AF de imediato aderiu a essa proposta não se compatibiliza com a afirmação de que anuiu a uma recomendação.
76. O Tribunal a quo deu ainda como provado, relativamente a este segmento da pronúncia que finda a fase concursal a CReSAP indicou à Ministra da Justiça os nomes dos três oponentes ali mencionados e simultaneamente deu como provado o correspondente facto da contestação de AF onde se refere que a CReSAP terá indicado.
77. A contradição que os factos acima referidos encerram entre si, integra o vício da al. b), do n.° 2, do art.° 410.°, do Código de Processo Penal, o qual deve ser declarado, com as legais consequências.
III- DO ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE FACTO - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART.° 412o, N.° 2, als, a), b) e c) e n.° 4 e 431.° Do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
78. A Decisão padece de erros de julgamento em matéria de facto relevante para a decisão da questão da culpabilidade e da determinação da sanção, os quais impõem decisão diversa, determinante da modificação da mesma nos termos do art.° 431.° do Código de Processo Penal, como se passa a evidenciar em cumprimento do disposto no art.° 412.°, n.° 3 e 4 do mesmo diploma legal.
79. Em cumprimento do disposto no art.° 412.°, n.° 3, al. a), passam a indicar-se os concretos pontos de facto que se considera erradamente julgados, tarefa que atenta a extensão da factualidade provada e não provada da pronúncia e à ausência de numeração desses factos se fará por referência aos concretos parágrafos da pronúncia e ao factos das contestações.
80. No que respeita aos Factos Provados, consideram-se incorrectamente julgados os factos ou segmentos de factos dos § 1537, § 1552, § 1553, § 1554, § 1555, § 1556, § 1557, § 1558, § 1561, § 1562, § 1563, § 1564, § 1565, § 1567, § 1568, § 1575, § 1576, § 1577, § 1578, § 1584, § 1591, § 1597, § 1599, §1603, §1608, §1609, §1612, § 1616, § 1617, § 1618, § 1619, § 1627, § 1629, § 1631, § 1632, § 1633, § 1636, § 1638, § 1639, § 1641, § 1649, § 1650, § 1663, § 1664, § 1669, § 1675, § 1683, § 1684, § 1685, § 1686, § 1687, § 1688, § 1689, § 1690, § 1691, § 1692, § 1693 da pronúncia; os factos da contestação do arguido AF onde se deu como provado que o mesmo “tratou de auxiliar a Secretária-Geral do Ministério da Justiça e a pedido desta, remetendo o correio electrónico de 16 de Outubro de 2013, contendo os requisitos preferenciais que deveriam ser submetidos,bem como o facto onde se deu como provado “Considerando o apoio por parte da Secretária-Geral à candidata CF", consultou o Dr. JM, Vice- Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." tentando aferir acerca da escolha feita e na parte em se deu como provado que reportou ao Dr.JM o “interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.", o facto onde se consignou que “Mais uma vez, a par do que já havia acontecido, o arguido AF anuiu à recomendação emanada pela Secretária Geral do Ministério da Justiça com o peso institucional que detinha"; o facto provado no sentido de que “A CRe SAP terá indicado os elementos que integrariam a short/ist do procedimento concursal para o cargo de Voga/ do "instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".; o facto provado no sentido de que "Na sequência de um pedido efectuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, sem no entanto pedir o que quer que fosse, que o Dr. HM estava a concorrer ao cargo de Director Geral das infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração interna.
81. O Tribunal a quo julgou erradamente como não provados o facto constantes do § 1637 da pronúncia e a factualidade da contestação de AF na parte em que deu como não provado que "Não houve qualquer acordo estabelecido entre o arguido AF e a arguida MA" e que "Nem o arguido AF pediu ao então ministro para falar com o seu Secretário de Estado, nem o arguido MM, como é óbvio, se comprometeu a fazê-lo."
82. O Tribunal a quo considerou erroneamente serem insusceptíveis de prova os factos vertidos nos §§ 1561, 1566, 1569 e 1594, da pronúncia, os quais deveriam ter sido dados como provados.
83. Em cumprimento do disposto no artigo 412.°, n.° 3, al. b) e n.° 4 do Código de Processo Penal as provas que impõem decisão diversa da requerida são as declarações do arguido AF, nas audiências de 13/11/2017, com início com início às 14:30:06 e termo às 16:46:58 e de 14/11/2017, com início, às 10:29:02 e termo às 11:41:30 e as da arguida MA, na audiência de 23/01/2018, com início às 14:31:34 e interrupção às 16:43:45 e recomeço às 15:51:38 e termo às 16:43:45; os depoimentos prestados pelas testemunhas CF, na audiência final de 26/06/2017, com inicio às 11:08:05 e termo às 11:23:11; LGP, na audiência final de 26/06/2017, das 15:35:48 16:07:12; HM, na audiência final de 26/06/2017, das 16:24:59 às 16:55:23; MAN, na audiência de 14/03/2017, das 10:14:22 às 12:07:29; FMN, na audiência final de 14/03/2017, das 10:14:22 às 12:07:29 e das 14:41:58 às 16:14:10; JM, na audiência final de 30/05/2017, das 14:28:03 às 16:12:11; JB na audiência final de 20/06/2017, das 14:25:40 às 15:34:31; LPN, na audiência final de 20/06/2017, das 16:27:40 às 17:07:49; MMA, na audiência final de 22/06/2017das 10:16:54 às 11:01:14; IMN, na audiência final de 22/06/2017, das 11:49:03 às 12:13:13; JCE, na audiência final de 22/06/2017, das 15:03:41 às 15:18:33; SF, na audiência final de 22/06/2017, das 15:18:34 às 15:28:45; CCF, na audiência final de 22/06/2017, das 15:28:46 às 15:52:37; APE, na audiência final de 26/06/2017, das 10:11:37 às 10:38:40; JR, na audiência final de 26/06/2017, das 10:38:41 às 11:08:04; AFF, na audiência final de 26/06/2017, das 14:45:21 às 15:35:47; PTC, na audiência final de 12/09/2017, das 14:27:08 às 15:48:09; MMS, na audiência final de 20/11/2017, das 10:32:26 às 11:01:40; JR, na audiência final de 20/11/2017, das 12:18:48 às 12:33:19; FFS, na audiência final de 28/11/2017, das 14:32:31 e às 14:47:23 e em 29/01/2018 das 11:10:15 às 11:23:54; PLG, na audiência final de 29/01/2018, das 10:58:58 às 11:10:14; RMM na audiência final de 29/01/2018, das 11:12:55 às 11:52:14; DEP na audiência final de 29/01/2018, das 11:52:15 às 12:00:22; a prova documental constante do Apenso P, relatório 1, fls. 131 a 144 e 154 e fls. 309 do documento 1, da pasta 2, do apenso de busca 32 e Doc. 2 junto com a contestação do arguido AF; intercepções telefónicas de fls. 652, 654 e 655 do Apenso C, volume II, e sessão 5380, de 15/01/2014, do alvo 62001060, fls. 495, do apenso C, volume II.
84. Passamos à análise desses factos à luz das provas que sedimentaram a convicção vertida na motivação e das que ora se alinham em sentido diverso, por referência a cada um dos subnúcleos da pronúncia e da factualidade das contestações.
85. Quanto ao facto levado ao ponto "E - Da arguida MA. " § 1537 da pronúncia, da Resolução do Conselho de Ministros n.° 27/2012 de 21/06/2012, e com efeitos desde 19 de Maio de 2012 e das declarações da arguida decorre que foi nomeada como Vogal Não Permanente da CReSAP, mas que essas funções não se inseriam no âmbito das funções de Secretária-Geral do Ministério da Justiça.
86. Quanto aos factos provados referentes ao ponto "E-2. Do acordo entre os arguidos AF e MA." e ""E-3. Do Procedimento Concursal para provimento do cargo de Presidente do IRN." da pronúncia, a indicação das provas que impõem decisão diversa far-se-á em conjunto dada a interligação desses núcleos de factos e da prova que os envolve.
87. Assim e quanto ao facto nuclear - "Em data não concretamente apurada, mas próxima do Verão de 2013, acordaram os arguidos MA e AF, iniciar uma troca recíproca de favores, instrumentalizando e violando os respectivos deveres funcionais" ( § 1552 da pronúncia) - e todos os que dele derivam por serem tidos como factos praticados no âmbito e em execução daquele acordo e que percorrem toda factualidade provada nos subnúcleos E.2, E.3, E.4, E.5, E.6 e E.7, as provas que impõe decisão diversa da recorrida são as declarações de ambos os arguidos, conjugadas com os depoimentos das testemunhas e documentos que as corroboram e apontam em sentido diverso das conclusões extraídas pelo Tribunal a quo.
88. O Tribunal a quo serviu-se das declarações dos arguidos, que não valorou nesta parte, para considerar provado este facto, mas não indicou quaisquer outros concretos meios de prova neste segmento da fundamentação que permitissem sustentar fundamentadamente a existência de um acordo de troca de favores e a execução do mesmo, limitando a invocar a prova testemunhal, documental e por intercepções telefónicas constante da decisão sobre a matéria de facto sem a analisar e conjugar de molde a extrair aqueles factos.
89. Com efeito, da prova testemunhal indicada de fls. 1117 a 1522, apenas poderiam relevar a resultante das testemunhas funcionalmente relacionadas com os arguidos em referência, sendo que de nenhum dos depoimentos sintetizados na Decisão resulta o conhecimento de que os arguidos tenham realizado um qualquer acordo, mormente com os contornos dados como provados.
90. A prova documental referida de fls.1610 a 1630 também nada diz sobre o referido acordo de "troca de favores", nem o mesmo se pode dela inferir sobre o acordo em referência, tal como de resto sucede com a prova por intercepções telefónicas.
91. As declarações dos arguidos em audiência final apresentam-se assim como a única sustentação da formação da convicção quanto a esse facto, mas essas declarações de per sie conjugadas com a prova testemunhal e documental acima indicada, não permitem configurar ou sequer inferir tal afirmado acordo de troca de favores e todos os factos que de acordo com a Decisão foram praticados em sua execução.
92. Desde logo no que respeita às declarações do arguido AF nas quais declarou que não aceita, "nem pouco mais ou menos", tudo o que a propósito está vertido no Despacho de Pronúncia - e foi dado como provado - desde logo por referência à factualidade respeitante ao concurso para Presidente do Conselho Directivo do IRN, I.P., mas também quanto aos restantes subnúcleos de factos.
93. Também das declarações de MA, decorre, inequivocamente que não foi firmado qualquer acordo de troca de favores com AF e que as condutas descritas em todos os subnúcleos da pronúncia e dadas como provadas não se traduziram em actos de execução de qualquer acordo, antes tiveram subjacentes pressupostos e razões que não se compaginam com qualquer acordo de troca de favores.
94. No que ao ponto E. 3 da pronúncia, das declarações de ambos os arguidos que ia ser aberto o concurso público para Presidente do Conselho Directivo do IRN, I.P., ao qual o arguido AF teria de concorrer para se manter em funções como Presidente daquele instituto; que o mesmo não pretendia continuar exercício como Presidente desse Instituto, estava desmotivado para essas funções, para além de que não tinha equipa que considerasse à altura e, por outro lado, tinha outros projectos que vinha exercendo aos quais se queria dedicar; que entendia que não se devia sujeitar às provas públicas na CRe SAP atentas as provas já dadas; que o Ministério Justiça tinha todo o interesse que o arguido AF se mantivesse no exercício dessas funções; que MA considerava que face ao desinteresse que aquele demonstrava pela continuação em funções e ao concomitante interesse em desenvolver outras actividades, nomeadamente no sector privado, para o qual, aliás, tinha inúmeros convites, deveria ser provido no cargo outro dirigente que concorresse ao respectivo concurso; que não obstante ser essa a sua perspectiva lhe foi solicitado pela Senhora Ministra da Justiça que convencesse o arguido a manter-se em funções e a concorrer ao concurso público que seria aberto para esse efeito Senhora Ministra da Justiça; que a Senhora Ministra da Justiça, conhecedora do desinteresse do arguido AF em permanecer em funções e da relutância ou mesmo recusa a submeter-se a concurso, procurou convencê-lo a permanecer nessas funções, pelo menos até à conclusão daquele mandato, acabando o mesmo por aceder a pretensão, sendo esse o contexto supra descrito que o arguido AF acabou por se submeter a concurso, mas manifestando recorrentemente a sua insatisfação quer pela permanência em funções como Presidente do Conselho Directivo do IRN, nomeadamente por não ter equipa, e demonstrando a par e passo desse concurso a sua relutância em prosseguir nas diversas etapas até à sua conclusão, mantendo a insatisfação pelo continuação no exercício do cargo mesmo depois da sua nomeação.
95. Mais resulta das declarações de ambos os arguidos que foi igualmente nesse contexto e por causa dele que se verificou a actuação da arguida MA, quer no âmbito do concurso em referência, quer no que respeita aos concursos em que foram oponentes CF e LGP; que a intervenção da arguida MA no âmbito da preparação para o concurso foi norteada exclusivamente pelo interesse do Ministério da Justiça em manter o arguido AF no exercício daquelas funções e, porque para tanto era imperativo, que o convencesse a submeter-se ao referido concurso e nele se mantivesse até à sua conclusão, no que se insere ainda a indicação de CF e LGP como elementos que poderiam integrar a equipa daquele; que a arguida MA não tinha qualquer interesse pessoal na nomeação de CF e de LGP para os cargos a que concorreram e que não visou beneficiar qualquer deles, não havendo qualquer motivação dessa natureza na sua indicação ao arguido AF..
96. Das declarações dos arguidos resulta, pois, bem evidenciada a ausência de qualquer acordo de "troca de favores", para mais que envolvesse a violação dos seus deveres funcionais e que teria como finalidade beneficiar o arguido AF no concurso em referência e que tivesse como contrapartida que o mesmo beneficiasse pessoas ditas do interesse ou que pudessem ser úteis a MA, como sejam CF, LGP e HM, não se vislumbrando que as condutas imputadas tivessem subjacente a amizade existente entre ambos, facto esse, que sendo verdadeiro, apenas conduziu a uma maior à vontade nas palavras, mas que não foi nem causal, nem determinante das mesmas.
97. Que o arguido não pretendia continuar a exercer as funções de Presidente do Conselho Directivo do IRN, I.P., antes se perspectivando no exercício de outras funções, nomeadamente, no sector privado, que não pretendia sujeitar-se ao concurso público para o exercício daquelas funções e que teve de ser recorrentemente "motivado" para o mesmo até à sua conclusão, está também evidenciado ao longo de toda a decisão sobre a matéria de facto e sua motivação, quer ainda no enquadramento jurídico dos factos, em vários segmentos do Acórdão. AF..
98. Acresce que as declarações dos arguidos não são contrariadas por quaisquer dos meios de prova indicados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, antes sendo corroboradas pelos depoimentos de testemunhas indicadas na motivação da decisão sobre a matéria de facto e por algumas intercepções telefónicas, como sucede com a sessão 1119, de 22/12/2013, do Apenso C - volume 1, p. 193-206 (incluída nos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo, transcrita de fls. 1664 a 1667), na qual, em conversa com um tal Manuel, AF evidencia de forma clara que transmitiu à Senhora Ministra da Justiça que não ia fazer o concurso em referência, que só há um candidato, ele próprio e.
99. No que respeita às dúvidas do arguido AF em concorrer ao cargo em referência e em particular ao interesse do Ministério da Justiça na permanência do arguido AF como Presidente do IRN, foram elucidativos os depoimentos das testemunhas FFS, JR, APE, MMS e PTC..
100. Sobre a delegação na Secretária-Geral do Ministério da Justiça de funções próprias do Gabinete, nomeadamente a preparação dos concursos para a CReSAP, bem como da conduta funcional da arguida MA, nomeadamente no cumprimento da missão que lhe era atribuída pela Senhora Ministra da Justiça, as declarações da arguida foram corroboradas pelos depoimentos de RMM, PLG e DEP..
101. As declarações da arguida quanto às dificuldades dos candidatos aos concursos da CReSAP na compreensão e preenchimento dos documentos e formulários necessários à submissão das candidaturas e das ajudas que frequentemente eram solicitadas pelos mesmos a quem já tivesse concorrido, nomeadamente a MA, bem como do entendimento de que tal ajuda não consubstanciavam a violação de quaisquer deveres por ter sido ministrado curso pela própria CReSAP a todos os Vogais Não Permanentes dos vários Ministérios que iriam concorrer aos cargos de Secretários-Gerais, foram confirmadas pelos depoimentos de RMM..
102. As declarações do arguidos são, pois, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas, no sentido de que o arguido AF não pretendia continuar no exercício do cargo de Presidente do Conselho Directivo do IRN, que não pretendia submeter-se ao respectivo concurso, que o Ministério da Justiça pretendia e precisava que o mesmo prosseguisse no exercício desse cargo, tendo solicitado à arguida MA que o convencesse a manter-se nessas funções e, porque para tal era exigível, que se submetesse ao concurso público que iria ser aberto para o efeito e nele se mantivesse até final, agindo a mesma em concordância com esse desígnio, que não era seu, com o qual não concordava e no qual não tinha qualquer interesse.
103. Mais, a conduta da arguida MA, com o enquadramento que resulta das suas declarações e corroborado pelas declarações do arguido AF e os depoimentos das testemunhas, é conforme aos factos dados como provados quanto ao exercício de funções públicas ao longo de mais de 35 anos, qualificado como imbuído e delimitado pelo objectivo de prossecução do interesse público, dedicação e defesa da causa pública, respeitando as orientações dos seus superiores hierárquicos e actuando em conformidade, sendo por isso o juízo formulado a final da motivação sobre a tendência da arguida para a manipulação da máquina administrativa, contraditório com aqueles factos provados e sem fundamento atendível nos meios de prova tidos em consideração pelo Tribunal a quo e indicados na presente motivação.
104. Assim analisadas as condutas dos arguidos à luz dos meios de prova produzidos, evidente se torna que subjacente às mesmas não esteve qualquer acordo de troca de favores com a delimitação e objectivos que foram dados como provados, pelo que a conclusão conforme à prova produzida e respeitadora da regra da livre apreciação da prova vertida no art.° 127.° do Código de Processo Penal, terá de ser outra que não a expressa no Acórdão em crise, para mais quando a fundamentação fáctica da decisão não esclarece o iter lógico do qual aquela derivou, limitando-se a fazer afirmações e juízos de valor.
105. Tal conclusão não é infirmada pelos meios de prova produzidos em audiência no que concerne à factualidade do ponto "E-3. Do procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Directivo do "instituto dos Registos e do Notariado, i.P. "(fls. 400 a 413) que foi dada como provada.
106. Desde logo quanto ao seguinte facto dado como provado: "A arguida MA, no âmbito das funções que exercia na Secretaria Geral do Ministério da Justiça, tinha acesso a informação reservada, designadamente a que se referia a pedidos de procedimentos concursais à CReSAP." (§ 1558 da pronúncia), porquanto, ao contrário do que a formulação deste facto pode indiciar, resulta amplamente dos meios de prova indicados que o acesso a essa informação não era ilegítimo, antes resultou do facto de o Gabinete da Senhora Ministra, a quem cabia a competência para instruir o pedido de abertura dos concursos públicos desse Ministério, ter solicitado à arguida, enquanto Secretária-geral, que cumprisse tal tarefa, actuando a mesma nesse circunspecto em obediência às ordens emanadas.
107. Por outro lado, resulta das declarações dos arguidos AF e MA, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas JR e PTC, que o arguido AF teria, necessariamente, que ter conhecimento da abertura do procedimento concursal em referência, em momento anterior à sua abertura, uma vez que, com a criação da CR e SAP, o provimento em tal cargo teria, obrigatoriamente, de ser sujeito a concurso público.
108. Aliás, resultava já do artigo § 1560 da pronúncia que na preparação do concurso para provimento do cargo de Presidente do IRN, a arguida MA foi incumbida pela Ministra da Justiça, PTC, de proceder à elaboração de vários documentos que acompanhariam o pedido de abertura do concurso, designadamente os documentos designados Requisitos do Cargo, Perfil de Competências de Gestão e Perfil de Competências Comportamentais, facto esse que foi dado como provado.
109. Resulta ainda dos §§ 1562 a 1565 da pronúncia, que foram dados como provados, que em 10/10/2013, já após ter sido incumbida de desencadear o procedimento concursal em causa, que por correio electrónico, a arguida enviou ao arguido AF documento intitulado IRN Presidente - MJ Requisitos especiais do cargo a concurso, parcialmente preenchido por si no que tange aos requisitos do cargo, para que o arguido AF terminasse o respectivo preenchimento e que por mail de 16/10/2013, este devolveu o documento já preenchido com os requisitos ali vertidos, factos que nesta parte não se impugnam.
110. Porém, resulta da prova produzida, nomeadamente das declarações da arguida acima reproduzidas, que o envio de tal correio electrónico e o pedido nele inserto ocorreram na sequência da incumbência que lhe foi deferida pela Ministra da Justiça, da incapacidade da arguida para elaborar aquele perfil e que inda dessa prova, que tendo a arguida colocado tal questão ao Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, lhe foi então dito que solicitasse ao arguido AF a necessária colaboração, o que a Arguida fez, em cumprimento do que lhe foi determinado, e não em execução de qualquer acordo firmado com aquele, com ele colaborando na definição desses requisitos, garantindo desse modo que dificilmente haveria outro concorrente com perfil semelhante e, deste modo actuando com a intenção de o beneficiar em detrimento dos demais oponentes.
111. Mais resulta da prova indicada que a conduta da arguida MA - ao solicitar ao arguido AF que indicasse os requisitos especiais do cargo a prover -, foi superiormente determinada, não obedeceu à execução de qualquer acordo de troca de favores e não consubstanciou a violação dos deveres de sigilo e reserva.
112. O que tudo resulta ainda das comunicações electrónicas constantes do Apenso P, relatório 1, fls. 131 a 144 e 154 e fls. 309 do documento 1, da pasta 2, do apenso de busca 32, mas também dos factos que o Tribunal a quo deu como provados da contestação do arguido AF no sentido de que o mesmo teria, necessariamente, que tomar conhecimento da abertura do procedimento concursal antes dos restantes oponentes, que MA, enquanto Secretária Geral do Ministério da Justiça, tinha como incumbência, atribuída pela Ministra da Justiça de proceder à elaboração dos documentos necessários para o efeito e, como tal, seria imperativo a elaboração dos requisitos do cargo, perfil de competências de gestão, perfil de competências comportamentais e da carta de missão e que não poderia saber e decidir quais os requisitos especiais que deveriam ser levados em linha de conta para o cargo de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", mormente os chamados requisitos preferenciais e que o perfil assim elaborado pelo arguido era o perfil de Conservador que se pretendia para o cargo e foi posteriormente usado para novo procedimento concursal levado a cabo pela CReSAP que culminou com a nomeação de JM..
113. Acresce que quem em última instância definia o perfil era o júri da CR e SAP, em reunião para esse efeito, como aliás resulta dos factos levados aos §§ 1570 e 1573 da pronúncia, os quais foram dados como provados, facto confirmado então Presidente da CRe SAP, Prof.JB, que no depoimento que prestou.
114. Pelo que os requisitos especiais do cargo que acompanhavam o pedido do Ministério da Justiça de abertura de procedimento concursal para o cargo de Presidente do Conselho Directivo do IRN, consubstanciavam uma mera proposta que podia não ser aceite pelo júri que viesse a ser constituído para o concurso e, como tal objecto de alteração, mas foram aprovados - tal como de resto todos os elementos e documentos que acompanhavam o pedido de abertura de procedimento concursal enviado pelo Ministério da Justiça -, por todos os elementos que integravam o júri nomeado para esse concurso e não só pela arguida MA, sendo, pois, irrelevante a menção constante do artigo 1574 da pronúncia e do correspondente facto dado como provado, de que a arguida os aprovou.
115. Face ao exposto, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados aqueles factos da pronúncia com a extensão ali vertida, o que deverá ser corrigido em provimento da presente impugnação, dando-se em conformidade como não provados os segmentos daqueles factos que foram objecto de impugnação.
116. Relativamente ao procedimento concursal em análise, foram ainda dados como provados os factos levados aos §§ 1575 e 1576, nos termos dos quais o arguido AF em acordo com a MA, constituiu um grupo de trabalho no "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., composto pelas conservadoras AMR, APE e CCF, com as quais colaboraram FMN e CSS com vista à preparação da sua candidatura, e que combinaram, como estratégia, que todos os documentos da candidatura que este deveria submeter à CReSAP passariam primeiro pela arguida, a fim de esta os examinar, corrigir e aprovar.
117. Por outro lado, foram várias as testemunhas que se pronunciaram no sentido da enorme complexidade e dificuldade no preenchimento dos documentos em referência, como foi o caso de JM, MMS, JR, APE, FMN e CCF, bem como da necessidade de se socorrerem do auxílio de outras pessoas, designadamente de quem já tinha concorrido, para a compreensão e preenchimento daquela documentação.
118. Porém, dos meios de prova indicados no Acórdão e dos depoimentos destas testemunhas não pode concluir-se que tal grupo tenha sido constituído por AF de acordo com a arguida MA e que ambos tenham combinado como estratégia que todos os documentos da candidatura deveriam, antes da sua submissão à CR e SAP, deveriam ser analisados, corrigidos e aprovados pela mesma.
119. Sendo que dos depoimentos das testemunhas AMR, APE, CCF e FMN, retira-se com suficiente clareza que a arguida MA não integrava esse denominado "grupo de trabalho", não obstante lhe terem sido solicitados alguns esclarecimentos sobre o preenchimento dessa documentação, de ter enviado uma grelha de preenchimento e dado instruções sobre a correcta construção do Curriculum Vitae e revisto e sugerido correções ao questionário de autoavaliação que lhe foi enviado já preenchido.
120. No que respeita ao envio por correio electrónico de 23/10/2013 do questionário de autoavaliação, o mesmo não consubstancia qualquer favorecimento ao candidato AF, pois que tal questionário já se encontrava disponível no Diário da República n.° 112/2013, Série II de 12/06/2012 desde 12/06/2013, conforme Doc. 2 junto com a contestação do arguido AF, e disponível no website da CReSAP..
121. Que foram as Senhoras Conservadoras quem foi elaborando os vários documentos que compunham a candidatura, designadamente o Curriculum Vitae e o Questionário de Autoavaliação é facto que já constava do artigo §1583 da pronúncia e que nesses precisos termos foi dado como provado.
122. Dos depoimentos das testemunhas AMR, APE, CCF e FMN, retira-se com suficiente clareza que a arguida MA não integrava esse denominado "grupo de trabalho", não obstante lhe terem sido solicitados alguns esclarecimentos sobre o preenchimento dessa documentação, de ter enviado uma grelha de preenchimento e dado instruções sobre a correcta construção do Curriculum Vitae e revisto e sugerido correções ao Questionário de Auto Avaliação que lhe foi enviado já preenchido.
123. Tendo a arguida esclarecido que as indicações que deu quanto ao seu preenchimento, foram no sentido de tal questionário ser compaginado com o curriculum e no que a este respeita, as sugestões de alteração por si efectuadas, decorriam do profundo conhecimento que tinha sobre o percurso profissional de AF e do trabalho efectuado, em particular no IRN.
124. Mais esclareceu que era habitual os candidatos aos concursos solicitarem a quem já tinha concorrido, ajuda na compreensão da documentação a preencher e na forma do seu preenchimento e que não considerava que tal ajuda consubstanciasse uma violação do seu dever de sigilo, porquanto, ela própria, tal como de resto a generalidade dos Vogais Não Permanente e Peritos de cada Ministério tinham frequentado o curso no INA em momento imediatamente anterior aos respectivos concursos, onde lhes foi ensinado como deveria ser preenchida a documentação que devia acompanhar a candidatura, na qual se incluía o Curriculum Vitae e o Questionário de Autoavaliação.
125. Consequentemente, as correções sugeridas enquadravam-se nesse âmbito e não no conhecimento que possuía relativamente àquilo que era essencial demonstrar no concurso, tendo em conta as percentagens já definidas para cada um dos itens do perfil em que ela própria tinha participado enquanto júri do concurso, facto este da pronúncia que não resulta sequer demonstrado por qualquer meio de prova.
126. Acresce que não obstante as sugestões de correção do questionário de auto- avaliação em mada interferiam com o concurso, na medida em que, como resulta das declarações da arguida, tal documento não permitia a exclusão de qualquer candidato, pois, fossem qual fossem as avaliações que cada um dos candidatos fizesse sobre si, as mesmas revelavam-se inócuas para aquele efeito, na medida em que não constituíam fundamento de admissão ou exclusão do concurso.
127. Do exposto decorre ainda que o envio do referido email, para além de não integrar a violação do invocado dever de sigilo, em nada contribuiu - nem de resto contribuiria - para a atribuição de qualquer vantagem.
128. Face aos meios de prova indicados, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado a existência de um acordo entre os arguidos e de uma estratégia concertada o sentido de a arguida examinar, corrigir e aprovar todos os documentos que deviam ser submetidos com a candidatura, que nesse âmbito e com vista a beneficiar AF, a arguida teve diversas conversas com as referidas Senhoras Conservadoras e com FMN e CSS que as condutas da arguida consubstanciada na indicação da forma de elaborar o Curriculum Vitae, bem como de, a partir deste, elaborar o questionário de auto-avaliação, consubstanciavam a violação do dever de sigilo e visassem conferir vantagem ao arguido AF..
129. Em conformidade, devem os factos provados sobre a factualidade vertida nos §§ 1575, 1576, 1577, 1578, 1584 e 1591 da pronúncia serem dados como não provados nos segmentos ora impugnados.
130. No que concerne à renovação da constituição do grupo de trabalho para a apresentação da segunda candidatura ao cargo de Presidente do IRN, os meios de prova indicados na fundamentação da decisão não permitem concluir, nem sequer inferir que tal conjunto de pessoas continuou a preparar a candidatura, com a ajuda de MA, traduzida na alteração dos dados que haviam sido introduzidos pelo grupo de trabalho nos documentos de Auto Avaliação e Curriculum Vitae, operação essa que teria sido efectuada através da utilização da password que a este tinha sido entregue pela CRe AP para aceder à parte reservada à sua candidatura (factos vertidos nos §§ 1597 e 1599 da pronúncia e assim dados como provados).
131. Sobre esta factualidade pronunciaram-se ambos os arguidos, tendo AF afirmado que nunca facultou tal password a MA e a arguida afirmado que não procedeu a quaisquer alterações daqueles documentos e que nunca teve acesso à password fornecida pela CReSAP a AF, o que não foi infirmado por qualquer outro meio de prova, antes foi corroborado pelo depoimento das testemunhas CCF, MAN, FMN, APE..
132. Face ao exposto, aqueles factos foram erroneamente dados como provados, pelo que, em procedência da presente impugnação devem ser remetidos para os factos não provados.
133. No que respeita aos factos levados §§ 1601 e 1602 da pronúncia, relacionados com a nota que MA atribuiu ao arguido AF num dos itens da avaliação curricular, foram os mesmos dados como provados, o que corresponde à verdade, porém, resulta da prova testemunhal acima identificada, que a arguida não teve um papel determinante na elaboração do curriculum avaliado e dos depoimento de JB bem e MMA decorre que a atribuição da nota de 18.548 valores, não obstante superior às atribuídas pelos restantes membros do júri, não visaram beneficiar o arguido AF em detrimento dos outros oponentes ao concurso, como efectivamente não beneficiou.
134. Quanto aos factos levados aos §§1608 e 1609 da pronúncia, relativo ao documento designado por Perfil de Competências Comportamentais, o mesmo foi dado como provado nos seus precisos termos, mencionando-se ainda na decisão recorrida que tal documento era sigiloso e que os oponentes ao concurso não deviam ter acesso ao mesmo.
135. Porém, o documento solicitado por AF a MA e que por esta lhe foi enviado, era um documento público, na medida em estava publicado no site da CReSAP e integrava o aviso de abertura do procedimento concursal em referência, o que resulta também do depoimento da testemunha MMA..
136. Resulta ainda deste depoimento que aquele Perfil de Competências Comportamentais tem duas componentes, sendo que só uma é pública, porém os autos não evidenciam qualquer comunicação entre os arguidos que permita afirmar que tal documento foi remetido e, por maioria de razão, qual foi a componente enviada, mas a ter-se verificado, teria sido a parte pública como parece poder inferir-se das sessões das intercepções telefónicas ocorridas entre AF, JM e JR, constantes do Apenso C, volume II, fls. 652, 654 e 655, pelo que, face aos meios de prova acima indicados e à ausência de concreta e firme prova sobre aqueles factos, em procedência da presente impugnação, devem os mesmos serem dados como não provados.
137. Foram ainda dados como provados os factos vertidos nos §§ 1612, 1615, 1616, 1617, 1618 e 1619 da pronúncia, nos termos dos quais se afirma, que a prova de Aptidão Pessoal e Profissional realizada pelo arguido em 04/02/213 era considerada determinante na avaliação pelos júris dos concursos da CR e SAP, que o resultado de tal teste era facultado aos membros do júri em dossier do concurso e imediatamente antes da entrevista, mas que em data não concretamente apurada, entre os dias 4 e 7/02/2014, obteve indevidamente o resultado da prova de AF, levando-o consigo para a Secretaria- Geral do Ministério da Justiça, que no dia designado para a entrevista, a fim de conferir vantagem a AF em relação aos outros oponentes, o informou por sms que o teste revelava frustração na função que poderia afectar o desempenho o que lhe permitiu preparar uma resposta em conformidade e por fim, que no decurso da entrevista a arguida se antecipou a qualquer outro membro do júri fazendo-lhe essa pergunta cuja resposta sabia que o mesmo já tinha preparado.
138. Mas das declarações prestadas por MA decorre claramente que de acordo com o que lhe tinha sido comunicado na acima referida formação recebida no INA, aquele teste não era determinante na avaliação pelos júris do concurso da CReSAP, que só teve acesso ao mesmo nas mesmas circunstâncias em que todos os membros do júri tinham, ou seja, o próprio dia da entrevista, em momento anterior à mesma, quando o respectivo relatório era colocado na mesa do júri, que chegava sempre à CReSAP cerca de meia hora antes dos procedimentos, que à data do concurso o referido relatório já lhe era distribuído em cópia individual que juntava aos restantes documentos do seu dossier sobre cada candidato, que nesse dia foram realizadas 16 entrevistas e que no final foi para a Secretaria-Geral onde era solicitada pela Senhora Ministra, tendo entregue o conjunto de toda a documentação ao seu secretariado, sem saber que lá se encontravam as cópias dos testes de APP do arguido AF e de LGP, ou quaisquer outros dos oponentes entrevistados nesse dia.
139. Esclareceu ainda a arguida que ao enviar o referido sms a AF o fez numa atitude irreflectida, mas sem qualquer intenção de que o mesmo preparasse uma resposta e que não se recorda de ser ter antecipado a qualquer membro do júri nas questões a colocar a AF, nem sequer de lhe ter efectuado qualquer pergunta sobre o mencionado estado de frustração no desempenho do cargo.
140. Tais declarações da arguida acima transcritas foram confirmadas por outros meios de prova, desde logo no facto de o sms em referência ter sido enviado no dia da entrevista, às 09:09:04 (cf. sessão 19236 e 19237 de 07/02/2014, às 09:09:04, constante do Apenso C, volume 2.°, p. 697-698 e transcrita a fls. 1789 do Acórdão).
141. Como parece evidente, considerando o enquadramento da conduta dos arguidos constante da decisão recorrida, parece meridianamente evidente que MA não teve acesso ao referido relatório do teste de APP senão no dia da entrevista, meia hora antes da mesma ocorrer, pois, a aceitar-se a tese do acordo para troca de favores, teria dado conhecimento do mesmo a AF em data anterior.
142. As declarações da arguida são ainda confirmadas pela prova testemunhal produzida sobre este segmento factual, nomeadamente a que resulta dos depoimentos de LPN, MMA, JB, IMN, JCE e SF, da qual se evidencia que MA só tomou conhecimento do referido teste no dia da entrevista, tendo-lhe sido entregue cópia do mesmo na sequência do procedimento que à data já vigorava, que nesse dia tiveram lugar vários concursos, ao longo do dia, que a mesa do júri era exígua para mais tendo em consideração que os Vogais levavam a sua própria documentação sobre cada candidato, sendo possível que face a essas circunstâncias o relatório da APP tenha ficado, por esquecimento, entre os documentos da arguida e assim inadvertidamente levados para o seu local de trabalho sem que, no entanto, tal facto pudesse interferir com a decisão do concurso já que a sua utilidade para além da entrevista era nenhuma e após a entrevista o júri deliberava imediatamente, consignando em acta a sua decisão.
143. Face aos meios de prova indicados o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos ou segmentos dos factos levados aos mencionados §§ 1608, 1609, 1612, 1616, 1617, 1618 e 1619 da pronúncia, os quais, em procedência da presente impugnação se devem considerar como não provados.
144. No que concerne aos factos dados como provados referentes ao ponto "E-4. Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "instituto dos Registos e do Notariado, I.P." a que concorreu CF. (fls. 414 a 415 do Acórdão e §§ 1626 a 1634 da pronúncia) no que respeita à existência de um precedente acordo de "troca de favores", entre AF e MA com o âmbito dado como provado, a arguida dá aqui por inteiramente reproduzida a impugnação de tal facto, em conformidade, devem ser dados como não provados os segmentos dos factos provados que reportam as condutas ali descritas a um acordo de "troca de favores", e à execução desse acordo.
145. Por outro lado, a referência no facto correspondente ao § 1626 da pronúncia em análise, de que "Em Dezembro de 2013, CF comunicou à arguida MA que era oponente ao concurso ...", é demasiado ampla, inculcando a ideia de que tal sucedeu em momento anterior à sua submissão a concurso, para mais se se tiver em consideração o facto de se ter dado igualmente como provado que "Em execução do acordo firmado com o arguido AF, em 19 de Dezembro de 2013, a arguida MA, na sequência de conversas já mantidas anteriormente, enviou uma mensagem escrita ao arguido AF pedindo-lhe para não se esquecer de CF que concorreu a Chefe de Divisão e que já tinha sido submetida a entrevista"(cf. §1627 da pronúncia).
146. Ora, a prova produzida quanto a este segmento decisório, aponta em sentido diverso, nomeadamente o depoimento da oponente a esses concursos, CF, do qual ressalta, em conformidade com o declarado pela arguida, a inexistência de qualquer relação de amizade que levasse a que MA intercedesse por ela e do depoimento de RMM, no mesmo sentido.
147. Mais se evidencia que a testemunha foi oponente àqueles concursos, tendo efectuado todas as etapas do mesmo sem que do facto desse conhecimento a MA ou esta tivesse tido disso conhecimento que, aliás, só veio a saber por se terem cruzado no lanche de Natal da Secretaria Geral, o qual ocorreu em 19, 20 ou 21 de Dezembro, numa altura em que CF já fora à entrevista e o concurso estava encerrado.
148. A explicação dada pela arguida nas declarações que prestou, no sentido de que AF se queixava da equipa que tinha no IRN e que essa era uma das razões que invocava para não querer concorrer, de que nesse âmbito e exclusiva perspectiva, sendo sabedora que a mesma iria concorrer e era uma excelente técnica “ e, por isso, uma óptima aquisição para o instituto de Registos e Notariado, I.P." (facto este dado como provado), não é contrariada pelo prova produzida e é a única consentânea com as declarações prestadas por ambos os arguidos.
149. O que não significa que estivesse a pretender a nomeação de CF, ou, como ainda se deu por provado, que fosse essa a sua “ vontade" e que a candidatura tivesse o seu apoio e que tivesse um “interesse preferenciai" nessa nomeação, factos estes da contestação do arguido que foram dados como provados e que igualmente se impugnam.
150. No que respeita às referências feitas por AF a JM, no contacto telefónico que efectuou para se informar dos concursos e do resultado dos mesmos, no sentido de que MA estaria a dar-lhe muita força, as mesmas são alheias a qualquer comportamento da arguida com o sentido que aparentemente se tira das mesmas, sendo enquadráveis numa particular forma que o arguido tinha de colocar as questões, o que, aliás, se evidencia ao longo da decisão recorrida, sem que, no entanto, tal tivesse uma correspondência efectiva com a realidade.
151. Por outro lado, deu-se como provado que o arguido AF ordenou a AFF que suspendesse a publicação da deliberação do júri do concurso com o objectivo de manipular o resultado do mesmo e que tal ordem ocorreu por actuação do mesmo em execução do acordo firmado com MA com o propósito de favorecer terceiro por esta indicado (§§ 1629 e 1631 da pronúncia)
152. Mas dos depoimentos de AFF e de JM, bem como das intercepções telefónicas e da prova documental junta aos autos, resulta outra realidade.
153. E se MA tivesse "vontade" e um "interesse preferencial" na nomeação de CF no âmbito daqueles concursos, desse "apoio" a essas candidaturas, não se compreende então o evidenciado distanciamento e até desconhecimento quanto às diversas fases desse concurso, apenas sendo chamada a essa realidade na sequência do encontro ocorrido com CF no lanche de Natal, altura em que ficou a saber que os mesmos estavam concluídos. O que, convenha-se, não se compagina com o afirmado interesse na nomeação da mesma.
154. Por outro lado, se AF, no âmbito do dito acordo de "troca de favores" e como contrapartida pela ajuda que MA lhe tinha dado no concurso para Presidente do Conselho Directivo do IRN, pretendesse, efectivamente, beneficiar CF nos referidos concursos, teria tido tempo e oportunidade de o fazer em momento anterior às deliberações, acompanhando todo o processo desde a submissão das candidaturas até às entrevistas e a deliberação do júri.
155. Ora, resulta da prova produzida um total alheamento de AF em relação às candidaturas de CF, como o revelam os contactos telefónicos dados como provados - ocorridos, reitera-se, já após terem sido tomadas as deliberações -, bem como a ausência de descrição de quaisquer factos consubstanciadores da intervenção do mesmo ao longo dos concursos que pudessem revelar a dita intenção de manipular os mesmos e o seu resultado.
156. O que resulta do depoimento de JM é que entendeu que AF estava preocupado com a fundamentação das deliberações e, por isso, tratou de saber se as mesmas estavam devidamente fundamentadas, prevenindo anunciado perigo de impugnação das mesmas por beneficiarem candidatos que já ocupavam esses lugares.
157. E não obstante ter referido, num primeiro momento, que MA teria manifestado interesse a AF de que CF fosse nomeada, tendo em conta a relação de amizade que mantinham, a verdade é que posteriormente afirmou desconhecer se existia alguma relação de amizade e mais, que se MA efectivamente pretendesse colocar a referida candidata, tinha à vontade suficiente para o contactar nesse sentido, o que não fez.
158. O Tribunal a quo não devia, pois, ter dado como provados os factos em referência, devendo os mesmos, em procedência do presente recurso, serem dados como não provados.
159. No que concerne aos factos dados como provados referentes ao ponto "E-5. Do concurso da CReSAP para provimento dos cargos de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." em que foi oponente LGP, (fls. 416 a 419 do Acórdão e §§ 1635 a 1648 da pronúncia. Não foi vertida a final do despacho de pronúncia sobre este núcleo, mais concretamente nos §§1685 a 1689, qualquer referência a este concreto segmento, o que se manteve no Acórdão recorrido, mas considerando que o Tribunal a quo se pronunciou sobre tal factualidade na decisão sobre a matéria de facto, por mera cautela patrocínio, irá proceder-se à impugnação da matéria de facto dada como provada relativa a este segmento.
160. Também por referência a segmento factual se convoca a impugnação de facto acima efectuada sobre o referido acordo de troca de favores, devendo tais factos serem dados como não provados.
161. Deu-se como provado que MA contactou AF no sentido de obter a sua anuência à promoção e favorecimento da candidatura de LGP ao lugar de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., proposta a que aquele aderiu e que em execução desse plano entre ambos delineado, o arguido contactou o referido oponente transmitindo- lhe ter dado indicações à arguida para que o mesmo fosse escolhido para o cargo a que concorria e que já havia definido com a arguida MA como é que as coisas iriam correr.
162. A decisão sobre tal matéria de facto assenta nas intercepções telefónicas mencionadas em nota de rodapé, mas como pode verificar-se da leitura da sessão 5380, de 15/01/2014, do alvo 62001060, fls. 495, do apenso C, volume II, a qual se encontra transcrita de fls. 1764 a 1766 do Acórdão, MA limita-se a informar AF que no concurso para os financeiros do IRN tem lá o LGP, que pode ser um bom elemento, tem experiência e por isso "o que é tu queres mais?"e dessa mesma sessão decorre que AF conhece bem LGP, que já tinha conhecimento de que o mesmo estava a concorrer.
163. E no que respeita à sessão 6271, de 17/01/2014, às 18:22:45 até às 18:41:25, do alvo 62001060, fls. 536 a 548, do apenso C, volume II e cuja síntese se encontra de fls. 1774 a 1775 do Acórdão, a arguida não se revê nas afirmações ali efectuadas pelo arguido AF, mas o que se retira de tal síntese é que à semelhança do que tantas outas vezes, AF empola situações e dá-lhes um enquadramento que elas muitas vezes não têm, como é o caso. Aliás, de tal sessão percebe-se o grau de proximidade e conhecimento entre LGP e AF, resultando da mesma que este entende que LGP é adequado ao cargo e que seria ele mesmo quem o recomendou por ser competente e bem formado.
164. Das declarações dos arguidos, do depoimento de LGP e de RMM, parece ser inequívoco que não existia qualquer relação de amizade, nem de outra natureza, entre MA e LGP, que justificasse que a mesma tivesse interesse na sua nomeação para Vogal do IRN e que MA apenas o conhecia como oponente a vários concursos da CReSAP, tendo nesse âmbito uma boa impressão sobre as suas competências.
165. A informação que MA deu a AF de que LGP estava a concorrer àquele cargo, só pode inserir-se no conhecimento de que AF não queria concorrer ao cargo que já ocupava, sendo uma das razões que concorriam para o efeito, o facto de não ter equipa e da sua apreciação de que aquele poderia ser um bom elemento para a integrar. Só assim se justifica que tenha perguntado a AF: "o que é que tu queres mais?"
166. E tanto assim é que, como a arguida também explicou, tendo LGP integrado a short iist , previamente à nomeação a efectuar pela Senhora Ministra, deu a sua opinião sobre os três candidatos que a integravam, sendo que a sua escolha não recaiu sobre aquele.
167. Assim, não obstante as menções de MA sobre a forma como decorrera a entrevista da manhã e de como o candidato se devia apresentar da parte da tarde, tal não interferiu na sua própria avaliação nem na do júri do concurso, como decorre do depoimento do Prof. JB, no qual referiu que em momento algum MA tentou interceder sobre a escolha de qualquer oponente aos concursos públicos em participou, nomeadamente do concurso em referência.
168. Por outro lado, no que respeita à "Factualidade relativa à contestação do arguido AF, (fis. 477 a 479)", "Do concurso da CReSAP para provimento dos cargos de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." em que foi oponente LGP, (fls. 508), o Tribunal a quo deu como provado que " Mais uma vez, a par do que já havia acontecido, o arguido AF anuiu à recomendação emanada pela Secretária Geral do Ministério da Justiça com o peso institucional que detinha.".
169. Mas da prova produzida resulta que nem MA emanava, como Secretária Geral do Ministério da Justiça, recomendações para lugares, nem AF entendia que as indicações de pessoas competentes para integrarem a sua equipa eram feitas por aquela nessa qualidade e que tinham sobre ele o peso institucional que a mesma detinha.
170. Aliás, a sessão 6271 das intercepções telefónicas ilustra bem que MA não tinha qualquer ascendente institucional sobre AF, afirmando, pelo contrário que as suas sugestões ou indicações não seriam postas em causa e em dúvida, resultando ainda do depoimento de PTC, que as decisões eram por ela tomadas, solitariamente, não sofrendo qualquer influência, nomeadamente da MA..
171. Face à prova produzida, o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados aqueles factos da pronúncia e da contestação do arguido, pelo que, em procedência da presente impugnação, devem tais factos serem dados como não provados.
172. No que concerne aos factos dados como provados referentes ao ponto E-6. Do concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente HM, (fls. 419 a 423 e §§ 1649 a 1678 da pronúncia), também neste segmento se dá por reproduzida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que toca a um acordo de troca de favores celebrados entre AF e MA e às condutas que integrariam a execução desse mesmo acordo, nas quais se incluem os factos provados relativamente a este subnúcleo.
173. De acordo com os factos provados a arguida MA teria interesse na colocação de HM no âmbito do procedimento concursal para Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, por este, sendo pessoa próxima e sua amiga, lhe poder a vir ser útil, tendo, no âmbito do acordo de troca de favores recíprocos, solicitado a AF que fizesse uso do seu poder de influência junto do Ministro da Administração Interna, MM, a fim de que este favorecesse aquele naquele concurso público.
174. Mas ainda de acordo com os factos provados, afinal o que a arguida MA pretendia ao fazer essa solicitação, era agradecer uma situação passada, agradecimento que passava por beneficiá-lo na expectativa que o mesmo tinha de ver alterada a sua situação laboral.
175. Esta evidente incongruência dos factos provados - por um lado a utilidade futura e por outro o agradecimento por factos passados - resultava já da pronúncia (artigos 1649, 1650 e 1662 da pronúncia) e evidenciava a dificuldade em integrar as condutas ali mencionadas.
176. Com efeito, nos termos da pronúncia, HM, na qualidade de Presidente dos Serviços Sociais da Administração Pública (SSAP), cargo que exercera no período compreendido entre Maio de 2007 e Julho de 2010, tinha, no ano de 2008, beneficiado uma sociedade de que o filho e nora de MA eram sócios, a "Flo…, Lda.", sendo essa a razão do agradecimento que MA tinha subjacente ao seu pedido.
177. Tais factos foram, contudo dados como não provados, não se vislumbrando por isso em que substracto probatório se alicerçou o Tribunal a quo para dar tal facto como provado, nem o Acórdão o evidencia.
178. Afastada a tese do agradecimento, subsiste a da utilidade da nomeação de HM para o cargo em referência, ora, sobre tal utilidade a pronúncia nada dizia e o Tribunal a quo nada esclareceu, pelo que subsistem sem enquadramento lógico e congruente as condutas de MA no âmbito da referida troca recíproca de favores.
179. O que mais se evidencia se atendermos às provas produzidas e que impõem decisão diversa da proferida, sobre as concretas circunstâncias em que ocorreram os contactos de MA e AF e deste com MM, designadamente que o Ministro da Administração Interna, MM, estava sem Chefe de Gabinete, procurava quem o substituísse, facto que era do conhecimento público e, por consequência de MA e HM e que tratando-se, como se tratava, de uma nomeação directa do Ministro, sem qualquer intervenção da CReSAP, nesse contexto, abordou diversas pessoas, que não aceitaram, o que transmitiu a AF perguntando-lhe se este tinha "alguma sugestão boa para o meu Chefe de Gabinete". É o que decorre do auto de transcrição da intercepção telefónica constante do Apenso C, Volume II, fls. 670.
180. O pedido efectuado por MA a AF, no sentido de proceder à entra a MM do Curriculum Vitae de HM, prende-se justamente com esta vaga para o cargo de Chefe de Gabinete e não de um pedido no sentido de AF exercer influência sobre MM para a nomeação de HM no âmbito dos concursos abertos pelo Ministério da Administração Interna para o provimento dos cargos de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos e de Secretário-Geral, a que aquele concorreu, como decorre desde logo da intercepção telefónica levada ao auto de transcrição de fls. 157, do Apenso C, Volume I, fls. 157, sendo que da comunicação por correio electrónico de MA dirigida a AF no dia 09/12/2013, verifica-se que nenhum pedido foi feito a este no sentido expresso no correspondente facto dado como provado.
181. Acresce que, no que concerne a estes concursos, a efectuar na CReSAP, MM delegara no seu Secretário de Estado Adjunto, FA, a competência para a escolha dos candidatos que integrasse a short list, facto que era do conhecimento de AF e de MA, como da conversação entre antes mantida e constante do Apenso C, Volume 1, fls. 153.
182. Face à prova produzida o Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que na execução de um acordo de troca de favores, MA pediu a AF que envidasse esforços junto do Ministro da Administração Interna no sentido do HM fosse provido no âmbito do procedimento concursal que iria decorrer na CReSAP para preenchimento do cargo de Secretário-Geral do MAI e que este tenha actuado em conformidade, pelo que devem os factos impugnados serem dados como provados.
183. No que concerne aos factos provados referentes ao ponto "E-7. Da conduta dos arguidos AF e MA. (fls. 423 a 425 do Acórdão, §§ 1626 a 1634 da pronúncia 1683 a 1693) da impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativa aos subnúcleos antecedentes decorre, naturalmente, a impugnação sobre os factos vertidos nos §§1683 a 1693 da pronúncia, dados integralmente como provados neste segmento do Acórdão, os quais devem ser dados como não provados.
184. Ademais, os factos vertidos nos §§ 1691 a 1693, é matéria de direito e/ou conclusiva, pelo que não devia ter sido levada aos factos provados.
185. No que respeita aos Factos Não Provados que se consideram incorrecatamente julgados, o Tribunal deu como não provado, no segmento "E-5. Do concurso da CR e SAP para provimento dos cargos de Vogal do "instituto dos Registos e do Notariado, I.P." em que foi oponente LGP", o seguinte facto; Sabia igualmente que o arguido AF não tinha muito interesse que o Dr. JM, também oponente ao concurso n.° 233_CR e SAP_165_10/13, e o Dr. JR, igualmente oponente ao concurso n.° 234_CR e SAP_166_10/13, se mantivessem como Vogais do Conselho Directivo do 'instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (§ 1637)"
186. Das declarações dos arguidos resulta que o AF estava de facto insatisfeito com a equipa e que não tinha muito interesse que JM e JR se mantivessem naqueles cargos, embora lhes manifestasse o contrário, bem como que acabou por os escolher uma vez que apenas se iria manter em exercício de funções até ao fim do mandato e assim sendo não valia a pena proceder a mudanças, pelo que face à prova produzida tal facto deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo.
187. Da impugnação quanto aos factos provados e das provas ali indicadas decorre que deveriam ter sido dados comos provados os seguintes factos levados à contestação do arguido AF: "Não houve qualquer acordo estabelecido entre o arguido AF e a arguida MA", "Nem o arguido AF pediu ao então ministro para faiar com o seu Secretário de Estado, nem o arguido MM, como é óbvio, se comprometeu a fazê-io.".
188. Termos e fundamentos por que devem ser declarados foram incorrectamente julgados os factos provados ou segmentos de factos provados, bem como os factos não provados nesta sede impugnados, procedendo-se à alteração da decisão sobre a matéria de facto em conformidade.
189. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 412.°, n.° 3, al. c), do Código de Processo Penal, devem ser renovadas as provas acima indicadas.
IV- DO ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO.
190. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que concerne ao enquadramento jurídico-penal dos factos submetidos à sua apreciação e decisão.
191. Tal como em anteriores fases do processo, em vez de se subsumirem os factos apurados aos tipos legais, adoptou-se uma censura nebulosa que transformou qualquer desvio da autonomia intencional do Estado em corrupção.
192. Porém, se a corrupção implica desvio da autonomia intencional do Estado e, portanto, lesão do bem jurídico protegido pelos tipos penais da corrupção (em sentido lato), o inverso não é verdadeiro: nem todos os desvios da autonomia intencional do Estado integram a corrupção.
193. O caso do concurso de AF para a presidência do IRN podia servir de exemplo: no caso, todos os decisores políticos preferiam que ele fosse presidente do IRN, pela simples razão simples de que mesmo que ele não fosse o melhor (e tudo indicava que era), certo era que não havia ninguém mais qualificado para ocupar o cargo.
194. Assim, enquanto que a crença na autonomia intencional do Estado supunha que se devia esperar pelo decurso do processo de selecção para que tal autonomia se revelasse no decurso dos procedimentos, a intenção do Estado já estava formada nos seus intérpretes à altura.
195. Do choque entre a ilusão de que a vontade do Estado, no caso do lugar a que concorria, se formaria apenas no termo do processo burocrático de testes psicológicos e avaliação curricular, e a certeza de todos os envolvidos de que a vontade do Estado - de quem por ele agia - não só já estava formada, como os procedimentos seriam uma mera formalidade, quiçá um inconveniente, resultou a acusação, a pronúncia, e a condenação.
196. No momento em que a Decisão recorrida situa o "acordo de troca de favores" a que reconduz os crimes de corrupção ("próxima do Verão de 2013'), nem CF, nem HM, nem LGP podiam imaginar que iriam concorrer a lugares cujas vagas nem sequer estavam abertas. E, portanto, nenhum desses lugares, e nenhum desses candidatos, podia ter sido objecto ou intenção de "mercadejamento" (e nem se diga que o que se mercadejava eram as competências funcionais da Arguida e de AF, porque o crime que lhes foi imputado se baseava numa "troca de favores", e os favores foram identificados com os nomes dos "beneficiados": AF, CF, HM, LGP)..
197. De resto, "saber se se é, ou não, funcionário não é questão abstracta; é uma questão concreta, em relação à posição e à actividadde do agente".
198. Assim, não havia, nem podia haver, relação específica (nem sequer temporal, muito menos sinalagma) entre o retroactivamente presumido acordo de troca de favores e os eventos que alegadamente o concretizaram - que só por acasos vários, inimagináveis para a Arguida e AF em data "próxima do Verão de 2013', foram aqueles.
199. Quando não há essa conexão, quando não se tem em vista um particular acto ou omissão do cargo, já só estamos no domínio dos crimes de corrupção em sentido lato (por existir autonomizado o crime de recebimento indevido de vantagem - artigo 16.° da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho/artigo 372.° do Código Penal - que é o artigo de abertura da Secção I - Da corrupção).
200. Desde a autonomização, em 2010, desse crime de recebimento indevido de vantagem, não se pode recorrer aos tipos específicos dos crimes de corrupção sem essa conexão entre a peita e o acto ou omissão concreto que se pretende obter com eia, como é consensual, doutrinal e jurisprudencialmente (vg: Acórdão do STJ de 18 de Abril de 2013). Para as situações em que inexista essa conexão é que se criou o crime do artigo 16.° da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho/artigo 372.° do Código Penal.
201. Quer dizer que - face à narrativa dos autos, que situa o acordo muito antes de emergirem os interesses a satisfazer - o único tipo incriminador que podia contemplar o suposto "acordo de troca de favores" imputado à Arguida e a AF (desde que verificada a solicitação ou promessa de vantagem, claro) era o do artigo 16.° da Lei n.° 34/87 (ou do, idêntico, actual artigo 372.° do Código Penal), nunca os dos artigos 17.° e 18.° daquela lei (ou dos, idênticos, actuais artigos 373.° e 374.° do Código Penal).
202. Isso só não terá ocorrido por não ser possível identificar a vantagem: "Sendo ambos amigos", não se encontrariam trocas de vantagens materiais, em razão do que se concluiu pelo "acordo de troca de favores".
203. E justamente porque não havia vantagens materiais, também se misturaram condutas em que havia factos, mas não havia Direito (nenhum tipo incriminador cobre os factos mencionados nos pontos E-3 a E-6), com a criação de um facto (o acordo de data próxima do Verão de 2013 que nenhum indício sustenta) que pudesse integrar Direito.
204. Assim, se tomando a nuvem por Juno quando se escreve na decisão ora recorrida que:
"A essencialidade objectiva dos factos constantes da acusação/pronúncia foram provados com base nas declarações dos arguidos AF e MA, os quais aceitaram a actuação objectiva, alicerçada pela prova documental, testemunhal e as intercepções de telecomunicações."
205. Ao que o Tribunal a quo se refere é aos factos mencionados nos pontos E-3 a E- 6. Mas esses factos são indiferentes a qualquer dos tipos dos crimes de corrupção - incluindo o de recebimento indevido de vantagens.
206. A única coisa que lhes podia dar relevo penal era o "acordo", mas o acordo, o qual não ficou demonstrado, nem a Decisão fundamenta de onde extraiu tal conclusão.
207. As condutas imputadas à Arguida e dadas como provadas não integram os elementos objectivos e subjectivos dos tipos incriminadores pelos quais foi condenada.
208. O que resulta dos factos provados configuraria, no limite, a existência de actos contrários aos deveres do cargo, contrariedade essa que não é suficiente para que se tenham por preenchidos os elementos típicos dos tipos incriminadores imputados à Arguida e pelos quais vem condenada.
209. Termos e fundamentos por que, em procedência do presente recurso, deve ser proferida decisão que absolva a Arguida.
V- DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
210. Decorre da presente motivação que a Recorrente deve ser absolvida, porquanto a sua actuação não integra a prática dos crimes por que foi condenada, mas por mera cautela de patrocínio, invoca-se também neste segmento erro de julgamento de direito.
211. Nos termos do disposto nos artigos 40.° e 71.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal, a pena concreta é determinada dentro da moldura abstracta aplicável, em função da culpa do agente, enquanto limite máximo da punição, e das exigências de prevenção especial e geral que no caso se façam sentir, em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente, sendo que de entre essas circunstâncias hão-de considerar-se as elencadas nas alíneas a) a f), do n.° 2 do art.° 71.° do Código Penal.
212. Postos estes princípios e à luz deles, sem esforço, impõe-se que se conclua padecer a mesma de nulidade por insuficiência de fundamentação da decisão e, por outro lado, não ter deles retirado as consequências que no caso concreto se impunham.
213. Com efeito, para além do que se encontra já consignado na decisão quanto aos fortes hábitos de trabalho da arguida e ausência de passado criminal, o Tribunal a quo não podia deixar de ter em consideração o que para além disso decorre do próprio texto da decisão recorrida, designadamente dos factos dados como provados relativos à sua contestação e que constam de fls. 695 a 696 da Decisão.
214. Desses factos decorre que a actuação da Recorrente ali dada como provada foi pontual num percurso de vida em que se destaca o exercício de funções públicas ao longo de mais de 35 anos, com grande sentido de responsabilidade, pleno respeito e observância dos seus deveres funcionais e em prossecução do interesse público, comprometimento com a causa pública e com os princípios e valores inerentes às funções que desempenhou, a eles se tendo vinculado em todas as áreas de actuação e intervenção, nomeadamente no âmbito das funções de gestão e direcção superior da Administração Pública e, por isso, obteve reconhecimento pela forma como exerceu tais funções, reflectido, para além do mais, nas avaliações anuais a que foi submetida obtendo sempre nota máxima.
215. Resulta ainda da matéria de facto provada, com relevância para a avaliação da conduta da arguida e, consequentemente, para a pena concreta a aplicar, que no exercício das funções públicas que desempenhou a arguida cumpriu as linhas orientadoras e instruções emanadas dos seus superiores hierárquicos, nomeadamente enquanto Secretária-Geral do Ministério da Justiça e que nestas funções, com âmbito reconhecidamente alargado, era ainda solicitada pelo Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, que a incumbiu de tratar da documentação relativa a praticamente todos os concursos do Ministério da Justiça e solicitada a participar na elaboração das peças concursais a cargo do membro do Governo, recebendo orientações concretas e específicas sobre os assuntos para que era solicitada, num quadro de relacionamento e actuação em que se lhe impunha a solicitada participação ou ajuda, que sempre se mostrou disponível para ajudar todos os que consigo funcionalmente se relacionavam, revelando sempre uma preocupação e cuidado para com todos quer do ponto de vista funcional, quer pessoal (tudo cf. Factos Provados a fls. 695 e 696).
216. A tais factos acrescem os relativos às suas circunstâncias pessoais, familiares e sociais alegados na sua Contestação, os quais foram dados como provados nos seguintes termos (conforme fls. 696 a 698):
217. No que concerne às regras da punição do concurso de crimes, rege o disposto no art.° 77.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, do qual resulta que na determinação da pena única hão-de considerar-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo que a pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas e como limite máximo a soma destas.
218. Na determinação da sua concreta medida, impõe-se considerar as exigências gerais de culpa e de prevenção, igualmente relevantes na determinação da pena conjunta, no que podem (e devem) ser tidos em consideração os critérios expressos no art.° 71.° do Código Penal para determinação da medida da pena acima enunciados.
219. Ora, o Tribunal a quo o não indicou de forma que se deva ter por suficiente e cumpridora do dever de fundamentação das decisões, os fundamentos das penas parcelares e da pena única aplicadas.
220. Por outro lado, ainda que se considere cumprido tal dever, sempre se terá de concluir que na fixação da pena única não foram ponderados todos os factores que nela deviam ser considerados, designadamente o facto de resultar da matéria provada que a actuação da arguida tida por ilícita se enquadra num período bastante delimitado de tempo, motivada pelas razões já expostas na motivação em sede de impugnação da decisão de facto.
221. As penas parcelares aplicadas apresentam-se, pois como muito elevadas, nomeadamente a pena concreta do crime de corrupção activa para acto ilícito, tal como de resto a pena única, fixadas acima do ponto médio da moldura penal, não obstante todos os factos provados acima transcritos, designadamente, o exercício de funções públicas com reconhecido mérito e dedicação à causa pública ao longo de mais de 35 anos bem como a ausência de antecedentes criminais.
222. É certo que a imposição de tais penas assentou essencialmente em necessidades de prevenção geral positiva exigidas, que se consideraram serem muito elevadas.
223. Ora, não obstante, as consideradas necessidades de prevenção geral positiva assentes na gravidade dos factos e a consequente imposição de uma resposta contrafáctica capaz de repor a confiança dos cidadãos na vigência e efectividade da tutela penal, tais necessidades mostram-se diminuídas por menores exigências de prevenção especial que permitem e até impõem a aplicação de pena concreta mais abaixo das medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, que a medida de pena considerada pelo Tribunal a quo.
224. Com efeito, do ponto de vista da prevenção especial, são inúmeros os factores favoráveis à arguida, quer quanto ao exercício de funções públicas com elevado sentido de responsabilidade e dedicação à causa pública ao longo de 35 anos, quer a ausência de quaisquer antecedentes criminais, relevante face à idade da mesma, que ainda quanto à sua inserção familiar e social, quer quanto à sua conduta posterior aos factos, nomeadamente no âmbito das funções exercidas na Policia Judiciária desde Novembro de 2016, todos a caminharem no sentido da diminuição da penas concretas aplicadas, tal como da pena única.
225. A arguida é, pois, pessoa bem integrada profissional, social e familiarmente, sem antecedentes criminais e com impoluta conduta anterior e posterior aos factos.
226. Assim, não obstante os crimes por que foi condenada, não se evidencia uma verdadeira carência de socialização pelo que, em termos de prevenção especial, se apresenta conforme ao cumprimento de tal finalidade, que a pena tenha uma função de suficiente advertência.
227. No âmbito da culpa, não podem olvidar-se a motivação inerente às condutas da arguida, da qual não decorrem quaisquer vantagens patrimoniais ou não patrimoniais para si.
228. Acresce que não pode deixar de se ter presente que no âmbito dos presentes autos a arguida sofreu medida coactiva privativa da liberdade desde 13/11/2014 a 08/05/2015, ou seja, por um período de 6 (seis) meses, bem como esteve impedida do exercício de funções por um período de 2 (anos), medidas que se apresentaram como fortemente penalizadoras para a mesma e ainda que padece de uma condição de saúde grave, com elevado sofrimento e que devem sopesar na medida concreta das penas a aplicar e na pena única.
229. Face a todo o exposto, terá de concluir-se que as penas concretas aplicadas e, consequentemente, a pena única fixada, se revelam muito penalizadoras, mesmo tendo em consideração as razões de prevenção geral que essencialmente as determinaram, devendo as mesmas serem fixadas próximas dos seus limites mínimos.
230. A decisão recorrida violou o disposto no art.° 374, n.° 2, do Código de Processo Penal, o que a fere de nulidade nos termos do disposto no art.° 379.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, a qual deve ser declarada nos termos e para os legais efeitos.
231. A decisão recorrida violou ainda o disposto nos art.° 40.°, 71.°, n.°s 1, 2 e 3 e 77.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, pelo que deve ser revogada e, em conformidade, serem as penas concretas aplicadas reduzidas, reformulando- se, em conformidade a pena única a aplicar, a qual se deve situar abaixo da média da moldura penal aplicável.
232. Caso o douto Tribunal ad quem não decida, também aqui, pela violação do disposto no n.° 2 do art.° 374.° do Código de Processo Penal, nos termos expostos - o que se admite por mero dever de patrocínio -, a interpretação que fizer dessa norma, confirmando a da 1.a instância, validará um entendimento inconstitucional do aí disposto face ao que necessariamente resulta do art.° 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
VI-DA CONDENAÇÃO NA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
233. A condenação da ora Recorrente, nos termos do artigo 66.° n.° 1 alíneas a), b) e c) do Código Penal, na pena acessória de proibição do exercício de funções públicas pelo prazo de 3 (três) anos, "sendo levado já em conta o tempo de suspensão já cumprido" incorreu em vários erros de julgamento.
234. O primeiro resulta de tal consequência, em desvio ao consenso da doutrina e jurisprudência, incluindo um Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ (n.° 7/2008, proferido em 25/06/2008, e o mais recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/12/2013), só lhe ter sido imputada por mera referência às normas das três alíneas do referido número e artigo, sem qualquer alegação de factos que se lhes pudessem subsumir, ou qualquer valoração autónoma de cada uma; e, na decisão ora recorrida, tal imputação ou valoração também não ter sido feita (salvo em termos muito genéricos e conclusivos), omitindo quaisquer factores de graduação e, até, o crime a que ficou ligada. Tal implica, pelo menos, insuficiência de fundamentação e, ou, omissão de pronúncia.
235. O segundo resulta da violação da expressa estatuição do n.° 1 do artigo 66.° do Código Penal, que circunscreve a sanção acessória às funções ligadas ao exercício da actividade no exercício do qual ocorreu a conduta delitual;
236. O terceiro resulta da inadequação da norma da alínea a) do n.° 1 do artigo 66.° do Código Penal a parte da factualidade imputada à arguida - o que, porque nada foi dito sobre a ligação da sanção acessória a algum crime, não se sabe se foi ou não ponderado - e ao equívoco de fixar um prazo de 3 anos de proibição de exercício de funções, com desconto do período de suspensão;
237. O quarto decorre de a decisão condenatória ter fixado em 3 anos a duração da proibição do exercício de funções, mas descontando o tempo de suspensão já sofrido - o que é vedado pelo n.º 3 do mesmo artigo 66.°, e implica um alargamento da sanção acessória para 5 anos (os 3 da condenação mais os 2 da privação de liberdade e da subsequente suspensão de funções, que não podem ser deduzidas), ou seja, com completa desproporção, para a duração máxima admitida por lei
238. O quinto resulta da jurisprudência (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 19/12/2013) e do bom senso: a condenação em sanção acessória de tal gravidade não pode coincidir com a suspensão da condenação; o que, de resto, implicaria desconformidade constitucional, por violação do princípio da proporcionalidade na restrição do direito ao trabalho - artigo 18.°, n.° 2, da Constituição.
239. O sexto decorre da manifesta inconstitucionalidade de um tal entendimento multiplamente defeituoso, por violação das normas constitucionais que impõem a obrigação de fundamentação das decisões jurisdicionais, a subordinação dos tribunais à lei e a salvaguarda do direito ao trabalho (artigos 205.°, 203.° e 58.° da CRP).
240. Em procedência do presente recurso deve a pena acessória ser revogada ou, caso assim se não entenda, reduzida ao tempo já efectivamente cumprido.
VII- Inconstitucionalidade de cada uma das normas invocadas para fundar a condenação, nos termos em que elas foram interpretadas e aplicadas
241. Inconstitucionalidade do art.° 283.°, n.° 3, al. b), do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a não consideração do elemento subjectivo do tipo incriminatório pode ser dispensado na acusação e, subsequentemente, na Pronúncia e na decisão condenatória – designadamente por violação das garantias de defesa salvaguardadas no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição.
242. Inconstitucionalidade das normas dos artigos 17.° e 18.° da Lei n.° 34/87, quando interpretadas no sentido de que o favor dado ou prometido é, simultaneamente, integrante do tipo de crime de corrupção passiva (o benefício solicitado ou recebido) e do crime de corrupção activa (a oferta dada ou prometida) - designadamente à luz do princípio consagrado no n.° 5 do artigo 29.° da Constituição.
243. Inconstitucionalidade da al. a) do n.° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, caso não seja declarado o vício de omissão, relativamente aos crimes pelos quais a Recorrente foi condenada, da imputação do tipo de participação nos termos do art.° 26.° do Código Penal, ou, caso assim se não entenda, do entendimento dado ao art.° 379.°, n.° 1, al. c), do mesmo diploma legal, caso tal nulidade não seja declarada - designadamente por violação do princípio das garantias de defesa, consagrado no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição.
244. Inconstitucionalidade do art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, por a fundamentação adoptada, sendo embora extensa, omitir o (que seria o) essencial, termos em que a sua validação implicará necessariamente um entendimento de tal norma desconforme com o dever de fundamentação das decisões judiciais constitucionalmente consagrado no art.° 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
245. Inconstitucionalidade dos artigos 97.°, 374.°, n.° 2, 339.°, n.° 4, 368.°, n.°s 2 e 3 e 369.°, todos do Código de Processo Penal - por a fundamentação adoptada na decisão recorrida ser a tal ponto insuficiente que, a não ser censurada por esse Tribunal ad quem, também implicará necessariamente que serão dadas a estas normas entendimentos desconformes com os princípios constitucionais, designadamente os do art.° 205.°, n.° 1, da Constituição.
246. Inconstitucionalidade dos arts.° 17.° e 18.° da Lei n.° 34/87, no entendimento de que se sobrepõem ao artigo 16.° da mesma lei quando esteja em causa a solicitação ou aceitação de vantagem sem contrapartida identificada - por violação da norma constitucional que impõe a subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.º).
247. Inconstitucionalidade dos arts.° 17.° e 18.° da Lei n.° 34/87, no entendimento de que o próprio elemento definidor de um dos crimes (vg: passivo) pode ser, em simultâneo e em concurso, definidor do outro (activo) - por violação da norma constitucional que impõe a subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.°) e do princípio geral da proibição de duplicação de punições penais (artigo 29.°, n.° 5, da Constituição).
248. Inconstitucionalidade dos arts.° 17.° e 18.° da Lei n.° 34/87, no entendimento de que os seus elementos típicos podem ser preenchidos por presunção, como, por exemplo, impondo uma correspondência estrita entre o bem jurídico protegido (a salvaguarda da autonomia intencional do Estado) e os tipos penais disponíveis - por violação da norma constitucional que impõe a subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.°).
249. Inconstitucionalidade do art.° 71.° do Código Penal, tal como aplicado na decisão recorrida (por ter implicado a desconsideração de elementos legalmente fixados) - por violação da norma constitucional que impõe a subordinação dos tribunais à lei (artigo 203.º).
250. Inconstitucionalidade do art.° 66.°, n.° 1, do Código Penal - por violação das normas constitucionais que impõem a subordinação dos tribunais à lei e a salvaguarda do direito ao trabalho (artigos 203.° e 58.° da Constituição).
251. Inconstitucionalidade do art.° 66.°, n.° 1, do Código Penal, quando interpretado no sentido de que pode ser aplicado em situações em que a pena principal é suspensa na sua execução - por violação do princípio da proporcionalidade na restrição do direito ao trabalho - artigo 18.°, n.° 2, da Constituição).
Os recursos foram admitidos, com efeito suspensivo e subida imediata, por despacho de 06-05-2019.
Os arguidos EA, EB, JS, Z, ZB, XB, MP, AS, PE, JG, PV, "FZ,Ldª", "ILS,Ldª", PLC, MM, "LP,Ldª" JA, "JAG,Ldª", AF e MA apresentaram articulados de resposta pugnando pela improcedência do recurso do Ministério Público.
Nos requerimentos de “resposta” ao recurso do Ministério Público, foram ainda suscitadas as seguintes questões prévias ou invalidades processuais:
Arguido JS: extemporaneidade do recurso do Ministério Público; arguido MP: extemporaneidade do recurso do Ministério Público e rejeição do recurso do Ministério Público em matéria de impugnação a decisão em matéria de facto; arguidos "ILS,Ldª" e PLC: extemporaneidade do recurso do Ministério Público por renúncia parcial ao decurso do prazo de recurso, omissão de indicação de conclusões e incumprimento no recurso do Ministério Público do ónus de especificação; arguido AF: prazo de recurso do Ministério Público extemporaneidade, falta de assinatura da juíza adjunta.
O Ministério Público apresentou articulados de resposta aos recursos dos arguidos AF e MA..
No momento processual previsto no artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público exarou parecer no sentido da improcedência dos recursos intercalares interpostos pelos arguidos e da procedência dos recursos intercalares interpostos pelo M° P°, caso tal não ocorra e venha este Tribunal a pronunciar-se sobre o mérito da decisão, entende-se que deverá ser alterada a decisão relativa à fixação da matéria de facto no sentido proposto no recurso interposto pelo M° P°. (transcrição).
O arguido MP apresentou resposta ao parecer do Ministério Público
Em 26/2/2020 foi proferido despacho liminar pelo juiz desembargador relator que conheceu de questões prévias. Nesse mesmo despacho conheceu-se também do requerimento apresentado pelo arguido AF no sentido de se vir a realizar audiência de julgamento nesta instância de recurso.
Notificados desse despacho, vieram os arguidos "ILS,Ldª", PLC e também, AF, reclamar desse despacho liminar para a conferência e arguir nulidades e irregularidades processuais.
Em conformidade com o regime previsto nas Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e 16/2020, de 29 de Maio, houve suspensão do decurso dos prazos judiciais entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020.
Recolhidos os “vistos” do juiz desembargador presidente da secção e do juiz desembargador adjunto e, seguidamente, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir (artigos 418º, nº 1 e 419º, ambos do Código de Processo Penal).
II – FUNDAMENTOS
Reclamação para a conferência, nulidades e/ou irregularidades do despacho liminar
2. Em 26/2/2020, veio a ser proferido despacho liminar nos presentes autos pelo juiz desembargador relator deste acórdão, que conheceu e julgou não procedentes as seguintes questões prévias suscitadas nesta instância recursória:
- inadmissibilidade do recurso do Ministério Público por perda de interesse de agir e extemporaneidade, suscitada pelos arguidos Z, ZB, XB, MP, "ILS,Ldª", PLC e AF, nos seus articulados de resposta;
- inadmissibilidade do recurso do Ministério Público por inobservância do ónus de formulação de conclusões, suscitada pelos arguidos os arguidos "ILS, -Área da Saúde Ldª" e PLC, no seus articulados de resposta; e
- incumprimento pelo Ministério Público do ónus de especificação, suscitada pelos arguidos "ILS - Área da Saúde Ldª" e PLC, também no articulado de resposta.
Nesse mesmo despacho conheceu-se, também assim, do requerimento apresentado pelo arguido AF no sentido de se vir a realizar audiência de julgamento nesta instância de recurso.
Notificados desse despacho, vieram os arguidos "ILS,Ldª", PLC e também, AF, reclamar desse despacho liminar para a conferência e arguir nulidades e irregularidades processuais.
Assim, no seu requerimento, o arguido AF, considera que o despacho fez uma errada interpretação do disposto no Art.º 411.º, n.º 5, do CPPenal, indeferindo a realização da audiência de julgamento que deveria ter ordenado e agendado.
Mais alega este arguido, em síntese, que essa situação constitui irregularidade processual, nos termos do disposto no Art.º 118.º, n.ºs 1 e 2, cotejado com o teor dos Art.ºs 199.º e 120.º, que assim é invocado nos termos do disposto no Art.º 123.º, n.º 1, do mesmo Código. Sendo que o despacho em causa aplicou a norma constante do Art.º 411.º, n.º 5, do CPPenal, com um sentido materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos Art.ºs 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 4 e 5, e 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa, dado que o Art.º 411.º, n.º 5, do CPP interpretado no sentido de que, a especificação dos pontos da motivação do recurso que o arguido recorrente pretende ver debatidos na audiência, não pode ser operada mediante a remissão para os pontos constantes das conclusões, ditando, por isso, o indeferimento da audiência requerida, sem que o tribunal efetue prévio convite ao Recorrente para aperfeiçoar o seu requerimento, indicando tais pontos de outra forma tida por forma correta, é material materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos Art.ºs 2.º, 18.º, n.° 2, 20.º, n.°s 4 e 5, e 32.º, n.°s 1 e 10, da mesma Constituição.
Mais entende que o despacho liminar em causa deve ser julgado inválido, por força da irregularidade arguida, com as legais consequências, sendo o mesmo revogado e, nessa sequência, ser designada data para a realização da audiência requerida. Caso assim se não entenda, então deverá o recorrente ser notificado para, em dez dias, fornecer ao Tribunal a especificação prevista no Art.º 411.º, n.º 5, do mesmo Código.
Por seu turno, os arguidos "ILS,Ldª", PLC, após introito em que falam das públicas suspeitas que pairam sobre esta Relação de Lisboa e que exigiriam a estrita fundamentação das decisões e que não se tivessem cometido um atropelo injustificado à posição dos arguidos na compreensão dos fundamentos que o Ministério Público suscita no seu recurso, o que não legitima nesta situação o exercício da função jurisdicional (“flagrante agravo à lei, à Constituição e aos direitos de defesa dos arguidos”), reclamam do mesmo despacho para esta conferência, suscitando a arguição das seguintes invalidades ou irregularidades:
- ao conhecer em decisão sumária destas questões prévias o desembargador relator subtraiu estes segmentos decisórios à conferência, violando o disposto nas alíneas a) a d) do n.º 6 do Art.º 417.º do CPPenal, o que constitui a nulidade prevista nas alíneas a) e e) do Art.º 119.º do CPPenal, ou a irregularidade processual por violação do Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal;
- sem prescindir, essas circunstâncias consubstanciam também uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, o que constitui nulidade nos termos do Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), do CPPenal, ou irregularidade processual, por violação dos aludidos preceitos legais (Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal);
- sempre sem prescindir, decisão sumária que consubstancia, também, uma contradição insanável nos seus fundamentos e entre estes e a decisão proferida, ao omitir o aperfeiçoamento por apelo a “um inovatório critério à margem de qualquer previsão legal”, o que constitui a nulidade prevista no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do CPPenal, ou irregularidade por violação do Art.º 97.º, n.ºs 1 e 5, do CPPenal, a contrario sensu, e 123.º do CPPenal; ou
- ainda, a omissão de pronúncia ou de decisão sobre a inadmissibilidade do recurso do recorrente Ministério Público, que até era de conhecimento oficioso na invocação que faz dos fundamentos para a rejeição do recurso do Ministério Público, o que constitui a nulidade para os efeitos do Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal, ou a irregularidade nos termos do Art.º 123.º do CPPenal.
Mais requerem que tais nulidades ou irregularidades sejam conhecidas e decretadas nos termos invocados, i.e. anulando-se a decisão proferida, com todas as consequências legais previstas. Sem prejuízo, por dever de patrocínio e subsidiariamente, caso se entenda não ser de admitir a presente reclamação para a conferência (o que apenas por dever de patrocínio se equaciona) sempre então as questões suscitadas haveriam de ser conhecidas pelo mesmo desembargador relator, perante quem, e nestes precisos termos, ficam desde já subsidiariamente invocadas em tempo.
***
O despacho reclamando, nas suas diversas componentes, teve o seguinte conteúdo:
“1. O Ministério Público, o arguido AF e a arguida MA interpuseram recurso do acórdão proferido pelo tribunal colectivo após a realização da audiência de julgamento em primeira instância[197].
Cumpre proferir despacho liminar, apreciando questões susceptíveis de obstar ao conhecimento do recurso ou de fundamentar uma decisão sumária (artigo 417º do Código de Processo Penal, adiante designado apenas por C.P.P.). Será ainda tomada posição quanto ao requerimento de realização de audiência, formulado pelo recorrente AF.
Nos articulados de resposta, os arguidos Z, ZB, XB, MP, "ILS,Ldª", PLC e AF suscitaram a questão prévia de inadmissibilidade do recurso do Ministério Público por perda de interesse em agir e extemporaneidade, invocando, em síntese, que ao defender nos autos o entendimento que a extensão por setenta e cinco dias do prazo de interposição de recurso decidida pelo tribunal constituía um acto ilegal, o Ministério Público renunciou à utilização do segmento que considerou excessivo. Nesta ordem de ideias, a aplicação dos princípios da lealdade processual e da objectividade da actuação do Ministério Público conduz à conclusão que no fim do período de tempo que constituía o prazo máximo admissível segundo a posição anteriormente defendida no processo ocorreu para o Ministério Público a preclusão do prazo de interposição e a perda do interesse em agir.
O circunstancialismo processual com interesse para a decisão neste âmbito é o seguinte:
a)Na sessão da audiência de julgamento de 04-01-2019, com a presença do Ministério Público e de todos os mandatários, foi proferido despacho judicial, ditado para acta, com o seguinte teor: "Desde já se concede um prazo suplementar de 45 dias, além dos 30 previstos na lei, para os Ilustres Mandatários e o Digno Magistrado do Ministério Público, apresentarem os seus recursos, caso o queiram fazer. Concede-se igual prazo para a apresentação das respostas aos recursos. O prazo para interposição de recurso tem o seu termo inicial na data da declaração de depósito do acórdão” (cfr. acta da sessão da audiência de julgamento, a fls. 39465).
b)O depósito do acórdão recorrido ocorreu em 14-01-2019 (cfr. fls. 40727);
c)Não houve recurso, nem arguição de invalidade processual pelo Ministério Público ou por outro sujeito processual;
d)Em 14-02-2019, o Ministério Público formulou o seguinte requerimento (transcrição):
O Ministério Público vem, nos autos acima referenciados, manifestar a intenção de recorrer do douto Acórdão proferido nos presentes autos e tratando-se de procedimento de especial complexidade, e não obstante o douto despacho judicial constante da Ata de 4-1-2014 (Leitura de Acórdão), com referência 382793817, ter concedido um prazo suplementar de 45 dias, além dos 30 previstos na lei, para interposição de recurso, vem requerer, ao abrigo do disposto no art. 107.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, que o prazo previsto nos n.ºs 1 e 3 do art. 411.º do mesmo diploma legal seja prorrogado apenas por mais 30 dias, por forma a perfazer 60 dias.
e)Em 20-03-2019, foi proferido o seguinte despacho judicial (transcrição):
Requerimento de fls. 40.751:
Mediante o mesmo veio o Digno Magistrado do Ministério Público requerer a redução de 45 para 30 do prazo suplementar concedido oficiosamente para interposição de recurso.
Notificados os intervenientes processuais manifestaram os mesmos oposição ao requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
Tendo em consideração a argumentação expendidas pelos Ilustres Mandatários dos arguidos MP (fls. 40.779-40.782) e AF (fls. 40.783-40.792), com a qual se concorda.
No entanto, a sintética argumentação apresentada pelos Ilustres Mandatários do arguido MM suficiente para decidir a questão em causa.
O despacho em causa transitou e formou caso julgado formal, como tal é insusceptível de alteração.
Como tal, o Digno Magistrado do Ministério Público é livre de utilizar todo o prazo concedido ou só parte do mesmo, não poderá é pretender coarctar aos restantes intervenientes processuais o recurso à integralidade do prazo oficiosamente concedido, ao abrigo do princípio geral de processo conhecido como de adequação formal.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro o requerido.
Notifique.
f) Este despacho judicial de 20-03-2019 transitou pacificamente em julgado;
g) O Ministério Público formulou o recurso do acórdão em 03-04-2019, ou seja, no segundo dia útil após o decurso do prazo de 75 dias concedido pelo despacho judicial de 04-01-2019 (dia 31-03, domingo) (cfr. fls. 41182 e segs.).
Apreciando e decidindo:
O Ministério Público intervém no processo penal como um órgão de administração da justiça, com a função de colaboração com o tribunal na descoberta da verdade e na realização da justiça, sempre sujeito a estritos critérios de legalidade e objectividade, de onde também decorre o dever de observância de lealdade e de “fair play” em todas as intervenções processuais.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) tem salientado o particular relevo da lealdade e boa fé enquanto elementos essenciais do princípio do processo equitativo.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 24-09-2003 (proc. 03P243, Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt ):
“Entre os princípios estruturantes do processo penal democrático deve salientar-se o princípio do processo equitativo, integrado pelos elementos de densificação enunciados no artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também no artigo 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos - instrumentos internacionais de que Portugal é Parte - e que comanda toda a formulação das garantias inscritas no artigo 32º da Constituição.
O processo equitativo, como "justo processo", supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos.
A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual”.
Na sequência deste e de muitos outros acórdãos, o STJ, seguindo o entendimento expresso por Figueiredo Dias[198], fixou jurisprudência com força obrigatória geral no sentido de que o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo (Acórdão de 27-01-2011, Diário da República n.º 19/2011, Série I de 2011-01-27).
O comportamento processual do Ministério Público quanto ao problema concreto da delimitação do prazo de interposição de recurso do acórdão final proferido pelo tribunal colectivo não pode deixar de causar perplexidade pela contradição prática com o entendimento anteriormente expresso nos autos. Se o Ministério Público entendia que o prazo não podia exceder sessenta dias, não devia ficar inerte no prazo de recurso do despacho judicial que assim decidiu, vir aos autos afirmar a sua posição perante esse problema, para depois fazer coisa diferente, utilizando o segmento do prazo que antes afirmara implicitamente como destituído de fundamento …
Como o Ministério Público escreveu, mas na motivação de outro recurso, a fls. 38686 (transcrição):
“O direito a um processo justo e equitativo encontra, pois, o seu ancoradouro constitucional no art.° 20.°, n.° 4 da C.R.P. e no art.° 6.° da C.E.D.H..
Uma das muitas vertentes da referida injunção constitucional, é o princípio da lealdade processual, ou seja, de que se deve esperar de todos os intervenientes processuais, mormente das magistraturas, uma conduta apoiada nos procedimentos que o processo civil ou processo penal lhe permite e como tal expectáveis, não realizando actos surpresa, contraditórios ou então inúteis.”
O que não significa que por isso se verifique fundamento para a rejeição do recurso, quer por falta de interesse em agir, quer por renúncia de prazo.
Desde logo, é inquestionável que não tem aplicação ao caso dos autos a jurisprudência do acórdão do STJ nº 2/2011, senão nas considerações sobre os princípios da objectividade e da lealdade do comportamento do ministério público no processo penal, porque é bem distinto o circunstancialismo processual subjacente: um exemplo evidente da ausência de interesse em agir seria, no caso, se o magistrado do Ministério Público, depois da tomada de posição e da promoção de 14-02-2019, viesse a interpor recurso de despacho judicial que tivesse acolhido a sua pretensão e fixado em sessenta dias o prazo de interposição de recurso.
A situação é aqui diferente.
Revela-se inquestionável que a posição expressa nos autos pelo Ministério Público no requerimento de 14-02-2019 não tem qualquer relação, ainda que indirecta, com a utilidade ou necessidade de recurso ao tribunal para revogação e alteração da decisão contida no acórdão do tribunal colectivo, pelo que não há obviamente perda do interesse em agir, enquanto pressuposto de admissibilidade dos recursos aqui em apreço (artigo 401º nº 2 C.P.P).
Em nossa apreciação, no texto do requerimento em análise (supra na alínea d)) o Ministério Público revela uma tomada de posição sobre a questão concreta do prazo de interposição de recurso para todos os interessados, mas não se contém aí uma manifestação de vontade, muito menos inequívoca, de renúncia a um prazo judicial (ou mesmo a um segmento desse prazo). Recorde-se que em conformidade com o disposto no artigo 107º nº 1 do C.P.P..[199], a renúncia ao decurso do prazo configura um acto unilateral, mas que só adquire validade e eficácia no processo se expressamente requerida e objecto de uma decisão do tribunal[200] . Pedido expresso e decisão pelo tribunal que aqui não aconteceram.
Interessa ainda notar que no momento em que o Ministério Público apresentou o requerimento, a questão de extensão do prazo tinha já adquirido a força de caso decidido a nível do tribunal de primeira instância, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre essa matéria, pelo que para os arguidos, assistidos por ilustres Advogados, só poderia ser expectável que o tribunal mantivesse ou renovasse a anterior decisão, indeferindo o requerido.
Nem se pode por isso entender que a tomada de posição do Ministério Público no sentido de que o prazo deveria ser no máximo de sessenta dias, fosse susceptível de conduzir a uma alteração relevante da estratégia da defesa ou de criar uma expectativa favorável aos interesses dos arguidos que fosse merecedora de tutela.
Posteriormente, o despacho judicial de 20-03-2019 veio clarificar e estabilizar a situação, sendo de notar que todos os arguidos (incluindo os ora requerentes) se conformaram com essa decisão, aceitando a solução do tribunal como razoável e juridicamente sustentada.
Esta decisão da primeira instância, que pela excepcional complexidade do processo estendeu o prazo de recurso para todos os sujeitos processuais (Ministério Público e arguidos) para setenta e cinco dias após a declaração de depósito, tem agora de se manter, ainda que careça de fundamento estrito na previsão do nº 6 do artigo 107º do C.P.P., em obediência aos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, consagrados no artigo 2.º da Constituição e, quanto aos arguidos, das garantias de defesa em processo penal, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, num processo justo e equitativo, como ressalta da jurisprudência decorrente dos acórdãos do TC nº 3/2013, de 9 de Janeiro, in DR, II, de 13-02-2013, p. 6276 e nº 103/2006, in DR, II, 23-03-2006 p. 4318 e in www.tribunalconstitucional.pt e do STJ de 3 de Março de 2004, in www.dgsi.pt, proc. 03P4421, Henriques Gaspar,
Termos em que se conclui que o recurso do Ministério Público se mostra interposto em tempo e se indefere a arguição de extemporaneidade.
2. No articulado de resposta[201], os arguidos "ILS, Ldª" e PLC suscitam questão prévia, invocando a inadmissibilidade do recurso do Ministério Público por inobservância do ónus de formulação de conclusões.
Invocam os recorridos que o Ministério Público se limitou a transpor ou transcrever uma cópia das motivações, o que, equivalendo à ausência de conclusões, deve conduzir à rejeição liminar. Subsidiariamente, entendem que deverá o recorrente ser convidado a apresentar novas conclusões que constituam um enunciado resumido e claro dos fundamentos do respectivo recurso.
Apreciando e decidindo:
A motivação de recurso deve conter a enunciação especificada dos fundamentos do recurso e terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido (artigo 412º nº 1). O recurso não é admitido, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em dez dias após ter sido convidado a fazê-lo (artigo 414º nº 2, ambos do Código de Processo Penal)
Como sabemos, “resumir” significa “limitar”, “sintetizar”, “reduzir” pelo que as conclusões devem ser a enunciação condensada dos fundamentos do recurso, ou seja, as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 359).
O legislador terá pretendido incentivar a colaboração leal entre os sujeitos processuais, com o objectivo de simplificar a compreensão e a apreciação dos recursos.
Naturalmente que o cumprimento do ónus de concisão não se deve medir apenas pelo quantidade das proposições, mas também pela clareza do texto levado às conclusões.
Na situação concreta deste processo, a motivação de recurso do Ministério Público evidencia um conjunto extraordinariamente elevado de motivações (ao longo de 413 páginas), a que se segue a apresentação de um gigantesco número de conclusões (796, em 203 páginas).
Sendo possível afirmar que para um extenso número dessas conclusões, o recorrente se vez valer apenas do tratamento informático do texto, limitando-se a uma mera cópia ipsis verbis do que anteriormente escrevera no corpo das motivações, com repetência de argumentos anteriormente apresentados, sem aí fazer a mínima síntese ou resumo dos fundamentos do recurso.
Não se trata de uma cópia integral, mas para um segmento considerável das conclusões existe uma simples reprodução do teor da motivação, como acontece com as conclusões 360 a 391 e 426 a 430 (cfr. tabelas constantes de fls. 42292 v.º a 42296).
Afigura-se-nos assim que o recurso do Ministério Público não evidencia um cumprimento perfeito ou rigoroso do ónus de síntese e de concisão, imposto pelo artigo 412º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal.
A situação concreta destes autos não é assimilável à falta de segmento conclusivo e o texto das conclusões do recurso do Ministério Público, designadamente no segmento indicado pelos requerentes, permite a compreensão do objecto e dos fundamentos do recurso, quer pelo tribunal, quer pelos arguidos. Isso mesmo parece resultar dos articulados de resposta de todos os arguidos.
O aperfeiçoamento das conclusões conduziria necessariamente a novos prazos para resposta dos (vinte) arguidos e a um significativo retardamento no procedimento.
Assim, sopesando as exigências decorrentes da celeridade processual com o risco decorrente de deficiente apreensão pelo Tribunal e pelos recorridos das questões a resolver e dos fundamentos do recorrente Ministério Público, entendemos como preferível omitir a notificação para a correcção das conclusões, assim improcedendo a questão prévia.
3. Ainda no mesmo articulado, os arguidos "ILS- na Área da Saúde, Ldª" e PLC, suscitam questão prévia decorrente de incumprimento pelo Ministério Público do ónus de especificação, concluindo que deve o Recorrente ser convidado a esclarecer as conclusões formuladas, em termos que possibilitem deduzir as indicações contidas nos n.°s 2 a 5 do artigo 412.° do Código de Processo Penal. Para a fundamentação desta questão prévia, os arguidos remetem para o teor das tabelas constantes de fls. 42292 v.º a 42319 v.º.
Valem aqui as considerações genéricas, repetidas em muitos outros acórdãos e que aqui nos limitaremos a transcrever[202]:
Os tribunais da relação conhecem dos recursos em matéria de facto e em matéria de direito (artigos 427º e 428º do Código de Processo Penal) e a decisão sobre a matéria de facto pode ser alvo de recurso em dois planos.
Uma primeira forma de colocar em crise a decisão de facto consiste na alegação de um dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova.
Sob esta perspectiva, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: como estabelece claramente a norma respectiva (o recurso pode ter por fundamento (…) desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normas da experiência comum ), trata-se de analisar apenas o teor da fundamentação da sentença, à luz das regras da vivência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, nomeadamente ao conteúdo dos meios de prova produzidos, inclusive da prova oralmente produzida e gravada em audiência.
Num plano distinto, genericamente admitido pelos artigos 412º nºs 3 e 4 e 431º, ambos do Código de Processo Penal, a análise não se limita ao texto da decisão e envolve a apreciação da prova produzida ou examinada em audiência de julgamento.
Ainda assim, o recurso não pressupõe nem se destina a uma nova análise de todos os elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas a uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham (ou seja, não apenas que “aconselhavam ou permitiam) uma decisão diferente pelo tribunal, ou seja por uma entidade imparcial e isenta, num julgamento justo e equitativo .
Na verdade, “seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução (…)” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18.01.2006, Maria Fernanda Palma, www.tribunalconstitucional.pt )
Precisamente porque o recurso não constitui um “segundo julgamento” do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a uma correcção cirúrgica de erros de procedimento ou de julgamento, a lei adjectiva, no artigo 412.º n.º 3 do Código do Processo Penal, impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida em matéria de facto o ónus de proceder a uma tríplice especificação:
- a especificação dos «concretos pontos de facto», que se traduz necessariamente na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados;
- a especificação das «concretas provas», que só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Neste âmbito, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa.
Neste âmbito, a simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos não cumpre o ónus de especificação imposto ao recorrente pela lei adjectiva penal.
Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, processo 06P461, “Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.2 - Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação as especificações ordenadas pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, não há lugar ao convite a correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite a correcção das conclusões da motivação.
Também no entendimento de Albuquerque, Paulo Pinto de in Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª ed. pag. 1121 e 1222 “A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento (…). Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8 visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo especifico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…).
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em primeira instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.°, n.°2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.° do C.P.P.).
Tendo havido gravação das provas, as referidas especificações têm de ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação ou de proceder a transcrição, pois são esses segmentos dos elementos de prova que devem ser ouvidos ou visualizados pelo tribunal, sem prejuízo de outros relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.° do C.P.P.)..
O segmento do recurso do Ministério Público de impugnação (ampla) da decisão em matéria de facto por erro de julgamento estende-se na motivação (em sentido estrito) de fls. 41340 a 41364 v.. Dessa parte da motivação, o Recorrente extraiu 140 conclusões, de 518 a 658, no processo de fls. 41449 a 41470 v.º. (constantes nas “tabelas” de fls. 42304 v.º a 42313º).
Em nossa apreciação deste segmento do recurso, o Ministério Público cumpre de forma satisfatória os ónus impostos nas três alíneas do artigo 412º nº 3 do C.P.P. , indicando os concretos pontos de facto que considera julgados incorrectamente (como acontece nas conclusões 584, 588, 592, 597, 600, 604, 611, 617, 624, 633, 642, 647, 652, 654 e 656) e enunciando as provas concretas que no seu entender impõem decisão diferente (são na quase totalidade documentos).
Ainda que nem sempre com clareza e concisão, podemos encontrar na motivação e nas conclusões uma explicitação razoável da posição expressa pelo Ministério Público, o que permite a compreensão pelos recorridos e pelo tribunal dos fundamentos do Recorrente.
Na parte em que a omissão de especificação atinja não apenas as conclusões, mas a motivação em sentido estrito, também não poderia haver notificação do tribunal para aperfeiçoamento, sob pena de atribuição ao Ministério Público da possibilidade de apresentar um novo recurso, já bem para lá do prazo fixado para o efeito.
Termos em que se indefere o requerido convite do Recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões.
4. No requerimento de interposição de recurso o arguido AF fez constar: o Recorrente requer ainda, ao abrigo do disposto no artigo 411.º, n.º 5 do CPP que se realize audiência para debater cada um dos pontos infra indicados nas conclusões.
No regime legal da tramitação dos recursos em segunda instância, o recurso é decidido em conferência, com a intervenção do relator, de um juiz adjunto e do presidente da secção e a realização de audiência oral constitui uma excepção (artigos 418º nº 1 e 419, nºs 1, 2 e 3, alínea c), ambos do Código de Processo Penal).
A audiência só tem lugar se a decisão recorrida conhecer a final do objecto do processo e o recorrente manifestar essa pretensão no requerimento de interposição do recurso.
Neste último caso, a lei adjectiva impõe ao recorrente o ónus de especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos, definindo as matérias ou assuntos que na sua perspectiva devem constituir o objecto da audiência[203].
Enquanto pressuposto ou requisito legal da realização da audiência, a especificação dos fundamentos do recurso que o requerente pretende ver debatidos revela-se essencial para a preparação da participação no debate dos restantes intervenientes processuais.
Assim como releva para a enumeração sumária do relator dos pontos que entende merecerem exame especial, na introdução dos debates da audiência de julgamento em segunda instância (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O que se compreende já que a vocação do tribunal da Relação não é a realização de um novo julgamento. Outro entendimento relativamente a este assunto e o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão da primeira instância e passando a ser um segundo julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal. Por isso, “a Lei n.º 48/2007, de 29/8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal”, tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar “«actos processuais supérfluos», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei 109/X)”. Além disso, “com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, 2009, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 1118).
O que, se necessário fosse, ainda se revela particularmente relevante num processo de excepcional complexidade.
Como sabemos, “especificar” significa enumerar detalhadamente, especializar, listar, particularizar, pormenorizar, individualizar, singularizar, caracterizar com riqueza de pormenores.
Salvo o devido respeito por diferente entendimento, num recurso em que as motivações (em sentido “estrito”) se mostram expostas em 229 páginas, afirmar que se pretende debater numa audiência todos os pontos constantes de 350 conclusões em 74 páginas, significa não fazer nenhuma indicação, concretização ou especificação dos pontos da motivação que devem ser debatidos.
Concluímos assim que o requerente omitiu de forma irreparável o cumprimento da norma constante da segunda parte do artigo 411º nº 5 do C.P.P., o que tem de conduzir ao indeferimento do requerimento de realização de audiência.
De referir ainda que inexiste norma adjectiva que preveja ou possibilite a notificação do recorrente para correcção do requerimento de realização de audiência (como acontece para a situação prevista no artigo 417º nº 3 do C.P.P.), nem se vislumbra princípio constitucional que o fundamente.
No seu Acórdão n.º 163/2011, de 3 de Novembro, o Tribunal Constitucional pronunciou-se expressamente sobre a conformidade constitucional desta interpretação da norma constante no n.º 5 do artigo 411º do Código de Processo Penal, afastando o dever legal de convite ao aperfeiçoamento para a indicação dos pontos da motivação que devem ser objecto de alegações orais.
O que fez nos seguintes termos (transcrição parcial):
No caso em apreço, é inquestionável que a sujeição do recorrente a um ónus processual de identificação dos pontos da motivação de recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal (neste sentido, apontando a consagração da audiência, para produção de alegações orais, como um situação excepcional, à luz do novo regime de recurso, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118).
(…)
É certo que o n.º 5 do artigo 411º do CPP fixa um ónus processual de natureza preceptiva. É igualmente certo que a omissão do cumprimento de tal ónus processual impossibilita o julgador de proceder ao agendamento e realização de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais pelo recorrente. Porém, nenhuma norma processual penal comina a extinção do direito fundamental ao recurso, mas tão só a não realização de uma fase da tramitação processual, a qual não implica qualquer decisão de não admissão do recurso interposto, seja mediante decisão sumária do Relator (artigo 417º, n.º 6, do CPP), seja mediante acórdão de conferência (artigo 420º, n.º 1, alínea c), do CPP). Pelo contrário, a falta de indicação dos pontos da motivação de recurso, de acordo com a interpretação normativa, apenas implica a não produção de alegações orais, mas exige sempre – desde que cumpridos os demais pressupostos processuais de conhecimento – a apreciação da motivação e respectivas conclusões de recurso, por parte do tribunal recorrido.
Assim sendo, não se afigura que a interpretação normativa em causa seja desproporcionada, por violação do princípio da necessidade.
Julga-se pois que a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 411º do CPP, segundo a qual “o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve requerê-lo aquando da interposição do recurso e indicar quais os pontos da motivação de recurso que pretende ver debatidos, sob pena de indeferimento da sua pretensão” não é contrária à Constituição, seja por violação do direito de assistência por advogado (artigo 32º, n.º 3, da CRP), seja por violação do direito de recurso penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP), seja por violação de quaisquer outros princípios ou normas constitucionais, designadamente dos princípios do Estado de Direito (artigo 2º, da CRP), da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP) ou do direito ao contraditório em processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP).
(…)
Em suma, cabe ao legislador ordinário determinar quais as consequências processuais da falta de indicação dos elementos exigidos pelo n.º 5 do artigo 411º do CPP. Tendo optado por não incluir essa omissão nas causas que justificam o convite ao aperfeiçoamento, na fase de exame preliminar (artigo 417º, n.º 3, do CPP), só se justificaria julgar inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual não existe dever legal de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, mediante indicação dos pontos da motivação que o recorrente pretende sejam alvo de alegações orais, se aquela se afigurasse grave e manifestamente desproporcionada face ao direito de recurso e às garantias de defesa do recorrente (artigo 32º, n.º 1, da CRP). Não se verificando, em concreto, qualquer desproporcionalidade nessa interpretação normativa, mais não resta do que julgar improcedente o recurso, também quanto à segunda interpretação normativa”.
Tem por isso de ser indeferido o requerimento de realização da audiência.
DECISÃO
5. Pelos fundamentos expostos, decido:
a) Indeferir o requerimento de rejeição do recurso do Ministério Público por extemporaneidade;
b) Indeferir o requerimento de rejeição do recurso do Ministério Público por falta das conclusões;
c)Indeferir o requerimento de notificação do Ministério Público para esclarecimento das conclusões, e,
d) Indeferir o requerimento de realização da audiência, determinando-se que todos os recursos sejam decididos em Conferência.
Relego a apreciação e decisão quanto a todas as restantes questões prévias ou invalidades processuais suscitadas nas motivações de recurso e nas “respostas” para a Conferência e o acórdão que se lhe seguirá.
Lisboa, 26-02-2020”. ***
Tendo em conta a motivação das reclamações e arguições acima descritas, compete agora, aferir, em conferência, a validade dos seus argumentos, acompanhando ou, pelo contrário, alterando o entendimento expresso na decisão singular reclamada. Não deixando de conhecer, do mesmo modo, das invalidades, nulidades ou irregularidades processuais suscitadas.
***
2.1 Em primeiro lugar, conheceremos da questão atinente ao requerimento apresentado pelo arguido AF no sentido de se vir a realizar audiência de julgamento nesta instância de recurso.
Na decisão sumária proferida pelo juiz relator deste acórdão, aprecia-se devidamente da matéria vertente, no sentido de indeferir o mesmo requerimento, com base nos pressupostos em que tem assente a jurisprudência mais relevante e que acima se encontra descrita nos seus fundamentos e que aqui se retomam, uma vez que coincidem com as posições que ambos os juízes relatores têm assumido em decisões sumárias com o mesmo teor.
Tal como acima se descreve na decisão sumária em apreciação, constata-se que o mesmo arguido AF, aqui reclamante, omitiu de forma irreparável o cumprimento da norma constante da segunda parte do Art.º 411.º, n.º 5, do CPPenal, o que tinha de conduzir ao indeferimento do requerimento de realização de audiência.
De referir ainda que inexiste norma adjectiva que preveja ou possibilite a notificação do recorrente para correcção do requerimento de realização de audiência (como acontece para a situação prevista no Art.º 417.º, nº 3, do CPPenal), nem se vislumbra princípio constitucional que o fundamente ou se consubstancie como violado, na expressão do acórdão n.º 163/2011, de 3 de Novembro, do Tribunal Constitucional (tal como se diz na decisão reclamanda, que se pronunciou expressamente sobre a conformidade constitucional desta interpretação da norma constante no n.º 5 do Art.º 411.º do CPPenal, afastando o dever legal de convite ao aperfeiçoamento para a indicação dos pontos da motivação que devem ser objecto de alegações orais).
Ora, tal como se refere no despacho aqui em causa, subscrito pelo juiz relator deste acórdão, que aqui é assumido na sua plenitude:
No regime legal da tramitação dos recursos em segunda instância, o recurso é decidido em conferência, com a intervenção do relator, de um juiz adjunto e do presidente da secção e a realização de audiência oral constitui uma excepção (artigos 418º nº 1 e 419, nºs 1, 2 e 3, alínea c), ambos do Código de Processo Penal).
A audiência só tem lugar se a decisão recorrida conhecer a final do objecto do processo e o recorrente manifestar essa pretensão no requerimento de interposição do recurso.
Neste último caso, a lei adjectiva impõe ao recorrente o ónus de especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos, definindo as matérias ou assuntos que na sua perspectiva devem constituir o objecto da audiência[204].
Enquanto pressuposto ou requisito legal da realização da audiência, a especificação dos fundamentos do recurso que o requerente pretende ver debatidos revela-se essencial para a preparação da participação no debate dos restantes intervenientes processuais.
Assim como releva para a enumeração sumária do relator dos pontos que entende merecerem exame especial, na introdução dos debates da audiência de julgamento em segunda instância (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O que se compreende já que a vocação do tribunal da Relação não é a realização de um novo julgamento. Outro entendimento relativamente a este assunto e o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão da primeira instância e passando a ser um segundo julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal. Por isso, “a Lei n.º 48/2007, de 29/8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal”, tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar “«actos processuais supérfluos», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei 109/X)”. Além disso, “com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, 2009, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 1118).
O que, se necessário fosse, ainda se revela particularmente relevante num processo de excepcional complexidade.
Como sabemos, “especificar” significa enumerar detalhadamente, especializar, listar, particularizar, pormenorizar, individualizar, singularizar, caracterizar com riqueza de pormenores.
Salvo o devido respeito por diferente entendimento, num recurso em que as motivações (em sentido “estrito”) se mostram expostas em 229 páginas, afirmar que se pretende debater numa audiência todos os pontos constantes de 350 conclusões em 74 páginas, significa não fazer nenhuma indicação, concretização ou especificação dos pontos da motivação que devem ser debatidos.
Nesse sentido, não se encontra aqui consubstanciada a irregularidade processual suscitada pelo aqui arguido AF, nomeadamente a que decorreria dos termos conjugados dos Art.ºs 118.º, n.ºs 1 e 2, 199.º, 120.º e 123.º, n.º 1, todos do CPPenal.
Pelas razões aduzidas, considera-se também que o sentido que veio a ser conferido à norma constante do Art.º 411.º, n.º 5, do CPPenal, não é materialmente inconstitucional, designadamente por violação dos Art.ºs 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 4 e 5, e 32.º, n.ºs 1 e 10, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, não procede a anulação do mesmo despacho liminar nesta parte, sem qualquer tipo de revogação por parte deste colectivo de juízes, após conferência, não procedendo, também assim, a reclamação para a conferência e não se determinando a pretendida notificação do arguido para, em dez dias, fornecer a este tribunal a especificação prevista no Art.º 411.º, n.º 5, do CPPenal.
Quanto à fundamentação desta decisão reclamanda, há aqui que a reproduzir integralmente e reafirmar o seu acerto, após conferência.
***
2.2 Depois, vieram os arguidos/respondentes "ILS,Ldª", PLC, suscitar uma sequência de nulidades ou irregularidades da mesma decisão sumária liminar, para além de reclamar para a conferência, pretendendo a alteração da mesma decisão.
Cumpre apreciar da matéria suscitada, sem que antes, ainda, se diga alguma coisa sobre as afirmações tecidas em torno da mencionada suspeição pública que paira sobre esta Relação de Lisboa e do que disso se pode retirar ou não para a legitimação jurisdicional por via dos fundamentos das decisões proferidas por este mesmo tribunal, designadamente neste processo.
Os arguidos iniciam o requerimento com considerações sobre as conhecidas públicas suspeitas sobre manipulação de sorteios e conduta profissional de juízes no Tribunal da Relação de Lisboa, acrescentando que essa afirmação nem sequer tem por base qualquer dito ou escrito da autoria dos aqui Requerentes, mas apenas reflexo do dito pelo próprio Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Colendo Conselheiro A…P…, também, por inerência, Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
Logo de seguida, o requerimento permite a ideia de uma generalização dos comportamentos ilícitos nos juízes do TRL, condescendendo que nem toda a Justiça realizada no Tribunal da Relação de Lisboa tenha por base qualquer possível viciação (sic) e asseverando, numa implícita referência ao despacho do relator, que não sendo fundamentada a decisão judicial , ou sendo fundamentada de modo tal que não seja compreensível para ninguém (sic), falecem todas as razões fundamentantes da legitimidade democrática e soberana da Justiça.
Diz-nos a nota de rodapé da reclamação que a afirmação atribuída ao Senhor Juiz Conselheiro A….P… foi extraída de “notícia” do sítio electrónico da SIC e, na realidade, aí se pode ler que o Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo afirmou, em entrevista concedida ao Expresso, que as suspeitas de manipulação de sorteios e corrupção de juízes na Relação de Lisboa abalam a confiança na Justiça[205].
Mas o Sr. Juiz Conselheiro disse mais de relevante sobre o problema: Na mesma entrevista, depois de inicialmente questionado pelo jornalista “Na abertura do ano judicial disse que era exagerado falar em crise na Justiça. Hoje diria o mesmo? ”, o Sr. Juiz Conselheiro A…P… respondeu “Continuo a pensar que, apesar do rombo enorme na credibilidade, o sistema de justiça responde às necessidades dos cidadãos. Na generalidade, os juízes são pessoas sérias, honestas e íntegras. Os portugueses podem continuar a confiar[206].
O requerimento dos arguidos utiliza uma afirmação retirada do contexto e omite qualquer referência a uma outra frase dita na mesma ocasião, onde o mesmo Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça exprime um voto de confiança na seriedade, honestidade e integridade da generalidade dos juízes.
Na verdade, considera-se que a referida menção introdutória, aliás estranha aos fundamentos e à argumentação expendida na reclamação apresentada pelo ilustre advogado que a subscreve em patrocínio de partes interessadas neste litígio, não surtiu nem irá qualquer tipo de efeito ou influência no sentido decisório deste colectivo de juízes desembargadores que sempre pautaram e irão pautar o seu exercício jurisdicional pelos mais exigentes padrões éticos da independência, autonomia e integridade profissionais, como é do reconhecimento público e notório.
Não será à custa da utilização dessas táticas processuais e da verbalização de expressões drásticas, como “flagrante agravo à lei, à Constituição e aos direitos de defesa dos arguidos”, que alguém no processo ou fora do processo poderia vir a produzir qualquer tipo de constrangimento no sentido decisório pautado pela lei e o direito e devidamente fundamentado deste colectivo de juízes desembargadores, podem estar as partes, os seus advogados, o Ministério Público, as instâncias recursivas e os cidadãos em geral, todos descansados.
A congruência das decisões tomadas neste processo, tanto pelo juiz relator como pelo juiz adjunto, não precisa de ser afirmada. Ela resulta bem patente no teor deste acórdão e da decisão liminar que o antecede, ambos devidamente justificados e fundamentados na lei e na Constituição, sem qualquer prejuízo para as garantias processuais e os direitos fundamentais aqui em jogo.
O nosso entendimento sobre a conformação do dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje absolutamente idêntico ao que seguíamos antes do conhecimento das gravíssimos suspeitas na distribuição dos processos neste TRL.
Retomando ao processo e às invocadas nulidades e irregularidades:
Em primeiro lugar, invocam estes arguidos/respondentes, que ao conhecer em decisão sumária das mencionadas questões prévias, o desembargador relator subtraiu estes segmentos decisórios à conferência, violando o disposto nas alíneas a) a d) do n.º 6 do Art.º 417.º do CPPenal, o que constitui a nulidade prevista nas alíneas a) e e) do Art.º 119.º do CPPenal, ou a irregularidade processual por violação do Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal.
Como se refere na decisão reclamada, ela apresenta-se como um despacho liminar de apreciação de questões susceptíveis de obstar ao conhecimento do recurso ou de fundamentar uma decisão sumária (cfr. Art.º 417.º do CPPenal), e ainda de conhecimento do pedido de realização de audiência de julgamento formulado pelo arguido/recorrente AF..
Com a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, atribui-se ao juiz desembargador relator, a quem foi distribuído um recurso, os poderes de decisão sumária sobre o mesmo, bem como reconhece expressamente o poder de convite ao recorrente a apresentar, completar e esclarecer as conclusões formuladas.
Refere justamente Pereira Madeira, em comentário ao Art.º 417.º do CPPenal, que:
“(…) mesmo depois de admitido o recurso e depois de ele chegar à fase de exame preliminar, a lei mostra o maior empenho em que o recurso seja conhecido no seu mérito. Por isso, se mesmo depois de sujeito ao crivo do juiz do processo, ainda não for possível apreender integralmente ou em parte as alusões a que se reporta o artigo 412.º, n.ºs 2 a 5, e caso ainda não tenha sido feito o convite a que alude o artigo 411.º, n.º 2, o relator tem de convidar o recorrente a formular ou completar as conclusões da sua motivação. (…)
Ao contrário do que até aqui acontecia, a Lei 48/2007 veio atribuir poderes decisórios ao relator individualmente considerado. Trata-se de um aparente avanço em termos de economia de tempo e simplificação processual. Assim, o relator, profere decisão sumária, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 6, ou seja, quando alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso (por exemplo a desistência do recurso), o recurso deva ser rejeitado (qualquer que seja o motivo – cfr. Art.º 420.º), existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso (por exemplo a morte do arguido) e finalmente quando a questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado (circunstância que o relator deve fazer constar da sua decisão, não se impondo uma enumeração exaustiva das decisões uniformes mas a bastante para demonstrar que o modo uniforme e reiterado de decidir existe efectivamente)”.
Assim, em A. Henrique Gaspar e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, pp. 1429-1430.
Se a consagração explícita do poder do relator convidar a aperfeiçoar a motivação é uma importante inovação introduzida no Art.º 417.º do CPPenal, a mais relevante é, no entanto, a atribuição ao relator de poderes de decisão sumária sobre o recurso.
Assim, os recursos em processo penal passam a ser conhecidos por um de três modos: na decisão sumária do relator, em conferência ou em audiência.
O legislador optou claramente por "uma maior intervenção dos juízes que os compõem (aos tribunais superiores) a título singular", como se afirmava na motivação da proposta de lei n.º 109 /X ..
Os poderes do relator de decisão sumária sobre o recurso incluem o conhecimento das seguintes questões:
a. as circunstâncias que obstem ao conhecimento do recurso, incluindo os pressupostos da acção penal e civil e a desistência (Art.º 417.º, n.º 8, aplicado analogicamente ao artigo 415.º, n.º 2, ambos do CPPenal);
b. os fundamentos de rejeição do recurso, isto é, os previstos no Art.º 420.º, n.º 1, do CPPenal;
c. as causas extintivas do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponham termo ao processo ou sejam os únicos motivos do recurso, incluindo a aplicação da amnistia e de outras medidas de clemência previstas na lei (cfr. Art.º 474.º, n.º 2, do CPPenal);
d. os incidentes suscitados (cfr. Art.º 700.º, n.º 1, al.ª f), do CPCivil, aplicável por força do Art.º 4.º do CPPenal); e
e. a própria questão sub judice quando ela já tenha sido apreciada pelos tribunais de modo uniforme e reiterado (artigo 417.º, n.º 6, al.ª d), inspirado no Art.º 705.º do CPCivil).
A apreciação das questões (prévias ou não) a resolver não tem de ser esgotante ou global. Isto é, formuladas várias pretensões no recurso, podem algumas delas rejeitar-se em decisão sumária, prosseguindo o recurso para conferência ou audiência de julgamento quanto às demais, em obediência ao princípio da cindibilidade afirmado na jurisprudência do STJ de 24/6/1992 (acórdão do plenário das secções criminais), e que se mantém válido para o actual figurino procedimental dos recursos em processo penal.
Por outro lado, mesmo a eventual falta de concisão das conclusões não pode ser equiparada à total omissão de conclusões, impondo-se uma redução da consequência processual do não conhecimento à parte das conclusões afectadas pelo vício (assim, no acórdão do TC n.º 275/99).
Assim, a decisão sumária do relator pode, de acordo com o já referido princípio da cindibilidade do conhecimento do recurso, dizer respeito apenas a algumas das pretensões do recorrente, sendo o recurso julgado na parte restante na conferência.
Esta nova (desde a revisão de 2007) competência do relator para proferir a decisão sumária sobre o recurso não é inconstitucional. Ela é compatível com o direito do arguido de recurso, o direito do ofendido de participação no processo e de acesso aos tribunais e o direito das partes civis e dos outros participantes processuais de acesso aos tribunais e, designadamente, de acesso aos tribunais de recurso (cfr. Art.ºs 20.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1e 7, da Constituição da República Portuguesa).
No n.º 6 do Art.º 417.º do CPPenal o legislador não distinguiu as situações em que há lugar a decisão sumária, designadamente para verificar da compatibilidade desse poder vinculado do juiz relator com uma eventual faculdade processual exercida pelo recorrente.
Por outro lado, as razões de economia de tempo e de simplificação processual marcam o estabelecimento destes poderes jurisdicionais do relator, a qual, assim compreendida, mesmo nas situações em que se requer a audiência de julgamento (para debate oral das questões de facto levantadas em recurso ou para a renovação de prova), não preclude ou restringe qualquer direito de defesa ou de recurso. Na verdade, esta competência concedida ao relator para proferir a decisão sumária (já previamente consagrada no próprio Tribunal Constitucional) não é inconstitucional, não violando o direito de recurso ou as garantias de defesa do arguido/condenado. Ela é compatível com o direito do arguido de recurso e de acesso à justiça (cfr. Art.ºs 20.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 7, ambos da CRPortuguesa).
Sabe-se, por outro lado, que esta nova competência é provisória, podendo o respectivo sujeito processual afectado reclamar para a conferência dos despachos ou decisões de fundo proferidos pelo relator, como é este o caso.
A decisão sumária não retira ao recorrente a possibilidade de o seu recurso ser apreciado por um coletivo de juízes, pois o recorrente sempre poder vir provocar a sua reapreciação, em coletivo, através da reclamação para a conferência, ao abrigo da faculdade expressamente prevista no artigo 417º, nº 8, do C. P. Penal.
Ora, na presente situação não se trata de apreciar de uma decisão sumária que tenha cerceado qualquer direito ao recurso de um arguido ou da acusação (Ministério Público). Ao invés, a decisão sumária veio a apreciar questões suscitadas pelos arguidos/respondentes quanto ao exercício do direito de recurso do Ministério Público, tanto na vertente da sua tempestividade bem como quanto à estruturação da sua motivação de recurso e das suas conclusões.
E foi sobre esse ponto que a decisão sumária veio a apreciar dessas questões prévias suscitadas, numa escolha feita pelo juiz desembargador relator que se afigura ao aqui colectivo de desembargadores como perfeitamente justificada e legitimada, não se compreendendo as dúvidas aqui suscitadas pela defesa dos arguidos/respondentes "ILS, Ldª", PLC..
A decisão sumária aqui em causa vai no sentido de considerar:
1.º tempestivo o recurso do Ministério Público, indeferindo os pedidos de rejeição do mesmo; e
2.º existentes e suficientes as conclusões da motivação de recurso do Ministério Público, indeferindo os pedidos de rejeição ou de convite ao aperfeiçoamento apresentados sobre o mesmo recurso, porque desnecessário o aperfeiçoamento do enunciado das conclusões do recurso do Ministério Público, isto porque se entendeu e bem nesse exame prévio que não se tratava de um incumprimento do ónus de síntese e de concisão - a que aludem os n.ºs 1 e 2 do Art.º 412.º do CPPenal - num grau de intensidade tal que não permitisse – como se constatou à saciedade pela análise das respostas dos vários arguidos e também do teor deste acórdão, em toda a sua extensividade – a compreensão do objecto e dos fundamentos do mesmo recurso.
Por isso não se entende a acepção dos aqui reclamantes que vai no sentido de qualificar como exorbitante das possibilidades consagradas na lei a mesma decisão sumária aqui analisada. Não se entende como, uma vez que o juiz relator para apreciar justamente das questões aqui suscitadas pelos arguidos nas suas respostas teria de as afirmar ou não procedentes e decidir quanto ao exercício do direito de recurso pelo Ministério Público naquela concreta motivação de recurso, tanto na dimensão da tempestividade como das qualidades que deveriam conter as conclusões da mesma peça processual.
O que acontece é que os arguidos/respondentes se baralham no seu próprio novelo argumentativo, tanto afirmando que o relator do acórdão teria o ónus de convidar o Ministério Público a corrigir a sua motivação de recurso com a formulação devida das suas conclusões, como dizendo que o mesmo relator, ao não o fazer, isto é, ao apreciar negativamente da mesma questão, veio a exorbitar das suas competências e cercear a conferência de uma competência que lhe era própria.
Pergunta-se, como perceber o poder-dever atribuído ao juiz relator de apreciar da perfeição ou imperfeição do direito de recorrer de qualquer parte processual (aqui no caso o Ministério Público), em questão suscitada pela contra-parte na sua resposta, e nomeadamente da faculdade dada de vir apresentar uma motivação de recurso aperfeiçoada, se o mesmo juiz relator não poder julgar improcedente essa questão prévia, indeferindo a pretensão do respondente? Como entender que o tribunal tivesse poder para o mais (não recebimento do recurso ou o seu aperfeiçoamento) e não para o menos, que é o outro sentido alternativo da mesma questão?
Nesse sentido, a invocação dos seguintes parágrafos da reclamação apresentada por estes arguidos é sintomática da falta de lógica da sua argumentação:
“46. Já não pode é fazer uso de tal prerrogativa (seja do n.° 3 seja da al. a' do n.° 6 do art. 417.° do CPP) para declarar a não verificação dessas invocadas questões prejudiciais quando não antecipe o julgamento do recurso para o âmbito da decisão sumária.
47. Pois que desta forma, também aqui quanto a esta questão, a decisão intercalar do Juiz Relator equivale a uma decisão que subtrai à conferência o conhecimento das questões suscitadas”.
Porque assim é, falece de qualquer sentido a invocada violação do disposto no Art.º 417.º do CPPenal, não estando constituída qualquer nulidade processual, tanto a prevista nas alíneas a) e e) do Art.º 119.º do CPPenal, ou a irregularidade processual por violação do Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal.
***
Numa segunda invocação, os mesmos arguidos/respondentes defendem que essas mesmas circunstâncias consubstanciam, por outro lado, uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, o que constitui nulidade nos termos do Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), do CPPenal, ou irregularidade processual, por violação dos aludidos preceitos legais (Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal).
Volta-se de novo a afirmar a incongruência da argumentação aqui expendida por estes arguidos.
Pretendem justificar a omissa determinação por parte do juiz relator deste acórdão no seu exame preliminar, como diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, com o facto do tribunal não ter recebido o recurso do Ministério Público ou ordenado o aperfeiçoamento das suas conclusões.
Como se refere em termos claros e perceptíveis por qualquer destinatário de boa fé, na presente situação, relativa à motivação de recurso do Ministério Público e do seu segmento conclusivo, não se tratava de um incumprimento do ónus de síntese e de concisão (a que aludem os n.ºs 1 e 2 do Art.º 412.º do CPPenal) num grau de intensidade tal que não permitisse – como se constata à saciedade pela análise das respostas dos vários arguidos e também do teor deste acórdão, em toda a sua extensividade – a compreensão do objecto e dos fundamentos do mesmo recurso.
Reproduzindo esse teor da decisão sumária, em termos especificados:
Afigura-se-nos assim que o recurso do Ministério Público não evidencia um cumprimento perfeito ou rigoroso do ónus de síntese e de concisão, imposto pelo artigo 412º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal.
A situação concreta destes autos não é assimilável à falta de segmento conclusivo e o texto das conclusões do recurso do Ministério Público, designadamente no segmento indicado pelos requerentes, permite a compreensão do objecto e dos fundamentos do recurso, quer pelo tribunal, quer pelos arguidos. Isso mesmo parece resultar dos articulados de resposta de todos os arguidos.
O aperfeiçoamento das conclusões conduziria necessariamente a novos prazos para resposta dos (vinte) arguidos e a um significativo retardamento no procedimento.
Assim, sopesando as exigências decorrentes da celeridade processual com o risco decorrente de deficiente apreensão pelo Tribunal e pelos recorridos das questões a resolver e dos fundamentos do recorrente Ministério Público, entendemos como preferível omitir a notificação para a correcção das conclusões, assim improcedendo a questão prévia.
Pelo que aqui se deixou transcrito, surge nítido que não só inexiste qualquer omissão de pronúncia do juiz relator nesta sua decisão liminar, como sobretudo não se consubstancia a invocada (aqui completamente estranha ao sentido da previsão da norma em causa que apela para a prova) como omissa determinação de qualquer “diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa” (cfr. Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), do CPPenal), ou mesmo de irregularidade processual, por violação dos preceitos legais invocados (Art.º 417.º, n.ºs 3, 6 e 7, do CPPenal, ex vi Art.º 123.º do CPPenal).
***
Em terceiro lugar, recorde-se, os mesmos arguidos/respondentes argumentam que a decisão sumária em causa consubstancia, também, uma contradição insanável nos seus fundamentos e entre estes e a decisão proferida, ao omitir o aperfeiçoamento por apelo a “um inovatório critério à margem de qualquer previsão legal”, o que constitui a nulidade prevista no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do CPPenal, ou irregularidade por violação do Art.º 97.º, n.ºs 1 e 5, do CPPenal, a contrario sensu, e 123.º do CPPenal.
Não têm razão os arguidos/respondentes nesta sua outra invocação.
Como se afirmou anteriormente, a decisão sumária aqui em causa vai no sentido de considerar:
1.º tempestivo o recurso do Ministério Público, indeferindo os pedidos de rejeição do mesmo; e
2.º como existentes e dotadas de suficiência as conclusões da motivação de recurso do Ministério Público, indeferindo os pedidos de rejeição ou de convite ao aperfeiçoamento apresentados sobre o mesmo recurso, porque desnecessário o aperfeiçoamento do enunciado das conclusões do recurso do Ministério Público.
Isto porque se entendeu na decisão liminar (e bem) que não se tratava de um incumprimento do ónus de síntese e de concisão - a que aludem os n.ºs 1 e 2 do Art.º 412.º do CPPenal - num grau de intensidade tal que não permitisse (como se constatou à saciedade pela análise das respostas dos vários arguidos e também do teor deste acórdão, em toda a sua extensividade) a compreensão do objecto e dos fundamentos do mesmo recurso.
Por outras palavras, a apreciação sobre o ónus de síntese e de concisão das conclusões de qualquer recurso (incluindo o recurso do Ministério Público aqui em apreço) não se faz sem um apelo à razoabilidade e à proporcionalidade da apreciação, sem qualquer apelo aos padrões do “tudo ou nada”. A apreciação de um articulado de recurso num processo com esta complexidade, tal como aconteceu com os demais recorrentes, faz-se com a devida ponderação e apreciação de todas as condicionantes, incluindo o balanceamento das mencionadas exigências decorrentes da celeridade processual com o risco decorrente de deficiente apreensão pelo Tribunal e pelos recorridos das questões a resolver e dos fundamentos do recorrente Ministério Público.
Assim, numa ponderação que aqui se entende como acertada, a situação concreta nunca seria assimilável à falta de segmento conclusivo e o texto das conclusões do recurso do Ministério Público, designadamente no segmento indicado pelos requerentes, permitia a compreensão do objecto e dos fundamentos do recurso, quer pelo tribunal, quer pelos arguidos. A demonstração está feita, ao fazer a leitura dos articulados de resposta de todos os arguidos, e pelo trabalho que irá resultar da elaboração do acórdão desta Relação.
Pelo que se conclui, aqui, que inexiste a invocada contradição insanável nos fundamentos da decisão em reclamação, ou entre estes e a mesma decisão, sequer se denota o apelo a “um inovatório critério à margem de qualquer previsão legal”, não se verificando, do mesmo modo, nem a nulidade prevista no Art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do CPPenal, nem a irregularidade por violação do Art.º 97.º, n.ºs 1 e 5, do CPPenal, a contrario sensu, e 123.º do CPPenal.
***
Por último, consideram os mesmos arguidos/respondentes que a decisão sumária se apresenta como uma omissão de pronúncia ou de decisão sobre a inadmissibilidade do recurso do recorrente Ministério Público, que até era de conhecimento oficioso na invocação que faz dos fundamentos para a rejeição do recurso do Ministério Público, o que constitui a nulidade para os efeitos do Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal, ou a irregularidade nos termos do Art.º 123.º do CPPenal.
Determina o Art.º 379.º do CPPenal, n.º 1, nas suas várias alíneas, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do Art.º 374.º, que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º, e quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, estas nulidades devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do Art.º 414.º.
Também assim, dita o n.º 1 do Art.º 123.º do CPPenal, que “qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”.
Tivemos ocasião de demonstrar previamente que nenhuma omissão de pronúncia se perspectiva ou se consubstanciou na presente situação.
O que os arguidos/respondentes não concordam é com o sentido decisório, encontrando nele uma incongruência que já referimos anteriormente que não é verdadeira. Mas nunca se poderia querer encontrar aqui alguma omissão de pronúncia, não tendo sentido falar sequer de alguma contradição na fundamentação e entre esta e a mesma decisão sumária aqui em causa.
Do que se retira que não se verifica a alegada omissão de pronúncia ou de decisão sobre a inadmissibilidade do recurso do recorrente Ministério Público, nulidade para os efeitos do Art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do CPPenal, ou a irregularidade nos termos do Art.º 123.º do CPPenal.
***
Quanto à fundamentação desta decisão reclamanda, há aqui que a reproduzir integralmente e reafirmar o seu acerto.
Nestes termos, a arguição das nulidades ou irregularidades suscitadas pelos reclamantes não podem proceder: a decisão reclamada não padece dos vícios suscitados.
A decisão reclamada deve, pois, ser confirmada, e as presentes reclamações desatendidas, por não se basearem em quaisquer fundamentos que ponham em causa aquele despacho.
Face ao exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção deste Tribunal da Relação em indeferir as presentes reclamações e também a arguição das nulidades ou irregularidades processuais suscitadas e confirmar a decisão sumária reclamanda nos seus precisos termos.
*** Objecto dos recursos – questões a resolver
3. Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir de forma precisa e clara as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
Tendo em conta as conclusões dos recursos do Ministério Público e dos arguidos, as questões a apreciar são as seguintes:
Recursos interlocutórios
A- Do Ministério Público
1--Omissão de leitura e reprodução em audiência de julgamento das declarações de arguidos prestadas durante as fases preliminares (decisão recorrida de 19-03-2018, fls. 38570).
2- Quebra do sigilo profissional da testemunha APM (decisão recorrida de 19-03-2018, fls. 38570).
3-Aceitação e junção aos autos de alegações escritas (decisão recorrida a 15-05-2018 fls. 38825).
Recursos interpostos da decisão final
A- Do arguido AF..
Nulidades
4- Nulidade da decisão por falta de fundamentação quanto aos factos que integram o tipo de ilícito do peculato de uso (conclusões 209 a 217).
5-Nulidade da decisão por falta de fundamentação na decisão em matéria de facto (conclusões 262 a 270).
Vícios decisórios
6-Contradição insanável da fundamentação em matéria de facto (conclusões 1 a 14).
7-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto aos factos referentes a uso indevido de equipamentos do crime de peculato de uso (conclusões 218º a 233º) e no que respeita à prova indirecta (conclusão 271).
8-Impugnação (ampla) da decisão por erro de julgamento em matéria de facto (Núcleos B, E) (conclusões 15 a 208).
Enquadramento jurídico-penal
9-Preenchimento do tipo de crime de peculato de uso pelo uso indevido de equipamentos (conclusões 218 a 233).
10-Preenchimento do tipo de crime de peculato de uso pelo uso indevido de automóvel (conclusões 234 a 242 e 209 a 217).
11-Verificação de causas de exculpação e de justificação da conduta (conclusões 243 a 259).
12-Preenchimento do tipo de corrupção (conclusões 260 a 261 e 273 a 311).
13-Pena acessória de proibição de exercício de funções – pressupostos da aplicação (conclusões 312 a 355).
B- Da arguida MA..
Anomalias e nulidades
14-Omissão ou insuficiência da imputação subjectiva na pronúncia (conclusões 1 a 12).
15-Ininteligibilidade do acórdão por insuficiência da identificação dos tipos incriminadores por referência a cada subnúcleo de factos (conclusões 13 a 44).
16-Nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto (conclusões 45 a 65).
Vícios decisórios
17- Contradição insanável da fundamentação em matéria de facto (conclusões 66 a 77).
18-Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (conclusão 43).
19-Impugnação (ampla) da decisão por erro de julgamento em matéria de facto (conclusões 78 a 189).
20- Enquadramento jurídico-penal. Preenchimento dos tipos de crime (conclusões 190 a 209).
21-Medida concreta da pena (conclusões 210º a 232º).
22-Condenação em pena acessória (conclusões 233º a 240º).
C- Do Ministério Público..
Anomalias e nulidades
23-Falta de assinatura do Acórdão recorrido pela Exma. Senhora Juíza Adjunta.
24-Nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação (conclusões 431 a 453).
25-Omissão de pronúncia - factos não dados como provados nem como não provados (conclusões 426 a 428 462 a 472, 471º a 475º, 476º a 500º).
26-Omissão de Pronúncia conexa com alegada “alteração substancial dos factos” relativa a crime de tráfico de influência perpetrado por AF (violação do disposto nos art.° 1.°, al. f) do Código de Processo Penal e art.° 358.°, n.° 3 do Código de Processo Penal (conclusões 501 a 517).
Impugnação da decisão em matéria de facto
Vícios decisórios
27-Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (conclusões 40 a 49, 50 a 54, 61 a 65, 81 a 92, 93 a 101, 102 a 125, 126 a 132, 133 a 142, 143 a 154, 173 a 178, 197, 198 a 200, 201 a 218, 219 a 225, 227 a 234, 235 a 246, 247 a 251, 252 a 271, 272 a 275, 295 a 305 e 394º a 396º).
28-Erro notório na apreciação da prova (conclusões 29 a 39, 55 a 60, 66 a 71, 72 a 76, 77 a 80, 155 a 157, 158 a 161, 162 a 172, 173 a 178, 179 a 194, 226, 306 a 323º, 324 a 339, 340 a 359º, 360º a 393º, 397 e 398, 399 a 425 e 426 a 428).
Impugnação (ampla) da decisão por erro de julgamento em matéria de facto
29-Ausência de valoração das declarações dos arguidos prestadas em sede de interrogatório judicial de arguido detido e de interrogatórios em fase de inquérito presididos pelo Ministério Público (conclusões 18 a 28). Ausência de análise crítica de tal meio de prova (conclusões 454 a 461). Ausência de análise crítica de tal meio de prova (conclusões 454 a 461.
30-Relações e Parcerias Negociais entre os arguidos, Núcleo OLI. F1, Núcleo ILS/Vistos. F2 (conclusões 522 a 658).
Enquadramento jurídico penal dos factos provados. Erros de direito
31-Crime de corrupção imputado a AF: a recondução dos factos dados como provados ao crime de corrupção passiva imputado ao arguido (Núcleo B) (conclusões 92 e 659º a 662).
32-Da absolvição dos arguidos AF e MA da prática de dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal (factos descritos no Núcleo E) (conclusões 663 a 676).
33-O papel do OLI e seu relevo na emissão de vistos enquanto passo essencial no procedimento de obtenção de ARI (conclusões 677 a 684).
34-Errónea qualificação pelo tribunal da ordem dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de nomeação de OLI para a China como um acto político e não como acto de natureza administrativa (conclusões 685 a 713).
35-Erro de direito quanto à matéria dos vistos (F2 e F3 IVA-ILS): crimes de prevaricação e de tráfico de influência (conclusões 714 a 744 e 745 a 756).
36-Da absolvição do arguido AF da prática de um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.° n.° 1, 19.° n.° 2 e n.° 3, 3.°-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho e 202.° alínea b), 66.° n.° 1 alíneas a), b) e c) e 68.° do Código Penal, como autor material pelos factos descritos no Núcleo B (conclusão 765).
37-Da absolvição dos arguidos Z, ZB e XB da prática de um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.° n.° 1, 19.° n.° 2 e n.° 3, 3.°-A alíneas d), e), f) da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, 202.°, alínea b) do Código Penal e ainda da absolvição do arguido XB da prática de um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335.°, n.° 2, do Código Penal (factos descritos no Núcleo B).
38-Da medida da pena aplicada quanto aos crimes em que os arguidos AF, MA, Z e ZB foram condenados (conclusões 757 a 778).
39-Pedido de perda ampliada (conclusões 779 a 793). Recursos interlocutórios Omissão da leitura e reprodução em audiência de julgamento das declarações dos arguidos, prestadas durante as fases preliminares
4. O Ministério Público interpôs recurso do despacho judicial que em 19-03-2018 indeferiu a arguição de nulidade de anterior despacho que tinha indeferido a reprodução em audiência das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito e de instrução.
O recurso foi admitido com subida diferida por despacho de 15-05-2018 a fls. 38824.
Os arguidos MP, MM, AS, PE, JG e PV, AF, Z , PLC, JA e MA formularam resposta, todos pugnando pela improcedência do recurso do Ministério Público e manutenção do despacho recorrido.
No requerimento de interposição do acórdão do tribunal colectivo, o Recorrente manifestou interesse no conhecimento deste recurso intercalar.
Com interesse para a decisão, o circunstancialismo processual relevante é o seguinte:
a) Na sessão da audiência de julgamento de 12-03-2018 (manhã), o Ministério Público apresentou requerimento que conclui nos seguintes termos (transcrição parcial- fls. 38369-38370 e acta de fls. 38371-38380):
“(…) com vista a que as declarações dos arguidos possam concorrer, eventualmente, para a formação da convicção do Tribunal, ainda que houvesse acordo de todos os sujeitos processuais em substituir a leitura pela indicação de que tal meio de prova poderia ser utilizado para a decisão, a mencionada falta de uniformidade jurisprudencial, por mera cautela, impõe, a nosso ver, efectivamente a leitura e a reprodução das declarações prestadas pelos arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução).
Na verdade, a leitura ou reprodução das declarações dos arguidos, constitui meio de prova sujeito ao principio da livre apreciação, pode, por isso, concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal e ter influência decisiva no resultado do julgamento.
Nesta conformidade, e uma vez que se trata de diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, requer-se, ao abrigo do disposto nos artigos 351°[207], n° 1, al. b) e 340.°, ambos do C.P.P., com excepção dos arguidos EB e EA, a leitura das declarações prestadas pelo arguido JS e a reprodução das declarações prestadas pelos restantes arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução).”
b) Em 15-03-2018 foi proferido despacho judicial com o seguinte teor (transcrição-fls.38518 a 38520):
“Mediante requerimento escrito apresentado na sessão de julgamento de dia 12/03/2018, o Ministério Público veio requerer ao abrigo dos artigos 357.° n.° 1 alínea b) e 340.° do Código de Processo Penal, com excepção dos arguidos EB e EA, a leitura das declarações prestadas pelo arguido JS e a reprodução das declarações prestadas pelos restantes arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução).
Exercido o contraditório vieram os arguidos e a assistente responder, tendo:
-o arguido AF nos termos constantes de fls. 38.38738.393, pugnado pelo indeferimento;
-o arguido MP nos termos constantes de fls. 38.394-38.398, pugnado pelo indeferimento;
-os arguidos Z, ZB e XB nos termos constantes de fls. 38.400-38.404, pugnado pelo indeferimento;
-o arguido FP nos termos constantes de fls. 38.406-38.410, pugnado pelo indeferimento;
-os arguidos AS, PE, JG e PV nos termos constantes de fls. 38.451-38.452, pugnado pelo indeferimento;
-o arguido MM nos termos constantes de fls. 38.454-38.459, pugnado pelo indeferimento;
-o arguido PLC nos termos constantes de fls. 38.471-38.476, pugnado pelo indeferimento;
-a arguida "ILS- Área da Saúde,Lda." nos termos constantes de fls. 38.479-38.480, pugnado pelo indeferimento;
-o arguido JS nos termos constantes de fls. 38.483, não se opondo ao requerido;
-a assistente "HP,Ldª nos termos constantes de fls. 38.489-38.492, pugnado pelo deferimento;
-os arguidos JA e "JAG,Lda." nos termos constantes de fls. 38.494-38.498, pugnado pelo indeferimento;
-a arguida MA nos termos constantes de fls. 38.501-38.504, pugnado pelo indeferimento;
-a arguida "LP,Ldª." nos termos constantes de fls. 38.507, pugnado pelo indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Dispõe o artigo 357.° do Código de Processo Penal sob a epígrafe "reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido", que:
"1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
a)A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou,
b)Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos epara os efeitos do disposto na alínea b) do n.° 4 do artigo 141.°.
2- As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos epara os efeitos do artigo 344.°.
3-É correspondentemente aplicável o disposto nos n.°s 7a 9 do artigo anterior".
Por seu turno, dispõe o artigo 141.° n.° 4 alínea b) do Código de Processo Penal, que:
"4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova".
Em face destas regras processuais, é de entender que as declarações prestadas por arguido podem ser consideradas, "utilizadas no processo" (i. é, podem fundamentar a convicção do Tribunal Colectivo) se tiverem sido prestadas perante autoridade judiciária, com assistência de defensor e com informação prestada nos termos do artigo 141.° n.° 4 alínea b) do Código de Processo Penal.
As declarações assim prestadas estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova e serão valoradas no conjunto de toda a prova constante do processo, inclusive, as declarações de arguido prestadas em julgamento.
E, para as declarações de arguido poderem ser valoradas em sede de fundamentação da decisão de facto do Tribunal Colectivo não necessitam de ser reproduzidas em julgamento.
Com efeito, justificar-se-á a reprodução ou a leitura das declarações em julgamento se se pretender daí retirar uma consequência estranha às declarações de per si, designadamente, o confronto com declarações prestadas em julgamento.
Em virtude do Ministério Público não pretender produzir nenhum meio de prova suplementar, afigura inútil, impertinente e dilatória a reprodução ou a leitura das declarações de arguidos.
Assim sendo, quer tenham ocorrido em julgamento quer nas fases processuais anteriores, a valoração das declarações prestadas pelos arguidos que o Tribunal Colectivo vier a efectuar em sede de fundamentação da decisão de facto só poderá ser impugnada em sede de recurso a interpor do acórdão a proferir.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro o requerido.
Notifique.”
c) Este despacho foi notificado ao Ministério Público em 15-03-2018;
d) Em 16-03-2018, o Ministério Público formulou requerimento nos seguintes termos (transcrição de fls. 38565):
“O Ministério Público, por requerimento apresentado a V.Xas no dia 12/3/2018, e uma vez que se trata de diligência essencial para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 357.º, nº 1, al. b) e 340.º, ambos do C.P.P., com excepção dos arguidos EB e EA, a leitura das declarações prestadas pelo arguido JS e a reprodução das declarações prestadas pelos restantes arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução), no entanto, tal requerimento veio a ser indeferido por douto despacho do Mmo. Juiz Presidente de 15/3/2018, notificado ao signatário na mesma data.
Ora, o douto despacho a indeferir o requerimento apresentado incorreu na nulidade sanável prevista na alínea d) do n.º 2 do art. 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que omitiu a realização de uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, na medida em que a leitura e reprodução das declarações de arguidos constitui meio de prova, sujeito ao principio da livre apreciação, e por isso, pode concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal e, consequentemente, pode ou não influir decisivamente no resultado do julgamento.
Nestes termos, e não obstante tão douto despacho, e para os devidos efeitos, o Ministério Público vem, por este meio, arguir a nulidade do mesmo, nos termos dos artigos 120.º, nºs 1 e 2, al. d), 340.º e 357.º, nº 1, al. b), ambos do C.P.P.”
e) Nesse mesmo dia 19-03-2018, na sessão da audiência de julgamento e após deliberação do tribunal colectivo, o juiz presidente proferiu o seguinte despacho que constitui a decisão objecto de recurso (cfr. acta a fls. 38570):
“O Ministério Público apresentou dois requerimentos em que suscitou nulidades sobre a deliberação referente ao incidente da quebra de sigilo profissional da testemunha APM e sobre o despacho que indeferiu a reprodução em audiência das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito e de instrução.
Tendo em conta que tal como se encontram configuradas estas questões são questões referentes à discordância do decidido e não questões referentes a vícios das decisões.
Em relação ao primeiro requerimento o Tribunal Colectivo não se pronunciou quanto a admissibilidade do incidente mas quanto à pertinência e à relevância do depoimento da testemunha. Pelo que não se trata de uma questão de um vício processual mas sim uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso.
Quanto ao segundo requerimento é também uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso.
Tanto mais que quanto a uma e outra questão se encontra esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal Colectivo.
Nestes termos, indefiro o requerido".
f) Em 03-05-2018, o Ministério Público interpôs recurso do despacho de 19-03-2018, acima transcrito em e), com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Ainda que tivesse havido acordo (que não houve) de todos os sujeitos processuais em substituir a leitura pela indicação de que tal meio de prova poderia ser utilizado para a decisão, a falta de uniformidade jurisprudencial nesta matéria impunha e impõe efectivamente a leitura e a reprodução das declarações prestadas pelos arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução), como aliás se sustenta, e bem, no douto Ac. TRL de 18/10/2017, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador, Dr. João Lee Ferreira.
2. Na verdade, a leitura ou reprodução das declarações dos arguidos, constitui meio de prova sujeito ao principio da livre apreciação, pode, por isso, concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal e ter influência decisiva no resultado do julgamento.
3. Os artigos 356.° e 357.° do Código de Processo Penal, decorre claramente que as declarações do arguido que podem ser valoradas para a formação da convicção do tribunal são aquelas cuja leitura ou audição sejam permitidas por despacho fundamentado e efectuadas publicamente na audiência de julgamento.
4. Daí que, a omissão de leitura pública traduz uma compressão injustificada do contraditório e das garantias de defesa porque não permite a cada um dos arguidos, quer o esclarecimento das declarações por si prestadas, quer a impugnação e o contraditório sobre as declarações desfavoráveis prestadas por co-arguido, como aconteceu, por exemplo, com as declarações prestadas pelos arguidos PLC e JA na fase de inquérito e que se remeteram ao silêncio na fase de julgamento
5.Na realidade, o auto de interrogatório de arguido incide sobre actos do próprio processo e está sujeito a um regime distinto do previsto para a prova documental, impondo-se concluir que as declarações documentadas nesse auto para serem valoradas em julgamento têm de ser lidas na audiência, face ao disposto nos artigos 355.°, 356.° e 357.° do Código de Processo Penal.
6.Daí a razão do Ministério Público ter requerido a leitura e a reprodução das declarações prestadas pelos arguidos nas fases preliminares (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento de 12/3/2018).
7.Assim, e analisando a fundamentação constante do despacho de 15/3/2018 que indeferiu, a leitura e a reprodução das declarações prestadas pelos arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução), tal fundamentação não convence minimamente.
8.Desde logo, porque os arguidos PLC, JA, Z, ZB e XB remeteram-se ao silêncio na fase de julgamento, daí que, e por isso mesmo, e contrariamente ao sustentado, jamais poderiam ser confrontados com as declarações prestadas anteriormente
9.Depois, e sempre com o salvo e devido respeito por entendimento diferente, o Tribunal confundiu o regime plasmado no artigo 357.° do Código de Processo Penal com prova suplementar, quando é certo que tais declarações não têm tal natureza probatória.
10.Por fim, e contrariamente ao sustentado, e no que concerne a eventual impugnação em sede de recurso a interpor do acórdão a proferir, é evidente que existem outros meios de reacção processual.
11.Ao indeferir a promoção do Ministério Público que consistia na leitura e na reprodução das declarações anteriormente feitas pelos arguidos com excepção dos arguidos EB e EA, omitiu o Tribunal diligências que se reputam como essenciais para a descoberta da verdade, na medida em que a leitura ou reprodução das declarações constitui meio de prova, sujeito ao principio da livre apreciação, podendo, por isso, concorrer, ou não, para a formação da convicção do tribunal.
12.Com efeito, tal diligência de prova, consentida pelo art.° 357.°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal, mostrava-se essencial para a descoberta da verdade uma vez que, a ter sido realizada, poderia ter levado à clarificação de muitas matérias e influir, por isso mesmo e decisivamente no resultado do julgamento.
13.Assim, o indeferimento no despacho recorrido da pretensão do Ministério Público, determinou a prática pelo Tribunal recorrido de nulidade sanável, prevista na alínea d) do n.° 2 do art. 120.° do Código de Processo Penal, uma vez que foi omitida uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, nulidade que foi tempestivamente arguida (cfr. alínea a) do n° 3 do mesmo artigo).
14.Daí que, a mencionada omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (art.° 340.° do CPP), pode vir a importar a revogação da decisão de indeferimento e dos actos processuais subsequentemente realizados e que possam vir a ser afectados e, consequentemente, a impor a reabertura da audiência de julgamento, na medida em que, e caso venha a ser eventualmente determinada a leitura e reprodução das declarações dos arguidos tal constitui um meio de prova que terá que ter lugar em audiência de julgamento.
15.Por outro lado, e ainda que a leitura e a reprodução das declarações dos arguidos possa contribuir para, uma nova, formação da convicção do Tribunal Colectivo, não afectará a validade da prova produzida, sendo que os efeitos da invalidade se estenderão apenas aos ‘passos’ seguintes ao termo da produção de prova, incluindo o acórdão que venha a ser proferido, no entanto, a invalidade decorrente da verificada nulidade deve estender-se à totalidade do acórdão que venha a ser proferido e não, apenas, a segmentos do mesmo.
16.Foram violados os artigos 120.°, n.° 1 e 2, alínea d), 357.°, n° 1, al. b), e 340.° do Código de Processo Penal.
17.Termos em que se requer que seja revogada a decisão recorrida, por ser nula, e a prolação de nova decisão que proceda à revogação da decisão de indeferimento e dos actos processuais posteriormente realizados e que resultem afectados com a declaração de tal nulidade e que, reaberta a audiência de julgamento, determine, com excepção dos arguidos EB e EA, a leitura das declarações prestadas pelo arguido JS e a reprodução das declarações prestadas pelos restantes arguidos nas fases preliminares (fase de inquérito e instrução)», seguindo- se os posteriores termos processuais.”
O Ministério Público afirmou pretensão no sentido da leitura, em audiência de julgamento, das declarações dos arguidos prestadas em sede de inquérito, perante autoridade judiciária ao abrigo do disposto no artigo 340º do Código de Processo Penal, viu esse pedido ser indeferido pelo tribunal, não apresentou recurso deste despacho, seguidamente arguiu a verificação de nulidade insanável por omissão de diligências susceptíveis de se consideraram essenciais para a descoberta da verdade e recorre do despacho subsequente de indeferimento da arguição de nulidade.
O meio processualmente adequado para reagir ao despacho que indefere diligência de prova requerida ao abrigo do artigo 340.º do Código de Processo Penal é o recurso da decisão de indeferimento e não a arguição da nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal, desde logo porque de acordo com postulado antigo que, no essencial, se mantem válido, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se” (cfr Alberto dos Reis, Comentário Ao Código de Processo Civil, Vol. 2º-Coimbra Editora, 1945, p. 507), sem prejuízo da recorribilidade, nos termos gerais, das decisões judiciais que versem sobre a nulidade arguida. Na verdade, constituindo o recurso o meio normal de impugnação das decisões judiciais, através do qual se pretende obter decisão sobre a legalidade de decisão judicial por um órgão judicial diferente do que proferiu a decisão que, em regra, lhe é hierarquicamente superior, mantem-se atual a afirmação de A.Reis de que «a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente» - cfr ob. cit. p. 507. (transcrição do acórdão do TRE de 07-11-2017, proc. 275/12.2GCMMN.E1, A João Latas, no mesmo sentido, os acórdãos do TRC de 07-10-2015, proc. 174/13.0GAVZL.C1, Maria José Nogueira e de 13-11-2019, proc. 253/17.5JALRA.C1 e do TRL de 26-02-2019, proc. 906/17.8PTLSB-L1-5, Jorge Gonçalves).
A opção do Ministério Público em invocar a nulidade sanável e interpor recurso sobre o despacho que sobre ela incidiu, “esquecendo” a decisão que se pronunciou expressamente sobre a realização da diligência requerida, tem consequências processuais incontornáveis[208].
Como é por demais sabido, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional. A regra encontra-se prevista para a sentença (cfr. art. 613º do CPC), mas o princípio que dela se extrai é aplicável aos despachos. Por outro lado, transitada a decisão, e o trânsito ocorre quando não seja já susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628º do C. Processo Civil), forma-se caso julgado.
O despacho judicial que se pronunciou expressamente sobre a questão suscitada, decidindo o indeferimento da pretensão de leitura na audiência das declarações prestadas em inquérito pelos arguidos, foi proferido no dia 15-03-2018 e na mesma data notificado ao Ministério Público.
O prazo de trinta dias de interposição do recurso, acrescido do prazo suplementar para apresentação com multa processual (artigos 411 nº 1 e 107º nº 5, ambos do C.P.P.), exauriu-se no dia 27-04-2019.
Quando, em 03-05-2018, o Ministério Público interpôs o recurso aqui em apreço, já se tinha formado o caso julgado formal sobre a anterior decisão de indeferimento da referida diligência de leitura das declarações dos arguidos.
Essa decisão de 15-03-2018 não pode agora ser alterada e o recurso improcede por se verificar a excepção de caso julgado.
Ainda assim, sempre se dirá o seguinte:
Mantemos a posição por nós expressa no acórdão do TRL de 18-10-2017, proc. 387/15.0GACDV.L1-3, citado pelo Recorrente.
A solução a que se chegou nesse processo deve ser apreendida no seu contexto: como aí se escreveu, o teor das declarações prestadas pelos arguidos tinha sido determinante para a decisão do tribunal colectivo que valorou declarações prestadas em primeiro interrogatório por uma arguida em prejuízo dos co-arguidos, apesar de aquele interrogatório ter ocorrido sem a presença de defensor desses co-arguidos e de a arguida declarante ter optado por se manter em silêncio ao longo de toda a audiência, o que sempre impediria o exercício do contraditório. A consequência da omissão de indicação clara do teor das declarações anteriores como meio de prova a utilizar na deliberação do colectivo sobre a decisão da matéria de facto e a omissão de leitura pública traduzia uma compressão injustificada do contraditório e das garantias de defesa porque não permitia a cada um dos arguidos, quer o esclarecimento das declarações por si prestadas, quer a impugnação e o contraditório sobre as declarações desfavoráveis prestadas por co-arguido.
Mas a questão objecto deste recurso não consiste em saber se em tese geral se deve proceder a reprodução das declarações dos arguidos prestadas perante o juiz no inquérito, mas se neste processo a diligência de reprodução integral se deve considerar como essencial para a descoberta da verdade.
A resposta é negativa.
A diligência de prova cujo indeferimento conduz a nulidade processual não será a que se possa entender apenas como “útil” ou “proveitosa”, mas aquela que seja susceptível de vir a ser considerada como absolutamente indispensável e essencial para a descoberta da verdade e a decisão final (Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, p. 401).
No caso existe apenas uma mera “conjectura” ou hipótese abstracta e genérica de essa diligência referida à globalidade dos arguidos vir a contribuir para a clarificação de muitas matérias.
O Ministério Público não invocou, nem descortinamos, fundamento atendível que permita concluir pelo especial relevo ou essencialidade da diligência para a descoberta da verdade ou a boa decisão da causa.
Não existiria razão para o deferimento do requerimento e o recurso sempre teria de improceder. Quebra do sigilo profissional da testemunha APM..
5. O Ministério Público, inconformado com o despacho judicial proferido em 19-03-2018, durante a 69ª sessão da audiência de julgamento, interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“1.A Mma. Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 9/2/2018, ordenou a remessa dos autos à primeira instância a fim do Tribunal Colectivo dar cumprimento a quatro pontos, no entanto, o Tribunal Colectivo só deu cumprimento ao ponto 1., pois, na verdade, e de modo surpreendente face à posição que o próprio Tribunal havia tomado anteriormente, e conforme Acta de Conferência do dia 06/03/2018 constante dos autos do processo apenso, o Tribunal Colectivo veio a proferir deliberação a indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM..
2.No entanto, e contrariamente ao decidido anteriormente, o Tribunal Colectivo mais uma vez não se pronunciou sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa, antes abordou matéria sobre a questão da justificação da recusa que, a nosso ver, face ao disposto no art. 135.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, bem como ao determinado no Despacho de 9/2/2018, da Mma. Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, deveria ser apreciada pelo Tribunal Superior.
3.Daí que, neste particular, a decisão recorrida padeça da nulidade por violação das regras da competência do Tribunal prevista no art.° 119.°, al.e), do Código de Processo Penal.
4.Por outro lado, da Acta da Sessão de Julgamento de 15/11/2017, decorre que foi proferido despacho a determinar que se suscitasse incidente de levantamento do sigilo profissional por se afigurar relevante para a descoberta da verdade o depoimento da testemunha APM, despacho esse que foi como que reforçado pelos despachos de 27/11/2017 e 7/12/2017 do Mmo. Juiz Presidente que, ao indeferir requerimentos apresentados, respectivamente, pelos arguidos PLC e JA, sustentou «que é patente a importância do depoimento desta testemunha» uma vez que «teve intervenção directa nos factos descritos na acusação».
5.Ora, a deliberação do Tribunal Colectivo de 6/3/2018 não só se mostra em profunda contradição com o anteriormente decidido, como ao indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM o Tribunal Colectivo violou o caso julgado formal, na medida em que ao ter suscitado anteriormente o incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM ficou com o poder jurisdicional esgotado quanto a tal matéria.
6.Acresce que o Tribunal Colectivo ao ter dado somente cumprimento ao ponto 1 do determinado no Despacho de 9/2/2018, da Mma. Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa e, consequentemente, ao ter indeferido a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM, tomou uma decisão que configura uma verdadeira decisão surpresa.
7.O direito a um processo justo e equitativo encontra, pois, o seu ancoradouro constitucional no art.° 20.°, n.° 4 da C.R.P. e no art.° 6.° da C.E.D.H..
8-Uma das muitas vertentes da referida injunção constitucional, é o princípio da lealdade processual, ou seja, de que se deve esperar de todos os intervenientes processuais, mormente das magistraturas, uma conduta apoiada nos procedimentos que o processo civil ou processo penal lhe permite e como tal expectáveis, não realizando actos surpresa, contraditórios ou então inúteis
9.Assim, perante tal decisão-surpresa, o Ministério Público não teve a mínima possibilidade de se pronunciar sobre a hipótese de eventual indeferimento da concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM..
10.Aliás, jamais se colocou tal hipótese, tanto assim que o Ministério Público foi notificado para, em 10 dias, proceder à indicação das concretas matérias sobre as quais pretendia inquirir a testemunha APM, não obstante já anteriormente ter indicado tais matérias, tendo em conta o princípio da cooperação e com vista à inquirição da testemunha APM formulou cinquenta e nove perguntas concretas.
11.Assim, e não obstante a cooperação demonstrada, a formulação das perguntas não visou substituir a indicação das concretas matérias, antes visou potenciar um esquema probatório que permitisse ilustrar e aprofundar melhor essas concretas matérias, ou seja, o Ministério Público foi como que além do que lhe foi solicitado, no entanto, se cooperou, também esperou que, face até ao princípio da confiança e da lealdade, fosse reconhecido que procedeu à indicação das concretas matérias.
12.Porém, e sempre com o salvo e devido respeito, não foi isso que veio a acontecer, na medida em que o Tribunal Colectivo interpretou e entendeu as cinquenta e nove perguntas concretas como meras perguntas, olvidando, certamente, por mero lapso, que o conteúdo nuclear das mesmas se reportava, ao fim ou cabo, às matérias concretas.
13.Na verdade, caso o Ministério Público se tivesse limitado somente a proceder à indicação das concretas matérias, é evidente que o Tribunal Colectivo não teria dado o passo que deu, daí que tal facto constitui como que a prova provada que a deliberação do tribunal Colectivo de indeferimento da concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM configurou uma verdadeira decisão surpresa e claramente violadora do processo justo e equitativo.
14.Nestes termos, e como tal tipo de decisão é proibida pela C.R.P., pelos normativos convencionais e pela lei ordinária, é evidente que tal decisão é nula e insusceptível de produzir efeitos jurídicos.
15.O Tribunal Colectivo indeferiu a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM com o fundamento de que o depoimento da testemunha só será legalmente admissível relativamente às questões enunciadas sobre os pontos n.° 40-44, 47, 48 e 51-59, no entanto, não se afigura justificável a quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha, em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o Tribunal Colectivo formar a convicção sobre a factual idade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA».
16.Ora, muitas das outras questões, além das questões enunciadas sobre os pontos n.° 40-44, 47, 48 e 51-59, foram questões presenciadas directamente pela testemunha, daí que, e contrariamente ao sustentado pelo Tribunal Colectivo, o depoimento, nessa parte, também se mostra legalmente admissível.
17.No entanto, há que referir, mais uma vez, que a formulação das perguntas não visou substituir a indicação das concretas matérias, antes visou potenciar um esquema probatório que permitisse ilustrar e aprofundar melhor essas concretas matérias, ou seja, o Ministério Público foi como que além do que lhe foi solicitado, no entanto, o Tribunal Colectivo interpretou e entendeu as cinquenta e nove perguntas concretas como meras perguntas, olvidando, certamente, por mero lapso, que o conteúdo nuclear das mesmas se reportava, ao fim ou cabo, às matérias concretas.
18.Na verdade, caso o Ministério Público se tivesse limitado somente a proceder à indicação das concretas matérias, é evidente que o Tribunal Colectivo não teria dado o passo que deu.
19.No entanto, a fundamentação do Tribunal Colectivo, e sempre com o salvo e devido respeito, mostra-se inoportuna e intempestiva e ancora num juízo antecipado e ilegal sobre a prova produzida.
20.A ser assim, tal fundamentação e juízo antecipado não podem servir de justificação para se indeferir o incidente de quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha.
21.O Tribunal ao indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM incorreu na nulidade sanável prevista na alínea d) do n.° 2 do art. 120.° do Código de Processo Penal, uma vez que omitiu a realização de uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, na medida em que a prestação de depoimento da testemunha APM relativamente às mencionadas questões mostra-se imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, nulidade que foi objecto de arguição nos termos dos artigos 120.°, n°s 1 e 2, al. d), 340.°, ambos do Código de Processo Penal.
22.Foram violados os artigos 20.°, n.° 4 da C.R.P, 6.° da C.E.D.H., 119.°, al.e), 120.°, n.° 1 e 2, alínea d), 135.° e 340.° do Código de Processo Penal.
23.Termos em que se requer que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que defira a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM..
O recurso foi admitido com subida diferida por despacho de 15-05-2018 a fls. 38824.
Os arguidos PLC e JA formularam resposta, ambos pugnando pela improcedência do recurso do Ministério Público e manutenção do despacho recorrido.
No requerimento de interposição de recurso do acórdão do tribunal colectivo, o Ministério Público manifestou interesse no conhecimento deste recurso intercalar.
Com interesse para a decisão, o circunstancialismo processual relevante é o seguinte:
a) Na acta de sessão de julgamento de 15/11/2017, após deliberação do colectivo, veio a ser proferido despacho a determinar que se suscitasse incidente de levantamento do sigilo profissional por se afigurar relevante para a descoberta da verdade o depoimento da testemunha APM..
b) Por despachos datados de 27/11/2017 e 7/12/2017, proferidos pelo Mmo. Juiz Presidente, foram indeferidos requerimentos apresentados por alguns arguidos sobre o depoimento desta testemunha com fundamento de que a mesma “teve intervenção directa nos factos descritos na acusação”.
c) Instruídos os autos de quebra de sigilo profissional por apenso (3902/13.0JFLSB-AL), após os mesmos terem subido a esta Relação de Lisboa, foi proferido em 19/1/2018 um despacho que presumindo que foi julgada legítima a escusa invocada, ordenou a remessa dos autos à primeira instância a fim de serem instruídos em conformidade.
d) Instruídos os autos, foram de novo remetidos a esta Relação de Lisboa e por despacho de 9/2/2018, foi ordenada, novamente, a remessa dos autos à primeira instância a fim do tribunal colectivo dar cumprimento aos seguintes quatro pontos:
1.- Que se proceda à indicação das concretas matérias sobre as quais o Digno magistrado do Ministério Público pretende inquirir a testemunha.
2.- Que essa indicação das matérias concretas a que se pretende inquirir a testemunha seja acompanhada de um juízo sobre se existem meios alternativos à quebra do segredo profissional da testemunha em causa que permitam apurar a verdade das mesmas matérias.
3.- Que, após cumprimento dos pontos anteriores, se proceda à audição do Organismo Representativo dos Contabilistas Certificados, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 135.°, n.° 2 e 4 do Código de Processo Penal.
4.- Que, após a dita audição, seja proferida decisão expressa do Tribunal da 1.a instância sobre a legitimidade do pedido em causa, sendo que se a decisão se pronunciar pela ilegitimidade ordenará a prestação de depoimento ou se se pronunciar pela legitimidade ordenará a subida ao Tribunal Superior para a decisão sobre a questão da justificação da recusa.
e) Nesse seguimento, e por despacho do Mmo. Juiz Presidente de 19/2/2018 proferido nesses autos apensos, e com vista ao cumprimento do primeiro ponto determinado por este tribunal da Relação, o Ministério Público foi notificado para, em 10 dias, proceder “à indicação das concretas matérias sobre as quais o Digno Magistrado do Ministério Público pretende inquirir a testemunha APM, já que as mencionadas na acta de sessão de julgamento do dia 15 de Novembro de 2017 o foram a título exemplificativo”, e nesse seguimento, o Ministério Público, por requerimento que deu entrada em 2/3/2018 (Referência 29574), formulou cinquenta e nove perguntas concretas.
f) Nesse seguimento, e conforme acta de Conferência do dia 06/03/2018 constante desses autos do processo apenso, após discussão pelo tribunal colectivo, foi proferida deliberação a indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da mesma testemunha APM, com o fundamento de que o depoimento da testemunha só seria legalmente admissível relativamente às questões enunciadas sobre os pontos n.° 40-44, 47, 48 e 51-59, mas, no entanto, não se afigurava justificável a quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha, em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o tribunal colectivo formar a convicção sobre a factual idade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA», numa decisão com o seguinte teor:
a) Na acta de sessão de julgamento de 15/11/2017, após deliberação do colectivo, veio a ser proferido despacho a determinar que se suscitasse incidente de levantamento do sigilo profissional por se afigurar relevante para a descoberta da verdade o depoimento da testemunha APM..
b) Por despachos datados de 27/11/2017 e 7/12/2017, proferidos pelo Mmo. Juiz Presidente, foram indeferidos requerimentos apresentados por alguns arguidos sobre o depoimento desta testemunha com fundamento de que a mesma “teve intervenção directa nos factos descritos na acusação”.
c) Instruídos os autos de quebra de sigilo profissional por apenso (3902/13.0JFLSB-AL), após os mesmos terem subido a esta Relação de Lisboa, foi proferido em 19/1/2018 um despacho que presumindo que foi julgada legítima a escusa invocada, ordenou a remessa dos autos à primeira instância a fim de serem instruídos em conformidade.
d) Instruídos os autos, foram de novo remetidos a esta Relação de Lisboa e por despacho de 9/2/2018, foi ordenada, novamente, a remessa dos autos à primeira instância a fim do tribunal colectivo dar cumprimento aos seguintes quatro pontos:
1.- Que se proceda à indicação das concretas matérias sobre as quais o Digno magistrado do Ministério Público pretende inquirir a testemunha.
2.- Que essa indicação das matérias concretas a que se pretende inquirir a testemunha seja acompanhada de um juízo sobre se existem meios alternativos à quebra do segredo profissional da testemunha em causa que permitam apurar a verdade das mesmas matérias.
3.- Que, após cumprimento dos pontos anteriores, se proceda à audição do Organismo Representativo dos Contabilistas Certificados, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 135.°, n.° 2 e 4 do Código de Processo Penal.
4.- Que, após a dita audição, seja proferida decisão expressa do Tribunal da 1.a instância sobre a legitimidade do pedido em causa, sendo que se a decisão se pronunciar pela ilegitimidade ordenará a prestação de depoimento ou se se pronunciar pela legitimidade ordenará a subida ao Tribunal Superior para a decisão sobre a questão da justificação da recusa.
e) Nesse seguimento, e por despacho do Mmo. Juiz Presidente de 19/2/2018 proferido nesses autos apensos, e com vista ao cumprimento do primeiro ponto determinado por este tribunal da Relação, o Ministério Público foi notificado para, em 10 dias, proceder “à indicação das concretas matérias sobre as quais o Digno Magistrado do Ministério Público pretende inquirir a testemunha APM, já que as mencionadas na acta de sessão de julgamento do dia 15 de Novembro de 2017 o foram a título exemplificativo”, e nesse seguimento, o Ministério Público, por requerimento que deu entrada em 2/3/2018 (Referência 29574), formulou cinquenta e nove perguntas concretas.
f) Nesse seguimento, e conforme acta de Conferência do dia 06/03/2018 constante desses autos do processo apenso, após discussão pelo tribunal colectivo, foi proferida deliberação a indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da mesma testemunha APM, com o fundamento de que o depoimento da testemunha só seria legalmente admissível relativamente às questões enunciadas sobre os pontos n.° 40-44, 47, 48 e 51-59, mas, no entanto, não se afigurava justificável a quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha, em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o tribunal colectivo formar a convicção sobre a factual idade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA», numa decisão com o seguinte teor:
“Nos presentes autos a testemunha APM escusou-se a prestar depoimento invocando o sigilo profissional dos contabilísticas certificados. Após o Tribunal Coletivo ter suscitado incidente de quebra do sigilo profissional pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido despacho a ordenar a realização de procedimentos de instrução do processo e de averiguação da necessidade de ser suscitado o incidente. Em cumprimento do citado despacho do tribunal da Relação de Lisboa, veio o Ministério Público apresentar as questões concretas que pretende colocar à testemunha. Cabe, então, apreciar o conjunto das questões de facto em causa e averiguar da sua admissibilidade. O Ministério Público apresentou o seguinte conjunto de questões (...) As questões colocadas sob os números 1-3, 5, 7-8, 10-13, 14, 18-23, 25, 31-33 35-37, constituem questões de facto sujeitas a prova documental, a qual consta do processo. As questões colocadas sob os números 4 e 6 apelam à emissão de uma opinião da testemunha, a qual não pode ser valorada. A questão colocada sob o número 9 é irrelevante, pois a resposta em nada contribuiu para o apuramento dos factos objeto do processo Assim sendo, saber se a testemunha prestou algum contributo no encerramento da sociedade "PARS" e se o fez a pedido do arguido PLC é irrelevante para a imputação objetiva ou subjetiva dos crimes de prevaricação ou de tráfico de influência aos arguidos em relação aos núcleos factuais "F-2. ILS Vistos Líbios" e "F-3. ILS-IVA". As questões colocadas sob os números 15-17 apelam a respostas inócuas sob o ponto de vista do objeto processual em causa. Nos núcleos factuais referidos nada consta sobre a existência de empréstimos pessoais do arguido PLC ao arguido JA. Na acusação-pronúncia constam discriminadamente os montantes que aquele arguido remeteu a este - transferências que, aliás, se encontram discriminadas nas contas bancárias analisadas e constantes do processo - e, nesse elenco, não constam empréstimos pessoais. Irrelevante e fora do objeto processual constitui a averiguação sobre se estes empréstimos se destinavam a cobrir despesas do contrato celebrado entre a "ILS,Ldª" e a "JAG,Ldª" com referência ao negócio daquela com o Ministério da Saúde Líbio. Esta questão em nada contribui para aferir da prática do crime de prevaricação ou do crime de tráfico de influência em causa nestes núcleos factuais. A questão enunciada sob o número 24 apela ao conhecimento indireto da testemunha. Com efeito, se a 'Next Open Market” manteve algum envolvimento no negócio da "ILS,Ldª" com o Ministério da Saúde Líbio é uma questão de facto sujeita a prova documental. E, se assim é, a testemunha só poderá responder a essa questão de facto se o conhecimento lhe tiver sido transmitido por um terceiro. Pois do teor da pergunta não resulta que tenha sido a testemunha a contactar a 'Next Open Market. As questões enunciadas sob os números 26 a 28 estão fora do âmbito do objeto processual. Com efeito, na acusação-pronúncia nada consta sobre pagamentos de comissões ao Vice-Ministro da Líbia, de um voo charter Nice-Cascais ou se o pagamento das facturas da "ILS,Ldª" dependiam de autorização do arguido PLC. As questões colocadas sob os números 29 e 30, por si só, são irrelevantes. Com efeito, saber se a testemunha participou na elaboração do contrato entre a "ILS,Ldª" e o Ministério da Saúde Líbio ou se a testemunha fez a revisão do contrato na componente fiscal constituem factos irrelevantes para aferir se foram praticados os crimes imputados aos arguidos. As questões colocadas sob os números 34 e 35 tal como estão colocadas apelam ao conhecimento indireto da testemunha. Não tendo sido a testemunha a contactar a "JAG,Ldª" ou a elaborar o contrato - pois, não é isso que é perguntado - a testemunha só poderá ter conhecimentos destas questões por intermédio de outras pessoas. A questão colocada sob o número 38 apeia a uma opinião da testemunha. A prova de que o contrato celebrado entre a "ILS,Ldª" e a "JAG,Ldª" se destinava a dar cobertura formal ao pagamento de comissões só poderá emergir da análise conjugada dos meios de prova documental - neste caso, a conclusão da testemunha sobre esta questão é irrelevante por não poder ser valorada - ou, diretamente pela pessoa que paga as comissões ou pela pessoa que manda pagar. Ora, na tese do Ministério Público não é imputada à testemunha a realização destes actos. As questões colocadas sob os números 40-44, 47, 51-59, apelam ao conhecimento direto da testemunha. No entanto, tendo em conta todos os meios de prova produzidos sobre a materialidade de facto em causa o Tribuna! Coletivo está suficientemente habilitado para proceder à fixação dos factos. Deste modo, o depoimento da testemunha não é imprescindível para o apuramento da verdade material. As questões colocadas sob os números 45 e 46 apeiam ao conhecimento indireto da testemunha. Esta só poderá ter conhecimento das questões relacionadas com a marcação de reunião com o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com a convocação do arguido PLC para uma reunião pelo Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais através de um terceiro. Aquilo que é questionado não é se foi a testemunha a marcar a reunião ou se foi a testemunha a receber a convocação para reunião. Se estas fossem as questões então apelar-se-ia ao conhecimento direto da testemunha. Mas, do teor das questões não e este o alcance que se pretende obter com a resposta da testemunha. A questão colocada sob o número 48 apela ao conhecimento direto da testemunha. No entanto, face à prova já produzida o Tribunal Coletivo dispõe de meios de prova suficientes para dar uma resposta a esta questão. Além do mais, em julgamento prestou depoimento o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referido na questão. Não se tornando, assim, justificável que se quebre o sigilo profissional para se obter uma resposta a uma questão de facto sobre a qual existe bastante prova produzida. A questão colocada sob o número 49 apela manifestamente ao conhecimento indireto da testemunha. Pretender saber se foi dito a uma testemunha que ocorreu uma reunião e manifestamente apelar ao conhecimento indireto. Para poder ser valorada uma resposta a esta questão a razão de ciência de uma testemunha não pode cingir-se àquilo que ouviu dizer. Dispõe o artigo 135.° do Código de Processo Penal que: 1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se após estas, concluir pela ilegitimidade a escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação de depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos.' Conforme acima se explicitou, o depoimento da testemunha só será legalmente admissível relativamente às questões enunciadas sobre os pontos n.° 40-44, 47, 48 e 51-59. No entanto, não se afigura justificável a quebra do sigilo profissional invocado pela testemunha, em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o tribunal Coletivo formar a convicção sobre a factualidade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais 'F-2.ILS-Vistos Líbios' e F.3.ILS-IVA . Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Coletivo delibera indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM. Notifique"
g) Na sequência o Ministério Público, apresentou um requerimento em que procedeu à arguição de diversas nulidades, nomeadamente da nulidade insanável de violação das regras de competência do Tribunal prevista no Art.º 119.º, al. e), do Código de Processo Penal, da nulidade por violação do caso julgado formal e da nulidade sanável prevista na alínea d) do n.° 2 do Art.º 120.º do Código de Processo Penal, com a alegação de que o tribunal colectivo omitiu a realização de uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, na medida em que a prestação de depoimento da testemunha indicada, APM, relativamente às mencionadas questões se mostrava imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, nulidade que foi objecto de arguição nos termos dos Art.ºs 120.º, n.ºs 1 e 2, al. d), e 340.°, ambos do Código de Processo Penal.
h) Em 19/3/2018, em sessão de julgamento, veio a ser proferido um despacho com o seguinte teor:
"O Ministério Público apresentou dois requerimentos em que suscitou nulidades sobre a deliberação referente ao incidente da quebra de sigilo profissional da testemunha APM e sobre o despacho que indeferiu a reprodução em audiência das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito e de instrução.
Tendo em conta que tal como se encontram configuradas estas questões são questões referentes à discordância do decidido e não questões referentes a vícios das decisões.
Em relação ao primeiro requerimento o Tribunal Colectivo não se pronunciou quanto a admissibilidade do incidente mas quanto à pertinência e à relevância do depoimento da testemunha. Pelo que não se trata de uma questão de um vício processual mas sim uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso.
Quanto ao segundo requerimento é também uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso.
Tanto mais que quanto a uma e outra questão se encontra esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal Colectivo.
Nestes termos, indefiro o requerido".
É deste último despacho de 19/3/2018, na parte que verteu sobre a arguição das nulidades da anterior decisão do tribunal colectivo e que indefere o incidente de quebra do sigilo profissional, que o Ministério Público recorre.
Cumpre apreciar e decidir, sobre este outro recurso interlocutório.
Ora, tal como se afirmou na fundamentação que aprecia o demais recurso interlocutório sobre a outra vertente do despacho de indeferimento recorrido, o Ministério Público veio reafirmar a pretensão de ouvir a testemunha APM que invocou o resguardo do sigilo profissional, justamente com a quebra desse sigilo profissional, sendo que vendo esse pedido ser indeferido, não apresentou recurso deste despacho, tendo optado por arguir a verificação de nulidade insanável por omissão de diligências susceptíveis de se consideraram essenciais para a descoberta da verdade e só depois e recorre do despacho subsequente de indeferimento da arguição de nulidade.
Sabe-se que o meio processualmente adequado para reagir contra o despacho que indefere diligência de prova requerida ao abrigo do Art.º 340.º do Código de Processo Penal é o recurso da decisão de indeferimento e não a arguição da nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, prevista no Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal, desde logo porque de acordo com postulado antigo que, no essencial, se mantem válido, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Trata-se de uma posição e citações anteriormente realizadas a propósito de anterior recurso interlocutório e que aqui também são assumidas (cfr. Alberto dos Reis, Comentário Ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra: Coimbra Editora, 1945, p. 507), sem prejuízo da recorribilidade, nos termos gerais, das decisões judiciais que versem sobre a nulidade arguida.
Na verdade, repete-se, constituindo o recurso o meio normal de impugnação das decisões judiciais, através do qual se pretende obter decisão sobre a legalidade de decisão judicial por um órgão judicial diferente do que proferiu a decisão que, em regra, lhe é hierarquicamente superior, mantém-se atual a afirmação de Alberto dos Reis de que “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente” - cfr ob. cit. p. 507 (assim, nos acórdãos também acima mencionados, da RE de 07-11-2017, proc.275/12.2GCMMN.E1; da RC de 07-10-2015, proc. 174/13.0GAVZL.C1, e de 13-11-2019, proc. 253/17.5JALRA.C1; e, ainda, desta RL, proc. 906/17.8PTLSB-L1-5).
A opção do Ministério Público em invocar a nulidade sanável e interpor recurso sobre o despacho que sobre ela incidiu tem, na verdade, consequências processuais indeléveis.
Como é por demais sabido, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional. A regra encontra-se prevista para a sentença (cfr. Art.º 613.º do Código do Processo Civil), mas o princípio que dela se extrai é aplicável aos despachos. Por outro lado, transitada a decisão, e o trânsito ocorre quando não seja já susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (Art.º 628.º do Código de Processo Civil), forma-se caso julgado.
Ora, se o Ministério Público/recorrente como o próprio diz, pretende com o seu recurso "que seja revogada e substituída por outra que defira a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM" só pode então pretender com o seu recurso que seja revogada (e substituída por outra) a decisão imediatamente atrás transcrita e tomada pelo tribunal a quo em 06.03.2018. Se tal decisão foi notificada ao recorrente nessa mesma data de 06.03.2018 (cfr. fls. 88 do Apenso AL) o prazo que o recorrente gozava para recorrer dessa decisão, de 30 (trinta) dias, contava-se a partir da notificação da decisão. Ou seja, o mesmo recorrente, pretendendo que fosse revogada a decisão acima transcrita e que será aquela que indeferiu a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha (e substituída por outra em sentido oposto), deveria ter recorrido da mesma até ao dia 16.04.2018. Não o tendo feito (nem nesse prazo, nem dentro dos 3 dias posteriores, ou seja, até 19.04.2018) a decisão proferida em 06.03.2018 (acima transcrita) transitou em julgado.
Assim, se Ministério Público/recorrente confrontado com o despacho que (como diz o próprio recorrente) indeferiu a concessão do incidente, do mesmo não recorre, limitando-se a arguir a referida nulidade e simultaneamente, deixando ocorrer deste modo, o trânsito em julgado, está este tribunal ad quem impedido de sindicar a decisão proferida em 06.03.2018
Essa decisão de 15-03-2018 não pode agora ser alterada e o recurso improcede por se verificar a excepção de caso julgado.
Mas se a apreciação se viesse a debruçar sobre as questões formais ou processuais suscitadas pelo Ministério Público no seu recurso, também as mesmas deveriam ser consideradas improcedentes. Isto porque o mesmo recurso assenta numa incorrecta abordagem da própria estrutura do mecanismo de quebra do sigilo profissional, tal como ele se encontra consagrado na nossa lei processual penal, e numa incorrecta leitura do teor e do alcance da decisão pretendida impugnar.
Como se sabe, o incidente de quebra de sigilo profissional está dividido em duas fases: a questão da legitimidade da escusa é tratada no n.º 2 do Art.º 135.º; a questão da justificação da escusa é tratada no n.º 3 do Art.º 135.º. A resolução destas questões foi intencionalmente separada pelo legislador, conferindo competência para decidir a questão da legitimidade da escusa ao tribunal de primeira instância e competência para decidir a questão da justificação da escusa apenas ao tribunal superior – sobre a definição desta matéria incidental, consulte-se Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição actualizada, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2008, pp. 361-363 e 366-368.
Esta separação funcional foi considerada, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, como essencial para afirmar a constitucionalidade do sistema legal. A jurisprudência constitucional foi reiterada no acórdão do mesmo Tribunal n.º 589/2005, que afirmou claramente que o tribunal superior conhece em primeira instância da questão da justificação da escusa. Portanto, contraria a letra da lei e a própria CRP a interpretação nos termos da qual se reconhece ao tribunal de primeira instância o poder de apreciar a “legitimidade substantiva” (isto é, a justificação) da escusa (acórdão da RL, de 5.11.1997, in CJ, XXII, 5, 133, e, de novo, acórdão da RL, de 24.9.2003, in CJ, XXVIII, 4, 130, mas contra, com inteira razão, acórdão da RL, de 6.2.2007, in CJ, XXXII, 1, 136), como também contraria a letra da lei e a própria CRPortuguesa o poder do juiz determinar a realização imediata de uma busca nas instalações do titular do dever de segredo para obtenção da informação pretendida em face da invocação do segredo por este (acórdão do TRP, de 5.6.2006, in CJ, XXXI, 3, 224, e acórdão da RL, de 28.3.2007, in CJ, XXXII, 2, 128, reiterando já jurisprudência do acórdão da RE, de 28.3.1995, in CJ, XX, 2, 277).
Neste caso, de facto não existiu qualquer procedimento ou pronúncia (do tribunal de julgamento) sobre a legitimidade da recusa, considerando-se que a mesma era ou não legítima. Mas também se pode dizer que a questão da justificação da recusa não foi abordada. Na verdade, o que se passou foi antes uma reconsideração do tribunal colectivo, colocando-se ainda (de novo) numa fase antecedente (ou preliminar) deste incidente, sobre a pertinência ou a necessidade de audição daquela testemunha e, portanto, de continuar a impulsionar a quebra de sigilo.
No recurso interposto, sustenta o Ministério Público que “o Tribunal Colectivo mais uma vez não se pronunciou sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa, antes abordou matéria sobre a questão da justificação da recusa que, a nosso ver, face ao disposto no art.º 135.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, bem como ao determinado no Despacho de 9/2/2018, da Mma. Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, deveria ser apreciada pelo Tribunal Superior. Assim sendo, neste particular, verifica-se a nulidade insanável de violação das regras de competência do Tribunal prevista no art.° 119.°, al. e), do Código de Processo Penal".
Mas, como vimos, assim não aconteceu.
Como se salienta no despacho recorrido, “o Tribunal Colectivo não se pronunciou quanto a admissibilidade do incidente mas quanto à pertinência e à relevância do depoimento da testemunha”, razão pela qual o tribunal a quo defendeu que “não se trata de uma questão de um vício processual mas sim uma questão que deverá ser decidida em sede de recurso” (recurso esse - da decisão de 6.03.2018 - que o Ministério Público não interpôs).
Efetivamente, o tribunal a quo não deliberou sobre a questão da justificação da recusa - essa sim decisão da competência do Tribunal Superior – mas de um modo sobre a desnecessidade de audição da testemunha em causa, “em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o Tribunal Colectivo formar a convicção sobre a factualidade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA».”.
Pode-se considerar esse posicionamento de incongruente, isto depois de o mesmo tribunal ter assumido uma posição contrária em momento antecedente, ao considerar tal depoimento como imprescindível. Certo é que essa decisão transitou em julgado por falta de oportuna impugnação por via do recurso. Pelo que nunca se verificaria a aludida “nulidade por violação das regras da competência do Tribunal prevista no art.° 119.°, al.e), do Código de Processo Penal”.
Quanto à aventada “nulidade por violação do caso julgado formal".
Alega o Ministério Público, na motivação do recurso interposto, que “a deliberação do Tribunal Colectivo de 6/3/20182 não só se mostra em profunda contradição com o anteriormente decidido, como ao indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM o Tribunal Colectivo violou o caso julgado formal, na medida em que ao ter suscitado anteriormente o incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM ficou com o poder jurisdicional esgotado quanto a tal matéria’".
Na verdade, nada pode fazer concluir que determinado entendimento sobre a pertinência da realização de determinado meio de prova não possa depois ser reapreciado face à evolução da própria produção de prova ou porque eventualmente se se suscitam obstáculos materiais ou legais que no balanceamento de custos e benefícios fazem reponderar essa opção. Sem que com isso possa estar em causa a violação de qualquer caso julgado formal, mesmo que se entenda que esse juízo de necessidade ou desnecessidade seja naturalmente escrutinável pela via recursiva.
Depois, mesmo considerando que os pressupostos materiais do caso julgado formal pudessem funcionar neste domínio do juízo de pertinência da realização da prova (v.g. nos termos do Art.º 340.º do Código de Processo Penal), a verdade é que para que se verificasse a alegada violação de caso julgado formal, era necessário que as decisões proferidas pelo tribunal a quo em 15.11.2017 e em 6.03.2018 tivessem o mesmo exato objeto, o que não sucede.
Em 15.11.2017, o tribunal a quo decidiu que fosse suscitado, perante o tribunal superior, o incidente de levantamento de sigilo profissional. Foi na sequência dessa decisão que esta Relação, por despacho de 9.02.2018, “ordenou, novamente, a remessa dos autos à primeira instância a fim do tribunal colectivo dar cumprimento aos seguintes quatro pontos:
“1. - Que se proceda à indicação das concretas matérias sobre as quais o Ministério Público pretende inquirir a testemunha.
2. - Que essa indicação das matérias concretas a que se pretende inquirir a testemunha seja acompanhada de um _juízo sobre se existem meios alternativos à quebra do segredo profissional da testemunha em causa que permitam apurar a verdade das mesmas matérias.
3. - Que, após cumprimento dos pontos anteriores, se proceda à audição do Organismo Representativo dos Contabilistas Certificados, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 135.°, n.° 2 e 4 do Código de Processo Penal.
4. - Que, após a dita audição, seja proferida decisão expressa do Tribunal da 1.ª instância sobre a legitimidade do pedido em causa, sendo que se a decisão se pronunciar pela ilegitimidade ordenará a prestação de depoimento ou se se pronunciar pela legitimidade ordenará a subida ao Tribunal Superior para a decisão sobre a questão da justificação da recusa”.
Foi na sequência desse despacho, com o poder jurisdicional que lhe foi (re)atribuído pelo próprio tribunal superior aquando da determinação da baixa do incidente à primeira instância, que o tribunal a quo deliberou sobre a desnecessidade de audição da testemunha em causa, “em virtude do depoimento não se mostrar imprescindível para a descoberta da verdade material por terem sido produzidos meios de prova suficientes para o tribunal colectivo formar a convicção sobre a factualidade elencada pela acusação-pronúncia nos núcleos factuais «F-2. ILS - Vistos Líbios» e «F-3. ILS-IVA».".
O Ministério Público poderia ter impugnado essa decisão do tribunal coletivo sobre a desnecessidade de audição da testemunha APM, mas efectivamente não o fez. Deixando essa decisão do tribunal - ela sim - transitar em julgado.
Assim, não se pode concluir pela invocada “nulidade por violação do caso julgado formal".
Quanto à alegada “nulidade sanável prevista na alínea d) do n.° 2 do art. 120.° do Código de Processo Penal".
Invoca também o Ministério Público que “O Tribunal ao indeferir a concessão do incidente de quebra do sigilo profissional da testemunha APM incorreu na nulidade sanável prevista na alínea d) do n.° 2 do art. 120.° do Código de Processo Penal, uma vez que omitiu a realização de uma diligência susceptível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, na medida em que a prestação de depoimento da testemunha APM relativamente às mencionadas questões mostra-se imprescindível para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa”.
Ao invocar a nulidade prevista no Art.º 120.º, n.º 2, alínea d), do CPPenal, o que o recorrente parece pretender invocar é que o despacho proferido em 06.03.2018 ao adoptar o sentido decisório que adopta, simultaneamente, configura uma omissão de uma diligência suscetível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade.
Não cremos que assim seja, até porque a diligência que resultaria omitida naquela configuração com que o recorrente fundamenta a invocação da nulidade em apreço, seria a decisão sobre a legitimidade da escusa ou não legitimidade, e como alega até o próprio recorrente a diligência que poderia ser tida como essencial para a descoberta da verdade era sim a prestação do depoimento da testemunha APM - que não configura nem resulta da decisão que considerar a escusa legitima.
O problema colocado pelo recorrente é assim meramente eventual e hipotético e neste momento totalmente intempestivo, pois como também refere e bem o tribunal a quo, a questão que o recorrente aqui pretende trazer reporta-se a matéria, eventualmente, a colocar ao tribunal ad quem apenas em sede de recurso sobre o acórdão final e não no âmbito deste recurso interlocutório.
A diligência de prova cujo indeferimento conduz a nulidade processual não será a que se possa entender apenas como “útil” ou “proveitosa”, mas aquela que seja susceptível de vir a ser considerada como absolutamente indispensável e essencial para a descoberta da verdade e a decisão final (assim, Henriques Gaspar, em Código de Processo Penal Comentado, 2014, Coimbra: Almedina, p. 401).
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, "trata-se de uma nulidade devida pela omissão de actos processuais na fase de julgamento e de recurso. Esse é o sentido do adjectivo 'posterior'. A Lei n.° 48/2007 de 29.08 equipara substancialmente a prova 'essencial', 'indispensável', 'absolutamente indispensável' e 'estritamente indispensável' e diferencia-a da prova 'necessária' e da prova conveniente' para a descoberta da verdade (...). Portanto, verifica-se esta nulidade [só] quando se omite a prática de actos processuais probatórios que a lei classifica como prova essencial', 'indispensável', 'absolutamente indispensável' e 'estritamente indispensável' na fase de julgamento (...)" assim, em Comentário do Código de Processo Penal, ob. cit., pp. 307.
Finalmente, o recorrente Ministério Público sustenta que a decisão proferida em 6.03.2018 representa uma violação do processo justo e equitativo.
Não se justifica aqui a alegação genérica da violação do processo justo e equitativo, como princípio constitucional e do processo penal. A crítica é tanto mais evanescente quanto condensando o Art.º 32.º da Constituição os princípios materiais do processo criminal, a mesma recorrente não identifica, como lhe é legalmente imposto, a norma violada; não vale a remissão genérica para este preceito do Art.º 32.º ou para a invocação do processo justo e equitativo, exigindo-se que o recorrente identifique o segmento da norma alegadamente violada, o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal interpretou a norma e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou aplicada, nos termos do disposto no Art.º 412.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPPenal.
Por último, há que considerar que a decisão recorrida à luz dos Art.ºs 20.º, n.º 4, da CRPortuguesa, 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e 119.º, alínea e), 120.º n.°s 1 e 2, al. d), 135.° e 340.º, todos estes do CPPenal, é correcta e encontra-se devidamente fundamentada não merecendo qualquer censura.
Pelo que se julga improcedente, na sua totalidade, este recurso interlocutório apresentado pelo Ministério Público.
Da admissão e junção aos autos de exposições escritas
6. O Ministério Público, inconformado com o despacho judicial proferido em 15-05-2018, inserto a fls. 38825, interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O despacho judicial recorrido, sem qualquer necessidade, veio criar, a nosso ver, um autêntico imbróglio jurídico-processual que tem que ser desfeito.
2. O mencionado imbróglio jurídico-processual só aconteceu na medida em que se potenciou a substituição de uma solução legal por uma solução ilegal.
3. O despacho judicial recorrido potenciou, de certa forma, a substituição das alegações orais em modo mais alargado pela possibilidade de, em momento processual impróprio, ou seja, após ter sido declarada encerrada a discussão da causa, serem apresentadas alegações escritas complementares às alegações orais anteriormente apresentadas em momento processual próprio
4. Da fundamentação do despacho judicial recorrido constata-se que a razão fundamental que esteve por detrás da mencionada substituição e da possibilidade admitida e conferida de serem apresentadas alegações escritas complementares em momento processual impróprio foram as limitações de tempo destinadas à fase das alegações orais.
5. Tendo o processo sido formalmente declarado de especial complexidade, o alargamento do prazo de duração das alegações orais é automático.
6. Assim, tendo em conta a complexidade dos presentes autos e que o n.° 2 do art.º 360.° do Código de Processo Penal inculca a ideia que as alegações orais se destinam, sobretudo, à exposição das conclusões de facto e de direito que os operadores judiciários (no caso, o Ministério Público, o Advogado do Assistente e os Defensores) hajam extraído da prova produzida, tudo aconselhava que o tribunal não tivesse, previa e rigidamente, limitado as alegações orais ao prazo de duração normal (uma hora), sendo que, e não obstante isso, quer o Ministério Público, quer alguns Defensores, acabaram por ter ultrapassado em alguns minutos esse limite temporal, no entanto, não lhes foi concedido o tempo necessário e suficiente para apresentarem todas as conclusões de facto e de direito que extraíram da prova.
7. No entanto, o que não se pode admitir é que se tente corrigir um erro com outro erro de maior dimensão e assente em regras avulsas e surpreendentes, não editadas pelo legislador mas criadas ilegitimamente pelo julgador e, por isso mesmo, não consentidas pelas regras da hermenêutica jurídica e das regras disciplinadoras do processo penal.
8. Na verdade, o despacho judicial recorrido veio introduzir em momento processual impróprio uma solução ilegal.
9. Com efeito, a junção aos autos da exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelo arguido AF foi ordenada pelo despacho recorrido em data posterior ao encerramento do julgamento e depois dos arguidos terem prestado as suas últimas declarações e logo após ter sido declarada encerrada a discussão da causa nos termos do disposto no art. 361.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
10. Aliás, o Ministério Público apenas foi notificado no dia 17/5/2018 da ordenada junção aos autos da mencionada exposição escrita, sendo certo que em momento anterior ao encerramento do julgamento jamais o Ministério Público em termos formais, fosse oralmente fosse por escrito, manifestou concordância com a prática de tal anomalia processual.
11. Assim, a prolação do despacho recorrido, bem como a notificação desse despacho ao Ministério Público, só ocorrem e se consolidam num momento processual em que já tinha sido declarada encerrada a discussão da causa.
12. Por outro lado, a exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelo arguido AF não se integra nas «Exposições, memoriais e requerimentos» a que se refere o artigo 98.° do Código de Processo Penal, uma vez que se insere na defesa técnica, pois configura, claramente, uma peça jurídica, sendo que não foi elaborada e nem sequer assinada pelo arguido e não diz respeito à sua situação pessoal ou salvaguarda dos seus direitos fundamentais e, além disso, decorre da própria fundamentação do despacho recorrido que tal exposição é considerada como alegações escritas.
13. A exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentado pelo arguido AF consubstancia umas segundas alegações, desta feita não orais mas por escrito, figura que o Código de Processo Penal manifestamente não contempla.
14. O Legislador nas várias revisões que tem feito ao Código de Processo Penal, e repare-se que o mencionado código, já vai na 36ª versão, sendo a mais recente operada pela Lei n.° 1/2018, de 29-1, jamais adoptou a solução processual acolhida no despacho recorrido até porque nem na doutrina mais autorizada alguma vez se discutiu tal solução.
15. Aliás, e no que concerne a soluções processuais relacionadas com alegações orais, as únicas permitidas e expressamente previstas no Código de Processo Penal, há que referir que a revisão operada pela Lei n.° 20/2013, de 21-2, veio dar nova redacção ao art. 364.°, n.° 2, do Código de Processo Penal de modo a que, e a par de outras situações, as alegações orais também sejam objecto de registo áudio ou audiovisual com vista, eventualmente, a serem ouvidas pelo Tribunal.
16. O Código de Processo Penal não prevê nem permite a apresentação de alegações escritas complementares às alegações orais prestadas anteriormente e para mais após ser declarada encerrada a discussão da causa, daí que as soluções processuais não podem depender do livre arbítrio do julgador nem que este incorra em excesso de garantismo injustificado, sendo certo, e contrariamente ao que se sustenta preventivamente na fundamentação do despacho recorrido, que o Legislador, ao longo das mencionadas revisões tem respeitado e adequado devidamente os comandos constitucionais, nomeadamente as garantias de defesa dos arguidos.
17. A ser assim, a exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelo arguido AF não pode ser admitida no presente momento processual, pois trata-se, claramente, de um caso de inadmissibilidade jurídico-processual que caso não seja respeitado é fulminado por inexistência jurídica, pois não se pode admitir nos autos como peça jurídica uma peça não permitida por lei.
18. Nesta conformidade, o despacho recorrido que ordenou a junção aos autos da exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentado pelo arguido AF, mostra-se ferido de inexistência jurídica, uma vez que não podia ter admitido a mencionada exposição.
19. Por outro lado, e ainda que por mera hipótese de raciocínio fosse possível admitir no presente momento processual a mencionada exposição escrita, sempre deveria ter sido assegurado o direito de audição ao Ministério Público enquanto sujeito processual e atento o preceituado nos arts. 32.°, n.° 5, da CRP, 165.°, n.° 2 e 327.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
20. No entanto, o Mmo. Juiz subscritor do despacho recorrido prescindiu da audição do Ministério Público, olvidando, no entanto, que a declaração do direito do caso penal concreto não é apenas tarefa do tribunal mas tarefa de todos (também do Ministério Público), de acordo com a posição e funções processuais que cada um assuma.
21. Daí que a junção autos da mencionada exposição ao ser ordenada sem que ao Ministério Público fosse dada qualquer oportunidade de se pronunciar sobre o conteúdo da mencionada exposição violou os arts. 32.°, n.° 5, da CRP, 165.°, n.° 2 e 327.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
22. Relativamente à ordenada notificação de todos os intervenientes processuais para, querendo, usarem da mesma faculdade constante noutro segmento do despacho recorrido, há que referir que tal ordenação foi dada também em data posterior ao encerramento do julgamento e depois dos arguidos terem prestado as suas últimas declarações e de ter sido declarada encerrada a discussão da causa nos termos do disposto no art. 361.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
23. Assim, tal notificação-convite consubstancia uma janela de oportunidade processual para serem apresentada segundas alegações, desta feita não orais mas por escrito, figura que o Código de Processo Penal não contempla, não obstante as revisões de que tem sido alvo, e por isso mesmo, não podem ser admitidas no presente momento processual, pois trata-se, claramente, de um caso de inexistência jurídica, daí que não se pode admitir nos autos como peça jurídica uma peça não permitida por lei.
24. Ora, e não prevendo o nosso sistema processo penal, nomeadamente o Código de Processo Penal a feitura de «segundas» alegações complementares, e muito menos escritas, em acto posterior às alegações orais, o despacho recorrido na parte em que ordena a notificação de todos os intervenientes processuais para, querendo, usarem da mesma faculdade configura, claramente, um acto ilegal (contrário ao disposto nos artigos 360.° e 361.° do CPP).
25. Nesta conformidade, a ordenada notificação de todos os intervenientes processuais para, querendo, usarem da mesma faculdade, uma vez que consubstancia um caso de inexistência jurídica, não podia ter sido ordenada no despacho judicial recorrido.
26. O despacho judicial recorrido violou os arts. 32.°, n.° 5, da CRP, 165.°, n.° 2, 327.°, n.° 2 e 361.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, na medida em que interpretou e aplicou tais normas em sentido contrário ao que as devia ter interpretado e aplicado, ou seja, devia ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de que não devia ter admitido a junção aos autos da mencionada exposição numa altura em que já tinha sido declarada encerrada a discussão da causa e, por isso e pelas mesmas razões, não devia ter ordenado a notificação de todos os intervenientes processuais para, querendo, usarem da mesma faculdade, sendo que, além disso, devia ter assegurado o direito de audição do Ministério Público.
27. Nestes termos, o despacho judicial recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não admita a junção aos autos da exposição escrita que corresponde a um maior desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelo arguido AF e que dê sem efeito a ordenada notificação de todos os intervenientes processuais para, querendo, usarem da mesma faculdade.
O recurso foi admitido com subida diferida por despacho de 28-06-2018 a fls. 39136.
Os arguidos AF, PLC e "ILS,Ldª formularam resposta, pugnando pela improcedência do recurso do Ministério Público e manutenção do despacho recorrido.
No requerimento de interposição de recurso do acórdão do tribunal colectivo, o Ministério Público manifestou interesse no conhecimento deste recurso intercalar.
Com interesse para a decisão, o circunstancialismo processual relevante é o seguinte:
a) No decurso da audiência de julgamento no tribunal a quo, aquando da calendarização das sessões destinadas às alegações finais, o defensor do arguido AF anunciou que iria entregar uma exposição, de forma a dar utilidade às alegações que viesse a produzir, com fundamento na extensão da matéria cuja prova se produziu ao longo de mais de um ano de julgamento.
b) Posteriormente, o mesmo advogado, ao iniciar as suas alegações orais, referiu, para além do mais, o seguinte:
“Queria começar por explicar o teor das alegações. Em primeiro lugar, vou seguramente respeitar o prazo máximo. Tentarei até não o atingir. Mas vou seguramente respeitar o prazo máximo. E porquê? Porque tal como já anunciei e porque acho que é única maneira plausível de dar algum interesse, algum conteúdo útil ao trabalho dos advogados nesta fase, nós iremos até ao final do julgamento, até ao final do mês, entregar um documento que seria, isso sim, as nossas alegações feitas com todo o detalhe: a menção às horas, a menção às sessões, a menção ao que disse cada uma das testemunhas, a menção aos documentos o sítio onde estão, onde não estão etc. E, portanto, eu vou trabalhar de uma forma rápida aproveitando o facto de todos nós aqui conhecermos aquilo de que eu irei falar, portanto sem estar a identificar sessões sem estar a identificar páginas, exceto quando isso for estritamente necessário. Gostaria de fazer uma coisa com algum ritmo para ter também alguma utilidade e deixar uma maior exigência jurídica nomeadamente no que diz respeito a cada um dos crimes pelos quais o Dr. AF é acusado para esse tal documento, senão nunca mais daqui sairíamos com teorias, com doutrinas, com citações de mestres de professores, disto, daquilo e daqueloutro. É assim que entendo o sentido útil a dar a esta fase. A lei o que diz é que devem ser extraídas as conclusões de facto e de direito que hajam sido extraídas da prova produzida (…)”.
c) Em 15-05-2018 foi proferido o seguinte despacho judicial (transcrição):
Requerimento de fls. 38699:
Fiquem nos autos a exposição escrita de fls. 38699 verso a 38800, a que correspondem ao desenvolvimento das alegações orais apresentadas pelo Senhor Doutor RA em representação do arguido AF..
Consigna-se que, embora a lei processual penal não contemple a possibilidade de apresentação de alegações escritas, tendo em consideração a complexidade e a extensão da matéria de facto em causa neste processo, assim como as limitações de tempo destinadas à fase das alegações orais, tendo em vista o princípio da adequação formal e das garantias de defesa constitucionalmente consignadas aos arguidos, não admitir tal exposição constituiria uma flagrante violação deste princípio e das garantias de defesa constitucionais, na medida em que se coarcta a possibilidade de serem explorados pelo Ministério Público e pelas defesas todos os meandros do objecto processual.
Notifique a todos os intervenientes processuais, para, querendo, usarem da mesma faculdade.
E, apreciando, há que dizer que no rigor da procedimentalização da tramitação processual, segundo disciplina o Código de Processo Penal, na fase da audiência de julgamento, e mais precisamente no invocado nos Art.ºs 360.º e 361.º, ambos do CPPenal, a apresentação de um documento ou requerimento escrito, com o conteúdo daquela exposição escrita de fls. 38699v. a 38800, pelo defensor do arguido AF, deveria ser considerada anómala e, como tal, não permitida e ser rejeitada.
Daí a existência de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que assevera isso mesmo que parece ser evidente, isto é, que a junção por escrito das alegações orais proferidas pelo advogado do recorrente durante a audiência não pode constituir uma qualquer exposição, memorial ou requerimento a subsumir na previsão do Art.º 98.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Trata-se, sim, como o próprio recorrente explicita de alegações, com a singularidade única de que se trata da reprodução de alegações orais mas cuja repercussão se quer ver reflectida por escrito. O que pode ser considerado, como uma forma hábil de contornar o estipulado no Art.º 360.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estipula que as alegações serão orais, para lhes conferir a forma escrita, ou melhor a forma oral em que foram produzidas e a escrita em que se pretende ver perpetuadas as alegações orais.
Assim, no Ac. do STJ de 29/1/1997, processo n.º 97P707, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/56672b105a1855f5802568fc003b282e?OpenDocument.
Contudo, pronto que se faça um esforço de contextualização à situação em apreço, desde logo nos deparamos com o demasiado formalismo daquela opção, sobretudo se pensarmos na natureza complexa e “pesada” do julgamento em apreço, do historial dos factos e do manancial dos meios de prova em reporte, e, mais ainda, na atitude e no comportamento de cada um dos intervenientes processuais nesta fase de alegações. Na verdade, de um ponto de vista material, se essa faculdade tiver sido aberta a todas as partes envolvidas e tiver obedecido a um salutar contraditório, a apresentação daquela exposição escrita (chame-se ou não alegações escritas), constitui, na prática, um documento de trabalho complementar à disposição do tribunal que irá proceder à sua apreciação da matéria a julgar (prova, factos e direito) e a fundamentar, de uma forma mais apoiada e colaborante. Tudo virtudes que se conjugam em concordância como novo paradigma processual que se constitui na ideia fundamental de cooperação e de “comunidade de trabalho” que atenua a preponderância assimétrica ou hierárquica da relação processual, tal como advoga o novo pensamento processualista.
Daí se perceba a invocação, pelo tribunal a quo, da adequação formal da tramitação e as próprias garantias de defesa e os objectivos pretendidos pela procedimentalização penal de busca da verdade material, sendo o mesmo documento sido confrontado com o contraditório e a possibilidade de ser apreciado e contestado pela própria acusação. Acusação à qual, por outra via, foi dada a possibilidade de exercício da mesma faculdade, desde logo no entendimento tácito que resultou da preparação dos trabalhos do momento das alegações naquele julgamento.
Tal como refere a defesa do arguido AF na sua resposta à motivação deste recurso do Ministério Público:
“Num processo que é composto por milhares de páginas e no qual a prolação de conclusões finais impõe, nomeadamente, o sinalizar de depoimentos, de documentos, de sessões de julgamento em grande quantidade, pareceu adequado que isso fosse feito através da entrega de uma peça escrita e não por recurso a uma extensa (ilimitada no tempo na tese do Recorrente) alegação oral.
(…)
Assim se dá sentido à fase processual em causa e se lhe confere utilidade.
(…)
Basta pensar no que seria a leitura da peça processual em causa, que o Recorrente quer ver expulsa dos autos, transformada em conteúdo de uma alegação oral.
(…)
Seria um exercício sacrificial, penoso e, acima de tudo, inútil, tendo em conta que, face à condição humana que nos caracteriza, é impossível reter, com detalhe, as centenas (milhares) de referências relevantes.
(…)
Parecia, deste modo, dever ser tão lógico como pacífico, que fosse proporcionada ao tribunal uma forma de se assenhorear das alegações, capaz de lhe permitir conhecê-las, estudá-las e, naturalmente, julgá-las na sua procedência ou improcedência.
(…)
Daí que, quando anunciada esta intenção, não se haja suscitado surpresa, nem haja surgido qualquer reação negativa, mormente por parte do Recorrente”.
A forma tarifada em que assenta o processo penal não pode descurar a diferenciação processual que tem de ser encontrada para melhor gerir a complexidade crescente dos casos que chegam à justiça criminal e à qual se tem de dar a adequação formal necessária e entendida como mais conveniente, sem perda das necessárias garantias processuais penais, tanto no sentido da defesa como da acusação.
Qualquer modelo de justiça penal, embora no respeito das suas características específicas e da sua tradição institucional, deve estar preparado para gerir a complexidade e adequar-se ao tratamento dos vários níveis de criminalidade (pequena, média e grande), com formas de resposta diversificadas, tanto ao nível da estrutura processual, quer no plano das reações concretas. E, nesse âmbito, qualquer modelo penal deverá estar apto a responder às exigências impostas pelos objetivos complexos e com momentos de tensão dialética próprios da aplicação da justiça penal – a eficácia e o rigor, numa estrutura e num ambiente garantístico e em tempo razoável (assim, no que respeita à mudança de paradigma do sistema penal, para a diferenciação procedimental e para o eficientismo, veja-se, por todos, Luigi Ferrajoli, 2006, Derecho y razón – Teoría del garantismo penal, tradução castelhana do título original Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale, octava edición, Madrid: Editorial Trotta.
Assim, parece que nada impedirá em casos desta complexidade, que as partes façam chegar ao tribunal, na fase entendida como mais adequada, os documentos de trabalho, as exposições escritas ou os esquemas de anotações que possam auxiliar a tarefa do tribunal na apreciação do objecto do processo, desde que isso seja feito com a devida publicidade, contraditoriedade e equidade. E sem que esta solução possa vir a lesar o bom decurso do processo e sem que persistam concepções demasiado formais acerca do que se entende pelo momento de encerramento da discussão do julgamento, nos termos do Art.º 361.º do CPPenal. Sabendo que também aí o encerramento da discussão é sempre flexibilizado pelas diversas situações legalmente previstas em que pode e deve existir reabertura dessa discussão (vd. os Art.ºs 371.º e 371.º-A, ambos do CPPenal). Sendo que na prática processual penal instituída na nossa portuguesa também não ocorre (sequer) com o devido rigor a reabertura da audiência de julgamento para a determinação da sanção, tal como postula o Art.º 371.º do CPPenal.
Assim, em termos de sistemática processual penal, temos como aqui acertada, a invocação (remissiva) dos princípios gerais do processo, consagrados no Código de Processo Civil, e que aqui foram convocados pelo despacho recorrido, com base nas ideias da cooperação, da gestão processual e de uma muito mitigada adequação formal que aqui foi realizada e que não prejudicou a omnipresente legalidade do processo – assim, os Art.ºs 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi Art.ºs 2.º e 4.º, ambos do CPPenal.
Aliás, nessa articulação de princípios, pensamos que esta será a via mais adequada para em situações com esta extensão se fazer a conciliação mais ponderada entre todos os interesses aqui em causa, com a eficácia e a celeridade que são impostas à actividade jurisdicional, possibilitando esta via garantística de especial plasticidade e pragmaticidade, com salvaguarda do disposto no Art.º 32.º, n.º 1, da CRPortuguesa. Sabendo que também nestas situações não admitir tais exposições escritas poderia constituir uma flagrante violação deste princípio e das garantias de defesa constitucionais, na medida em que se coartaria a possibilidade de serem explorados pelo Ministério Público e pelas defesas todos os meandros do objeto processual.
Ou seja, o despacho judicial aqui em análise veio acautelar o direito de defesa dos arguidos no sentido de terem uma oportunidade objectiva e viável de se pronunciarem sobre todas as questões de facto abordadas durante o julgamento. Por outro lado, o despacho acautelou a possibilidade dos demais intervenientes usarem da mesma oportunidade, cfr. imposto pelo princípio da igualdade processual.
O recorrente não requereu prazo para responder, o que poderia ter feito, ao abrigo do disposto nos Art.ºs 165.º, n.° 2, e 327.º, n.º 2, ambos do CPPenal. Caso entendesse que assim deveria proceder.
Assim, não é verdadeira a conclusão que o recorrente retira na Conclusão 13.ª da sua motivação de recurso.
Nesta concepção a posição que o Ministério Público assume neste seu recurso não pode deixar de ser considerada como demasiado formalista e até mesquinha, face ao que aqui se encontra em jogo.
Depois, também não é verdade que a dita exposição escrita tenha sido entregue para além do decurso da fase discussão do julgamento.
Assim, a data de apresentação da mencionada exposição é de 6 de Maio, sendo que no dia seguinte, isto é, no dia 7 de Maio, a audiência de discussão e julgamento prosseguiu, como se constata da acta n.° 73 adrede elaborada. No dia 7 de Maio, ainda foram realizadas as remanescentes alegações orais, que tiveram o seu termo na tarde do mesmo dia, tendo sido dada oportunidade aos arguidos para, querendo, se pronunciarem uma última vez, cumprindo assim o disposto no Art.º 361.º do CPPenal.
Apesar de a exposição ter sido admitida apenas no dia 15/5, o facto é que foi entregue antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento.
Mas os fundamentos do recurso e a sua argumentação também terão que ser analisados à luz da própria equidade e lealdades processuais.
Na verdade, o Ministério Público presente como é natural em todas as sessões de julgamento, quando colocada a questão que agora se analisa, remeteu-se ao silêncio, criando necessariamente a convicção em todos os intervenientes processuais que nada teria a opor.
Sendo que agora vem invocar nas suas conclusões que “jamais o Ministério Público em termos formais, fosse oralmente fosse por escrito, manifestou concordância com a prática de tal anomalia processual” (conclusão 10.ª).
Dizemos agora que se é certo que não manifestou concordância expressa a verdade é que deixou que ela resultasse do seu silêncio, não suscitando qualquer oposição a que a defesa de qualquer dos arguidos pudesse vir a ter a mesma iniciativa, nem clarificando se iria tomar posição idêntica.
O que veio a criar nos demais, incluindo no tribunal, a convicção de anuência, única forma de se interpretar a ausência de reacção.
Para estas situações, vale aqui a jurisprudência citada pelas defesas dos recorridos nas suas respostas ao recurso:
“Neste domínio são de realçar os deveres de vigilância e de boa-fé processual: o primeiro obriga os sujeitos processuais a «reagir contra nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspetiva de defesa, não podendo naturalmente escudar-se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei relativamente a atos em que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, não puderam deixar de se aperceber»; o segundo impede que os sujeitos processuais possam «aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometida ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um "trunfo", para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado» - cf. Ac. n.° 429/95 do TC.”
Assim, no Ac. do STJ de 29/4/2009, processo n.º 77/00.9GAMUR.S1; no mesmo sentido, os Acs. do STJ de 16/12/2010, processo n.º 287/99.0TABJA-B.E1-A.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/isti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0a5f4cb6a6d8ec9d802578230035bc9d?OpenDocument; e da RP de 9/11/2016, processo n.º 1927/05.9TAVNG.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/itrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/600843d0012148a28025807b0053d019?OpenDocument.
Assim, tal como advogado pela defesa do arguido AF, foi com esse contexto de acordo quanto à possibilidade de exercício daquela faculdade, que a mesma veio a realizar o cumprimento do tempo máximo destinado às alegações orais e, face à enormíssima extensão da matéria a apreciar, entregando, depois, o documento, o que foi aceite de forma pacífica no momento em que foi produzido o anúncio dessa entrega.
À luz dos fundamentos expostos, não faz sentido a invocação da alegada inexistência jurídica como vício apontado à decisão recorrida.
Improcedendo também as invocadas violações dos Art.ºs 32.º, n.º 5, da CRPortuguesa, e dos Art.ºs 165.º, n.º 2, 327.º, n.º 2, e 361.º, n.º 2, estes do CPPenal, ao contrário do que se alega na conclusão 26 da motivação de recurso do Ministério Público.
Pelo que se julga improcedente, na sua totalidade, este outro recurso interlocutório apresentado pelo Ministério Público.
DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
7. Apesar da excepcional complexidade da matéria fáctica nestes autos, o tribunal colectivo omitiu qualquer indicação numérica sequencial na enumeração dos factos provados e não provados, desprezando a numeração da acusação e da pronúncia, assim inovando perante a prática judiciária.
O que se fez, sem que daí seja possível descortinar qualquer vantagem, criando dificuldades acrescidas na indicação dos pontos de facto para as partes - o Ministério Público, para todos os arguidos - e agora para este tribunal de recurso.
Na exposição que se segue (imprescindível para a fundamentação deste acórdão), procederemos a uma numeração sequencial dos parágrafos, com o objectivo de atenuar as particulares dificuldades na identificação dos diversos segmentos do circunstancialismo fáctico.
Matéria de facto provada
(…)
ARGUIÇÃO DE NULIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO
Assinatura do acórdão recorrido
11. O Ministério Público assinalou a omissão da assinatura da Exmª Juíza Adjunta DrªAV no acórdão do tribunal colectivo e, considerando que a aposição das assinaturas constitui um acto de julgamento para o qual a lei exige a presença de todos os juízes do tribunal colectivo, promoveu a correcção, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
No articulado de resposta, o arguido AF invocou a desnecessidade de qualquer correção do acórdão recorrido, entendendo como correcta a opção do tribunal colectivo ao fazer constar a declaração de conformidade do acórdão com a deliberação do Tribunal Colectivo e do motivo da falta de assinatura da Exmª juíza adjunta, por aplicação analógica da norma do artigo 153 n.° 1 do Código de Processo Civil (C.P.C.) na redação então em vigor e anterior ao Decreto-Lei 97/2019 de 26 de Julho.
Já na presente frase processual, o Conselho Superior da Magistratura informou-nos que a Exmª juíza de direito AV se encontra em comissão de serviço, nos termos do Protocolo de Cooperação celebrado entre o Ministério da Justiça Portuguesa e o Ministério da República de Timor-Leste, tendo esta comissão sido renovada por 1 ano, com efeitos a 22-10-2019.
Apreciando e decidindo:
Na primeira página do acórdão recorrido consta a assinatura electrónica do juiz presidente do tribunal colectivo FH e do juiz adjunto RC..
No final, após o dispositivo e a indicação da data, encontra-se uma nota com o seguinte texto:
Declaração: O presente acórdão encontra-se elaborado em conformidade com a deliberação do Tribunal Colectivo. Não se mostra assinado pela Excelentíssima Juíza-Adjunta por força da sua ausência do País (nomeada pelo Conselho Superior da Magistratura para cooperação com Timor-Leste na área da Justiça – Deliberação 1028/2018, in Diário da República n.º 213/2018, II.ª Série, de 06/11/2018), sendo assim depositado em conformidade com o disposto nos artigos 153.º n.º 1 do Código de Processo Civil ex vi 4.º do Código de Processo Penal.”
O artigo 374.º do Código de Processo Penal define os requisitos da sentença, entre os quais se encontra, na parte dispositiva, a data e assinatura dos membros do tribunal (n.º 3, alínea c)).
Para a ausência de qualquer destes requisitos prevê o Código de Processo Penal um sistema dual.
Para os vícios de maior repercussão ou intensidade (falta de fundamentação, omissão de pronúncia e incompatibilidade de objecto processual), prevê o artigo 379.º do Código de Processo Penal a consequência da nulidade.
Para os demais vícios da sentença, onde se inclui a falta de assinatura do juiz o Art.º 380.º alínea a) do mesmo Código prevê um regime especial de sanação através da correcção da sentença que pode até ser levada a cabo pelo tribunal de recurso, quando isso seja possível.
Também nos termos do artigo 615º nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, a omissão da assinatura do juiz é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura . Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
A falta uma das assinaturas no acórdão proferido pelo tribunal a quo, não se deve a um lapso ou esquecimento. A ausência encontra-se justificada pela ausência do país da juíza-adjunta na ocasião da assinatura do acórdão.
A questão que aqui se coloca é antes de mais perceber se face às regras e aos princípios que devem presidir à aplicação do Código de Processo Penal, mesmo com o recurso à analogia, se pode fazer apelo ao disposto nas regras do processo civil que sejam harmonizáveis – cfr. artigo 4.º do Código de Processo Penal. Sabendo-se, para mais, que na falta de regras de aplicação subsidiária subsistirá sempre o recurso aos princípios gerais do processo penal, segundo consagra o mesmo preceito do Código de Processo Penal.
Na redacção vigente ao tempo[209], estabelecia o artigo 153º nº 1 do Código de Processo Civil que “As decisões judiciais são datadas e assinadas pelo juiz ou relator (…) e que os acórdãos são também assinados pelos outros juízes que hajam intervindo, salvo se não estiverem presentes, do que se faz menção”.
No domínio do processo penal, temos princípios especialmente reforçados no sentido de garantir a intervenção efectiva dos juízes que integram o colectivo de um julgamento (em tribunal colectivo) em todas as matérias e questões (facto e direito; culpabilidade e determinação da sanção), assegurando-se a continuidade da deliberação e o rigor procedimental da discussão, da votação, da elaboração da sentença ou acórdão e até da sua assinatura. A lei processual penal, nos artigos 365.º a 380.º, com particular enfase para o que no interessa no artigo 372º nºs 1 e 2, trata com rigor e pormenor o ritualismo próprio da fase de elaboração e formalização da sentença, sendo que não poderemos deixar de considerar que a assinatura por todos os juízes e jurados deve ter lugar em acto seguido ao da deliberação.
Podemos mesmo dizer que só em face da presença da assinatura se poderá em princípio afastar a possibilidade de ocorrência de outro tipo de vícios bem mais graves do próprio acórdão que só uma documentação conforme da audiência de julgamento e do momento da deliberação do colectivo de juízes podem fazer afastar.
Sabemos também que em tantas situações de menor ou maior complexidade (em que o presente caso se inclui), a leitura da sentença ou do acórdão nunca se poderia fazer em acto imediato ao encerramento da discussão e do julgamento e que a elaboração dessa peça processual, sempre inserida na deliberação e votação do colectivo, implica a designação de uma outra data para a leitura dessa decisão (cfr. artigo 373.º do Código de Processo Penal).
Em casos de excepcional complexidade, como o presente, em que a elaboração do acórdão se estendeu por um período de cerca de dez meses, é compreensível que um dos juízes que constituiu o colectivo, após a deliberação, votação e concordância com o texto decisório que resultou da deliberação, não possa vir a assinar o acórdão, designadamente, porque, entretanto, assumiu funções em outro país.
Em situações dessa natureza, compreende-se que a situação não possa levar à impossibilidade de publicar ou publicitar (com a leitura) o acórdão em causa, servindo o mecanismo do disposto na redacção então vigente do artigo 153.º nº 1 do Código de Processo Civil como uma adequada solução normativa.
Contudo, essa aplicação não se deve fazer sem um esforço adaptativo às especiais exigências procedimentais e de deliberação que fazem parte do sistema processual penal. O que se compreende é que no domínio do processo penal qualquer menção que se faça à não presença de um dos membros do colectivo no acto de assinatura do acórdão, não pode deixar de ser clara e devidamente justificada, não dando azo a especulações sobre a integridade e a total correcção de procedimentos na deliberação e votação do colectivo. Sempre tomando em linha de conta as especiais cautelas e garantias que se encontram consagradas na lei processual penal a propósito do momento da elaboração da sentença penal e que acima foram mencionadas.
Na situação concreta – como bem se assinalou na resposta do arguido AF – existe nos autos a acta de conferência do tribunal colectivo, onde consta (fls.39354) o seguinte (transcrição)
"No dia 19/10/2018, reuniram-se, nesta cidade de Lisboa e sala de audiências do Juízo Central Criminais de Lisboa, em conferência presidida pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Presidente e relator, Dr.FH, com os Meritíssimos Juízes Adjuntos, Dr.RC e Dra.AV, e comigo Escrivã-Auxiliar SM, no âmbito do processo 3902/13.0JFLSB.
Após discussão pelo Tribunal Coletivo foi alcançada a deliberação final. Ficando o Excelentíssimo Senhor Juiz Presidente com o encargo de acabar a elaboração do acórdão em conformidade com a deliberação acabada de tomar."
Na ponderação conjunta dos elementos disponíveis, dada a existência do documento que revela a deliberação unânime do trinunal colectivo, inexistindo qualquer elemento susceptível de infirmar a regularidade de todo o procedimento de elaboração e votação do acórdão, afigura-se-nos justificado o recurso ao mecanismo da norma então vigente constante do artigo 153º nº 1 do Código de Processo Civil validando a omissão de assinatura da Exmª juíza adjunta DrªAV..
Termos em que se indefere a pretendida correcção de irregularidade processual.
Omissão ou deficiência da fundamentação
12. A arguida MA invocou a nulidade do acórdão recorrido por omissão da fundamentação, invocando que o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, não explicitando, como se lhe exigia, o processo lógico e racional que lhe subjaz, não permitindo compreender de que forma e através de que meios de prova concluiu no sentido ali expresso, nomeadamente, como se comprovou que a arguida e o arguido AF, acordaram uma troca de favores no Verão de 2013 e que os factos provados foram realizados em execução desse acordo de troca de favores (cfr. conclusões 45 a 65).
O arguido AF suscitou igualmente a nulidade da decisão por falta de fundamentação, invocando que não são indicados os concretos “factos descritos no núcleo B” que integram o elemento do tipo do ilícito de peculato de uso, e, quanto aos factos do núcleo E, que o tribunal se limita a fundamentar a existência de um acordo com base num silogismo paupérrimo (conclusões 209 a 217 e 262 a 270).
O Ministério Público arguiu a nulidade do acórdão por falta de fundamentação, alegando, em síntese, a quase total ausência de análise crítica das provas que serviram para o Tribunal recorrido formar a sua convicção, abstendo-se, assim, o Tribunal recorrido, na sua actividade de motivação, de realizar o exame e análise de cada uma das provas e a relacionação de todas elas no seu conjunto (conclusões 431 a 453).
No articulado de resposta aos recursos, o Ministério Público sustenta o indeferimento das arguições de nulidade de MA e de AF, considerando que nos segmentos referidos pelos recorrentes a motivação da decisão de facto se mostra suficiente e minimamente adequada e que o Tribunal recorrido (se) pronunciou sobre todas as questões que devia apreciar.
Apreciando e decidindo:
A jurisprudência e a doutrina são unânimes na afirmação que o dever de fundamentação das decisões num Estado de Direito, além de constituir uma das fontes de legitimidade da jurisdição em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
Como se escreveu em sucessivos acórdãos do Tribunal Constitucional, designadamente nos n.º 55/85 e 408/2007, citando Michele Taruffo,
“a fundamentação dos actos jurisdicionais em geral, cumpre duas funções:
a) uma, de ordem endoprocessual, afirmada em leis adjectivas, e que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) e outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com a referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão”.
Ou no mesmo sentido, segundo afirma Germano Marques da Silva, “A validade da sentença não resulta assim exclusivamente da autoridade jurisdicional de que está investido o tribunal, resulta do exercício dessa autoridade em conformidade com a lei. A sentença não vale, pois, pela autoridade de quem a profere, pela vontade pessoal do juiz ou tribunal, mas porque a vontade funcional do juiz traduz a vontade da lei: vale porque declara o direito no caso concreto em conformidade com a lei geral e abstracta.
Nos termos da Constituição e da lei as decisões judiciais são susceptíveis de recursos, mas a eficácia do recurso depende substancialmente da fundamentação e da possibilidade de comprovação pelo tribunal ad quem dos pressupostos da decisão.” (in “Registo da Prova em Processo Penal”, “Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues”, Coimbra Editora, 201, I, pág. 806-807).
Nos recursos em apreciação, suscita-se a ocorrência de invalidade por desrespeito do segmento do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, onde se impõe que, na sentença, conste a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, inclua não só a indicação, mas também o exame crítico das provas que serviram para firmar a convicção do tribunal.
Tem sido salientado na doutrina e na jurisprudência que se exige uma observação atenciosa ou cuidada, efectuada de um modo crítico, isto é, sob um juízo de censura.
O exame crítico das provas há-de consistir por isso numa análise que permita compreender a opção por um meio probatório e se, for o caso, o motivo por que se elegeu um em detrimento de outro, porventura de sentido contrário.
É hoje claro que a fundamentação da decisão em matéria de facto, não tendo de incluir uma espécie de “assentada” dos depoimentos e declarações, também não se basta com uma declaração genérica e tabelar de “convencimento “num determinado meio probatório. Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional (acórdão TC nº 281/05, DR, II, de 06-07-2005). Só por esta forma será possível ajuizar se a apreciação da prova se baseou em processos lógicos e racionais.
Estando em causa uma decisão de um tribunal colectivo, a fundamentação deve reflectir o «mínimo de acordo ou convergência consensual ou maioritariamente apurada no seio do tribunal» (onde pode ser diverso, de juiz para juiz, o fundamento da resposta num dado sentido ou «oferecer entre todos cambiantes significativas»), há-de ela (a fundamentação) permitir, no entanto (e sempre), avaliar cabalmente o garantir a «transparência» do processo e da decisão (Acórdãos do TC61/88 e 322/93 in www.tribunalconstitucional.pt).
Uma vez que a eficácia probatória da prova indiciária se encontra dependente, em princípio, da prova de uma pluralidade de indícios e da verificação de um nexo preciso, coerente, lógico e racional entre os indícios provados e os factos que deles se inferem, impõe-se ao tribunal, neste âmbito, que enuncie na sentença ou permita compreender o raciocínio dedutivo que seguiu entre os indícios-base e o facto ou os factos provados.
Ainda assim, o exame crítico não exige a exposição descritiva de todas as provas produzidas, nem é necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que se tem de deixar claro é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto, de modo a permitir aos destinatários da decisão e ao tribunal superior uma valoração do processo lógico-mental que serviu de base ao respectivo conteúdo.
Pode ainda ler-se, a propósito, no acórdão do STJ de 23-02-2011 proc. 241/08.2GAMTR.P1.S2, Santos Cabral:
“A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor. É evidente que o dever de fundamentação da decisão começa, e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida. Não conforma tal conceito uma obrigação de explanação de todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenrolou a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos de equacionar todas as perplexidades que assaltam a cada um dos intervenientes processuais, no caso o arguido, perante os factos provados.
O tribunal tem o dever de indicar os factos que se provam e os que não se provam e a forma como alcançou a respectiva conclusão. Por seu turno, aquele que discorda da forma como se formou tal conclusão e caso lhe assista o respectivo direito de recurso virá indicar aquilo de que discorda e o motivo que discorda.”
Ainda neste plano, decidiu o STJ no acórdão de 06-09-2017, proc. 4029/15.6TDLSB.L1.S1, Gabriel Catarino, in www.dgsi.pt
“Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.)
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
(…) a fundamentação deficiente não se equipara ou equivale a uma fundamentação omissa. Para que ocorra uma falta, omissão, essencial e determinante da nulidade elencada no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código Processo Penal, importa que o tribunal tenha deixado de, indicar os meios de prova em que firma a sua convicção, deixe de fazer alusão a prova documental donde retira a existência de realidades factuais plasmadas na decisão de facto e que se tenham tornado relevantes para o raciocínio que se depreende e perscruta na exposição desenvolvida na decisão, e, ao invés, deixe de aludir, de forma plena e completa, ao material probatório analisado e ponderado, à concatenação ou conchavo factual onde escora a sua razão de inteligência para dessumir pela solução afirmativa ou negativa ao enunciado que havia sido proposto para decisão da questão de direito a resolver.”
Em conclusão do exposto, haverá nulidade da sentença (artigo 379º nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal), quando falte a enumeração dos factos provados e não provados ou quando, em consequência de uma omissão ou deficiência na análise crítica da prova, fique afectada a compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão concreta em relação a cada facto provado.
Vejamos quanto a este processo.
A fundamentação da decisão em matéria de facto do acórdão recorrido contém-se em 903 notas de rodapé ao longo de toda a enunciação da matéria de facto provada e não provada e, posteriormente sob o título “3.2 Motivação da decisão de facto”, em 1260 páginas, de fls. 39981 v.º a 40611 v.º.
Vem suscitada a nulidade quanto aos factos dos núcleos factuais A, E e F3, e no enquadramento jurídico-penal, quanto ao crime de peculato de uso.
A justificação da decisão quanto aos factos provados do núcleo factual A surge nas páginas 954 a 956, e, quanto aos factos não provados, nas notas de rodapé existentes nas páginas 839 a 847.
Diz-nos o acórdão recorrido que a convicção do tribunal assentou essencialmente na prova documental e nas declarações dos arguidos. Em outro local, se enuncia o que se considerou relevante nesses diferentes meios de produção de prova (declarações dos arguidos na audiência de julgamento, de pp. 965 a 1117, documentos de pp. 1610 a 1631).
Tem razão o Ministério Público quando assinala a omissão de uma análise crítica especificada e completa quanto a alguns excertos da matéria de facto que o tribunal julgou não provada, referentes às parcerias negociais entre os arguidos e enunciados nas p. 837 a 847 .
Contudo, afigura-se-nos que estamos perante uma fundamentação que não será modelar, mas que ainda assim permite perceber perfeitamente os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros.
A opção do tribunal colectivo não inviabilizou o exercício pelo Ministério Público do recurso de impugnação da decisão em matéria de facto. O que concretizou com assertividade na motivação e nas conclusões 522 a 579 do seu recurso, revelando conhecimento quanto às razões da decisão.
Nas páginas 400 a 425, o acórdão descreve um extenso conjunto de factos da autoria dos arguidos MA e AF com circunstâncias muito semelhantes, sempre relacionados directamente com procedimentos de concursos para cargos de direcção superior na administração pública na CRESAP e todos localizados no tempo entre Outubro de 2013 e Fevereiro de 2014.
O tribunal diz-nos que o juízo da aquisição probatória quanto aos factos objectivamente considerados resulta das declarações dos próprios arguidos. Esses factos envolvem o acesso e divulgação de informação reservada, atribuindo vantagens a determinados concorrentes no confronto com os demais opositores ao concurso.
É para nós indiscutível que o tribunal colectivo poderia ter sido mais elucidativo na concretização do raciocínio dedutivo entre os factos objectivos enunciados e a conclusão obtida no que se refere aos fins visados, ao propósito a que obedeceu as condutas descritas e à natureza concertada do comportamento de ambos os arguidos (cfr. página 961).
São, contudo, claras as premissas a partir das quais se desenvolve a explicação posterior que conduz à resolução do tribunal colectivo.
A aplicação de conhecimentos extraídos de muitas outras situações semelhantes permite inferir que todo aquele comportamento de ambos os arguidos, longe de se justificar apenas por uma coincidência desinteressada por amizade ou por um repetido sentimento altruísta, se ficou a dever efectivamente a um acordo de vontades, ainda que tácito mas livre e consciente, para a obtenção ou troca de benefícios e favores recíprocos.
Esse acordo teria sido logicamente firmado em data anterior ao início dos factos dos concursos públicos, ou seja, a Outubro de 2013.
Entendemos por isso que a fundamentação, no seu conjunto, ainda que porventura não exemplar, permite a valoração do processo lógico-mental que serviu de base ao juízo probatório quanto ao conjunto dos factos do “Núcleo E”.
Não ficou por isso cerceado o exercício do direito de recurso de impugnação da decisão em matéria de facto, nem inviabilizada a possibilidade de reapreciação dessa mesma matéria de facto por este Tribunal de segunda instância.
Também não assiste razão ao arguido AF quando fulmina o acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto ao preenchimento do tipo de crime de peculato de uso.
A referência constante no enquadramento jurídico penal, na página que o recorrente indica (2428), tem de ser conjugada com a apreciação anterior e a enumeração dos factos provados.
A este propósito, podemos ler no acórdão recorrido, a p. 2237, o seguinte (transcrição parcial):
Ao arguido AF foi imputada a prática de um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
Este crime tem como elementos objectivos do tipo:
- um funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso;
- para fins alheios àqueles a que se destinem;
- de coisa imóvel, de veículos, de outras coisas móveis ou de animais de valor apreciável, públicos ou particulares;
- entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções; ou,
- funcionário dar a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado;
- sem que especiais razões de interesse público o justifiquem.
E, como elemento subjectivo:
- o dolo, em qualquer uma das suas formas.
(…)
Em face da factualidade apurada, ficou amplamente demonstrado que o arguido AF utilizou o veículo automóvel de serviço para deslocações que em nada se relacionaram com o exercício das suas funções, designadamente, na actividade de prospecção imobiliária levada a efeito no interesse do arguido Z, mais concretamente, nas deslocações que vez na visita a imóvel e mesmo, colocando o veículo automóvel ao dispor de terceiros para a visita ao Clube de Empresários.
Conduta violadora do Regulamento de Uso de Veículos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." por si assinado a 02/02/2010, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 170/2008, nomeadamente o seu artigo 3.º n.º 1 in fine, que assinalava aos veículos automóveis do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." o escopo de "satisfazer as necessidades de transporte, normais e rotinados de serviço".
Escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/06/2012 que:
"O crime de peculato de uso previsto no artigo 376.º n.º l do Código Penal consuma-se com a utilização, pelo funcionário, de veículo ou outra coisa móvel de valor apreciável, para fins alheios àqueles a que se destinam, independentemente de o fim visado pelo agente se ter ou não concretizado".
Por outro lado, ficou igualmente demonstrada a instrumentalização que o arguido AF fez do seu secretariado de apoio ao serviço dos interesses do arguido Z..
Neste caso, o uso abusivo não se refere ao trabalho propriamente dito desenvolvido pelos funcionários em causa, mas ao uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." no desenvolvimento das tarefas por ele solicitadas.
Assim, a utilização indevida que o arguido AF fez do secretariado de apoio ao Presidente do Conselho de Direcção do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", colocou em causa o normal funcionamento dos serviços, sendo assim alvo da incriminação.
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causas de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento do arguido AF típico, ilícito e culposo é de concluir que ele praticou um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
Salvo melhor entendimento, este segmento do acórdão permite circunscrever os factos do núcleo B que para o tribunal colectivo integram o tipo de ilícito de peculato de uso e não existe qualquer omissão de fundamentação.
Por último neste âmbito, também não merece provimento a arguição do Ministério Público de nulidade do acórdão no segmento da fundamentação da decisão de quanto à matéria de facto compreendida no “núcleo F3” (conclusões 476 a 496 do recurso do Ministério Público).
A fundamentação da decisão do tribunal colectivo quanto aos factos provados e não provados do núcleo factual F3 consta nas páginas 454 a 471 e, quanto aos factos não provados, nas páginas 920 a 926 e 961 a 965 do acórdão recorrido, aqui incluindo as notas de rodapé 738 a 787.
Lendo essas partes da fundamentação, concluímos que o acórdão recorrido nos indica quais os meios de prova que considerou relevantes para as opções que tomou), sendo possível apreender a lógica de raciocínio que foi seguida.
Assim é que a fls. 962 e 963 consta o seguinte (transcrição)
A tese da acusação/pronúncia referente as matérias tratadas no núcleo F.2 e F.3 dependia de um comportamento do arguido MM que não se demonstrou ser real.
Relativamente à questão da concessão de vistos de entrada temporária de doentes líbios a intervenção do arguido MM foi residual e inócua.
O arguido MM limitou-se a pedir ao arguido MP para receber em audiência o arguido JA e, posteriormente, falou sobre o assunto com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr.R…M….
Todo o procedimento se desenrolou entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido adoptados critérios gerais de actuação e sem que tenha existido alguma influência externa a estes decisores – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria, assim como, as declarações do arguido MP..
Relativamente à questão do processo de pedido de reembolso de IVA a tese da acusação/pronúncia assentava num comportamento do arguido MM que se provou não ser real.
Desta feita, a única intervenção do arguido MM nesta matéria foi ter pedido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para receber em audiência o arguido JA..
Também neste caso a intervenção do arguido MM foi residual e inócua.
Todo o processo de reembolso do IVA foi resolvido de forma regular no interior dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira e sem intervenção de qualquer entidade terceira – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria.
Em outro local, se enuncia o que se considerou relevante nesses diferentes meios de produção de prova (declarações dos arguidos na audiência de julgamento, de pp 965 a 1117, por testemunhas de pp 1467 a 1510 e por documentos de pp. 1610 a 1631.
Tem razão o Ministério Público quando assinala a omissão de uma análise crítica especificada e completa quanto a alguns dos pontos da matéria de facto que o tribunal julgou não provada. Pode notar-se que em relação a alguns documentos, o tribunal não afastou explicitamente a sua pertinência.
Afigura-se-nos que estamos perante uma fundamentação que não preenche exaustivamente a plenitude da factualidade objecto do processo, mas que permite aos destinatários da decisão e ao tribunal de recurso conhecer, com a necessária profundidade, as razões e motivos que conduziram o tribunal de primeira instância a decidir como provados uns factos e não outros.
A incompletude da fundamentação em um ou outro segmento da decisão não justifica a nulidade enquanto vício do procedimento.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 13/12/2018 proc. 3839/16.1JAPRT.P1.S1, Carlos Almeida,
A falta de fundamentação não equivale a uma apreciação sem a «devida profundidade», nem a uma «abordagem simplista» das questões suscitadas ou, dito de outro modo, uma fundamentação deficiente não se reconduz a uma falta de fundamentação. Um tal vício não resulta da extensão da fundamentação ou da percentagem da mesma relativamente à globalidade do texto.
A análise probatória quanto ao circunstancialismo de facto constante do chamado Núcleo F3 permite saber quais foram os alicerces probatórios e o raciocínio que conduziu à decisão sobre os factos provados e não provados.
Assim como possibilita a reapreciação desse segmento da decisão em matéria de facto. O que o Ministério Público concretizou ao longo das conclusões nºs 580 a 658 do recurso.
Também não merece provimento a arguição pelo Ministério Público de nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto no segmento referente às declarações prestadas pelos arguidos na fase de inquérito perante autoridade judiciária (conclusões 18 a 28 e 454 a 456).
A questão de saber se existe nulidade da sentença por omissão de fundamentação, ou seja, de um vício de procedimento, tem de ser aferida pela leitura do próprio texto da sentença, à luz de critérios de razoabilidade e dos ensinamentos extraídos de casos semelhantes.
Na realidade, o tribunal colectivo tomou uma posição sobre esse problema, que se pode ler a fls. 951 e 952 do acórdão.
Segundo aí se escreveu (transcrição),
Os arguidos prestaram declarações em sede de primeiro interrogatório judicial, com a advertência prevista no artigo 141.º n.º 4 alínea b) do Código de Processo Penal.
Dispõe esta norma o seguinte:
"4 – Seguidamente, o juiz informa o arguido:
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova".
O Tribunal Colectivo ouviu a reprodução das declarações prestadas pelos arguidos e ouviu as declarações dos arguidos prestadas em audiência de julgamento. Ponderou as circunstâncias em que ambos os actos ocorreram e optou por dar relevância às declarações prestadas em audiência de julgamento, por respeito ao princípio da imediação.
É certo que em audiência de julgamento os arguidos tiveram muito tempo para preparar as declarações e tinham já conhecimento dos factos que lhe eram imputados e dos meios de prova que fundamentavam essa imputação.
Em sede de primeiro interrogatório os arguidos foram confrontados com a imputação da factualidade que na altura era do conhecimento da acusação, assim como, dos meios de prova até então reunidos.
Na audiência de julgamento os arguidos estavam livres, compareceram em Tribunal pelos seus próprios meios e tinham consciência que quaisquer que fossem as declarações prestadas o seu estatuto coactivo não seria alterado.
No primeiro interrogatório judicial os arguidos estavam detidos – em alguns dos casos há vários dias –, foram conduzidos sob detenção ao Tribunal e tinham a consciência que a sua imediata liberdade dependia das declarações que seriam prestadas.
Em sede de julgamento, as declarações dos arguidos afiguraram-se terem sido prestadas com clareza e com respeito pela verdade dos factos – tanto mais que na sua essencialidade foram corroboradas pelos restantes meios de prova.
Em sede de primeiro interrogatório, as declarações dos arguidos foram prestadas sob condicionantes negativas – longa detenção e urgência de liberdade – que colocam em causa a sua espontaneidade e respeito pela verdade dos factos.
(…)
Os arguidos assumiram livremente rede de relações que os ligavam, embora, com algumas restrições quanto à força dos laços que os uniam.
De mais relevante, foi admitida uma forte relação de amizade entre o arguido JA e o arguido MM..
Com um grau menos forte a relação de amizade entre estes e o arguido AF..
Este arguido mantinha uma relação de amizade de vários anos com a arguida MA..
O arguido JA tinha uma longa relação de amizade com o arguido PLC, mantendo este uma relação de amizade não tão estreita com o arguido MM..
O arguido FP é primo do arguido AF..
O arguido JS é amigo de vários anos do arguido AF..
Os arguidos PE, JG e PV todos funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", conheceram-se no exercício de funções e desenvolveram relações de amizade, umas mais estreitas do que outras, por virtude directa do maior contacto existente.
Estes arguidos tinham uma relação institucional com o arguido AF, por este desempenhar funções de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", superior hierárquico máximo.
O mesmo acontecia em relação à arguida EA conservadora do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
O arguido AS tinha também uma estreita relação institucional com o arguido AF, sendo por este encarregue directamente de integrar determinados projectos.
O arguido EB mantinha uma relação institucional com ao arguido AF, em razão das funções que desempenhavam em Angola e em Portugal.
O arguido MP não mantinha relação de amizade com os restantes arguidos, apenas relações institucionais com os arguidos AF e arguido MM..
Finalmente, o arguido AF mantinha uma forte relação de amizade com os arguidos Z e ZB, os quais por sua vez mantiveram uma relação pessoal com o arguido XB..
O Ministério Público discorda dos critérios expostos pelo tribunal colectivo quanto às declarações prestadas no inquérito, tem uma outra valoração desses elementos de prova e entende que a decisão deveria ser diferente.
Porém, não se deve confundir dissentimento com falta de fundamentação ou omissão de pronúncia: a divergência do Recorrente perante a análise ou valoração das declarações dos arguidos e o juízo probatório constantes do acórdão do tribunal colectivo integra um problema distinto que deve ser enfrentado em sede de impugnação da decisão em matéria de facto.
Em conclusão:
O acórdão recorrido revela os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e contém a explicitação do processo lógico e racional que conduziu à formação da convicção do tribunal, pelo que não existe nulidade processual, nem interpetação da norma constante do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal em desrespeito dos princípios contidos nos artigos 32º e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Omissão de pronúncia
13. Segundo jurisprudência uniforme, a omissão de pronúncia significa a ausência de atitude ou de posicionamento pelo tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa e cuja decisão não fique prejudicada pela solução dada a outras.
A pronúncia cuja falta ou omissão determina a consequência prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal – a nulidade da sentença – tem de incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas alegados[210].
O Ministério Público, para além do mais à frente mencionado, arguiu a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, invocando, em síntese, como ressalta das conclusões 462 a 500:
a) Falta de julgamento quanto a factos reconduzíveis aos elementos normativos dos tipos e quanto a factos descritivos de procedimentos habituais ou regra em sede de tramitação administrativa, que, na perspectiva do Recorrente, o tribunal considerou erradamente como “matéria de facto insusceptível de prova” (conclusões 462 a 472, 497 a 499);
b) Falta de decisão na matéria de facto referente aos pagamentos à sociedade "JF,Ldª" quanto ao verdadeiro destinatário do pagamento pela "FI,SA" no valor de € 7084,80.
Quanto segmento da decisão referido em primeiro lugar:
Nas páginas 1913 a 2031 do acórdão recorrido o tribunal colectivo procede a enumeração de realidades descritas no despacho de pronúncia e nas contestações que considera como insusceptíveis de prova por serem factos jurídicos e/ou factos conclusivos.
O Ministério Público no recurso afirma que nessa lista se encontram factos reconduzíveis à categoria dos elementos normativos dos tipos de crime, ou a factos descritivos de procedimentos administrativos, pelo que a falta de enumeração de tais factos, como provados ou não provados, constitui, neste particular, nulidade do acórdão, nos termos, quer da alínea a), quer da alínea c), ambas do nº 1 do artigo 379º por referência ao nº 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal.
O artigo 283 nº 3 al. b) do Código de Processo Penal dispõe que a acusação contém, sob pena de nulidade “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada….”, o artigo 374º nº 2 do mesmo código que da fundamentação da sentença deverá constar “a enumeração dos factos provados e não provados…”.
Poder-se-á afirmar que para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real integra uma questão de facto e, em contraposição, é questão de direito tudo o que estiver dependente da interpretação e aplicação da lei.
Assim, são factos elegíveis para a fundamentação de facto da sentença os eventos da vida real que sejam pressuposto das normas legais aplicáveis, nestes se englobando quer os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior), quer os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), apreensíveis directamente pelos sentidos ou mediante a aplicação de conhecimentos extraídos da experiência comum.
Serão ainda equiparáveis aos factos, os juízos que dependem de conceitos jurídicos mas sejam do conhecimento geral e de uso corrente, como “vender”, “comprar”, ou “furtar”, desde que não sejam em si mesmo controversos.
Num plano distinto situam-se os juízos valorativos e os juízos significo-normativos que integram a esfera do direito[211].
Afigura-se-nos que a argumentação do Ministério Público neste âmbito confunde omissão de pronúncia quanto à matéria de facto com erro de julgamento ou desconformidade com as normas jurídicas aplicáveis e a arguição de nulidade carece de fundamento.
Em primeiro lugar, segundo entendemos, não existe a nulidade invocada porque nulo seria o acórdão que não contivesse a enumeração dos factos provados e não provados e esse não é seguramente o caso.
Em segundo, não se verifica omissão de pronúncia porque o tribunal tomou posição, emitindo um juízo apreciativo sobre a inclusão de segmentos da pronúncia na matéria de facto provada ou não provada.
Com efeito, a questão ou problema concreto colocado perante o tribunal e a que o tribunal devia dar resposta consistia em saber se aqueles factos da pronúncia ou das contestações deviam ser julgados como provados ou como não provados. Sobre esse tema, o tribunal pronunciou-se afirmando, enquanto questão “prévia” que os considerava apenas como juízos valorativos ou de direito e, por isso insusceptíveis de serem incluídos na enumeração dos factos provados ou dos factos não provados.
Ainda assim sempre se dirá o seguinte:
O Ministério Público afirma o dissentimento com essa decisão, insistindo que devem ser incluídos na fundamentação enquanto factos as seguintes realidades (conclusão 468ª).:
«Pedidos esses violadores dos deveres de imparcialidade….» - Fls. 1928.; «A Taxa de Urgência…» - Idem.; «A referida multiplicidade de moradas não suscitou….» – Idem ; «Violando as orientações políticas aprovadas no ….» – Idem.; «Determinando, assim, o arguido MP a prática pela referida transportadora aérea de uma contra-ordenação….» Fls. 1930.
Analisando todos os exemplos apontados pelo recorrente, apenas aí encontramos juízos valorativos e/ou realidades dependentes da interpretação e aplicação de normas jurídicas (como acontece com a questão de saber se os pedidos violaram os deveres de imparcialidade (…) que ao arguido incumbia observar, ou de saber se a taxa de urgência não podia ser suportada pelo requerente particular ou de saber da eventual prática de uma contra-ordenação) ou envolvem juízos conclusivos e valorativos (é caso da alegada violação de orientações politicas aprovadas no Grupo de Acompanhamento).
Nenhum dos segmentos da acusação e pronúncia que o Ministério Público indica neste âmbito traduz uma descrição de realidades perceptíveis pela observação de outras pessoas que se constituem aptas a ser objecto de prova judicial e como tal capazes de serem apresentadas e transmitidas ao julgador e por este validadas e por isso, a situação processual aqui em análise é bem distinta daquela outra em que incidiu o acórdão do STJ de 06-09-2017 no proc. 4029/15.6TDLSB.L1.S1 e citado na motivação de recurso.
Pode ainda ler-se nas conclusões do recurso do Ministério Público (transcrição):
471.ª A fls. 155 dos autos, quanto ao pagamentos efectuados à "JF,Ldª" pela "FI,SA" tribunal apenas dá como assente que o valor de €7.084,80 - na tese da pronúncia destinados ao sócio de facto AF (representado na sociedade pela sua filha ALF) – foram pagos a uma sociedade de um amigo de AF..
472.ª Dando, assim, implicitamente por não assente a tese da pronúncia, relativamente ao verdadeiro destinatário do pagamento.
473.ª Ora, a fls. 840, na enumeração dos factos não provados quanto às parcerias dos arguidos AF, MM e JA através da "JF,Ldª" o Tribunal omite qualquer referência à falta de prova quanto ao referido facto atinente ao destinatário do pagamento, o qual, atenta a forma equitativa como foi distribuída pelos restantes três sócios da "JF,Ldª" deveria ter sido destinado a ALF (o mesmo é dizer, na tese da pronúncia, a AF (cf. O que se referiu quanto ao erro notório na apreciação da prova).
474.ª Ao não levar à matéria de facto não provada o referido facto – sobre o qual omite pronunciar-se – o Tribunal recorrido incorreu numa omissão de pronúncia, sendo certo a essencialidade de tal facto para a prova das relações que intercedem entre os arguidos e, assim, acerca das finalidades ultimas que norteiam as condutas imputadas a título de ilícito criminal nos núcleos subsequentes.
Confrontando a acusação (pontos 53 a 67) com o elenco da matéria de facto provada do acórdão recorrido (factos supra transcritos sob os nºs 37 a 53 ), será possível concluir que o problema reside na omissão na matéria de facto provada e na matéria de facto não provada, da indicação que o valor de € 7.084,80 transferido para a sociedade "I", sociedade gerida pelo sócio POS, se destinava a AF (cfr. ponto 59).
Um “facto” não é uma “questão”, no sentido relevante para a ocorrência de nulidade processual e o problema suscitado deve ser enfrentado em sede de impugnação da decisão em matéria de facto (o que o Ministério Público concretizou, designadamente na conclusão 188, invocando a verificação de vício decisório pelo mesmo motivo).
Como se escreveu em outro acórdão do mesmo relator, se o tribunal omite a apreciação e decisão sobre um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer e se esse facto for relevante para a decisão sobre a determinação da sanção, deixando de o considerar provado ou não provado, fica a sentença afectada de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto previsto no artº 410º, nº 2, al. a), do CPP e não de uma nulidade por omissão de pronúncia dos artºs 379º, nº 1, al. c), do mesmo diploma normativo[212].
No seu recurso, o Ministério Público suscita ainda a ocorrência de nulidade processual por omissão de pronúncia quanto aos factos referentes a tráfico de influência alegando que o tribunal de primeira instância, ao considerar integralmente provados os factos descritos no Núcleo B e atinentes a um crime de tráfico de influência imputado ao arguido AF no acordo firmado com o arguido Z, e reconhecendo que a factualidade descrita e imputada ao arguido AF integrava um tráfico de influência para a prática de acto ilícito p. p. nos termos do Art.º 335.º, nº 1. al. a) (acto de venda de influência sobre o poder de decisão de terceiro), e não o crime activo (acto de compra de influência) correspondentemente p. e p. nos termos do Art.º 335.º, n.º 2, ambas as disposições do Código Penal, veio a entender, no entanto, estar impedido de conhecer e condenar por tais factos, por considerar que havendo que operar-se uma requalificação jurídica da mesma, quanto ao arguido AF, dessa requalificação resultaria uma «alteração substancial da qualificação» porquanto determinante da aplicação de uma moldura penal cujo limite máximo era superior ao crime erroneamente imputado.
Nesse sentido, refere o Ministério Público recorrente, que o tribunal recorrido ao omitir, no caso, o procedimento legal do Art.º 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não havendo, sequer, suscitado a questão da alteração da qualificação jurídica dos factos, recusando-se, tão só, a conhecer de tais factos fixados na pronúncia e que, em sede de julgamento, deu como provados, considerando-se legalmente impedido de o fazer, o mesmo tribunal recorrido, por via de uma interpretação errónea das disposições conjugadas dos Art.ºs 1.º, al. f) e 358.º, nº 3 do Código de Processo Penal, incorreu numa omissão de pronúncia, o que integra a nulidade do Art.º 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal. Mais defende que essa nulidade poderá ser directamente suprida pela Relação de Lisboa mediante o mecanismo do Art.º 424.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Na sua resposta, o arguido AF, pugna pela improcedência desta nulidade, invocando que a alegação desta aventada omissão de pronúncia se funda num equívoco de que parte tanto o tribunal de primeira instância no seu acórdão como o recorrente.
Assim, defende o mesmo respondente que o Ministério Público acusou o recorrido da prática do crime de tráfico de influência p. e p. pelo Art.º 335.º, n.° 2, do CPPenal, por este ter, alegadamente, prometido a MP determinadas vantagens patrimoniais. Ora, continua o mesmo respondente, o identificado arguido MP foi absolvido da prática do crime de corrupção passiva pelo qual vinha acusado e pronunciado. Sendo que ele, recorrido, não foi acusado e pronunciado pela prática de qualquer crime de tráfico de influência que dissesse respeito às relações por si mantidas com o arguido Z. Por isso, conclui o mesmo respondente, por força do princípio do acusatório, que - recorde-se - impõe uma clara separação funcional entre o detentor da ação penal, que acusa (ou arquiva), o juiz de instrução que pronuncia (ou não) e o juiz de julgamento que julga, não pode, de forma alguma, sob pena da violação deste princípio, o tribunal recorrido (ou o de recurso) condenar por factos que não foram acusados pelo Ministério Público (cfr. as disposições conjugadas dos Art.ºs 1.º, alínea f), 339.º, n.° 4, 358.º, 359.º e 379.º, alínea b), todos do CPP e bem assim do Art.º 32.º, n.°s 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa).
Cumpre apreciar.
O aqui recorrente, Ministério Público, insurge-se contra este segmento da decisão, por entender que cabia ao tribunal a quo dar cumprimento ao disposto n.º 3 do Art.º 358.º do CPPenal, ou seja, devia ter comunicado essa alteração ao então arguido, dando-lhe oportunidade de defesa (fls. 318 do recurso do MP).
Vamos alinhar a nossa abordagem, pelo menos na sua primeira parte, pela da defesa do arguido AF, na sua resposta a este fundamento de recurso.
Consultada que seja o despacho de pronúncia, constata-se que os factos que integram o núcleo B, foram subsumidos nas seguintes incriminações:
Crimes pelos quais foi pronunciado o arguido Z:
. corrupção activa (cfr. entre outros os Art.ºs 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, como autor material, todos do Código Penal) - crime pelo qual foi absolvido; e
. tráfico de influência (Art.º 335.º, n.° 1, al. a) do Código Penal) - crime pelo foi absolvido (cfr. fls. 2427 do acórdão), porque o tribunal recorrido considerou que os factos imputados (acusados e pronunciados) se subsumiam numa outra figura criminal, a saber, a prevista no Art.º 335.º n.° 2 (cfr. pp. 2255 e seguintes do acórdão recorrido); tal como se refere a fls. 2236 da decisão recorrida, "... o arguido Z, promete uma vantagem patrimonial ao arguido AF consubstanciada na perspetiva de participação económica nos negócios dos imóveis, como contrapartida da influência deste junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a fim de obter uma expedita emissão de ARI." Ou seja, estes são os factos que levaram a que o tribunal considerasse o comportamento de Z subsumível ao crime previsto no Art.º 335.º, n.° 2, do CP.
E crimes pelos quais foi pronunciado o arguido AF:
. corrupção passiva (cfr. Art.ºs 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal) - crime pelo qual foi absolvido, cfr. fls. 2427 do Acórdão;
. tráfico de influência (Art.º 335.º, n.° 2 do Código Penal) - crime pelo qual foi absolvido, cfr. fls. 2427 do Acórdão; é a esta figura criminal que correspondem os factos que se referem à relação de AF e MP. Ora, quanto a esta matéria, o tribunal recorrido considerou que "(...) dos factos provados não resulta que o arguido AF tenha dado ou prometido a uma entidade pública, nomeadamente, ao arguido MP, uma vantagem patrimonial para esta abusar da sua influência para um qualquer fim lícito ou ilícito." (cfr. fls. 2236 do acórdão);
. peculato de uso (Art.º 376.º, n.° 1, do CP) - crime pelo qual foi condenado, cfr. fls. 2428 do acórdão.
Crime pelo qual foi pronunciado o arguido MP:
. corrupção passiva (cfr., entre outros, os Art.ºs 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º, todos estes do Código Penal) - crime pelo qual foi absolvido. Em suma, o tribunal recorrido considerou que "... não ficou demonstrado que tenha existido qualquer pacto sceleris entre o arguido MP e qualquer um dos arguidos do processo, mediante o qual aquele estivesse disposto a mercandejar o exercício do seu alto cargo público." (cfr. fls 2261-2266 do acórdão).
Assim, o comportamento do arguido AF que o Ministério Público subsumiu no crime de tráfico de influência, p. e p., pelo Art.º 335.º, n.° 2, do CP refere-se à alegada promessa realizada pelo arguido AF a MP de uma vantagem patrimonial para os fins previstos na alínea a) do n.° 1 do Art.º 335.º do Código Penal.
Quer isto dizer que, quando o tribunal a quo analisa a possibilidade de novo enquadramento jurídico dos factos se depara com aquilo que designa por alteração substancial da qualificação jurídica, e não o faz (a fls. 2233-2236) com apelo à mesma descrição factual pelos quais o Ministério Público acusou o recorrido pela prática do crime de tráfico de influência previsto no Art.º 335.º, n.° 2, do Código Penal, mas sim a outros factos distintos destes. Nessa medida, o tribunal recorrido veio a colocar a hipótese de subsunção do disposto no Art.º 335.º, n.° 1, alínea b), do Código Penal a factos (respeitantes à relação dos arguidos AF e Z) pelos quais o Ministério Público não tinha acusado o arguido AF. Como é evidente, AF foi acusado de dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial não a Z mas a MP..
Daqui resultando que AF não pode, agora, vir a ser condenado por factos que não geraram quanto a ele uma acusação-pronúncia, a saber, os factos, dispersos na narrativa acusatória que consistirão numa alegada solicitação ou aceitação de Z de vantagem patrimonial para abusar da sua influência junto de MP (cfr. Art.º 335.º, n.° 1, alínea b) do Código Penal).
A narração propriamente dita (Art.º 283.º, n.° 3, alínea b) do CPPenal) até poderá constar do magno capítulo do Núcleo B, mas, a acusação-pronúncia é omissa quanto aos elementos subjectivos referentes a este crime e aos arguidos que assim não se encontram conexionados (AF foi acusado de dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial não a Z mas sim quanto a MP), bem como quanto à indicação das disposições legais aplicáveis (alínea c) da mesma norma).
Como se pode constatar com maior precisão na comparação dos factos agora numerados neste acórdão, referentes ao núcleo B, de 406. a 418., 421., e sobretudo em B-8, os factos 857. a 859.
É jurisprudência assente que “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP” – cfr. acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 20/11/2014, DR I.ª Série, n.º 18, 27/1/2015, pp. 582-597, proc. n.° 17/07.4GBORQ.E2-A.S1, também disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954fDce6ad9dd8b980256b5f003fa814/db8856b5dbb2860b80257dc800440bac?OpenDocument.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, citando a jurisprudência, “o instituto da alteração substancial dos factos não serve para viabilizar uma acusação pública desprovida dos factos relativos ao modo como o crime foi cometido” (é o caso da acusação pública referida no acórdão da RP, de 16/4/1997, in CJ, XXII, 2, 233) – assim, no Comentário do Código de Processo Penal: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2008, 2.ª edição actualizada, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 912.
Percepção diferente não decorre da fundamentação do mencionado acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência, na parte em que consigna: “Porém, se não é aplicável, nestas situações, o mecanismo do art.º 358.º do CPP, também não será caso de aplicação do art.º 359.º, pois, correspondendo a alteração à transformação de uma conduta não punível numa conduta punível (e, nesse sentido, substancial) ou, como querem alguns, uma conduta atípica numa conduta típica, a verdade é que ela não implica a imputação ao arguido de crime diverso. Pura e simplesmente, os factos constantes da acusação (aqueles exactos factos) não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais”.
Por conseguinte, a questão situa-se a montante do preceito convocado – cfr. Art.º 358.º do CPPenal - norma que surgiu a justificar a alteração dos factos, prendendo-se, sim, com a estrutura acusatória que, por imposição constitucional, domina o processo criminal e que, grosso modo, se revela no facto do julgamento se circunscrever dentro dos limites ditados por uma acusação deduzida por entidade diferenciada – assim, no Ac. da RC de 21/6/2017, proc. n.º 89/12.0EACBR.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/d82c42aa4a9cd0d98025814d0033eab8?OpenDocument.
A alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia pressupõe que tais factos tenham sido, não apenas narrados, como também enquadrados, do ponto de vista jurídico.
Assim, a pretensão do Ministério Público, aqui recorrente, não tem viabilidade legal, atento o disposto nos Art.ºs 339.º, n.º 4 , 358.º, 359.º e 424.º, n.° 3, do CPPenal, redundando não na alteração da qualificação jurídica ínsita na acusação-pronúncia, mas sim, numa acusação extemporânea e ilegal, porque, levada a cabo pelo tribunal, quando a lei defere essa tarefa ao detentor da acção penal.
Em termos subsidiários, sempre haverá que salientar que a eventual procedência desta alegada omissão de pronúncia por falta de accionamento do mecanismo da alteração da qualificação jurídica dos factos seria completamente inútil e não redundaria em qualquer benefício tanto dos interesses da defesa como da própria acusação que aqui invocou essa mesma omissão de pronúncia.
Como se apreciará na fundamentação jurídica, mais à frente, a factualidade em referência justifica a condenação do arguido AF pelo cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva previsto e punido nos Art.ºs 17.º n.º 1, 19,º n.º 2 e n.º 3, da Lei nº 34/87 de 16 de Julho. Sabendo que a relação entre a incriminação do tráfico de influência e da corrupção é de concurso aparente, com a hegemonia deste último, temos que sempre prevaleceria a absolvição dos arguidos em causa pela prática do mencionado tráfico de influência, impondo-se a confirmação do decidido em 1.ª instância, embora com outros fundamentos mais descritivos.
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Omissão de pronúncia por aventado não conhecimento por parte do tribunal da matéria da perda ampliada de bens
No seu recurso, o Ministério Público alega que o tribunal de primeira instância, não tendo sido ilidida a presunção legal, deveria ter declarado perdidos a favor do Estado os montantes cuja origem não ficou positivamente demonstrada de forma inequívoca a sua origem. Omissão esta, em sede de pronúncia quanto à matéria de facto, configura a nulidade do Art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPPenal.
Cumpre apreciar.
Mais uma vez se refere que a omissão de pronúncia terá de significar a ausência de atitude ou de posicionamento pelo tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa e cuja decisão não fique prejudicada pela solução dada a outras.
E também aqui a argumentação do Ministério Público, neste outro âmbito, confunde omissão de pronúncia quanto à matéria de direito com erro de julgamento ou desconformidade com as normas jurídicas aplicáveis e, por essa via, a arguição de nulidade carece de fundamento.
Como se constata da simples leitura do acórdão recorrido, o tribunal tomou posição expressa sobre a matéria da perda alargada de bens e de forma concretizada sobre a posição dos arguidos a quem foram arrestados bens e realizada a respectiva liquidação, pronunciando-se expressamente sobre a presunção legal referida pelo Ministério Público nesta sua arguição.
Razões pelas quais se julga improcedente este fundamento do recurso por aventada omissão de pronúncia.
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Na motivação e ao longo das conclusões 13 a 44, a arguida MA suscita invalidade ou anomalia processual que denomina como de ininteligibilidade, insuficiência e nulidade invocando, em síntese, que a omissão, na acusação e posteriormente no despacho de pronúncia, da descrição precisa dos factos relativos aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos incriminadores em causa, bem como a ausência da referência de cada um dos tipos de crime imputados a cada subnúcleo de factos, constituiu nulidade insanável da acusação nos termos do artigo 283º nº 3 alínea b) do CPP e inviabilizou o exercício efectivo das garantias de defesa, constitucionalmente protegidas no artigo 32º da CRP .
Em resposta, o Ministério Público pugnou pela improcedência da arguição de invalidade processual.
Apreciando e decidindo:
O cumprimento da norma constante da alínea b) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, numa interpretação conforme o princípio constitucional da plenitude das garantias de defesa, exige que na acusação (como na pronúncia) o objecto do processo e os poderes de cognição do tribunal sejam definidos pela indicação precisa e compreensível dos eventos da vida real que fundamentam a aplicação ao arguido de uma sanção, normativamente considerados, ou seja, por relação às normas jurídicas infringidas e ao preenchimento dos tipos de crime, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada;
Em nossa apreciação, a descrição constante da acusação destes autos contém uma descrição suficientemente explícita dos factos que são imputados à arguida recorrente, designadamente os que são relativos à existência, natureza e âmbito de um acordo com o co-arguido AF (E-2), à posterior concretização e execução desse acordo, os objectivos pretendidos e conseguidos pelos arguidos nos diversos procedimentos concursais (“sub núcleos” E-3, E-4, E-5 e E-6).
Assim como contém a descrição factual de todos os elementos subjectivos dos tipos criminais imputados, concluindo-se afinal com a indicação precisa dos crimes que aqueles cometeram, em razão dos factos que se foram descrevendo (E-7).
No que diz respeito ao “acordo”, a descrição factual permite perceber que é imputado aos arguidos AF e MA, ambos titulares de altos cargos públicos, a efectivação do referido acordo tácito, traduzindo vontades próprias, pelo qual, cada um deles, concordou ou aceitou vir a cometer actos contrários aos deveres do cargo que cada um deles exercia, em troco ou contrapartida de vantagens de natureza não patrimonial.
Segundo se pode ler na acusação, assim viria a acontecer nos segmentos do acordo em que a arguida prometeu realizar actos consistentes na partilha de informações privilegiadas sobre os procedimentos concursais da CRESAP, como no concurso para o cargo de presidente do IRN IP ou no concurso para vogal do IRN de LGP e, em contrapartida, o arguido AF teria prometido realizar distintos actos ilícitos no âmbito dos poderes de facto decorrentes do cargo de presidente e membro do conselho directivo do IRN IP - AF, como posteriormente teria acontecido com o concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF, com o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM..
São assim definidos explicitamente os eventos da vida real em que se teria traduzido o mercadejar do cargo pela arguida.
Nestes termos, concluímos que a acusação destes autos contém uma concretização suficiente para assegurar, de modo efectivo, a possibilidade de a arguida apreender o objecto do processo e organizar a sua defesa, de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta, pelo que não se verifica nulidade processual por infracção ao disposto no artigo 283º do Código de Processo Penal, nem violação do princípio da plenitude dos direitos de defesa num processo justo equitativo, consagrado nos artigos 20º nº 4 e 32º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
A discordância da arguida com a sustentação probatória dos factos descritos na acusação ou quanto ao correcto enquadramento jurídico penal desses mesmos factos, são problemas distintos e que devem ser oportunamente apreciados, em sede própria.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DECISÓRIOS
É sabido que a decisão sobre a matéria de facto pode ser alvo de recurso em dois planos bem distintos: uma primeira forma de colocar em crise a decisão de facto consiste na alegação de um dos vícios do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal. ou seja, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Sob esta perspectiva, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: como estabelece claramente a norma respectiva (o recurso pode ter por fundamento (…) desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normas da experiência comum ), trata-se de analisar apenas o teor da fundamentação da sentença, à luz das regras da vivência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo e provenientes do próprio julgamento, nomeadamente ao conteúdo dos meios de prova produzidos, inclusive da prova oralmente produzida e gravada em audiência[213].
Permitimo-nos aqui reproduzir o que já se escreveu no despacho liminar:
A lei adjectiva, no artigo 412.º n.º 3 do Código do Processo Penal, impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida em matéria de facto o ónus de proceder a uma tríplice especificação:
- a especificação dos «concretos pontos de facto», que se traduz necessariamente na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados;
- a especificação das «concretas provas», que só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Neste âmbito, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa.
A simples remissão para a totalidade de um ou de vários depoimentos, para o teor de extensos documentos ou de transcrições de conversações telefónicas não cumpre o ónus de especificação imposto ao recorrente pela lei adjectiva penal.
Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, processo 06P461,
“Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.2 - Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação as especificações ordenadas pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, não há lugar ao convite a correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite a correcção das conclusões da motivação.
Também no entendimento de Albuquerque, Paulo Pinto de in Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª ed. pag. 1121 e 1222
“A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento (…). Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8 visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo especifico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…).
Tendo havido gravação das provas, as referidas especificações têm de ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação ou de proceder a transcrição, pois são esses segmentos dos elementos de prova que devem ser ouvidos ou visualizados pelo tribunal, sem prejuízo de outros relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.° do C.P.P.)..
O que fundamentalmente interessa é a substância ou o plano em que o recorrente efectivamente se situa, desde que observado o respeito pelos pressupostos da Constituição e da lei adjectiva, independentemente da “arrumação estrutural” que o recorrente apresenta.
Tudo isto para dizer que nas situações em que se depreende que o recorrente pretende impugnar a decisão em matéria de facto por erro de julgamento apesar de invocar o vício decisório, o tribunal de recurso deve conhecer dessa impugnação, desde que, claro está, o recorrente tenha cumprido o ónus de especificação imposto no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal.
Como escreveu Sérgio Gonçalves Poças,
Se o recorrente alega (no corpo motivador e depois nas conclusões com as respectivas especificidades, insiste-se) a existência do erro notório na apreciação da prova deve especificar no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos que foram dados como provados ou não provados (se é este o caso) em que se consubstancia tal erro.
3.3.1. (Um parêntesis necessário: Não raras vezes, erroneamente é certo, o recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova, referindo expressamente a norma do artigo 410.º, n.º 2, al. c), quando verdadeiramente, como resulta do corpo da motivação e das conclusões, não é isso que pretende invocar. De facto, não é o vício do 410.º que entende que se verifica; o que o recorrente alega, às vezes de forma canhestra, mergulhando na análise dos depoimentos e de outras provas, é que a apreciação da prova é manifestamente errada.
Mas isto é uma realidade que se não confunde com o erro notório na apreciação da prova.
Dito com palavras claras: a apreciação errada da prova não é logo caso de erro notório na apreciação da prova de que cuida a lei — aquela errada apreciação pode-se não evidenciar, e normalmente não se evidencia, no texto da decisão.
Claro que se o recorrente invoca o vício do erro notório do artigo 410.º, e este se não verifica, o tribunal deve declará-lo. Mas se apesar do recorrente, tacanhamente, para além de falar levianamente no artigo 410.º, cumpre os requisitos do artigo 412.º, n.os 1, 3 e 4, então o tribunal deve apreciar o pedido de impugnação amplo da matéria de facto.
Agora o que não será correcto é pelo facto de o tribunal de recurso concluir , bem, que se não verifica aquele vício (erro notório na apreciação da prova) arrume logo a questão, sem verificar se estão reunidos os requisitos para a apreciação que o recorrente verdadeiramente quer e claramente fundamentou: a impugnação ampla da matéria de facto[214].
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
14. Existe vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da alínea a) do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal quando se conclua, a partir do próprio texto da sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com regras de experiência comum, que a matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito. Entendendo-se necessário precisar que a decisão critério não é aquela decisão que se alcançou no processo, mas a decisão justa, a composição mais próxima da “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso concreto[215] .
Esta ponderação não prescinde de um adequado entendimento acerca dos poderes deveres do tribunal: o objecto da audiência de julgamento é constituído, nos termos do artigo 339°, n.° 4, do Código de Processo Penal, pelos “factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência” e ao tribunal pertence o poder-dever “de esclarecer e instruir autonomamente – i. é, independentemente da acusação e da defesa – o “facto” sujeito a julgamento, criando ele próprio as bases necessárias à sua decisão” [216] .
Esta consequência do princípio da investigação encontra-se consagrada no artigo 340°, n° 1, do CPP, onde se impõe ao juiz o poder-dever de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
À luz do princípio da investigação[217], a matéria de facto provada é suficiente para a decisão quando o tribunal esgotou os poderes de investigação e decidiu, entre provados e não provados, quanto a todos os factos relevantes para a decisão justa. Incluindo-se nestes últimos, não só os que constam da acusação ou da contestação mas também os que resultam da discussão da causa, em função das várias soluções viáveis – absolvição, condenação, existências de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena ou quanto a circunstâncias relevantes para a dosimetria penal[218].
Sendo um defeito ou anomalia estrutural da sentença, este vicio decisório não deve confundido com a erro na subsunção dos factos nas normas jurídicas aplicáveis, nem com a a insuficiência da prova para a matéria de facto provada que deve ser apreciada no plano da impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.
Como escreve o Sérgio Poças,
Importa ter presente que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde, como não raras vezes se vê alegado, com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo o recorrente, foram dados como provados.
Se na primeira, se critica o tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir, de acordo com o objecto do processo, retenha-se; na segunda, censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Como é evidente, esta segunda questão tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, com a reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, que hão-de ser inequivocamente visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas, como se sabe.
Como também nada tem a ver com o vício da insuficiência que analisamos , como erroneamente por vezes se vê nomeado, quando o recorrente enumera uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua perspectiva deviam ser dados como provados (há insuficiência de factos provados, alega).
Parece clara a confusão: verdadeiramente, o que o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal. Ostensivamente, a questão nada tem a ver com o vício do artigo 410.º que curamos, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, como resulta claro, julgamos, do que temos vindo a expor.
Finalmente, mas não é o menos importante: sob a ilícita protecção do vício da insuficiência que temos vindo a tratar, nunca pode surgir a criação de um processo novo, um remédio para uma acusação inepta, por exemplo.
Explicitando: a mais ampla e possível indagação da matéria de facto (sem prejuízo das situações contempladas nos artigos 358.º e 359.º) tem de ser sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no respeito do objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com um determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo.
Concluindo: o recorrente quando alega este vício não pode pretender a subversão do processo; não pode querer outro julgamento de um outro processo.
À sombra deste instituto, o recorrente não pode pretender ver corrigidos erros seus, quiçá irremediavelmente cometidos, mas pode e deve pretender um julgamento com o objecto bem definido onde tudo o que pode e deve ser indagado, deve sê-lo.
Nunca sob a capa deste instituto se poderia permitir uma investigação que subvertesse o princípio da vinculação temática do tribunal[219].
14.1 Nas conclusões 218 a 233, o arguido AF suscita a verificação do vício decisório previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, no que se refere ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado, invocando em síntese, a inexistência de factos provados que descrevam quaisquer bens móveis de valor apreciável que hajam sido utilizados indevidamente pelo secretariado do IRN sob ordem ou instrução do recorrente.
Na resposta ao recurso, o Ministério Público sustenta a improcedência da arguição, afirmando que os múltiplos factos do Núcleo B que o Acórdão recorrido deu como provados relativamente ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, pois, antes se mostram, isso sim, conexionados com o crime de corrupção passiva de que o Recorrente foi absolvido, no entanto, o Ministério Público interpôs também recurso sobre essa matéria e que por isso é evidente que a condenação do Recorrente pela prática do crime de peculato de uso jamais se alicerçou no alegado uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, pois apenas se alicerçou na utilização indevida da viatura de serviço do IRN,.
Como já exposto, para ser relevante como vicio decisório, a insuficiência da decisão da matéria de facto tem de resultar da omissão do tribunal em se pronunciar sobre factos relevantes constantes da acusação ou alegados pela defesa ou em investigar factos que deviam ter sido apurados em audiência
Não é isso que acontece na situação em apreço.
O recorrente expõe o seu entendimento quanto à conformação do elemento objectivo “valor apreciável” do tipo de crime de peculato de uso, por analogia com o conceito de “valor elevado”, e alega a inexistência de factos sobre essa matéria quanto aos equipamentos utilizados pelo secretariado, para concluir que não podia ser condenado pela prática do crime de peculato de uso, na parte em que essa condenação se alicerça no alegado uso indevido de equipamentos do IRN por parte do secretariado.
Da leitura da pronúncia e da decisão da matéria de facto provada do acórdão recorrido ressalta que os factos referentes ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, mas dos crimes de corrupção.
Ainda que se concordasse com a ideia segundo a qual se tornaria indispensável o apuramento da expressão económica de cada um dos bens que constituíam os equipamentos utilizados, o certo é que o concreto valor de cada um dos elementos do equipamento não se trata de facto que constasse da acusação, da pronúncia ou da contestação, ou sobre o qual fosse viável a indagação na audiência de julgamento, pelo que inexiste omissão de investigação de matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão.
14.2 Nas conclusões 2 a 12, a arguida MA suscita a verificação de anomalia processual que indica como sendo de nulidade ou de vicio decisório por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, invocando que o acórdão recorrido não contém –porque já assim acontecia com o despacho de pronúncia – todos os factos susceptíveis do preenchimento da vertente subjectiva dos crimes imputados ou seja, dos eventos demonstrativos do conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, da sua livre determinação e da vontade da Arguida para cometer os alegados ilícitos com o sentido do correspondente desvalor.
Na resposta ao recurso, o Ministério Público sustenta a improcedência da arguição, afirmando que contrariamente ao sustentado pela Recorrente MA, quer a acusação, quer a pronúncia, quer o Acórdão recorrido descreveram cabalmente os elementos atinentes ao dolo do tipo e à culpa, não se verificando, assim, nenhum vício da decisão recondutível a uma insuficiência da matéria de facto para a decisão condenatória (artº 410.º, n.º 2, al. a) do CPP), nem uma omissão da acusação ou da pronúncia recondutível à nulidade das mesmas por omissão descritiva de facto integrante de crime.
Vejamos.
Na construção doutrinária tradicional, o dolo compreende um elemento intelectual ou cognitivo consistente na representação, previsão ou conhecimento dos elementos objectivos do tipo de crime e um elemento volitivo, definido como a vontade de realização dos elementos do tipo objectivo. Na formulação de AF, que distingue o dolo do tipo de ilícito do dolo do tipo de culpa, acresce um elemento ou momento emocional, traduzido ou revelado numa atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição do agente aos valores protegidos pela norma, sendo necessário que o agente revele no facto uma censurável posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal e traduzido normalmente na consciência do ilícito” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2007, p. 529.
Os princípios constitucionais e de processo penal da culpa, da vinculação temática e do contraditório, impõem que na acusação do Ministério Público como no despacho de pronúncia se enunciem todos os elementos em que se analisa o dolo, ou seja, o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito, a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual).
Sendo essencial que essa formulação permita ao arguido a apresentação de uma defesa completa e eficaz e a determinação clara do objecto do processo.
Neste âmbito, como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.» (acórdão de uniformização de jurisprudência de 20/11/2014, DR I.ª Série, n.º 18, 27/1/2015, pp. 582-597, proc. n.° 17/07.4GBORQ.E2-A.S1, também disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954fDce6ad9dd8b980256b5f003fa814/db8856b5dbb2860b80257dc800440bac?OpenDocument ).
A arguida recorrente refere-se ao conjunto de factos do “Núcleo E”, atinentes à imputação dos crimes de corrupção activa, de corrupção passiva e de tráfico de influência.
Interessa notar que consta na pronúncia quanto aos factos aqui em apreço (transcrição):
1679.À data dos factos supra descritos, a arguida MA era titular de Alto Cargo Público no exercício das funções desempenhadas, quer enquanto Secretária-Geral do Ministério da Justiça, quer como Vogal Não Permanente da CReSAP.
1680.O arguido AF, na qualidade de Presidente do IRN, era igualmente titular de Alto Cargo Público.
1681.Ambos os arguidos sabiam que, por força dos cargos que respectivamente ocupavam, estavam obrigados a estritos deveres de isenção e imparcialidade.
1682.Sabiam também que estavam sujeitos aos princípios gerais da prossecução do interesse público, da legalidade, da objectividade e da independência.
1683.Não obstante, firmaram um acordo mediante o qual ambos aceitaram violar tais deveres em favor um do outro ou de terceiros por si escolhidos.
1684.Ao actuarem pela forma descrita, solicitando por um lado, que o outro violasse os deveres funcionais em prol dos seus interesses privados e, aceitando, por outro lado, violar os seus próprios deveres do cargo após solicitação, os arguidos transaccionaram com os seus cargos, colocando os respectivos poderes funcionais ao serviço de interesses privados, manipulando o aparelho de Estado, em violação da autonomia e das exigências de legalidade, objectividade e independência do Estado de Direito.
1685.A arguida MA ao actuar pela forma descrita no âmbito do acordo entre ambos, solicitando a AF que intercedesse junto de MM, à data Ministro da Administração Interna, para que este beneficiasse HM, sabia que o mesmo estava numa situação privilegiada de amizade com aquele.
1686.A arguida MA ao actuar pela forma descrita no âmbito do acordo entre ambos, solicitou a AF para exercer o seu poder institucional de influência no âmbito do concurso público a que era oponente CF, de forma a alcançar uma decisão que a beneficiasse por parte do júri do concurso.
1687.Sabia também que AF poderia, efectivamente, aceder aos seus pedidos, como acedeu, e dessa forma obter uma decisão ilícita por violação dos princípios de isenção e imparcialidade.
1688.O arguido AF, no âmbito do acordo firmado com MA, aceitou usar da sua influência sobre MM, contactando-o para o influenciar na respectiva escolha e desta forma obter de um decisor público uma decisão favorável aos interesses de um terceiro.
1689.Do mesmo modo, AF, ao interceder junto de JM para que este, enquanto presidente de júri, beneficiasse CF em detrimento de outro concorrente, queria obter dele uma decisão que sabia ser contrária aos respectivos deveres do cargo, nomeadamente o dever de isenção.
1690.Sabiam ambos os arguidos que a sua actuação colocava em risco a autonomia intencional do Estado e o princípio da legalidade.
1691.Ao actuar da forma descrita, violaram os arguidos AF e MA os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, de lealdade, (art.°s 3º, nºs 1 e 2 a), b), c), e), g), n.°s 3, 4, 5, 7, 9 do Estatuto dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro e, actualmente, pelo art.° 73°, n° 1 e 2 a), b), c), e), g), n.°s 3, 4, 5, 7, 9 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n° 35/2014, de 20 de Junho, art.° s 4° e 34° b) e c) do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n° 2/2004, de 15 de Janeiro
1692. As condutas adoptadas pela arguida MA acima descritas integram um notório desvio funcional em proveito de interesses de natureza particular, atenta as especiais incumbências estatutárias da CReSAP, na prossecução de objectivos de meritocracia, transparência e igualdade no acesso ao exercício dos altos cargos públicos do Estado.
1693. Das mesmas resultando uma quebra de confiança irremediável e a falta de condições pessoais da arguida para o exercício das funções públicas que lhe estavam cometidas no âmbito da CReSAP e no âmbito do seu cargo público de origem na Polícia Judiciária, bem como em quaisquer outros cargos públicos cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de isenção, independência e sigilo.
(…)
Já na parte final, consta ainda na pronúncia:
2025. Os arguidos actuaram todos de forma livre, deliberada e consciente, cientes que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Estes mesmos factos foram no acórdão do tribunal colectivo transpostos para a matéria de facto provada nos pontos 1488 a 1502.
Em nossa apreciação, encontram-se efectivamente descritos na decisão de pronúncia e no acórdão todos os elementos objectivos referentes ao tipo de participação como os elementos subjectivos dos crimes imputados à arguida, designadamente no que diz respeito, quanto a estes últimos, ao elemento intelectual, isto é, a representação ou conhecimento dos elementos objectivos de cada um dos tipos de crime e ao elemento volitivo, entendido como a vontade de realização dos elementos do tipo objectivo. Essa descrição revela-se compreensível e permite a elaboração e apresentação de uma defesa eficaz.
Será irrelevante a circunstância de a referência à consciência do ilícito surgir apenas na parte final da acusação e de uma forma “genérica”, para todos os arguidos.
Acompanhamos o entendimento expresso na resposta do Ministério Público, de que a consciência da ilicitude não necessita de ser articulada como facto imputado e, posteriormente, enunciada na matéria provada, uma vez que constitui um mero “reflexo” ao nível da culpa do tipo de ilícito.
Como decidiu o TRE no acórdão de 05-03-2013, proc. 5689/11.2TDLSB.E1, A João Latas, in www.dgsi.pt (transcrição) ,
a fórmula consagrada na praxis judiciária, “o arguido agiu deliberada livre e conscientemente, bem sabendo ser proibida por lei a sua conduta”, ou outra equivalente, não respeita ao tipo objetivo ou subjetivo, e relativamente aos crimes do chamado direito penal clássico, como sucede no caso presente, a mesma não tem que constar da acusação e da sentença por respeitar à imputabilidade e à consciência da ilicitude, de que cuja verificação positiva em cada caso não cumpre fazer prova, ainda que indireta, por estar a mesma implícita no preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito.
Como ensina atualmente o Prof. F. Dias, “Excecionalmente, à afirmação do dolo do tipo torna-se ainda indispensável que o agente tenha atuado com conhecimento da proibição legal (…) Nos delicta mere prohibita existe entre os elementos pertencentes ao tipo objetivo de ilícito e a proibição legal uma conexão de tal modo inextricável que não pode fazer-se entre eles qualquer distinção normativa e teleológica para afirmação do dolo do tipo.”[4][220]
Daí que a consciência da ilicitude enquanto facto psicológico de conteúdo positivo não tenha que ser alegada e provada em cada caso, pelo menos nos chamados “crimes em si” do direito penal clássico onde se insere o crime de injúria aqui em causa – tal como não tem que ser alegada a ilicitude do facto indiciada pelo preenchimento do tipo legal - , contrariamente ao que sucede com os factos que correspondem ao dolo e, eventualmente, a outros elementos subjetivos do tipo, sem prejuízo da alegação e prova dos factos integradores de eventual causa de justificação ou de exclusão da culpa, quando estejam em causa.
Do mesmo modo, não tem que constar da acusação e da sentença a afirmação da imputabilidade do agente do crime, pois esta presume-se nos cidadãos a partir dos 16 anos de idade e só nos casos de inimputabilidade em razão de anomalia psíquica a questão de facto e de direito ganha plena autonomia, impondo-se a alegação e prova dos factos respetivos.
Também do ponto de vista processual esta perspetiva se confirma, em nosso ver, pois ao contrário da factualidade que integra os elementos do tipo legal, que deve constar necessariamente da acusação, conforme expresso no art. 283º nº 3 al. b) do CPP, por imposição dos princípios do acusatório, do contraditório e da vinculação temática ao objeto do processo, estes princípios em nada são postos em causa com a falta de menção da apontada fórmula sacramental positiva ( “o arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo ser proibida por lei a sua conduta”) ou equivalente. Na verdade, fora dos casos em que se discuta a realidade negativa correspondente, o tribunal não autonomiza o julgamento sobre factos que pudessem reconduzir-se a uma verificação positiva da imputabilidade e da consciência da ilicitude, pelo menos quando estão em causa crimes que integram o chamado direito penal clássico.
Termos em que improcedem as arguições de nulidade e vício de decisório por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Contradição insanável da fundamentação
15. A doutrina e a jurisprudência têm coincidido no entendimento de que ocorre contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição irredutível entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova.
Assim, verifica-se esta anomalia quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente, como, por exemplo, um mesmo facto com interesse para a decisão da causa constar como provado e como não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, ou quando for de concluir que a fundamentação da convicção conduz necessariamente a uma decisão sobre a matéria de facto provada e não provada diferente daquela que consta na sentença recorrida[221].
15.1 O arguido AF e a arguida MA suscitaram a verificação de contradição insanável da fundamentação, invocando os seguintes fundamentos[222]:
-No parágrafo 1446 da matéria de facto provada[223] consta que “Ainda no mesmo dia 19 de Dezembro de 2013, o arguido AF contactou por telefone o presidente do júri o Dr. JM com vista a condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri e cuja publicação havia evitado.”,
-No parágrafo 1948 da matéria de facto provada relativa à contestação do Recorrente consta que “Considerando o apoio por parte da Secretária-Geral à candidata CF, o arguido AF consultou o Dr. JM, Vice-Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e elemento do júri do concurso, tentando aferir acerca da escolha feita.”
-Do parágrafo 1949 da matéria de facto provada relativa à contestação do Recorrente, resulta que “O arguido AF apenas reportou ao Dr. JM o interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.”
-Ora, conclui o recorrente AF, não pode resultar provado que o Recorrente tenha, simultaneamente, tentado “condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri” e tenha “tentado aferir acerca da escolha feita”, tendo “apenas reportado ao Dr. JM o interesse preferencial da Secretária Geral do MJ”, no âmbito do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do IRN, pelo que a decisão sobre tais pontos da matéria de facto provada padece de contradição insanável, nos termos do disposto no artigo 410, n.º 2, al. b) do CPP.
Apreciando e decidindo:
O segmento do texto que na decisão da matéria de facto provada da pronúncia se refere à influência sobre o Dr.JM, membro do Júri do concurso, tem o seguinte teor:
1446. Ainda no mesmo dia 19 de Dezembro de 2013, o arguido AF contactou por telefone o presidente do júri o Dr.JM com vista a condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri e cuja publicação havia evitado.
1447. Nessa conversa, o arguido, referindo-se à oponente CF, alertou o Dr.JM que a arguida MA "está a dar-lhe muito apoio, muita força, cuidado! e que ela já tinha mandado para aí uma boca qualquer, cuidado!" .
1448. Apesar da sua actuação junto do presidente do júri do concurso, o arguido AF não logrou alterar o sentido da decisão, mantendo-se a deliberação do júri.
1449. Nesse mesmo dia, o arguido AF, frustrado por não ter logrado influenciar a decisão de JM, enviou sms à arguida MA dando conta das suas diligências junto daquele, referindo-lhe que "o MAIA não está para aí virado", ao que a arguida MA lhe respondeu "que é porque quer escolher outra pessoa, mas tudo bem"
A leitura deste conjunto de parágrafos não contradiz a referência ao propósito de “aferir” a escolha feita – “aferir” ainda é compatível com “condicionar”- , mas encontra-se na realidade em antinomia com a afirmação de que o arguido apenas tenha reportado ao Dr.JM o interesse preferencial da Secretária Geral do MJ”..
Os elementos constantes da leitura da decisão permitem afastar a contradição, pelo que se decide retirar o advérbio “apenas” do parágrafo 1949 da matéria de facto provada relativa à contestação do recorrente, mantendo tudo o mais.
Assim o ponto 1949 da matéria de facto tem a seguinte redacção:
1949. O arguido AF reportou ao Dr.JM o interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.
15.2. Os recorrentes AF e MA suscitaram ainda a verificação do vício decisório, invocando:
-Do ponto 1472 da matéria de facto provada, resulta que MA pediu a AF para que envidasse esforços junto do Ministro da Administração Interna, MM, no sentido de HM ser provido ao cargo de Secretário de Estado do MAI.
-No parágrafo 1955 da matéria de facto provada relativa à contestação do Recorrente AF resulta que “na sequência de um pedido efetuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, num encontro ocasional e passageiro, sem, no entanto, pedir o que quer que fosse, que o Dr.HM estava a concorrer ao cargo de Diretor Geral das Infraestruturas e Equipamentos do MAI.”
-Do ponto E.g) da matéria de facto não provada relativa à PRONÚNCIA, resulta que o Tribunal a quo considerou não provado a circunstância de MA querer beneficiar HM no procedimento concursal para Secretário-Geral do MAI.
Ora, conclui o recorrente, não pode resultar, simultaneamente, provado e não provado a intenção de MA em querer beneficiar HM, bem como a intenção do Recorrente em ter acedido a usar a amizade que sabia que este tinha junto do Ministro da Administração Interna.
Apreciando e decidindo:
O texto da decisão da matéria de facto provada que se refere ao benefício de HM e, com interesse neste âmbito, tem o seguinte teor:
1472. Assim, no âmbito do referido acordo de troca de favores recíprocos, em Dezembro de 2013, a arguida MA solicitou ao arguido AF, e este aceitou, que fizesse uso do seu poder de influência junto do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, a fim de que este favorecesse HM num concurso para Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna.
1473. Para o efeito, por correio electrónico enviado ao arguido AF, em 9 de Dezembro de 2013, a MA, referindo que o cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna ia vagar no final do mês e sabedora do relacionamento próximo do arguido com o arguido MM, à data Ministro da Administração Interna, sugeriu-lhe que envidasse esforços no sentido de HM, interessado no cargo, nele fosse provido.
1474. Três dias depois, em 12 de Dezembro, por correio electrónico, a arguida MA enviou ao arguido AF o Curriculum Vitae de HM que previamente este lhe tinha remetido.
1475. No dia seguinte, em 13 de Dezembro, a arguida MA questionou o arguido AF sobre o currículo de HM e se já havia falado ao MM, assim se referindo ao Ministro da Administração Interna, respondendo-lhe o arguido AF afirmativamente, indicando que já lhe havia remetido uma mensagem sem que tivesse obtido resposta.
1476. A arguida MA retorquiu, sugerindo ao arguido AF que falasse com o Ministro pessoalmente, ao que o arguido AF a informou de que jantaria com ele na semana seguinte .
1477. Em 19 de Dezembro, pelas 18 horas e 15 minutos, em conversa telefónica, a arguida MA questionou o arguido AF se já havia falado com o MM daquilo que lhe pedira, insistindo para que falasse pessoalmente, para que visse lá aquilo para o HM..
1478. Após aquele telefonema, pela hora do jantar desse dia, na Embaixada da Roménia, em Lisboa, onde se encontraram por motivo não apurado, o arguido AF, em execução do acordo firmado com a arguida MA, abordou o arguido MM novamente, alertando-o para o interesse que tinha em que HM fosse provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna.
1479. O arguido MM referiu ao arguido AF que o concurso para o cargo seria organizado pela CReSAP, pedindo-lhe que o fosse alertando para a situação.
1480. Conversa essa de que, pelas 20 horas, em telefonema, o arguido AF logo deu conta a arguida MA..
1481. Em 8 de Janeiro de 2014, foi publicado o Aviso para o Procedimento Concursal 396_CReSAP_307_12/13, para preenchimento do cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna .
1482. Em 10 de Janeiro de 2014, HM contactou o arguido AF confirmando-lhe que iria concorrer ao cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, referindo-lhe este que iria dar uma palavrinha ao MM, referindo-se ao arguido MM..
1483. No dia seguinte, a arguida MA remeteu sms ao arguido AF alertando-o que o concurso já tinha sido publicado, pedindo-lhe não se esqueça do nosso amigo, ao que aquele lhe confirmou já ter falado com HM..
1484. Na execução do plano traçado com a arguida MA, o arguido AF continuou a endividar esforços com o objectivo de HM ser provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, tendo mesmo enviado o Curriculum deste último ao arguido MM, a isso aludindo em conversa que com este manteve em 4 de Fevereiro de 2014.
1485. No âmbito do procedimento concursal, HM entregou candidatura e efectuou testes de aptidão pessoal.
1486. Teve, igualmente, avaliação circular e passou à fase de entrevista, tendo sido convocado para 28 de Abril de 2014.
1487. Nessa data, por correio electrónico enviado para a CReSAP, sem que nada o fizesse prever, HM resolveu desistir do concurso .
No parágrafo 1955 do elenco dos factos provados consta o seguinte:
1955. Na sequência de um pedido efectuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, num encontro ocasional e passageiro, sem no entanto pedir o que quer que fosse, que o Dr.HM estava a concorrer ao cargo de Director Geral das Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna.
No parágrafo ccclv do elenco a matéria de facto não provada (que o recorrente indica como “ponto E.g)” escreveu-se:
A arguida MA, fruto da sua amizade com HM, e como forma de agradecimento daquela situação passada, decidiu beneficiá-lo na expectativa que o mesmo tinha de ver alterada a sua situação laboral.
Em nossa apreciação, não existe qualquer contradição nos factos provados referentes à conduta do recorrente AF, nomeadamente nos contactos com o arguido MM, nem entre os factos provados e os factos não provados
Com efeito, segundo podemos compreender, no referido parágrafo ccclv se consideram não provados os motivos da conduta de MA e não a intenção ou propósito da arguida (ou seja, julga-se não provado que a arguida tenha agido na forma descrita nos pontos 1472 a 1477 e 1483 como forma de agradecimento daquela situação passada o que não afasta necessariamente a intenção da arguida de beneficiar HM).
Improcede por isso a arguição, neste âmbito.
15.3 A arguida MA suscitou a verificação do vício decisório de contradição insanável da fundamentação em matéria de facto ainda quanto à matéria de facto referente ao concurso da CReSAP para provimento dos cargos de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." em que foi oponente LGP, invocando, em síntese que aí se contêm factos contraditórios entre si, na medida em que por um lado se refere que MA contactou AF “no sentido de o esclarecer acerca do facto de LGP estar a concorrer“, ao cargo ali referido e, por outro lado, da como provado que o arguido “anuiu à recomendação emanada pela Secretária-Geral do Ministério da Justiça, com o peso institucional que detinha”..
O segmento do texto da decisão da matéria de facto com interesse neste âmbito, é o seguinte:
1450. Em Janeiro de 2014, a arguida MA, enquanto membro do júri nos Procedimentos Concursais n.º 233_CR e SAP_165_10/13 e n.º 234_CReSAP_166_10/13, da CReSAP, com vista ao preenchimento de dois lugares de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", teve conhecimento de que LGP, à época Secretário-Geral da Câmara dos Solicitadores, era oponente aos concursos e que o mesmo iria passar à fase das entrevistas.
1451. Sabia ainda que LGP era conhecido do arguido AF..
1452. Em 15 de Janeiro de 2014, a arguida MA, em violação dos deveres de sigilo e isenção a que estava obrigada enquanto membro do júri daqueles concursos, contactou o arguido AF no sentido de obter a sua anuência à promoção e favorecimento da candidatura de LGP ao lugar de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
1453. De imediato, o arguido AF aderiu a essa proposta, concordando ambos que, estando LGP conotado com o Partido Socialista e estando o Governo em fim de mandato, o provimento daquele no cargo revela-se adequado, até porque o arguido AF tinha boa relação pessoal com ele .
1454. A arguida MA, violando o dever de sigilo, informou, ainda, o arguido AF que LGP havia igualmente concorrido ao concurso a que era oponente JM (para Vice-Presidente) mas que não estava tão bem colocado, e, ainda, que não sabia quem o mesmo era na altura, porque se soubesse até o tinha colocado melhor, referindo-se à avaliação curricular que já havia realizado enquanto membro do júri deste concurso .
1455. Em execução do plano entre ambos delineado de promoção e favorecimento da candidatura de LGP, o arguido AF contactou aquele e transmitiu-lhe ter dado indicações à arguida MA para que o mesmo fosse escolhido para o cargo a que concorria e que já havia definido com a arguida MA como é que as coisas iriam correr .
1456. No respectivo procedimento concursal, LGP foi entrevistado nas instalações da CReSAP, na manhã do dia 7 de Fevereiro de 2014, no concurso relativo ao cargo de Vogal (Vice Presidente).
1457. Finda a entrevista, cerca das 12 horas e 30 minutos desse dia, a arguida MA, preocupada com a prestação de LGP, enviou sms ao arguido AF referindo-lhe que devia transmitir àquele candidato que, na entrevista no período da tarde, deveria ser mais objectivo e trazer propostas concretas para o lugar a concurso .
1458. Pelas 14 horas e 44 minutos do mesmo dia, por não ter obtido reacção ao sms que enviara, a arguida MA telefonou ao arguido AF, questionando-o se já havia lido a sua mensagem, relatando-lhe a prestação de LGP na entrevista da manhã, que apodou de pouco objectiva e de conversa de político, e referindo-lhe que, na parte da tarde, aquando da continuação da entrevista, aquele teria que ser mais objectivo e trazer propostas concretas para o lugar a prover
1459. De imediato, o arguido AF contactou por telefone LGP, transmitindo-lhe as orientações da arguida quanto à prestação a ter no período da tarde
1460. Finalizada a entrevista da tarde, a arguida MA transmitiu ao arguido AF a sua opinião quanto à prestação de LGP, autorizando o arguido AF a dizer a este que se tinha saído muito bem e que teve um comportamento completamente diferente do que teve nas outras entrevistas .
1461. Finda a fase concursal, a CReSAP indicou à Ministra da Justiça JR, MCC e LGP, como os três concorrentes melhor classificados no procedimento concursal n. 234 - CR e SAP_166_10/13, a fim de que esta ficasse habilitada a fazer a nomeação .
1462. Por despacho publicado no DR, n.º 102, II.ª Série, de 28 de Maio de 2014, a Ministra da Justiça nomeou JR..
1951. No dia 15 de Janeiro de 2014, após ser contactado, pela Secretária-Geral do Ministério da Justiça, a arguida MA, no sentido de o esclarecer acerca do facto do Dr. LGP estar a concorrer ao cargo de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
1952. Mais uma vez, a par do que já havia acontecido, o arguido AF anuiu à recomendação emanada pela Secretária Geral do Ministério da Justiça com o peso institucional que detinha.
1953. A CReSAP terá indicado os elementos que integrariam a shortlist do procedimento concursal para o cargo de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
1954. A Ministra da Justiça nomeou, a final, JR..
Em nossa apreciação do conjunto dos factos relevantes, não existe antinomia, muito menos insanável, entre um pedido de esclarecimento pela arguida MA ao arguido AF acerca do concurso e a (posterior) anuência pelo segundo a uma recomendação da primeira.
Ao invés do que aparentemente a arguida MA terá invocado na conclusão nº 76, não existe qualquer contradição entre o teor dos pontos 1461 e 1953.
Improcede assim a arguição de vício decisório neste ponto.
15.4 O Ministério Público suscitou a existência no acórdão recorrido do vício decisório de contradição insanável na fundamentação ao longo da motivação do recurso, transcrita nas conclusões 40 a 49, 50 a 54, 62 a 65, 81 a 92, 93 a 101, 102 a 125, 126 a 132, 133 a 142, 143 a 154, 173 a 178, 197, 198 a 200, 201 a 218, 219 a 225, 227 a 234, 235 a 246, 247 a 251, 252 a 271, 272 a 275, 295 a 305 e 394 a 396.
Nas conclusões 40 a 49, afirma o Recorrente, em síntese, que o texto da fundamentação a fls. 955, referente às relações pessoais entre os arguidos AF, MP e Z se encontra em contradição com outros factos provados, designadamente a fls. 159, 226, 227, 233, 234, e 240 e com a sessão 1175 de 23/12/2013, apenso C, volume 1º, p. 245-248, devendo ter-se com provado que entre os arguidos intercediam relações pessoais de grande proximidade.
Neste âmbito, pode ler-se na motivação da convicção do tribunal o seguinte (transcrição de p. 954 a 956):
A fundamentação do primeiro núcleo de factos assentou essencialmente na prova documental e nas declarações dos arguidos, tendo estas corrigido alguns erros cometidos na narração da acusação/pronúncia.
Os arguidos assumiram livremente rede de relações que os ligavam, embora, com algumas restrições quanto à força dos laços que os uniam.
De mais relevante, foi admitida uma forte relação de amizade entre o arguido JA e o arguido MM ..
Com um grau menos forte a relação de amizade entre estes e o arguido AF..
Este arguido mantinha uma relação de amizade de vários anos com a arguida MA..
O arguido JA tinha uma longa relação de amizade com o arguido PLC, mantendo este uma relação de amizade não tão estreita com o arguido MM..
O arguido FP é primo do arguido AF..
O arguido JS é amigo de vários anos do arguido AF..
Os arguidos PE, JG e PV todos funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", conheceram-se no exercício de funções e desenvolveram relações de amizade, umas mais estreitas do que outras, por virtude directa do maior contacto existente.
Este arguidos tinham uma relação institucional com o arguido AF, por este desempenhar funções de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", superior hierárquico máximo.
O mesmo acontecia em relação à arguido EA conservadora do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
O arguido AS tinha também uma estreita relação institucional com o arguido AF, sendo por este encarregue directamente de integrar determinados projectos.
O arguido EB mantinha uma relação institucional com ao arguido AF, em razão das funções que desempenhavam em Angola e em Portugal.
O arguido MP não mantinha relação de amizade com os restantes arguidos, apenas relações institucionais com os arguidos AF e arguido MM..
Finalmente, o arguido AF mantinha uma forte relação de amizade com os arguidos Z e ZB, os quais por sua vezes mantiveram uma relação pessoal com o arguido XB.
O fulcro desta rede de relações era o arguido AF, a partir dele estabeleciam-se as outras relações que poderiam ter contactos esporádicos, como por exemplo, o arguido MP e o arguido JA..
Afigura-se-nos que o acórdão recorrido contém juízos probatórios sobre as relações existentes entre os arguidos MP e AF que são em si mesmo seguramente contraditórios e inconciliáveis à luz de regras normais da experiência comum.
Com efeito, apesar do que acima se transcreveu, onde se inclui a afirmação de que o arguido MP não mantinha relação de amizade com os restantes arguidos, diz-nos também a fundamentação da convicção do tribunal a p. 1681 que a Conversa sobre a entrega de vinho revela tratamento muito próximo entre AF e MP. Segue-se a transcrição de uma conversação telefónica entre AF/Z e MP (sessão 1175 de 23/12/2013) onde se evidencia a utilização de termos (“Manel”, “menino”, “pá” e tratamento na segunda pessoa do singular), que não são utilizados entre pessoas que mantêm entre si apenas relações institucionais e só são compreensíveis num relacionamento de confiança mútua e amizade. O teor bem elucidativo desta conversação deve prevalecer sobre o sentido das declarações prestadas na audiência pelos próprios arguidos.
À luz da experiência comum, a ponderação conjunta dos factos referentes à oferta de bilhetes e de garrafas de vinho, convite para um casamento, a reunião no SEF, jantar de 28/06/2013[224] é inconciliável com uma mera relação institucional, mas também não nos impõe a conclusão de existência de relações pessoais de intensa proximidade ou de amizade.
Em face do exposto, procedendo parcialmente a arguição de vicio decisório, será a decisão da matéria de facto provada alterada no sentido de se considerar não escritas as afirmações, constantes de fls. 955, de que o arguido MP mantinha uma relação “meramente institucional” com o arguido Z e que o arguido MP não mantinha relação de amizade com o arguido AF..
Nas conclusões 50 a 54 o Ministério Público sustenta a verificação do vicio decisório da contradição insanável na fundamentação sobre os factos referentes à pareceria dos arguidos JA e MM com a "BA,SA"..
Está aqui em análise o facto 52 da pronúncia e o parágrafo ix do elenco dos factos não provados com a respectiva motivação da convicção em nota de rodapé, onde consta:
ix.No ano de 2008, os arguidos MM e JA mantiveram contactos de natureza negocial com JSG da "BA,SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C – Companhia de Planejamento do Distrito Federal de Brasília", do Brasil[225].
Sabemos da motivação da convicção que o arguido MM nas declarações prestadas em audiência de julgamento negou qualquer relação profissional com a "BA,SA", a não ser aquela que resulta de, esporadicamente, ser utente dos parques de estacionamento subterrâneos que a "BA,SA" tem em Braga, cidade onde eu moro. Na altura, estava no escritório, o arguido JA tinha uma pessoa qualquer interessada em ter uns parques de estacionamento subterrâneos no Brasil e andava à procura de alguém que, em Portugal, tivesse know-how nesse domínio. (cfr. fls. 1111).
Examinado o teor do relatório 31 do apenso P, os documentos coligidos podem comprovar a existência de contactos de natureza negocial entre o arguido JA e JSG, director da "BA,SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, pela empresa "C – Companhia de Planejamento do Distrito Federal de Brasília", mas esses mesmos documentos são manifestamente insuficientes para ter como assente que o arguido MM tenha assumido alguma intervenção nesses mesmos contactos, para lá da informação quanto à existência de uma empresa interessada e de um inócuo reencaminhamento de mensagem de correio electrónico.
Com estes limites, porque a autos contêm os elementos necessários à sanação do vício decisório de contradição insanável na fundamentação, decide-se alterar a redacção do ponto ix do elenco dos factos não provados por forma a passar a ter a seguinte redacção:
ix. No ano de 2008, o arguido MM manteve contactos de natureza negocial com JSG da "BA,SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C – Companhia de Planejamento do Distrito Federal de Brasília", do Brasil
E adiciona-se um ponto à matéria de facto provada com a seguinte redacção:
36-A No ano de 2008, o arguido JA manteve contactos de natureza negocial com JSG da "BA,SA ", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C –", do Brasil.
Nas conclusões 62 a 65, o Ministério Público suscita a verificação de vicio decisório de contradição insanável na fundamentação nos factos não provados quanto à «assessoria comercial» estabelecida entre a "JF,Ldª" e a "FI,SA"..
Se bem entendemos, o Recorrente refere-se ao facto 55 da pronúncia e parágrafo xi do elenco dos factos não provados, com a respectiva motivação da convicção em nota de rodapé, onde consta:
« A assessoria comercial com a sociedade "FI,S.A.", na prática, consistia na facilitação de contactos privilegiados no âmbito da contratação pública, nomeadamente em concursos públicos em que aquela viesse a ser oponente[226].
O Ministério Público não nos elucida, e também não descortinamos, qual o raciocínio lógico que se deve estabelecer a partir da ponderação conjunta dos documentos constantes do apenso P e dos factos provados 37 a 53 que nos imponha a formulação do juízo valorativo segundo o qual a assessoria comercial se limitava na prática a uma facilitação de contactos privilegiados.
Em nossa apreciação, inexiste neste âmbito uma contradição na fundamentação do acórdão recorrido, devendo manter-se a decisão neste âmbito.
Nas conclusões 81 a 92, o Recorrente sustenta a existência de vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão no que respeita à matéria de facto provada e à fundamentação de direito, e subsequente decisão, no que se reporta à matéria atinente aos poderes de direcção descritos na pronúncia e referente aos actos de corrupção passiva imputados a AF, por errada interpretação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07.
A anomalia processual designada como de vício decisório de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal, tem necessariamente como objecto a decisão sobre matéria de facto, pelo que o problema aqui suscitado, que incide na fundamentação de direito, será oportunamente apreciado, em sede de enquadramento jurídico penal dos factos provados.
Nas conclusões 93 a 101 o Ministério Público afirma a existência de contradição insanável na motivação da decisão de facto na parte relativa à participação do arguido XB..
Pode ler-se na motivação da convicção do tribunal colectivo o seguinte (transcrição p. 956-957):
Na construção da narrativa do núcleo B foi essencial o estabelecimento de vários acordos, apenas se tendo demonstrado o acordo entre os arguidos AF, Z e ZB para aquele fazer uso da sua influência junto do arguido MP e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, assim como, na utilização dos meios materiais ao dispor no "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." com vista à prospecção imobiliária.
Aqui a prova embora indirecta preencheu todo o iter lógico, incluindo a conversa telefónica em que o arguido Z comunica ao arguido AF que tem guardados para ele € 5000,00 e este fica agradado com a promessa e, posteriormente, diz àquele que vai reparti-los com o arguido MP..
A adesão do arguido MP a um qualquer acordo proposto pelo arguido AF demonstrou-se ser completamente inexistente.
Os depoimentos das testemunhas e a prova documental revelam que o comportamento do arguido MP foi correcto e não subordinado a qualquer interferência exterior.
A adesão a este acordo do arguido MM é completamente inexistente. Para além da relação de amizade que existia entre este arguido e o arguido AF nada mais se demonstrou. Tudo o mais são deduções sem o menor apoio fáctico.
A adesão a este acordo do arguido XB é também inexistente. Este arguido teve uma breve passagem por território nacional, não tinha domínio da língua portuguesa ou inglesa, o único contacto que mantinha era com o arguido Z..
A clara intenção deste arguido era obter ARI para si e para a família e aproveitar oportunidades de investimento imobiliário que na altura eram relevantes. Tudo o mais são deduções sem o menor apoio fáctico.
O Recorrente insurge-se com a decisão no segmento em que se escreve que este arguido teve apenas uma breve passagem por território nacional.
Tem razão neste ponto o Ministério Público porque, recorrendo apenas ao texto da decisão, teremos de concluir que os factos provados supra enunciados nos parágrafos 63 a 71 (parcerias com AF), 257 a 264 (Palácio …), 300 a 307 (imóveis da CML) e 309 a 312 (terreno de C…), são absolutamente inconciliáveis com a limitação da permanência em Portugal a um lapso de tempo “rápido” ou “fugaz”.
Deve por isso considerar-se como não escrita a afirmação de que o arguido XB teve uma breve passagem por território nacional
Nas conclusões 102 a 125, o Ministério Público afirma a existência de contradição insanável entre os factos julgados como não provados de fls. 852 a 859, bem como o que consta da fundamentação a respeito dos arguidos MP e JA, e os factos provados de fls. 225 e 294, com o Relatório da IGAI constante de fls. 161 a 183 do Apenso W, reproduzido em julgamento através do depoimento da testemunha J… R… (transcrição a fls. 1148), com o depoimento da testemunha LP, cuja transcrição de depoimento consta de fls. 1132 e com as regras da experiência comum.
O circunstancialismo não provado “de fls. 852 a 859”, que o recorrente não concretiza, encontra-se acima transcrito nos pontos lxxiv a cxx do elenco dos factos não provados.
Por sua vez, a matéria de facto provada que o Ministério Público indica como sendo “de fls. 225 e 294”, sem a mínima concretização, poderá, talvez, dizer respeito a todo o circunstancialismo de fls. 225 a 294 do núcleo B 6, acima transcrito dos parágrafos 406 a 832, ou seja a mais de duas centenas de factos !
Segundo entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência, o recurso não constitui um “segundo julgamento” do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a uma correcção cirúrgica de erros de procedimento ou de julgamento.
Sendo por isso indispensável a indicação dos concretos segmentos da decisão que devem ser revogados ou alterados pelo Tribunal.
A falta de especificação pelo Ministério Público, na motivação em sentido estrito e nas conclusões, dos factos ou fundamentos do acórdão recorrido que se encontram em contradição e a total ausência de indicação pelo recorrente do raciocínio lógico em que assenta a alegada contradição insanável, impedem este tribunal de recurso de compreender e de apreciar o problema suscitado neste âmbito.
Se porventura outro motivo não houvesse, sempre seria manifestamente improcedente a arguição do vício decisório quando o recorrente se afasta completamente do texto da sentença, analisado sob as regras da experiência comum e se baseia apenas em elementos ou meios de prova.
Com efeito, é nosso entendimento que toda a argumentação contida na exposição das conclusões 105 a 121 do recurso do Ministério Público carece de utilidade em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, em qualquer um dos planos genericamente consentidos nos artigos 410º nº 2 e 412º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal :
-A alegação é irrelevante no plano dos vícios decisórios, porque a arguição se baseia apenas em elementos probatórios exteriores ao teor ou texto da decisão;
Em nenhum lugar desta parte das conclusões, o Recorrente concretiza qualquer raciocínio de onde se possa concluir, com base apenas na leitura do texto à luz de regras normais de vivência comum, que se verifica uma antinomia inconciliável na fundamentação e os argumentos aduzidos decorrem sempre e apenas de uma distinta apreciação e valoração dos diversos elementos probatórios.
-Sempre seria de rejeitar, na impugnação “ampla”, porque o Recorrente, ao impugnar “em bloco” e indiscriminadamente toda a matéria fáctica provada e não provada do núcleo B6, sem concretizar os pontos de facto, nem indicar os concretos elementos de prova que impõem (não apenas que permitem ou que aconselham) uma decisão diferente, por referência a um segmento específico de uma intercepção telefónica ou de uma mensagem, omite de forma irremediável o cumprimento de qualquer um dos ónus de especificação impostos no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal.
Tal como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 2006, processo 06P461,
“Se o recorrente se dirige à Relação limitando-se a indicar alguma prova, com referência a suportes técnicos, mas na totalidade desses depoimentos e não qualquer segmento dos mesmos, não indica as provas que impõem uma decisão diversa quanto à questão de facto, pois o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes é um remédio jurídico destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.2 - Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação as especificações ordenadas pelos n.°s 3 e 4 do art. 412.° do CPP, não há lugar ao convite a correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite a correcção das conclusões da motivação.
Também no entendimento de Albuquerque, Paulo Pinto de in Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª ed. pag. 1121 e 1222.
“A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento (…). Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8 visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo especifico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (…).
Termos em que julgamos improcedente a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 126 a 132, o Ministério Público suscita a verificação de contradição na decisão sobre a matéria de facto quanto ao pagamento ao arguido AF de comissão no negócio de compra e venda da casa de ….
Na decisão da matéria de facto provada ficou a constar:
Negócio com intermediação de POS- ("I").
250. No início de Dezembro de 2013, o arguido AF e POS (empresário, dono da sociedade "I") encetaram conjuntamente diligências com vista à aquisição pelo arguido Z de um imóvel angariado pelo referido POS..
251. Assim, no dia 12/12/2013, o arguido AF, a propósito do referido negócio imobiliário do interesse do arguido Z, referiu a POS que precisava de saber do número do registo do imóvel a fim de efectuar consulta e "saber se está tudo em ordem", referindo-se à realização por si, ou por funcionário por si determinado, de consulta às bases de dados do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", com vista a apurar, designadamente, se o prédio se encontrava livre de ónus e encargos.
252. Na mesma data, POS referiu ao arguido AF que o arguido Z poderia "oferecer menos dinheiro e fazer um negociozão", reiterando o arguido AF a necessidade de ver primeiro os documentos "para ver se está tudo em ordem para fazerem o negócio" .
253. No dia seguinte, POS informou o arguido AF que já lhe enviara um correio electrónico com o código da certidão on-line .
254. Na sequência dos contactos anteriores, na data de 16/12/2013, POS enviou um sms ao arguido AF, a propósito da divisão de comissão de angariação do imóvel, lembrando-o para dizer ao arguido Z para que não se esquecesse "da sua prenda", a que se refere como "five" (cinco) .
1800. POS perguntou ao arguido AF se Z estaria interessado na aquisição da denominada Casa de ….
1801. O arguido AF pôs então em contacto POS com o arguido Z e, o negócio de compra e venda da casa de … concluiu-se, sem que, contudo, tenha sido dividida ou paga qualquer comissão pela venda da mesma ao arguido AF..
1802. Acresce que a denominada casa de … foi adquirida por uma sociedade ("BT Ldª.")..
Enquanto nos factos não provados do acórdão consta:
Negócio com intermediação de POS - ("I")..
lxviii. O arguido AF e POS combinando dividir entre ambos a comissão que lhe viesse a ser entregue pelo arguido Z..
lxix. As intercepções telefónicas não permitem concluir que o arguido AF tivesse intenção de receber uma comissão.
Em nossa apreciação do texto da decisão, existe contradição, mas não no sentido pretendido pelo Ministério Público.
Com efeito, mesmo tendo em conta a anterior “colaboração” na consulta do registo predial, afigura-se-nos que a existência de uma comunicação para o arguido AF por sms a dizer para o Z não se esquecer da sua prenda, “five” (referida na nota 94, p. 94 do acórdão) não permite concluir, com a necessária segurança, que houve qualquer combinação anterior para divisão da comissão de angariação do imóvel ou, menos ainda, que o arguido AF tenha efectivamente recebido alguma quantia de comissão.
Mantém-se sempre uma dúvida razoável e intransponível, tendo de se admitir a possibilidade de a mencionada comissão se destinar apenas a POS..
Assim, decide-se alterar a redacção do ponto 254 da decisão dos factos provados, por forma a ficar a constar:
254. Na sequência dos contactos anteriores, na data de 16/12/2013, POS enviou um sms ao arguido AF, com o seguinte texto:
“O Zu que não se esqueça da minha prenda. Five”
Nas conclusões 133 a 142, o Ministério Público suscita a verificação de contradição na decisão sobre a matéria de facto relativamente ao ponto C 4 - identificação de oportunidades de negócio em Angola por parte do arguido AF.
Afirma o Recorrente, em síntese, que ao não incluir no ponto 892 da matéria de facto provada que o arguido AL “identificou grandes oportunidades de negócio” em Angola, inserindo esse segmento no ponto cxlvii dos não provados, o acórdão revela uma contradição na fundamentação com o teor das notas de rodapé aos pontos cliii e cliv dos factos não provados e com o facto provado 913.
Discordamos do entendimento do Ministério Público.
Relevante para a decisão é saber da “identificação” das virtualidades ou possibilidades de negócio em Angola no interesse individual do arguido.
Ainda que ponderada a restante matéria de facto provada quanto às capacidades e negócios em Portugal, revela-se perfeitamente contido na racionalidade comum ter como não provado que o arguido AF tenha “identificado”, no sentido de observado ou destacado, a oportunidade de concluir negócios em Angola com interesse próprio.
As notas de rodapé indicadas apenas revelam o entendimento do tribunal colectivo da existência de vagas “perspectivas de negócio” e do interesse do arguido na intervenção do Estado português no desenvolvimento de Angola, o que não contradiz a ausência de prova da identificação de negócios pelo arguido.
Por último o facto provado 913 apenas nos diz que no início do mês de Novembro de 2011, após uma ruptura pessoal e societária entre JPG e o arguido EB, o arguido EB fez saber aos sócios da "G,Ldª." e ao arguido AF que, estando JPG nesta empresa, não fariam negócios em Angola.
Essa “comunicação” de EB em nada ajuda para saber se o arguido AF tinha efectivamente idealizado ou executado, para si, algum negócio em Angola.
Improcede a arguição de vício decisório, neste âmbito.
Nas conclusões 143 a 154, o Recorrente invoca a verificação de vício decisório no acórdão recorrido quanto às relações entre o arguido AF e os arguidos PE, JG e PV, invocando
-147.ª Porém, da transcrição das intercepções telefónicas constante, também, do texto do Acórdão recorrido, nomeadamente, e entre outras, das sessões 2716 (fls. 407), 2969 (fls.435) e 22560 (fls. 744), do Alvo 62001060 (AF) decorre, claramente, que os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF..
148.ª A ser assim, o texto do Acórdão recorrido, a fls. 865 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido, ao ter dado como não provado que «Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF de quem dependiam hierarquicamente», quando da transcrição das intercepções telefónicas decorre precisamente o contrário, incorre, neste particular, não só no vício da contradição insanável da fundamentação mas também no vício do erro notório na apreciação da prova.
154.ª A ser assim, dúvidas não há que, neste particular, estamos perante um vício de contradição insanável da fundamentação que decorre directamente do texto da decisão recorrida, pois se foram dados como provados factos comprovativos que o arguido AF praticou actos que revelam a sua superioridade hierárquica sobre os arguidos PE, JG e PV jamais se poderia dar como não provada a dependência hierárquica.
A arguição constante das conclusões 147 e 148 quanto às atitudes de subserviência é manifestamente improcedente, porque o recorrente baseia os alegados vícios decisórios de contradição e/ou de erro notório apenas em elementos probatórios (transcrições telefónicas) que não se encontram no texto do acórdão recorrido e na análise que faz da prova produzida, sem a necessária especificação.
No mais, quanto à dependência hierárquica:
O tribunal colectivo julgou como não provado que,
clvi. Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF de quem dependiam hierarquicamente.
Porém, da simples leitura dos factos provados 6 a 8, 878 a 886 e 1248 a 1252 só se pode concluir que os arguidos PE, JG e PV dependiam hierarquicamente do arguido AF..
A contradição pode resolver-se com os elementos constantes dos autos, alterando-se o ponto clvi dos factos não provados por forma a constar:
clvi. Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF..
E alterando a redacção do ponto 902 dos factos provados, de forma a constar:
Os arguidos PE, JG e PV tinham uma relação muito próxima com o arguido AF, de quem dependiam hierarquicamente.
Nas conclusões 195 a 197, o Recorrente invoca a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido no segmento referente à ligação do arguido AF à sociedade arguida “FZ, Ldª.”, afirmando que dúvidas não há que existem elementos probatórios comprovativos de que o arguido AF incentivava os arguidos PE, JG, PV e EA para que procedessem à constituição de sociedades.
Porém, o Recorrente não limita o objecto da arguição, como devia ser, ao texto do acórdão e sustenta a verificação de vício decisório na apreciação de todo um conjunto de seis autos de transcrição de escutas telefónicas e de declarações do arguido PE, sem qualquer especificação ou concretização.
Essas afirmações, quando se limitam ao enunciado da perspectiva, parecer ou opinião do Ministério Público acerca do que decorre claramente de elementos ou meios probatórios, são absolutamente irrelevantes neste âmbito dos vícios decisórios, como já acima exposto.
Valem aqui as considerações acima expostos quanto às conclusões 105 a 121 do recurso do Ministério Público, que aqui damos por reproduzidas.
Termos em que julgamos improcedente a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 198 a 200, o Ministério Público invoca a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido quanto às alterações societárias feitas pelo arguido EB, uma vez que se houve lugar a nova denominação social e se a anterior era “SA-C,SA.," Angola, é evidente que a nova denominação social teria que ser diferente, como foi, tendo sido adoptada como nova denominação social, “MC,Ldª" Angola.
O tribunal julgou provado:
928. Também, por efeito daquela ruptura, o arguido EB determinou a realização de alterações societárias na "MC,Ldª" Angola.
929.Assim, por escritura de 20 de Fevereiro de 2012, o arguido EB, por si e pelos seus representados, afirmando-se como únicos accionistas da "MC,Ldª" Angola, determinou uma alteração societária quanto à denominação, adoptando a sociedade a nova denominação de "MC,Ldª" numa tentativa de se desligar da associação inevitável da "SA-C,S.A.," Angola à "SA-C,S.A." de JPG, empresa já conhecida em Angola[227].
Tem razão o Ministério Público porque terá existido lapso na indicação da sociedade objecto das alterações societárias.
Assim, procede-se a rectificação, alterando a redacção dos pontos 928 e 929 dos factos provados, por forma a constar:
928. Também, por efeito daquela ruptura, o arguido EB, determinou a realização de alterações societárias na "SA,-C, S.A.",
929. Assim, por escritura de 20 de Fevereiro de 2012, o arguido EB, por si e pelos seus representados, afirmando-se como únicos accionistas da «"SA,-C,S.A.", determinou uma alteração societária quanto à denominação, adoptando a sociedade a nova denominação de «"MC,Ldª», numa tentativa de se desligar da associação inevitável da "SA,-C, S.A.", à "S-A,-C, S.A." de JPG, empresa já conhecida em Angola .
Nas conclusões 201 a 218, o Ministério Público refere a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido na matéria de facto relativa ao núcleo C-5, “acordo entre os arguidos AF e EB – Novembro de 2011”.
A matéria de facto referida pelo Recorrente e que o tribunal julgou não provada é a seguinte:
C-5. Do acordo entre os arguidos AF e EB – Novembro de 2011.
No início de Novembro de 2012, face à ruptura entre o arguido EB e JPG (e aproveitando-se dessa ruptura, porque passou a relacionar-se directamente com o arguido EB), aproveitando-se do múnus profissional conferido pelo cargo de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", nomeadamente pelas suas incumbências funcionais e pela informação privilegiada a que, no exercício das mesmas, acedia, o arguido AF ajustou um acordo negocial com o arguido EB, em troca de vantagens de expressão pecuniária, vulgo comissões e, também, da promessa de vir a trabalhar em Angola, para a "MC,Ldª" ou para o Ministério da Justiça de Angola, com um ordenado mensal, pelo menos superior a € 10.000.00, a que não teria direito não fora a violação dos deveres funcionais de legalidade, de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, de lealdade, de exclusividade, de assegurar a conformidade dos actos praticados pelo pessoal do respectivo serviço com o estatuído na lei e com os legítimos interesses dos cidadãos e de salvaguarda do cumprimento do período normal de trabalho[228].
Nos termos desse acordo:
O arguido EB angariava junto do Ministério da Justiça de Angola projectos comerciais para a "S-A-C,Lda." Angola (e depois para a "MC,Ldª"), titulados através de contratos de prestação de serviço, na área dos Registos e Notariado.
E, simultaneamente, o arguido EB diligenciava junto das autoridades angolanas, nomeadamente junto do Ministério da Justiça de Angola, sobretudo através do Ministro da Justiça RJM de quem era muito próximo, no sentido deste efectuar pedidos de cooperação ao Ministério de Justiça de Portugal, dando uma aparência formal de legalidade a todo o trabalho que no plano privado era desenvolvido para o Ministério da Justiça de Angola.
Por outro lado, o arguido AF centralizava em si e no arguido AS todas as questões de cooperação que envolvessem o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", afastando, sempre que possível, a habitual coordenação e intervenção do Sector Jurídico do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e da DGPJ em todo o processo.
O arguido AF facilitava e promovia directa e activamente com o Ministério da Justiça de Angola a participação do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." na cooperação, de acordo com os interesses privados que partilhava com o arguido EB..
Por sua vez, com o objectivo de fornecer mão-de-obra portuguesa barata, face aos valores cobrados pela "MC,Ldª" ao Estado angolano, tecnicamente habilitada e competente a prestar os serviços à empresa do arguido EB, o arguido AF, na aparência das suas estritas atribuições funcionais, intervinha junto das autoridades portuguesas, nomeadamente junto do Ministério da Justiça de Portugal, no sentido deste ser receptivo aos pedidos de cooperação angolanos, indicando, estrategicamente e de acordo com critérios de discrição e conveniência, os funcionários a nomear como cooperantes.
Simultaneamente, para os efeitos que se vêm descrevendo, o arguido AF conluiava-se com funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." que dependiam de si hierarquicamente (os arguidos AS, PE, PV, JG e EA) e eram conhecedores de todo o seu acordo negocial com o arguido EB..
Aliciava financeiramente esses funcionários com vantagens patrimoniais indevidas, que, em contrapartida, aceitavam participar na execução desse acordo, desenvolvendo, por si só, o trabalho necessário ou, de forma organizada, constituindo veículos societários que o arguido AF manipularia para se relacionarem contratualmente com as sociedades do arguido EB, agindo, também estes em violação dos deveres de exclusividade, de legalidade, de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, lealdade e de cumprimento do período normal de trabalho e com o fito, também, de alcançarem vantagens pecuniárias a que sabiam não ter direito e que se predispunham a partilhar com aquele.
Por outro lado, o arguido AF sempre que tal lhe fosse solicitado pelo arguido EB, usando os poderes de que estava investido na qualidade de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", determinava, como superior hierárquico, que funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." se deslocassem, como se fossem em trabalho e dentro do período normal de trabalho, a instalações de empresas privadas do arguido EB, em Portugal ou em Angola, justificando ou relevando as ausências ao serviço de tais funcionários, em prol da mencionada actividade privada, não exercendo o competente poder disciplinar pelas faltas que sabia serem, na verdade, injustificadas.
Fazia-se rodear, também, de outros funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." que seleccionava e aliciava financeiramente, por si ou por intermédio de outros, a maior parte das vezes através do arguido AS, com vantagens patrimoniais indevidas, não obstante não estarem cientes dos objectivos comerciais prosseguidos por si, que aceitavam participar na execução do que lhes era proposto, nomeadamente participação em acções de cooperação, a troco do recebimento de quantias que não lhes eram legalmente devidas, superiores aos montantes a que teriam direito a título de ajudas de custo.
Promovia e facilitava, também, ao abrigo da cooperação entre os Estados, a deslocalização para Angola de funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", consigo conluiados, em troca de vantagens pecuniárias a que não teriam direito, para, mediante atribuição de licenças sem vencimento e celebração de contratos, passarem, como agentes de cooperação, a exercer formalmente funções no Ministério da Justiça de Angola, com o objectivo real de trabalharem, também, para a "MC,Ldª", visando serem links de captação de informação e facilitação de determinados contactos essenciais para a prossecução dos seus interesses comerciais.
E angariava, também, outros parceiros privados, consigo conluiados, conhecedores do acordo comercial que o mesmo tinha com o arguido EB, a fim dos mesmos contratarem com empresas deste, por si só ou através de empresas que constituiriam para o efeito, a prestação de serviços subordinados ao escopo de desenvolvimento de actividades privadas paralelamente desenvolvidas ao nível da cooperação do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", cobrando uma comissão sobre as vantagens com expressão pecuniária acordadas entre o arguido EB e tais indivíduos ou estruturas empresariais por si angariadas ou com a promessa de mais tarde lhe ser cedida parte do capital social ou lucros dessas empresas.
O arguido AF, através destes esquemas, mostrava uma avidez por dinheiro e propunha-se fazer todos os negócios possíveis em Angola, na perspectiva de que Angola era uma mina e que tinha que "arrebanhar por todo o lado e armazenar o tempo todo", mercadejando a violação dos deveres inerentes às funções públicas que exercia como primeiro dirigente do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P."[229].
Revelando, inclusivamente, preocupação quanto à gestão desses negócios, em Angola, tendo, por esse facto, mostrado interesse na realização de um Seminário[230].
O acordo dos arguidos AF e EB, conluiados com os arguidos AS, PE, PV, JG e EA, através da "S,Ldª." e das arguidas "LP,Ldª." e "FZ,Ldª." veio a ser executado, paralelamente, nos seguintes domínios:
Elaboração de um Plano Estratégico de Intervenção na Modernização dos Registos e do Notariado de Angola;
Acções de formação em Angola;
Revisão dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado;
Desenvolvimento de aplicações informáticas;
O Ministério Público apresentou neste âmbito as seguintes conclusões (transcrição):
201.ª No que respeita ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB em Novembro de 2011 (C-5), e uma vez compulsado o Acórdão recorrido, constata-se que a fls. 867 foram dados como não provados os factos relativos ao mencionado acordo, sendo que tais pontos de facto correspondiam, originariamente, aos artigos 1062.º e 1063.º do despacho de pronúncia.
202.ª O Acórdão recorrido deu tais factos como não provados tendo em conta, desde logo, a fundamentação constante da nota de rodapé 827 de fls.867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido.
203.ª Ora, e tendo em conta tal fundamentação, nomeadamente a indicação dos meios de prova, cumpre referir que o Acórdão recorrido, também neste particular, limitou-se a indicar e a apreciar apenas os meios de prova referidos e que foram dados a conhecer ao Tribunal recorrido pelo Ministério Público através da aplicação SIIP.
204.ª Assim, os meios de prova indicados (sessão 11573, fls. 624, sessão 12004, fls. 635; sessão 5573, fls. 502, sessão 74, fls. 6, sessão 1051, fls. 183, alvo AF, apenso C, fls. 375 apenso L) foram decisivos para que no Acórdão recorrido se desse como não provado o ponto de facto acima referido e que se reporta ao acordo negocial ajustado entre os arguidos AF e EB..
205.ª Ora, se atentarmos no ponto 3.2. Motivação da Decisão de Facto do Acórdão recorrido constante de fls. 950 e seguintes, e no que concerne ao Núcleo C, a partir de fls. 957, constata-se que se concluiu que face aos depoimentos das testemunhas, às declarações dos arguidos, à prova documental e às intercepções de telecomunicações, não se demonstrou todo o iter lógico que conduz à prova da existência de um acordo entre os arguidos AF e EB, no entanto, como é que tal inferência se pode ter retirado de tais meios de prova se quanto à existência de tal acordo não foi feito qualquer exame crítico sobre tais meios de prova, com excepção daquilo que consta criticamente da nota de rodapé 827 de fls.867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido e que acima foi referida.
206.ª Porém, e mesmo assim, e sempre quanto à existência de tal acordo, tendo em conta o conteúdo da nota de rodapé, no Acórdão recorrido só se atendeu, neste particular, e quanto a intercepções de telecomunicações, às que foram indicadas pelo Ministério Público (sessão 11573, fls. 624, sessão 12004, fls. 635; sessão 5573, fls. 502, sessão 74, fls. 6, sessão 1051, fls. 183, alvo AF, apenso C, fls. 375 apenso L), daí que nem sequer foram tidas em conta e valoradas muitas outras intercepções telefónicas extremamente relevantes, na medida em que das mesmas é possível extrair elementos probatórios comprovativos da existência do mencionado acordo, referimo-nos, obviamente, e tendo por referência o Alvo 62001060 (AF), ainda às sessões 476 (fls. 87), 639 (fls. 119), 2969 (fls. 435), 3642 (fls. 482), 10024 (fls. 587), 10826 (fls. 611), 11864 (fls. 631), 14995 (fls. 656), 26545 (fls. 810), 29548 (fls. 844), 29959 (fls. 861), 51484 (977), 138306 (fls. 1292), 138423 (fls. 1229), 140546 (fls. 1471), 140630 (fls. 1478) e 140678 (1498).
207.ª Assim, este conjunto de sessões permite apurar, claramente, quais eram as intenções dos arguidos, nomeadamente dos arguidos AF e EB, bem como da existência de um acordo ou pacto entre eles, sendo que, e como é sabido, e tal como acontece com o crime de associação criminosa, não é necessário nem tal se exige, que um acordo dessa natureza tenha que ser celebrado por escritura pública para que se possa comprovar o mesmo, antes basta tão só a existência e conjugação de factos donde o mesmo se possa deduzir com toda a clareza.
208.ª Assim, e por exemplo, na sessão 14995 (fls. 656), conversa entre os arguidos AF e AS, este refere que conversou com EB e que «é preciso ir a Angola, ele, a IS e o AF buscar o dinheiro para pagar às pessoas»; Noutro passo, na sessão 26545 (fls. 810), na conversa entre os arguidos AF e AS faz-se alusão a «retribuição fora do normal» e a formadoras com a «língua afiada» que não deviam ser seleccionadas para irem a Angola; Ou então na sessão 476 (fls. 87), conversa entre os arguidos AF e EB, no dia 17/12/2013, em que AF pede a EB que lhe envie um documento escrito a solicitar a colaboração para ter uma justificação para começar a trabalhar, para não virem dizer que estavam a trabalhar com um privado, para terem essa «cobertura», sendo que, além disso, e nesse seguimento, e na mesma conversa, AF diz a EB que «o importante é que façam chegar um pedido de colaboração nessa matéria e que a partir aí dá andamento».
209.ª Aliás, e no seguimento da última conversa telefónica, foi dada como provada, a fls. 336 do Acórdão recorrido, a seguinte matéria de facto:
«Os arguidos EB e AF combinaram, então, em 17 de Dezembro de 2013, orçamentar a proposta com base no orçamento do ano passado que nós vimos, deixando, no entanto, o arguido AF a questão do acerto de valores para o arguido EB e para o Ministro da Justiça de Angola».
«Comprometeu-se o arguido AF perante o arguido EB, na mesma data, a constituir, rapidamente, uma equipa de trabalho para iniciar a proposta de alteração dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado, solicitando, no entanto, àquele que, previamente, lhe fizesse chegar um documento oficial do Estado angolano a pedir essa colaboração "que é para depois não virem dizer que a gente está a trabalhar aqui com o privado, … pois tínhamos essa cobertura chamamos-lhe assim... está a ver?».
«Acordaram, também, nessa data que o arguido EB escreveria uma carta que daria a assinar a ISS supramencionado, à data, responsável pelas Políticas de Justiça, em Angola, solicitando, oficialmente ao Estado Português, em nome do Ministério da Justiça de Angola, a colaboração necessária, ao abrigo do Protocolo de 11 de Fevereiro de 2013».
210.ª Ora, tendo em conta tais factos dados como provados, não há dúvidas que em tal data (17/12/2013), e no que concerne à revisão dos Códigos de Registo (e não códigos de justiça) foram estabelecidos entre AF e EB combinações, compromissos e acordos, sendo que, e como se reconhece na nota de rodapé 449 (a fls. 335), nessa data os arguidos AF e EB colocaram a hipótese de acoitar a revisão dos códigos sob a capa da cooperação entre Estados.
211.ª No entanto, o Tribunal recorrido ficou-se por hipóteses e foi incapaz de dar o salto lógico no raciocínio lógico-indutivo e de analisar globalmente a prova indiciária, e antes, e mais uma vez, se ficou pela técnica (ilegítima e inadmissível) da apreciação isolada de cada indício, ou seja, pela técnica do «por si só», ou seja, na data de 17/12/2013 para os Códigos de Registo houve acordo entre os arguidos AF e EB para utilizarem simuladamente o Protocolo de Cooperação e antes não houve acordo?
212.ª Ao contrário do pretendido pelo Acórdão, essas combinações, compromissos e acordos não foram meras hipóteses de trabalho que foram colocadas, antes foram realidades praticadas pelos arguidos, ou seja, na data de 17/12/2013 AF e EB acordaram em fazerem a revisão dos códigos sob a capa de cooperação entre os Estados.
213.ª Aliás, repare-se que se na nota de rodapé 449 (a fls. 335) se refere que foi uma hipótese colocada pelos arguidos AF e EB, no entanto, em contrapartida na fundamentação constante de fls. 1637, em autêntico comentário à transcrição das intercepções telefónicas, sustenta-se que «o estatuto de cooperação é uma capa para receberem os valores dos contratos», ou seja, e não obstante a contradição, deixou-se de se falar em hipóteses para se falar em realidades.
214.ª Assim, a questão que se coloca é a de apurar se em tal data e quanto à matéria dos códigos de registo houve acordo entre os arguidos e utilização simulada do protocolo de cooperação, se tal facto indiciante devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica e atendendo às ligações que os arguidos já vinham mantendo a alguns anos, inculca que esse acordo já existia e que a utilização simulada do Protocolo de Cooperação já era uma prática que vinha sendo utilizada nos diversos domínios em que se estendeu a acção dos arguidos, nomeadamente na elaboração do “Plano Estratégico de Intervenção na Modernização dos Registos e do Notariado em Angola”, nas Acções de formação em Angola, na Revisão dos Códigos de Registo Civil, Predial, Comercial, Automóvel e Notariado e no Desenvolvimento de aplicações informáticas.
215.ª Aliás, era do interesse dos arguidos a utilização simulada do Protocolo de Cooperação, até porque se o mesmo fosse accionado devida e formalmente, face ao quadro legal vigente, teria que haver pagamento de ajudas de custo, o que implicaria um controlo mais apertado nas idas a Angola, daí que, e por isso mesmo, é que o protocolo de cooperação não era formalmente accionado, uma vez que seria acompanhado pelos departamentos competentes, o que não deixaria de levantar suspeitas, pelo menos, em Portugal e, por outro lado, o seu não accionamento efectivo permitia aos funcionários receber quantias muito mais elevadas do que aquelas que receberiam se fosse accionado o pagamento das ajudas de custo, ou seja, e tendo por referência a matéria narrada nos artigos 981.º e 982.º da pronúncia e, por exemplo, o depoimento da testemunha CV, cuja transcrição consta de fls. 1296 do Acórdão recorrido, por cerca de 15 dias de formação era-lhes pago cerca de 5000 dólares pela "MC,Ldª", ao passo que se solicitassem ajudas de custo só lhes seria paga a quantia de cerca de 1800 € ou, caso fossem (como foram) fornecidas refeições, só lhes seria paga a quantia de cerca de 1260 €, daí que, e face a tal discrepância de valores, percebe-se bem porque é que não era accionado o pagamento de ajudas de custo: é que os funcionários só não recebiam bem mais do que o dobro, como assim escapavam a um controlo mais apertado nas idas a Angola, o que permitia que o arguido AF escolhesse quase sempre os mesmos funcionários, nomeadamente os que não tivessem a língua afiada.
216.ª Por fim, sempre se dirá que o facto dado como não provado constante de fls. 867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada e respeitante ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB - Novembro de 2011 (C-5) se mostra em contradição insanável com o facto dado como provado a fls. 390 (e que corresponde ao art.º 1469.º) com a seguinte redacção «Com efeito, no dia 8 de Janeiro de 2014, PE informou AF que já tinha estabelecido os contactos necessários, comprometendo-se aquele a falar com um indivíduo de nome "M- NORM…", para estabelecerem os parâmetros de um acordo semelhante ao que tinha com EB»..
217.ª Nesta perspectiva, entende-se que existe vício de contradição insanável de fundamentação entre os factos dados como provados que acima foram referidos e o facto dado como não provado constante de fls. 867 do ponto 3.1.2. Matéria de Facto Não Provada do Acórdão recorrido e respeitante ao acordo celebrado entre os arguidos AF e EB - Novembro de 2011 (C-5), daí que, e caso seja dado como provado o mencionado acordo face aos elementos constantes do processo, e até pelas razões aduzidas a fls. 957 e 959 do Acórdão recorrido, a contrario, como que renasce o acordo quanto aos arguidos AS, PE, PV, JG e EA..
218.ª Aliás, das intercepções telefónicas a JG transparece a ideia que PE queria dar-se como arrependido e colaborar com a justiça e contar tudo aquilo que sabia, nomeadamente das sociedades e do dinheiro que ficou em Angola numa conta bancária de EA ou de familiar desta, como melhor se percebe da sessão 986 de 23/11/2014 do Apenso E, fls. 216. Com muito interesse há que ter também em conta a conversa entre os arguidos PE e JG no dia 21/11/2014, em que se referem ao contrato de teletrabalho que lhes permitia trabalhar nas respectivas residências e a eventual dissolução da sociedade “FZ, Ldª”, referindo que «se vocês andarem, a dissolver tudo e a acabar com tudo, dá a impressão que só servia para aquilo mesmo» e falam no PV (ver sessão 4261 de 21/11/2014 do Apenso E, fls. 216).
A contraposição do elenco da matéria de facto não provada aqui em apreço com as respectivas conclusões do recurso do Ministério Público leva-nos a concluir que, uma vez mais, o Recorrente confunde os planos da impugnação da decisão em matéria de facto, baseando-se na apreciação de elementos probatórios estranhos ao teor do acórdão para sustentar a verificação de um vício decisório, ou seja, de uma anomalia, diga-se uma vez mais, que só existe e releva se resulte do texto da decisão da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
É assim improcedente a arguição de contradição insanável constante das conclusões 201º a 215º e 218º (a existir, o vício apontado não resulta do texto da decisão, mas da valoração pelo recorrente do teor de um conjunto de comunicações telefónicas, indicadas sem especificação).
Em nossa apreciação, não existe contradição na fundamentação invocada nas conclusões 216º e 217º do recurso do Ministério Público, porque a informação de PE em Janeiro de 2014, a que se reporta o parágrafo 1313 dos factos provados, não é de forma alguma suficientemente elucidativa sobre a existência em Novembro de 2011 de um acordo entre os arguidos AF e EB com os contornos constantes dos pontos clxv a clxxxiv do elenco dos factos não provados. Ou seja, não se sabe a que “acordo” se referia o arguido PE..
Nas conclusões 219 a 225, o Ministério Público refere a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido na matéria de facto relativa ao pagamento da quantia de € 20.000,00 ao arguido AF, invocando (apenas) que tais recebimentos e entregas, com um intervalo temporal tão dilatado, não encaixam nem se percebem à luz das regras da lógica e da experiência comum, nem com o perfil do arguido AF que mostrava avidez pelo dinheiro e que fazia depósitos em numerário com regularidade, sendo que não está afastada a hipótese muito plausível de tal quantia , pelo contrário, ter sido depositada no mês de Setembro de 2012 tendo em conta o quadro constante de fls. 2180 dos autos.
Os elementos da fundamentação com interesse são os seguintes:
Na matéria de facto provada,
1056. Assim, no início de 2014, o arguido EB fez chegar à disponibilidade do arguido AF, que a fez sua a quantia de € 20.000,00 em numerário, como contrapartida na sua participação de um seminário realizado em Angola .
1057. O arguido AF depositou as seguintes quantias, em numerário:
1058. € 10.000,00, em 13 de Janeiro de 2014, na conta co-titulada por si e pela sua mulher, com o n.º 05………..30, junto da Caixa Geral de Depósitos;
1059. € 14.000,00, a 14 de Janeiro de 2014, na conta co-titulada por si e pela sua mulher, com o n.º 40…….88, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo;
1060. € 6.000.00, a 14 de Janeiro de 2014, na conta co-titulada pelo seu primo FP e mulher, com o n.º40…….38, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, quantia esta que, no dia seguinte, 15 de Janeiro de 2014, foi transferida para a conta co-titulada por si e pela sua mulher, com o n.º40…….88, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.
Enquanto, mais à frente, se pode também ler, como provado,
1238. Em 24 de Agosto de 2012, ACN, gerente da arguida "LP,Ldª.", agindo em representação e no interesse desta, ordenou à funcionária RBP que contactasse o arguido AF, descrevendo-o como uma pessoa muito importante do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", ordenando-lhe, ainda, que lhe entregasse a quantia de € 20.000,00.
1239. ACN deu instruções a RBP para que levantasse tal quantia da conta da arguida "LP,Ldª.", junto do BIC, que a lançasse, na contabilidade como levantamento de caixa, sendo, mais tarde, apresentadas despesas para justificar contabilisticamente essa saída.
1240. No mesmo dia, ao balcão da agência de Leiria do BIC, por estrito dever de obediência, munida de uma carta com poderes especiais emitida pelo gerente RSN, RBP deu instruções no sentido de, por débito sobre a conta n.º 80………01 titulada pela arguida "LP,Ldª.", proceder a um levantamento no montante de € 20.000,00 .
1241. Nesse dia, ainda, RBP contactou telefonicamente o arguido AF solicitando-lhe um encontro, dizendo que tinha para o mesmo uma encomenda do arguido EB..
1242. Por se sentir desconfortável com a situação, RBP contactou ACN, no dia 27 de Agosto, informando-o que já tinha levantando parte do dinheiro, designadamente € 10.000,00, que o Banco tinha ficado de disponibilizar o restante, mas não iria entregá-lo ao arguido AF..
1243. ACN respondeu-lhe que não entendia e que devia manter o dinheiro escondido no escritório.
1244. Informou-a, ainda, que o dinheiro era devido pela arguida "LP,Ldª." ao arguido AF para pagamento de um trabalho que tinha efectuado, em Angola.
1245. Face à justificação apresentada, no dia 28 de Agosto de 2012, RBP dirigiu-se ao mesmo balcão onde procedeu ao levantamento da restante quantia de € 10.000,00 .
1246. Voltou a telefonar ao arguido AF, a 28 de Agosto, disse-lhe que a encomenda do arguido EB encontrava-se nas instalações da arguida "LP,Ldª.", na Batalha, e que poderia ir buscá-la.
1247. Nesse dia, o arguido AF deslocou-se às instalações da arguida "LP,Ldª.", na Batalha, onde recebeu das mãos de RBP a quantia de € 20.000,00 em numerário, dentro de um envelope, que fez sua .
(…)
1327. Aproveitando a circunstância do arguido FP se deslocar a Lisboa, em inícios de Janeiro, os arguidos AF e FP combinaram encontrar-se para que o arguido AF entregasse àquele quantia em dinheiro e em cheque, para depositar na conta bancária do arguido AF, a fim de então as investir em produto financeiro.
1328. Encontro que veio a acontecer a 8 de Janeiro de 2014, ocasião em que o arguido FP recebeu do arguido AF o cheque n.º 32……97, emitido à sua ordem, não endossável, sacado da conta n.º 0002…..30 da Caixa Geral de Depósitos de que o arguido AF era titular, no valor de € 60.000,00, e a quantia de € 20.000,00 em numerário, quantias que o arguido FP decidiu que efectuaria o depósito de alguns montantes em contas bancárias em seu nome, procedendo depois à transferência para conta do arguido AF..
1329. A saída da quantia de € 60.000,00 da conta n.º 0002…..30 da Caixa Geral de Depósitos através daquele cheque apenas se mostrou possível porquanto, por um lado, aí vinham sendo depositados os vencimentos do arguido AF que este não gastava na sua totalidade, e, por outro, por ter sido nessa conta que, entre 5 de Setembro de 2012 e 13 de Janeiro de 2014, diligenciou pelo depósito das seguintes quantias em numerário, num total de € 31.670,00, onde se incluem os seguintes:
1330. O depósito da quantia de € 1670,00 efectuado no dia 16 de Julho de 2013, na agência da Caixa Geral de Depósitos no Parque das Nações em Lisboa, por JAC, funcionário do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e motorista do arguido, a mando do arguido AF..
1331. O depósito de € 10.000,00 em numerário, efectuado em 13 de Janeiro de 2014.
1332. A quantia de € 20.000,00 em numerário referia-se àquela que foi entregue ao arguido AF nas instalações da sociedade arguida "LP,Ldª.", na Batalha, RBP havia entregado ao arguido AF conforme descrito no Núcleo C.
1333. Assim, no dia 14 de Janeiro de 2014, pelas 8.45H, no seu local de trabalho, o arguido FP, cuidou de proceder ao depósito da quantia de € 80.000,00 entregue pelo primo em três contas distintas.
1334. Assim, o arguido FP fraccionou o depósito da quantia de € 20.000,00 em numerário que havia recebido do arguido AF, depositando 14.000,00 € na conta n.º 40…….88 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do arguido AF e os restantes € 6.000,00 na conta bancária n.º 40……..38 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo por si co-titulada com a mulher, CP..
Por outro lado, ficou a constar no elenco dos factos não provados:
Na execução do acordo firmado entre os arguidos AF e EB e por conta das contrapartidas monetárias que eram devidas por este àquele, em 24 de Agosto de 2012, aquele recebeu € 20.000,00.
Em 5 de Setembro de 2012 e 19 de Setembro de 2012, o arguido AF procedeu ao depósito da quantia de € 10.000.00, respectivamente, num total de € 20.000,00, na conta de que o mesmo é titular junto da Caixa Geral de Depósitos, com o n.º 05……..30[231].
Em síntese, a matéria de facto provada e não provada diz-nos que a entrega dos 20.000€ ocorreu em 28 de Agosto de 2012, para pagamento pela "LP,Ldª" de um trabalho efectuado pelo arguido (não se provando que esse pagamento teria ocorrido na execução de um acordo firmado entre os arguidos) e que essa quantia, com outras, foi depositada em 14 de Janeiro de 2014 em duas contas bancárias da titularidade do arguido na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.
Analisado o texto do acórdão recorrido, podemos afirmar que, se se tratar da mesma quantia, então a demora no depósito da quantia causa evidentemente alguma perplexidade.
Contudo, analisando apenas o texto da fundamentação do acórdão recorrido à luz da experiência comum, como aqui tem que ser, não existe qualquer contradição relevante entre os factos provados ou entre estes e os factos não provados.
Improcede, pois a arguição do vicio decisório.
Nas conclusões 227 a 234, o Ministério Público refere a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido na matéria de facto relativa a alteração de procedimentos do arguido AF após a publicação, em …de … de …, de notícias na revista … e no jornal … ….
Tanto quanto nos é possível compreender, a argumentação constante das conclusões 227 a 232 não é mais do que a exposição da análise ou valoração pelo Ministério Público de elementos probatórios (teor de transcrição de intercepção de comunicação telefónica e do depoimento de uma testemunha), o que é irrelevante em sede de arguição de vícios decisórios.
Na realidade, nas pp 1276 a 1285 não temos a transcrição de um depoimento, mas a exposição pelo tribunal do que extraiu como relevante do depoimento. A circunstância de o tribunal apresentar uma síntese do depoimento de uma testemunha (no caso, a testemunha JM), não significa obviamente que tenha atribuído credibilidade a esse depoimento, para que possa fundamentar uma contradição na fundamentação.
Afirma o Recorrente que
233º (…) ainda quanto à alteração de procedimentos do arguido AF após a fuga de informação, sempre tal facto dado como não provado se mostra em contradição com os factos dados como provados a fls. 343 do Acórdão recorrido, nomeadamente no que respeita à alteração parcial da composição da equipa anteriormente contactada para proceder à revisão dos Códigos de Registo.
234.ª A ser assim, o mencionado facto dado como não provado, facto que seria altamente relevante do ponto de vista da prova indiciária, mostra-se em contradição insanável com a transcrição da intercepção telefónica referida, com o depoimento da testemunha JM e com a criação da nova conta de email e com os factos dados como provados a fls.343, daí que, a ser assim, e tendo toda essa documentação sido acolhida no Acórdão recorrido, o texto deste, e neste particular, enferma, pois, de vício de contradição insanável da fundamentação.
O Ministério Público não concretiza o “tal facto dado como não provado”, nem especifica os “factos provados a fls. 343”, sendo possível encontrar nos locais genericamente indicados dezenas de eventos ou factos materiais.
É possível que o Recorrente se esteja a referir aos seguintes factos que o tribunal julgou provados:
1084. Em … de … de …, o arguido AF tomou conhecimento de que jornalistas da revista …do jornal … … estavam a recolher informações acerca de funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", designadamente sobre a participação de IRA e dos arguidos AS, PV, PE, JG em acções de formação ao abrigo do Protocolo, em Angola, tentando averiguar se o faziam ao abrigo de licenças sem vencimento[232].
1085. Para o efeito, alterou parcialmente a composição da equipa anteriormente contactada e ordenou ao arguido AS que fizesse novos contactos com outros funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", auscultando se estariam interessados em participar num projecto de revisão dos códigos angolanos, no âmbito da Cooperação entre os Ministérios da Justiça de Portugal e de Angola[233].
Nestes pontos da matéria de facto provada não existe qualquer contradição, nem encontramos antinomia dos factos provados com factos não provados.
Improcede a arguição do vicio decisório.
Nas conclusões 235 a 246, o Ministério Público refere igualmente a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido quanto toda a matéria do “núcleo” C-9 – Da execução do acordo: desenvolvimento de aplicações informáticas.
A síntese da arguição do vício decisório pode colher-se na conclusão 246, que apresenta o seguinte texto (transcrição):
(…) os factos dados como não provados a fls. 882 a 888 do Acórdão recorrido mostram-se em contradição insanável com a fundamentação dos factos dados como provados que constam de fls. 352 a 376 e com as notas de rodapé 499 e 376, nomeadamente com as sessões telefónicas indicadas, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
O Ministério Público motiva o seu recurso como se o julgamento pelo Tribunal da Relação constituísse um “segundo julgamento” de toda a matéria objecto do processo, dispensando-se de concretizar ou separar minimamente os factos ou eventos da vida real que considera erradamente julgados, de indicar os termos da contradição e de enunciar o raciocínio lógico que conduz ao vício decisório.
Assim é que a arguição parece incidir sobre centenas de factos, possivelmente os acima descritos nos pontos 1127 a 1237 dos factos provados e nos pontos ccxli a cclxix do elenco dos factos não provados.
Acresce que a circunstância de no texto do acórdão se fazer referência a uma intercepção telefónica não significa, por isso, que o concreto texto da comunicação telefónica interceptada passe a integrar o texto do acórdão.
Logo, a valoração das “escutas telefónicas”, que poderia ser relevante em sede de impugnação “ampla” da decisão em matéria de facto se houvesse a necessária especificação, não pode ser utilizada para sustentação de um vício decisório. Aí, repete-se uma vez mais, a contradição, o erro clamoroso ou a insuficiência têm de resultar apenas do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recorrente não indica - e também não descortinamos - que fundamentos ou segmento da decisão da matéria de facto se encontram em contradição.
É assim improcedente a arguição de contradição insanável neste âmbito.
Nas conclusões 247 a 251, o Ministério Público vem suscitar a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido quanto ao núcleo de factos “C-13, Da angariação de contratos de execução gráfica para a Coimbra Editora, SA.,” com os seguintes fundamentos (transcrição):
247.ª Compulsado o Acórdão recorrido, constata-se de fls. 892 que tais factos foram dados como não provados, no entanto, e ainda que parcialmente, tais factos mostram-se em contradição com os factos dados como provados a fls. 386.
248.ª E os factos dados como provados a fls. 386, ancoraram-se probatoriamente, na Sessão 1127, Alvo AF, fls. 214 e seguintes, Apenso C, sendo que nessa sessão AF (AF) ligou para AS (AS) (91…..89). AF diz que ele perguntou «como é que queria fazer chegar», que estava com algum prurido sobre como abordar a situação. Fala de um livro e de um envelope. (…) AF diz que tem que ficar logo definido quanto é que ele vai deixar nos outros, que isto que ele deixa agora, os mil, é muito pouco, que é uma coisa que não dá para nada. Diz que ele é que ganha o dinheiro e não pode ser.
249.ª Assim, e contrariamente ao que consta da nota de rodapé 577, é evidente que os arguidos na dita conversa telefónica falaram, efectivamente, em comissões recebidas (no passado) e a receber (no presente e no futuro) de MS da “Coimbra Editora” e falaram em diversos valores, nomeadamente nos mil euros (e não mil folhas) que estavam prestes a receber, como receberam e dividiram.
250.ª Aliás, e quanto a tal comissão de 1000 €, é o que resulta quer da sessão indicada, bem como das sessões 819, 1129, 1130, 1132 do Alvo 62001060)
251.ª Nestes termos, os factos dados como não provados a fls. 892 do Acórdão recorrido, bem como a nota de rodapé 577, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com os factos dados como provados a fls. 386 e com a na Sessões 1127, 819, 1129, 1130, 1132 do Alvo AF, fls. 214 e seguintes, Apenso C, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
O Ministério Público não revela a preocupação de concretizar ou especificar o ponto ou pontos das matéria de facto a que se pretende referir, mas pela alegação genérica aos “factos dados como provados a fls. 386” e à conversa telefónica referida na nota de rodapé 577, talvez seja possível entender que o recorrente se pretende referir aos seguintes factos provados (transcrição):
Quando soube, em 22 de Dezembro de 2013, que a comissão que o arguido JS ia dar-lhes, relativa ao contrato de execução gráfica do Código de Registo Civil Anotado e Legislação Complementar, era de € 1000,00, o arguido AF achou que esta quantia era muito pouco, (...) não dava para nada e mostrando-se revoltado com o facto de lhe terem ambos angariado o negócio junto dos arguido EB e JS é que ganhava o dinheiro todo, conclui que essa situação não podia ser, o que mereceu a concordância do arguido AS que achou tal montante mesmo simbólico[234].
Em 14 de Março de 2014, para a execução gráfica da obra Código de Registo Predial Anotado e Legislação Complementar, o arguido JS representando a "Coimbra Editora, S.A.", elaborou o draft de um contrato com a arguida "LP,Ldª .", no qual previa a execução gráfica daquela obra, com uma tiragem de 2000 exemplares, pelo preço de € 10.863,80, tendo dado ordem aos Serviços de Orçamentação da "Coimbra Editora, S.A." para o mesmo ser rectificado e serem apostas as inscrições manuais de 10.248,87€ e 14.840.00€, após ter escrito pelo seu próprio punho Aumentar preço (nova versão)[235].
O contrato, com as referidas alterações, veio a ser celebrado entre a "Coimbra Editora, S.A." e a arguida "LP,Ldª.", em data não apurada.
No entanto, não obstante a "Coimbra Editora, S.A." ter efectuado duas provas da edição e enviado as mesmas para a "MC,Ldª", no Verão de 2014, nunca recebeu qualquer resposta daquela, nem lhe foi dada qualquer justificação, pelo que o trabalho não foi finalizado, nem facturado sequer pela "Coimbra Editora, S.A.".
A execução gráfica da terceira obra Manual dos Registos e Notariado foi, também, contratada, em data não apurada, entre a "Coimbra Editora, S.A." e a "MC,Ldª", pelo preço de € 14.000,00, segundo um orçamento que tinha sido apresentado pelo arguido JS, em data anterior a 22 de Dezembro de 2013[236].
De facto, a 22 de Dezembro de 2013, o arguido AS disse ao arguido AF que o arguido JS devia dar-lhes no mínimo três ou quatro mil euros, tendo o arguido AF concordado[237].
Ao mesmo tempo, os factos não provados a que o recorrente se refere como os factos dados como não provados a fls. 892 do Acórdão recorrido, poderão ser os seguintes (transcrição):
O arguido JS entregou ao arguido AS dentro de um livro, a quantia de € 1000,00 em numerário que este, fazendo contas com o arguido AS como tinham combinado, dividiu, entregando, parte não apurada, ao arguido AF..
Essas alterações foram efectuadas no draft desse contrato, após conselho do arguido AS, nos termos acordados com o arguido AF..
Sendo certo que o arguido AS, em articulação com o arguido AF, face às notícias saídas entretanto na comunicação social, a … de … de …, relativas ao presente processo, afastou-se e desinteressou-se do papel de intermediário no negócio.
O arguido AS deixou de estabelecer os contactos necessários com a "MC,Ldª", em Angola, face ao desinteresse dos arguidos AF e AS no contrato em causa, a partir de Junho de 2014.
O Recorrente insurge-se com a valoração probatória de diversas transcrições de conversações telefónicas, o que poderia ter interesse em sede de impugnação “ampla” da decisão em matéria de facto (artigo 412º nºs 2 e 3 do C.P.P.), se houvesse a necessária especificação, mas não pode ser utilizado para sustentação de um vício decisório.
Entre o elenco dos factos não provados e a relação dos factos provados 1291 a 1296, que se referem a momentos distintos, não existe uma incompatibilidade lógica, nem se descortina uma apreciação manifestamente errada ou imperfeita.
É assim improcedente a arguição de vício decisório neste âmbito.
Nas conclusões 252 a 271, o Ministério Público vem suscitar a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido quanto ao núcleo de factos “C-14 Da angariação de negócio para BS invocando, em síntese, que a fundamentação constante de fls. 960 do Acórdão recorrido, bem como a nota de rodapé 868, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com o facto dado como provado a fls. 389, com as sessões 74, 3642, 5573, 11573 Alvo 62001060, com o depoimento da testemunha BS e ainda com as regras da experiência comum, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação.
Ao longo deste segmento do recurso, o Ministério Público coloca-se no plano da reapreciação do juízo probatório do tribunal colectivo, sustentando a sua discordância na análise que faz do resultado de diversas sessões de intercepções telefónicas e do depoimento da testemunha BS e em nenhum lugar desta parte das conclusões, o Recorrente concretiza qualquer raciocínio de onde se possa concluir, com base apenas na leitura do texto à luz de regras normais de vivência comum, que se verifica uma apreciação manifestamente errada ou uma antinomia inconciliável entre algum dos factos referidos a pp 389 do acórdão recorrido e os factos não provados ou o segmento da fundamentação a fls. 960 sobre o negócio celebrado por BS..
Termos em que julgamos improcedente a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 272 a 275, o Ministério Público vem suscitar a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido quanto ao núcleo de factos “ C-15, invocando que o facto dado como não provado «Concomitantemente com os factos descritos, AF tinha o interesse de expandir os seus negócios para outros países africanos que necessitassem de mão-de-obra com conhecimentos técnicos especializados e começou a efectuar contactos com o objectivo de fazer parcerias com empresas interessadas, tendo, para o efeito, a ajuda de PE que considerava ser o seu ponta de lança para África», a fls. 893, bem como o conteúdo da nota de rodapé 869, mostram-se em contradição insanável da fundamentação com a transcrição das intercepções telefónicas reportadas às sessões 2716, 2969, 3054, 6242 e 6251 do Alvo AF, o que faz com que, neste particular, o texto do Acórdão recorrido, enferme do vício de contradição insanável da fundamentação
Uma vez mais, a argumentação do Ministério Público carece de utilidade, quer no plano dos vícios decisórios, porque os argumentos aduzidos decorrem apenas de uma distinta apreciação e valoração de diversos elementos probatórios exteriores ao teor ou texto da decisão, quer no plano da impugnação “ampla” da decisão em matéria de facto, porque o recorrente omite irremediavelmente o cumprimento do ónus de especificação imposto no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal.
Termos em improcede a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 295 a 305, o Ministério Público suscita a verificação de vários vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão quanto ao Núcleo ILS/Vistos (F2) como os que a seguir exemplificativamente se irão indicar.
296.ª Quanto à subtracção de competências dos Gabinetes Regionais fixada pelo art.º19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47.º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000: O Tribunal recorrido deu como não provado, quanto a actos de subtracção da competência das Direcções Regionais do SEF quanto à instrução de pedidos de visto, a fls. 912 e 914, tais actos de subtracção.
297.ª No entanto, e quanto à mesma matéria de facto, em sentido diametralmente oposto o Tribunal dá como provado, a fls. 439, 445, 448-449; 452-453, a determinação por MP de actos de avocação das competências legais das Direcções Regionais do SEF, em matéria de verificações de segurança e parecer do SEF em matéria de vistos da ILS, as quais atribuiu ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais (GADR), gabinete que funciona junto da Direcção Nacional e sem competência legal em tal matéria. .
298.ª No que respeita a actos de impulso do procedimento no interesse da ILS levados a cabo por MP sem qualquer requerimento/intervenção formal da ILS: A fls. 912-913, deu como não provado, quanto a actos da iniciativa de MP no interesse da ILS o seguinte facto: «Também actuando em execução do que lhe havia sido determinado pelo arguido MM e no interesse da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª –, em 9 de Agosto de 2013, em violação do princípio da imparcialidade que rege a actividade pública administrativa, substituindo-se em tal iniciativa à própria empresa».
299.ª Para, ao contrário, a fls. 436 haver dado como provado uma prática, em matéria de Vistos de Estada Temporária, da iniciativa dos particulares: “Com vista à apresentação do projecto negocial e suas especificidades e mediante iniciativa dos privados com interesses negociais na Líbia, foi desenvolvida uma prática de realização de reuniões de enquadramento prévio na Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, com a presença de elementos do SEF, SIS e autoridades policiais».
300.ª E a fls. 439, quanto à mesma matéria, dá como provado, em sentido oposto, referindo-se a actos de impulso de MP: «Diligenciou junto da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas pela marcação de reuniões do interesse da arguida ILS…».
301.ª E, bem assim, a fls. 441 dá como provado, referindo-se ao pacote de medidas disponibilizado pelo arguido MP quanto à ILS: «Aceitar aprioristicamente uma mera declaração de boa conduta a emitir pelo Ministério da Saúde Líbio em substituição da certidão de registo criminal, independentemente da prévia e casuística indicação e justificação pela arguida “ILS…” da impossibilidade prática de obter tal elemento junto das autoridades líbias competentes».
302.ª A fls. 449, dá ainda como provado: “Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, o arguido MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do SEF quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da ILS». (Ao invés do facto da pronúncia: «Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, nas palavras do Embaixador JMC, para fazer diligências em favor da ILS, MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do SEF quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da ILS»).
303.ª No que respeita à dispensa (ilegal) de seguro por um período igual ao do visto de estada temporária, a fls. 913-914 dá como não provado:
«Na qual o arguido MP, actuando com o aval do arguido MM, e após prévia concertação com o arguido JA, propôs medidas excepcionais. Com efeito, o referido tratamento disponibilizado pelo arguido MP à arguida "ILS- Área da Saúde, Ld." revelava-se violador as seguintes disposições legais imperativas (…) artigo 52.º n.º 1 alínea f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigo 12.º n.º 1 alínea e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do artigo 54.º n.º 2 da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias.
Alínea c) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.”
304.ª A fls. 441., pelo contrário, dá como provado, quanto ao pacote de medidas aprovado por MP:
«Aceitar como válida e suficiente para a emissão de um parecer positivo pelo Serviço de Estrangeiro e Fronteiras uma apólice se seguro por 90 dias, ao invés dos 120 dias legais correspondentes ao período de validade do visto de estada temporária para tratamento médico.»
305.ª Ora, tal, integra uma insanável contradição entre os factos e a sua qualificação jurídica quanto a uma prática violadora da lei.
Quanto às conclusões 296 e 297:
O Ministério Público alude a dezenas de factos constantes de oito páginas do acórdão recorrido, o que não permite saber a que actos de subtracção da competência das Direcções Regionais do SEF quanto à instrução de pedidos de visto se pretende referir.
De referir que não se consegue perceber em que medida os factos constantes de fls. 439 do acórdão (será que o Ministério Público se refere aos factos acima indicados nos § 1568 a 1572?) se encontram numa contradição irredutível com algum ou alguns dos diversos actos que o recorrente considera como sendo actos de subtracção da competência das Direcções Regionais do SEF quanto à instrução de pedidos de visto, a fls. 912 e 914
Não descortinamos que fundamentos ou segmentos do texto da decisão da matéria de facto do acórdão recorrido se encontram em contradição e afigura-se-nos que os factos provados e os não provados se referem a procedimentos distintos e são conciliáveis.
Quanto às conclusões 298 a 302:
A ponderação conjunta dos factos provados acima enunciados nos § 1546, 1570, 1578 e 1622, a que o Ministério Público se refere nas conclusões 299 a 302 e referentes a procedimentos concretos do arguido MP, não permite afirmar a existência de uma contradição, muito menos insolúvel ou irredutível, com os factos não provados acima constantes do § cccxcvi, que se restringem à existência de uma determinação do arguido MM ao arguido MP para a execução de determinados actos e onde, no mais, se afirma um juízo valorativo ou conclusivo, dependente da interpretação e aplicação de normas jurídicas.
Quanto às conclusões 303 e 304:
O problema suscitado consiste em erro de julgamento de direito, é estranho à impugnação da decisão em matéria de facto e deve ser suscitado e apreciado em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos provados
Pelo exposto, julgamos improcedente a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 394 a 396, o Ministério Público refere a verificação de contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido na matéria de facto relativa com o núcleo F.4. (kamov).
Afirma o Ministério Público que existe contradição entre, por um lado, os seguintes factos que o tribunal colectivo julgou provados:
O arguido JA, com o conhecimento do arguido MM, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MAT (CEO do Grupo espanhol "F,SA" que integra as empresas "H", "F,C", "S,A", "C,S").
Com efeito, em 18 de Maio de 2012, agentes e representantes da "FI,S.A." nomeadamente Ang…M e JGB, intermediaram contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA" relativos à actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov[238].
Contactos esses que precederam temporalmente a abertura do procedimento concursal 04/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado, conforme acima referido, em 16 de Julho de 2012 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136[239].
Tendo uma empresa do grupo "FI,SA" – identificando-se como "FI," (firma não correspondente a qualquer sociedade com registo nacional) – intervindo como interessada no âmbito desse procedimento concursal 04/EMA/2012, solicitado esclarecimentos referentes ao respectivo caderno de encargos[240].
Sendo que, em 4 de Setembro de 2013, LLD da "FI,SA" solicitou ao arguido JA informações acerca das consequências de um episódio ocorrido com um helicóptero Kamov – o qual havia caído – para o curso do procedimento concursal 04/EMA/2012[241].
Em 2 de Janeiro de 2013, já após o conhecimento da deserção do lote 1 do Concurso Público Internacional n.º 04/EMA/2012, o arguido JA remeteu ao arguido MM, a solicitação deste, um correio electrónico relativo a uma proposta comercial da "F,SA.", datada de 20 de Novembro de 2012, e relativa à gestão da frota de helicópteros e disponibilidade de helicópteros de tipo médio[242].
A referida proposta referia-se a um serviço de disponibilização à "E,SA, em reforço da sua frota própria, de dois helicópteros tipo médios com dois motores, a fim de completar a frota da "E, SA..
Em 20 de Abril de 2013, MAT Almagro, da "F,SA.", enviou ao arguido JA uma proposta negocial de disponibilização de uma sexta aeronave Kamov e relativa à manutenção de um conjunto de cinco helicópteros Kamov, propriedade do Governo português (número correspondente às aeronaves Kamov operacionais e propriedade do Estado português cuja actividade de manutenção e operação era objecto da referido lote 1)[243].
E, por outro lado, o seguinte facto que o tribunal julgou não provado:
cdlxxi. O arguido MM tinha conhecimento das relações mantidas entre MAT, CEO do Grupo "F,SA " e o arguido JA, por intermédio de representantes da empresa "FI,S.A.".
Em nosso entender, inexiste contradição.
O que se afirma no facto não provado não é que o arguido MM desconhecesse as relações mantidas entre MAT, CEO do Grupo "FI,SA" e o arguido JA ( o que estaria em contradição com os factos provados 1744 a 1751), mas que o arguido MM tivesse obtido ou adquirido esse conhecimento por intermédio de representantes da empresa "FI,S.A."..
Como já repetidamente afirmado, existe vício decisório da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão quando se possam identificar posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e a respectiva fundamentação.
O que não acontece neste âmbito e improcede a arguição de vício decisório.
Erro notório na apreciação da prova
16. Tem sido entendido na doutrina e jurisprudência que o vício decisório do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º do Código de Processo Penal, pressupõe uma apreciação manifestamente incorrecta, contrária à lógica e às regras da experiência comum e que não passe despercebida à observação de qualquer cidadão de formação cultural média.
Para Pinto de Albuquerque, constituem situações relevantes para este efeito, o erro sobre facto notório, a ofensa das leis de natureza, a ofensa das leis da lógica e o desrespeito por conhecimentos criminológicos e vitimológicos. [244].
Enquanto fundamento do recurso – recorde-se aqui uma vez mais – é necessário que o erro na apreciação da prova, além de ostensivo, resulte do texto da decisão de facto da sentença recorrida, enquanto peça processual autónoma, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum.
Como observa Germano Marques da Silva,
Esta é uma limitação importante. Desde logo fica vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe seja externos. É que (…) o recurso tem como objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida.”[245].
O Ministério Público suscita a verificação no acórdão recorrido do vício decisório de erro notório na apreciação da prova nas conclusões 55 a 60, 66 a 71, 72 a 76, 77 a 80, 155 a 157, 158 a 161, 162 a 172, 173 a 178, 179 a 194, 226, 306 a 323º, 324 a 339, 340 a 359º, 360º a 393º, 397 e 398, 399 a 425 e 426 a 428.
Nas conclusões 55 a 60, o Ministério Público refere a verificação do vício decisório quanto a factos referentes à sociedade “JF,Ldª ”, nos seguintes termos (transcrição):
55.ª O Tribunal recorrido deu como não provado, quanto à sociedade “JF,Ldª ”, o seguinte facto relativo à dita sociedade que, na tese da pronúncia, teria como co-sócio de facto AF, juntamente com LMM e os arguidos MM, JA : «Sendo ALF uma mera testa de ferro do arguido AF, representando os interesses do seu pai na referida estrutura societária, o qual é sócio de facto da mesma, tendo acompanhado activamente toda a actividade da referida entidade colectiva»
56.ª Seguindo, na respectiva fundamentação, a Fls. 840, na nota de rodapé n.º 809, a citação da prova documental (correspondência electrónica), sem qualquer análise crítica, a qual, aparentemente, usa como fundamento para não dar como provado tal facto, sendo que, no entender do Ministério Público, da mesma resulta, inequivocamente, juízo contrário, quando por si só considerada, e, ainda, quando conexa com as declarações do arguidos JA em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido nas quais confessou tal facto (declarações cujo relevo probatório o Tribunal recorrido afastou liminarmente em violação das normas que conferem relevo probatório às declarações dos arguidos).
57.ª Refere, o Tribunal recorrido, a propósito, laconicamente, que «as breves referências ao arguido AF não são suficientes para afirmar que este era o verdadeiro sócio e que acompanhava toda a actividade da empresa».
58.ª Ora, tal asserção colide frontalmente com as declarações do arguido JA em sede de primeiro interrogatório, bem como, para o efeito do vício patente ora em apreço, com o próprio teor da correspondência electrónica citada no texto do acórdão e constante do Ap. P, Relatório 26, fls. 1; fls. 2-7; fls. 141-144; 145.
59.ª A concatenação de tais meios de prova expressamente enunciados no Acórdão recorrido com os factos dados por provados e meios de provas citados que os sustentam, designadamente a fls. 155 do acórdão e nota de rodapé 14/fls.155, quanto aos pagamentos efectuados à "JF,LDª" pela sociedade "FI,S.A." única cliente conhecida da "JF,Ldª" e seus concretos destinatários, no parágrafo que se inicia por «Após a emissão da respectiva factura…», e que descreve subsequentemente os pagamentos efectuados aos sócios da "JF,LDª" (em valor idêntico), e, bem assim, que a quota-parte respeitante à alegada sócia ALF foi paga, de acordo com os factos provados, a um amigo pessoal de AF, através de uma sociedade deste, não poderia, salvo melhor opinião, de acordo com as regras da experiência comum, dar azo a conclusão diversa acerca da qualidade de mera “testa de ferro” que assumia ALF na sociedade "JF,Ldª"..
60.ª Incorreu, assim, o Tribunal recorrido em erro notório na apreciação da prova ao ter dado como não provado o mencionado facto.
O Recorrente refere-se ao parágrafo x do elenco da matéria de facto não provada, com a seguinte redacção (transcrição):
"JF,Ldª "
x. Sendo ALF uma mera testa de ferro do arguido AF, representando os interesses do seu pai na referida estrutura societária, o qual é sócio de facto da mesma, tendo acompanhado activamente toda a actividade da referida entidade colectiva[246].
Salvo melhor entendimento, o Recorrente não distingue os planos distintos na impugnação da decisão em matéria de facto e invoca a existência de um vício decisório apenas com base do que considera ser uma errada apreciação e valoração das provas.
O que faz, aparentemente, apelando às indicações de meios probatórios constantes de notas de rodapé da decisão, como se isso fosse admitido em sede de apreciação dos vícios decisórios.
Não é assim.
Essas notas de rodapé do texto da decisão constituem apenas elementos de remissão para os meios probatórios. Como já dito e repetido, o vício decisório tem de resultar do texto da decisão como peça processual autónoma, pelo que a argumentação se revela manifestamente infundada quando, como no caso vertente, se limita ao entendimento ou juízo probatório do recorrente com base em análise ou apreciação de meios ou elementos probatórios de que não se colhe transcrição no acórdão recorrido.
Temos como inequívoco que as indicações de citação na nota de rodapé n.º 809 de envio e recebimento de comunicações electrónicas, ainda que ponderadas à luz de regras de experiência comum, não permite concluir que a decisão quanto ao facto não provado x se ficou a dever a um erro notório na apreciação da prova.
Nas conclusões 66 a 71, o Ministério Público afirma a verificação de erro notório na apreciação da prova quanto a factos referentes à sociedade "JAG,Lda" nos seguintes termos (transcrição):
66.ª A fls. 842 do Acórdão recorrido, o Tribunal recorrido, acerca da matéria do relacionamento entre a empresa "FI,SA" e a empresa "JAG,Ldª" (do arguido JA) -para a qual passou, conforme matéria de facto dada como provada, o relacionamento anteriormente mantido com a "JF,Ldª" após a saída do arguido MM (coincidente com a sua entrada para o Governo), e no âmbito do qual foram efectuados pagamentos no valor total de 172, 725€, entre 2011-2013, correspondendo a facturas mensais no valor de 6.150€ (conforme matéria dada como provada a fls. 157), não deu como provado o seguinte facto: “Serviços que, na prática, consistiam na prestação de serviços de influência junto de terceiros próximos ou de decisores no âmbito de concursos públicos (ANA, EPAL, ICNB, Câmara Municipal do Porto; Câmara Municipal de Lisboa, etc.), fazendo uso o arguido JA da sua rede dedicada de contactos, nomeadamente o arguido AF, como aconteceu, em Outubro de 2012, entre outros, com um Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM Porto.»
67.ª Como fundamento para a falta de prova de tal facto o Tribunal recorrido indicou a seguinte prova documental, constante do AP. P, relatório 14, fls. 110 e ss., citada no próprio Acórdão recorrido, em versão resumida, na nota de rodapé 811, de fls. 842, efectuando os juízos que se reproduzem acerca da sua irrelevância:
«Com data de 22 de Outubro de 2012, um correio electrónico do arguido JA e para o arguido AF, com o assunto "Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM do Porto".
«O arguido JA escreve "Dr.AF do, podemos fazer alguma coisa", reencaminhado um email que o arguido JA recebeu de JN (da FI,SA), fazendo o ponto da situação do concurso, em que "a nossa proposta foi apresentada ontem e aguardamos agora o veredicto final que (...) amanhã falamos pessoalmente melhor sobre este concurso".
Trata-se do concurso para a celebração de um acordo quadro singular para a prestação de serviços de manutenção dos espaços verdes e arvoredo dos bairros municipais do Porto: CLPQI/l/12/DMC_Fase_Convite, 21-10-2012, valor € 2.800.000,00.
Este documento não demonstra qual a influência que o arguido AF pode ter na decisão deste concurso.
O mesmo se pode afirmar dos documentos que se seguem.
Estes documentos evidenciam que são transmitidas ao arguido JA informações sobre oportunidades de negócio para a empresa e identificação dos decisores. E esta transmissão de informação tem subjacente uma intencionalidade que não é completamente clara.
Pode evidenciar uma pretensão de influência ilícita para obtenção de uma posição de destaque nos concursos, mas não passa de um fraco indício de um comportamento não normativo. E, como tal insuficiente para demonstrar os factos em causa».
68.ª Ora, salvo melhor opinião, as provas elencadas e descritas não deixam margem para dúvidas razoáveis quanto ao tipo de influência almejada (e paga), como decorre da indicação especificada dos decisores públicos no âmbito de concursos e a indicação expressa de quais de entre eles teriam - como expressamente se refere no email de 22.10.2012 - mais «influência no processo de decisão» (cit.)
69.ª Aliás, e no que respeita à solicitação de JA a AF, que tipo de influência legal outra, que não ao nível do processo decisório, questiona-se, à luz das regras da experiência comum, poderia um titular de um alto cargo público, como um Presidente do IRN, prestar a terceiros num concurso público lançado por um Município já após a apresentação das propostas pela entidade concorrente?
70.ª Caso o Tribunal recorrido tivesse, como devia, realizado uma análise criteriosa da prova – o que, salvo o devido respeito, não curou de fazer ou sequer encetar fazer – teria atendido ao «perfil comercial», no mínimo «agressivo», da empresa "FI,SA" que resultava dos elementos de prova coligidos no Ap. A-F (carta rogatória remetida às Justiças espanholas) da qual decorre o envolvimento da "FI,SL" num esquema de corrupção em matéria de concursos públicos em Espanha, facto este que o Tribunal recorrido, como já referido, deu, sem mais, como não provado a fls. 842 do Acórdão recorrido, sem curar, sequer, de fazer qualquer menção, por breve ou superficial que fosse, aos elementos noticiosos e à certidão da Audiência Nacional que integram o Ap. A-F dos autos, o que configura o vício de erro notório na apreciação da prova.
71.ª Assim sendo, o texto da decisão recorrida sofre, neste particular, do vício de erro notório na apreciação da prova.
Nas conclusões que antecedem, o Recorrente refere-se ao facto não provado xiii e respectiva nota de rodapé, com a seguinte redacção :
"JAG,Ldª .."
Serviços que, na prática, consistiam na prestação de serviços de influência junto de terceiros próximos ou de decisores no âmbito de concursos públicos (ANA, EPAL, ICNB, Câmara Municipal do Porto; Câmara Municipal de Lisboa, etc.), fazendo uso o arguido JA da sua rede dedicada de contactos, nomeadamente o arguido AF, como aconteceu, em Outubro de 2012, entre outros, com um Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM Porto[247].
Em nossa apreciação, a valoração constante da nota de rodapé, de onde decorre que as mensagens de correio electrónico são insuficientes para julgar provado que o arguido AF tenha tido influência em concursos públicos, não se revela ostensivamente como errada ou arbitrária à luz da experiência comum e inexiste vício decisório da decisão na apreciação que conduz ao facto não provado assinalado.
No mais, designadamente quanto ao teor da conclusão 70º, o Recorrente baseia-se unicamente no juízo valorativo de elementos de prova estranhos ao texto da decisão, o que torna insubsistente a alegação no âmbito dos vícios decisórios.
Improcede neste âmbito a arguição do vício decisório.
Nas conclusões 72 a 76, o Ministério Público afirma a verificação de erro notório na apreciação da prova quanto a factos referentes ao relacionamento da "FI,SA" com JA e restantes arguidos, nos seguintes termos (transcrição):
72.ª A fls. 843 (…), o Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte facto: «No âmbito do relacionamento do arguido JA com a empresa "FI,SL" vieram a ocorrer os factos que se descreverão (no ponto F-4) relativos a procedimentos concursais públicos abertos, sob a égide do Ministério da Administração Interna, e referentes à operação e manutenção dos meios aéreos pesados e ligeiros do Estado (helicópteros KAMOV e B3) de combate a incêndios.»
e
«Tendo os representantes da "FI,SL.", nomeadamente Ang…M e JGB, intermediado contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA" com interesses comerciais na actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov.»
73.ª Mais uma vez, na nota 812, a fls. 843, o Tribunal cita, reproduzindo a síntese elaborada pelo OPC, os elementos de prova documentais, constantes do apenso P, relatório 31, a fls. 86 a 90, realizando o seguinte juízo analítico: «Sequência de correio electrónico, datados de 18-Maio-2012, nos termos dos quais um documento "scaneado" é enviado por Ang…M (FI,SA) para JGB (FI,SL), e deste para o arguido JA. O documento "scaneado" é, por sua vez, uma sequência de correio electrónico, de 11 e 15 de Maio-2012, em castelhano, o primeiro envolvendo LLD para MAT, no qual LLD envia um rascunho da conversa que ambos tiveram, para que Miguel acrescente alguma coisa e a transmita para "nouestra persona de Portugal (JA) ", para que se ocupe do assunto. O assunto é relacionado com um contrato envolvendo 6 Kamovs pesados e 3 B3 ligeiros de Eurocopter, propriedade da "E, SA, no valor de 23 milhões de euros, sendo que o remetente de correio electrónico tece considerações sobre os critérios de avaliação do concurso (com marcador laranja assinalado).No segundo correio electrónico, LLD escreve a JGB, esclarecendo que o contrato que lhes interessa é o primeiro refendo, de ligeiros, pois quanto ao resto a "F,SA" não tem meios disponíveis. Encontra-se riscada a parte relativa aos helicópteros sanitários.
Embora este encadeamento de mensagens de correio electrónico mostre algum interesse da "F,SA" pela manutenção dos helicópteros, não existe conexão com o 2.º concurso internacional de manutenção e operação dos 6 helicópteros Kamov.
Tanto mais que a "F,SA" não se apresentou a nenhum dos concursos».
74.ª Não se logra , todavia, descortinar a qual a base de tal asserção crítica quanto ao facto e à prova em causa, considerando que do documento apresentado resulta inequívoca uma triangulação JA, «"FI,SA"» e «"F,SA"»..
75.ª Ora, tal segmento do texto da decisão recorrida enferma do vício de erro notório na apreciação da prova uma vez cotejado com os factos dados como provados a fls. 474 e ss., nomeadamente quanto ao «desprezo» valorativo do interesse da "FI,SA" e da "F,SA" por ambos os concursos (2012 e 2014): como resulta dos factos provados e prova que os sustenta e referidos no Acórdão recorrido, designadamente:
- Contactos anteriores à abertura do primeiro concurso;
- Consulta pela "FI,SA" das peças concursais atinentes ao primeiro concurso;
- Proposta da "F,SA" reencaminhada por JA, na data de 02.01.2013, a MM, já após a deserção do primeiro concurso e atinente à gestão dos KAMOV, e ainda à disponibilização de mais helicópteros;
- Proposta remetida pela "F,SA" a JA, na data de 20/04/2013, relativa à manutenção de 5 Kamov, e ainda ao fornecimento de uma sexta;
- O facto de, paralelamente a este interesse manifestado, no Verão de 2013, em plena fase “charlie” (justificadora de «urgência» para efeitos de legitimação de ajuste directo) a empresa "F,SA" coincidentemente, e apesar de nunca antes ter antes estabelecido relações com o MAI, haver sido a única empresa a ser contactada para apresentar uma proposta de fornecimento de uma aeronave;
- O facto de, não obstante não ter apresentado formalmente qualquer proposta no âmbito do procedimento concursal de 2014, ter, afinal, sido subcontratada pela adjudicatária "E…Aviação E…,S.A." para os serviços de operação e manutenção dos KAMOV:. (cfr. Fls. 474-477 do Acórdão recorrido e meios de prova elencados em nota de rodapé).
76.ª Revela-se, pois, absolutamente desprovida de lógica (pelo menos a descortinável à luz da racionalidade crivada pelo filtro da experiência comum que norteia a actividade jurisprudencial) a asserção crítica a que o Tribunal recorrido chegou.
O Recorrente refere-se aos seguintes factos não provados e respectiva nota de rodapé:
No âmbito do relacionamento do arguido JA com a empresa "FI,S.L" vieram a ocorrer os factos que se descreverão (no ponto F-4) relativos a procedimentos concursais públicos abertos, sob a égide do Ministério da Administração Interna, e referentes à operação e manutenção dos meios aéreos pesados e ligeiros do Estado (helicópteros KAMOV e B3) de combate a incêndios.
Tendo os representantes da "FI,S.L., nomeadamente Ang…M e JGB, intermediado contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA" com interesses comerciais na actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov[248].
Na conclusão 75, o Ministério Público fundamenta a existência de erro notório no segmento da nota de rodapé onde o tribunal colectivo fez constar que “Embora este encadeamento de mensagens de correio electrónico mostre algum interesse da "FI,SA" pela manutenção dos helicópteros, não existe conexão com o 2.º concurso internacional de manutenção e operação dos 6 helicópteros Kamov. Tanto mais que a "FI,SA" não se apresentou a nenhum dos concursos, contrapondo um conjunto de dezenas de factos provados que refere apenas como sendo os “factos de fls. 474-477 do acórdão recorrido” e com a apreciação que faz de elementos de prova estranhos à decisão.
Se incidirmos a análise unicamente no texto da decisão, quer no texto principal, quer na nota de rodapé, a apreciação do tribunal colectivo não se revela ostensivamente como errada ou arbitrária à luz da experiência comum e inexiste vício decisório da decisão na apreciação.
Porém, o teor do facto não provado xv não se deve manter porque se encontra em contradição evidente com o teor dos factos provados 1745 e 1746, devidamente fundamentados[249].
Em face do exposto, decide-se alterar a decisão em matéria de facto, revogando o § ou ponto xv da enumeração dos factos não provados.
Nas conclusões 77 a 80, o Ministério Público afirma a verificação de erro notório na apreciação da prova quanto a factos referentes à sociedade TCNBRS, a PauloE… e aos arguidos MM e JA nos seguintes termos (transcrição):
77.ª A fls. 844- 845, o Tribunal deu como não provado o seguinte facto: «PauloE… e os arguidos MM e JA em Março de 2008, mantido contactos relativos a actividade de agilização de negócios, no Brasil, referentes a concessões municipais de actividade de exploração de água e esgotos, no Rio de Janeiro.»
78.ª Para sustentar tal, na nota de rodapé 814, a p. 845, recorre o Tribunal recorrido à prova documental constante do apenso P, relatório 31, p. 6, realizando a seguinte análise crítica: “Correio electrónico datado de 27-Março-2008, de PauloE… para o arguido JA (que o reencaminha para o arguido MM), dando conta de um potencial negócio ("se houver interesse temos como agilizar o negócio") relacionado com uma concessão de uma empresa de exploração de água e esgoto, num município do Rio de Janeiro, não identificado. O teor deste documento refere a palavra «agilizar», mas é antecedida da expressão «se houver interesse». Assim, com base neste documento, é excessivo concluir que existiu alguma actividade de agilização neste negócio por parte dos arguidos JA e MM»..
79.ª Ora, salvo melhor opinião, a análise crítica efectuada reporta-se a um facto não descrito na acusação, isto é que os arguidos desenvolveram actividade de agilização.
80.º Com efeito, o facto descrito na pronúncia reporta-se, simplesmente, à manutenção de contactos entre os arguidos e o individuo de nome PauloE… (na tese da pronúncia parceiro negocial dos arguidos) acerca de uma actividade que os interlocutores cunharam de «agilização»), existindo, assim, vício de erro notório na apreciação da prova, devendo o facto descrito ter sido dado como provado.
Afirma o Ministério Público que o vicio decisório reside na circunstância de o facto não provado “a fls. 844-845”, ou seja,
PauloE… e os arguidos MM e JA em Março de 2008, mantido contactos relativos a actividade de agilização de negócios, no Brasil, referentes a concessões municipais de actividade de exploração de água e esgotos, no Rio de Janeiro[250].,
se referir, quanto ao desenvolvimento da actividade de “agilização” de negócios, num facto não descrito na pronúncia.
O Recorrente carece de razão, como se conclui de uma simples leitura dos dois textos.
Com efeito, se bem entendemos, o facto não provado do acórdão recorrido corresponde perfeitamente como “resposta” ao facto constante do parágrafo 79 do despacho de pronúncia, com a seguinte redacção (transcrição):
79.O relacionamento de MM, JA e PauloE… data, pelo menos, do ano de 2008, tendo os mesmos, em Março de 2008, mantido contactos relativos a actividade de agilização de negócios, no Brasil, referentes a concessões municipais de actividade de exploração de água e esgotos, no Rio de Janeiro.
Improcede a arguição neste âmbito.
Nas conclusões 155 a 178 o Ministério Público afirma a existência de vícios decisórios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação na matéria de facto referente à ligação do arguido AF à sociedade "G,LDª".
Em primeiro lugar, o Recorrente insurge-se com a decisão do tribunal colectivo no segmento em que julgou não provada a intenção de constituir o arguido AF sócio daquela sociedade.
Está em apreço, o teor do facto não provado clx e da respectiva nota de rodapé,
Este pedido de autorização visava a cedência das quotas de € 500.00 e € 450.00, dos arguidos PE e de JG ao arguido AF, ficando este com uma quota unificada de € 950.00, tal como, antes da constituição da sociedade, foi delineado entre todos[251].
Bem como dos seguintes factos provados:
Em 26 de Setembro de 2011, já a "G,Ldª." tinha dado o consentimento da sociedade para divisão e cessão de quotas que iria ser efectuada pelos sócios os arguidos PE e JG[252]..
Com efeito, o sócio o arguido PE obteve autorização da sociedade para dividir a sua quota de € 1.250,00 em duas quotas de € 750,00 e € 500,00 e ceder a de € 500,00 a um estranho à sociedade.
O sócio o arguido JG obteve autorização da sociedade para dividir a sua quota de € 1.200,00 em duas quotas de € 750,00 e € 450,00 e ceder a quota de € 450,00 a um estranho à sociedade.
No entanto, a cedência de uma quota da "G,Ldª." ao arguido AF não veio a ocorrer.
Apesar do apelo à figura do vício decisório, o Ministério Público alude repetidamente a realidades estranhas ao texto da decisão, como o teor de declarações prestadas pelos arguidos, as transcrições de intercepções telefónicas ou os documentos existentes nos apensos, sem especificação alguma, limitando-se a exteriorizar um juízo valorativo diferente ou oposto ao que o tribunal evidenciou na decisão judicial quanto aos elementos probatórios elencados na nota de rodapé 826, ou seja, quanto ao teor de fls. 44, 264 a 267, 63 a 65, de 314 dos documentos anexos ao relatório 30, apenso P.
É assim insubsistente a argumentação constante das conclusões 155 a 163, quer no plano dos vícios decisórios, porque neste segmento, a arguição não incide apenas no texto da decisão, quer no plano da “impugnação ampla”, porque o recorrente não cumpre o tríplice ónus de especificação.
Em nosso entendimento, as notas de rodapé do acórdão recorrido mencionadas pelo recorrente não contêm nenhuma apreciação ilógica, arbitrária, de todo insustentável e que não passe despercebida ao comum dos observadores.
Nas conclusões 164 a 168 o Ministério Público, posicionando-se no plano da crítica quanto ao modo como o tribunal recorrido valorou as provas, acaba por efectivamente suscitar erro de julgamento da decisão em matéria de facto. Ao invés do que aconteceu em todas as situações que já analisámos até aqui, o Recorrente não se limita a remeter para elevado numero de extensos documentos, na sua globalidade e concretiza os trechos ou segmentos desses elementos de prova que considera terem sido indevidamente valorados, assim possibilitando a apreciação pelo tribunal de recurso.
Sendo possível encontrar aqui o cumprimento das especificações impostas no nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, pela indicação dos pontos da matéria de facto incorrectamente julgados e dos concretos meios de prova que na valoração do Ministério Público impõem uma decisão diferente.
Procedemos assim ao exame e ponderação conjunta dos documentos constantes no apenso P, relatório 30, fls. 43 a 45, fls. 62 a 65 e 264,, referentes a cessão de quotas na sociedade “G,Ldª” e 263 a 267 , com o título «projecto de pacto”.
Trata-se de documentos obtidos sem qualquer menção de assinatura, sem prova minimamente segura quanto à autoria, que poderão muito bem ser tidos como traduzindo uma mera ideia, proposta, ou plano sobre alterações societárias, sem que daí se possa extrair indubitavelmente o conhecimento, acordo e ou propósito das pessoas que são mencionadas nesse documento de constituir o arguido AF como sócio da sociedade.
Neste âmbito, o tribunal colectivo terá optado por atribuir credibilidade e fidedignidade a uma ponderação conjunta do teor das declarações, a este propósito, dos arguidos JG, EA, PE e AF, numa solução plausível e razoável.
O relacionamento conjunto desses elementos não nos impõem uma decisão diferente quanto ao acima enunciado facto não provado clx.
Por fim, não existe contradição entre o facto não provado e o facto provado 918, de onde apenas decorre que não ocorreu a cedência de uma quota da "G,Ldª." ao arguido AF..
Assim improcedendo a arguição de vícios decisórios e a impugnação da decisão por erro de julgamento.
Nas conclusões 179 a 194, o Ministério Público suscita a existência de vícios decisórios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação na matéria de facto referente à ligação do arguido AF à sociedade "S,Ldª"..
Também neste âmbito, o Ministério Público confunde os planos da impugnação da decisão em matéria de facto.
Sendo possível inferir que pretende censurar e ver revogada a decisão do tribunal colectivo quanto aos factos provados que acima indicamos como de 1840 a 1842, no que respeita ao motivo e ao destino efectivo da quantia de € 3500 € transferida para conta bancária da filha do arguido AF, o Recorrente fundamenta o que considera ser vício decisório apenas na apreciação ou valoração que faz do teor de um relatório referente a uma mensagem de telemóvel[253], da genérica análise dos suportes digitais constantes do apenso L, em conjugação com a sua valoração das declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento e nas fases preliminares, bem como o que considera o perfil de ocultação e de invisibilidade revelado pela conduta do arguido…
Ou seja, o Ministério Público apela apenas a elementos probatórios exteriores ao texto da decisão, o que uma vez mais conduz necessariamente à improcedência da arguição de vício decisório. Diremos ainda o seguinte:
-Em nosso entendimento, a nota de rodapé nº 407 (“nenhum dos meios de prova indiciam que o arguido AF tenha dado ordem para a execução desse crédito naquela conta bancária”) não contém nenhuma apreciação ilógica, arbitrária, de todo insustentável, nem se revela uma contradição insanável entre a fundamentação da decisão.
A mensagem indicada tem um significado muito próximo de outras sobre “transferências”[254] e nada nos permite inferir com a segurança necessária que a arguida EA pretendia saber o nº da conta do arguido AF e não da filha ALF precisamente para a transferência aqui em causa.
Obviamente que a coincidência no valor da “prenda” para a filha causa estranheza ou perplexidade.
Porém, o tribunal optou por atribuir credibilidade às declarações dos arguidos AF e EA, numa solução verosímil e ainda permitida pela razoabilidade, segundo a experiencia comum. Não descortinamos a existência de elementos probatórios que nos imponham uma decisão diferente
Na conclusão 226, o Ministério Público suscita a existência de vício decisório de erro notório na apreciação da prova quanto ao facto provado 998[255], invocando que aí o tribunal julgou provado que no dia 13 de Junho de 2013 o arguido EB pediu que a CV que trouxesse um envelope com o timbre da "MC,Ldª", com $ 2500,00 no seu interior e que entregasse o mesmo ao arguido JG, ao que CV se recusou, alegando não ser um pombo-correio, enquanto na fundamentação da decisão, ao valorar o depoimento, o tribunal faz constar a na p. 1296 que a testemunha afirmou nesse depoimento que EB lhe pediu se não se importava de trazer um envelope com 5 mil dólares para o arguido AF e que a testemunha recusou.
Percorrendo toda a fundamentação, não logramos encontrar qualquer justificação para a referência ao arguido JG, admitindo-se a possibilidade de ter havido um lapso de escrita, como entende o arguido AF na “resposta” ao recurso do Ministério Público.
Assim, decidimos alterar a decisão em matéria de facto por forma a constar nos factos provados o seguinte, com fundamento no depoimento da testemunha:
998. Na mesma data, o arguido EB pediu-lhe que trouxesse outro envelope com o timbre da "MC,Ldª", com igual quantia no seu interior e que entregasse o mesmo ao arguido AF, ao que CV se recusou.
Nas conclusões 307 a 323, o Ministério Público suscita a existência de vários vícios de erro notório na apreciação da prova quanto ao factos do Núcleo ILS/Vistos F2, que exemplifica nos seguintes termos (transcrição):
307.ª O Tribunal recorrido, quanto ao acordo estabelecido entre JA e PLC, dá como assentes os factos descritos a fls. 436 e ss. e também, quanto à «motivação de direito», no que respeita ao arguido JA, a fls. 2284 e ss, sendo que quanto à apreciação que no Acórdão recorrido é feita do e-mail trocado entre os arguidos JA e PLC de Agosto de 2013 (cf. fls. 133, Ap. O)) e, especialmente no que à actividade de exegese encetada pelo Tribunal recorrido quanto à palavra «facilitador» , diremos que não podemos estar mais em desacordo com a leitura realizada de tal meio de prova à luz das regras de interpretação (art.º 9.º do Código Civil), das regras civilísticas da interpretação das declarações consagradas no art.º 236.º do CC, e à luz da experiência comum.
308.ª No que concerne à análise feita no Acórdão recorrido ao significado da palavra «facilitador» a mesma encerra um erro notório na apreciação da prova, uma vez que omite que a determinação do significado de uma dada palavra, enquanto actividade hermenêutica judicial, haverá necessariamente de atender ao valor literal da palavra, mas também ao seu valor de uso e ao contexto concreto em que foi proferida.
309.ª Como bem lembra a jurisprudência do STJ: «Não se requer que o julgador, ao ter como preenchida a factualidade integradora de um crime ou, melhor, ao fazer a análise da prova, tenha que partir da literalidade das palavras. O que importa é o sentido das palavras». (Ferreira Vidal, Ac. STJ de 21/12/94, Pº 047195)
310.ª O Tribunal, ao não apreciar tal expressão, no contexto em que foi proferida, efectuando uma análise desgarrada da restante prova produzida, nomeadamente o e- mail de fls. 37, Ap. O), AP. F, sessão 2755, alvo 66799040., fls. 146; cf. Ap. F sessão 2760, Alvo 66799040, fls. 150 – cujo conteúdo é dado como assente a fls. 451 dos autos - o tratamento concreto dado à ILS no procedimento dos Vistos; as cautelas usadas por PLC no email no qual fala de actividade de facilitação, incorreu num erro notório na apreciação da prova.
311.ª Não sendo possível, ante o uso das regras da experiência comum, assacar, no referido contexto, qualquer outro sentido à expressão «facilitador» que não o de um agente agilizador de procedimentos na obtenção de vistos, tendo tal actividade sido acordada na previsão da adopção de condutas violadora das normas e procedimentos, atenta a forma sub-reptícia e não contratualmente formal como foi acordada entre os arguidos.
312.ª Pelo que quanto ao conteúdo das comunicações interceptadas e apreendidas em causa, seu sentido e alcance, o Tribunal recorrido incorreu num manifesto erro notório na apreciação da prova, sendo que tal e-mail e a sua compreensão se revelam cruciais para atestar um acordo de tráfico de influência que foi formalizado entre as empresas dos arguidos por contrato datado de 02 de Setembro de 2013, o qual deu origem aos pagamentos dados como assentes.
313.ª Reforçando, ainda, tal leitura dos factos aponta a análise contabilística da empresas de JA (JAG,Ldª), a qual o Tribunal recorrido nem sequer faz referência na análise que (não) faz da prova produzida e meramente listada/enumerada no Acórdão recorrido. (Cf. Relatório DISIFAE, Ap. DCIAP C2 , fls. 28-30, quanto à análise da estrutura de despesas da "JAG,Ldª" da qual não resultam quaisquer despesas associadas à actividade logística formalmente contratada)
314.ª Quanto à conclusão feita no acórdão no sentido da não discriminação positiva de tratamento entre a ILS face a outros operadores, o Tribunal recorrido apreciou a conduta de MP considerando que a mesma em nada se distinguiu da prestada a outros operadores e que, no caso da dispensa de seguro por tempo igual ao da duração do vistos se trataria de uma solução que, ainda que inovadora, se fundava num parecer técnico. e que a dispensa de CRC era uma solução juridicamente defensável. (fls. 2271).
315.ª Em tal apreciação, o Tribunal omite vários pontos da matéria de facto dados como assentes, designadamente os factos já acima referidos de impulso e proactividade de MP ao invés da normal iniciativa dos particulares; o pacote completo proposto ao MNE por MP no caso da ILS: proposta de aposição de vinhetas no aeroporto», a aceitação apriorística de declaração de boa conduta ao invés do CRC independentemente da alegação casuística pela empresa da impossibilidade de obter CRC; seguro por 90 dias ao invés dos 120 dias legais (cf. Fls. 440 e 441 da matéria provada).
316.ª Quanto às reacções do MNE plasmadas em documentação oficial (nomeadamente correio diplomático) do MNE apreendida nas buscas efectuadas à DGAC- designadamente a fls. 441 a 443 dos autos, as quais apontam para um tratamento de favor dispensado à ILS pelo SEF, com o aval da tutela, o Tribunal desvalorizou tais reacções referindo que se tratariam de meros “comentários paralelos” de quadros intermédios do MNE, desvalorizando, igualmente, um juízo do Embaixador JMC, responsável máximo pela DGSCCP, referindo que, com base num parecer disponibilizado por MP, viria a aceitar a solução relativa ao seguro que anteriormente reputara de ilegal.
317.ª Ora, salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal recorrido ao realizar tal juízo probatório, o qual, no entender do Ministério Público, revela-se realizado ao arrepio das regras da experiência comum (para além de desvalorizar a prova produzida em inquérito, em diligência presidida por magistrado e confrontada em audiência, mormente as declarações dos visados pela apreciação realizada, nomeadamente o depoimento da testemunha JMC devidamente transcrito no Acórdão Recorrido).
318.ª Qualificar posições expressas em documentos oficiais, nomeadamente correio diplomático do MNE, como «conversas paralelas», como se de mera conversa de café se tratasse, é, no mínimo, revelador de uma insensibilidade ou desconhecimento relativo ao mundo institucional e desconforme à realidade da vida diplomática e aos cuidados de trato e conduta (mormente quando plasmada em escritos) pela mesma exigida.
319.ª Por outro lado, desvalorizou o Tribunal recorrido um facto não despiciendo que deu como assente, é que o Embaixador JMC (como melhor resulta do seu depoimento mas também dos factos provados) tomou a posição de aderir à proposta do SEF, ao contrário da sua posição técnica inicial expressa por escrito, apenas após haver exigido uma posição expressa do SEF, a qual veio a assumir a forma de «parecer técnico» disponibilizado pelo arguido MP, entendendo (ou defendendo-se deste modo, melhor seria dizer) que a matéria em causa era mais de natureza securitária que de política externa ou diplomática.
320.ª Esqueceu igualmente o Tribunal recorrido de valorizar o facto de o «parecer técnico» ter sido elaborado por determinação por MP e de acordo com pressupostos por si previamente indicados.
321.ª Esqueceu ainda o Tribunal recorrido de considerar que, ao fazê-lo, o arguido MP omitiu expressamente à técnica que tipo de situação se trataria e qual a duração concreta do visto, no caso, tendo o parecer sido emitido na pressuposição de que o seguro seria equivalente ao tempo do visto, e que se trataria de um visto emitido por apenas três meses (cf. conforme matéria que deu como provada a fls. 443 )
322.º Não se tratando a matéria do seguro de uma questão técnica de somenos importância que um qualquer funcionário decidisse resolver (para mais sem solicitação da interessada) em tal sentido contrário á lei porque, nas palavras do Tribunal recorrido, «naturalmente, alguém pensou que não fazia sentido fazer um seguro por 120 dias quando a permanência dos doentes líbios em território nacional não ultrapassava os 90 dias».
323.ª Sendo que, na prática, para além da poupança criada para a ILS, foi assim criado um risco para o Estado Português: no caso de a permanência em Portugal se arrastar por mais tempo que os três meses (por exemplo por complicações médicas supervenientes), inexistindo seguro, era o Estado Português quem assumia os custos do repatriamento.
Como já aqui repetidamente afirmado, não se pressupõe a realização pelo tribunal de recurso de um novo julgamento como se o primeiro não existisse. Por isso, a impugnação da decisão em matéria de facto, ainda que no plano dos vícios decisórios, não dispensa o recorrente de proceder à indicação dos concretos pontos da decisão da matéria de facto e dos segmentos da fundamentação, no mínimo pela localização precisa no acórdão recorrido, sob pena de o tribunal de segunda instância se ver impossibilitado de conhecer o recurso nessa parte.
Neste conjunto de conclusões, o Ministério Público censura a decisão recorrida referindo-se “em bloco” aos factos de “fls. 436 e ss”, ou seja, a toda a matéria de facto constante, na nossa numeração, dos § 1538 a 1639 dos factos provados e ccclxxxv a cdxxi dos factos não provados, bem como à motivação de direito de fls. 2284 e ss.
Ou seja, o Recorrente omite qualquer especificação ou concretização.
Assim, não podemos saber a que segmento da fundamentação e para que factos em concreto o Ministério Público expõe o seu desacordo perante a opção do tribunal colectivo e a sua apreciação, no que respeita ao significado do termo “facilitador”.
Naturalmente que não pode o Tribunal substituir-se ao Recorrente na localização do objecto da impugnação e o recurso encontra-se manifestamente inviabilizado neste âmbito.
No mais, o Ministério Público, embora sob a capa da alegação de um vício decisório, expõe o seu próprio juízo probatório e censura a decisão sempre com base apenas no que considera ser uma errada apreciação e valoração de elementos probatórios (v.g. correio electrónico, comunicações electrónicas interceptadas e apreendidas, análise contabilística, documentos apreendidos em buscas),sem efectuar qualquer concretização ou especificação, ou seja, também fora do plano da impugnação “ampla” permitida no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal.
Termos em que improcede a arguição de vicio decisório neste âmbito.
Nas conclusões 324 a 339[256], o Ministério Público suscita a existência de vício decisório de erro notório na apreciação da prova quanto a factos dos Vistos F2, que considera integradores do crime de prevaricação de titular de cargo político praticado em co-autoria por MM e MP nos seguintes termos (transcrição).
Valem aqui novamente as considerações expostas imediatamente acima.
Ao longo de todo este segmento do recurso, o Ministério Público, além de considerações de Direito sobre o preenchimento do tipo de crime de prevaricação, expõe argumentos de impugnação da decisão de facto, mas sempre no plano da reapreciação do juízo probatório do tribunal colectivo, sustentando a sua discordância na análise própria de diversos elementos ou meios de prova.
Apelando sem concretização ao que na sua perspectiva decorre da matéria dada como assente, o Recorrente nunca concretiza – e também não existe - uma falha ostensiva e grosseira na análise de prova que resulte apenas do texto da decisão, por si mesma ou conjugada com as regras normais da vivência comum.
A argumentação do Ministério Público revela-se insubsistente também no plano da impugnação “ampla” da decisão em matéria de facto, porque o recorrente omite irremediavelmente o cumprimento do ónus de especificação imposto no artigo 412º nº 3 do Código de Processo Penal.
Improcede a arguição de vicio decisório.
Nas conclusões 399 a 425, o Ministério Público afirma existência de vício de erro notório na apreciação da provaquanto a facto não provado referente ao núcleo F4 Kamov, com a seguinte redacção:
cdlxvi. Ao remeter o referido caderno de encargos ao arguido JA, na fase preparatória do concurso de Julho de 2014, o arguido MM muniu o mesmo de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico.
Embora o Recorrente não concretize, é possível saber que se pretende afirmar a incompatibilidade à luz de elementos lógicos e da experiencia comum com os factos provados 1752 a 1757 (particularmente o 1756) , com a seguinte redacção:
Sendo que, em 5 de Agosto de 2013, no âmbito do Procedimento de Ajuste Directo 5723/ANPC/2013 relativo ao Reforço de Meios Aéreos, procedimento aprovado por então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA, a empresa "F, SA." foi convidada pelo Director da Unidade de Recursos Tecnológicos da Autoridade Nacional de Protecção Civil, RPM, por encargo directo do Tenente General MC, actual Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, então Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, para o efeito de apresentar proposta para a contratação de um helicóptero pesado Kamov[257].
Convite que, no referido contexto, não foi endereçado a qualquer outra empresa, não tendo a "F,SA." antecedentes conhecidos de contratação com a Autoridade Nacional de Protecção Civil ou a "E,SA..
Vindo, todavia, a proposta realizada pela "F,SA." a ser rejeitada, na sequência de parecer da Coordenadora do Gabinete Jurídico da Autoridade Nacional de Protecção Civil, ACV, aceite pelo Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, por decisão do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA, por, entre outros fundamentos, incumprimento do requisito do caderno de encargos relativo à titularidade de certificado de aeronavegabilidade e de manutenção e gestão da mesma[258].
Não tendo a "F,SA." chegado a apresentar qualquer proposta no âmbito do CPI/02/ANPC/2014.
A referida empresa "F,SA." viria a ser contratada pela empresa "E…Aviação E…, SA.", adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros Kamov no concurso de 2014, para execução de uma peritagem[259].
Em 6 de Março de 2014, ao enviar ao arguido JA o referido caderno de encargos, o arguido MM tinha conhecimento dos interesses comerciais do Grupo "F,SA" na matéria em causa.
Salvo melhor entendimento, saber se pela remessa do caderno de encargos houve transmissão de uma informação privilegiada e potencialmente geradora de proveito económico envolve um mero juízo valorativo, dependente necessariamente da prova de factos materiais – no sentido de acontecimentos da vida real, esses sim, objecto de prova - e mesmo da aplicação de normas jurídicas.
Terá sido também por entender que tudo dependia de interpretação e de aplicação de regras do Direito que o Ministério Público escreveu que a decisão neste âmbito revela um manifesto e grosseiro desconhecimento pelo tribunal colectivo da lei que rege a contratação pública (sic, conclusão 402ª).
Em nosso entendimento, este segmento do recurso, se porventura poderia ter interesse em sede de enquadramento jurídico-penal, revela-se como insubsistente no campo do vício decisórios do artigo 410º nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal, uma vez que no ponto da matéria de facto não provada referido pelo Recorrente não se encontra seguramente uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável para um homem medianamente informado.
Pelo exposto, julgamos igualmente improcedente a arguição de vício decisório neste âmbito. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO POR ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
17. Num plano distinto da impugnação da decisão de facto, genericamente admitido pelos artigos 412º nºs 3 e 4 e 431º do Código de Processo Penal, a análise não se limita ao texto da decisão e envolve uma reapreciação autónoma da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados na base, para tanto, na avaliação das provas que impunham (ou seja, não apenas que “aconselhavam” ou “permitiam”) uma decisão diferente pelo tribunal, ou seja, por uma entidade imparcial e isenta, num julgamento justo e equitativo .
Importa reafirmar o quadro limite dos poderes de cognição deste Tribunal da Relação, decorrente do disposto nos artigos 410º, 412º e 428º do Código de Processo Penal (CPP), delineado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), entre muitos outros, no acórdão de 12 de Junho de 2008, Raul Borges, processo nº 07P4375, in www.dgsi.pt :
“Atente-se contudo que a sindicância da matéria de facto pelos tribunais de segunda instância sofre quatro tipos de limitações: “desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. …”. (sublinhados nossos)
Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução (…)” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006, de 18.01.2006,Maria Fernanda Palma, www.tribunalconstitucional.pt )
Impõe-se por isso proceder a uma reapreciação da decisão de primeira instância nos pontos de facto concretamente enunciados pelos recorrentes, à luz da prova por testemunhos, documentos, e perícias, mas também dos critérios da prova indiciária ou por presunções, procurando aferir a sustentabilidade dos indícios recolhidos, a razoabilidade da norma extraída da vivência comum subjacente à opção do tribunal recorrido e a correcção do raciocínio indutivo do tribunal recorrido.
Recurso do Ministério Público
18. Nas conclusões 522 a 528, o Ministério Público impugna a decisão quanto aos factos não provadosv a viii , correspondentes aos pontos 45 e 48 a 51 da pronúncia, com a seguinte redacção:
Parceria com a "O…"..
No ano de 2008, os arguidos JA e MM mantiveram uma parceria privada de escopo lucrativo com SCS..
Nos termos do acordo firmado, incumbia aos arguidos JA e MM "facilitar contactos com entidades públicas e privadas a fim de «blindar/fechar negócio», fazer a aproximação a quem de direito e indicado por vós", disponibilizar informação a fim de "estabelecer contacto imediato sempre que saiam novos concursos", junto das entidades contratantes, nomeadamente públicas.
Entre as entidades contratantes visadas pelo acordo estabelecido contavam-se o Ministério da Administração Interna (concurso para futuras instalações da Polícia de Segurança Pública), a G, a T; a Biblioteca; a E a L; a A; o CO; "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (Lojas do Cidadão); Câmaras Municipais; Câmara de Sintra; "Ilhas Valor, S.A."; e "AMA – Agência para a Modernização, S.A.".
A referida parceria foi formalizada através de um denominado "acordo de colaboração comercial" celebrado com LB, companheira marital do arguido JA, a qual actuou em tal contrato como uma testa de ferro, tendo a referida minuta sido elaborada pelo arguido MM..
Procedemos à leitura e análise dos documentos que o Recorrente refere, constantes no apenso O em PDF, designadamente a p. 204 e a 206, bem como os documentos apresentados por Reinaldo da Fonseca e juntos de fls. 16596 a 16601.
Sopesando em conjunto os elementos probatórios disponíveis, onde se incluem as mensagens de correio electrónico de LB, as declarações dos arguidos e o depoimento de RF (cfr. fls. 118), sendo plausível aceitar a versão do arguido MM de que se limitou a redigir o esboço de contrato, afigura-se-nos que não é possível ter como assente, para lá de uma dúvida razoável, que LB tenha agido como “testa de ferro” e que o “acordo de colaboração comercial” tenha sido efectivamente firmado por JA, MM e SCS, pelo que não há motivo para alteração da decisão recorrida.
Nas conclusões 529 a 531, o Ministério Público impugna a decisão quanto ao facto não provado xii, referente à pendência de um processo crime, invocando erro de apreciação do tribunal colectivo quanto ao teor de duas notícias publicadas em órgãos de comunicação social (sic) e de certidão constante de carta rogatória.
Examinado o teor da certidão constante do apenso A-F em PDF a p. 145, entendemos que o teor da certidão constante da carta rogatória impõe a alteração da decisão por forma a constar como provado que
49- A -Num processo crime em Espanha, verificou-se a existência de indícios do envolvimento da "FI,S.L." numa actividade planificada destinada a adjudicação de contractos públicos por meios fraudulentos.
Nas conclusões 532 a 541, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto, censurando um segmento da motivação que indica como de “fls. 961 e ss.” (sic) e a matéria de facto não provada de fls. 426 a 434 do acórdão recorrido.
O Recorrente refere-se em conjunto a todos os factos constantes dos pontos ccclX ccclxxxiv do elenco dos factos não provados e respectivas notas de rodapé sobre elementos probatórios, com o seguinte teor (transcrição):
F-1. Oficial de Ligação para a Imigração em Pequim.
Da actividade desenvolvida pelos arguidos e relativa à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para China.
O arguido MM acompanhou de perto, directamente ou através do arguido JA e da Dra.AG – os quais assumiram os papeis de porta-voz de tomadas de posição daquele –, a actividade do arguido AF e do arguido Z na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI[260].
Já após o início das suas funções como Ministro da Administração Interna, o arguido MM, conjuntamente com o arguido JA, prestou colaboração à referida actividade do arguido AF, cujos contornos conhecia, exercendo os seus poderes formais administrativos hierárquicos de direcção de forma a favorecer a referida actividade lucrativa de cujos proventos almejava futuramente participar[261].
Sendo o poder de influência exercido sobre o arguido MM parte da actividade acordada desenvolver pelo arguido AF ante os arguidos Z e ZB, em troca de benefícios de natureza patrimonial por este prometidos/prestados àquele[262].
Participando o arguido JA, pelo menos, desde Agosto de 2013, com conhecimento do acordo firmado entre os arguidos Z e AF, na actividade de prospecção imobiliária levada a cabo pelo arguido AF em prol dos interesses do arguido Z, angariando possibilidades de negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z [263]..
Por volta de Novembro de 2013, os arguidos JA e AF envidaram esforços para abrirem na China uma Agência de Imigração/Vistos Gold que divulgasse os serviços desenvolvidos por ambos em Portugal e angariasse clientela.
Visavam os arguidos JA e AF autonomizarem a referida actividade de angariação de clientela chinesa do arguido Z, o qual percepcionavam como um entrave à expansão lucrativa do negócio.
Em data não apurada em Novembro ou Dezembro de 2013, o arguido JA comunicou ao arguido MM a referida necessidade de divulgarem e angariarem directamente na China os serviços imobiliários instrumentais à obtenção de ARI.
Tal objectivo empresarial determinou o arguido MM a, no âmbito dos poderes "tutelares" do Ministério da Administração Interna sobre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, formular o desígnio interior de criar ex novo um posto de Oficial de Ligação para a Imigração na China como forma de favorecer essa actividade.
Com a criação de tal posto de Oficial de Ligação para a Imigração, a qual concertou com os arguidos JA e AF, o arguido MM visou, em moldes não oficiais, favorecer a actividade de natureza privada e lucrativa levada a cabo por estes.
Instruções estas relativas à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China e das finalidades de tal nomeação que foram objecto de troca de considerações entre os arguidos JA e MP, em data não determinada de finais de Dezembro de 2013[264].
Na execução do seu plano de autonomização da actividade dos arguidos Z, JA e AF combinaram agendar um jantar a fim de apresentarem os arguidos XB e MM e se inteirarem das propostas de negócio pelo primeiro trazidas para o grupo[265].
A propósito de tal projecto empresarial e da proposta de nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, os arguidos AF e MP encontraram-se e trocaram impressões acerca dos referidos planos de expansão da actividade, da ordem dada pelo arguido MM para que o arguido MP indicasse um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, analisando as regiões na China de onde proviria o maior número de chineses para Portugal, a importância estratégica da pessoa de M… de S… (funcionária da Embaixada de Portugal em Pequim) para o projecto de abertura de uma agência na China, tendo o arguido MP indicado a pessoa do Secretário de Estado das Comunidades J…C… como contacto relevante para o efeito, abordando ainda, em tal ocasião, a matéria do ARI para o arguido XB[266]..
Em 4 de Março de 2014, foi abordada a matéria da Agência de Imigração[267].
O arguido MP era sabedor dos propósitos informais assinalados pelos arguidos MM, JA e AF à criação de um posto de Oficial de Ligação para a Imigração para Pequim.
Após os planos que urdiu com os arguidos JA e AF, e aos quais viria a aderir o arguido MP..
O arguido MP actuou ciente da estratégia gizada entre os arguidos JA, AF e MM..
Na sequência da fuga de informação ocorrida nos presentes autos de inquérito em Março/Abril de 2014, momento a partir do qual o arguido AF tomou conhecimento de que era alvo de intercepções telefónicas[268].
Ao adoptar a conduta vinda de descrever, dando uma ordem verbal ao arguido MP a fim de que o mesmo desencadeasse um procedimento administrativo com vista à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para Pequim, o arguido MM agiu livre, voluntária e conscientemente, fazendo nortear a sua actividade político-administrativa por interesses de natureza privada lucrativa de um grupo de indivíduos com quem mantinha uma parceria comercial informal.
Violando consciente e voluntariamente o princípio geral da prossecução do interesse público que rege toda a actividade de natureza administrativa.
Tendo os arguidos JA e AF actuado livre, voluntária e conscientemente, querendo prestar colaboração a tal conduta, participando activamente com o arguido MM na definição dos propósitos de tal nomeação e das características pessoais da pessoa que deveria ocupar tal cargo.
Orientações que o arguido MP voluntária e conscientemente acolheu, ciente dos referidos propósitos, escolhendo pessoa da sua confiança pessoal e que, segundo a sua avaliação, oferecia garantias de futuro acolhimento de instruções para facilitação no procedimento de emissão de vistos a clientes dos serviços prestados pelos arguidos AF, JA e parceiros.
Actuando ainda o arguido MP livre, voluntária e conscientemente, dando cobertura formal procedimental aos referidos propósitos, determinando, ao arrepio do procedimento de rotina do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a elaboração da proposta de criação do referido posto, a qual subscreveu e remeteu ao Ministério da Administração Interna, e a fim de justificar formalmente a futura proposta a elaborar pelo Ministério da Administração Interna e a remeter ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Todos os arguidos actuaram sabendo proibida por lei penal a referida conduta.
O muito grave e acentuado desrespeito pelos deveres funcionais e pelos padrões ético-profissionais de conduta, evidenciando total falta de competência e honorabilidade profissionais, a natureza e a extrema gravidade dos crimes imputados, a personalidade dos arguidos manifestada nos factos praticados e o elevado grau de culpa colidem com os fins institucionais dos cargos públicos dos arguidos AF, MP e MM, cujas atribuições assumem elevadíssima importância para o Estado Português, donde resulta a incompatibilidade absoluta entre a acção praticada e a manutenção de qualquer outro cargo público cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo e lealdade.
O Recorrente não individualiza o(s) pontos de facto incorrectamente julgados, não concretiza os elementos de prova susceptíveis de impor uma decisão diferente, nem sequer enuncia qual deve ser a decisão deste Tribunal nem na motivação nem nas conclusões, pelo que a impugnação se revela manifestamente improcedente.
Nas conclusões 542 a 545, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxi do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, com o seguinte teor:
ccclxi.O arguido MM acompanhou de perto, directamente ou através do arguido JA e da Dra.AG – os quais assumiram os papeis de porta-voz de tomadas de posição daquele –, a actividade do arguido AF e do arguido Z na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI[269].
O Recorrente considera que impõem uma decisão diferente os seguintes elementos de prova (transcrição):
Doc. de fls. 420, apenso L, volume 1 – A4: troca de SMS´s entre MM e AF, na data de 03.04.2013, no qual é combinado entre ambos pormenores de um jantar com um cidadão chinês, manifestando-se MM preocupado com facto de, durante o jantar, ter que atender uma chamada de PP, aconselhando AF a avisar o “chinês”; Docs. de fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1: fotografias extraídas do telemóvel de Z nas quais se encontra fotografado MM juntamente com Z, ZB, CC e RFL; Doc. fls. 614 do apenso L, volume 1, A4.: Troca de SMS´s, de 18.04.2013, entre AF e C…C…, presidente da CM de …, nas quais AF refere que o está a contactar porque MM lhe disponibilizou o telefone a fim de que fosse apresentar uma delegação Chinesa para obtenção de elementos urbanísticos para a Quinta …; sms no qual MM disponibiliza a AF o número de telefone de C…C….; Doc. fls. 18 a 22, volume 1, apenso L, Volume 1, C1: fotografias constantes do telemóvel do arguido Z (da marca Apple iPhone 5 (A1429) _IMEI_01…….4 Z – C1;: fotografias da «cerimónia privada» ocorrida no MAI para entrega de ARI a RFL e a CC, na qual estes cidadãos estiveram a sós com MM, AF e MP, sem qualquer divulgação na agenda do Ministério da Administração Interna e realizada ao arrepio das regras de divulgação firmadas no Grupo ARI, sendo que segundo as declarações prestadas pelo arguido Z na fase de inquérito , em 2/10/2015, perante o Ministério Público tal cerimónia foi feita a pedido de CC, pois gostaria de conhecer o gabinete de trabalho de MM; Cf. Sessão 424, 1162, 2331, 26587, 55243 ALVO 62001060 (AF): conversa entre AF e JA, datada de 16/12/2013, na qual AF refere que o Z quer ir entregar prendas a JA e a MM; conversa datada de 12/02/2014, entre AF e Z, na qual AF refere a Z que tem a capacidade para lhe abrir as «portas da administração» e que quer apresentar MM a XB, a quem Z, a fim de convencer XB a entrar em negociações com eles, deveria dizer que «tinham aqui um grupo»; conversa de 05/03/2014, na qual AF refere a JA que o «nosso amigo Xá» (XB) está para chegar e que «diz que não sai daqui enquanto não fechar alguns negócios», e «a ver se estamos com ele, enfim, arranjamos aí o nosso jantarinho, até com o nosso amigo» e que, «acho que ele vem mesmo agora com vontade de começar a fazer coisas, e pronto. E devemos estar envolvidos com ele, no sentido de dar-lhe algum apoio, e pronto, ajudar. Porque ele merece.».; Sessões 20209,20237,20239, 20248 ALVO 63125040 (alvo Z) : na data de 23/05/2014, Z telefona a JA a pedir bilhetes para ir ver um jogo, respondendo-lhe que vai falar com o MM, referindo, depois, que a LB está a tentar marcar visitas a casas, descrevendo casa na Quinta … que o Z e o AF tinham ido ver, numa visita em que o JA não tinha conseguido ir; na mesma data e na chamada de JA para Z na qual refere que o
MM já ligou para o Presidente da Federação para arranjar bilhetes; segundo contacto no qual JA refere a Z que o MM conseguiu arranjar um bilhete, e que mais tarde confirma se arranja segundo, durante a conversa, MM, que se encontra com JA, intervém e manda um abraço para Z; Sessões 523,561, 2328 ALVO 66799040 (JM): Na data de 17.07.14, de manhã, MM telefona a JA a dizer-lhe que já falou com o MP a propósito daquela questão; na mesma, da parta da tarde, MM telefona a JA a dizer a “boa notícia que que aquilo está resolvido”; na data de 22/08/2014, JA diz a AF que “já deu o recado ao outro” e que ele lhe vai ligar, dizendo-lhe AF que há gente perigosa no gabinete a tentar lixá-lo. (sessões últimas estas que demonstram que JA, num período após a fuga de informação nos autos, serviu de interlocutor/intermediário entre MM e AF)..
Em nosso entendimento, a ponderação conjunta do teor de algumas das mensagens electrónicas e as conversas telefónicas revelam contactos com pessoas ou em matérias referentes a negócios imobiliários, mas não nos impõem a decisão de ter como provado que o arguido MM, pessoalmente ou por intermédio de outra pessoa, acompanhou “de perto” a actividade dos arguidos AF e Z na área mobiliária instrumental da obtenção de ARI .
Deve por isso manter-se a decisão neste âmbito.
Nas conclusões 546 a 552, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, com o seguinte teor (transcrição):
ccclxii.Já após o início das suas funções como Ministro da Administração Interna, o arguido MM, conjuntamente com o arguido JA, prestou colaboração à referida actividade do arguido AF, cujos contornos conhecia, exercendo os seus poderes formais administrativos hierárquicos de direcção de forma a favorecer a referida actividade lucrativa de cujos proventos almejava futuramente participar [270].
Segundo se pode depreender, o Recorrente considera que os elementos probatórios que impõem uma solução diferente são o teor de conversas telefónicas interceptadas e o teor das respostas do arguido Z em interrogatório presidido pelo magistrado do Ministério Público no inquérito.
Uma vez mais, o Recorrente não cumpre o dever de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (cfr. o artigo 412, n.º 3, alínea b) e n.º 4 do CPP), o que deve ser feito com referência ao segmento de uma declaração ou de uma conversa telefónica.
Acresce que as declarações prestadas pelo arguido em inquérito perante o Ministério Público não podiam ser valoradas para a formação da convicção do tribunal porque não foram lidas ou ouvidas na audiência de julgamento.
Lidos os elementos constantes da documentação da sessão de 09-05-2014 das intercepções telefónicas, não se vislumbra fundamento para uma decisão diferente.
Nas conclusões 553 a 557, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxiii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, com o seguinte teor (transcrição):
Sendo o poder de influência exercido sobre o arguido MM parte da actividade acordada desenvolver pelo arguido AF ante os arguidos Z e ZB, em troca de benefícios de natureza patrimonial por este prometidos/prestados àquele[271].
Analisámos o teor de todo o registo da conversação telefónica entre AF e Z constante no Apenso C, III volume p. 33 do PDF.
Nessa conversa, envolvendo matérias de negócios não especificados, destaca-se com interesse neste âmbito apenas o segmento em que o arguido AF afirma, que “Eu depois também quero apresentar-lhe o Dr. MM, para ele ficar a conhecer também. Pronto, que é para ver que nós temos aqui um grupo de pessoas (21:16 impercetível 21:19).”
Numa ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis, entendemos que a alusão a um “grupo de pessoas” que “também” existe, sem se dizer para que fim, não impõe ter como provado qual o relevo do poder de influência, nem que o poder de influência exercido sobre o arguido MM foi utilizado pelo arguido AF como parte da actividade negocial acordada ante os arguidos Z e ZB, de onde resultassem benefícios de natureza patrimonial.
Nas conclusões 558 a 562, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxiv do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, com o seguinte teor (transcrição):
Participando o arguido JA, pelo menos, desde Agosto de 2013, com conhecimento do acordo firmado entre os arguidos Z e AF, na actividade de prospecção imobiliária levada a cabo pelo arguido AF em prol dos interesses do arguido Z, angariando possibilidades de negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z [272]..
O Recorrente invoca o seguinte (transcrição):
559.ª Na nota de rodapé 877, a fls. 907, o Tribunal recorrido elenca a prova indicada digitalmente pelo Ministério Público na aplicação SIIP, designadamente as sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF); 15748, 20209 alvo 63125040 (Z); 1278, 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JM), concluindo que o arguido JA prestou um auxílio pontual na prospecção imobiliária, indicado a existência de alguns imóveis que poderiam ter interesse.
560.ª Ora as referidas sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF), impunham o juízo probatório oposto. Assim : Sessão 333, de 15.12.13: AF e Z falam de interesse de Z no edifício dos R… e de um escritório na Avª…, falam de JA e da mulher, nomeadamente se Z esteve com ambos no fim-de-semana.; Sessão 380, de 16.12.2013: AF e JA falam de Z e de SP, e da pretensão do primeiro em visitar escritório na Avª…, visita a ser preparada por JA, e outros palácios.; Sessão 424, de 16.12.2013: JA (93…..61) liga para AF e este diz que está com o Z. JA diz para lhe dar um abraço e comentam as negociações para a compra de um imóvel por parte de Z e que este apresentou uma nova proposta de 3.800.000 euros. AF pergunta a JA qual o tabaco que o Dr.MM fuma porque o Z lhe quer dar uns tabacos no Natal. JA diz que acha que é LM azul mas que depois confirma.; Sessão 470, de 17/12/2013: AF e JA falam de negócios de Z e XB, propostas e valores, características dos prédios, visitas feitas com a LB mulher de JA); queixa-se do SEF e do MP - “É pá eu não consigo falar com o MP, eu telefono-lhe uma, duas, três vezes o gajo não me atende o telefone, quando precisa de chatear e quer ver um processo de nacionalidade que é o MM que lhe pede ou qualquer coisa assim pá, pumba, é pá, se não lhe atendo o telefone, um minuto ou dois, cinco minutos o mais tardar, já sabe como é que eu sou, pá telefono” e que «o problema que existe, vou lá ver, ... com os meus conservadores alguma coisa pendente, com um carago ponho logo tudo em marcha, dois berros daqui, cum carago fica tudo em sentido, fogo o gajo não consegue ter mão naquela gente, é uma coisa incrível. E depois a maior parte do tempo não está cá, ninguém toma conta daquela casa. Do ponto de vista interno a funcionar, aquilo é do pior que pode haver, é uma coisa inacreditável. Mas é que é tudo assim, é pá tenho lá três ou quatro coisas penduradas sem problema nenhum, é pá é assim, olhe, como aquela situação do ???daquela fulana”(…); Sessão 1227: 23.12.2013: AF telefona a JA, dando conta de visitas imobiliárias que faz com Z, dizendo-lhe que estão nos R.… e que vão ao RUI “do investimento”, fala do CC, diz-lhe que depois passam pelo MP para lhe darem garrafas, combinam encontro mais tarde.; Sessão 2331, de 01/01/2014: JA liga a Alvo AF e diz-lhe que esteve com o “CAVALO BRANCO”. AF diz-lhe que esteve com o SP e que é importante reunirem-se. ; Sessão 55243, 05/03/2014: AF diz a JA que o “nosso amigo” XB deve vir nesta semana, que já tem AR e que não sai daqui enquanto não fechar negócios, designadamente ver a casa de massagens, a “ver se estamos com ele, enfim, arranjamos aí o nosso jantarinho, até com o nosso amigo”, “acho que ele vem mesmo agora com vontade de começar a fazer coisas, e pronto. E devemos estar envolvidos com ele, no sentido de dar-lhe algum apoio, e pronto, ajudar. Porque ele merece.”; Sessão 96497, de 11.04.2014: AF liga a Z que entretanto lhe passa o telefone a JA, que também se encontra em casa do Z, desculpando-se por não conseguir estar com eles e com o XB..; Sessão 104419, de 08.052014: SMS de AF para JA : “Dr. JA pode vir almoçar comigo e o nosso Zu? Abr”; Sessão 104430, mesma data: AF envia uma mensagem escrita a JA dizendo que no dia seguinte não pode . Acrescenta que haveria interesse em JA estar presente por causa de outra pessoa que também vai ao almoço; Sessão 139560, de 29.07.2014: JA diz que a coisa não está fácil e que está a tentar trabalhar. AF diz que é por isso que precisam de falar com urgência, diz que está em Mira e que vai jantar a Azeitão a casa de AMR do RNPC. AF diz que esteve em Antilla com os amigos NN e JL e que o pessoal de Madrid quer uma reunião urgente com o JA, pelo que falam depois na 2ª feira. AF continua a falar, mas por meias palavras e linguagem vaga, notando-se que JA entende perfeitamente o teor, nomeadamente a hipótese de JA trabalhar directamente com a empresa, que JA assuma na reunião preparativa de Agosto, podendo levar a uma reunião em Setembro com o pessoal de Madrid, ao mais alto nível. JA refere que falam depois, para não falarem por telefone. AF continua, referindo que houve alterações na empresa, que eles querem aqui um ponta de lança, que fique à frente disto, podendo ser o JA essa pessoa, para depois se avançar para coisas de maior envergadura, que são uma série de empresas internacionais que se estão a posicionar e que não querem perder o “comboio”
561.ª Também as seguintes sessões reforçam a ligação entre JA, MM, Ahu e AF, bem como o interesse directo de JA nas actividades de Z e AF : sessão 15748, alvo 63125040 (Z 04/05/2014 : ALVO (Z) faz uma chamada para o JA (JA), que lhe diz que está com AF em Isla Antilla e que nessa noite o AF e ele podem falar para combinar. Diz ao Alvo que quando combinarem falam os três; sessão 20209, de 23/05/2014: o ALVO (Z) liga para JA (JA) e pede bilhetes para o jogo (final da Liga dos Campeões), porque sabe que os bilhetes eram para o MP e ele já não vem. O ALVO diz que os bilhetes são para um cliente. JA diz que vai falar com o MM, que vai fazer o seu melhor, e depois diz-lhe alguma coisa. JA pergunta ao ALVO se ainda está interessado na casa que está junto ao mar, na Quinta …, a que viu com o AF e de que o AF gostou muito.; Sessões 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JA): 2331 de 22.08.2014 (JA) e (JM) pergunta Z se é este o número. Z confirma. JA diz que vai gravar – trata-se de um número novo de Z após fuga de informação nos autos; 2563, 27-08-2014, Z (92…..35) liga para JA e pergunta se JA tem tempo para tomar um café. JA diz que depois do almoço lhe dirá alguma coisa; 2694, 28.08.2014: JM diz que passa em casa de Z pelas 19h30, que depois tem um compromisso em …; 2881,2004, 2911 de 01/09/14 (jantar na Embaixada da China (Z e JA combinam detalhes e conversam sobre jantar na Embaixada da China; 34101, 5/09/2014: AF (AF) recebe chamada de JA (JA) (93…..61). Pelo minuto 1:14 JA pergunta a AF se há algum comentário “daquele nosso encontro”. AF diz que o anfitrião gostou muito, do “jantar”. JA refere que ainda em relação a essa história e na sequência do pedido que AF fez a JA para este fazer um levantamento, JA diz que tem "coisas fabulosas". AF pede então para falar ainda hoje com JA, mas este diz não pode. Combinam para terça-feira. JA diz que nem vai falar ao outro gajo. AF diz que falam só os dois e que depois dão uma volta, mas que acertam 2.ª feira. Despedem-se.
Sopesando todos os segmentos das conversações telefónicas indicadas pelo Recorrente nas citadas conclusões do recurso e que analisámos[273], podemos inferir e ter como provado que o arguido JA colaborou com o arguido AF na obtenção de possibilidades de negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z..
Não encontramos fundamento para ter como assente que essa colaboração existisse desde Agosto de 2013.
Ao mesmo tempo, a ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis não nos impõe a decisão de ter como provado que o arguido JA agiu com conhecimento e no âmbito de um acordo firmado entre os arguidos Z e AF..
Decidimos por isso aditar um facto provado, com a seguinte redacção:
1505-A - O arguido JA colaborou com o arguido AF na angariação de eventuais negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z..
Nas conclusões 563 a 570, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto aos parágrafos ccclxv e ccclxvii a ccclxx do elenco dos factos não provados e respectiva nota de rodapé do acórdão recorrido, com o seguinte teor (transcrição):
ccclxv. Por volta de Novembro de 2013, os arguidos JA e AF envidaram esforços para abrirem na China uma Agência de Imigração/Vistos Gold que divulgasse os serviços desenvolvidos por ambos em Portugal e angariasse clientela.
ccclxvii. Em data não apurada em Novembro ou Dezembro de 2013, o arguido JA comunicou ao arguido MM a referida necessidade de divulgarem e angariarem directamente na China os serviços imobiliários instrumentais à obtenção de ARI.
ccclxviii.Tal objectivo empresarial determinou o arguido MM a, no âmbito dos poderes "tutelares" do Ministério da Administração Interna sobre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, formular o desígnio interior de criar ex novo um posto de Oficial de Ligação para a Imigração na China como forma de favorecer essa actividade.
ccclxix.Com a criação de tal posto de Oficial de Ligação para a Imigração, a qual concertou com os arguidos JA e AF, o arguido MM visou, em moldes não oficiais, favorecer a actividade de natureza privada e lucrativa levada a cabo por estes.
ccclxx.Instruções estas relativas à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China e das finalidades de tal nomeação que foram objecto de troca de considerações entre os arguidos JA e MP, em data não determinada de finais de Dezembro de 2013[274].
O Recorrente invoca o seguinte (transcrição):
564.ª Na nota de rodapé 878, a fls. 908, o tribunal elenca a prova elencada digitalmente pelo Ministério Público na aplicação SIIP, designadamente as sessões 2593, 2594, 2595, 2599 do alvo 62001060, referindo, sem qualquer análise, no estilo solipsista uniformemente adoptado na “fundamentação” que “não existe nenhum meio de prova que demonstre indubitavelmente a existência de conversas entre os arguidos MP e JA sobre este assunto. Efectivamente, as intercepções telefónicas em causa consubstanciam conservas entre os arguidos AF e JA, os quais manifestam um desconhecimento das competências e funções de um OLI. Com efeito, tais funções não se contabilizam com as necessidades que os arguidos AF e JA revelam para desenvolver o projecto na China.”
565.ª Ora, tal leitura não adere minimamente ao conteúdo das sessões. Veja-se: Sessão 2583, de 06.01.2014: AF (AF) fala com JA (JA) e resume-lhe parte da conversa que acabou de ter com Z. JA diz a AF que quer fazer uma letter, uma apresentação escrita em mandarim, com a descrição de serviços de visto, a parte processual em termos de visa e também imobiliária. JA diz que se AF o autorizar utiliza a "JAG,Ldª" que é uma empresa de consultadoria e prestação de serviços, que agarrava nisso e mandava para “tudo quanto é contactos na China”, para imobiliárias. JA diz que se criava um mail para responder em mandarim e se fosse preciso até atender o telefone em mandarim. AF diz "isso parece-me uma boa ideia pá". JA diz que a semana passada teve uma reunião com o MP e que ele lhe confirmou que “o nosso amigo" lhe deu instruções para indicar alguém do SEF para ele nomear para ir para a China porque o SEF não tem ninguém na China e diz que “isso faz com que os vistos se atrasem para caralho lá na China". JA diz que é “para agilizar e também para pôr os gajos a ir a Xn”. JA diz que se nós tivermos uma carta de intenções a dizer que prestamos estes serviços, que ajudamos nos vistos, que você (AF) tem aquele contacto na embaixada e que “depois nós com o gajo do SEF também podemos ter aí um bom contacto" (AF vai concordando), com a angariação imobiliária e na residência. AF diz que “nós temos condições para fazer um bom trabalho nessa matéria”. JA diz que não vai dizer que “nós” somos uma empresa imobiliária, mas uma empresa de serviços. AF diz que é importante dizer que “temos advogados a trabalhar connosco que podem tratar dos vistos e essas coisas assim”. JA diz que “é isso”, que temos um departamento que trata da obtenção de vistos de residência, de visa gold. JA diz que “em bom rigor não temos porra nenhum a”. JA diz que vai fazer o texto primeiro em português e que se AF estiver de acordo traduzem e enviam para toda a China. JA diz que está é dependente do Z. AF concorda e diz que ficou com a ideia que o SP e o TSUI disseram que o Z é boa pessoa mas que complica muito e que de negócios não sabe nada, que podem ter alguns negócios com ele mas que estão receptivos para fazer outros negócios sem ser com ele. AF diz que “a gente tem de ver também a mesma coisa”. A diz que se pudessem arranjar um bocadinho com o Dr.MM esta semana para lhe apresentarem o XB e jantarem todos era porreiro. JA diz que “se o gajo trouxer algum negócio a gente leva. Se não trouxer que se foda...Não andamos a encher pneus”. JA diz a AF que teve esta conversa com o MM sobre isto de que lhe falou e o gajo disse “então espera aí que vou ligar ao MP ... são gajos cinco estreias, eu adoro os gajos, estarei com eles. Agora não vamos andar a encher pneus, porra”. JA diz que os contactos são deles, agora vamos tirar partido deles. AF concorda. JA diz “você é que manda. Se quiser que eu convide o Dr. MM eu convido”. AF diz que ficamos assim e avançamos autonomamente. AF diz que o Z joga em muitos campos e a verdade é que não têm visto nada de concreto. A chamada cai.»
566.ª Na Sessão 2594 de 06.01.2014: AF (AF) continua com JA (JA) a conversa anterior. JA diz que têm uma professora universitária que dá mandarim e que têm a sobrinha da LB que anda no terceiro ano e que já fala e escreve. JA diz que se têm todas as condições porque é que não avançam? AF também acha que sim e que cá também têm todas as condições e bons contactos. AF diz que falam directamente para o SEF, têm as imobiliárias... JA diz que agora vão pôr lá o gajo do SEF e não ficam dependentes da Embaixada. AF diz que vão dizer que tratam da documentação para a angariação dos vistos para Portugal e depois para cá para a Autorização de Residência. AF diz que é lá e cá. JA pergunta a AF se não quer ser ele a fazer essa parte porque é uma parte técnica. 2595, de 06.01.2014: continua com JA a conversa anterior. JA volta a perguntar a AF se pode escrever sobre a documentação do visto e da residência. AF diz que sim, que pode escrever para cá, para o ARI e para lá. JA diz que trata da introdução, da parte imobiliária e da parte turística. AF diz que faz a parte jurídica. 2599, de 06/01/2014: JA liga a AF (AF) sugere-lhe um nome para colocar no mail a criar . Diz que "JAG,Ldª" é de JA e que é importante que tenha o visa no nome. AF concorda e diz que também acha importante que tenha o visa.
567.ª A análise das sessões acima referidas, uma vez conjugadas com o teor das declarações prestadas pelos arguidos JA, AF e MP em sede de primeiro interrogatório, não permitem sustentar a conclusão do Tribunal recorrido.
568.ª Com efeito, e atentando-se, por exemplo, nas declarações prestadas pelo arguido MP aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo, nessa parte, sido confrontado com as mesmas em julgamento, o mesmo referiu «A ideia de uma agência na China foi o Ministro do MAI que me falou que podia ser uma solução para termos um gabinete do SEF para a tramitação dos ARI´s e qual seria a região na China com maior fluxo de cidadãos com interesse em investir em Portugal. Abordei este assunto também com AF para saber qual a região da China que traz mais emigrantes. Que no dia 9/1/2014 quando estava a almoçar com AF e este atendeu uma chamada do Z (sessão 3220), foi nessa altura que surgiu a ideia da agência e tem ideia de ter trocado impressões sobre a agência com MM, no gabinete dele, era uma ideia embrionária, houve a ideia, foi discutida mas depois não foi materializada».
Sopesando em conjunto todos os segmentos das conversações telefónicas indicadas pelo Recorrente[275], não encontramos elementos probatórios que nos imponham uma decisão diferente.
Com efeito, em nosso entendimento, nas conversas os arguidos JA e AF desenvolvem nada mais do que uma “idealização” de angariação de investidores e não é possível descortinar esforços, dignos desse nome – no sentido da materialização desse projecto na abertura de uma Agência de Vistos Gold na China.
Depois de analisados todos os elementos propostos pelo Recorrente, subscrevemos o entendimento constante do acórdão quando aí se escreve (transcrição):
O processo de colocação de um OLI na China foi contemporâneo desta actividade de fantasia dos arguidos JA e AF..
É verdade que eles pensavam que seria interessante ter alguém do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na China que pudesse agilizar o processo de concessão das ARI na China.
Coincidência ou não a criação de um posto de OLI na China era uma aspiração antiga do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, por questões ligadas ao aumento da imigração e da exportação para a Europa da criminalidade das máfias chinesas.
Talvez os arguidos JA e AF tenham pensado que o posto de OLI na China era a resposta às suas aspirações. Na verdade, nas conversas havidas entre ambos nunca houve referência ao posto de OLI. (…)
Tudo isto para chegar à conclusão que a factualidade apurada não permite assumir que os arguidos MM e MP estavam a par dos projectos imaginados pelos arguidos JA e AF..
É certo que nas conversas havidas entre ambos existem afirmações de parte a parte de contactos com os arguidos MM e MP..
No entanto, é duvidoso que a comunicação desses planos tenha sido efectuada quer ao arguido MM quer ao arguido MP..
Da análise das conversas havidas entre os arguidos JA e AF ressaltam laivos de gabarolice e de exponenciarem a capacidade de influência.
E, esta dúvida inviabiliza o salto lógico que conectaria a criação da Agência de Vistos Gold na China com a criação de um posto de OLI na China.
Resta enfim que o Ministro da Administração Interna pediu ao Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que subscrevesse e lhe enviasse uma proposta para criação de um posto de OLI na China. Pedido ou ordem que foi acatada pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Não está demonstrado que o arguido JA tenha tido qualquer influência neste processo administrativo.
Termos em improcede a impugnação neste âmbito.
Nas conclusões 571 a 573, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxxi do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido e respectiva nota de rodapé, com o seguinte teor (transcrição):
Na execução do seu plano de autonomização da actividade dos arguidos Z, JA e AF combinaram agendar um jantar a fim de apresentarem os arguidos XB e MM e se inteirarem das propostas de negócio pelo primeiro trazidas para o grupo[276].
O Recorrente fundamenta a pretensão numa frase que diz incluída numa “conversa” sobre a “intencionalidade” de um jantar, sem a mímica concretização, pelo que não nos é possível saber a localização dos elementos probatórios susceptíveis de imporem uma decisão diferente.
Por desrespeito insuprível do ónus de especificação do artigo 412, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal, improcede manifestamente a impugnação neste âmbito.
Nas conclusões 574 a 579, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxxii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido e respectiva nota de rodapé, com o seguinte teor (transcrição):
A propósito de tal projecto empresarial e da proposta de nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, os arguidos AF e MP encontraram-se e trocaram impressões acerca dos referidos planos de expansão da actividade, da ordem dada pelo arguido MM para que o arguido MP indicasse um Oficial de Ligação para a Imigração para a China, analisando as regiões na China de onde proviria o maior número de chineses para Portugal, a importância estratégica da pessoa de M… de S… (funcionária da Embaixada de Portugal em Pequim) para o projecto de abertura de uma agência na China, tendo o arguido MP indicado a pessoa do Secretário de Estado das Comunidades J…C… como contacto relevante para o efeito, abordando ainda, em tal ocasião, a matéria do ARI para o arguido XB[277].
O Recorrente afirma “não aderir” à interpretação que o tribunal colectivo faz do teor de conversações telefónicas e que tal facto (sic) foi expressamente confessado pelo arguido MP no primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
O teor do interrogatório não pode ser valorado porque não foi lido em audiência e a referência sempre seria inútil por omissão do ónus de especificação do segmento concreto das declarações.
Analisado o teor das sessões 3220 e 3293[278], afigura-se-nos que a primeira é absolutamente irrelevante e a indicada em segundo lugar apenas pode levar a ter como assente que AF trocou impressões com Z, mas não nos impõe uma decisão diferente quanto ao objecto dessas conversas, nem quanto ao que na realidade terá sido dito ao primeiro por MP..
Nas conclusões 580 a 587, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo ccclxxxiii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido[279], com o seguinte teor (transcrição):
ccclxxxviii. Proposta que se deparou com reservas por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras face aos interesses securitários tutelados por tal requisito.
Esta “proposta” é a que se encontra referida no ponto 1548 da matéria de facto provada, com a seguinte redacção:
1548. Sendo que, nalgumas situações, ante a casuística invocação pelos interessados da impossibilidade prática de obtenção de certidão do registo criminal líbio (atenta a região de proveniência dos cidadãos líbios e a situação histórica de conflito vivenciada) foi proposta pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a adesão à solicitação de dispensa de tal requisito, aceitando-se como bastante uma declaração de boa conduta por parte das autoridades ministeriais líbias.
Após análise dos documentos referidos pelo recorrente, entendemos que deve ser julgado provado o que consta no único texto com interesse neste âmbito, constante no Apenso P, relatório 13, pp. 58-60.
Assim, na parcial procedência do recurso, decidimos revogar o facto não provado ccclxxxviii e aditar aos factos provados, o facto com o seguinte texto:
1548-A - A Srª Inspectora do SEF DrªP…, em comunicação dirigida em 24-01-2013 ao Director Nacional MP, considerou preocupante a solicitação efectuada pela AMI, com a concordância do MNE, para que não seja exigido para este efeito certificado de registo criminal aos cidadãos líbios que, segundo informação disponibilizada, sejam provenientes do Ministério dos Mártires, Feridos, e Desaparecidos (cerca de 500 pacientes), do Ministério da Defesa (cerca de 67 pacientes) e do Ministério da Saúde (pacientes civis).
Nas conclusões 588 a 591, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cccxci do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, que tem o seguinte teor (transcrição):
Conduta que o arguido MM adoptou apesar de estar funcionalmente a par da existência de interesses concorrenciais de outras empresas em tal domínio, nomeadamente do Hospital Privado de Guimarães, e ciente do melindre securitário suscitado em tais matérias, circunstâncias que fundavam especiais cuidados de isenção.
Para tanto, o Recorrente invoca o seguinte (transcrição):
589.ª Ora, tal conhecimento da existência de interesses concorrenciais com os da ILS (os quais justificavam maior isenção de conduta) resulta directamente do Ap. F 1- certidão de inquérito 140/12.3TELSB – transcrições de intercepções MM/A…M….
590.ª De tais elementos (não analisados pelo Tribunal), resulta que A…M… deu conta a MM, na data de 19/03/2013 – ou seja,, ainda antes dos contratos da ILS – que o Hospital de Guimarães operava neste domínio e que se encontrava a experienciar “dificuldades”, nomeadamente com o SEF para obter autorização de hospedagem dos pacientes em hotéis (ao invés do internamento a que se destinavam os vistos), intercedendo A…M… junto de MM a fim de que as pretensões do Hospital de Guimarães tivessem eco, referindo MM, em tal contacto. ao seu interlocutor, os perigos securitários associados à facilitação da entrada de cidadão Líbios. O que se revela apto a percepcionar a consciência por MM dos perigos de se facilitar o procedimento de vistos e a monitorização dos cidadãos líbios em Portugal, bem como consciência da discrepância de cuidados “protocolares” em ambas as situações.
591.ª Pelo que tal facto, atinente a uma realidade psicológica, deveria haver-se como provado ante o normal funcionamento das regras da experiência comum e da prova indirecta.
O Recorrente fundamenta a pretensão na apreciação que faz do conjunto de transcrições de conversações telefónicas entre o arguido MM e A…M…, remetendo para um apenso de 45 páginas, sem a mínima concretização, pelo que não nos é possível saber a localização dos elementos probatórios susceptíveis de imporem uma decisão diferente.
Por desrespeito insuprível do ónus de especificação do artigo 412, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal, julgamos manifestamente improcedente a impugnação neste âmbito.
Nas conclusões 592 a 596, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cccxcv do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, que tem o seguinte teor (transcrição):
Com efeito, por expressa indicação do arguido MM nesse sentido, em finais de Julho/princípios de Agosto de 2013 e sem a presença de outros técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras[280].
Este segmento dos factos não provados corresponde parcialmente ao § 1780 da decisão de pronúncia que tem a seguinte redacção (transcrição):
1780. Com efeito, por expressa indicação de MM nesse sentido, em finais de Julho / princípios de Agosto de 2013, nas instalações do SEF, e sem a presença de outros técnicos do SEF, MP reuniu pessoalmente com JA a fim de o instruir quanto aos requisitos para obtenção de vistos e os elementos que deveria solicitar ao Governo Líbio quanto aos cidadãos líbios que a ILS se propunha a trazer para os Hospitais da Cruz Vermelha, em Lisboa, e da Prelada, no Porto.
O tribunal colectivo julgou provado, neste âmbito, o seguinte (transcrição):
Nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras,o arguido MP reuniu pessoalmente com o arguido JA a fim de o instruir quanto aos requisitos para obtenção de vistos e os elementos que deveria solicitar ao Governo líbio quanto aos cidadãos líbios que a arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª" se propunha a trazer para os Hospitais da Cruz Vermelha, em Lisboa, e da Prelada, no Porto[281].
Afirma o Recorrente (transcrição):
Na nota 88, a fls. 912, o Tribunal refere os elementos documentais indicados na aplicação SIIP, referindo laconicamente, sem qualquer análise crítica, que os mesmos não provam o facto em apreço, nada referindo quanto às declarações dos arguidos JA e MP a tal propósito em sede de interrogatório judicial pelas razões já referidas supra, omitindo tal prova, bem como as declarações de MM em inquérito, o que, em nosso entendimento, consiste numa errónea apreciação da prova, uma vez que tal facto decorre precípuo de tais declarações.
594.ª Ora, as declarações dos arguidos, uma vez conjugados com tais elementos de prova, atestam tal facto.
595.ª Sendo relevantes, igualmente, quanto a tal matéria os seguintes os seguintes docs.: e- mail de fls. 134, apenso O: email enviado por JA a LB relativo à reunião marcada com MP e seus objectivos; correio electrónico de JA/MP fls. 16, relatório 13, apenso P: com data de 06-08-2013, 3:56:47 PM, e-mail de JA (Pars) para MP, relativo ao assunto “Vistos” , no qual .agradece a oportunidade concedida em lhe poder apresentar o projecto do acordo estabelecido entre a ILS e o Ministério da Saúde Líbio. Conforme combinado, aguarda de MP envio dos requisitos necessários para solicitar ao Governo Líbio os documentos obrigatórios para a emissão dos vistos. Agradece atenção dispensada e amabilidade com que foi recebido.
596.ª Pelo que tal facto se deveria ter havido como provado.
O teor das declarações prestadas pelos arguidos em interrogatório realizado no inquérito não pode ser valorado para formação do juízo probatório do tribunal porque os respectivos autos não foram lidos na audiência de julgamento. Ainda que assim não fosse, a referência sempre seria inútil por omissão insuprível do cumprimento do ónus de especificação.
Em nossa apreciação, os documentos referidos pelo Recorrente (texto e relatório sobre comunicações de correio electrónico no Apenso O em PDF p. 198 e Apenso P, I, em PDF p. 9, respectivamente), são irrelevantes para a resposta à questão de saber se a reunião teve lugar “por expressa indicação de MM ” ou se a mesma reunião “decorreu sem a presença de outros técnicos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”.
Nas conclusões 597 a 599, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cccxcvii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, que tem o seguinte teor (transcrição):
Tendo o arguido MP mencionado, no decurso da mesma, a pessoa do Ministro o arguido MM como mentor do pedido de agendamento da referida reunião[282].
O Recorrente afirma na motivação e nas conclusões o seguinte (transcrição):
598.ª (…), a correcta apreciação dos seguintes elementos de prova, permitiriam ter dado tal facto como provado: e-mail MP/JMC, datado de 09/08/2013, e resposta positiva subsequente, a fls. 17 a 21, Relatório 13, Ap. P, quanto à proactividade e à iniciativa de MP ( e não da ILS) para a marcação de reunião no interesse desta a realizar na segunda-feira seguinte; Doc. de fls. 55 e 56; 58-60 Doc. 18, Busca 65.: correspondência diplomática ente o Embaixador JMC e a Embaixada de Trípoli, na qual dá conta da realização de uma reunião, na data de 12/08, 2013, a solicitação de MP, remetendo documentação relativa ao contrato da ILS/Estado Líbio; depoimento prestado pela testemunha ACR que, e após ter sido confrontada com o depoimento prestado na fase de inquérito pelo Ministério Público, esclareceu, conforme se alcança da transcrição de fls. 1436 do Acórdão recorrido, que «aquando da primeira reunião o arguido MP na apresentação terá feito alguma referência ao MAI que teria pedido para receber as pessoas ou alguma coisa assim», antes do confronto a testemunha já tinha referido que «na reunião houve uma introdução em que foi referido ter sido o pedido ou as pessoas encaminhadas pelo Senhor Ministro da Administração Interna».
Em nossa apreciação, os documentos e o depoimento da testemunha que segundo a valoração do Recorrente permitiriam (sic) uma decisão diferente são elucidativos quanto à iniciativa de MP, mas não impõem a decisão de ter como provado que o arguido MM foi o “mentor” do pedido de agendamento da referida reunião.
Improcede a impugnação igualmente neste âmbito.
Nas conclusões 600 a 603, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdiii do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, que tem o seguinte teor (transcrição):
E contrária à prática do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras relativamente à interessada AI de rejeitar a possibilidade legal de emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico por tempo inferior ao período legal de 120 dias[283].
Este ponto dos factos não provados corresponde ao § 1795 da pronúncia.
Para compreensão da questão suscitada, interessa ter presente que a sequência dos factos na pronúncia é a seguinte (transcrição):
1791. No entanto, escassos dias depois, JMC alterou o referido procedimento, aderindo, em parte, à proposta do SEF quanto à ILS, vindo a aceitar como boa a solução do SEF de instrução dos pedidos de vistos com uma apólice dc seguro por três meses (tempo da estada contratualizada pela ILS).
1792.Solução que, quanto ao seguro, fez sustentar num parecer interno que, para o efeito, e após solicitação, lhe foi remetido por MP..
1793. Parecer esse solicitado por MP à técnica-superior jurista do SEF HDB, a quem havia enviado previamente uma solução jurídica por si solicitada ao assessor da Direcção Nacional do SEF e Inspector- adjunto PBL, sem dar conta à referida jurista de que a consulta suscitada versava sobre vistos emitidos pelo prazo legal de 120 dias e não por um prazo inferior.
1794. Solução esta violadora das disposições conjugadas dos art.° 52, n.° l, al. f),e 54°, n.° 2, da Lei n.° 23/2007, de 4/07, com redacção da Lei 29/2012, e 12°, n.°s 1, al. e), 3 e 5, a contrario sensu, do Decreto Regulamentar n.° 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.° 2/2013, de 18/03.
Para fundamentar a impugnação, o Ministério Público afirma o seguinte (transcrição) :
602.ª Assim: o Doc. de fls. 4-5, do Relatório 24, Ap. P, que consiste no parecer pedido por MP ao seu assessor PBL, a propósito da possibilidade de, no caso dos Vistos de Estada Temporária, o seguro ser exigido por períodos inferiores ao da validade dos vistos (4 meses) uma vez que a finalidade para tratamento médico estaria bem balizada temporalmente, o qual foi depois entregue, para assinatura, à técnica jurídica HDB que corroborou tal parecer com base em pressupostos errados transmitidos por MP (conforme matéria dada como provada a fls. 443 do acórdão ), julgando estar-se ante vistos com a mera duração de três meses, ou seja, período igual ao da estada projectada (cf. declarações da testemunha HDB em julgamento reproduzidas no acórdão a fls. 1454 ).; o doc. constante do apenso N1, 1.º volume, fls. 58-59, que consiste num e-mail remetido aos autos por JMC, contendo anexo o parecer assinado por HDB, no qual explica que o facto de ter inflectido na sua posição inicial de não aceitar um seguro por período inferior ao prazo dos vistos se fundou no parecer técnico assinado por HDB, e disponibilizado por MP, no que respeita aos vistos para tratamento de cidadãos Líbios, tendo o próprio assumido ter exigido uma justificação por escrito ao Director do SEF que justificasse essa sua alteração de posição.
603.ª Também as declarações de JMC e do Engenheiro TL, em julgamento, corroboram tal tratamento diferenciado.
O Recorrente não especifica quais os concretos segmentos das declarações prestadas na audiência de julgamento em que se baseia para afirmar o tratamento diferenciado.
Analisámos todos os elementos probatórios indicados e concluímos que nenhum dos documentos invocados permite ter como provado que o SEF alguma vez tenha rejeitado à interessada AI a possibilidade de emissão de visto por prazo inferior a 120 dias.
Inexiste motivo para alterar a decisão quanto a este ponto da matéria de facto.
Nas conclusões 604 a 610, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdiv do elenco dos factos não provados e respectiva nota de rodapé, que têm o seguinte teor (transcrição):
Posição que adoptou sem que, em momento algum do procedimento, a arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª " haja suscitado e justificado por escrito junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou do Ministério dos Negócios Estrangeiros a impossibilidade de obter tal elemento, e num contexto temporal em que outras empresas portuguesas com interesses comerciais na Líbia lograram instruir os respectivos pedidos de visto com certidões de registo criminal[284].
Examinados os elementos probatórios indicados nas conclusões 606 a 609 do recurso do Ministério Público, podemos ter como assente que houve pedidos de visto da empresa CSL que foram instruídos com base na apresentação de registo criminal e não com declarações de boa conduta quando se comprovava não ser possível obter o primeiro, mas não se vislumbra qualquer vestígio de ter havido discriminação ou tratamento favorável para a empresa ILS na justificação da impossibilidade de junção daquele documento.
Como invocou o arguido MP na resposta ao recurso do Ministério Público (transcrição):
Em todo o caso, não deixa de ser curioso que o Recorrente recorde este Ofício n.º 5125/2015, mas olvide o Ofício n.º 4805/2015, enviado pela mesma pessoa – JMC (DGACCP), dando nota da normalidade da substituição de CRC por declaração de boa conduta na maioria dos casos de vinda de doentes líbios no período 2013-2014. É aí referido o seguinte no respetivo ponto 4.:
«A maioria dos pedidos de visto requeridos por grupos de cidadãos líbios para tratamento médico com intermediação de empresas portuguesas no período de 2013-2014, foram instruídos com Declaração de Boa Conduta em substituição do registo criminal por impossibilidade de obtenção dos mesmos. Tanto quanto foi possível apurar encontram-se, nestas circunstâncias, os pedidos da ILS e HPG. Os despachos telegráficos que admitiram a referida dispensa têm o n° 92, de 29.01.2013, para o HPG e o n.º 688, de 17.09.2013, para a ILS» (Apenso N-1, volume 1, fls. 23 e ss. manuscritas ou pp. 25 e ss. do pdf).
Improcede a impugnação quanto a este ponto da decisão da matéria de facto.
Nas conclusões 611 a 616, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdv do elenco dos factos não provados do acórdão recorrido, que tem o seguinte teor (transcrição):
cdv. Determinando JMC todavia, que tal solução particular e excepcional não poderia, em caso algum, revestir a natureza de precedente.
Tal facto corresponde ao § 1799 da pronúncia.
O Recorrente fundamenta a pretensão nos seguintes termos (transcrição):
613.ª Ora o doc. de fls. 223/225 do relatório 13, apenso P, reporta-se a um email de ACR (MNE) para DrªP… (SEF), datado de 15/09/2013, no qual refere que não será conveniente abrir excepção para a ILS quanto à matéria do seguro, atentos os riscos verificados, o Doc. de fls. 320., por seu turno, o doc. de fls.320-332, reporta-se ao seguro efectivamente contratualizado pela ILS, por um período inferior ao do visto.
614.ª O Tribunal deveria ter atendido, o que não fez, ao Doc. de fls 46-49, Doc. 18, Pasta 1, Busca 65, correspondência diplomática na qual tal posição técnica foi reiterada em 16 de Setembro de 2013 pelo Embaixador JMC a IP, Embaixadora de Portugal na Líbia, em resposta a questões por esta suscitadas em telegramas por si expedidos nos dias 6 e 15 desse mês, manifestando-lhe a rejeição liminar das referidas propostas do SEF que, através da pessoa de NP da ILS haviam sido pessoalmente veiculadas àquela Embaixadora, em Trípoli, logo no início de Setembro.
615.ª Tal facto resulta igualmente comprovado da análise conjunto do doc. constante de fls. 105-107, 239 Relatório 13, Ap. P.; fls. 48, Doc. 18. Pasta 1, Busca 65; e Fls. 67 -74 Ap. N1a
Em nossa apreciação, os elementos indicados nas conclusões 613 e 615 (relatório do funcionário da PJ no Apenso P, I volume, designadamente quanto a documentos de fls. 41-51, 105-107, 223-225, 239 e 330-332) são inócuos para o problema aqui suscitado, de saber se JMC determinou que a solução prevista para a ILS era particular e excepcional.
No mais, o Recorrente não concretiza correctamente e não nos é possível localizar a “correspondência diplomática” da “busca 65” na pasta 1, doc. 18” ou os “doc. de fls. 67-74 Ap.N1a”.
Termos em que se nega provimento à impugnação neste ponto.
Nas conclusões 617 a 621, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdvi do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, com o seguinte teor (transcrição):
A fim de satisfazer o mais rapidamente possível as pretensões da arguida "IlS- Àrea da Saúde,Ldª –." de trazer o contingente de cidadãos líbios ainda no mês de Setembro de 2013[285].
O Recorrente sustenta a pretensão de alteração da decisão em matéria de facto, nos seguintes termos (transcrição):
619.ª Ora, o Doc. de fls. 224 e ss. consiste na referida listagem utilizada com base da actividade de verificação de segurança, cujo e-mail de remessa por parte de LA para ACR, MNE, refere expressamente que apenas é acompanhada de nome do requerente e ano de nascimento, facto que se revela manifestamente insuficiente para qualquer controlo securitário atinente a cidadãos líbios, nacionalidade qualificada como de risco para efeitos securitários pelo próprio SEF ( cf., quanto à listagem das nacionalidades de risco, anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.)
620.ª Também o doc. de fls. 312 a 321, do mesmo Relatório 13, Ap. P, consiste numa listagem dos requerentes de visto enviada por NP a LA, contendo a listagem, de doentes com o número de passaporte, sem qualquer referência à data de validade do documento indicado ou cópia do mesmo.
Afigura-se-nos que o “facto” de as listagens não conterem os requisitos legais de correcta identificação dos requerentes para o devido controlo de identidades, ainda que ponderado em conjunto com outros factos provados à luz da experiência comum, não tem de levar necessariamente à decisão de julgar provado que a conduta dos funcionários do SEF visava trazer o contingente de cidadãos líbios ainda no mês de Setembro de 2013.
Improcede a impugnação neste ponto.
Nas conclusões 622 e 623, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdvii do elenco dos factos não provados, com o seguinte teor (transcrição):
Sendo a intervenção da Direcção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (doravante DRLVTA) meramente formal.
Afirma neste âmbito o Recorrente (transcrição):
623.ª Ora, tal facto decorreria precípuo do facto provado de a verificação de segurança ter sido efectuada pelo GADR e não pela DRL como era legalmente sua competência, devendo, assim, face ao modo como a verificação foi efectuada, e a documentação lacunar que lhe serviu de base, ter sido dado como assente tal facto.
Salvo melhor entendimento, saber se a intervenção de uma direcção regional do SEF foi “meramente formal” não é uma questão de facto, mas um juízo conclusivo e valorativo também dependente da interpretação e aplicação de normas jurídicas, pelo que não deveria ser incluída da decisão da matéria de facto.
Ainda que assim não fosse, nunca seria o “facto” de a verificação de segurança ter sido efectuada por um organismo e não por outro que imporia qualquer apreciação genérica de censura da intervenção da “DRLVTA”.
Termos em que se considera improcede a impugnação neste âmbito.
Nas conclusões 624 e 625, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdviii do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, com o seguinte teor (transcrição):
Tendo parte dos requerentes de visto por destino o Hospital da Prelada no Porto, circunstância determinante da competência legal desta Direcção Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a qual foi afastada por determinação do arguido MP..
O Ministério Público fundamenta a impugnação nos seguintes elementos (transcrição):
-Doc. de fls. 471 , Relatório 13, Ap. P, o qual constitui uma listagem com o destino dos requerentes dos vistos, alguns dos quais tinham como destino o Hospital da Prelada no Porto, o que, nos termos legais (já acima referidos) determinava a competência da DRP do SEF para proceder às verificações de Segurança.
Verificações de segurança estas que, conforme factos provados, foram realizadas no GADR, conforme decorre do email de fls. 437 de Drª.P… para J…S… da DRL do SEF, a qual validou formalmente validações de segurança feitas pelo GADR, num primeiro momento numa listagem meramente nominativa e, num segundo momento numa nova listagem contendo já números de passaporte mas sem cópias do documento e comprovativo da validade.
-A fls.. 521 a 525 do mesmo Apenso consta igualmente a listagem usada pelo SEF para as verificações de segurança das quais não se consigna, em muitos dos casos, qual o diagnóstico médico do requerente, elemento apto a comprovar as finalidades do visto e a veracidade dos motivos indicados e regularmente exigido para a emissão de tais vistos e parecer ancilar.
-A determinação do arguido MP resulta inequivocamente dos factos provados quanto à iniciativa e autoria do pacote de excepção proposto pelo mesmo para a ILS, na reunião que manteve com o SEF a 12/08/2013.
Nos factos provados já consta que os processos referentes a cidadãos líbios abrangidos pelo contrato da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª " foram tramitados pelo Gabinete de Apoio às Direcções Regionais que funciona junto da Direcção Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras por determinação directa do arguido MP. (factos 1595 e 1596),
No apenso P, II volume, p. 471 (na numeração manuscrita, p. 62 do ficheiro PDF) podemos encontrar o que parece ser uma lista de cidadãos líbios.
Esse documento nada nos diz sobre o destino e muito menos sobre qualquer comportamento de MP tendente ao afastamento da estrutura com natural competência para o efeito.
Assim sendo, inexiste elemento probatório que nos imponha uma decisão diferente e improcede a impugnação neste âmbito.
Nas conclusões 627 a 629, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto aos parágrafos cdx e cdxi do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, com o seguinte texto (transcrição):
No mesmo contexto temporal, a sociedade AI reportou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros atrasos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na emissão dos pareceres obrigatórios em processos de vistos de cidadãos líbios abrangidos pelos seus contratos[286].
Anteriormente, a mesma empresa hospitalar vira rejeitada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a possibilidade de emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico por um período inferior ao período de 120 dias – solução contrária àquela feita constar do parecer que viria a fundar a solução, por argumento a fortiori, de aceitar seguro por tempo inferior ao da validade legal do visto (120 dias)[287].
O recorrente fundamenta a impugnação nos seguintes termos (transcrição):
628.ª Ora, ao contrário do referido pelo Tribunal na Nota 889, a fls. 915, os documentos de fls. 102, 105, fls. 107-109, 118-119 documento 17, pasta 1, busca 65 e a informação de fls. 3,5-6; fls. 24, ponto 3 e fls. 51-52 do apenso, atestam tais factos. Assim
Os Doc. de fls. 3-6, e Doc. de fls. 24 ponto 3, e Doc. fls 50- 51-52, Ap. N1, os quais constituem um conjunto de docs. remetidos aos autos pelo MNE, dos quais resulta uma diferenciação significativa de tempo de análise dos pedidos de vistos pelo SEF entre a ILS e o HPG, após o início de actividade da ILS, no ano de 2013.
O Doc. de fls. 102, documento 17, pasta 1, busca 65, que consiste em correspondência diplomática, datada de 28/06/2013, na qual a Embaixadora IP dá conhecimento à DGACCP da manifestação de desagrado por parte da Comissão de Tratamento de Feridos das demoras, que consideram inaceitáveis, para a emissão de vistos requeridos para feridos Líbios por parte do Hospital Privado de Guimarães, referindo atrasos de meses; a fls. 105, conta da resposta para tal reporte por parte da DGACCP, partilhando a DGACCP a preocupação manifestada pela Embaixadora.
Fls. 107 do Doc. 17, pasta 1, busca 65 :correspondência do MNE para a Embaixada na Líbia, relativo a pretensões do HPG, no qual se faz consignar, a impossibilidade legal de emitir um visto por período inferior ao legal (120 dias), posição em manifesta contradição com a tomada pelo SEF quanto à ILS, no parecer técnico que MP enviou ao Embaixador JMC, e gizado pelo seu assessor a seu pedido e feito assinar, a posteriori, por uma técnica jurista, quanto à possibilidade de aceitar seguros por tempo inferior ao da validade dos vistos.
A fls. 120 do mesmo Doc., um Relatório do MNE no qual se dá conta da situação do HPG, na data de 05/06/2013, referindo a posição do SEF de inviabilizar a pretensão do HPG e das autoridades líbias para emitir vistos por tempo inferior ao legalmente previsto ( um mês prorrogável), bem como a situação de suspensão de 225 pedidos de vistos por parte dessa empresa.
629.ª Ora tais elementos de prova, se devidamente considerados pelo Tribunal, deveriam ter alicerçado a comprovação do facto em apreço e relativo a um tratamento discriminatório entre a ILS e o Hospital Privado de Guimarães, facto atestado pelas declarações do Engenheiro TL em sede de julgamento e reproduzidas a fls. 1461 e ss. do acórdão.
Analisados os dados constantes dos documentos de fls. 3-6, 24 e 50 a 52 do apenso N1, I volume, de fls. 137 do PDF do apenso de buscas 65, II vol. (correspondente à pagina 102 segundo a numeração manuscrita) não vemos que esteja documentada a diferenciação significativa de tempo de análise dos pedidos de vistos pelo SEF entre a ILS e o HPG que o Recorrente invoca.
Assim como retiramos do teor do documento de fls. 137, documento 17, pasta 1, busca 65, apenso PDF que a Embaixadora IP dá conhecimento à DGACCP da manifestação de profundo desagrado por parte da Comissão de Tratamento de Feridos com o que consideram ser demoras inaceitáveis nossa parte na concessão vistos para tratamento segundo grupo 50 feridos no Hospital Privado Guimarães.
Ponderando em conjunto o teor destes documentos com o relatório existente a fls. 120 (p. 161 no PDF) do mesmo apenso, afigura-se-nos que inexiste qualquer elemento probatório que sustente a afirmação que a sociedade AI reportou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros atrasos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras na emissão dos pareceres obrigatórios em processos de vistos de cidadãos líbios ou que a mesma empresa tenha visto rejeitada a possibilidade de emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico por um período inferior ao período de 120 dias.
Improcede por isso a impugnação nestes pontos da matéria de facto.
Nas conclusões 630 a 632, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto aos parágrafos cdxii a cdxiv e cdxvi do elenco dos factos não provados, com o seguinte texto (transcrição):
Mais uma vez em execução do acordo estabelecido com o arguido PLC através do veículo societário a arguida "JAG, Ldª." quanto à facilitação dos procedimentos de vistos, o arguido JA colocou o então Ministro da Administração Interna a par das referidas dificuldades a fim de que este, fazendo uso dos seus podereshierárquicos de direcção (junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) e de influência política (junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros) lograsse desbloquear a situação de entraves colocados à emissão dos vistos para um novo grupo de pacientes líbios.
Na sequência do que, entre finais de Julho e princípios de Agosto de 2014, o arguido MM, conhecedor do acordo firmado entre os arguidos JA e PLC a fim de que o mesmo, uma vez mais, no exercício das suas funções, adoptasse procedimentos de favor à arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª", ainda que em violação da lei.
Determinação que este último acatou.
Em execução do que lhe fora determinado pelo arguido MM, o arguido MP, encontrando-se embora de férias pessoais, e agindo em prol do interesse privado lucrativo da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª"– determinou a concessão à clientela da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª –." de novo tratamento de excepção.
O Recorrente invoca que tais factos se encontram provados a partir dos seguinteselementos de prova(transcrição):
- Declarações do arguido MP, em sede de interrogatório judicial, a 14/11/2014, e em interrogatório presidido em inquérito por magistrado do Ministério Público, na data de 7/11/2014, os quais não foram valorados indevidamente pelo Tribunal.
- Intercepções realizadas a JA, nomeadamente sessões 2163; 2165; 2168; 2170,2174, 2176 2180; 2194; 2215; 2236; 2242; 2244, 2245, 2264; 2755, 2760 Alvo 66799040 (JA)) , relativas aos encontros de JA e MM nas datas de 18 e 20 de Agosto de 2014.; sessão 2268, 2341, 2290 Alvo 66799040 (JA) relativas a contactos com MP..
- Análise ao conteúdo de telemóvel de MP constante do Ap. L, Vol. I, relatório MP, fls. 43, dos quais constam mensagens trocadas entre MP e JA em Agosto de 2014, bem como o acompanhamento pessoal da situação dos vistos da ILS por parte de MP em Setembro de 2014, em SMS´s trocados com este e DrªP….
Bem como o que decorre dos seguintes factos provados:
1611. No dia 20 de Agosto de 2014, por contacto telefónico, o arguido JA, após várias tentativas goradas de que deu conta ao arguido MM, logrou contactar o arguido MP (o qual se encontrava no gozo de férias em Porto Santo), pondo-o a par da situação, mantendo ambos novo contacto acerca da matéria no dia 22[288].
1622. Em 25 de Agosto de 2014, estando ainda de férias, as quais interrompeu, o arguido MP veio a propor ao Embaixador um procedimento de verificação e parecer prévio por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quanto à admissibilidade de novos pedidos de vistos da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª."[289].
Ao remeter, sem qualquer concretização, para todo um conjunto de declarações de arguido em inquérito, de intercepções de conversações telefónicas, de mensagens e, mesmo, de um relatório de análise ao conteúdo de um telemóvel, o Recorrente omite o cumprimento do ónus de especificação dos elementos de prova imposto no artigo 412º nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, o que impossibilita a apreciação da impugnação por este tribunal de recurso.
Ainda assim, depois de analisados os registos das transcrições telefónicas e das mensagens, sempre diremos que os elementos probatórios indicados apenas revelam a realização de um jantar e de contactos entre JA e MM e entre JA e MP sobre emissão de vistos de cidadãos líbios, mas não permitem inferir algum dos factos descritos nos citados parágrafos cdxii a cdxiv e cdxvi do elenco dos factos não provados, para lá do que já consta nos factos provados.
Nas conclusões 633 a 641, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdxvii do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, com o seguinte texto (transcrição):
633ª Actuando no interesse do arguido JA e da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª, ", o arguido MM contactou o Ministro dos Negócios Estrangeiros visando junto deste alcançar a cobertura política para a solução visada pela arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª, ": lograr a emissão de vistos via Túnis para os cidadãos líbios abrangidos pelo contrato da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.", como se de uma situação excepcional se tratasse[290].
O Recorrente fundamenta a impugnação nos seguintes termos (transcrição):
634ª Ora, tal intervenção de MM junto do Ministro Dr.R…M… resulta directamente provada de fls. 37/37 verso, apenso O: e-mail reencaminhado por MM para JA, na data de 29/08/2014, através de uma conta de correio particular, na qual lhe transmite um email que lhe fora enviado, na mesma data, por Dr.R…M…, no qual este lhe comunica que, na sequência das questões que lhe haviam sido colocadas directamente por MM, havia sido decidido considerar a situação da ILS com uma situação excepcional, para efeitos da emissão de vistos por Túnis, equiparando a situação à emissão de vistos requeridos por funcionário e familiares de funcionários da Embaixada Portuguesa em Trípoli, casos humanitários, ou de incontestável interesse ou urgência económica, referindo, ainda, a importância de tal mecanismo se manter como excepcional ante as pretensões de outras empresas nacionais que já tinham acordos com entidades líbias; acabando por atestar que , quanto ao caso concreto exposto por MM, teria informação que já estava a ser solucionado.
635.ª E ainda do AP. F, sessão 2755, alvo 66799040., fls. 146, intercepção da qual resulta que, na mesma data, em conversa que mantiveram a propósito do e-mail de MM, LB e JA vangloriaram-se com o resultado alcançado com a excepção aberta para a ILS, referindo a falta de capacidade das outras empresas para conseguirem idêntico resultado na matéria dos vistos.
636.ª Bem como da sessão 2533, alvo 66799040 (JA), na qual JA em conversa com NP reclama para si os méritos do tratamento excepcional prestado à ILS graças à sua intervenção junto de MM..
637.ª Resulta, ainda, da análise conjugada de tais elementos de prova, com fls. 5-6, Doc. 20. Pasta 1, Busca 65 – DGACCP; e doc. 6, Busca 76, MNE, que , anteriormente ao contacto de MM com Dr.R…M…, o Embaixador JMC se havia oposto expressamente a considerar a situação da ILS como enquadrável nas situações de excepção (humanitárias e de interesse nacional) que justificariam a emissão de vistos por Túnis.
638.ª Com efeito, conforme o seguinte facto dado como provado com base em tais elementos de prova (cf. fls. 5-6, Doc. 20. Pasta 1, Busca 65 – DGACCP; cf. Ap. P, relatório 32, fls. 69-70; 71):
“Em 21 de Agosto, ante a pressão da ILS junto da Embaixadora IP, o Embaixador JMC, em e-mail remetido a J…C… (Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas), FL, AM (Chefe de Gabinete do MNE), IP, AnaM…, RV, LGS, BPM e A…S…, reiterou tais instruções, esclarecendo as directivas emitidas quanto às excepções à suspensão da actividade de emissão de vistos, consignando que as mesmas consistiam em:
- Aceitar que pedidos de vistos que estivessem então pendentes (já introduzidos nos sistema e já pagos), se autorizados, pudessem excepcionalmente ser emitidos na Secção Consular da nossa Embaixada em Túnis;
- Alargar essa possibilidade a outros casos excepcionais, devidamente fundamentados e decididos pontualmente (…) por exemplo, familiares próximos de cidadãos nacionais ou de funcionários superiores da Embaixada da Líbia em Lisboa; ou ainda casos de incontestável interesse e urgência por manifestas razões humanitárias»
Referindo, expressamente, nessa correspondência, o Embaixador JMC : «a não abrangência de tal regime de excepção por regra às pretensões das empresas portuguesas com interesses na Líbia, a qual, a ser aberta, o deveria ser por autorização superior o que deveria ser efectuado após entendimento prévio com o SEF, mediante identificação rigorosa de todos os requerentes e apresentação de programa exaustivo das respectivas estadias em Portugal.»
639.ª Ora, tal salvaguarda de “autorização superior”, sendo JMC subordinado imediato do MNE, só poderia advir, de acordo com as regras da experiência comum, de determinação do Ministro Dr.R…M…, conforme resulta do depoimento prestado pela testemunha em sede de julgamento e que consta da transcrição de fls. 1418 e seguintes do Acórdão recorrido.
640.ª Instruções superiores que, temporal e logicamente, atenta a prova produzida, foram proferidas após a intervenção de MM junto de Dr.R…M….
641.ª Sendo tal facto, logicamente inferido, a única explicação lógica para o facto – dado como assente- de que, ulteriormente, quanto à dispensa de um tratamento de excepção à ILS, invertendo a sua posição técnica, e o “Embaixador JMC veio a aceitar considerando a postura do SEF e a natureza essencialmente securitária da matéria em apreço, bem como a disponibilização pelo MNE de um funcionário para Túnis.” (cf. Anexo 14, fls. 322 e ss., Ap. N1, e o depoimento de JMC em julgamento, nesta parte, deve atender-se ao que consta de fls. 1420 da transcrição constante do Acórdão recorrido.)
Percorrendo os argumentos do Recorrente:
-A comunicação por correio electrónico que o Ministério Público refere e comenta na conclusão 634 encontra-se nas pp. 70 e segs. do apenso O em suporte digital (PDF).
Em nossa apreciação, a comunicação electrónica subscrita por Dr.R…M… e depois reencaminhada para JA e LB não permite extrair as ilações formuladas pelo Recorrente.
Com efeito, o texto do “e-mail” refere a situação excepcional decorrente do encerramento da embaixada em Tripoli, fixa critérios de procedimento para as “várias centenas de potenciais pedidos de visto” no sentido de serem excepcionalmente emitidos na secção consular da embaixada em Túnis, mas não permite, de forma alguma, inferir que tenha sido a “situação da ILS” que o MNE considerou como excepcional ou distinta, nem na comunicação se atribui ou permite qualquer tratamento “preferencial” ou “discriminatório” desta empresa em relação a qualquer outra que naquele momento solicitasse ou diligenciasse pela obtenção de vistos, como a “CSL” ou a AMI-HPG.
- A conversação telefónica referida na conclusão 635ª está transcrita na p. 237 do apenso F, I em PDF e a conversação telefónica mencionada na conclusão 636ª entre JA e NP pode ler-se na p. 200 do mesmo ficheiro digital.
Não vislumbramos aí que JA ou LB tenham considerado a decisão contida no email de MM como uma excepção aberta apenas para a ILS, nem menção de qualquer especial capacidade dessa empresa para influenciar a tomada de posição pelo MNE.
Ainda que assim não fosse, seria muito reduzido o valor indiciário das apreciações de auto-elogio do arguido JA..
- Na conclusão 638 o Ministério Público afirma erradamente que o tribunal “deu como provado” que o Embaixador JMC agiu “ante a pressão da ILS junto da embaixadora IP”.
Na verdade, o tribunal julgou provado (transcrição):
Em 21 de Agosto, o Embaixador JMC em correio electrónico remetido a J…C… (Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas), FL, AM (Chefe de Gabinete do Ministério dos Negócios Estrangeiros), a Embaixadora IP, AnaM…, RV, LGS, BPM e A…S…, reiterou as instruções, esclarecendo as directivas emitidas quanto às excepções à suspensão da actividade de emissão de vistos, consignando que as mesmas consistiam em[291]:
"Aceitar que pedidos de vistos que estivessem então pendentes (já introduzidos no sistema e já pagos), se autorizados, pudessem excepcionalmente ser emitidos na Secção Consular da nossa Embaixada em Túnis;
Alargar essa possibilidade a outros casos excepcionais, devidamente fundamentados e decididos pontualmente (…) por exemplo, familiares próximos de cidadãos nacionais ou de funcionários superiores da Embaixada da Líbia em Lisboa; ou ainda casos de incontestável interesse e urgência por manifestas razões humanitárias".
Referindo ainda Embaixador JMC de forma expressa a não abrangência de tal regime de excepção por regra às pretensões das empresas portuguesas com interesses na Líbia, a qual, a ser aberta, o deveria ser por autorização superior o que deveria ser efectuado após entendimento prévio com o SEF, mediante identificação rigorosa de todos os requerentes e apresentação de programa exaustivo das respectivas estadias em Portugal"[292].
Em nossa apreciação, existe uma total consonância entre a posição expressa pelo Embaixador JMC em 21/08/2014, tal como descrita nos factos provados 1612 a 1615, e a posição expressa pelo Ministro Dr.R…M… no e mail de 28/08/2014 . Também não descortinamos onde exista uma inversão da “posição técnica” do Sr. Embaixador.
Em conclusão: improcede a impugnação e decide-se manter como não provado que o arguido MM tenha contactado o Ministro dos Negócios Estrangeiros actuando no interesse do arguido JA e visando alcançar a cobertura política para a solução visada pela arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª para – lograr a emissão de vistos via Túnis para os cidadãos líbios abrangidos pelo contrato da arguida "ILS- Área da Saúde, Lda.", como se de uma situação excepcional se tratasse.
Nas conclusões 642 a 646, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdxviii do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, com o seguinte texto (transcrição):
Desse modo, a realização formal das verificações de segurança exigidas por lei foi efectuada em condições materiais insusceptíveis de afiançar a eficácia de tais medidas securitárias ante os elementos disponibilizados[293].
Afirma o recorrente que este facto resulta precípuo de outro facto dado como provado pelo Tribunal, referindo à matéria de facto provada acima descrita nos seguintes parágrafos:
Na sequência do determinado pelo arguido MP, a coordenadora do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais Drª.P… e o técnico superior J…S…, Chefe de Núcleo do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais, sob a orientação do Director Nacional Adjunto LG, executaram o seguinte procedimento:
Avocação da competência legal das Direcções Regionais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a realização das verificações de segurança (vetting check) e emissão de pareceres prévios em matéria de vistos, a qual foi executada excepcionalmente pelo Gabinete de Apoio às Direcções Regionais.
Realização das verificações de segurança mediante a entrega pela arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª" de uma listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro.
Transmissão por escrito à Direcção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas de uma pré-aprovação da emissão de vistos de um conjunto de indivíduos identificados pela empresa arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª ", sem que qualquer pedido de visto, devidamente instruído, houvesse dado entrada em serviço consular português competente.
Redução do parecer obrigatório a emitir pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (o qual foi formalmente executado pela DGLVTA, mesmo quanto a pacientes destinados ao Hospital da Prelada no Porto) numa mera formalidade, destituída de qualquer actividade de controlo substancial dos pedidos de visto[294].
Adianta ainda o Recorrente que (transcrição) não se vislumbra como se poderiam efectuar verificações de segurança fidedignas com base em documentação do tipo daquela que comprovadamente acompanhava a listagem de requerentes de visto ( incompleta e inexacta).
Salvo melhor entendimento, saber se a realização formal das verificações de segurança exigidas por lei foi efectuada em condições materiais insusceptíveis de afiançar a eficácia de medidas securitárias constitui apenas um juízo valorativo ou conclusivo e não um facto ou evento da vida real.
Acresce que o recorrente omite uma vez mais o ónus de especificação remetendo para um extenso rol de documentos, de conversas telefónicas, do relatório do funcionário da PJ, sem que seja possível ao tribunal descortinar onde se encontram os concretos elementos de prova que impõem uma decisão diferente.
Ainda assim, sempre diremos que as omissões na indicação dos elementos de identificação dos requerentes do visto, referidas nos factos provados, não são susceptíveis de inviabilizar a realização de verificações de segurança confiáveis ou fidedignas.
Improcede por isso a impugnação neste ponto.
Nas conclusões 647 a 651, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto aos parágrafos cdxix e cdxx do elenco dos factos não provados, com o seguinte texto (transcrição)[295]:
No mesmo contexto temporal dos episódios vindos de descrever, a AI, empresa pioneira no tratamento de feridos Líbios em Unidades de Saúde portuguesas, e directa concorrente da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª ", na pessoa do seu representante TL, encetou, debalde, esforços para marcar uma reunião com o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de lhe expor as dificuldades sentidas em matéria da emissão de vistos para cidadãos líbios após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia e a necessidade de emissão de vistos para um grupo de 20 pacientes necessitados de tratamento urgente.
Esforços a que o arguido MP, em 7 de Agosto de 2014, através do seu assessor PBL, respondeu apenas dando instruções hierárquicas para que a referida empresa articulasse com a Direcção Regional Norte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros mecanismos de certificação da identidade dos requerentes e de cabal verificação dos requisitos legais a fim de se seguirem os regulares trâmites para emissão de parecer pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras[296].
Na conclusão 649ª, o Recorrente afirma que estes factos decorrem provados dos seguintes elementos de prova documental: -Fls. 2, documento 20, busca 65 - DGACCP: que consiste em correspondência electrónica trocada entre os embaixadores IP e JMC, em Agosto de 2014, na sequência do encerramento da Embaixada na Líbia, no qual constatam as tentativas de emissão de visto via Túnis por parte de várias empresas. -Doc. de fls. 742-750 relatório 13, apenso P – paginação suporte digital, O assessor de MP, PBL, na data de 07/08/2014, na sequência de um email no qual TL , do HPG, solicitava reunião com a DN do SEF para efeito de solucionar a situação da suspensão de emissão de vistos na Líbia, veicula instruções no interior do SEF , para a DR do Porto, CG no sentido de que a situação do HPG deveria ser resolvida por articulação em primeira mão com o MNE.
Afirma o Ministério Público (transcrição):
650.ª Resultando de tais documentos que, no caso do HPG, o SEF, nomeadamente MP, não tomou qualquer iniciativa no sentido de propor ao MNE um tratamento de excepção como o fez com a ILS, na sequência da intervenção de JA e MM..
Uma vez mais, o Recorrente não indica a localização correcta dos documentos no processo. Com esforço acrescido, podemos encontrar o documento referido em primeiro lugar, não a fls. 2, mas de p. 241 a 251 do apenso Busca 65, volume I em ficheiro PDF.
Do documento infere-se facilmente a existência, na sequência do encerramento da embaixada, de diligências no sentido de apresentação de pedidos de emissão de vistos em Tunis por diversas empresas. Na correspondência electrónica entre os embaixadores de Agosto de 2014, JMC enuncia um procedimento comum para as diversas empresas, como a AMI, Hospital de Guimarães, ILS ou o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa e nada existe que faça acreditar num tratamento de excepção para com os pedidos de vistos da ILS.
No sentido proposto pelo Ministério Público apenas encontramos a comunicação electrónica entre LGS e IP (aludindo ao interesse politico da tutela do SEF para facilitar ao máximo o negócio ISL (p. 247) e outra comunicação referindo contactos da ISL no sentido da elaboração e entrega de documentação (248 a 251), sem que seja possível concluir que não houve iguais respostas para pedidos de outras empresas.
A indicação dos elementos probatórios constante da segunda parte da conclusão 649º também está errada. Em primeiro, o Recorrente refere como sendo “documento” aquilo que não o é, mas sim um segmento do relatório do inspector da PJ onde se sintetiza o teor do documento. Também aqui se indica um nº de fls. incorrecto.
O documento a que o Ministério Público se refere pode encontrar-se no Apenso P, Relatório 13, I volume, de fls. 336 a 344 da paginação manuscrita e de páginas 341 a 349 do ficheiro PDF.
Nesse “ email” de 07/08/2014, PBL diz a MP sobre o assunto um grupo de 20 feridos em situação emergente-solicitação de vistos : “Peço-te assim que entres em contacto e recebas o Presidente do Conselho de Administração da AI, o Dr.TL (que já por duas vezes me contactou para reunirmos, em mails infra), para grosso modo lhe transmitires que face aos recentes acontecimentos na Líbia e com a retirada do nosso pessoal diplomático, o procedimento para a vinda dos feridos deverá ser primeiro articulado por eles junto do MNE (para encontrarem forma de dissipar dúvidas quanto à identidade dos visados e para cabal verificação de outros requisitos que reputem necessários, como o relatório médico que sustenta possíveis deferimentos), para que o MNE depois consulte o SEF para a emissão de parecer, como é habitual nestas situações.Hoje mesmo vou responder-lhe, dizendo que te pedi para te articulares com ele por me encontrar de férias até aoinício de Setembro”.
Esta comunicação surge em consequência do pedido feito em 06/08/2014 por TL de agendamento de uma reunião urgente com MP visando a concessão de vistos a título excepcional que permita a evacuação de feridos.
Segundo o documento de p. 347, PBL comunicou a 07/08/2014 em e mail dirigido a CG “Em relação ao assunto em apreço foram solicitadas reuniões pela AMI, para o abordar (malls infra). Deixo-o ao teu cuidado por já estares a par da actuação concreta da instituição. Peço-te assim que entres em contacto e recebas o Presidente da AMI para, grosso modo, lhe transmitires que face aos recentes acontecimentos na Líbia e com a retirada do nosso pessoal diplomático, o procedimento para a vinda dos feridos deverá ser primeiro articulado por eles junto do MNE.”
Sopesando em conjunto os elementos disponíveis, afigura-se-nos que o recurso merece parcial provimento neste ponto, impondo-se ter como provado o seguinte:
1639-A - No mesmo contexto temporal dos episódios vindos de descrever, a AI, empresa concorrente da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª", na pessoa do seu representante TL, encetou esforços para marcar uma reunião com o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de lhe expor as dificuldades sentidas em matéria da emissão de vistos para cidadãos líbios após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia e a necessidade de emissão de vistos para um grupo de 20 pacientes necessitados de tratamento urgente.
1639 – B - Esforços a que, em 7 de Agosto de 2014, PBL, respondeu dando instruções a CG da DR Norte do SEF para que a referida empresa articulasse com o Ministério dos Negócios Estrangeiros mecanismos de certificação da identidade dos requerentes e de cabal verificação dos requisitos legais.
Assim se revogando os pontos cdxix e cdxx do elenco dos factos não provados
Em nossa apreciação, os factos provados não permitem o juízo valorativo e conclusivo de que no caso do HPG, o SEF, nomeadamente MP, não tomou qualquer iniciativa no sentido de propor ao MNE um tratamento de excepção como o fez com a ILS, na sequência da intervenção de JA e MM..
Nas conclusões 652 e 653, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdxxii do elenco dos factos não provados e respectiva nota de rodapé, que têm a seguinte redacção (transcrição):
O mesmo sucedendo com o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa, que não logrou igualmente a emissão de vistos para um grupo de 70 feridos líbios[297].
No entendimento do Recorrente, tal facto decorre provado dos documentos constantes do apenso P, relatório 32, fls. 43-44, 73-74.
O Ministério Público não nos revela a localização correcta dos documentos. Na verdade, o que o Recorrente refere não constitui “prova documental”, antes constituindo segmentos do relatório onde o Inspector da PJ enuncia uma síntese ou súmula do teor de diversas comunicações electrónicas.
Contudo, é possível saber que os documentos de conversações electrónicas a que o Ministério Público se refere constam, respectivamente, de fls. 55-56 e 85-86 do ficheiro PDF do apenso P, relatório 32.
O Ministério Público não concretiza o “entendimento” que faz do teor das comunicações electrónicas a que se refere e não encontramos nos mencionados “e-mails” elementos de prova que nos imponham a decisão de julgar provado que o Hospital Escola da Universidade Fernando Pessoa não logrou obter a emissão de vistos para um grupo de feridos líbios.
Nas conclusões 654 e 655, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdxxiii do elenco dos factos não provados com a seguinte redacção (transcrição):
Com efeito, após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, fora do quadro de excepção traçado pela Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, apenas a sociedade arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª" logrou a emissão de vistos para grupos de cidadãos líbios seus clientes.
Afirma o Ministério Público que tal facto decorre, indirectamente, do depoimento prestado em julgamento pela testemunha APR que consta da transcrição de fls. 1439 e seguintes do Acórdão recorrido, sendo que após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia os pedidos do Hospital Privado de Guimarães estavam pendentes e assim continuaram e, a não ser o caso da ILS, não se recordar de qualquer outra empresa a solicitar vistos. (transcrição)
Uma vez mais, o Recorrente incumpre o ónus de especificação dos elementos de prova, o que inviabiliza a impugnação. Recorde-se uma vez mais que, tendo havido gravação das provas, as especificações na prova testemunhal têm de ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação ou de proceder a transcrição, pois são esses segmentos dos elementos de prova que devem ser ouvidos ou visualizados pelo tribunal, sem prejuízo de outros relevantes (n.ºs 4 e 6 do artigo 412.° do C.P.P.)..
Ainda assim, diremos que na súmula ou síntese do tribunal colectivo quanto ao teor do depoimento da testemunha APR (fls. 1439 a 1444 do acórdão recorrido), apenas consta com interesse neste ponto que,
Depois do encerramento da embaixada de Trípoli e, independe mente, dos tais pedidos que já estavam pendentes, mais tarde a ILS, em Julho, Agosto, Setembro de 2014 veio a fazer novos pedidos de grupo.
Não se recorda que nos últimos 5 meses de 2014, de Julho a Dezembro, com excepção da ILS, de ter aparecido mais alguma empresa portuguesa a solicitar vistos.
A ausência de pedidos de vistos por outras empresas não permite insinuar qualquer tratamento de favor e, em nosso entender, contraria a pretensão do Recorrente: lograr ou conseguir os vistos pressupõe a anterior apresentação do respectivo pedido e a testemunha afirma “não se recordar” de ter havido essa solicitação por outras empresas. Nem se vislumbra qualquer alusão à circunstância de os pedidos do Hospital Privado de Guimarães “continuarem pendentes” após o encerramento da Embaixada.
Nas conclusões 656 a 658, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto quanto ao parágrafo cdxxiv do elenco dos factos não provados e da respectiva nota de rodapé, que têm a seguinte redacção (transcrição):
Sendo que, como meio de fundamentar qualquer decisão excepcional semelhante à acima referida, o actual Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras veio a exigir um prévio parecer da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal no sentido da confirmação do manifesto interesses estratégico para a economia nacional por parte da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal de um dado projecto económico[298].
Afirma o Recorrente que (t)al facto resulta claramente provado da correspondência de fls. 422 a 432, anexo 16, apenso N1, 2.º volume, consistente em correspondência electrónica entre NP (ILS) e DrªP… (SEF), e entre NP e o Chefe de Gabinete do MAI, AB, na data de 09/03/2015 (já após a saída de MP do cargo de DN do SEF, na sequência da sua detenção nos presentes autos),no qual se refere ao facto de a ILS ter sido confrontada pelo SEF com a necessidade de, a fim de continuar a obter vistos via Túnis, ter que encetar uma diligência adicional junto do AICEP de forma a obter um parecer que permita ao MAI considerar o interesse económico nacional da instrução de vistos de cidadão Líbios (transcrição).
Da correspondência electrónica referida nos documentos constantes do Apenso N1, II volume, p. 203 a 213 do ficheiro PDF, resulta a realização de contactos entre NP e Drª.P… e entre NP e AB, nos quais se refere (designadamente em 13.01.2015) a necessidade de diligências necessárias para a obtenção pela ILS de um parecer onde o MAI considere que a obtenção dos vistos de cidadãos Líbios corresponde a um interesse económico para o país.
NP afirma que tal parecer lhe foi solicitado pelo SEF (p. 203), mas da comunicação vinda do SEF decorre que a imposição vem do MAI : nos mails de p. 209 e 213, Drª.P… escreveu que as empresas interessadas na vinda de grupos de cidadãos líbios para território nacional, devem apresentar primeiramente à Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) o projecto/contra to celebrado com as autoridades líbias de forma a que esta Agência ateste o interesse económico para o País e que essa exigência surgiu na sequência de instruções recebidas neste Serviço por parte do Ministério da Administração Interna.
Não há por isso prova de que tenha sido o (subsequente) Director Nacional do SEF quem tenha exigido o parecer do MAI.
Nestes termos, os elementos disponíveis não permitem nem impõem uma decisão diferente, devendo manter-se a redacção do facto não provado.
Recursos dos arguidos AF e MA.. Questão prévia:
19. Como já assinalado, o tribunal colectivo não procedeu a uma numeração sequencial dos factos que julgou provados e dos factos que julgou não provados. Esta omissão trouxe apenas dificuldades acrescidas a todos os sujeitos processuais e levou a que cada um dos recorrentes optasse por uma forma distinta de indicação dos factos a que se pretende referir.
Para facilitar a compreensão dos recorrentes e apesar do adicional esforço criado pelo tribunal de primeira instância na redacção do acórdão, seguiremos a sistematização e a “numeração” efectuada por cada um dos recorrentes AF[299] e MA nas respectivas motivações.
A final, se se revelar for necessário, indicaremos a decisão já por referência à numeração a que procedemos neste acórdão.
20. No seu recurso o arguido (1) AF, para além do mais apreciado e a apreciar da sua motivação de recurso, impugna os seguintes segmentos e pontos da matéria de facto considerada provada e não provada (tendo em conta a numeração que assumiu na própria motivação de recurso em face da ausência de numeração no acórdão recorrido):
- relativamente ao núcleo B, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada (todos da pronúncia) que considera incorrectamente julgados: . pontos B.40, B.44 e B.45, B.99, B.118, B.120, B.122, B.124, B.129, B.136, B.146, B.167, B.172, B.205, B.257, B.261, B.279, B.313, B.315, na medida em que se lhe imputa a execução de um acordo com o arguido Z, nos termos do qual incumbiria ao Recorrente favorecer terceiros, providenciando um atendimento personalizado e prioritário, praticar actos fora da sua esfera de competência formal, instrumentalizar meios materiais e humanos do IRN, afetando-os à prossecução de uma atividade totalmente alheia aos interesses públicos prosseguidos pelo IRN e exclusivamente afeta à atividade lucrativa de terceiros, em particular, os interesses comerciais do arguido Z, fazendo uso do ascendente hierárquico e funcional que detinha sobre as pessoas que determinava, em abuso dos seus poderes hierárquicos, violando os princípios da legalidade, igualdade e imparcialidade a que estava adstrito; . pontos B.776, B.777 e B.778, na medida em que se lhe imputa ao recorrente a atuação com dolo, nos termos aí descritos; . pontos B.779 a B.786, na medida em que se lhe imputa a atuação com dolo, e a afetação dos veículos automóveis do Estado, exclusivamente, ao desenvolvimento de atividade privada de natureza lucrativa, fazendo um uso abusivo e indevido de tais veículos, nos termos aí descritos; e
- relativamente aos núcleos E2, E3 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada que considera incorrectamente julgados: . pontos E.7, E.8, E.9, E.10, E.11, E.12, E.28, E.51, E.131, E.132, E.138, E.139, E.140 e E.141, de forma integral; ponto E.16 na parte em que imputa a MA e a este recorrente a existência de um acordo firmado e, ainda, na parte em que imputa a MA a intenção de querer beneficiar este recorrente quando afirma que agiu “em detrimento dos demais oponentes que se apresentassem, violou os deveres de sigilo e reserva a que estava obrigada”; ponto E.17 na medida em que imputa ao recorrente o preenchimento dos requisitos para o exercício do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN “de acordo com o seu próprio perfil assim adequando os requisitos do concurso ao seu curriculum”; . ponto E.18 na estrita medida em que acórdão recorrido dá como provado que os requisitos preferenciais se adequavam plenamente ao seu perfil pessoal e profissional do recorrente; ponto E.27 na medida em que imputa ao recorrente e a MA a existência de um acordo e que o apoio dado pelas funcionárias AMR, APE e CCF, com as quais colaboraram FMN e CSS foi prestado dentro do horário de trabalho; pontos E.29 e E.30 na parte em que imputa a MA o objetivo de conferir vantagem ao aqui recorrente e a violação do dever de sigilo a que estava obrigada e, ainda, na parte em que o questionário “iria ficar disponível online quando o concurso abrisse”; ponto E.36 na medida em que imputa a MA a alteração de documentos de acordo com os conhecimentos que, enquanto membro do júri da CReSAP, possuía relativamente àquilo que era essencial demonstrar no concurso, tendo em conta as percentagens já definidas para cada um dos itens do perfil em que ela própria tinha participado enquanto júri do concurso; ponto E.49 na medida em que imputa ao recorrente a renovação do grupo de trabalho, o qual, com a ajuda da arguida MA, continuou a preparar a candidatura daquele nos termos em que o fizera anteriormente; ponto E.60 na medida em que imputa ao recorrente AF o posicionamento numa situação de vantagem concorrencial perante os restantes candidatos, bem como imputa a MA ter violado dos deveres de isenção e sigilo a que estava obrigada; ponto E.61 na medida em que o tribunal a quo dá como provado que o documento denominado Perfil de Competências Comportamentais era um documento estritamente confidencial; ponto E.67 na estrita medida em que o procedimento de extração da cópia em papel do resultado do teste Análise do Perfil Pessoal foi alterado de forma a facilitar a consulta pelos membros do júri; ponto E.68 na medida em que imputa a MA o facto de ter tido acesso à Análise do Perfil Pessoal do Recorrente antes da entrevista, em data não apurada, mas entre o dia 4 e a manhã do dia 7 de fevereiro de 2014, bem como tivesse obtido indevidamente o resultado da prova; ponto E.71 na medida em que imputa a MA ter, durante a entrevista e com o objetivo de se antecipar a outro membro do júri na colocação da questão, confrontou o recorrente AF, colocado a pergunta relativa ao estado de frustração, cuja resposta este tinha preparado com antecedência; e ponto E.xvii na medida em que imputa ao recorrente e a MA terem garantido que dificilmente haveria outro concorrente com perfil semelhante, aquando da elaboração dos requisitos do cargo no concurso para Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", todos estes da pronúncia; e ponto E.150 da contestação do recorrente, na estrita medida em que os requisitos preferenciais não foram elaborados por e para o recorrente;
- relativamente aos núcleos E4 e E7 (este último repetido aqui), são ainda os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada considerados incorretamente julgados: . ponto E.79 na estrita medida imputa ao recorrente e a MA a existência de um acordo; . ponto E.81 na estrita medida em que imputa ao recorrente a emissão de uma ordem a AFF para que suspendesse a publicação da deliberação; . ponto E.82 na medida em que imputa ao recorrente o objetivo de manipular o resultado do concurso; ponto E.83 na medida em que resultou provado que, pese embora o pedido do recorrente, o envio dos documentos para publicação em Diário da República do Aviso da Proposta de Designação dos candidatos que o Júri propôs não foi sustido; . ponto E.85 na medida em que imputa ao recorrente o objetivo de condicionar o sentido da decisão já proferida pelo júri, bem como o facto de ter evitado a publicação; . ponto E.86 na estrita medida em que imputa ao recorrente determinada conduta que não resultou provada; . ponto E.87 na medida em que imputa ao recorrente um estado de frustração por não ter logrado influenciar a decisão de JM ; ponto E.xxi na medida em que resultou provada a "vontade" da Secretária-Geral do Ministério da Justiça para integrar CF no cargo de Chefe de Divisão do Sector de Administração de Recursos Humanos, por a considerar uma excelente funcionária e, por isso, uma ótima aquisição para o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", e o recorrente tratou de saber se a escolha estava devidamente fundamentada, para que não se viesse a acusar o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." de estar a favorecer o candidato oriundo da casa, e em caso de reclamação ou recurso estar o concurso devidamente blindado, e ainda para não se gerarem conflitos institucionais entre o "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e a Secretária-geral, e de forma integral, os pontos E. 84, E.134 e E.137;
- relativamente aos núcleos E6 e E7 (este último também repetido aqui), são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto provada considerados incorretamente julgados: . ponto E.102 na medida em que imputa ao recorrente e MA a existência de um acordo, que o primeiro aceitou, em colaborar com a arguida MA, satisfazendo pedidos de colocação de pessoas próximas desta ou que de alguma forma lhe pudessem vir a ser úteis; . ponto E.103 na medida em que indica HM como sendo “um desses casos”; . ponto E.111 na medida em que imputa ao recorrente e MA a existência de um acordo de troca de favores recíprocos, em dezembro de 2013, e que o primeiro aceitou para que fizesse uso do seu poder de influência junto do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, a fim de que este favorecesse HM num concurso para Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna; . ponto E.112 na medida em que imputa a MA ter sugerido ao Recorrente que envidasse esforços no sentido de HM, interessado no cargo, nele fosse provido; ponto E.116 na medida em que imputa a MA ter insistido com o recorrente para que falasse pessoalmente com o Ministro da Administração Interna, para que visse lá aquilo para o HM; . ponto E.117 na medida em que imputa ao recorrente a execução do acordo firmado com a arguida MA, bem como o facto de o recorrente ter abordado o arguido MM novamente, alertando-o para o interesse que tinha em que HM fosse provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna; . ponto E.118 na medida em que imputa a MM ter referido ao recorrente que o concurso para o cargo seria organizado pela CR e SAP, pedindo-lhe que o fosse alertando para a situação; . ponto E.119 na medida em que imputa ao recorrente ter dado conta a arguida MA da conversa que, segundo o acórdão teria tido com MM ; ponto E.121 na medida em que imputa ao recorrente ter dito a HM que iria dar uma palavrinha ao MM, referindo-se ao arguido MM; ponto E.123 na medida em que imputa ao recorrente ter continuado a endividar esforços com o objetivo de HM ser provido no cargo de Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna, tendo mesmo enviado o Curriculum deste último ao arguido MM, a isso aludindo em conversa que com este manteve em 4 de fevereiro de 2014; e de forma integral, os pontos E.133, E.135, E.136; e
- relativamente aos núcleos E6 e E7, são os seguintes os concretos pontos da matéria de facto não provada que o mesmo recorrente considera incorretamente julgados: . ponto j) na medida em que resultou provado que o recorrente nada pediu a MM..
Faz alusão aos seguintes meios de prova para considerar que esses factos foram incorrectamente julgados como provados ou não provados pelo acórdão impugnado:
- declarações deste 1.º arguido, aqui recorrente, da 15.ª arguida (MA) e do 16.º arguido (MM );
- depoimentos testemunhais de MAN e FMN (secretárias do 1.º arguido), JAC e NC (motoristas do IRN), FFS, APE, PTC (ex. Ministra da Justiça), MRP, JM, JB, MMS, JR, FMN, CCF, MAN, IS, LPN, SF, IMN, AFF, HM e FA;
- documentos, como o Regulamento do uso de veículos do IRN, o aviso de abertura de concurso (Apenso de Busca 13, doc. 7, fls. 16-17v.), e a Acta de Janeiro de 2014 do Conselho Directivo do IRN; e às
- transcrições das intercepções telefónicas ou das comunicações electrónicas, como as referentes às intercepções telefónicas Apenso C, Volume I, fls. 2, Apenso C Volume II, fls. 654-655 e fls. 652 (AF/JM), Apenso C, Volume I, fls. 148-150, e Apenso C, Volume I, fls. 157 (AF/MA), aos sms’s Apenso C, Volume II, fls. 644, Apenso C, Volume II, fls. 697, e ao e-mail Apenso P, Relatório 1, fls. 128.
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Por seu turno, a (15) arguida MA, para além do mais apreciado e a apreciar da sua motivação de recurso, impugna os factos ou segmentos de facto:
- considerados provados no §1537, § 1552, § 1553, § 1554, § 1555, § 1556, § 1557, § 1558, § 1561, § 1562, § 1563, § 1564, § 1565, § 1567, § 1568, § 1575, § 1576, § 1577, § 1578, § 1584, § 1591, § 1597, § 1599, §1603, §1608, §1609, §1612, § 1616, § 1617, § 1618, § 1619, § 1627, § 1629, § 1631, § 1632, § 1633, § 1636, § 1638, § 1639, § 1641, § 1649, § 1650, § 1663, § 1664, § 1669, § 1675, § 1683, § 1684, § 1685, § 1686, § 1687, § 1688, § 1689, § 1690, § 1691, § 1692, § 1693 da pronúncia (assim numerados nesta motivação de recurso); os factos da contestação do arguido AF onde se deu como provado que o mesmo “tratou de auxiliar a Secretária-Geral do Ministério da Justiça e a pedido desta, remetendo o correio electrónico de 16 de Outubro de 2013, contendo os requisitos preferenciais que deveriam ser submetidos, bem como o facto onde se deu como provado “Considerando o apoio por parte da Secretária-Geral à candidata CF ”, consultou o Dr.JM, Vice-Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." tentando aferir acerca da escolha feita e na parte em se deu como provado que reportou ao Dr.JM o “interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.”, o facto onde se consignou que “Mais uma vez, a par do que já havia acontecido, o arguido AF anuiu à recomendação emanada pela Secretária Geral do Ministério da Justiça com o peso institucional que detinha”; o facto provado no sentido de que “A CReSAP terá indicado os elementos que integrariam a shortlist do procedimento concursal para o cargo de Vogal do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".; o facto provado no sentido de que “Na sequência de um pedido efectuado pela arguida MA, o arguido AF deu conhecimento ao arguido MM, sem no entanto pedir o que quer que fosse, que o Dr.HM estava a concorrer ao cargo de Director Geral das Infra-estruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna;
- na parte em que deu como não provado que “Não houve qualquer acordo estabelecido entre o arguido AF e a arguida MA” e que “Nem o arguido AF pediu ao então ministro para falar com o seu Secretário de Estado, nem o arguido MM, como é óbvio, se comprometeu a fazê-lo”; e
- ainda, no facto de o tribunal a quo ter considerado erroneamente serem insusceptíveis de prova os factos vertidos nos §§ 1561, 1566, 1569 e 1594, da pronúncia, os quais deveriam ter sido dados como provados.
Faz alusão aos meios de prova seguintes para considerar que esses factos foram incorrectamente julgados como provados ou não provados pelo acórdão impugnado:
- declarações em ambos os arguidos/recorrentes (1) AF e MA;
- depoimentos das testemunhas CF, LGP, HM, MAN, FMN, JM, JB, LPN, MMA, IMN, JCE, SF, CCF, APE, JR, AFF, PTC, MMS, FFS, PLG, RMM e DEP;
- documentos relativos ao Apenso P, relatório 1, fls. 131-144, 154 e 309 do documento 1 do apenso de Busca 32 e doc. 2 junto com a contestação do (1) arguido AF;
- transcrições das intercepções telefónicas ou de comunicações: . apenso C, Volume II, fls. 652, 654 e 655, e . apenso C, Volume II, sessão de 15/1/2014, alvo 62001060, fls. 495.
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No que respeita a estes recorrentes, os arguidos condenados em 1.ª instância (1) AF e (15) MA, podemos desde já alinhar algumas ponderações genéricas sobre a argumentação expendida nas suas motivações de recurso e melhor sintetizadas nas respectivas conclusões, que dizem respeito ao contexto em que os diversos meios de prova por eles invocados devem ser compreendidos.
Sem antes deixar de nos pronunciar sobre a questão prévia que o Ministério Público suscita na resposta a ambos os recursos destes arguidos, dizendo que os mesmos não cumpriram o formalismo consignado no art.º 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Tem razão o Ministério Público quando afirma que não basta ao recorrente na impugnação da decisão por erro de julgamento de facto proceder à delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos que considera incorrectamente julgados, tem ainda que proceder à especificação das provas e fazer referências ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida.
Como já acima exposto, no nosso modelo recursivo do processo penal, em que a instância de recurso não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a uma correcção cirúrgica de erros de procedimento ou de julgamento, a nossa lei processual impõe ao recorrente que impugne a decisão proferida em matéria de facto a obrigação de proceder a uma tripla especificação (n.º 3 do art.º 412.º do Código de Processo Penal):
- especificação dos “concretos pontos de facto”, que se traduz na indicação necessária dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados;
- especificação das “concretas provas”, o que só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida; e
- especificação das provas que devem ser renovadas, o implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em primeira instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no Art.º 410.º, n.º 2, do CPPenal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. Art.º 430.º do mesmo Código).
Porém, demonstra-se patente que tanto o (1) arguido AF como a (15) arguida MA cumpriram esses requisitos impugnatórios, na especificação (ou seja, a indicação separada e individualizada) dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, bem como na enunciação dos elementos de prova que impõem ao tribunal uma decisão diversa, mediante a transcrição ou a indicação precisa do princípio e do fim dos trechos ou passagens de todas as gravações que considerou relevantes (art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 5, do Código de Processo Penal).
Aliás, a compreensão desses mesmos pressupostos levou o Ministério Público a proceder a uma resposta também especificada e enunciada à motivação e conclusões retiradas pelos aqui recorrentes, tanto dos pontos da matéria de facto bem como das provas (indicadas pela sua concretização) que foram apreciadas pelo tribunal e que na perspectiva dos recorrentes mereceria uma outra valorização (para a prova ou não prova dos factos em causa).
E, passando desde logo à apreciação da impugnação da matéria de facto considerada provada e não provada, diríamos que aquilo que os recorrentes caracterizam como suposições ou justificações intoleráveis do tribunal de julgamento, são afinal um esforço mais do que razoável de entender as percepções dos declarantes e das testemunhas no contexto complexo em causa, da actividade de administração pública e governativa assumida por ambos os arguidos, com um acervo documental retirado dos meios de obtenção de prova deveras assinalável (e que fica bem descrito na fundamentação fáctica já desenvolvida na abordagem antecedente dos diversos recursos do Ministério Público).
Ora, e não obstante isso, os mesmos recorrentes, como veremos, vêm invocar as suas próprias declarações prestadas em julgamento, bem como alguns depoimentos de testemunhas, quando é certo que tais declarações e depoimentos se mostram contrariados, como veremos, por outros meios de prova, nomeadamente pela transcrição das intercepções telefónicas, bem como pela análise dos suportes digitais constantes do Apenso L, os quais, na sua globalidade, não podem deixar de funcionar como elementos de aferição probatória quer das declarações prestadas pelos arguidos, quer dos depoimentos das testemunhas, na medida em que tais conversas e comunicações não só foram estabelecidas também entre os arguidos aquando das intercepções telefónicas como ocorreram natural e temporalmente muito antes das declarações e depoimentos prestados em julgamento.
Sendo inquestionável que a decisão da matéria de facto do tribunal colectivo decorre de uma ponderação global, envolvendo não só o resultado da prova por declarações, por depoimentos, por documento ou perícia, mas de elementos indiciários ou de prova indirecta.
Surge-nos também como inequívoco que a discordância dos arguidos recorrentes perante a decisão do tribunal colectivo em matéria de facto incide sobre a valoração dos elementos de prova entendidos na doutrina e jurisprudência como de prova indiciária, indirecta ou circunstancial.
A prova indirecta assente na ideia de recurso pelo tribunal aos indícios e a inferências indirectas para chegar à conclusão da autoria dos factos pelo arguido. Contrapõe-se à prova directa dos factos e do palco dos meios clássicos da prova.
Prova indirecta é a que tem por objecto os factos indirectos ou indiciários. Conforme critério já exposto por Bentham, “uma prova é directa, positiva, imediata, quando é de tal natureza que (admitida a sua exactidão) leva em si mesma à convicção da coisa que se pretende provar.
Uma prova é indirecta ou circunstancial quando é de tal natureza (admitida a sua exactidão) que não pode, apesar dela, chegar-se à convicção da coisa que se quer provar a não ser por via de indução, de raciocínio, de inferência” – assim, Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales, traduzida do francês por Manuel Ossorio Florit, Granada: Editorial Comares, SL-2001, p. 311.
Com efeito, a prova segura dos factos relevantes tanto pode resultar da valoração de um meio de comprovação imediata e directa dos eventos materiais da vida real como a confissão do arguido, o depoimento de uma testemunha presencial, como também de um raciocínio lógico e indutivo com base em factos ou acontecimentos “instrumentais” ou “circunstanciais”, mediante a aplicação de regras gerais empíricas ou de máximas da experiência (artigos 124º a 127º do Código de Processo Penal e quanto à utilização de presunções como meios lógicos ou mentais para a descoberta dos factos, os artigos 349º e 351º do Código Civil).
A lei processual penal não regula os pressupostos específicos para o funcionamento ou procedimento da prova indiciária ou por “presunção probatória”, mas, salvo melhor entendimento, podemos afirmar que a jurisprudência e a doutrina coincidem nos seguintes critérios[300]:
Os indícios constituem os factos–base, alcançados a partir de provas directas (testemunhais, periciais, documentais, etc.) e sob plena observância dos requisitos de validade do procedimento probatório. Indício será assim “qualquer coisa, circunstância ou comportamento considerado como significativo pelo juiz que dele poderá retirar conclusões relativas ao facto probando” (Patrícia Silva Pereira, op.cit. p 54).
O núcleo do raciocínio que está na base da prova indirecta, de acordo com o qual o julgador relaciona uma circunstância (o factum probans ou facto probatório) com o facto que se pretende provar (o factum probandum ou facto a provar), encontra-se nas regras em função das quais o julgador pode fazer as inferências que ligam esses dois factos. Como diz, por todos, Michele Taruffo, as regras mais habituais são generalizações fornecidas pelo – e justificadas no – senso comum, na experiência ou na cultura média existente na época e no lugar onde é tomada a decisão. Estas são as regras conhecidas por máximas de experiência. Assim, M. Taruffo, em La Prueba, Madrid: Marcial Pons, 2008, a pp. 104-108.
A partir desses factos-base e mediante um raciocínio lógico e dedutivo, deve poder estabelecer-se um juízo de inferência razoável com o facto ou factos a provar.
Este juízo de inferência deve revelar-se conforme com as regras de vida e de experiência comum – ou seja de normas de comportamento humano extraídas a partir da generalização de casos semelhantes - ou com base em conhecimentos técnicos ou científicos, comummente aceites.
Apesar de se basear em critérios generalizantes, esse juízo de inferência deverá ter em consideração o concreto contexto histórico em que se inserem os factos individualizados, com a concorrência de todas as especificas circunstâncias aí relevantes. Como escreveu Castanheira Neves “As regras de experiência, os critérios gerais não serão aqui mais do que índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas apenas isso”[301]
Assim, a eficácia probatória da prova indiciária depende da existência de uma ligação precisa e directa entre a afirmação base e a afirmação consequência, por forma a permitir uma conclusão segura e sólida da probabilidade de ocorrência do facto histórico probando;
Embora se admita a eventualidade da existência de apenas um indício, desde que veemente e categórico, entende-se necessário que os factos indiciadores sejam plurais, independentes, contemporâneos do facto a provar, concordantes, conjugando-se entre si e conduzindo a inferências convergentes.
A capacidade demonstrativa da prova indicaria não pode ser determinada pela análise isolada de cada indício ou facto base, nem de uma forma meramente formal. Com efeito, os indícios recolhidos devem ser todos apreciados e valorados em conjunto, de um modo crítico e inseridos no concreto contexto histórico de onde surgem.
Nessa análise crítica global, não podem deixar de ser tidos em conta, a par das circunstâncias indiciadoras da responsabilidade criminal do arguido, também, quer os indícios da própria inocência, ou seja os factos que impedem ou dificultam seriamente a ligação entre o acusado e o crime, quer os “contra-indícios”, ou seja os indícios de teor negativo que a partir de máximas de experiencia, enfraquecem ou eliminam a conclusão de responsabilização criminal extraída do indício positivo. Neste sentido, “só após o sopesar das provas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno e só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária - quando é este tipo de prova que está em causa - pode alicerçar a convicção do julgador” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2012, proc.233/08.1PBGDM.P3.S1).
Independentemente das críticas ao uso destas regras no âmbito da prova indirecta e à falta de precisão sobre a respectiva noção e o modo como podem ser operativas e fiáveis, parece-nos ser de aceitar a conclusão de M. Taruffo segundo a qual, “… não há dúvida que o julgador tem que basear-se no seu background de conhecimentos e em noções do senso comum para poder estabelecer uma conexão significativa entre o factum probans e o factum probandum”.
Trata-se de uma questão com grande alcance pragmático. A prova indirecta passou a ser o tipo de prova por excelência ou regra na criminalidade mais complexa, isto é, na criminalidade de índole económico-financeira, na criminalidade organizada e nos delitos contra o Estado (onde se enquadra a corrupção).
O apelo à prova indiciária as imposições relativas ao combate a novos tipos de criminalidade em que os sinais, ou indícios, são factores essenciais para descodificar situações complexas nas quais surgem formas de actuação criminosa até agora quase desconhecidas.
À sofisticação do crime deve corresponder uma sofisticação da justiça. Falamos dum âmbito criminal em que é difícil a produção de prova, envolvendo a especificidade inerente a um universo multifacetado em que o crime económico bem como o crime organizado se entrecruzam (v.g. seguir o dinheiro e deslindar o circuito de branqueamento de capitais).
A resistência à admissibilidade da prova indirecta, ou a sujeição da prova indiciária a critérios de exigência inultrapassáveis, pode conduzir a uma justiça formal, sem correspondência com a realidade.
A utilização de presunções naturais ou judiciais, em articulação com o princípio da livre apreciação da prova, não colide com este outro princípio da presunção de inocência do arguido. Tais presunções judiciais, tal como se deixa aqui defendido, terão de basear-se em factos estabelecidos por prova directa (qualquer que seja a sua natureza).
Certo que em processo penal não basta que a hipótese colocada pela acusação seja provável ou mesmo a mais provável, pois o princípio da culpa e da presunção da inocência exigem que o tribunal de julgamento decida para além de toda dúvida razoável com base em meios de prova efectivamente produzidos (ainda que indirectamente, ou seja, versando sobre factos indiciários ou indirectos), sendo certo que qualquer arguido tem direito a não colaborar na descoberta da verdade e, portanto, na sua incriminação, cabendo ao tribunal assegurar que a sua decisão sobre a factualidade assenta na certeza processualmente possível e, assim, exigível, escorada em prova efectivamente produzida – assim, o acórdão do TRE de 19/2/2013, processo n.º 425/09.6GEPTM.E1[302]. Confronte-se, também, sobre a prova indirecta, o acórdão do STJ de 12/3/2009, processo n.º 09P0395[303].
Se existe a possibilidade razoável de uma solução alternativa, ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-á sempre aplicar a mais favorável ao acusado.
O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais em matéria penal, tendo concluído que a prova de um facto em resultado do funcionamento de uma presunção é compatível, em processo penal, com uma presunção geral de inocência e com o princípio in dubio pro reo[304], entendimento mais recentemente retomado no Acórdão n.º 521/2018, de 17/10/2018[305].
Neste entendimento, quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma directa atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo.
O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do arguido.
Meios probatórios que agora o tribunal de recurso não deixou também de verificar e de confirmar com o mesmo juízo probatório do tribunal a quo e que faria qualquer pessoa de bom senso e razoabilidade contextualizada no universo público, governativo e de administração pública aqui em apreço.
Tal como advoga o Ministério Público na sua resposta, a transcrição das intercepções telefónicas, bem como a análise dos suportes digitais constantes do Apenso L, não só têm valor probatório de per si, como permitem também, em termos de análise probatória (prova indirecta), aferir e concluir se os arguidos e as testemunhas apresentam ou não versões diferentes (ou “narrativas” explicativas diferenciadas) das que decorrem das conversas telefónicas ou das comunicações interceptadas anteriormente, tudo devendo passar, nessa decorrência, pelo crivo da livre apreciação da prova.
Como se constata da análise da fundamentação probatória do acórdão aqui impugnado, a prova assente na documentação (designadamente resultante das buscas) e nas intercepções telefónicas e de correio electrónico é numerosa e elucidativa no seu conjunto (integrado), permitindo a sua valorização e a comprovação da factualidade essencial dos segmentos probatórios aqui impugnados (núcleos B e E, respectivamente).
Sendo de relevar que as conversas que decorrem das intercepções telefónicas e do correio electrónico que ocorreram antes destes arguidos terem sabido que estavam sob escuta (finais de Fevereiro de 2014/ meados de Março de 2014) são impressivas no seu à vontade, daí que quanto aos concursos da CRESAP e do IRN, ou seja, quanto ao Núcleo E da pronúncia, as intercepções ganham um relevo fundamental, em conjugação com a documentação apreendida devidamente assinalada no acórdão (matéria de facto provada) e em alguns depoimentos testemunhais mais isentos e objectivos, como é o caso do da testemunha JB..
Saliente-se, ainda, que no decurso destas suas impugnações, ambos os aqui recorrentes salientam que se encontram em contradição alguns dos enunciados fácticos inscritos no acórdão, do que deveria resultar a consequência de algum ou de ambos se encontrar incorrectamente julgados como provados ou não provados.
Tratam-se, no entanto, de questões que foram oportunamente conhecidas, nesta instância de recurso, por este tribunal de recurso, a propósito dos alegados vícios decisórios da contradição insanável na fundamentação. A matéria encontra-se, assim, devidamente apreciada anteriormente, com algumas correcções consideradas pertinentes já determinadas.
Pelo, tendo em conta o teor das impugnações da matéria de facto realizadas por estes dois arguidos, vamos percorrer as diversas situações factuais em causa:
- No que respeita ao Núcleo B.
. Quanto ao acordo celebrado entre o Recorrente e os co-arguidos Z e ZB..
O (1) arguido AF sustenta que da produção de prova realizada no julgamento não resulta que tenha existido qualquer acordo com o sentido descrito nos mencionados pontos de facto.
Consideramos, contudo, que não existe qualquer erro de julgamento por parte do tribunal a quo, neste âmbito.
As declarações deste arguido, prestadas em audiência de julgamento, encontram-se em contradição nítida com as transcrições das intercepções telefónicas constantes expressamente do acórdão recorrido e que apontam claramente para o estabelecimento de um acordo entre este recorrente e os co-arguidos Z e ZB. Com a expressa relevância para as transcrições constantes de fls. 1636, 1642, 1650 a 1651, 1656 a 1659, 1664 a 1668, 1672 a 1684, 1686, 1691, 1695 a 1700, 1702 a 1712, 1726 a 1729, 1750 a 1757, 1783 a 1789, 1798, 1804 a 1809, 1811 e 1821 a 1839 do acórdão recorrido.
Basta aqui recordar o telefonema (22/4/2014, pelas 16 horas) entre este recorrente e o co-arguido Z, na qual aquele refere que já tinha chegado (De Riga, Letónia) mas que ia para Coimbra, no entanto o outro co-arguido disse-lhe que como no dia seguinte iria para a China, nesse dia ainda teria que vir ter com ele porque tinha uma coisa muito importante para os dois (para nós), o que fez com que o recorrente (acabado de chegar de férias de Páscoa em Riga) se tivesse encontrado ainda nesse mesmo dia com o co-arguido Z, sendo que foi a própria esposa do Recorrente que, minutos mais tarde, telefonou a Z e informou-o que a hora do encontro seria às cinco e um quarto no IRN (cfr., a tal respeito, as sessões 13069 (dia 22/4/2014, 16.10 horas) e 13086 (mesmo dia, 16.23 horas) do Alvo 63125040 - Z (Apenso D).
Como se demonstra evidente, as declarações dos arguidos, pelo seu natural pendor defensivo, terão de ser sujeitas a um crivo de exame crítico e devidamente confrontadas na conjugação de todos os meios de prova, nomeadamente das referidas transcrição das intercepções telefónicas e correio electrónico.
A mesma integração deve ser realizada quanto aos depoimentos testemunhais relevados, designadamente das testemunhas CSS e FMN, na conjugação com os restantes meios de prova, nomeadamente com a transcrição das intercepções telefónicas e correio electrónico.
Nestes termos, e atendendo-se à globalidade da prova produzida, nomeadamente ao conjunto dos indícios e à prova produzida e indicada no acórdão recorrido, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, devemos concluir pela comprovação da matéria respeitante a este segmento probatório e não existindo razões para modificar a matéria factual correspondente.
. Quanto ao dolo e ao erro sobre a ilicitude relativamente ao crime de peculato de uso (utilização da viatura de serviço do IRN).
Assente que se encontra a comprovação do acordo estabelecido entre os dois arguidos, encontram-se razões para fazer decorrer a consciência e a vontade do recorrente no que respeita à ilicitude na utilização que fazia da viatura de serviço.
Não podendo ser seguida, do mesmo modo, a interpretação “conveniente” que o mesmo recorrente faz do Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I) com vista a fundamentar um eventual erro não censurável (especialmente na parte em que eventualmente ocultou, disfarçou aquilo que fazia ou pediu que fossem ocultadas as deslocações que fez ou mandou fazer através da viatura de serviço).
Refere o mencionado Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., no seu art.º 5.º, n.º 2, que “os veículos afectos ao IRN, I.P. apenas poderão ser utilizados no desempenho de actividades próprias e no âmbito das suas atribuições e competências, excluindo quaisquer fins particulares”, dispondo o art.º 7.º, n.º 4, que “a utilização abusiva ou indevida do veículo, em desrespeito pelas condições de utilização fixadas no presente regulamento ou noutros diplomas legais e regulamentares do PVE, constitui infracção disciplinar e deve ser punida de acordo com a legislação em vigor”.
Ora, tendo em conta em conta a comprovação do acordo e os demais factos dados como provados, também resulta devidamente provado o elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa (crime de peculato de uso), sendo que o dolo não se evidencia ou manifesta senão através dos actos exteriores ou factos demonstrativos de que o agente pretendeu e quis com a execução de uma determinada factologia atingir um fim ou resultado.
Tal matéria de facto respeitante ao elemento subjectivo da infração, mais não será do que a consequência lógica da actuação do recorrente, pois a intenção deste (neste caso o dolo) está demonstrado pelos factos objetivos que resultaram provados, sendo que, como é consabido, os factos que integram o elemento subjectivo “acontecimentos do foro interno” não são provados, por via de regra, por prova directa, antes, e na normalidade das situações, o tribunal adquire esta prova dos factos materiais e objectivos, por inferência tendo em atenção as regras da experiência comum, segundo um processo lógico racional. Assim, a intenção do agente, dolosa, retira-se com facilidade dos elementos objectivos apurados, respeitantes aos actos praticados.
Irrelevantes serão as circunstâncias de eventual acção de ocultação e/ou de disfarce ou de ocultação das deslocações feitas pela viatura, daí que, e devido a isso mesmo, as declarações do recorrente AF, bem como os depoimentos das testemunhas JAC e NC não se revestem de qualquer relevância probatória e de quaisquer reflexos jurídico-criminais. Assim como não releva se a viatura de serviço foi utilizada nos períodos das refeições do recorrente ou no final do dia, havendo isenção de horário como é natural. Importante é que foi comprovado que este recorrente utilizou e permitiu que a viatura de serviço fosse ultilizada no transporte de outras pessoas para fins alheios àqueles a que se destinava.
Vejamos. A utilização da viatura ocorreu entre 25/9/2013 e 11/9/2014, nomeadamente em data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada, em 3.1.2014 (16h30), em 6.1.2014 (14h01), em 8.1.2014, aproximadamente às 14h52, em 20.2.2014 (15h37), em 29.4.2014, aproximadamente às 17h00, em 1.9.2014, (hora de jantar) e 11.9.2014, (à hora do almoço).
Assim, fica sem sentido a conclusão de que o mesmo recorrente poderia interpretar e inferir que o mencionado regulamento nada estatuía quanto à possibilidade ou impossibilidade de utilização de viatura de serviço em áreas adjacentes ao local de trabalho, fora do horário laboral e de forma comportável no quotidiano do cidadão comum.
Nestes termos, e atendendo-se ao quadro global do conjunto dos indícios e da prova produzida e indicada no acórdão recorrido, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, diremos que existe e que foi feita a prova suficiente de que o recorrente relativamente à utilização da viatura de serviço do IRN actuou com vontade e com consciência da ilicitude dos factos praticados e dados como provados no acórdão recorrido.
- No que respeita ao Núcleo E.
. Quanto aos Núcleos E2 (acordo entre os arguidos (1) AF e (15) MA), E3 (Do procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do IRN) e E7 (Da conduta dos arguidos).
Neste ponto ambos os recorrentes (arguidos AF e MA) indicam as passagens das suas declarações prestadas em julgamento e dos depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas FFS, PTC, APE, JM, MRP, JB, MMS, JR, FMN, CCF, MAN, LPN e IS..
Ora, as declarações destes dois arguidos demonstram-se contraditórias com o acervo probatório que se pode retirar das transcrições das intercepções telefónicas e correio electrónico mencionados no acórdão recorrido, elementos probatórios que demonstram que foi estabelecido um acordo entre os recorrentes, designadamente nas transcrições constantes de fls. 1632, 1642, 1646, 1647, 1648, 1649, 1687, 1688, 1689, 1690, 1691, 1764, 1765, 1766, 1774, 1775, 1776, 1782, 1783, 1789, 1790, 1791, 1792, 1793 1794, 1795, 1796, 1797, 1798 do acórdão recorrido.
Por outro lado, o mesmo se refere quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas mencionadas em ambos os recursos aqui conhecidos (FFS, PTC, APE, JM, MRP, JB, MMS, JR, FMN, CCF, MAN, LPN e IS), pois, na verdade, os mesmos não podem deixar também de serem conjugados com os restantes meios de prova, nomeadamente com a transcrição das intercepções telefónicas e correio electrónico mencionado expressamente no acórdão recorrido, sendo que face a tal conjugaçãoas indicadas passagens de tais depoimentos também não configuram uma nova prova que imponha decisão diversa da recorrida, sendo que, além disso, a larga maioria dos depoimentos se demonstram neutrais e sem a relevância probatória que os recorrentes lhes pretendem atribuir.
Como se teve ocasião de dizer a propósito do alegado vício de falta de fundamentação do acórdão recorrido, a pp. 400-425, o mesmo acórdão descreve um extenso conjunto de factos da autoria destes arguidos AF e MA com circunstâncias muito semelhantes, sempre relacionados directamente com procedimentos de concursos para cargos de direcção superior na administração pública na CRESAP e todos localizados no tempo entre Outubro de 2013 e Fevereiro de 2014.
Esses factos envolvem o acesso e divulgação de informação reservada, atribuindo vantagens a determinados concorrentes no confronto com os demais opositores ao concurso.
É para nós indiscutível que o tribunal colectivo poderia ter sido mais elucidativo na concretização do raciocínio dedutivo entre os factos objectivos enunciados e a conclusão obtida no que se refere aos fins visados, ao propósito a que obedeceu as condutas descritas e à natureza concertada do comportamento de ambos os arguidos (cfr. página 961).
São, contudo, claras as premissas a partir das quais se desenvolve a explicação posterior que conduz à resolução do tribunal colectivo.
A aplicação de conhecimentos extraídos de muitas outras situações semelhantes pode levar a entender que todo aquele comportamento de ambos os arguidos, longe de se justificar por uma coincidência desinteressada ou por um repetido sentimento altruísta, se ficou a dever a um acordo de vontades, ainda que tácito, para a obtenção ou troca de benefícios e favores recíprocos. Esse acordo teria sido logicamente firmado em data anterior ao início dos factos aqui relevantes, ou seja, a Outubro de 2013.
E, assim, atendendo ao conjunto dos indícios e à prova produzida e mencionada na fundamentação do acórdão recorrrido, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, no alinhamento com os pressupostos da prova indirecta que teremos ocasião de salientar mais à frente, teremos de concluir que foi feita a prova suficiente de molde a terem-se dados como provados os pontos de facto referidos E.7, E.8, E.9, E.10, E.11, E.12, E.28, E.51, E.131, E.132, E.138, E.139, E.140 e E.141 e, de forma parcial, os pontos de facto E.16, E.17, E.18, E.27, E.29, E.30, E.36, E.49, E.60, E.61, E.67, E.68, E.71, o ponto de facto E.xvii, bem como o ponto de facto E.150 da contestação do recorrente AF, razão pela qual, neste particular, não deve haver lugar à modificação da matéria de facto dada como provada.
. Quanto aos núcleos E4 (do concurso a que concorreu CF ) e E7 (da conduta dos arguidos).
Os recorrentes consideram incorrectamente julgados os pontos de facto E.79, E.81, E.82, E.83, E.84, E.85, E. 86, E.87, E.134, E.137 e ponto E.xxi, na linha do atrás expendido.
Todavia, em apreciação dos meios de prova produzidos em julgamento, chegamos a uma conclusão díspar dos mesmos recorrentes e em conformidade com aquilo que o tribunal a quo veio a concluir.
Na verdade, os depoimentos das testemunhas JM e AFF, enquanto meios de prova que impõem decisão diversa na perspetiva dos recorrentes, não só se mostra contraditórios entre si, ou seja, as passagens indicadas pelos recorrentes são contrariadas por outras passagens, como também se mostra contrariado por outros meios de prova, designadamente a transcrição das intercepções telefónicas, referimo-nos, nomeadamente às transcrições constantes de fls. 1651, 1652, 1653, 1654 e 1655 do acórdão recorrido.
Assim, por exemplo, no que respeita ao depoimento da testemunha JM, a curta passagem citada do depoimento prestado na sessão de julgamento de 30/5/2017, com vista a demonstrar que a própria testemunha não considerou a solicitação do Recorrente como uma cunha mas tão só como uma preocupação com a fundamentação, tem de ser analisada no todo do depoimento, designadamente quando mais para o final a mesma testemunha refere, aos 01.34.22, que “Aceito que tenha dito isso”, e que aos 01.34.59 “Eu estava muito cansado, é provável, na parte final que tenha dito que era uma cunha, também é verdade que não tinha gostado que AF lhe tivesse perguntado isso” (ou seja sobre o concurso da oponente CF) e aos 01.36.18 e à pergunta formulada por um dos juízes adjuntos « AF ligou-lhe porquê?» a testemunha respondeu que “Foi com a intenção de ajudar a MA , a ver se punhamos uma amiga dela no IRN”.
Nesse conspecto, torna-se claro que a testemunha JM interpretou a conduta do recorrente AF como se de uma “cunha” se tratasse, aliás, isso mesmo resulta da conjugação das transcrições das intercepções telefónicas reportadas às sessões 794 e 795, 796, 797 e 804, todas feitas no dia 19/12/2013 (cfr. fls. 1651, 1652, 1653, 1654 e 1655 do acórdão recorrido), com intervalos de minutos entre si, sendo que tudo começou na solicitação feita pela arguida MA ao recorrente e acabou na informação-justificação prestada pelo recorrente à arguida MA..
Recorde-se, também assim, a solicitação inicial que a arguida MA fez ao recorrente AF “Não se esqueça da CF que concorreu a Chefe de Divisão e já foi a entrevista” (mensagem escrita reportada às sessões 794 e 795).
Também assim, no que respeita ao depoimento da testemunha AFF, há que evidenciar o seu carácter neutral, embora se deva referir que da transcrição da intercepção telefónica (cfr. fls. 1651 a 1652 do acórdão recorrido, reportada à sessão 796 de 19/12/2013, Apenso C, vol. 1, pág. 145-147) decorre que o recorrente AF ordenou a essa testemunha que “Não me mandem isso ainda. Não me mandem isso. Cuidado aí com isso” e “retenha aí por enquanto isso. Retenha aí”, sendo que as publicações acabaram por serem retidas alguns dias, como aliás resulta do depoimento da dita testemunha constante da transcrição de fls. 1356 e seguintes do acórdão recorrido.
Mais uma vez se deve salientar a conjugação dos diversos meios de prova que supera a valorização truncada que lhes é dada em ambas as motivações de recurso aqui conhecidas.
Nestes termos, na apreciação global dos meios de prova produzidos e na apreciação dos inúmeros indícios recolhidos (e as inferências que podem ser realizadas ao nível da prova indirecta, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica), e contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, diremos que existe e que foi feita a prova suficiente de molde a darem-se como provados os pontos de facto E.79, E.81, E.82, E.83, E.84, E.85, E. 86, E.87, E.134, E.137 e ponto E.xxi, razão pela qual, neste particular, não deve haver lugar à modificação da matéria de facto dada como provada.
. Quanto aos núcleos E6 (concurso para Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente HM) e E7 (da conduta dos arguidos).
Neste ponto os recorrentes limitam-se a indicar as passagens das declarações do arguido MM prestadas em julgamento, do depoimento prestado em julgamento pela testemunha HM e a analisar algumas conversas telefónicas mantidas entre si e entre o recorrente AF e o arguido MM. Tirando os mesmos meios de prova do seu contexto histórico-factual. Certo que não se podem confundir os dois concursos abertos no Ministério da Admnistração Interna (através da CR e SAP) e o lugar para Chefe de Gabinete para o Ministro da Administração Interna. Assim, na sua explicação omitem tanto o e-mail constante de fls. 128 do Relatório 1 do Apenso P que a arguida MA enviou ao Recorrente no dia 9/12/2013 e que, como assunto, tem a menção de “influência” e tem o seguinte conteúdo “A Séc. geral do MAI vai embora no fim do mês…Podia lá por o HM que quer muito…Que acha?”, como, ainda, o e-mail de fls. 136 do relatório 1 do Apenso P que a recorrente MA enviou ao Recorrente AF no dia 12/12/2013, através do qual enviou, em anexo, o curriculum de HM. Estes dois elementos probatórios marcam, dessa forma, o início do processo de influência que os Recorrentes acordaram em levar a efeito para colocarem HM como Secretário-Geral do Ministério da Administração Interna.
E-mails que deverão, mais ainda, se apreciados em conjugação com as conversas telefónicas que foram mantidas sobre tal matéria entre o recorrente AF e os arguidos MM, MA e a testemunha HM..
Assim, no dia 13/12/2013 (sessão 246, Apenso C, vol. 1. Fls. 27) MA liga a AF e pergunta-lhe se já viu o curriculum do HM e se já falou com MM. AF diz que sim e que já lhe mandou uma mensagem, mas não obteve resposta. MA diz que tem é de falar pessoalmente. AF diz que vai jantar com ele para a semana.
Depois, no dia 19/12/2013, às 18.15 horas (sessão 804, Apenso C, vol. 1. Fls. 151) a arguida MA liga ao arguido AF:
“AF: Olá Toninha
MA: olhe meu lindo você chegou a falar ao MM daquilo que eu lhe pedi?
AF: já falei, já mandei.
MA: Sabe porque é que...?
AF: Sim
MA: mas já falou pessoalmente? Já mandei ontem e hoje.
AF: falei ontem.
MA: pronto, é porque o Secretário de Estado dele vai-se embora e, portanto, a situação dele ainda é pior
AF: como é que é?
MA: O R…, o R… vai-se embora, não é? E ele depende deste Secretário de Estado.
AF: O R… vai embora?
MA: vai.
AF: Ai é?
MA: É. Agora já saiu nas notícias, portanto, saiu o F…, a R… e um do MM, aquele do CDS.
AF: O F…?
MA: Sim.
AF: Ainda não ouvi isso.
MA: Não, pronto, agora já saiu, mas eu já sabia, mas saiu já nas notícias tá a dar aí na TSF e em todo o lado.
AF: O nosso Secretário de Estado também já saiu?
MA: O nosso Secretário de Estado, o FLA e o, e o R…, são os três, e, portanto, o HM depende do R… que mais ou menos tinha isto garantido com o R… porque gostava dele, portanto já está até no concurso da CReSAP, ahh mas agora não se sabe quem vem por aí, não é?
AF: mas que raio que mudanças. Ontem estive com o MM, não me disse nada.
(…)
MA: está bem, mas pronto eu até julguei que você soubesse
AF: (…) eu vou estar com ele daqui a um bocadinho que ele vai fazer gratificado agora na, na Ucrânia, lá na embaixada da Ucrânia e eu vou estar com ele.
MA: Atão pronto.
(…)
MA: Olha, AF, então vá, veja lá isso para o HM, pá, atão o homem só fica bem servido, não deve ter ninguém para lá, ele nem para Secretário de Estado tem quanto mais para o resto.
FA: sim, sim, sim, mas eu dei-lhe uma palavrinha, volto a falar outra vez com ele sobre isso.
MA: é? Pronto
AF: Tudo bem, é”.
No mesmo dia 19/12/2013, às 20.02 horas (sessão 813, Apenso C, vol. 1. Fls. 156), AF liga para MA e diz-lhe que está a sair da Embaixada da Roménia, onde esteve com o Dr. MM. AF pergunta se o HM vai concorrer ao concurso da CReSAP. MA pergunta para que concurso.
AF diz que não sabe e pergunta de novo se está na CReSAP. MA diz que não sabe porque não vê todos os concursos que abrem. AF diz que ele (MM) disse que está na CReSAP e para o ir lembrando e que trata disso assim, mas que o perfil está muito aberto. MA diz que acha estranho porque a mulher saiu agora. MA diz que vai ver e que depois diz alguma coisa.
No dia 10/1/2014, às 11.15 horas (sessão 3475, Apenso C, Vol. II, Fls. 476-478), AF recebe uma chamada de HM e pergunta-lhe se vai concorrer ao MAI. HM diz que sim mas que ainda não saiu e AF diz que se estiver interessado dá uma palavrinha ao MM. HM agradece.
HM convida AF para jantar e este pergunta quem vai. HM diz que falou com o Ju… e que ligou para o A…. Diz que vai ligar ao H… e ao C…, os habitués do costume.
Assim, e relativamente ao concurso aberto no Ministério da Administração Interna, o recorrente AF e HM mantiveram a seguinte conversa:
“AF: olha, concorreste ao MAI? Concorreste ao MAI ou não?
HU: Ainda não saiu.
AF: Não?
HU: Não. Ainda não há nada.
AF: mas vai sair, não é? Mas aquilo vai sair?
HU: vai sair, vai.
AF: eu depois..., se tiveres interessado, depois dou lá uma palavrinha ao MM.
HU: está bem, pá.
AF: está bem?
HU: ok, obrigadinho, pá”.
No dia 11/1/2014 (sábado), às 10.46 horas (sessões 4097 e 4098, Apenso C, Vol. II, Fls. 488 e 499), o recorrente AF recebe uma mensagem escrita da recorrente MA com o seguinte teor: «o concurso para séc. geral do mai já saiu ... não se esqueça do nosso amigo bjs».
Nesse mesmo dia, às 12.12 horas (sessão 4113, Apenso C, Vol. II, Fls. 490), o recorrente AF responde a MA, enviando-lhe a seguinte mensagem «Já vi e já falei com o HM, bjos».
No dia 4/2/2014, às 20.35 horas (sessão 16058, Apenso C, Vol. II, Fls. 669 e seguintes), MM liga ao recorrente AF e, entre o mais, falam no seguinte:
«(…)
AF - Oh pá hoje fui fazer os testes lá aquela porcaria da CReSAP.
MM - Ah, isso é bom.
AF - É, é muito bom. E sexta-feira vou à entrevista com o (imperceptivel).
MM - Está certo.
AF - Ai meu Deus. Metem-me em cada uma nesta idade. Mas vá lá se eu tenho idade para andar agora aqui, a sujeitar-me a fazer testes...e não sei quê.
MM - AF...
AF - Então?
MM - AF, olhe uma coisa, você não tem nenhuma sugestão boa para o meu Chefe de Gabinete?
AF - Para Chefe de Gabinete?
MM - Sim.
AF - Ainda não tem? Depois daquela situação.
MM - Não.
AF - Não?
MM - Duas pessoas com quem falei não aceitaram...
AF - Eu já lhe mandei...eu já lhe mandei aquele currículo para aquela situação lá da secretaria e não sei quê? Do...daquele amigo da MA que está na PCM (??)?
MM - Oh pá isso estão a decorrer os concursos porra!
AF - Ele concorreu, ele concorreu também.
MM - Agora...o processo (imperceptível) está de braços caídos à espera que os gajos mandem alguma coisa.
AF - Claro. Então não tem ninguém para Chefe de Gabinete ainda?
MM - Não.
AF - Ninguém, ninguém?
MM - Não.
AF - Não?
MM - Falei com duas pessoas que não aceitaram.
AF - Ai é? Deixe-me.… sou capaz de arranjar uma pessoa boa, sou. Deixe-me fazer aí uma sondagenzinha...(imperceptivel).
MM - (imperceptivel).
AF - Quer homem ou quer mulher? É indiferente...seja bom.
MM - Isso é verdade.
AF - Diga-me uma coisa...
MM - Se (imperceptivel)...as duas coisas...
AF - Como é que tem estado a ACR?
MM - Você...o pá não sei, não tenho...encontrei-a...a última vez que estive, que falei com ela foi no Estádio da Luz, veja bem. No dia do jogo do Benfica-Porto. (Imperceptivel).
AF - Pois ela contou-me, mandou-me uma msg, que (imperceptivel)...mais vezes, este ano. Ela tem estado a dar um bom contributo ou não? Ela é uma boa jurista. Atenção.
MM - Não tenho paciência para aturar. Sabe que eu, não...muitos rodriguinhos não.
AF - Hmm. Dar tempo a perder.... Então, mas eu posso-lhe ver isso rapidinho.
MM - Você tem aí tanta gente...
AF - Pois tenho, pois tenho. E é capaz de haver, sou capaz de encontrar aí alguém.
MM - Uma Conservadora...
AF - Mas que seja alguém por quem eu me possa atravessar, no sentido de ficar bem servido. Senão não vale a pena.
MM - Pois claro. Isso sim, para me chatear...
AF - Essencialmente Isso. Também anda com azar aí com essas coisas, já viu?
MM - Fogo...
AF - É o Secretário de Estado, é o Chefe de Gabinete.... Tem que ir à bruxa mesmo, que coisa. Mas pensei que já estava, já tinha resolvido isso.
MM - Não, não tenho.
AF - Ao fim deste tempo todo...
MM - Não.
AF - Ai é? Então deixe estar que eu entre...mais um dia ou dois sou capaz de lhe indicar uma ou duas pessoas. Penso que sim, penso que sim.
(…)”.
Por outro lado, e ainda no que concerne ao concurso de HM para Secretário-Geral do Ministério da Administração interna, há que atender ainda às mensagens referenciadas a fls. 229 a 231 do Apenso L (análise de suportes digitais).
No dia 21/4/2014 a recorrente MA envia mensagem ao recorrente AF com o seguinte teor: “Já foi à entrevista, mas é urgente falar com MM” e AF responde “Ok. Amanhã falo”. MA pergunta: “Hoje não? Parece melhor”. (fls. 231).
No dia 22/4/2014, o recorrente AF recebe uma mensagem do contacto registado como HM - MA: “HM ”. (fls. 231).
No dia 27/4/2014, AF recebe mensagem de MA com o seguinte teor: “Sabe alguma coisa do HM? Ele está ansioso e eu não sei que dizer bjs” e AF responde “MA já falei pessoalmente. As perspectivas não são as melhores. Amanha falamos. Bjinhos”. (fls. 229).
No dia seguinte MA pergunta: “Então não vale a pena ir hoje à SG deles?” e AF responde “É melhor ir”. MA diz: “Para passar vergonha? Acha mesmo?” e AF diz “sim. Pode ser que corra melhor e o entrevistador seja outro”. MA diz “As competências são do mesmo... Fale com o HM”, AF diz “OK”. MA dá-lhe o número do serviço. Mais tarde AF envia mensagem a MA com o seguinte teor: “Já falei com o HM. Não quer ir hoje a entrevista, bjinhos”. (fls. 229).
Pelo que o que se retira é que o objectivo seria colocar o identificado HM como Secretário-Geral do Ministério da Administração interna e não como Chefe de Gabinete do Ministro da Administração Interna.
Por outro lado, tal como se pode concluir da conversação telefónica mantida entre o recorrente AF e o arguido MM e que o mesmo recorrente transcreveu parcialmente na sua motivação de recurso, e não obstante o arguido MM ter dito ao recorrente se o mesmo não tinha nenhuma sugestão boa para seu Chefe de Gabinete, o que resulta dessa conversação é que o recorrente ficou de indicar um nome para chefe de gabinete e que não era HM. Mais, o que resulta de tal conversação telefónica é que, a par da questão relativa ao chefe de gabinete, o recorrente aproveitou para falar ao arguido MM na situação do HM, dizendo-lhe que já lhe tinha enviado o curriculum e que o mesmo era amigo da arguida MA, respondendo-lhe o arguido MM que o concurso estava a decorrer e que “o processo estava de braços caídos à espera que os gajos mandem alguma coisa”, o que demonstra que o arguido MM estava a acompanhar a situação.
Daí que resulta devidamente comprovado, tal como concluiu o tribunal recorrido, que a recorrente MA pediu ao recorrente AF que envidasse esforços junto do arguido MM para que HM tivesse provimento no procedimento concursal que iria decorrer na CR e SAP, o que o recorrente AF fez, por diversas vezes, quer pessoalmente, quer por contacto telefónico, junto do arguido MM..
Por fim, há que referir que não obstante o telefonema que o HM fez ao recorrente AF no dia 10/1/2014 (sessão 3475, Apenso C, Vol. II, Fls. 476-478) ter tido como objectivo principal um convite para um jantar que o primeiro estava a organizar isso não impediu que tivessem falado no concurso da CR e SAP e que o recorrente se disponibilizasse a dar uma “palavrinha ao MM” o que HM aceitou e agradeceu antecipadamente, sendo que o recorrente no dia 4/2/2014 (sessão 16058, Apenso C, Vol. II, Fls. 669 e seguintes) não deixou de dar essa palavrinha ao arguido MM..
Nestes termos, também neste ponto, atendendo-se ao conjunto da prova produzida, na atenção às inferências próprias da prova indirecta, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, e contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, diremos que existe e que foi feita a prova suficiente de molde a darem-se como provados os pontos de facto E.102, E.103, E.111, E.112, E.116, E.117, E.118, E.119, E.121, E.123, E.133, E.135 e E.136 e como não provado o ponto j) da contestação, razão pela qual, neste particular, não deve haver lugar à modificação da matéria de facto dada como provada por aventado erro de julgamento do tribunal recorrido em matéria de facto.
O que se estende aos enunciados de formulação negativa suscitados pela recorrente MA: “Não houve qualquer acordo estabelecido entre o arguido AF e a arguida MA” e que “Nem o arguido AF pediu ao então ministro para falar com o seu Secretário de Estado, nem o arguido MM, como é óbvio, se comprometeu a fazê-lo”.
Certo também que não se verifica que o mesmo tribunal a quo tenha considerado erroneamente como insusceptíveis de prova os factos vertidos nos §§ 1561, 1566 e 1569 da pronúncia, como advogou a recorrente MA na sua motivação de recurso.
Assim, analisados tais enunciados, retira-se que os mesmos correspondem a juízos de valor ou meros enunciados de formulação negativa, nada havendo que apreciar em termos factuais sobre os mesmos.
Tal como se salientou já anteriormente a propósito dos vícios decisórios (nulidade do acórdão por aventada omissão de pronúncia), bem andou o tribunal neste ponto, pois a sua inclusão na matéria de facto provada ou não provada saldar-se-ia no acolhimento de um conjunto de fórmulas ora conclusivas, ora indeterminadas, de par com juízos de valor e de conceitos jurídicos, o que constituiria a violação aos princípios da certeza e da suficiência, consagrados nos Art.ºs 283.º, n.º 3, al. b), e 308.º, ambos do Código de Processo Penal. Por seu turno, o Art.º 374.º, n.º 2, do mesmo Código diz-nos que da fundamentação da sentença deverá constar “a enumeração dos factos provados e não provados…”.
Assim, são factos elegíveis para a fundamentação de facto da sentença os eventos da vida real que sejam pressuposto das normas legais aplicáveis, nestes se englobando quer os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior), quer os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), apreensíveis directamente pelos sentidos ou mediante a aplicação de conhecimentos extraídos da experiência comum.
Serão ainda equiparáveis aos factos, os juízos que dependem de conceitos jurídicos mas sejam do conhecimento geral e de uso corrente, como “vender”, “comprar”, ou “furtar”, desde que não sejam em si mesmo controversos.
Trata-se, pois, de um rigor que é de louvar no que respeita às passagens menos fiáveis e tecnicamente incorrectas da pronúncia.
No que respeita ao § 1594 da pronúncia (assim como do § 1595), apesar de o mesmo se constituir como factual (diz respeito à publicação de um aviso no DR II.ª série), apresenta-se como patentemente anódino relativamente à responsabilidade criminal dos arguidos aqui recorrentes.
O respeito e actuação com base no princípio da confiança no seio de organizações complexas e, em concreto, no seio da Estado, não contraria as regras de experiência comum, antes pelo contrário. Uma maior sensibilidade pelas questões relativas à dinâmica das organizações e às suas especificidades sistémicas é um pressuposto irrecusável na articulação com as regras da experiência e que são particularmente enfatizadas pelo tribunal a quo na fundamentação do seu acórdão (tanto na parte da fundamentação de facto como na parte da fundamentação jurídica).
Foi essa também a atitude do tribunal a quo, na certa a ponderação mais sensata na articulação com as regras de apuramento de verdade. Tanto no que respeita à prova indirecta (ou indiciária) que está por detrás da percepção subjectiva do conhecimento dos arguidos sobre os factos essenciais em apreço, como da extensão ou âmbito como se veio a manifestar o elemento subjectivo dolo. O que passa também pela convicção adquirida em julgamento pelo tribunal e das inferências lógicas que este utilizou para a percepção dos meios de prova e dos factos que lhe foram apresentados.
E, tal como se apurou acima, os indícios que se retiraram dos meios de prova escrutinados pelo tribunal a quo para o seu julgamento fáctico, demonstraram-se certos, numa relação espácio-temporal entre o facto base e o facto presumido, estando relacionados entre si, têm grau assinalável de convencimento, além de precisão. Sendo que as inferências em causa se baseiam em regras ou máximas de experiência assentes sobre um raciocínio directo, preciso e conciso. Os contra-indícios desenhados não demonstram como relevantes no afastamento da força probatória dos indícios reunidos.
Tal como acima se deixou dito, a transcrição das intercepções telefónicas, bem como a análise dos suportes digitais constantes do Apenso L, não só têm valor probatório de per si, como permitem também, em termos de análise probatória e enquanto elementos de aferição probatória, aferir e concluir se os arguidos e as testemunhas apresentam ou não versões diferentes das que decorrem das conversas telefónicas interceptadas anteriormente, tudo passando, naturalmente, pelo crivo do princípio da livre apreciação da prova.
O tribunal a quo indicou as provas relevantes para cada segmento dos factos e para cada arguido, tal como se faz ênfase na análise crítica da prova.
Fazendo depois o tribunal a quo a devida ponderação dos elementos indiciatórios que foram recolhidos e produzidos em julgamento nos que respeita aos mesmos arguidos, fazendo alusão acertada ao mecanismo da prova indirecta e da sua aplicação em processo penal.
Do mesmo, há que notar que o acórdão vem a assentar a prova dos factos em diversos meios de prova que suplantam e vêm contextualizar as declarações dos arguidos e das múltiplas testemunhas ouvidas no decurso do julgamento.
Foi essa também a atitude do tribunal a quo, a ponderação mais sensata na articulação com as regras de apuramento de verdade. Tanto no que respeita à prova indirecta (ou indiciária) que está por detrás da percepção subjectiva do conhecimento dos arguidos sobre os factos essenciais em apreço, como da extensão ou âmbito como se veio a manifestar o elemento subjectivo dolo. O que passa também pela convicção adquirida em julgamento pelo tribunal e das inferências lógicas que este utilizou para a percepção dos meios de prova e dos factos que lhe foram apresentados.
E sobre esta dimensão, sobejam razões ao tribunal do recurso para considerar como válidas as conclusões e a valorização que no âmbito da factualidade aqui em apreço e objecto de recurso, o tribunal a quo retirou dos vários testemunhos assinalados e também dos demais meios probatórios devidamente contextualizados e especificados.
É sintomática, na verdade, a invocação das razões que fundam o juízo probatório do tribunal a quo fundado sempre em meios de prova considerados directos (as declarações e os depoimentos testemunhais mencionados), com os outros meios de prova indirectos (os acima mencionados documentos e transcrições das escutas e comunicações, no cruzamento com os demais depoimentos testemunhais) e dos quais razoavelmente e para além de qualquer dúvida razoável se retira a co-autoria dos factos dos arguidos aqui recorrentes (1.º e 15.º arguidos) e a consideração de outros factos não provados e o afastamento da responsabilidade dos demais arguidos e também em parte dos próprios arguidos recorrentes.
Nessa consideração, temos que o tribunal do julgamento não deixou de fazer um depuramento das circunstâncias em causa, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum, e pela qual se conclui pelo apuramento de parte dos factos que se encontravam descritos na acusação/pronúncia e o não apuramento de outros factos (considerados como não provados).
Definindo no fundo aqueles factos para os quais não subsistiriam dúvidas para além do limite da razoabilidade fáctica e da mesma experiência comum.
Ora, por isso mesmo, acontece que a impugnação feita pelos recorrentes só pode improceder, porquanto resulta de forma evidente que aqueles recorrentes, ao indicarem as provas que na sua perspectiva impunham decisão diversa, o que verdadeiramente fazem é impugnar o processo de formação da convicção do tribunal, censurando a credibilidade que o tribunal a quo deu a certos elementos probatórios em detrimento de outros, tornando-se claro que os recorrentes assentam a sua discordância na apreciação da prova feita pelo tribunal, diversa daquela que por si foi alcançada.
Na extensão que os recorrentes deram à sua discordância sobre os factos provados e a impugnação que pretendem deles fazer, tudo se encontra em causa, num tudo ou nada discordante e numa dúvida metódica.
E como afirma o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 17/4/2013, processo n.º 138/09.9JELSB.L1.S2, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência[306].
Diga-se ainda, conforme de forma muito clara foi expressado pelo Acórdão do STJ de 31/5/2007, processo n.º 07P1412, acessível em www.dgsi.pt/jstj, que
“…quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar a convicção do julgador da 1ª instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos.
A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face as regras da experiência comum”
Mas naturalmente que a livre apreciação se não reconduz a um íntimo convencimento, impondo-se ao julgador o dever de explicitar o processo de formação da sua convicção, pois se ao julgador é atribuída a possibilidade de atribuir peso probatório a cada meio de conhecimento sem estar vinculado de antemão a critérios de prova vinculada, não poderia deixar de se impor este dever de fundamentação (constitucionalmente exigido) para se poder aferir das regras e critérios de valoração seguidos e se o resultado probatório surge como o mais aceitável, segundo critérios objectivos e de observância de regras de experiência comum. O tribunal de recurso limita-se então a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova.
Ora, no caso em apreço, resulta da decisão da matéria de facto e sua fundamentação que acima se transcreveu integralmente que o tribunal, enunciando os meios de prova, explicitou o processo de formação da sua convicção, esclarecendo de forma motivada a razão porque os depoimentos dos arguidos que prestaram declarações lhes não mereceu credibilidade em confronto com os demais depoimentos testemunhais e declarações e as razões da credibilidade e convencimento destes depoimentos.
E, com única excepção nos pontos já assinalados, nenhum reparo nos merece a apreciação da prova que foi feita pelo mesmo tribunal a quo, porquanto, em tudo o resto, formou a sua convicção em correspondência com a prova produzida e segundo critérios lógicos e objectivos e em obediência às regras de experiência comum, sendo fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no citado Art.º 127.º do CPPenal, conduzindo tal apreciação, sem qualquer margem para dúvidas, à fixação daquela matéria de facto.
Depois, como se tornou patente para quem acompanhe os trabalhos de produção de prova (nomeadamente pelos registos fonográficos das declarações e dos testemunhos produzidos, mas, acima de tudo, pelo imenso acervo documental acima descrito), e também da fundamentação expressa no acórdão sob recurso, os elementos probatórios ganham consistência com as conclusões probatórias assumidas pelo tribunal a quo. E que agora o tribunal de recurso não deixou também de verificar e de confirmar com o mesmo juízo probatório do tribunal a quo e que faria qualquer pessoa de bom senso e razoabilidade, na maturação das regras de experiência que as alegações de recurso da acusação (Ministério Público) e da defesa dos arguidos parecem querer fazer esquecer ou obscurecer.
Por outra via, em face das provas mencionadas e acima analisadas, mesmo após audição da prova registada fonograficamente (tal como acima explicitado), sabe-se que o tribunal não chegou a uma decisão diversa daquela recorrida (cfr. a alínea b) do Art.º 412.º do CPPenal), sendo que as passagens aludidas terão de ser integradas na totalidade dos testemunhos indicados, no cruzamento acima assumido para a globalidade dos meios de prova valorizados.
E, neste âmbito, este tribunal de recurso não pode deixar de acompanhar o raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, não procedendo as razões dos argumentos suscitados pelos arguidos/recorrentes.
***
20. Em face do exposto, mantendo tudo o resto, revogamos parcialmente a decisão em matéria de facto constante do acórdão recorrido nos seguintes termos:
1º -São aditados à matéria de facto provada os seguintes pontos ou parágrafos:
36- A. No ano de 2008, o arguido JA manteve contactos de natureza negocial com JSG da "BA, SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C – Companhia …………." do Brasil.
49-A. Num processo crime em Espanha, verificou-se a existência de indícios do envolvimento da "FI,S.L." numa actividade planificada destinada a adjudicação de contractos públicos por meios fraudulentos.
1505- A. O arguido JA colaborou com o arguido AF na angariação de eventuais negócios de aquisição de imóveis que pudessem ser do interesse do arguido Z..
1548- A. A Srª Inspectora do SEF DrªP…, em comunicação dirigida em 24-01-2013 ao Director Nacional MP, considerou preocupante a solicitação efectuada pela AMI, com a concordância do MNE, para que não seja exigido para este efeito certificado de registo criminal aos cidadãos líbios que, segundo informação disponibilizada, sejam provenientes do Ministério dos Mártires, Feridos, e Desaparecidos (cerca de 500 pacientes), do Ministério da Defesa (cerca de 67 pacientes) e do Ministério da Saúde (pacientes civis).
1639- A. No mesmo contexto temporal dos episódios vindos de descrever, a AI, empresa concorrente da arguida "ILS– Área da Saúde,Ld.", na pessoa do seu representante TL, encetou esforços para marcar uma reunião com o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a fim de lhe expor as dificuldades sentidas em matéria da emissão de vistos para cidadãos líbios após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia e a necessidade de emissão de vistos para um grupo de 20 pacientes necessitados de tratamento urgente.
1639- B. Esforços a que, em 7 de Agosto de 2014, PBL, respondeu dando instruções a CG da DR Norte do SEF para que a referida empresa articulasse com o Ministério dos Negócios Estrangeiros mecanismos de certificação da identidade dos requerentes e de cabal verificação dos requisitos legais.
2º - Modifica-se a redacção dos pontos 254, 902, 928, 929 e 998 da decisão dos factos provados, por forma a ficar a constar:
254. Na sequência dos contactos anteriores, na data de 16/12/2013, POS enviou um sms ao arguido AF, com o seguinte texto:
“O Z que não se esqueça da minha prenda. Five”.
902. Os arguidos PE, JG e PV tinham uma relação muito próxima com o arguido AF, de quem dependiam hierarquicamente.
928. Também, por efeito daquela ruptura, o arguido EB determinou a realização de alterações societárias na "SA-C,SA"..
929. Assim, por escritura de 20 de Fevereiro de 2012, o arguido EB, por si e pelos seus representados, afirmando-se como únicos accionistas da «"SA-C,SA", determinou uma alteração societária quanto à denominação, adoptando a sociedade a nova denominação de «"MC,S.A".», numa tentativa de se desligar da associação inevitável da "SA-C ,SA", à "SA-C,Ldª" de JPG, empresa já conhecida em Angola.
998. Na mesma data, o arguido EB pediu-lhe que trouxesse outro envelope com o timbre da "MC,Ldª", com igual quantia no seu interior e que entregasse o mesmo ao arguido AF, ao que CV se recusou.
1949. O arguido AF reportou ao Dr.JM o interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça.
3º - Modifica-se a redacção dos pontos da decisão dos factos não provados, por forma a ficar a constar:
ix. No ano de 2008, o arguido MM manteve contactos de natureza negocial com JSG da "BA,SA", relativos a interesses desta sociedade em matéria de obras de parques de estacionamento desenvolvidos, em esquema de PPP, pela empresa estatal brasileira "C – Companhia ……………", do Brasil.
clvi. Os arguidos PE, JG e PV demonstravam atitude de subserviência ao arguido AF..
4º- Revogam-se os pontos ccclxxxviii,cdxix e cdxx do elenco dos factos não provados;
5º- Em tudo o mais, reafirmamos de novo, mantemos a decisão em matéria de facto constante do acórdão recorrido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS PROVADOS
Responsabilidade criminal do arguido AF..
Corrupção
Núcleo B
21. O tribunal de primeira instância absolveu o arguido AF do cometimento de um crime de corrupção passiva pelos factos provados descritos no Núcleo B[307] e de um outro crime de corrupção passiva pelos factos descritos no Núcleo C [308] , ambos previstos nos artigos 17º nº 1, 19º nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho.
A fundamentação da decisão de improcedência de subsunção dos factos do núcleo B no tipo de crime de corrupção passiva foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
É certo que o arguido AF instrumentalizou meios humanos e materiais no âmbito das respectivas atribuições funcionais públicas, em prol dos interesses de Z, mais precisamente, no âmbito da prospecção imobiliária, agendamento de visitas a imóveis, marcações de escrituras e realização de registos e, ainda, nos pedidos de informação ao secretariado da Direcção Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras relativos ao andamento de processos ARI e pedidos de processamento urgente de processos ARI. Mas fê-lo no sentido de uma utilização abusiva dos meios ao seu dispor, não no sentido da prática de um acto compreendido no âmbito das suas funções de Presidente do Conselho directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
Assim esta instrumentalização dos meios materiais e humanos efectuada pelo arguido AF e colocada ao serviço de interesses do arguido Z, não ocorreu no âmbito da prática de nenhuma das atribuições previstas no artigo 5.º citado[309], mas de outros actos que nada se relacionam com o exercício das funções próprias de Presidente do Conselho directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
A actuação deste arguido nesta matéria não colocou em causa a autonomia intencional do Estado, pois ele nada decide no âmbito das atribuições que lhe estão conferidas.
Ele usou os poderes que lhe foram conferidos e colocou-os ao serviço de interesses distintos do interesse público.
Não ficou por outro lado demonstrada, a existência de uma actividade de colaboração entre o arguido MP e o arguido AF ao serviço dos interesses do arguido Z..
Com efeito, no interesse particular do arguido Z, o arguido AF usou os meios humanos e materiais ao seu dispor como Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", assim como, os contactos institucionais que mantinha com o arguido MP, para solicitar ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras informações sobre processos ARI e formular pedidos de processamento urgente.
Tendo ficado, ainda, demonstrado que o arguido MP não desenvolveu qualquer procedimento anómalo na sequência dos pedidos formulados pelo arguido AF, directamente ou a sua solicitação.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido AF não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de corrupção passiva referente aos factos descritos no núcleo B).
O Ministério Público censura o enquadramento jurídico penal dos factos do Núcleo B e pretende a condenação do arguido AF pelo crime de corrupção passiva, invocando, em síntese, que os actos descritos na matéria de facto e dados como provados no acórdão recorrido se reconduzem efectivamente à execução prática dos poderes formais de direcção, em conexão funcional directa com a função pública levada a cabo pelo arguido AF ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 e nº 3 do Decreto-Lei nº 148/2012 de 12/7, pelo que devem ser considerados como actos contrários aos deveres do cargo (conclusões 81 a 92, 659 a 662 e 765).
Na resposta ao recurso, o arguido AF sustenta a posição exposta no acórdão recorrido porquanto, em apertada síntese, o que sobra neste específico âmbito do núcleo B, para além do acompanhamento, de algumas (poucas) visitas a imóveis e a reuniões com entidades identificadas (aqui, ao que se crê, totalmente fora do círculo desenhado pelos poderes de direção), serão os contactos com conservatórias e cartórios. Trata-se de um domínio no qual o Recorrido, ao contrário do que afirma o Ministério Público, não tem poderes de direção, como não tem poderes de facto, tendo em conta, além do mais a autonomia técnica-jurídica e funcional dos conservadores de registos e dos notários.
Apreciando e decidindo
Na descrição típica constante dos artigos 17º nº 1, 19º nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho, preenche os elementos objectivos do tipo de crime especial de corrupção passiva agravado pelo valor, a conduta do titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa de valor consideravelmente elevado, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação.
A doutrina e a jurisprudência tendem a coincidir no entendimento que o bem jurídico protegido no crime de corrupção no sector público consiste na autonomia intencional da Administração, entendida como expressão das exigências de legalidade, objectividade e independência inerentes ao exercício de funções públicas num Estado de direito[310].
Numa exposição distinta, os crimes de corrupção são hoje crimes contra a legalidade da actuação dos agentes públicosa quem está interdito mercadejar com o cargo, constituindo esse mercadejar, por isso, logo um dano para o bem jurídico[311].
O crime de corrupção activa consuma-se com a oferta ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial a um funcionário para a obtenção de vantagem decorrente de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, enquanto que a consumação do crime de corrupção passiva se verifica no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita contrária aos deveres do cargo.
Nestes termos, a separação e a autonomia típica entre a corrupção activa e a corrupção passiva impõem que a punição dos respectivos agentes se deva determinar isoladamente, em função de cada um dos correspondentes preceitos incriminadores, devendo mesmo assinalar-se que a oferta de suborno configura um crime de corrupção activa consumada ainda quando recusada e o pedido de suborno configura um crime de corrupção passiva consumada ainda quando rechaçado e que pode mesmo haver crime de corrupção activa e crime de corrupção passiva sem que fique demonstrado que a solicitação, aceitação ou oferta de peita têm por objectivo a prática de um acto concreto e determinado[312].
De facto, no entendimento do legislador, quer a promessa quer a entrega são penalmente censuráveis e, por isso, aptas a desencadear as consequências jurídicas da prática de um crime de corrupção activa e/ou de um crime de corrupção passiva.
O juízo valorativo da ilicitude a considerar é desde logo o que resulta da prática da promessa ou oferecimento e da aceitação do suborno. A não execução ou a concreta forma de execução do acto ilícito pelo funcionário são circunstâncias que aumentam ou atenuam a gravidade da infracção e devem ser posteriormente atendidas na fixação da pena[313].
O problema suscitado neste âmbito reside na demarcação das condutas objectivas que podem integrar o tipo de crime e prende-se com a resposta à questão de saber se os concretos comportamentos do arguido se integram ainda no exercício das funções enquanto titular do cargo de presidente do conselho directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P..
Segundo se afigura pensamento hoje quase unânime, quer para o tipo legal matricial do Código Penal, quer para o crime especial da responsabilidade de titulares de cargos políticos, não é indispensável que a conduta prometida ou efectuada pelo empregado público em contrapartida do suborno se inclua na esfera das suas específicas atribuições ou competências, sendo suficiente que a actividade visada pela gratificação se encontre numa relação funcional imediata com o desempenho do respectivo cargo.
Como escreveu Almeida Costa, são ainda susceptíveis de integrar o ilícito da corrupção passiva os comportamentos que, embora não se incluam no elenco das atribuições ou competências próprias previstas para o concreto cargo político, caibam no âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, isto é, dos “poderes de facto” inerentes ao exercício das correspondentes funções, ainda que o agente exorbite os seus poderes.
Para este Autor, mantêm-se ainda na previsão típica as situações em que o agente, apesar de não pertencer ao serviço ou departamento onde se irão praticar os actos a que se destina o suborno, mantém com esse serviço ou departamento conexões institucionais directas numa relação funcional imediata.
Ainda assim, tem de tratar-se de uma acção que, pela sua natureza, só possa ser praticada por causa da assunção do cargo (de funcionário ou autoridade) e, para além disso, que ela esteja funcionalmente integrada no espectro de obrigações/competências do titular do serviço público.
No expressivo exemplo de Almeida Costa, pode integrar o cometimento de um crime de corrupção a conduta de um contínuo de certo departamento administrativo que subtrai determinado processo pendente nesse serviço para avaliação: A circunstância de a análise ou custódia daquele processo não estarem abrangidas nas atribuições daquele funcionário não afecta a “relação funcional imediata” do agente com o acto, circunstância que o coloca na órbita do tipo legal da corrupção passiva.
E argumenta o mesmo Autor:
No plano material, a "autonomia intencional do Estado" resulta ofendida com igual intensidade, quer o acto subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário "competente", quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o levou a cabo na actuação de meros "poderes de facto". Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i.e.,do posto que ocupa, o recebimento da peita pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva.
(…)
O texto do art. 372° ss. favorece, aliás, uma interpretação concordante coma presente perspectiva. Neles, sanciona-se o simples mercadejar com o cargo - com independência de a actividade a que se destina a gratificação assumir carácter lícito (art. 372°) ou ilícito (art. 373°). Dado que, conforme se referiu, a actuação de "poderes fácticos" a troco de suborno integra, ainda, uma verdadeira transacção com as suas funções, nenhuma dúvida suscita a afirmação de que tais casos cabem na esfera de previsão do art. 372°ss.. Aliás, em consonância com o acima exposto, só aceitando-se o ponto de vista adoptado se explica a punição de todas as hipóteses de corrupção própria.” [314]
Da extensa matéria de facto provada constante do “Núcleo B” interessa aqui destacar:
Os arguidos AF e Z, firmaram entre si um acordo, pelo qual ao arguido AF, incumbia actuar como facilitador do respectivo processo burocrático de aquisição de imóveis no âmbito das respectivas atribuições funcionais públicas, designadamente através:
i.Da instrumentalização de meios humanos e materiais do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." – veículos, funcionários e bases de dados do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." – para secretariar/instruir a actividade imobiliária, apurando da situação registral dos imóveis a adquirir, nomeadamente a existência de ónus ou encargos;
ii.Do agendamento prioritário de actos registrais vários, bem como de actos notariais da competência de funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (Casa Pronta) sob a alçada hierárquica do arguido AF ou sob os poderes de regulamentação, controlo e fiscalização do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (notários privados), providenciando um atendimento personalizado e prioritário aos parceiros negociais e clientes do arguido Z ou de sociedades com este relacionadas;
iii.Exercer o seu poder de influência junto de decisores públicos e políticos quanto à prática de actos fora da sua esfera de competência formal e ancilares da referida actividade de natureza privada lucrativa, como forma de obtenção de decisões céleres e favoráveis às pretensões daquele, proferidas no âmbito de atendimentos personalizados e espúrios à normal tramitação burocrática institucional, designadamente sobre o arguido MP, a fim de acelerar e agilizar o procedimento legal de obtenção de ARI por parte dos cidadãos estrangeiros de nacionalidade chinesa indicados pelo arguido Z..
Em contrapartida de tal actuação, o arguido Z, no âmbito do referido acordo, prometeu dispensar ao arguido AF vantagens de natureza pecuniária, designadamente uma comissão pecuniária por cada imóvel/ARI negociado, acordando, ainda, dar-lhe futura participação nos veículos societários por si usados para o desenvolvimento da referida actividade, com futura compensação aquando da distribuição de dividendos, num valor global seguramente superior a 20400 €.
Assim como é matéria de facto assente que:
Em execução do acordo que estabeleceu com o arguido Z, o arguido AF, instrumentalizando meios materiais e humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", afectando-os à prossecução da actividade lucrativa do arguido Z, praticou a seguinte ordem de actos:
Acompanhou, durante o período normal de serviço, o arguido Z na sua actividade de visita a imóveis, reuniões com vendedores e mediadores imobiliários, reuniões com entidades públicas, cujos contactos angariavam para efeitos de agendamento;
Determinou a prática por funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", na sua dependência hierárquica, de actos do interesse do arguido Z, alheios aos interesses públicos prosseguidos pelo "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e, no caso de agendamentos prioritários de actos de registo e notariais, em violação do princípios da legalidade, imparcialidade e da igualdade que regem a actividade público-administrativa, fazendo, ainda, uso do seu cargo para, junto de notários privados – cuja actividade, nos termos do artigos 3.º n.º 2 alínea m) e 5.º n.º 2 alínea e), do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07, se encontra sujeita a poderes de regulamentação, controlo e disciplinares do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." – agendar com prioridade actos notariais do interesse do arguido Z e parceiros;
Exerceu influência junto do arguido MP, então Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – a fim de que este acelerasse e facilitasse o procedimento administrativo burocrático para obtenção de ARI e AR com as mesmas conexas, designadamente no âmbito de reagrupamentos familiares, ou facilitasse a entrada e permanência em território nacional dos cidadãos chineses indicados pelo arguido Z..
Consta ainda da matéria de facto provada:
“Ainda em execução do acordo estabelecido com o arguido Z e, em contrapartida das vantagens de natureza pecuniária por aquele prometidas, o arguido AF alocou funcionários a si hierarquicamente subordinados ou sujeitos a prerrogativas de fiscalização ao desenvolvimento da referida actividade privada, fazendo uso dos seus poderes funcionais e hierárquicos sobre terceiros para:
Proceder ao agendamento prioritário de actos de registo e de notariado da competência de funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e de notários privados legalmente sujeitos à actividade de fiscalização do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.";
Praticar actos de secretariado no interesse da actividade empresarial do arguido Z;
Consultar as bases de dados do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." a fim de apurar da situação dos imóveis do interesse do casal dos arguidos Z e ZB, parceiros negociais e respectivos clientes, nomeadamente apurar se os imóveis se encontravam livres de ónus e encargos e aceder aos documentos de instrução dos actos notariais sujeitos a registo, bem como às bases de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) cujo acesso é disponibilizado aos conservadores no exercício das suas funções.
Assim actuando, o arguido AF, escolhendo conservadoras que, mercê da relação de especial confiança que com as mesmas mantinha, fundada em relacionamento de proximidade pessoal ou profissional em matéria de actividades lucrativas que desenvolvia em Angola, fazendo uso do ascendente hierárquico e funcional que sobre as mesmas detinha, determinou a prática dos actos a seguir descritos.”
Ao tempo, o arguido exercia funções como Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P..
O Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, IP), tem a natureza de instituto público integrado na administração indirecta do Estado, sob superintendência e tutela do Ministro da Justiça e tem por missão executar e acompanhar as políticas relativas aos serviços de registo, tendo em vista assegurar a prestação de serviços aos cidadãos e às empresas no âmbito da identificação civil e do registo civil, de nacionalidade, predial, comercial, de bens móveis e de pessoas colectivas, bem como assegurar a regulação, controlo e fiscalização da actividade notarial. Assim, compete a este instituto público dirigir, coordenar, apoiar, fiscalizar a actividade das conservatórias.
São órgãos do IRN, I.P., o conselho directivo, composto por um presidente, por um vice-presidente e por um vogal e o conselho consultivo.
Sem prejuízo das competências conferidas por lei ou que nele sejam delegadas ou subdelegadas, compete ao conselho directivo e ao seu presidente a orientação e gestão do IRN, I.P. e dos seus serviços bem como regular, controlar e fiscalizar a actividade notarial e exercer a acção disciplinar sobre os notários (Decreto-Lei nº 148/2012, de 12 de Julho- regula a estrutura orgânica do IRN IP, Portaria n.º 387/2012, de 29 de Novembro no DR, I, de 29/11/2012 - define a organização interna dos serviços do IRN, I. P. e as suas unidades orgânicas).
Interessa ainda salientar que o conselho directivo deliberou proceder à distribuição das responsabilidades de supervisão das diversas unidades orgânicas do IRN, I. P., e à delegação de competências, sem prejuízo da faculdade de avocação, nos seguintes termos[315]:
1 - Ao presidente do conselho diretivo, licenciado AF, fica atribuída a responsabilidade de supervisão das seguintes unidades orgânicas:
a) O Departamento de Identificação Civil (DIC);
b) O Departamento de Gestão e Apoio Técnico-Jurídico aos Serviços de Registo (DGATJ) e, dentro deste, o Setor Técnico-Jurídico dos Serviços de Registo (STJSR);
c) O Gabinete de Controlo de Gestão e Relações Externas (GCGRE).
1.1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12 de julho, são ainda delegados no presidente do conselho diretivo, com a faculdade de subdelegação, poderes para:
i) No âmbito do Departamento de Identificação Civil (DIC) e do Gabinete de Controlo de Gestão e Relações Externas (GCGRE), decidir e praticar todos os atos necessários que não sejam da competência exclusiva do conselho diretivo;
ii) No âmbito do Departamento de Gestão e Apoio Técnico-Jurídico aos Serviços de Registo (DGATJ) e, dentro deste, do Setor Técnico-Jurídico dos Serviços de Registo (STJSR), decidir e praticar todos os atos necessários que não sejam da competência exclusiva do conselho diretivo, nem estejam pelo mesmo delegados no vice-presidente do conselho diretivo, designadamente:
a) Decidir processos de recurso hierárquico das decisões relativas a atos de registo e processos especiais da competência dos serviços de registo;
b) Decidir processos de impugnação graciosa dos atos do IRN, I. P.;
c) Decidir sobre as informações prestadas no âmbito de consultas sobre matérias compreendidas nas atribuições do IRN, I. P., formuladas pelos serviços de registo ou por quaisquer outras entidades, públicas ou privadas;
d) Propor as medidas legislativas ou outras que considere adequadas ao melhor funcionamento dos serviços e ao aperfeiçoamento do ordenamento jurídico que as enquadra;
iii) No âmbito do Setor de Avaliação, Inspeção e Gestão de Serviços (SAIGS), decidir e praticar, na área da avaliação, todos os atos necessários que não sejam da competência exclusiva do conselho diretivo, designadamente:
a) Designar avaliadores dos dirigentes intermédios das unidades homogéneas do IRN, I. P., nos termos do n.º 3 do artigo 38.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro;
b) Presidir ao conselho coordenador da avaliação ou das secções autónomas, nos termos do n.º 3 do artigo 58.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro;
c) Homologar as avaliações anuais, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro;
d) Conceder, no que respeita às deslocações dos avaliadores, as autorizações referidas nos artigos 20.º, 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, nos termos do artigo 23.º do mesmo diploma, e, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 170/2008, de 26 de agosto;
iv) Decidir os processos de composição de nome, de recurso hierárquico de atos e processos especiais de registo e de admissibilidade de firma ou denominação, nos termos da lei;
v) Praticar atos de delegação de competências relativos à prática de atos e processos de registo;
vi) Designar jurista em representação legal do IRN, I. P., em processos contenciosos;
vii) Constituir mandatários do Instituto, em juízo e fora dele, incluindo com o poder de substabelecer;
viii) Presidir ao Conselho do Notariado, quando para o efeito designado pelo membro do Governo responsável pela área da Justiça;
ix) Autorizar o regresso ao IRN, I. P. do pessoal oriundo do notariado e determinar o serviço de afetação ou de integração;
x) Praticar os atos de competência dos titulares dos cargos de direção intermédia relativamente a dirigentes e pessoal que se encontre na sua dependência;
xi) Autorizar deslocações em serviço no País, o abono, antecipado ou não, e processamento de ajudas de custo, despesas de transporte, utilização de automóvel próprio ou de veículo de aluguer, a trabalhadores afetos às unidades orgânicas que tutela;
xii) Assinar toda a correspondência e o expediente necessário à execução das respetivas competências e em representação do conselho diretivo.
De notar, por último, que nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro, o conservador de registos está sujeito ao poder de direcção e ao poder disciplinar do conselho directivo do IRN, I. P., sem prejuízo da sua autonomia técnico-jurídica e funcional.
Numa ponderação conjunta dos factos provados com o elenco de competências e atribuições formais legalmente atribuídas nos termos expostos, forçoso se torna concluir que a utilização abusiva de meios humanos e materiais do instituto público para trabalhos de secretariado referentes a actividade imobiliária, as ordens de agendamento prioritário de actos registrais, constituíram, ou em actos inscritos em competências próprias (caso dos registos), ou em actos que se encontram numa conexão funcional imediata com o desempenho do cargo em razão da relação hierárquica, ou seja, em relação com os poderes de direcção e supervisão ou “poderes de facto” inerentes ao exercício das funções, competências e atribuições do arguido AF enquanto presidente e de membro do conselho directivo do IRN, I.P[316].
Todos esses actos, em que se consubstanciou o acordo inicial com Z, foram cometidos pelo arguido na veste de dirigente do serviço público, sempre com o único propósito de obtenção de decisões céleres e favoráveis aos interesses privados, em benefício de Z, em troco da vantagem prometida e são inequivocamente contrários aos deveres funcionais de legalidade, objectividade e independência que devem presidir ao desempenho de funções públicas.
Bem ao invés do que se concluiu no acórdão recorrido, consideramos como inequívoco que o comportamento do arguido AF constituiu ofensa à autonomia intencional do Estado, enquanto bem jurídico tutelado pela incriminação da corrupção passiva.
No que respeita aos elementos subjectivos do tipo de crime, pode ler-se no citado acórdão do STJ de 18/04/2013, proc. 180/05.9JACBR.C1.S1, Isabel Pais Martins,
o dolo esgota-se no conhecimento e vontade de obtenção de uma vantagem conexionada com um comportamento violador dos deveres do cargo. Em conformidade, desde que o agente solicite ou aceite um tal suborno (ou a sua promessa), verifica-se o preenchimento do tipo subjectivo, mesmo que não esteja nas suas intenções praticar o “acto de serviço” que se visa remunerar, pois a consumação não requer nem o efectivo recebimento do suborno nem, muito menos, a realização do acto.
Segundo conhecimentos extraídos de muitas outras situações semelhantes da vida real e perante condições de normalidade, deve-se inferir e julgar ainda como provado que o arguido AF agiu na forma descrita de uma forma livre, voluntária e consciente, aceitando e querendo violar os deveres funcionais a que se encontrava sujeito enquanto alto dirigente de serviço público, em troca das vantagens de expressão pecuniária de valor consideravelmente elevado que lhe foram prometidas pelo arguido Z..
Em conclusão: a resposta à questão suscitada é seguramente afirmativa uma vez que os factos provados descritos no núcleo B revelam que o arguido AF incorreu no cometimento, em autoria material, de um crime de corrupção passiva, agravado pelo valor da vantagem prometida, previsto e punido nos artigos 17º nº 1, 19º nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho e, nesta parte, o recurso do Ministério Público deve ser julgado procedente.
Não se mostram verificadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa previstas na lei penal (artigos 31º a 39º do C. Penal).
Núcleo E
22. O tribunal colectivo condenou ainda o arguido AF pelo cometimento de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87 e pelo cometimento de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, pelos factos acima descritos sob o ponto E.
A fundamentação da decisão de subsunção dos factos do núcleo E nos tipos de crime de corrupção passiva e activa foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
A arguida MA como Secretária Geral do Ministério da Justiça assumia o cargo de vogal não permanente da CReSAP.
E, o arguido AF exercia funções de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
Ambos revestiam a categoria de titulares de altos cargos públicos.
Sendo ambos amigos, o arguido AF oponente ao concurso público da CReSAP para Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." solicitou ajuda à arguida MA, tendo esta concordado em prestar a ajuda solicitada.
Como contrapartida, o arguido AF ofereceu-se para prestar ajuda noutros concursos públicos a que fossem oponentes pessoas do interesse da arguida MA..
E, foi o que sucedeu, a arguida MA prestou ampla colaboração na candidatura do arguido AF, incluindo a comunicação de informação sigilosa sobre os oponentes e o progresso do concurso, infringindo os deveres a que estava adstrita como vogal não permanente da CReSAP.
Por seu turno, o arguido AF pagou estes favores com o auxílio que lhe foi solicitado para as candidaturas da Dra.CF para o concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do IRN a que concorreu CF; e HM para o concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna.
Assim sendo, ambos os arguidos beneficiaram da disponibilidade dos cargos exercidos por cada um deles.
Conforme escreve Pedro Caeiro, que "se compreende o alargamento do tipo à obtenção de vantagem não patrimonial (pois uma das notas típicas deste fenómeno criminal é precisamente a troca de "favores", que nem sempre se reduzem a uma expressão pecuniária)" (in, Comentário Conimbricense Parte Especial, volume III, p. 271).
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causa de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento do arguido AF típico, ilícito e culposo é de concluir que ele praticou o crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, (factos descritos sob o ponto E).
Foi imputado ao arguido um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei nº 34/87, de 16 de Julho (factos descritos sob o ponto E).
Quanto aos crimes imputados ao arguido AF referentes aos factos descritos no núcleo E, atenta a factualidade apurada é de concluir que a conduta deste arguido integrou todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em causa.
A arguida MA como Secretária Geral do Ministério da Justiça assumia o cargo de vogal não permanente da CReSAP.
E, o arguido AF exercia funções de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
Ambos revestiam a categoria de titulares de altos cargos públicos.
Sendo ambos amigos, o arguido AF oponente ao concurso público da CReSAP para Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." solicitou ajuda à arguida MA, tendo esta concordado em prestar a ajuda solicitada.
Como contrapartida, o arguido AF ofereceu-se para prestar ajuda noutros concursos públicos a que fossem oponentes pessoas do interesse da arguida MA..
E, foi o que sucedeu, a arguida MA prestou ampla colaboração na candidatura do arguido AF, incluindo a comunicação de informação sigilosa sobre os oponentes e o progresso do concurso, infringindo os deveres a que estava adstrita como vogal não permanente da CR e SAP.
Por seu turno, o arguido AF pagou estes favores com o auxílio que lhe foi solicitado para as candidaturas da Dra.CF para o concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do IRN a que concorreu CF; e HM para o concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna.
Assim sendo, ambos os arguidos beneficiaram da disponibilidade dos cargos exercidos por cada um deles.
Conforme escreve Pedro Caeiro, que "se compreende o alargamento do tipo à obtenção de vantagem não patrimonial (pois uma das notas típicas deste fenómeno criminal é precisamente a troca de "favores", que nem sempre se reduzem a uma expressão pecuniária)" (in, Comentário Conimbricense Parte Especial, volume III, p. 271).
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causa de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento do arguido AF típico, ilícito e culposo é de concluir que ele praticou o crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, (factos descritos sob o ponto E).
O arguido AF recorre deste segmento da decisão, invocando, em síntese, que o Tribunal a quo desdobrou a conduta do Recorrente, que considera consistir em aceitar um favor (que teria recebido) por outro (que iria fazer), autonomizando e duplicando o desvalor respectivo: O acto de receber algo transformar-se-ia na materialidade da corrupção passiva e a contraprestação, onde já incorpora o desvalor da aceitação, num acto de corrupção activa. Assim sendo, a opção do acórdão recorrido gerou uma dupla valoração da mesma conduta (do mesmo acto) do Recorrente.
Em resposta, o Ministério Público conclui, em síntese, que a conduta descrita e imputada aos arguidos, preenche efectivamente dois tipos legais distintos, absolutamente independentes, e sem que entre ambos exista uma coincidência de elementos típicos, sendo uma a de solicitar a prática por outrem de factos ilícitos, e outra a de aceitar, como moeda de troca, praticar actos ilícitos. Trata-se assim de um concurso efectivo heterogéneo entre crimes de corrupção activa e passiva convocadores da punição do art.º. 77.º do Código Penal.
Apreciando e decidindo
Da extensa matéria de facto provada constante do “Núcleo E[317]” interessa aqui destacar o seguinte:
1350. Os arguidos MA e AF conheceram-se em 2004, quando aquela exerceu funções de Directora do Centro de Formação dos Registos e Notariado e o arguido havia sido recentemente nomeado como Director dos Registos e Notariado, mantendo, desde essa data, uma relação de amizade, visitando-se com frequência e fazendo férias em conjunto com as respectivas famílias.
1351. Tendo em conta as regras legais quanto à selecção e recrutamento para cargos de direcção superior na Administração Pública que advieram pela criação da CReSAP, sabiam os arguidos MA e AF que este, em 2013, teria de se submeter ao procedimento concursal tendente à nomeação do Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
1352. Em data não concretamente apurada, mas próxima do Verão de 2013, acordaram os arguidos MA e AF, iniciar uma troca recíproca de favores, instrumentalizando e violando os respectivos deveres funcionais.
1353. No âmbito de tal acordo, a arguida MA aceitou violar os seus deveres de sigilo, objectividade e isenção, enquanto Vogal Não Permanente da CRe SAP e Secretária-Geral do Ministério da Justiça, dando informações privilegiadas ao arguido AF acerca dos procedimentos concursais da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, em benefício do arguido AF ou de terceiros próximos deste.
1354. Por seu lado, o arguido AF, aceitou violar os seus deveres de isenção, imparcialidade, bem como os princípios de prossecução do serviço público e da legalidade, quer favorecendo pessoalmente a arguida MA ou terceiros por esta indicados em procedimentos concursais do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", quer exercendo poder de influência junto de elementos de órgãos decisores, sempre que não estivesse na sua esfera de poderes formais a decisão de contratar.
1355. Na execução do acordado entre ambos, a pedido do arguido AF, a arguida MA violou os princípios de isenção, objectividade e sigilo a que estava obrigada pelas funções públicas que desempenhava, beneficiando aquele no procedimento concursal da CReSAP.
1356. Já o arguido AF violou os princípios de isenção e objectividade a que estava obrigado pelas funções públicas que desempenhava, beneficiando CF, a pedido da arguida MA..
1357. O arguido AF em execução do acordo intercedeu ainda, fora do quadro dos respectivos deveres funcionais, junto de outros decisores, satisfazendo pedidos da arguida MA para colocação de terceiros em funções públicas, tal como ocorreu nos casos de HM e LGP..
(…)
1499. Sabiam ambos os arguidos que a sua actuação colocava em risco a autonomia intencional do Estado e o princípio da legalidade.
1500. Ao actuar da forma descrita, violaram os arguidos AF e MA os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, de lealdade, (artigo 3.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 do Estatuto dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro e, actualmente, pelo artigo 73.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, artigos 4.º e 34.º alíneas b) e c) do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro
1501. As condutas adoptadas pela arguida MA acima descritas integram um notório desvio funcional em proveito de interesses de natureza particular, atenta as especiais incumbências estatutárias da CReSAP, na prossecução de objectivos de meritocracia, transparência e igualdade no acesso ao exercício dos altos cargos públicos do Estado.
1502. Das mesmas resultando uma quebra de confiança irremediável e a falta de condições pessoais da arguida para o exercício das funções públicas que lhe estavam cometidas no âmbito da CRESAP e no âmbito do seu cargo público de origem na Polícia Judiciária, bem como em quaisquer outros cargos públicos cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de isenção, independência e sigilo.
A prova produzida em audiência de julgamento revela que os arguidos AF e MA, ambos titulares de altos cargos públicos, firmaram um acordo, ainda que tácito, pelo qual, cada um deles, concordou ou aceitou vir a cometer actos contrários aos deveres do cargo que cada um deles exercia, em troco ou contrapartida de vantagens de natureza não patrimonial.
Assim aconteceu nos segmentos do acordo em que o arguido AF prometeu realizar distintos actos ilícitos no âmbito dos poderes de facto decorrentes do cargo de presidente e membro do conselho directivo do IRN IP - como posteriormente aconteceu com o concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF[318], com o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP[319] ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM [320] - em contrapartida de comportamentos da arguida consistentes na partilha de informações privilegiadas sobre os procedimentos concursais da CRESAP, como se verificou no concurso para o cargo de presidente do IRN IP[321] ou, também, no já referido concurso para vogal do IRN de LGP..
Porém, os eventos da vida real em que se traduziu o mercadejar do cargo na corrupção passiva (no caso do arguido AF, os actos ilícitos no concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF, o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM) são exactamente os mesmos dos que são susceptíveis do preenchimento do elemento “vantagem patrimonial” do crime da corrupção activa[322].
Intui-se por isso que a submissão dos factos aqui em apreço ao regime de punição do concurso efectivo de crimes previsto no artigo 77º do Código Penal - construção dogmática seguida no acórdão recorrido e sustentada pelo Ministério Público na resposta aos recursos - significaria uma intolerável violação do princípio jurídico-constitucional da proibição de dupla valoração do artigo 29º nº 5 da CRP.
Seguindo a formulação doutrinária de Figueiredo Dias na solução do problema da unidade e pluralidade de crimes[323], afigura-se-nos que o comportamento global de cada um dos arguidos, ao delinearem, aceitarem e firmarem o acordo, se evidencia dominado por um único sentido autónomo de ilicitude e que os concretos eventos materiais concretos ilícitos-típicos por eles praticados correspondem a uma predominante e fundamental unidade de sentido.
Com efeito, a existência de uma conexão objectiva e/ou subjectiva deixa transparecer que o sentido de ilícito correspondente ao crime na forma passiva se configura como absolutamente dominante, preponderante, ou principal, enquanto o crime da forma activa surge apenas como subsidiário, dependente ou mesmo instrumental pelo que a condenação pelo ilícito típico mais grave da corrupção passiva exprime de forma suficiente e proporcional o desvalor do comportamento global.
Verificando-se um concurso aparente ou impuro entre os tipos de crime de corrupção activa e passiva, justifica-se, porém, que o ilícito excedente ao crime na forma passiva seja oportunamente considerado na medida concreta da pena correspondente ao crime na forma activa[324].
Assim sendo, conclui-se que o arguido AF incorreu no cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e , revogando-se parcialmente o acórdão recorrido, será o mesmo arguido absolvido do cometimento de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, pelos factos acima descritos sob o ponto E.
Peculato de uso pelo uso indevido de equipamentos e de viatura automóvel
23. O tribunal de primeira instância condenou o arguido AF pelo cometimento de um crime de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 376.º, n.º 1, do Código Penal (factos descritos no núcleo B) pelo uso indevido de equipamentos e de um veículo automóvel.
A fundamentação da decisão de procedência de subsunção dos factos do núcleo B no tipo de crime aqui em causa foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
“Em face da factualidade apurada, ficou amplamente demonstrado que o arguido AF utilizou o veículo automóvel de serviço para deslocações que em nada se relacionaram com o exercício das suas funções, designadamente, na actividade de prospecção imobiliária levada a efeito no interesse do arguido Z , mais concretamente, nas deslocações que vez na visita a imóvel e mesmo, colocando o veículo automóvel ao dispor de terceiros para a visita ao Clube de Empresários.
Conduta violadora do Regulamento de Uso de Veículos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." por si assinado a 02/02/2010, nos termos do artigo 11.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 170/2008, nomeadamente o seu artigo 3.º n.º 1 in fine, que assinalava aos veículos automóveis do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." o escopo de "satisfazer as necessidades de transporte, normais e rotinados de serviço".
Escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/06/2012 que:
"O crime de peculato de uso previsto no artigo 376.º n.º l do Código Penal consuma-se com a utilização, pelo funcionário, de veículo ou outra coisa móvel de valor apreciável, para fins alheios àqueles a que se destinam, independentemente de o fim visado pelo agente se ter ou não concretizado".
Por outro lado, ficou igualmente demonstrada a instrumentalização que o arguido AF fez do seu secretariado de apoio ao serviço dos interesses do arguido Z ..
Neste caso, o uso abusivo não se refere ao trabalho propriamente dito desenvolvido pelos funcionários em causa, mas ao uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." no desenvolvimento das tarefas por ele solicitadas.
Assim, a utilização indevida que o arguido AF fez do secretariado de apoio ao Presidente do Conselho de Direcção do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", colocou em causa o normal funcionamento dos serviços, sendo assim alvo da incriminação.
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causas de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento do arguido AF típico, ilícito e culposo é de concluir que ele praticou um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B)”.
No seu recurso, este mesmo arguido AF, argumenta com as seguintes conclusões sobre a condenação nesta precisa incriminação:
“209.O crime de peculato de uso consuma-se com a utilização, pelo funcionário, de veículo ou outra coisa móvel de valor apreciável, para fins alheios àqueles a que se destinam (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.6.2012 [proc. n.º 357/10.5TAAMT.P1).
210. Analisada a matéria de facto dada como provada quanto ao denominado Núcleo B (páginas 160 a 300 do ACÓRDÃO ) constata-se que a mesma se divide em duas categorias: Em primeiro lugar, (i) factos em que mais não há mais do que uma alusão vaga e imprecisa a meios humanos (não materiais) instrumentalizados. Enquadrar-se-ão nesta categoria, os factos vertidos nos Pontos B.35 , B.41 a B.45 , B.118, B.119; B.120; B.136 e 137 , 146 , B.167 , B.172 , B.173 , B.205 , B.236 , B.256 , B.257, B.258; B.259; B.260, B.261, B.262; B.263; B.264; B.265; B.266; B.267; B.269; B.270; B.271; B.272; B.273; B.276; B.279; B.280; pontos B.284, B.285, B.286, B.287, B.288, B.289, B.292, B.296, B.304, B.305 e B.306 e, ainda, os pontos B.293, B.294, B.297, B.298, B.299 ; pontos B.295, B.300, B.301, B.302, B.303, B.308, B.309, B.310, B.311, B.312, B.313, B.316, B.317; pontos 318, 321 e 326; B.411 ; B.479 ; B.490 ; B.501 ; B.511 ; B.523 , B.528 , B.523 , B.535 , B.536 , B.542 , B.563 , B.594 , B.616 , B.618 , B.619 , B.678 , B.709 , B.723 , B.776, B.777, B.778.
211. A segunda categoria de factos que o Tribunal a quo considerará integrante do crime de peculato de uso refere-se ao (ii) uso de veículo automóvel conduzido por motoristas do IRN. Enquadrar-se-ão nesta categoria, os factos vertidos nos pontos B.175 , B.194 , B.197 , B.201 ,.209 , B.218 , B.222 , B.249 , B.252 , B.482 , B.779, B.780, B.781, B.782, B.783, B.784, B.785, B.786.
212. No que diz respeito à condenação pelo crime de peculato de uso, a decisão recorrida deve considerar-se nula nos termos dos artigos 410, n.º 3 e 374 n.º 2 e 379, n.º 1 alínea c) do CPP, uma vez que não são indicados os concretos “factos descritos no núcleo B” (página 2428 do ACÓRDÃO), que integram o elemento do tipo do ilícito de peculato de uso.
(…)
217.A decisão recorrida padece, ainda, do vício previsto no artigo 410, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, isto, no que se refere ao alegado uso indevido de equipamentos pelo secretariado, uma vez que não há factos que descrevam quaisquer bens móveis de valor apreciável que hajam sido utilizados indevidamente pelo secretariado do IRN (assim determinado pelo Recorrente).
218.Não se enquadra no tipo objetivo do ilícito o comportamento do funcionário que fizer uso para fins alheios àqueles a que se destinem, de coisas móveis de valor diminuto.
219.Assim, “a coisa deve ter um valor apreciável, isto é, deve ser coincidente com o conceito legal de «valor elevado», uma vez que este valor é considerado pela ordem jurídica penal suficientemente sério para justificar a agravação dos crimes patrimoniais” [in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, anotação 6 ao artigo 376 do Código Penal, páginas 1000 e 1001. Ver, também, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, página 1003 e Conceição Ferreira da Cunha, In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Artigos 308 a 386, Coimbra Editora, 2001, página 708 ].
220.Valor elevado é, nos termos do disposto no artigo 201, alínea a) do Código Penal, “aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto”, ou seja, €5.100,00 (cinco mil e cem euros).
221 também não se enquadram no tipo objetivo do ilícito os fatos que se referem ao mero trabalho realizado por funcionárias do IRN (a realização de agendamentos, nomeadamente de reuniões, o envio de emails, o contacto telefónico, a consulta de bases de dados, a prática de actos registrais e outros, já profusamente descritos).
222 Mesmo quando, ao longo do ACÓRDÃO, se alude à “instrumentalização de meios materiais e humanos”, a verdade é que a decisão só considera, para efeitos do preenchimento do tipo do ilícito “ (cfr. página 2239, últimos dois parágrafos e página 2240) o “…uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Diretivo do “Instituto dos Registos e Notariado, I.P.””, no desenvolvimento das tarefas solicitadas pelo Recorrente.
223.Como expendido na página 2239 do ACÓRDÃO, “o uso abusivo não se refere ao trabalho propriamente dito desenvolvido pelos funcionários em causa, mas ao uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado…”.
224.Não envolve o acompanhamento dos coarguidos em visitas a imóveis ou em reuniões, a prática, considerada em si mesma, de determinados atos por funcionários do IRN (nomeadamente o envio de emails), nem o alegado exercício de influência junto de terceiros.
225.Ora, se assim é, forçoso seria que se pudesse descortinar de entre a matéria de facto provada quais teriam sido os equipamentos utilizados pelo secretariado. E, uma vez localizados tais equipamentos, teriam os mesmos de ser de valor apreciável para que pertencessem à categoria de bens que o legislador elegeu para conformar o tipo objetivo do ilícito do peculato de uso.
226.Sucede que da matéria de facto provada [e recorde-se que, seguindo o decidido no ACÓRDÃO, referimo-nos sempre aos factos que se acham descritos nas suas páginas 160 a 300, representando a matéria de facto dada como provada quanto ao denominado Núcleo B], não constam quaisquer referências a “bens móveis” que hajam sido utilizados pelo secretariado, muito menos há qualquer pista capaz de servir para determinar o respetivo valor.
227.Não sabemos que coisas móveis foram momentaneamente utilizadas pelo secretariado, porque da matéria de facto provada só consta a descrição de atos praticados por tais funcionários: o envio de correio eletrónico, desconhecendo-se através de que concreto equipamento (o computador de serviço ou o pessoal?); o contacto telefónico, desconhecendo-se se foi através de que telefone ou telemóvel (e qual a titularidade do telefone ou telemóvel utilizados!).
228.Tratou-se do uso de canetas, computadores, telemóveis, papel, impressoras? O ACÓRDÃO não responde a esta questão, arrumando o tema com a alusão vaga e genérica a “equipamentos” de cujo valor nada se sabe…
229.Ainda que se considere – por hipótese - implícita na matéria de facto, a referência a um telefone, quando em causa estiver o ato de telefonar, a verdade é que sem conhecermos o valor do aparelho em causa, não podemos concluir quanto à punibilidade da conduta do agente.
230.Mas podemos inferir com segurança que uma caneta, um computador, uma impressora ou um telemóvel não excedem o valor de €5.100,00…!
231.Assim, é forçoso concluir que o Recorrente não podia – como foi – ser condenado pela prática do crime de peculato de uso, na parte em que essa condenação se alicerça no alegado uso indevido de equipamentos do IRN por parte do secretariado (factos descritos no Núcleo B, páginas 160 a 300 do ACÓRDÃO, a que correspondem os pontos B.1 a B.786 da nossa sistematização), impondo-se, assim, a revogação de tal decisão, nesta parte, com as legais consequências, mormente, em termos da escolha da pena e da sua medida.
232.A este respeito, veja-se, por todos, o Acórdão do STJ de 4.10.06 (proc. n.º 06P2678 ), em cujo sumário pode ler-se: “É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.”
USO INDEVIDO DO VEÍCULO AUTOMÓVEL
233.A utilização que o Recorrente fez do veículo do IRN não preenche a conduta típica prevista pelo crime de peculato de uso previsto no artigo 376, n.º 1 do Código Penal.
234.Analisada a factualidade do Núcleo B que se refere ao alegado uso indevido da viatura do IRN, temos que, no período de cerca de um ano, isto é, desde a data da autuação dos presentes autos até à data da detenção do Recorrente para sujeição a primeiro interrogatório judicial (26 de novembro de 2013 a 14 de novembro de 2014), a indicação de uso indevido do automóvel ocorreu nas seguintes circunstâncias de tempo: (i) Data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada (ponto B.175); (ii) 3.1.2014, 16h30 (ponto B.197); (iii) 6.1.2014, 14h01 (ponto B.194); (iv) 8.1.2014, aproximadamente às 14h52 (ponto B.201, referindo-se o ponto B.199 à hora aproximada); (v) 14.2.2014, a hora não concretamente apurada (ponto B.482); (vi) 20.2.2014, 15h37 (ponto B.209; de acordo com o ponto B.218, “no mesmo dia”, em data não concretamente apurada, terá ocorrido outra deslocação); (vii) 29.4.2014, aproximadamente às 17h00 (ponto B.222 referindo-se o ponto B.221 à hora aproximada); (viii) 1.9.2014, a jantar na Embaixada da República Popular da China (ponto B.249) e (ix) 11.9.2014, “à hora do almoço” (ponto B.252);
235.Estes episódios de uso alegadamente indevido de veículo resumem-se a escassas visitas a imóveis e, em alguns dos casos, encontros com o arguido Z, que, na sua maioria, ocorreram no período de almoço do Recorrente ou no final do dia, logo, fora do seu horário de expediente (cfr. pontos B.194, B.201, B.209 e B.252, que aludem, respetivamente, às “14h01”, “14h52” e às “15h37” e à “hora do almoço” e o ponto B.249 em que se narra uma deslocação a um “jantar” na Embaixada da República Popular da China).
236.Esta circunstância é muito relevante, atendendo a que é bastante comum e aceite como lícito pela generalidade dos cidadãos a utilização livre de uma viatura de serviço quando essa utilização ocorra fora do período normal de trabalho e seja utilizada em áreas adjacentes do local de trabalho e no âmbito de atividades de algum modo comportaveis no quotidiano do cidadão comum.
237.Não sendo uma tal conduta proibida, quer pelo Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I), quer pelo disposto no Decreto-Lei 170/2008, de 26.8.
238. Sendo, também, evidente que a norma do artigo 376 do Código Penal não visa punir o utilizador de uma viatura de serviço que, após o seu horário de trabalho e a caminho de casa, faz um desvio para ir ao supermercado ou aproveita para ir jantar ou almoçar com amigos…! Como bem expende Conceição Ferreira da Cunha, “o essencial parece ser o referido abuso de cargo, que se consuma no momento da utilização indevida, podendo relevar o prejuízo para as finalidades administrativas (…) no âmbito da medida da pena e até, eventualmente da isenção de pena (tratando-se de uma situação de adequação social ou de uma bagatela penal).”
239. O mesmo se pode dizer dos restantes episódios em que terá havido uso indevido da viatura de serviço dentro do horário dito de expediente, porquanto não se provou a adstrição do Recorrente a um qualquer horário.
240. Estamos a falar de escassas situações, em que este fez um desvio do percurso habitual do veículo de serviço para atender a uma finalidade pessoal, o que, salvo o devido respeito é conduta que, ainda que possa merecer censura ética não tem qualquer relevância penal.
241. Como se pode ler no Acórdão de 5.3.2019 do Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 193/12.4TABRG.G1) “…só é considerável relevante para o direito penal a conduta socialmente danosa, que atinge o meio em que as pessoas vivem, ferindo, em elevado grau, o sentimento de justiça e o senso de adequação social de um povo estando, pois, excluídas da incidência típica as condutas que, em determinado contexto histórico, são socialmente toleradas e praticadas pela sociedade, mesmo que pudessem justificar uma qualquer espécie de crítica à luz de padrões que, noutros planos, também orientam a vida em comunidade, ou, ainda, que não sejam inteiramente normativas, por desrespeitarem regras administrativas ou, p. ex., de âmbito civil.”
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA E DE JUSTIFICAÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE
242.Ainda que não se considere que o Recorrente não praticou o crime de peculato pelo qual foi condenando, então, sempre se dirá que deve considerar-se que este atuou ao abrigo de uma causa de justificação, na medida em que dos factos dados como provados avultam circunstâncias que excluem a culpa do Recorrente (como se verá), e, logo, determinam a impunibilidade da conduta respetiva.
243. Assim, tendo o Recorrente dado às coisas móveis um uso ligado a interesse público de simplificação e concentração de procedimentos, que justifica essa sua conduta, teremos que o interesse punitivo do Estado deve ser afastado face aos mais altos motivos atinentes às necessidades ou bem-estar da comunidade que no caso concreto ressaltam, com evidência, da matéria de facto provada.
244. No caso específico do alegado “uso indevido de equipamentos”, o interesse público justicativo da conduta do Recorrente prende-se com a simplificação de múltiplos procedimentos, nomeadamente concentrando-os, tanto quanto possível, nos serviços proporcionados pelo IRN em colaboração com o SEF, realidade que é aflorada na matéria de facto provada, particularmente nas página 214 do ACÓRDÃO (ponto B.278 da nossa numeração) e páginas 477 a 482 do ACÓRDÃO (pontos B.787 a B.831 já transcritos na motivação).
245. A circunstância de o Recorrente não ter emitido “…qualquer despacho pelo qual considerasse – de forma abstrata e uniforme – que toda e qualquer atividade registral e conexa atinente a atos de investimento subjacentes à atribuição de ARI fossem integrados no âmbito dos procedimentos simplificados e integrados do Sistema Integrado de Registo .” [facto que o Tribunal a quo deu como provado na página 214, ponto B.278 da nossa numeração] não significa que não fosse de interesse relevante - quer na ótica dos serviços prestados pelos organismos do Estado aqui em questão, quer na ótica mais lata do interesse público – a integração no âmbito dos denominados procedimentos simplificados das operações de registo relacionadas com a atribuição ARI.
246. E, por outro lado, provou-se que “as reformas implementadas pelo arguido AF tiveram sempre como bússola e como norte a prossecução do interesse público e não qualquer espúrio interesse próprio ou de terceiros.” (ponto B.798 da nossa sistematização página 497 do ACÓRDÃO);
247. Tendo o Recorrente sido “…o responsável pelo processo de desburocratização e simplificação dos actos registrais, que em muito facilitou o relacionamento dos cidadãos e das empresas com serviços de registo, diminuindo os custos directos e de contexto, e desta forma, constituindo um precioso contributo para o desenvolvimento económico do país” (cfr. ponto B.788 da matéria de facto).
248. Sendo neste contexto que, em 20.5.2013, o Recorrente criou o balcão SIR – soluções Integradas de Registo de Lisboa, com competência para a prática dos procedimentos para operações especiais de registo (através do despacho que consta de fls. 19292 dos autos principais).
249. O Recorrente, foi, assim, segundo resulta da matéria provada no ACÓRDÃO, percursor de importantes reformas, das quais avulta, a diminuição dos tempos de espera e as deslocações aos serviços, a abolição da competência ou circunscrição territorial, podendo os utentes escolher livremente os serviços que melhor se adequassem às suas necessidades e a criação de balcões únicos de atendimento (cfr. pontos B.789, B.790 e B.791 da matéria de facto provada).
250. Assim, o comportamento do Recorrente, quando instruiu o secretariado para agilizar determinados procedimentos deve ser devidamente contextualizado, em face desta matéria que o próprio Tribunal a quo deu como provada nas páginas 477 a 482.
251. Estando, além do mais, de acordo com o espírito da Portaria n.º 547/2009 de 25 de maio , que, como se sabe, procedeu à centralização em “balcões únicos” de variadíssimas operações de registo, em cujo preâmbulo se pode ler que, “no âmbito do programa SIMPLEX e com o objectivo de reduzir os custos de contexto e os encargos administrativos para as pessoas e as empresas, foram concretizadas numerosas medidas de simplificação na área dos registos de veículos, comercial, civil, predial e da propriedade industrial. Essas medidas reflectiram-se em três eixos; criação de balcões únicos, simplificação transversal de procedimentos e disponibilização de novos serviços através da Internet. Assim, em primeiro lugar, foram criados novos serviços que permitem, em atendimento presencial único, todos os actos e procedimentos necessários a uma situação da vida de pessoas ou empresas, de forma mais simples, evitando formalidades dispensáveis e a constante deslocação a vários serviços e entidades. É o caso dos balcões «Nascer cidadão». «Divórcio com partilha», «Heranças», «Associação na hora», «Casa pronta», «Documento único automóvel», «Empresa na hora» e «Marca na hora»”.
252. Pretendeu o Recorrente simplificar os procedimentos tendentes à obtenção de determinados títulos, ciente de que essa simplificação era do interesse dos cidadãos, e estava de acordo, quer com as diretivas que o Recorrente recebia diretamente do Governo, quer com a própria legislação reguladora do “programa SIMPLEX”.
253. É assim que deve ser enquadrado aquilo que é, indevidamente, apelidado no ACÓRDÃO como instrumentalização de meios humanos e materiais do IRN, aqui incluindo funcionários, bases de dados e equipamentos (ainda que não idenficados, concretamente, na matéria de facto provada).
254. Trata-se não de instrumentalizar indevidamente, mas sim, de colocar tais meios ao serviço de um programa ambicioso de simplificação de procedimentos plenamente legal e admissível. O que sendo de evidente interesse público constitui causa de justificação da conduta do Recorrente.
255. A este respeito, sublinhamos a seguinte doutrina a propósito das causas de justificação que podem determinar a impunibilidade da conduta que, em abstrato, se subsuma ao crime de peculato de uso: “A prossecução de um especial interesse público («sem especiais razões de interesse público que o justifiquem») é uma causa de justificação da conduta…” . “A verdade é que, como flui, aliás, do inciso «sem que especiais razões de interesse público o justifiquem», a lei, a propósito, «quis dar um tratamento especial (mais favorável) às situações de desvio de dinheiro público para finalidades públicas»…”
256. Mesmo no alegado uso indevido da viatura de serviço do IRN avulta como causa de justificação o interesse - ligado a necessidades ou bem-estar da comunidade - em captar investimento estrangeiro para o País que (recorde-se) à data vivia submerso numa crise económico-financeira gravíssima que afetava muito o respetivo desenvolvimento (circunstância esta que é pública e notória).
257. Ainda que, em situações concretas, esse interesse público possa ter coexistido com interesses particulares de terceiros (os interesses privados de natureza empresarial do arguido Z ) enquanto investidores, essa circunstância não anula, evidentemente, o aspeto público do interesse, que aqui reafirmamos.
258. Também nestas situações o Recorrente visou agilizar (simplificar) procedimentos conexos com essas múltiplas formas de investimento estrangeiro, o que implicou, em certos casos, “efetuar serviços de fretes” (ponto B.728, página 291 do ACÓRDÃO) que, embora do interesse direto do arguido Z, eram, também, interesses ligados a necessidades ou bem-estar da comunidade”.
Respondendo a esta matéria do recurso deste arguido, recorde-se que o Ministério Público contrapõe com as seguintes conclusões (transcrição):
Com efeito, e relativamente ao crime de peculato de uso p. e p. no artigo 376.º, n.º 1, do Código Penal, por cuja prática o arguido AF foi condenado, considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, sustenta-se no Recurso interposto pelo Ministério Público que face à duração da utilização da viatura automóvel em tal actividade criminosa (quase dois anos), deve haver lugar à elevação da pena parcelar, daí que, e por isso mesmo, o Ministério Público, com excepção da medida concreta da pena, concorda, necessariamente, quer com a fundamentação de facto e de direito, quer com a decisão constante do Acórdão recorrido.
(…)
Por outro lado, e como veremos, é notório que os fundamentos constantes das motivações de recurso apresentadas pelos Recorrentes apoiam-se, por um lado, em visões e projecções hipotéticas e abstractas que, salvo o devido e muito respeito, acabam por desprezar de forma abusiva e ilegítima o contexto histórico-factual, os aspectos da realidade concreta e o direito penal do facto e, por outro lado, ancoram nas mais puras das encenações e fantasias probatórias sem qualquer correspondência com a realidade.
(…)
22.Com efeito, os múltiplos factos do Núcleo B que o Acórdão recorrido deu como provados relativamente ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, pois, antes se mostram, isso sim, conexionados com o crime de corrupção passiva p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no Núcleo B da pronúncia), de que o Recorrente foi absolvido, no entanto, o Ministério Público interpôs também recurso sobre essa matéria.
23.Daí que, e não se mostrando os múltiplos factos do Núcleo B que o Acórdão recorrido deu como provados relativamente ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN conexionados nem integrando o tipo legal de crime de peculato de uso como sustenta o Recorrente, é evidente que o texto do Acórdão recorrido relativamente a tal matéria não sofre do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal.
24.Por outro lado, e pelas mesmas razões, é evidente que a condenação do Recorrente pela prática do crime de peculato de uso jamais se alicerçou no alegado uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, pois apenas se alicerçou na utilização indevida da viatura de serviço do IRN, daí que, e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente a fls. 294 da Motivação de recurso não deve haver lugar a redução da pena mas antes, e pelo contrário, e como se pugna no Recurso apresentado pelo Ministério Público deve haver lugar a elevação da pena aplicada na condenação pela prática do crime de peculato de uso da viatura.
(…)
69. Sustenta o Recorrente, por outro lado, que a suposta falta de prova do acordo leva, necessariamente, à falta de prova de que o Recorrente tenha agido com dolo e não se tendo provado o elemento subjetivo do tipo de ilícito do crime de peculato de uso, o Recorrente deve ser absolvido da prática do crime de peculato de uso, pelo qual foi condenado em primeira instância.
70. Mesmo que assim se não entenda, o Recorrente sustenta que da prova produzida na audiência de julgamento resulta, de forma clara, que o Recorrente ignorou sempre que a utilização que fazia da viatura de serviço pudesse consubstanciar a prática de crime, nomeadamente, o crime de peculato de uso, daí que tal desconhecimento consubstancia erro sobre a ilicitude, o qual exclui a culpa, nos termos do artigo 17.º do Código Penal.
71. Aliás, o Recorrente com vista a provar tal desconhecimento e a convicção de licitude do seu comportamento invoca as suas próprias declarações, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas JAC e NC, motoristas do IRN, especialmente na parte em que eventualmente ocultou, disfarçou aquilo que fazia ou pediu que fossem ocultadas as deslocações que fez ou mandou fazer através da viatura de serviço.
72. Além disso, e erradamente como veremos, faz uma interpretação a seu favor, em nítido abuso de direito, do Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I) com vista a fundamentar que eventual erro não lhe é censurável nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Código Penal.
73. Posto isto, e desconstruindo a argumentação do Recorrente, há que referir, em primeiro lugar, e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, que o acordo celebrado entre o Recorrente e os co-arguidos Z e ZB resultou devidamente provado no Acórdão recorrido, daí que, e tendo em conta os demais factos dados como provados, também resulta devidamente provado o elemento subjectivo do tipo de ilícito do crime de peculato de uso, sendo que o dolo não se evidencia ou manifesta senão através dos actos exteriores ou factos demonstrativos de que o agente pretendeu e quis com a execução de uma determinada factologia atingir um fim ou resultado.
74. Com efeito, os factos respeitantes ao elemento subjectivo da infração, mais não são do que a consequência lógica da actuação do Recorrente, pois a intenção deste (neste caso o dolo) está demonstrado pelos factos objetivos que resultaram provados, sendo que, como é consabido, os factos que integram o elemento subjectivo «acontecimentos do foro interno» não são provados, por via de regra, por prova directa, antes, e na normalidade das situações, o tribunal adquire esta prova dos factos materiais e objectivos, por inferência tendo em atenção as regras da experiência comum, segundo um processo lógico racional.
75. Assim, a intenção do agente, dolosa, retira-se com facilidade dos elementos objectivos apurados, respeitantes aos actos praticados.
76. Passando agora à análise crítica da argumentação de que o Recorrente ignorou sempre que a utilização que fazia da viatura de serviço pudesse consubstanciar a prática do crime de peculato de uso, certo é que os factos dados como provados integram a prática do mencionado crime.
77. Aliás, e face à matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, a utilização da viatura ocorreu entre 25.9.2013 e 11.9.2014, nomeadamente em data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada, em 3.1.2014 (16h30), em 6.1.2014 (14h01), em 8.1.2014, aproximadamente às 14h52, em 20.2.2014 (15h37), em 29.4.2014, aproximadamente às 17h00, em 1.9.2014, (hora de jantar) e 11.9.2014, (à hora do almoço).
78. Por outro lado, e revisitando o tipo legal de crime previsto no artigo 376.º do Código Penal, constata-se que não faz parte do tipo objectivo qualquer acção de ocultação e/ou de disfarce ou de ocultação das deslocações feitas pela viatura, daí que, e devido a isso mesmo, as declarações do Recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas JAC e NC não se revestem de qualquer relevância probatória e de quaisquer reflexos jurídico-criminais.
79.Acresce que também se mostra totalmente irrelevante em termos de preenchimento do tipo legal do crime em causa se a viatura de serviço foi utilizada nos períodos das refeições do Recorrente ou no final do dia, o que releva, isso sim, e como foi dado como provado, foi que o Recorrente, além do mais, utilizou e permitiu que a viatura de serviço fosse ultilizada no transporte de outras pessoas para fins alheios àqueles a que se destinava.
80.Aliás, há que ter em conta que o próprio Recorrente praticou os factos dados como provados numa situação de isenção de horário, daí que a argumentação aduzida pelo Recorrente não colhe.
81.Por fim, e no que respeita à invocação do Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (Apenso W, Volume I, fls. 38 a 43), e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, cumpre referir que afinal o artigo 5.º, n.º 2, do mencionado regulamento preceitua que «os veículos afectos ao IRN, I.P. apenas poderão ser utilizados no desempenho de actividades próprias e no âmbito das suas atribuições e competências, excluindo quaisquer fins particulares», dispondo o artigo 7.º, n.º 4, que «a utilização abusiva ou indevida do veículo, em desrespeito pelas condições de utilização fixadas no presente regulamento ou noutros diplomas legais e regulamentares do PVE, constitui infracção disciplinar e deve ser punida de acordo com a legislação em vigor».
82. A ser assim, jamais o Recorrente poderia interpretar e inferir que o mencionado regulamento nada estatuía quanto à possibilidade ou impossibilidade de utilização de viatura de serviço em áreas adjacentes ao local de trabalho, fora do horário laboral e de forma comportável no quotidiano do cidadão comum.
83.Além disso, bastava ao Recorrente ter interpretado literalmente os artigos 5.º e 7.º do mencionado regulamento para concluir que a utilização da viatura nos momentos e circunstâncias consideradas relevantes no Acórdão recorrido seria considerada utilização ilícita, para mais tendo em conta que foi o próprio Recorrente que, na qualidade de Presidente do Conselho Directivo do IRN, aprovou o Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.
84.Contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, entendemos que neste particular também não existe qualquer erro de julgamento, sendo que o Recorrente não indica qualquer prova que imponha uma decisão diferente da que o Acórdão recorrido tomou a tal respeito.
85.Nestes termos, e atendendo-se ao quadro global do conjunto dos indícios e da prova produzida e indicada no Acórdão recorrido, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, diremos que existe e que foi feita a prova suficiente de que o Recorrente relativamente ao crime de peculato de uso (utilização da viatura de serviço do IRN) agiu dolosamente e com consciência da ilicitude dos factos praticados e dados como provados no Acórdão recorrido, razão pela qual, neste particular, não deve haver lugar à absolvição do Recorrente da prática do mencionado crime de peculato de uso.
(…)
136.Relativamente às questões suscitadas pelos Recorrentes em sede da impugnação de direito, há que referir que o uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, bem como a determinação ao secretariado do IRN da prática de determinados atos – a realização de agendamentos (nomeadamente, reuniões ou prática de actos registrais), o envio de emails, o contacto telefónico, a impressão de documentos ou a consulta de bases de dados), como foi assinalado anteriormente, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, pois, antes se mostram, isso sim, conexionados com o crime de corrupção passiva, daí que, neste particular, e não obstante a confusão que o Recorrente faz das diversas situações, há que se atentar somente no crime de peculato de uso relativamente à utilização da viatura de serviço do IRN.
137.Na verdade, o uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, bem como a determinação ao secretariado do IRN da prática de determinados actos, e pese embora alguma referência menos rigorosa constante do Acórdão recorrido, é certo que tais factos jamais serviram de fundamento para a condenação do arguido pela prática do crime de peculato de uso p. e p. pelo art. 376.º, n.º 1, do Código Penal, pois a condenação pela prática do dito crime, até pelo quadro fáctico descrito na Acusação/Pronúncia, mostra-se somente confinada à prática dos factos respeitantes à utilização da viatura de serviço.
138.Assim, e no que concerne ao crime de peculato de uso relativamente à viatura de serviço o Acórdão recorrido mostra-se devidamente fundamentado, sendo que, e contrariamente ao sustentado pelo Recorrente AF o Acórdão recorrido, neste particular, não sofre da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal.
139.Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, é evidente que relativamente ao uso indevido do veículo automóvel o tipo legal de crime de peculato de uso se encontra preenchido e que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente AF não se verifica, concretamente, nenhuma causa de exclusão da culpa nem nenhuma causa de justificação.
Cumpre apreciar destes fundamentos do recurso do arguido AF..
No seu recurso, este arguido AF suscita duas questões fundamentais: do não preenchimento dos elementos típicos do crime de peculato de uso (equipamentos e veículo automóvel), e, também assim, da verificação de dirimentes justificativas ou exculpativas da conduta que lhe foi imputada.
Numa primeira observação prévia há que esclarecer que aquando da análise das nulidades aventadas ao acórdão recorrido, este tribunal de recurso teve ocasião de concluir que a apreciação jurídica deste último tinha de ser conjugada com o enunciado a fls. 2237 do acórdão e que acima se transcreveu.
Salvo melhor entendimento, este segmento do acórdão permite circunscrever os factos do núcleo B que para o tribunal colectivo integram o tipo de ilícito de peculato de uso e não existe qualquer omissão de fundamentação.
Por outro lado, tal como afirma o Ministério Público na resposta ao recurso, os múltiplos factos do Núcleo B que o acórdão recorrido deu como provados relativamente ao uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, contrariamente ao sustentado pelo recorrente AF, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, pois, antes se mostram, isso sim, conexionados com o crime de corrupção passiva de que o recorrente foi absolvido a qual incriminação foi já apreciada por via do recurso apresentado pelo mesmo Ministério Público.
Como já anteriormente exposto, para ser relevante como vicio decisório, a insuficiência da decisão da matéria de facto tem de resultar da omissão do tribunal em se pronunciar sobre factos relevantes constantes da acusação ou alegados pela defesa ou em investigar factos que deviam ter sido apurados em audiência
Não é isso que acontece na situação em apreço.
O recorrente expôs o seu entendimento quanto à conformação do elemento objectivo “valor apreciável” do tipo de crime de peculato de uso, por analogia com o conceito de “valor elevado”, e alega a inexistência de factos sobre essa matéria quanto aos equipamentos utilizados pelo secretariado, para concluir que não podia ser condenado pela prática do crime de peculato de uso, na parte em que essa condenação se alicerça no alegado uso indevido de equipamentos do IRN por parte do secretariado.
Ainda que se entenda que se trata de matéria referente ao tipo de crime de peculato de uso, mesmo que se concorde com a ideia segundo a qual se tornaria indispensável o apuramento da expressão económica de cada um dos bens que constituíam os equipamentos utilizados, o certo é que o concreto valor de cada um dos elementos do equipamento não se trata de facto que constasse da acusação, da pronúncia ou da contestação, ou sobre o qual fosse viável a indagação na audiência de julgamento, pelo que inexiste omissão de investigação de matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão.
Certo é que o uso indevido de equipamentos pelo secretariado do IRN, bem como a determinação ao secretariado do IRN da prática de determinados atos – a realização de agendamentos (nomeadamente, reuniões ou prática de atos registrais), o envio de emails, o contacto telefónico, a impressão de documentos ou a consulta de bases de dados), como foi assinalado anteriormente, não se mostram conexionados com o crime de peculato de uso, pois, antes se mostram, isso sim, conexionados com o crime de corrupção passiva, daí que, neste particular, e não obstante a confusão que o recorrente faz das diversas situações, vamos somente atentar no crime de peculato de uso relativamente à utilização da viatura de serviço do IRN. Nesse sentido, apenas terá que corrigir-se a fundamentação jurídica do acórdão recorrido, neste ponto, não fazendo estender o peculato de uso aos “equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." no desenvolvimento das tarefas por ele solicitadas”, tal como aí erroneamente exposto.
Também assim, irá esclarecer-se, mais à frente, se em matéria da determinação da pena a condenação por esta incriminação, na pena parcelar de 9 (nove) meses de prisão, foi de alguma forma ponderada esta precisão incriminatória (relativa aos factos atinentes ao uso abusivo da viatura de serviços nos moldes considerados).
Pelo que improcedente esta primeira argumentação, bem como os vícios decisórios a ela ligados, cumpre apreciar agora da segunda categoria de factos que o tribunal a quo deveria ter considerado efectivamente integrante do crime de peculato de uso, referentes ao uso de veículo automóvel conduzido por motoristas do IRN. Enquadrar-se-ão nesta categoria, os factos vertidos nos pontos B.175, B.194, B.197, B.201, B.209 , B.218 , B.222 , B.249 , B.252 , B.482 , B.779, B.780, B.781, B.782, B.783, B.784, B.785, B.786.
Impõe-se considerar a definição tipológica do crime de peculato de uso.
Começando pela noção de peculato, enquanto tipologia primária.
Assim, o crime de peculato previsto no Artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, é um crime de dano, quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido e de resultado, quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção. O objecto do crime de peculato é duplo: por um lado, a tutela de bens jurídicos patrimoniais; e, por outro, a tutela da probidade e fidelidade dos funcionários. São elementos típicos do crime de peculato: a) Que o agente seja um funcionário para efeitos do Artigo 386.º do Código Penal; b) Que tenha a posse do bem (dinheiro ou coisa móvel) em razão das suas funções; c) Que se passe a comportar como se fosse proprietário do dinheiro, o que deve revelar-se por actos objectivamente idóneos e concludentes que traduzam a «inversão do título de posse ou detenção»; d) Que o agente faça seu o dinheiro, com consciência de que se trata de bem alheio do qual tem a posse em razão das suas funções e que tenha consciência e vontade de fazer seu o bem para seu próprio benefício ou de terceiro. A consumação ocorre quando o agente inverte o título de posse, passando a agir como se fosse proprietário da coisa que recebeu e detinha precariamente.
Já no que concerne ao crime de peculato de uso, o mesmo encontra previsão no Artigo 376.º do Código Penal.
Este crime tem como elementos objectivos do tipo: - um funcionário que fizer uso ou permitir que outra pessoa faça uso; - para fins alheios àqueles a que se destinem; - de coisa imóvel, de veículos, de outras coisas móveis ou de animais de valor apreciável, públicos ou particulares; - entregues, estiverem na sua posse ou lhe forem acessíveis em razão das suas funções; ou, - funcionário dar a dinheiro público destino para uso público diferente daquele a que está legalmente afectado;- sem que especiais razões de interesse público o justifiquem.
E, como elemento subjectivo o dolo, em qualquer uma das suas formas.
Para Conceição Ferreira da Cunha, no que respeita ao bem jurídico valido, "está essencialmente em causa (…), a protecção do bom andamento, legalidade e transparência da administração através da repressão de abusos de cargo (função) por parte de funcionários que, em razão das suas funções, têm a posse de determinados bens (…). O bem jurídico patrimonial é também tutelado no n.º 1, uma vez que se penaliza a utilização indevida (…) de bens móveis alheios (…); mas, mais do que a propriedade, tutela-se a posse legítima dos bens por parte do Estado (os quais podem ser propriedade do próprio Estado ou de particulares), uma vez que se penaliza o facto do agente, ao invés de actuar como um possuidor zeloso, respeitando os fins a que os bens se destinam, lhes dar destino diverso" (in, Comentário Conimbricense parte Especial, volume III, p. 705-706).
Neste sentido, "o bem jurídico protegido pela incriminação é a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário. Por um lado, só se abrangem as "funções públicas" e não a actividade privada do funcionário. Por outro lado, os funcionários sujeitos ao tipo não são só os funcionários do Estado português, uma vez que o conceito penal de funcionário inclui também os gestores e os trabalhadores de empresas concessionárias de serviços públicos, que não se integram no Estado, bem como os funcionários estrangeiros e os funcionários de organizações de direito internacional público". E, acessoriamente, "o património alheio (público ou particular)" (in, Paulo Pinto Albuquerque, Código Penal Anotado, pp. 1180 e 1199).
Trata-se de um crime específico próprio, pois que o simples abuso do uso não é punível. A punibilidade desta conduta supõe a qualidade de funcionário do respetivo sujeito ativo. Está essencialmente em causa, tal como no tipo legal do peculato, a proteção do bom andamento, legalidade e transparência da administração, através da repressão de abusos de cargo (função) por parte de funcionários que, em razão das suas funções, têm a posse de determinados bens.
No que respeita ao elemento subjetivo do crime, tratando-se de um crime doloso, exige-se para o seu preenchimento um específico animus apropriandi. Assim o agente terá de ter conhecimento da factualidade típica, nomeadamente ter consciência de que se trata de bem alheio de que tem a posse em razão as suas funções, e terá ainda de ter a consciência e a vontade de fazer seu o bem, para seu próprio benefício ou de terceiro. Concretamente quanto ao crime de peculato de uso, dir-se-á que a intenção do agente não é a de fazer seu o bem, mas a de o usar temporariamente, ou de permitir o seu uso, tendo que existir ab initio a intenção de restituição. Com efeito, se o agente tinha intenção de apropriação quando praticou a conduta e posteriormente resolve restituir o bem, preencher-se-á o tipo legal do peculato e não o de peculato de uso.
Por outro lado, verificando-se que o crime de peculato, previsto e punido pelo Artigo 375.º do Código Penal, visa proteger a integridade do exercício das funções públicas pelo funcionário e, acessoriamente o património alheiro, seja este público ou privado, não se pode ignorar, que o crime de peculato de uso (Artigo 376.º do Código Penal), visa proteger os mesmos bens jurídicos, constituindo além do mais, tal como o crime de peculato um crime de dano e de resultado, apenas se distinguindo do primeiro quanto à forma de consumação, o crime de peculato exigindo a acção de apropriação e o crime de peculato de uso bastando-se com o uso da coisa.
Assim, nos Acs. da RE de 14/7/2015, processo n.º 30/10.4TABJA.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9aff13d4a1ca627b80257eba00363db3?OpenDocument e da RP de 12/10/2016, processo n.º 276/11.8TAVLC.P2, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/B59883460EABC950802580530050D59A. Colija-se, também assim, o Ac. da RE de 2/12/2010, processo n.º 50/03.5TAFAR.E1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fb021d4610b24cd780257de10056f4bf?OpenDocument (mais precisamente sobre a questão da punibilidade da utilização de dinheiro a non domino como peculato de uso nos termos do Artigo 376.º do Código Penal).
Ora, quanto ao crime de peculato de uso que lhe é imputado, o mesmo consumou-se quando o arguido passou a utilizar o veículo de serviço com o objetivo de praticar atos alheios às funções para que estava destinado, usando-o em exclusivo proveito próprio.
Na verdade, o crime de peculato de uso previsto no Artigo 376.º, nº 1, do Código Penal, tal como nos diz o acórdão recorrido, consuma-se com a utilização, pelo funcionário, de veículo ou outra coisa móvel de valor apreciável, para fins alheios àqueles a que se destinam, independentemente de o fim visado pelo agente se ter ou não concretizado – assim, no Ac. da RP de 20/6/2012, processo n.º 357/10.5TAAMT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/a28731b33b7ac65b80257a2b0038b088?OpenDocument.
Quanto às causas de justificação ou de exculpação invocadas, há que dizer o seguinte.
Centrando-nos na utilização abusiva do veículo automóvel conduzido por motoristas do IRN, sabendo que a mesma utilização se encontrava adstrita a um regulamento próprio, demonstra-se como dificilmente verificável a prossecução de um especial interesse público em captar investimento estrangeiro para o Portugal então submerso numa crise económico-financeira gravíssima que afetava muito o respetivo desenvolvimento. Desde logo, porque a utilização da viatura em causa esteve marcada por interesses particulares de terceiros (os interesses privados de natureza empresarial do arguido Z) enquanto investidores.
Por outro lado, o conceito de utilização para “fins alheios àqueles a que se destina” de veículo ou das coisas móveis de valor apreciável, não comportará aqui a verificação de qualquer causa justificativa, mesmo as invocadas razões especiais de interesse público, seja por efeito de um hipotético direito necessidade (Artigos 34.º e 35.º do Código Penal – “facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”) ou de um sempre distante conflito de deveres (Artigo 36.º do Código Penal). É no mínimo bizarra a ideia que a utilização abusiva da viatura de serviço estaria justificada pela crise financeira que o país atravessava na altura, combatida pelo arguido nas viagens que fazia também em torno dos seus próprios interesses privados, desde logo pelo seu carácter difuso e duvidoso.
Mesmo que se atendesse que também nestas situações o recorrente visava agilizar (simplificar) procedimentos conexos com essas múltiplas formas de investimento estrangeiro, esses eventuais serviços de fretes não justificariam a violação de normas específicas de utilização das viaturas e do serviço dos motoristas.
E quanto ao invocado dolo ou erro sobre a ilicitude relativamente ao crime de peculato de uso (utilização da viatura de serviço do IRN).
Como se constata do acórdão recorrido, a comprovação do aludido acordo constitui, na verdade, um dos elementos que conjugados constituem facto determinante para a conclusão que o recorrente actuou com dolo. O acordo celebrado entre o recorrente e os co-arguidos Z e ZB resultou devidamente provado no acórdão recorrido, daí que, e tendo em conta os demais factos dados como provados, também resulta devidamente provado o elemento subjectivo do tipo de ilícito do crime de peculato de uso, sendo que o dolo não se evidencia ou manifesta senão através dos actos exteriores ou factos demonstrativos de que o agente pretendeu e quis com a execução de uma determinada factologia atingir um fim ou resultado.
Com efeito, os factos respeitantes ao elemento subjectivo da infração, mais não são do que a consequência lógica da actuação do recorrente, pois a intenção deste (neste caso o dolo) está demonstrado pelos factos objetivos que resultaram provados, sendo que, como é consabido, os factos que integram o elemento subjectivo «acontecimentos do foro interno» não são provados, por via de regra, por prova directa, antes, e na normalidade das situações, o tribunal adquire esta prova dos factos materiais e objectivos, por inferência tendo em atenção as regras da experiência comum, segundo um processo lógico racional.
Assim, a intenção do agente, dolosa, retira-se com facilidade dos elementos objectivos apurados, respeitantes aos actos praticados.
O outro elemento objectivo trata-se do Regulamento de Uso de Veículos do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (fls. 38 a 43 do Apenso W, Volume I), que o aqui recorrente interpreta a seu favor, tal como bem se concluiu aquando da apreciação da prova e da fundamentação de facto.
Passando agora à análise crítica da argumentação de que o recorrente ignorou sempre que a utilização que fazia da viatura de serviço pudesse consubstanciar a prática do crime de peculato de uso, certo é que os factos dados como provados nos dizem o seguinte:
A utilização da viatura ocorreu entre 25.9.2013 e 11.9.2014, nomeadamente em data não concretamente apurada após 25/9/2013 e em hora também não concretamente apurada, em 3/1/2014 (16h30), em 6/1/2014 (14h01), em 8/1/2014, aproximadamente às 14h52, em 20/2/2014 (15h37), em 29/4/2014, aproximadamente às 17h00, em 1/9/2014, (hora de jantar) e 11/9/2014, (à hora do almoço).
Por outro lado, e revisitando o tipo legal de crime previsto no Artigo 376.º do Código Penal, constata-se que não faz parte do tipo objectivo qualquer acção de ocultação e/ou de disfarce ou de ocultação das deslocações feitas pela viatura. Acresce que também se mostra totalmente irrelevante em termos de preenchimento do tipo legal do crime em causa se a viatura de serviço foi utilizada nos períodos das refeições do recorrente ou no final do dia, o que releva, isso sim, e como foi dado como provado, foi que o recorrente, além do mais, utilizou e permitiu que a viatura de serviço fosse utilizada no transporte de outras pessoas para fins alheios àqueles a que se destinava.
Aliás, há que ter em conta que o próprio recorrente praticou os factos dados como provados numa situação de isenção de horário, daí que a argumentação aduzida pelo Recorrente não colhe.
Por fim, no que respeita à invocação do mencionado Regulamento de Uso de Veículos, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, cumpre referir que o artigo 5.º, n.º 2, do mencionado regulamento preceitua que «os veículos afectos ao IRN, I.P. apenas poderão ser utilizados no desempenho de actividades próprias e no âmbito das suas atribuições e competências, excluindo quaisquer fins particulares», dispondo o artigo 7.º, n.º 4, que «a utilização abusiva ou indevida do veículo, em desrespeito pelas condições de utilização fixadas no presente regulamento ou noutros diplomas legais e regulamentares do PVE, constitui infracção disciplinar e deve ser punida de acordo com a legislação em vigor». A ser assim, jamais este recorrente poderia interpretar e inferir que o mencionado regulamento nada estatuía quanto à possibilidade ou impossibilidade de utilização de viatura de serviço em áreas adjacentes ao local de trabalho, fora do horário laboral e de forma comportável no quotidiano do cidadão comum.
Além disso, bastava ao recorrente ter interpretado literalmente os artigos 5.º e 7.º do mencionado regulamento, que ele próprio aprovou na qualidade de Presidente do Conselho Directivo do IRN, para concluir que a utilização da viatura nos momentos e circunstâncias consideradas relevantes no acórdão recorrido seria considerada utilização ilícita.
Nestes termos, tal como decorre aliás do anteriormente referido na fundamentação de facto, atendendo-se ao quadro global do conjunto dos indícios e da prova produzida e indicada no acórdão recorrido, tudo devidamente conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, e contrariamente ao sustentado pelo recorrente, diremos que existe e que foi feita a prova suficiente de que o recorrente relativamente ao crime de peculato de uso (utilização da viatura de serviço do IRN) agiu dolosamente e com consciência da ilicitude dos factos praticados e dados como provados no acórdão recorrido, razão pela qual, neste particular, não deve haver lugar à absolvição do Recorrente da prática do mencionado crime de peculato de uso.
Por outro lado, tendo em conta a mesma matéria de facto dada como provada, é evidente que relativamente ao uso indevido do veículo automóvel o tipo legal de crime de peculato de uso se encontra preenchido e que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente AF não se verifica, concretamente, nenhuma causa de exclusão da culpa nem nenhuma causa de justificação.
Responsabilidade criminal dos arguidos AF e MA..
Tráfico de influência
24. O tribunal de primeira instância absolveu o arguido AF da imputação da prática de um crime de tráfico de influência, p. e p., nos termos do Artigo 335.º, n.º 2, do Código Penal (factos descritos no núcleo B), e ambos os arguidos AF e MA da prática, cada um deles, de dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do Artigo 335.º, n.° 1, alínea a), do Código Penal (factos descritos no núcleo E).
A fundamentação da decisão de improcedência de subsunção dos factos referentes aos crimes de tráfico de influência, foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
Quanto ao arguido AF:
“No caso dos factos descritos no núcleo B, desde logo, e em face dos factos provados, afigura-se que o comportamento do arguido AF preenche os elementos típicos do crime de tráfico de influência previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 335.º do Código Penal e não o tráfico de influência previsto no n.º 2 do artigo 335.º do Código Penal.
No entanto, por constituir um crime mais grave o Tribunal Colectivo está impedido de proceder a esta convolação, a qual representa uma alteração substancial da qualificação jurídica da imputação efectuada ao arguido AF..
Com efeito, o arguido Z promete uma vantagem patrimonial ao arguido AF consubstanciada na perspectiva de participação económica nos negócios dos imóveis, como contrapartida da influência deste junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a fim de obter uma expedita emissão de ARI.
Dos factos provados não resulta que o arguido AF tenha dado ou prometido a uma entidade pública, nomeadamente, ao arguido MP, uma vantagem patrimonial para esta abusar da sua influência para um qualquer fim lícito ou ilícito.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido AF não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
Quanto aos factos descritos no ponto E, é de concluir que o comportamento do arguido AF integrou os elementos do tipo objectivo e subjectivo desta incriminação.
Com efeito, conforme acima se analisou em relação aos crimes de corrupção activa e passiva imputados a este arguido ele comprometeu-se junto da arguida MA a usar a sua influência como Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e como amigo do Ministro da Administração Interna, o arguido MM para ajudar as candidaturas de pessoas de interesse para aquela arguida.
No caso, a Dra.CF como oponente no concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e o Dr.HM no concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente.
E, o arguido fez estas promessas de ajuda, de prestação de influência, como moeda de troca da prática de actos que o beneficiassem por parte da arguida MA..
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causa de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento do arguido AF típico, ilícito e culposo é de concluir que ele praticou dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a), do Código Penal (factos acima descritos sob o ponto E).
No entanto, o bem jurídico protegido pela incriminação da corrupção e pela incriminação do tráfico de influência é o mesmo (a autonomia intencional do Estado) e constituindo esta última incriminação a antecipação da tutela penal referente aos comportamento puníveis como crimes de corrupção, é de concluir que no caso dos autos o mesmo comportamento do arguido AF é duplamente punido.
Assim sendo, configura-se uma situação de concurso aparente de crimes em que o mais levemente punível é consumido pelo crime mais grave, que no caso é o crime de corrupção.
Deste modo, por força deste concurso aparente de crimes, o comportamento do arguido não poderá ser punido a título de crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a), do Código Penal (factos acima descritos sob o ponto E).”
E, quanto à arguida MA:
“Perante a factualidade apurada e descrita no ponto E, é de concluir que o comportamento da arguida MA integrou os elementos do tipo objectivo e subjectivo desta incriminação.
Com efeito, conforme acima se analisou em relação aos crimes de corrupção activa e passiva imputados a esta arguida, ela solicitou ao arguido AF o uso da sua influência como Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e como amigo do Ministro da Administração Interna, o arguido MM para ajudar as candidaturas de pessoas de interesse para a arguida MA..
No caso, a Dra.CF no concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e o Dr.HM no concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna.
E, a arguida MA solicitou o uso desta influência como moeda de troca da prática de actos que beneficiassem o arguido AF no concurso da CReSAP em que era oponente para o cargo de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
A ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causa de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento da arguida MA típico, ilícito e culposo é de concluir que ela praticou dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a), do Código Penal (factos descritos sob o ponto E).
No entanto, o bem jurídico protegido pela incriminação da corrupção e pela incriminação do tráfico de influência é o mesmo (a autonomia intencional do Estado) e constituindo esta última incriminação a antecipação da tutela penal referente aos comportamento puníveis como crimes de corrupção, é de concluir que no caso dos autos o mesmo comportamento da arguida MA é duplamente punido.
Assim sendo, configura-se uma situação de concurso aparente de crimes em que o mais levemente punível é consumido pelo crime mais grave, que no caso é o crime de corrupção.
Deste modo, por força deste concurso aparente de crimes, o comportamento da arguida MA não poderá ser punido a título de crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 2 do Código Penal (factos descritos sob o ponto E)”.
No seu recurso, o Ministério Público, quanto a esta decisão pela não responsabilização criminal dos arguidos, conclui com a seguinte argumentação:
“DA ABSOLVIÇÃO DOS ARGUIDOS AF E MA DA PRÁTICA DE DOIS CRIMES DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA P. e P. PELO Artigo 335.º, n.º 1, DO CÓDIGO PENAL (FACTOS DESCRITOS NO NÚCLEO E).
663.ª Sustenta-se no Acórdão recorrido, a fls. 2237 e seguintes que Defende o recorrente que, a considerar-se indiciada a prática de factos integradores de tráfico de influência, tal factualidade estaria já abarcada pela prática do crime de corrupção igualmente indiciado, intercedendo entre ambos os crimes de tráfico de influência uma relação de concurso aparente, designadamente uma relação de consumpção, e não uma relação de concurso efectivo, porquanto os dois crimes tutelariam o mesmo e único bem jurídico: a autonomia intencional do Estado.
664.ª Ora, salvo melhor opinião, inexiste, no caso, qualquer unidade de infracções e concurso de normas, cuja resolução passe pela punição do crime mais grave, através da operação de uma relação de consumpção pura.
665.ª Com efeito, ainda que se possa entender que ambos os crimes tutelam o mesmo bem (o que não se revela sequer doutrinariamente liquido, conforme se dirá infra, o mesmo será violado por duas condutas objectivamente diversas, não contemplando o tipo de ilícito da corrupção, na sua previsão típica, porque alegadamente mais ampla, os elementos do tipo de ilícito objectivo do crime de tráfico de influência.
666.ª Este último crime é, por definição, praticado, entre o agente “adquirente” do tráfico (um qualquer indivíduo) - tratando-se de um crime comum- e um outro indivíduo (funcionário ou não funcionário) que transacciona/mercadeja um vero ou alegado poder fáctico sobre um funcionário com poder decisório, e não, directamente, o núcleo fáctico ou formal de poderes inerentes ao exercício de uma dada função pública - objecto imediato do acordo corruptivo.
667.ª Assim, enquanto no crime de tráfico a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por funcionário ou não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais - salvo o devido e muito respeito por opinião contrária - da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal (não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público) - estando contemplado na Livro II, Título V (Dos Crimes contra o Estado), Capítulo I (Dos Crimes contra Segurança do Estado), Secção II (Dos Crimes Contra a Realização do Estado de Direito) - o crime de corrupção tutela, enquanto crime de resultado de dano, a própria autonomia intencional da administração pública, a qual se revela lesada com a mera transacção (ainda que não consequente em actos concretos de violação do cargo) dos poderes inerentes ao cargo funcional público por parte de quem os detém formal/materialmente mercê da sua categoria de funcionário - estando previsto no Livro II, Titulo V (Dos Crimes contra o Estado), Capitulo IV, sob a epígrafe “Dos Crimes Cometidos No exercido de Funções Públicas”.
668.ª Ainda que se entenda estarmos perante o mesmo bem jurídico, e não obstante a indiciada unidade temporal de acordo corruptivo/tráfico, o objecto da transacção unitária reporta-se a realidades objectivas e substancialmente diversas: no primeiro caso os actos próprios da função do arguido, no segundo caso actos próprios da função de terceiro funcionário/decisor público.
669.ª Teríamos, assim, uma pluralidade de violações do mesmo bem jurídico (concurso efectivo real e não ideal, atenta a diversidade da acção típica, não naturalisticamente entendida): a autonomia intencional do Estado seria violada, por duas vezes, através de duas condutas objetiva e subjectivamente distintas.
670.ª Ora, no caso concreto, e estando afastada uma situação de concurso aparente de normas resolúvel por qualquer relação de consumpção, especialidade ou subsidiariedade, apenas poderia vislumbrar-se uma situação de unicidade criminosa através das figuras ou do crime continuado ou do crime único composto.
671.ª Com efeito: «O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente», e que, «a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material» (cf., v.g., o Acórdão de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005).
672.ª O legislador, após consagrar, no artigo 30.º, n.º 1, um critério teleológico de destrinça da unidade e pluralidade criminosa, por oposição a um critério naturalístico de acção, cuja pedra de toque passa pela pluralidade de tipos legais de crime a que se reconduz a conduta do agente, estabeleceu, no seu n.º 2, por razões de eficácia e de justiça, uma excepção a tal regra.
673.ª Ora, no caso concreto, falece, desde logo, a existência dos seguintes requisitos 1) uma violação plúrima do mesmo tipo; 2) pluralidade de resoluções criminosas, atenta a indiciada unidade de acordo corruptivo/tráfico de influência 3) circunstancialismo justificador de uma diminuição da censurabilidade pela violação dúplice verificada.
674.ª Por seu turno, o Crime Único Composto (com antecedentes de consagração legislativa no art.° 421,°,§ 3 do CP de 1886, e actualmente sem definição legal expressa apesar de jurisprudencialmente reconhecido) verifica-se uma realização repetida do mesmo tipo legal de crime na sequência de uma resolução unitária devendo esta, ao executar-se a primeira actividade, dirigir-se ao empreendimento das outras condutas sucessivas, enquanto, ao invés, no crime continuado às diversas condutas correspondem diversas resoluções que, todavia, não são autónomas entre si, encontrando-se numa dependência tal que nunca se pode considerar uma delas sem necessariamente tomar em conta a anterior, não podendo o juízo de censura em que se estrutura a culpa recair autonomamente sobre cada uma das resoluções que o constituem
675.º Ora, no caso concreto, inexiste, conforme supra referido uma violação do mesmo tipo-de-ilícito, estando-se ante duas condutas criminalmente puníveis com contornos objectivos diversos, e, ainda que tutelando o mesmo bem jurídico, em graus de danosidade diversos (o que não se revela líquido face ao recorte sistemático legal das mesmas), através de tipos distintos, não intercedendo entre as respectivas previsões típicas qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção.
676.ª Nestes termos, e contrariamente ao entendimento plasmado a fls. 2237 do Acórdão recorrido, verifica-se antes um concurso real de crimes e não meramente um concurso aparente, daí que os arguidos AF e MA devem também serem punidos pela prática, cada um deles, de dois crimes de tráfico de influência p. e p. pelo artigo 335.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (factos descritos no Núcleo E)”.
Responde o arguido AF a estas conclusões do Ministério Público, com a seguinte contra-argumentação:
O Recorrente não concretiza na motivação nem leva às conclusões qualquer pedido de condenação relativo ao chamado Núcleo C, o que abrange um crime de corrupção e dois crimes de recebimento indevido de vantagem. O mesmo ocorre com o crime de tráfico de influência, relativo ao núcleo B, o crime de branqueamento de capitais, relativo ao núcleo D e o crime de prevaricação, relativo ao núcleo F-1. pelo que sempre esta matéria estará subtraída à apreciação desse Venerando Tribunal.
Vejamos.
Suscita, neste ponto preciso, o Ministério Público, o questionamento assumido pelo tribunal a quo quanto à existência de um concurso aparente entre o crime de tráfico de influência e o crime corrupção.
Em ponto prévio, é preciso referir que existe uma questão que aqui se encontra conexa mas que foi de antemão conhecida enquanto nulidade do acórdão de primeira instância, apreciação para a qual se remete, e que dizia respeito à aventada omissão de pronúncia conexa com alegada “alteração substancial dos factos” relativa a crime de tráfico de influência perpetrado por AF (violação do disposto nos Art.° 1.°, al. f) do Código de Processo Penal, e Art.° 358.°, n.° 3 do Código de Processo Penal).
O crime de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, tal como previsto nesta norma incriminadora, tem como elementos objectivos do tipo: - solicitação ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial por entidade pública, ou a sua promessa; - para abusar da sua influência, real ou suposta; - por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação; - para si ou para terceiro; - com o fim de obter uma qualquer decisão ilícita favorável; ou, - com o fim de obter uma qualquer decisão lícita favorável.
E, como elemento subjectivo o dolo, em qualquer uma das suas formas.
O bem jurídico protegido é a autonomia intencional do Estado, procurando-se evitar que o agente, contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abuse da sua influência junto de um decisor público, de forma a obter dele uma decisão, criando assim o perigo de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público. Neste crime, efectivamente, a punição da conduta visa aquele que negoceia com terceiro a sua influência sobre uma entidade pública para dela vir a obter uma qualquer decisão lícita (na anterior redacção do preceito em análise a obtenção de decisão lícita não era punida) ou ilícita, favorável aos interesses do terceiro.
A contrapartida da vantagem é o abuso de influência, por parte do agente, sobre entidade pública, para dela obter decisão lícita ou ilícita desfavorável. A vantagem é dada ou prometida para que o traficante abuse da sua influência sobre o decisor, dando-se a consumação do crime pelo acordo entre o traficante e o comprador, não sendo elemento indispensável à sua verificação o exercício efectivo da influência.
Tal como sucede com o crime de corrupção, melhor caracterizado noutros pontos desta fundamentação, não é necessário para a consumação do crime que a influência seja exercida, que seja obtida uma decisão (lícita) favorável.
Quanto à definição do bem jurídico, Pedro Caeiro (acompanhando M. Silva Pereira) considera que "na punição do tráfico de influência se reconduz, tal como sucede nos crimes de corrupção, à protecção da autonomia intencional do Estado. Com efeito, à semelhança do que se passa com os crimes de corrupção (…), pode afirmar-se que, em certos casos (…), a disponibilidade do agente para, contra a entrega ou promessa de uma vantagem, abusar da sua influência junto de um decisor público, de forma obter dele uma decisão ilegal, cria um perigo abstracto de que a influência abusiva venha a ser exercida e, consequentemente, de que o decisor venha a colocar os seus poderes funcionais ao serviço de interesses diversos do interesse público" (Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, volume III, p. 276).
Neste sentido, "os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a preservação do Estado de Direito tal como se encontra estabelecido na Constituição da República Portuguesa, na sua vertente de liberdade de acção das entidades públicas, bem como a integridade do exercício das funções dos funcionários estrangeiros e dos funcionários de organizações de direito internacional público.
O crime de tráfico de influência, em qualquer das suas duas modalidades, é um crime de perigo abstracto (quanto ao bem jurídico) e de mera actividade (quanto ao objecto da acção). A incriminação visa atingir os comportamentos prévios ao acto de corrupção, antecipando a tutela penal para o acto ou negócio sobre o poder de influenciar o decisor" (in Paulo Pinto Albuquerque, Código Penal Anotado, p. 1085).
Neste sentido, por todos, o Ac. da RC de 28/9/2011, processo n.º 169.03.2JACBR.C1.3C, http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9896cdfcae7d32ea802579270034e579?OpenDocument.
O Ministério Público entende que os factos dados como provados pelo acórdão recorrido se reconduzem ainda à prática pela arguida MA de dois crimes de tráfico de influência activa, p. e p. nos termos do Artigo 335.º, n.º 2 do Código Penal, bem como à prática pelo arguido AF de dois crimes de tráfico de influência passiva, p. e p. nos termos do Artigo 335.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
Defende que inexiste qualquer concurso aparente, pois ainda que se possa entender que ambos os crimes tutelam o mesmo bem, este foi violado por duas condutas objectivamente diversas, não contemplando o tipo de ilícito da corrupção, na sua previsão típica, porque alegadamente mais ampla, os elementos do tipo de ilícito objectivo do crime de tráfico de influência.
Mais defende que este último crime é, por definição, praticado, entre o agente «adquirente» do tráfico (um qualquer indivíduo) – tratando-se de um crime comum- e um outro indivíduo (funcionário ou não funcionário) que transacciona/mercadeja um verdadeiro ou alegado poder fáctico sobre um funcionário com poder decisório, e não, directamente, o núcleo fáctico ou formal de poderes inerentes ao exercício de uma dada função pública – objecto imediato do acordo corruptivo. Assim, enquanto no crime de tráfico a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por funcionário ou não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais – salvo o respeito devido pela opinião contrária- da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal (não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público) – estando contemplado na Livro II, Título V (Dos Crimes contra o Estado), Capítulo I (Dos Crimes contra Segurança do Estado), Secção II (Dos Crimes Contra a Realização do Estado de Direito) - o crime de corrupção tutela, enquanto crime de resultado de dano, a própria autonomia intencional da administração pública, a qual se revela lesada com a mera transacção (ainda que não consequente em actos concretos de violação do cargo) dos poderes inerentes ao cargo funcional público por parte de quem os detém formal/materialmente mercê da sua categoria de funcionário – estando previsto no Livro II, Título V (Dos Crimes contra o Estado), Capítulo IV, sob a epígrafe «Dos Crimes Cometidos No exercício de Funções Públicas».
Vejamos.
O Art.º 30.º do Código Penal consagra um critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, atendendo-se assim ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente, ou ao número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime. Está claro que embora o artigo o não diga expressamente, não se abstrai do juízo de censura (dolo ou negligência). Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores, ou diversas vezes ao mesmo preceito, tal juízo de censura dirá a última palavra sobre se, concretamente, se verificam um ou mais crimes, e se sob a forma dolosa ou culposa.
O critério teleológico (e não naturalístico) adoptado pelo legislador, na destrinça entre unidade e pluralidade de infracções, pressupõe o juízo de censurabilidade, pelo que haverá tantas infracções quantas as vezes que a conduta que o preenche se tornar reprovável.
A doutrina penal aqui faz apelo ao conceito de "acontecimento unitário da acção", embora estando em presença de várias acções naturalisticamente destacadas (no tempo), parciais, desde que elas se enquadrem num mesmo desvalioso processo causal - tendo em conta a unidade de desvalor do bem jurídico posto em crise e o plano criminoso -, tudo deve ser enquadrado e analisado num conjunto unitário.
Só se estará perante um concurso real (violação de uma pluralidade de tipos) ou ideal (violação plúrima do mesmo tipo) de crimes, quando aquele conjunto material de factos seja passível de uma pluralidade de juízos de censura" (cfr. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, pp. 84 e ss. e 114 e ss.) ou de uma "pluralidade de resoluções no sentido de nexos finais e de uma pluralidade de violações do próprio dever do cuidado conexionado com um resultado típico concreto" (vd. Figueiredo Dias, Direito Penal, 1976, Sumários, pp. 118 e ss.). E todas estas conclusões são válidas qualquer que seja a teoria da acção seguida ou a teoria do bem jurídico subjacente (conceitos institucional, metodológico-teleológico e relacional de bem jurídico, in Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, 1990, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 42 e ss., 180 e ss. e 387 e ss.).
Ora, no caso concreto, ao invés do que conclui o Ministério Público, nesta sua vertente de recurso, encontramo-nos diante uma situação de concurso aparente de crimes em relação de consumpção.
Quer no crime de corrupção, quer no crime de tráfico de influência, o bem jurídico que se visa proteger consiste na autonomia intencional do Estado, apesar da tímida obstinação do Ministério Público em o reconhecer. Não se trata do mesmo crime, o tráfico de influência e a corrupção, mas de crimes de matriz semelhante, sendo que, no primeiro, não se exige a autoria de um funcionário. Distinção, porém, que não será irrelevante para a consideração da pluralidade de crimes. Assim, Pedro Caeiro, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 277. No mesmo sentido, embora com formulação algo diversa, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Lisboa: UCP, 2.ª edição, pp. 896.
Por outro lado, tal como refere Pedro Caeiro, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, ob. cit. a pp. 286,
“(…) Se o traficante for, ele próprio, funcionário e a celebração do acordo for subsumível ao tipo de corrupção passiva para acto ilícito (o abuso de influência constitui, sempre, para o funcionário, um acto contrário aos deveres do cargo), este crime consome o tráfico de influência. Nesse caso, o abuso de influência que venha a redundar em corrupção activa de outro funcionário implicará o cometimento, por parte do funcionário-traficante, de um crime de corrupção passiva própria (que consome o tráfico de influência) com um crime de corrupção activa própria, em concurso efectivo real, pois existem duas ofensas ao bem jurídico diferentes e independentes entre si. Diga-se, incidentalmente, que, neste caso, o comprador deverá responder por dois crimes de corrupção activa própria; no que toca ao segundo crime (o acto que incorpora o abuso de influência), o comprador responde como autor imediato, se o funcionário-traficante agir como núncio remunerado (e assim se constituir como “interposta pessoa”: cf. art. 374.º), ou como instigador, se não fizer, ele próprio, qualquer oferta ao funcionário a corromper”.
E, também, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, pp. 811:
“Note-se que se o traficante de influência for funcionário e tiver exercido a influência junto de outro funcionário decisor, o aludido traficante cometerá um crime de corrupção passiva para um acto ilícito (o acto de influenciar) em concurso efectivo com o crime de corrupção activa (do decisor), ficando consumido o crime de tráfico de influência” – assim, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, pp. 811.
É que, no caso vertente, existem os três ingredientes que impedem a dupla incriminação: há uma clara identidade do bem jurídico; existe unidade (e não pluralidade) de resoluções criminosas do agente; existe uma conexão temporal dos vários momentos da conduta em apreço. São estes, como vimos, os critérios aferidores a ter em conta, quando se trata de perscrutar a matéria do concurso de crimes ou da sua unidade. O Ministério Público, aqui recorrente, não afasta esta realidade, dado que ela se se apresenta insofismável e contida num enunciado simples: a mesma resolução, com as mesmas finalidades; os mesmos factos, ligados numa linha do tempo coerente e una.
Pelo que se considera improcedente este fundamento do recurso apresentado pelo Ministério Público, confirmando-se a fundamentação exposta pelo tribunal recorrido.
Responsabilidade criminal da arguida MA..
Corrupção
25. O tribunal colectivo condenou a arguida MA pelo cometimento de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87 e pelo cometimento de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, pelos factos acima descritos sob o ponto E.
A arguida recorre deste segmento da decisão invocando, em síntese, que (1) a sentença não contém a descrição precisa e suficientemente concretizada dos factos relativamente aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime em causa, (2)inexiste correspondência temporal nem sinalagma entre o acordo e os eventos que alegadamente o concretizaram, pelo que o único tipo incriminador que poderia comtemplar o suposto acordo de favores seria o de recebimento indevido de vantagem e (3) a opção do tribunal colectivo no enquadramento dos factos na corrupção activa e corrupção passiva baseia-se numa dupla valoração do mesmo acto da recorrente.
Em resposta, o Ministério Público concluiu, em síntese, que não assiste razão à Recorrente quando imputa ao Acórdão recorrido falta de clareza na definição da factualidade descrita, bem como à subsunção jurídica quanto aos crimes de corrupção ,que foram dados como provados e concretamente identificados actos integradores de um acordo tácito relativo à promessa/solitação recíprocas da prática de actos futuros inseridos na esfera funcional de cada um dos agentes a favor do outro ou de terceiros por este indicados e que a conduta imputada aos arguidos preenche efectivamente dois tipos legais distintos, absolutamente independentes; Trata-se assim de um concurso efectivo heterogéneo entre crimes de corrupção activa e passiva convocadores da punição do artº 77.º do Código Penal.
Apreciando e decidindo
Valem aqui, de novo as considerações e argumentos já acima expostos na apreciação da responsabilidade do arguido AF quanto aos factos do Núcleo E susceptíveis de integrar o cometimento de crimes de corrupção passiva e activa, que vamos reproduzir.
Recorde-se uma vez mais que da extensa matéria de facto provada constante do “Núcleo E[325]” consta o seguinte:
1350. Os arguidos MA e AF conheceram-se em 2004, quando aquela exerceu funções de Directora do Centro de Formação dos Registos e Notariado e o arguido havia sido recentemente nomeado como Director dos Registos e Notariado, mantendo, desde essa data, uma relação de amizade, visitando-se com frequência e fazendo férias em conjunto com as respectivas famílias.
1351. Tendo em conta as regras legais quanto à selecção e recrutamento para cargos de direcção superior na Administração Pública que advieram pela criação da CReSAP, sabiam os arguidos MA e AF que este, em 2013, teria de se submeter ao procedimento concursal tendente à nomeação do Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
1352. Em data não concretamente apurada, mas próxima do Verão de 2013, acordaram os arguidos MA e AF, iniciar uma troca recíproca de favores, instrumentalizando e violando os respectivos deveres funcionais.
1353. No âmbito de tal acordo, a arguida MA aceitou violar os seus deveres de sigilo, objectividade e isenção, enquanto Vogal Não Permanente da CReSAP e Secretária-Geral do Ministério da Justiça, dando informações privilegiadas ao arguido AF acerca dos procedimentos concursais da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, em benefício do arguido AF ou de terceiros próximos deste.
1354. Por seu lado, o arguido AF, aceitou violar os seus deveres de isenção, imparcialidade, bem como os princípios de prossecução do serviço público e da legalidade, quer favorecendo pessoalmente a arguida MA ou terceiros por esta indicados em procedimentos concursais do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", quer exercendo poder de influência junto de elementos de órgãos decisores, sempre que não estivesse na sua esfera de poderes formais a decisão de contratar.
1355. Na execução do acordado entre ambos, a pedido do arguido AF, a arguida MA violou os princípios de isenção, objectividade e sigilo a que estava obrigada pelas funções públicas que desempenhava, beneficiando aquele no procedimento concursal da CReSAP.
1356. Já o arguido AF violou os princípios de isenção e objectividade a que estava obrigado pelas funções públicas que desempenhava, beneficiando CF, a pedido da arguida MA..
1357. O arguido AF em execução do acordo intercedeu ainda, fora do quadro dos respectivos deveres funcionais, junto de outros decisores, satisfazendo pedidos da arguida MA para colocação de terceiros em funções públicas, tal como ocorreu nos casos de HM e LGP..
(…)
1499. Sabiam ambos os arguidos que a sua actuação colocava em risco a autonomia intencional do Estado e o princípio da legalidade.
1500. Ao actuar da forma descrita, violaram os arguidos AF e MA os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, de lealdade, (artigo 3.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 do Estatuto dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro e, actualmente, pelo artigo 73.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, artigos 4.º e 34.º alíneas b) e c) do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro
1501. As condutas adoptadas pela arguida MA acima descritas integram um notório desvio funcional em proveito de interesses de natureza particular, atenta as especiais incumbências estatutárias da CReSAP na prossecução de objectivos de meritocracia, transparência e igualdade no acesso ao exercício dos altos cargos públicos do Estado.
1502. Das mesmas resultando uma quebra de confiança irremediável e a falta de condições pessoais da arguida para o exercício das funções públicas que lhe estavam cometidas no âmbito da CRESAP e no âmbito do seu cargo público de origem na Polícia Judiciária, bem como em quaisquer outros cargos públicos cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de isenção, independência e sigilo.
Como já exposto, o crime de corrupção activa consuma-se com a oferta ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial a um funcionário para a obtenção de vantagem decorrente de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, enquanto que a consumação do crime de corrupção passiva se verifica no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita contrária aos deveres do cargo. Quer a promessa quer a entrega são penalmente censuráveis e, por isso, aptas a desencadear as consequências jurídicas da prática de um crime de corrupção activa e/ou de um crime de corrupção passiva.
O que quer dizer que o juízo valorativo da ilicitude a considerar fundamentalmente é o que resulta da prática da promessa ou oferecimento e da aceitação do suborno e não a que resulta da execução do acto ilícito por parte do corrupto passivo. A não execução do acto ilícito pelo funcionário poderá posteriormente ser atendida na fixação da pena, funcionando como atenuante geral, mas não é necessária a existência de uma relação sinalagmática entre o acordo corruptivo e a prática de um concreto acto de violação das normas que regem a actividade pública desenvolvida pelo corruptor passivo
A prova produzida em audiência de julgamento contem a descrição suficientemente concretizada dos factos relativamente aos elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime em causa, revelando-nos que os arguidos AF e MA, ambos titulares de altos cargos públicos, cientes das competências e atribuições de cada um, firmaram um acordo, ainda que tácito, pelo qual, cada um deles, concordou ou aceitou vir a cometer actos contrários aos deveres do cargo que cada um deles exercia, em troco ou contrapartida de vantagens de natureza não patrimonial.
Assim aconteceu nos segmentos do acordo em que a arguida prometeu realizar no futuro actos no âmbito dos poderes de facto decorrentes do cargo de secretária geral do Ministério da Justiça e de vogal não permanente da CRESAP consistentes na partilha de informações privilegiadas sobre os procedimentos concursais da CRESAP, como se verificou no concurso para o cargo de presidente do IRN IP ou, também, no já referido concurso para vogal do IRN de LGP e, em contrapartida, o arguido AF prometeu realizar distintos actos ilícitos no âmbito dos poderes de facto decorrentes do cargo de presidente e membro do conselho directivo do IRN IP - AF prometeu realizar distintos actos ilícitos no âmbito dos poderes de facto decorrentes do cargo de presidente e membro do conselho directivo do IRN IP - como posteriormente aconteceu com o concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF [326], com o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP[327] ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM[328]..
Porém, como já acima referido, os eventos da vida real em que se traduziu o mercadejar do cargo pela arguida na corrupção passiva são exactamente os mesmos que são susceptíveis do preenchimento do elemento “vantagem patrimonial” do crime da corrupção activa .
Daí que se tenha de concluir que a submissão dos factos aqui em apreço ao regime de punição do concurso efectivo de crimes previsto no artigo 77º do Código Penal - significaria uma intolerável violação do princípio jurídico-constitucional da proibição de dupla valoração, decorrente do artigo 29º nº 5 da CRP.
Verificando-se um concurso aparente ou impuro entre os tipos de crime de corrupção activa e passiva, justifica-se, porém, que o ilícito excedente ao crime na forma passiva seja oportunamente considerado na medida concreta da pena.
Assim, conclui-se que a arguida MA incorreu no cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido, será a mesma arguida absolvida do cometimento de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, pelos factos acima descritos sob o ponto E.
Responsabilidade criminal dos arguidos Z, ZB e XB..
26. No acórdão recorrido, o tribunal colectivo de primeira instância absolveu os arguidos Z, ZB e XB da prática, em co-autoria material, de um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, como autor material, pelos factos descritos no núcleo B e absolveu o arguido XB da prática de um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, em co-autoria com o arguido Z, igualmente pelos factos descritos no núcleo B.
O Ministério Público insurge-se com a decisão de absolvição dos arguidos Z e ZB do crime de corrupção activa, invocando apenas (p. 404 da motivação, transcrita na conclusão 774):
Relativamente ao crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º, alínea b) do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo B) de cuja prática os arguidos Z e ZB foram absolvidos e como os factos em causa nesta imputação constituem o reverso do crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF e se este arguido deve ser condenado pela prática do referido crime, é evidente que, face à matéria de facto dada como provada, é de concluir que a conduta dos arguidos Z e ZB integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção activa referente aos factos descritos no núcleo B.
O Recorrente, apesar de referência genérica nesse sentido, nada fez constar na motivação ou nas conclusões quanto à absolvição do arguido XB da prática de um crime de corrupção activa, p. e p. pelos arts. 18.° n.° 1, 19.° n.° 2 e n.° 3, 3.°-A, als. d), e), f) da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, 202.° al. b) do CP e de um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo art.° 335.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, pelo que essa matéria não integra o objecto do recurso.
A fundamentação do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):
Arguido Z:
Foi imputada ao a prática de um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3 e 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei nº 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b) do Código Penal, como autor material (factos descritos no núcleo B).
Os factos em causa nesta imputação constituem o reverso do crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF..
Conforme acima se concluiu, nesta matéria, o arguido AF não transaccionou o seu cargo, disponibilizou seus conhecimentos pessoais, o seu poder de influência junto do arguido Z..
Assim sendo, atenta a factualidade apurada é de concluir que a conduta do arguido Z não integrou os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em causa.
Se é certo que o arguido Z prometeu ao arguido AF, titular de um alto cargo público, uma vantagem patrimonial como contrapartida da sua ajuda na prospecção imobiliária e na agilização de processos de ARI.
Conforme se afirmou, as funções do arguido AF não abrangiam a competência para processar as Autorização de Residência para Actividade de Investimento nem competência para prospecção imobiliária.
Assim sendo, o arguido AF não praticou um acto no âmbito das suas competências funcionais.
Desta forma, a já referida instrumentalização dos meios materiais e humanos efectuada pelo arguido AF e colocada ao serviço de interesses do arguido Z, não ocorreu no âmbito da prática de nenhuma das atribuições previstas no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12/07 para o Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.".
A actuação do arguido AF nesta matéria não colocou em causa a autonomia intencional do Estado em sentido forte, bem jurídico protegido pela incriminação da corrupção activa.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido Z não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de corrupção activa referente aos factos descritos no núcleo B.
(…)
Foi imputada à arguida ZB a prática de:
Um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3 e 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b) do Código Penal, em co-autoria com o arguido Z (factos descritos no núcleo B); e,
Um crime de tráfico de influência, p. e p. pelo artigo 335º, nº 1 a) do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
Tendo em consideração que os arguidos ZB e Z actuaram em comunhão de esforços e de vontades nas condutas descritas no núcleo B, a censura penal que lhe será dirigida não poderá ser distinta daquela dirigida ao seu marido.
De igual forma, não poderá invocar a falta de consciência da ilicitude como causa de exclusão da culpa.
Com efeito, ficou demonstrado que a arguida ZB tem capacidade para perceber o âmbito e alcance da ilicitude dos seus actos.
Tanto mais que a censura penal que lhe é dirigida é comuns nos mais diversos sistemas jurídicos incluindo o chinês.
A incriminação pelo tráfico de influência não é uma excentricidade do sistema penal português.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento da arguida ZB não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de corrupção activa, em co-autoria com o arguido Z referente aos factos descritos no núcleo B.
E, considerando que se encontram preenchidos todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de tráfico de influência, assim como, a ilicitude indiciada pelo preenchimento do tipo, não é afastada pela existência de qualquer causa de justificação da ilicitude.
Não existem causa de exclusão da culpa.
Sendo o comportamento da arguida ZB típico, ilícito e culposo é de concluir que ela praticou um crime de tráfico de influência referente aos factos descritos no núcleo B.
Na resposta ao recurso, os arguidos Z e ZB pugnam pela manutenção do decidido.
Apreciando e decidindo:
Na realidade os factos em causa nesta imputação constituem um “reverso” do crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF..
Valem aqui as considerações acima expostas a esse propósito, que aqui consideramos como reproduzidas.
Vem provado[329] que Z firmou um acordo com o arguido AF, pelo qual incumbia a este último a utilização de meios humanos e materiais do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." –para secretariar a actividade imobiliária, apurando da situação registral dos imóveis a adquirir, o agendamento prioritário de actos registrais vários, bem como de actos notariais da competência de funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (Casa Pronta), providenciando um atendimento personalizado e prioritário aos parceiros negociais e clientes do arguido Z ou de sociedades com este relacionadas e exercer o seu poder de influência junto de decisores públicos e políticos, como forma de obtenção de decisões céleres e favoráveis às pretensões de Z, a fim de acelerar e agilizar o procedimento legal de obtenção de ARI por parte dos cidadãos estrangeiros de nacionalidade chinesa indicados pelo arguido Z..
Também se provou que em contrapartida de tal actuação, o arguido Z, prometeu dispensar ao arguido AF vantagens de natureza pecuniária, designadamente uma comissão pecuniária por cada imóvel/ARI negociado, acordando, ainda, dar-lhe futura participação nos veículos societários por si usados para o desenvolvimento da referida actividade, com futura compensação aquando da distribuição de dividendos.
Todos esses actos, em que se consubstanciou o acordo inicial foram cometidos pelo arguido AF sempre na veste de dirigente do serviço público e são inequivocamente contrários aos deveres funcionais de legalidade, objectividade e independência, ínsitos no cargo de presidente do instituto público.
Está ainda assente que a arguida ZB, mulher do arguido Z, teve conhecimento do contorno do pacto firmado entre os arguidos Z e AF, colaborando com o seu marido na respectiva actividade imobiliária conexa com imigração chinesa, prestando apoio à execução do mencionado acordo, incumbindo-lhe, designadamente, na execução do dito acordo, mercê da sua maior fluência em língua portuguesa, servir de interlocutora junto dos funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a prática dos actos de execução do acordo, recolher junto dos cidadãos estrangeiros candidatos a ARI toda a documentação necessária à realização de investimento, abertura de contas bancárias e instrução do procedimento ARI,s ervir de intérprete/tradutora nos actos de titulação dos negócios, diligenciar pela abertura de contas bancárias e controlar a respectiva creditação dos montantes a usar na actividade de investimento, impulsionar o processo ARI, instruindo informalmente os procedimentos, sob a orientação do arguido AF – procedendo ao levantamento em mão dos títulos de residência junto da Direcção Nacional, tudo sem que para o efeito tivesse título de representação.
Está ainda provado que a arguida ZB foi sócia de sociedades utilizadas no desenvolvimento da actividade imobiliária do arguido Z e parceiros designadamente a "BT,Ldª." e a "GVE,Lda.".
Seguindo conhecimentos extraídos de muitas outras situações semelhantes e nas condições concretas de normalidade, deve-se inferir dos factos “objectivos” provados e julgar como provado que os arguidos Z e ZB agiram na forma descrita de uma forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços, prometendo ao arguido AF, cujo cargo público conhecia, a entrega de vantagens de expressão pecuniária, como paga da prática de actos que sabiam violadores dos deveres funcionais a que o mesmo se encontrava sujeito enquanto dirigente de um serviço público.
Em conclusão: os arguidos Z e ZB incorreram no cometimento, em co-autoria material, de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal e, nesta parte, procede o recurso do Ministério Público.
Não se mostram verificadas quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa previstas na lei penal (artigos 31º a 39º do Código Penal).
Como acima se escreveu, o bem jurídico protegido pela incriminação da corrupção e pela incriminação do tráfico de influência é o mesmo (a autonomia intencional do Estado) e constituindo esta última incriminação a antecipação da tutela penal referente aos comportamento puníveis como crimes de corrupção, é de concluir que no caso dos autos o mesmo comportamento dos arguidos Z e ZB seria duplamente punido se agora se mantivesse a condenação pelo crime de tráfico de influência.
Com efeito, configura-se uma situação de concurso aparente de crimes em que o mais levemente punível é consumido pelo crime mais grave, que no caso é o crime de corrupção.
Deste modo, por força deste concurso aparente de crimes, o comportamento dos arguidos não poderá ser punido a título de crime de tráfico de influência.
Responsabilidade criminal do arguido MM:
Prevaricação e tráfico de influência
27. O tribunal de primeira instância absolveu este arguido MM da imputação da prática de um crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alínea a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos em F-1); de um crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-2); de um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo Artigo 335.º n.º 2 do Código Penal, em co-autoria com o arguido JA (factos descritos no ponto F-3); e, de um crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d), ambos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-4).
A fundamentação da decisão de improcedência de subsunção dos factos respeitantes a estas incriminações, foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
Quanto ao crime de prevaricação (factos descritos em F-1)
“Conforme acima se concluiu, relativamente à factualidade ligada à nomeação de um Oficial de Ligação para a Imigração na China o comportamento dos arguidos AF, JA e MP não é susceptível da censura penal prevista no crime de prevaricação.
Curiosamente, na tese da acusação/pronúncia este núcleo factual sustenta a imputação aos arguidos AF, JA e MP a prática do crime prevaricação a título de co-autores, incluindo, ainda, no rol de co-autores o arguido MM..
E, quando se trata da imputação individualizada ao arguido MM a mesma é feita a título de autoria.
Para além de curioso é confuso, por conceber a participação do arguido na prática do crime de prevaricação relativo a este núcleo factual como autor material quando está em causa a própria responsabilidade criminal e como co-autor quando esta em causa a responsabilidade criminal de cada um dos arguidos AF, JA e MP..
Por outro lado, nesta incriminação são extensíveis aos arguidos AF, JA e MP as qualidades do arguido MM ao ser feita a imputação com referência ao artigo 3.º da Lei n.º 34/87, de 16/07, diploma que regula os crimes da responsabilidade de titulares de cargos político e que dispõe sob a epígrafe "cargos políticos":
"1 – São cargos políticos, para os efeitos da presente lei:
a) O de Presidente da República;
b) O de Presidente da Assembleia da República;
c) O de deputado à Assembleia da República;
d) O de membro do Governo;
e) O de deputado ao Parlamento Europeu;
f) Representante da República nas regiões autónomas;
g) O de membro de órgão de governo próprio de região autónoma;
h) (Revogada)
i) O de membro de órgão representativo de autarquia local;
j) (Revogada)
2 – Para efeitos do disposto nos artigos 16.º a 19.º, equiparam-se aos titulares de cargos políticos nacionais os titulares de cargos políticos de organizações de direito internacional público, bem como os titulares de cargos políticos de outros Estados, independentemente da nacionalidade e residência, quando a infracção tiver sido cometida, no todo ou em parte, em território português".
Não obstante, analisada a factualidade apurada haverá que afirmar que a mesma não suporta um qualquer juízo de censura penal ao comportamento do MM quer se encare a sua participação como autor quer se encare como co-autor.
Desde logo, haverá que ponderar que a criação de um posto de Oficial de Ligação para a Emigração implica a decisão conjunta de três membros do Governo (Ministério da Administração Interna, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministro das Finanças).
Não está em causa que o processo de criação de um Oficial de Ligação para a Imigração tem a sua tramitação prevista na lei e, portanto, constitui um processo tipicamente administrativo.
No entanto, na base do início do processo está uma decisão que não poderá deixar de ser considerada uma decisão política. Com efeito, decidir criar um posto de OLI em Pequim ou um posto de OLI em Islamabad implica a adopção de critérios políticos e instrumentalmente administrativos. Um posto OLI deve ter adesão às orientações políticas de externa e às orientações de política de segurança interna, embora, instrumentalmente, estas orientações tendencialmente propendem à resolução de questões administrativas.
Assim sendo, ter-se-á de aceitar neste tema a existência de uma fronteira ténue entre o político e o administrativo. E, a vertente política fica fora da sindicância jurisdicional, em razão do princípio constitucional basilar do Estado de Direito na vertente da separação de poderes.
Desde logo, tal implica que a decisão do Ministro da Administração Interna de dar início ao processo de criação de um posto de OLI é uma decisão política e como tal assunto fora da sindicância dos tribunais.
No entanto, a condução do processo em causa, a sua concreta tramitação é matéria eminentemente administrativa e, como tal, condutas passíveis de sindicância do tribunal criminal.
No processo de nomeação ou de criação de um lugar de OLI na China, o arguido MM, enquanto Ministro da Administração Interna limitou-se a pedir ao arguido MP, enquanto Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que desse início a um processo cuja decisão envolvia para além do Ministério da Administração Interna, mais dois Ministérios: o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério das Finanças.
E, ficou provado que a decisão do arguido MM em dar início a esse processo não esteve subjacente a satisfação de qualquer interesse privado, designadamente, o interesse remoto de constituição de uma Agência de Vistos Gold na China concebida pelos arguidos AF e JA – amigos do arguido MM – em termos no mínimo rudimentares, como aliás eles chegam a assumir em conversa.
Conforme já acima assinalado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, enquanto organismo público, sentia como necessária a criação de um posto de OLI na China.
Esta necessidade foi encarada como uma necessidade pelo arguido MM..
Ao pedir ao arguido MP que impulsionasse o processo em causa, o arguido MM pretender dar satisfação a esta necessidade e não a qualquer outra.
Com efeito, não existe demonstração que o arguido MM tenha aderido aos planos arguidos AF e JA..
Desta forma, sem necessidade de mais profundidade de análise, não estando preenchidos todos os elementos do tipo, o comportamento do arguido MM não poderá merecer a censura penal constante do crime de prevaricação referente aos factos descritos no Núcleo F-1”.
Quanto ao crime de prevaricação (factos descritos em F-2)
“Conforme acima se concluiu, relativamente à factualidade ligada à concessão de vistos de permanência temporária a cidadãos líbios para tratamento em território nacional o comportamento dos arguidos JA e MP não é susceptível da censura penal prevista no crime de prevaricação. E, da mesma forma não será susceptível dessa censura penal o comportamento do arguido MM..
Curiosamente, na tese da acusação/pronúncia o mesmo núcleo de factos sustenta a imputação ao arguido MP a prática do crime prevaricação a título de co-autor com o arguido MM; ao arguido JA a prática do crime de prevaricação a título de autor; e, ao arguido MM a prática do crime de prevaricação a título de autor.
Desde logo, por neste procedimento administrativo de concessão de vistos de permanência temporária para cidadãos líbios que se deslocaram a território nacional para tratamento médico o arguido MM não ter qualquer intervenção.
Com efeito, conforme já se afirmou, a concessão de visto de permanência temporária é da competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cabendo ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a emissão de um parecer de segurança, o qual é vinculativo no caso de parecer negativo. E, em linhas mais gerais, cabe ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o acompanhamento dos cidadãos estrangeiros em território nacional, mesmo aqueles que entram com vistos de permanência temporária.
É certo que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é tutelado pelo Ministério da Administração Interna, mas o Ministro da Administração Interna não tem competência alguma neste tipo de procedimento.
A tese da acusação/pronúncia sustenta que o arguido MM determinou ao arguido MP, então no exercício de funções de Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entidade sob a alçada hierárquica do Ministério da Administração Interna, para que este, no âmbito das competências legais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no domínio da emissão de vistos de estada temporária para tratamento médico, praticasse actos de favorecimento de uma entidade societária com a firma arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª" a que se encontrava contratualmente vinculado o arguido JA, mediante contrato de prestação de serviços firmado entre a arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª" e a sociedade arguida "JAG,Lda."..
Ora, de acordo com esta tese, o arguido MM nunca poderia praticar o crime de prevaricação que lhe é imputado. Com efeito, esta incriminação censura penalmente o comportamento do titular de cargo político que "conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções".
Ora, o arguido MM na qualidade de Ministro da Administração Interna não tinha competência legal para intervir na concessão de vistos de permanência temporária; o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem nesta matéria uma competência legal muito restrita, e sendo tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não o era pelo Ministro da Administração Interna.
Assim e sem necessidade de maiores desenvolvimentos desaba a tese da acusação/pronúncia neste tema.
Mas a acusação/pronúncia censura o comportamento do MM noutros aspectos.
Com efeito, na crónica factual deste tema probatório, ficou provado que o arguido MM solicitou ao arguido MP que recebesse os representantes da "ILS- Área da Saúde, Ldª" para que fossem informados dos procedimentos a adoptar para a realização da operação de entrada dos doentes líbios em território nacional.
E, mais tarde, após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, o arguido MM providenciou que ocorresse novo contacto entre os arguidos MP e JA, numa altura em que aquele se encontrava no gozo de férias.
Depois o arguido MM falou com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. R…M…, no intervalo de uma reunião do conselho de Ministros, colocando-o a par da situação que se estava a passar com a vinda de cidadãos líbios para tratamento em Portugal – na sequência deste contacto o Dr.R…M… procedeu a averiguações junto dos serviços e comunicou ao seu colega o resultado dessas averiguações, as quais por sua vez o arguido MM remeteu para o arguido JA..
Dos factos provados não é possível sequer concluir que a intervenção do arguido MM em todo este processo teve uma influência directa ou remota nas decisões que foram tomadas.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de prevaricação relativo aos factos descritos no ponto F-2”.
Quanto ao crime de tráfico de influência (factos descritos em F-3)
“A factualidade dada como provada e descrita no ponto F-3 que na tese da acusação/pronúncia imputa ao arguido MM e JA a prática, em co-autoria com JA de um crime de tráfico de influência não sustenta um tal juízo de censura penal.
Esta factualidade refere-se com um pedido de reembolso de IVA efectuado pela arguida "ILS- Área da Saúde,Ld.".
Relativamente à actuação do arguido MM neste tema factual ficou provado que:
- o arguido MM, à data Ministro da Administração Interna, contactou o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XIX Governo Constitucional, PN, a fim de que este recebesse em audiência pessoal o arguido PLC;
- na sequência de tal intervenção do arguido MM, na qualidade de Ministro da Administração Interna, junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais PN, este último, em 3 de Abril de 2014, pelas 11 horas e 30 minutos, nas instalações da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais recebeu em audiência por si pessoalmente presidida a arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª.", representada no acto por APM e NP por indicação do arguido PLC, convocando, na hora da reunião, para assistir à mesma, o Técnico Especialista JT;
- na referida reunião foram descritos os termos do contrato entre a arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª" e o Ministério da Saúde líbio e exposta pelos representantes da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª" a situação fiscal relativa à liquidação de IVA, bem como o estado do processo de inspecção tributária em curso de que era alvo a arguida "ILS-Área da Saúde,Ldª.", indicando APM ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a data já agendada para o início da acção de inspecção externa às instalações da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª." (08/04/2014);
- mais foi manifestada ao Dr.PN a pretensão de a arguida "ILS-Área da Saúde,Ldª." de que a Autoridade Tributária e Aduaneira actuasse com celeridade no referido procedimento, atentos os interesses negociais e os montantes envolvidos;
- tendo, ainda, incumbido o Dr.JT de acompanhar a situação da arguida "ILS-Área da Saúde,Ldª." junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da própria arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.", e de lhe fazer o reporte da mesma, tendo o primeiro, para o efeito, trocado contactos com APM;
- após a referida audiência, a referida acção inspectiva veio a ser acompanhada de perto pelo gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nomeadamente pelo Técnico Especialista JT que de tal tarefa foi encarregado por PN;
- a 23 de Junho, por iniciativa do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais PN, foi realizada nova reunião nas instalações da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, à qual compareceu o arguido JA e na qual esteve igualmente presente o Dr.JT;
- na referida reunião de 23 de Junho foram abordadas pelos presentes, entre outras, matérias atinentes a acordos diplomáticos e a uma alegada prática de não liquidação de IVA em contratos celebrados entre o Estado líbio e outras empresas europeias, nomeadamente francesas e gregas;
- na sequência da referida reunião, o Dr.JT recomendou a APM a junção ao procedimento de inspecção de cópia de uma factura de outras empresas europeias emitidas ao Estado líbio em casos semelhantes;
- PN, após o conhecimento da decisão da Autoridade Tributária, deu, de imediato, "contas" ao arguido MM do desfecho da situação, tendo, este, por sua vez, pelas 17 horas e 52 minutos de 17 de Julho, telefonado ao arguido JA dizendo-lhe que lhe chegou a "boa notícia" de que "aquilo já está resolvido";
- em 18 de Agosto de 2014, em conversa com NP a propósito da intervenção do arguido MM em matéria de vistos, o arguido JA aludindo "à questão do IVA", refere a NP que o "Ministro teve conhecimento disso e também esteve envolvido".
Partindo desta última expressão do arguido JA, está aqui descrito o envolvimento do arguido MM neste assunto.
Providenciou pela realização de uma reunião entre o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais PN e representantes da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª.", na qual estes expuseram aquele o problema relativo ao pedido de reembolso de IVA efectuado. E, no final do processo, foi informado do resultado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Não ficou provado que tenha exercido qualquer influência sobre o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nem que este tenha de alguma forma exercido influência sobre os decisores da Autoridade Tributária a quem competiu decidir o pedido de reembolso do IVA.
Da análise dos factos provados ressalta que o que fundamentou a decisão de reembolso foi a junção de uma declaração (de acordo com a tradução portuguesa) datada de 15 de Abril de 2014 e assinada por G…S…, responsável do Ministério das Finanças, na data de 22 de Abril de 2014, atestando que, "no âmbito do que foi acordado entre a empresa ILS e o Ministério da Saúde Líbia (…) o Ministério da Saúde Líbio, no que diz respeito ao contrato de serviços médicos assinados entre as duas partes, atua como entidade económica, sujeita aos impostos líbios, apesar de não ter número de contribuinte registado".
E, os louros pela apresentação desta declaração cabem integralmente a APM, a TOC da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª.", a qual acompanhou de perto o processo junto da Autoridade Tributária e discerniu qual o meio necessário para obter uma decisão favorável. E, este comportamento não envolveu qualquer abuso de "influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública".
Reitera-se o que acima se afirmou em relação à co-autoria.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de tráfico de influência, em co-autoria com o arguido JA relativo aos factos descritos no ponto F-3”.
Quanto ao crime de prevaricação (factos descritos em F-4)
“A factualidade dada como provada e descrita no ponto F-4 que na tese da acusação/pronúncia imputa ao arguido MM a prática de um crime de prevaricação não sustenta um tal juízo de censura penal.
Esta factualidade refere-se ao concurso público internacional para actividade de operação e manutenção dos serviços de manutenção e operação das aeronaves médias (seis helicópteros Kamov, modelo KA-32A11 BC).
Relativamente a este tema probatório ficou provado o seguinte:
- com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 182/2005, de 22 de Novembro, foi determinado, para além do mais, dotar o Estado português de um dispositivo aéreo permanente com a missão primária de prevenção e combate a incêndios florestais, e autorizada, entre outras, a realização da despesa inerente à celebração do contrato de aquisição de um conjunto de seis helicópteros médios, bem como da respectiva operação e manutenção;
- o referido contrato foi precedido de concurso público internacional, findo o qual o Governo autorizou a realização da despesa respectiva e adjudicou a aquisição, operação e manutenção dos seis helicópteros Kamov KA-32A11BC à empresa "HP,S.A.";
- contrato este que foi assinado em 22 de Maio de 2006;
- na sequência da referida resolução foi aberto o procedimento concursal público internacional n.º 4/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado na data de 16/07/2012, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136;
- nesse procedimento concursal, o Lote 1, relativo à aquisição da actividade de operação e manutenção dos serviços de manutenção e operação das aeronaves médias (seis helicópteros Kamov, modelo KA-32A11 BC), ficou deserto por falta de apresentação de propostas até às 23 horas e 59 minutos do dia 3 de Setembro de 2012, nos termos do artigo 11.º do respectivo Programa do Concurso;
- pela resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2013, de 23/08, publicada em Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23/08, foi autorizada a realização de despesa relativa à celebração de contrato pelo MAI/Autoridade Nacional de Protecção Civil de Aquisição de Serviços de Manutenção e Operação dos Meios Aéreos Próprios Pesados para Missões do Ministério da Administração Interna, bem como o respectivo procedimento de Concurso Público Internacional, no montante máximo de € 51.200.000,00 (cinquenta e um milhões e duzentos mil euros);
- delegando-se, nos termos da referida resolução, com faculdade de subdelegação, ao Ministro da Administração Interna, o arguido MM, a prática de todos os actos necessários ao lançamento e conclusão dos respectivos procedimentos concursais.
- por despacho do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, datado de 18 de Junho de 2014, foram aprovadas as peças processuais respectivas, e determinada a abertura do procedimento concursal CPI/2/ANPC/2014;
- o anúncio de abertura do procedimento do referido Concurso Público Internacional (anúncio de Procedimento n.º 3555/2014) foi publicitado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 123, de 30 de Junho de 2014, com Publicidade Internacional no Jornal Oficial da União europeia (JOUE) com a referência CPI/02/ANPC/2014;
- nos termos do referido anúncio, as peças processuais (caderno de encargos e programa de concurso) passariam a estar disponíveis, desde tal data, no serviço da entidade adjudicante, a Autoridade Nacional de Protecção Civil, para consulta dos interessados, sendo disponibilizadas electronicamente, sem custos, pela plataforma electrónica VOR…;
- a solicitação dos interessados, o prazo para apresentação das propostas foi sujeito a duas prorrogações publicadas em Diário da República pelos avisos de prorrogação n.º 755/2014 e 761/2014;
- por despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil de 22 de Dezembro de 2014, na sequência de delegação de competência do Ministro da Administração de Interna no Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil (despacho n.º 10666/2014, de 05 de Agosto), foi adjudicada a proposta apresentada pela empresa "E… – Aviação E…, S.A.";
- em 6 de Março de 2014, cerca de três meses antes da data do anúncio da abertura do procedimento respectivo, estando ainda a decorrer os trabalhos preparatórios do referido Concurso, o arguido MM, então Ministro da Administração Interna, a partir da caixa de correio electrónico institucional M.____, remeteu por mensagem de correio electrónico ao arguido JA o "Caderno de Encargos do Concurso Público Internacional Para Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios Para Missões do Ministério da Administração Interna";
- peça concursal que lhe havia sido enviada pelo Secretário de Estado J…, o qual, por sua vez, a havia recepcionado de FFA, adjunto do Secretário de Estado da Administração Interna, que, à data, considerava o caderno de encargos já fechado, o que, nas suas palavras, "não invalida que se faça uma revisão, para detectar eventuais gralhas e omissões";
- e que, no que respeita ao Concurso n.º 04/EMA/2012, na parte relativa ao Lote 1, sofrera ajustamentos por forma a tornar a proposta mais atractiva aos potenciais concorrentes por forma a evitar nova deserção, nomeadamente ao nível da diminuição de horas de voo;
- introduzindo, outrossim, uma alteração quanto ao momento da apresentação do comprovativo da titularidade de certificado para prestação de serviço de gestão de aeronavegabilidade e de titularidade de certificado para prestação de serviço de operação e manutenção das aeronaves;
- o qual deixou de ser requisito da aceitação da proposta para passar a ser mero requisito do acto de consignação das aeronaves;
- ajustamentos estes que foram executados pela Autoridade Nacional de Protecção Civil com a colaboração do Gabinete do Secretário de Estado da Administração Interna J…;
- o arguido JA com o conhecimento do arguido MM, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MAT Almagro (CEO do Grupo Espanhol "F,SA" que integra as empresas "H", "F,C", "S,A", "C,S");
- com efeito, em 18 de Maio de 2012, agentes e representantes da "FI," nomeadamente AngM… e JGB, intermediaram contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA" relativos à actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov;
- contactos que precederam temporalmente a abertura do procedimento concursal 04/EMA/2012, cujo anúncio (n.º 2854/2012) foi publicado, conforme acima referido, em 16 de Julho de 2012 no Diário da República, 2.ª Série, n.º 136;
- tendo uma empresa do grupo "FI," – identificando-se como "FI,SA" (firma não correspondente a qualquer sociedade com registo nacional) – intervindo como interessada no âmbito desse procedimento concursal 04/EMA/2012, solicitado esclarecimentos referentes ao respectivo caderno de encargos;
- sendo que, em 4 de Setembro de 2013, LLD da "FI," solicitou ao arguido JA informações acerca das consequências de um episódio ocorrido com um helicóptero Kamov – o qual havia caído – para o curso do procedimento concursal 04/EMA/2012;
- em 2 de Janeiro de 2013, já após o conhecimento da deserção do lote 1 do Concurso Público Internacional n.º 04/EMA/2012, o arguido JA remeteu ao arguido MM , a solicitação deste, uma mensagem de correio electrónico relativo a uma proposta comercial da "F,SA", datada de 20 de Novembro de 2012, e relativa à gestão da frota de helicópteros e disponibilidade de helicópteros de tipo médio;
- a referida proposta referia-se a um serviço de disponibilização à EMA, em reforço da sua frota própria, de dois helicópteros tipo médios com dois motores, a fim de completar a frota da "EMA;
- em 20 de Abril de 2013, MAT Almagro, da "F,SA" enviou ao arguido JA uma proposta negocial de disponibilização de uma sexta aeronave Kamov e relativa à manutenção de um conjunto de cinco helicópteros Kamov, propriedade do Governo português (número correspondente às aeronaves Kamov operacionais e propriedade do Estado Português cuja actividade de manutenção e operação era objecto da referido lote 1);
- sendo que, em 5 de Agosto de 2013, no âmbito do Procedimento de Ajuste Directo 5723/ANPC/2013 relativo ao Reforço de Meios Aéreos, procedimento aprovado por então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA, a empresa "F,SA." foi convidada pelo Director da Unidade de Recursos Tecnológicos da Autoridade Nacional de Protecção Civil, RPM, por encargo directo do Tenente General MC, actual Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, então Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, para o efeito de apresentar proposta para a contratação de um helicóptero pesado Kamov;
- convite que, no referido contexto, não foi endereçado a qualquer outra empresa, não tendo a "F,SA." antecedentes conhecidos de contratação com a Autoridade Nacional de Protecção Civil ou a "EMA;
- vindo, todavia, a proposta realizada pela "F,SA." a ser rejeitada, na sequência de parecer da Coordenadora do Gabinete Jurídico da Autoridade Nacional de Protecção Civil, ACV, aceite pelo Presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, por decisão do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna FA, por, entre outros fundamentos, incumprimento do requisito do caderno de encargos relativo à titularidade de certificado de aeronavegabilidade e de manutenção e gestão da mesma;
- não tendo a "F,SA." chegado a apresentar qualquer proposta no âmbito do CPI/02/ANPC/2014.
- a referida empresa "F,SA." viria a ser subcontratada pela empresa "E… – Aviação E…,S.A.", adjudicatária da prestação de serviços de operação e manutenção dos helicópteros Kamov no concurso de 2014, na execução dos serviços adjudicados de operação, gestão da continuidade da aeronavegabilidade e de manutenção dos meios aéreos pesados para operações do Ministério da Administração Interna, em sede de consignação de meios aéreos;
- em 6 de Março de 2014, ao enviar ao arguido JA o referido caderno de encargos, o arguido MM tinha conhecimento dos interesses comerciais do Grupo "F,SA." na matéria em causa.
Perante esta factualidade haverá desde logo que concluir que se encontram preenchidos alguns elementos objectivos do tipo do crime de prevaricação.
Com efeito, por Resolução do Conselho de Ministros foi autorizada a realização de despesa relativa à celebração de contrato pelo MAI/Autoridade Nacional de Protecção Civil de Aquisição de Serviços de Manutenção e Operação dos Meios Aéreos Próprios Pesados para Missões do Ministério da Administração Interna, bem como o respectivo procedimento de Concurso Público Internacional, no montante máximo de € 51.200.000,00, delegando-se, nos termos da referida resolução, com faculdade de subdelegação, ao Ministro da Administração Interna, o arguido MM, a prática de todos os actos necessários ao lançamento e conclusão dos respectivos procedimentos concursais.
Assim sendo, o arguido MM foi incumbido pelo Conselho de Ministros de proceder à aquisição de serviços no valor de € 51.200.000,00. Processo que aliás foi conduzido no âmbito do Ministério da Administração Interna e acompanhado de perto pelo Ministro da Administração Interna.
Ora, na pendência deste processo e antes da divulgação da abertura do respectivo concurso público internacional o arguido MM deu a conhecer os cadernos de encargos desse concurso ao arguido JA..
O arguido MM, sendo titular de um cargo político conscientemente conduziu "contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções".
Sem dúvida que este elemento objectivo do tipo se encontra preenchido.
Ficou, ainda, provado que:
- o arguido MM tomou posse como Ministro da Administração Interna em 21 de Junho de 2011, em plena altura crítica para este Ministério, por causa dos incêndios florestais que todos os anos devastam milhares de hectares por todo o país, provocando ainda muitas vezes a perda de vidas e a destruição de todos os bens de muitos;
- com a experiência que teve logo neste Verão de 2011, o arguido MM canalizou de imediato para esta "pasta" uma profunda reflexão acerca dos meios que estavam ao dispor do Estado – e da responsabilidade do Ministério da Administração Interna – e da eficiência e capacidade de resposta dos mesmos;
- desta primeira abordagem ao tema, foi possível concluir que o Estado, para ter a funcionar o dispositivo de meios aéreos de combate a incêndios, estava a pagar um valor potencialmente superior ao custo de mercado, o que se encontrava sustentado em alguns pareceres técnicos que eram do conhecimento do Ministério da Administração Interna, nomeadamente, o estudo de 2010 da consultora "A…D.L…", segundo o qual o Estado português pagava mais de 35% do custo de mercado;
- foi ainda possível aferir que existiam algumas questões de execução contratual no panorama então vigente com as entidades que detinham quer a operação, quer a manutenção das aeronaves que eram usadas no combate aos incêndios florestais;
- Na verdade, uma das questões que neste âmbito logo foi reportada ao arguido foi a de que sérios problemas (e custos) advinham ao Estado português do facto de se encontrarem em mãos distintas a área da operação das aeronaves (que se encontrava a cargo da "EMA") e a da manutenção das mesmas (a cargo de empresa particular, a "HP,S.A."), na medida em que se levantavam cenários de a adjudicatária poder recusar a responsabilização e o pagamento de problemas de manutenção alegando que estes advinham de problemas na operação;
- o que originava ainda problemas relativos aos próprios pilotos e aos actos de pilotagem, pois aqueles eram funcionários da "EMA", mas pilotavam aeronaves mantidas pela adjudicatária;
- em 2011, o país estava mergulhado numa profunda crise económica e financeira, tanto que tinha recorrido a ajuda externa, através do resgaste do Fundo Monetário Internacional;
- nesse sentido, existiam instruções claras do Senhor Primeiro-Ministro de Portugal para que cada Ministério procedesse a uma detalhada revisão dos orçamentos e gastos, para que se reduzissem despesas;
- face a esta situação, o arguido MM, na qualidade de Ministro da Administração Interna, propôs-se introduzir as medidas possíveis, mas necessárias, para que diminuíssem os custos com os contratos que permitiam o combate a incêndios e para que toda a dinâmica, contratual e institucional, de utilização dos meios aéreos fosse mais eficiente;
- diminuição de custos e eficiência que passariam, nomeadamente, por aproveitar os meios empregues ao combate a incêndios para as situações de emergência médica, conjugando sinergias naqueles que eram os meios aéreos ao dispor dos interesses do Estado português;
- foi neste contexto que foi lançado o primeiro concurso público internacional;
- através da Resolução foi ainda prevista a extinção da "E, –S.A.", até finais de 2012, bem como a transferência das respectivas competência quanto à gestão do dispositivo de meios aéreos para a Autoridade Nacional de Protecção Civil;
- quando, em 4 de Setembro de 2012, no concurso em referência o Lote 1, relativo aos helicópteros Kamov, que tem precisamente uma importância vital na assistência aos fogos e à emergência médica, foi declarado deserto por falta de apresentação de propostas, o arguido MM ficou com um problema em mãos;
- em consequência, veio a reflectir as várias causas que poderiam ter levado àquele desfecho do Concurso n.º 04/EMA-2012, o que o determinou em duas resoluções distintas;
- a primeira seria avançar com um estudo estruturante acerca do tipo de contratos que, neste âmbito, o Estado português se vinha vinculando, de forma a aferir se seria possível ao país, através dos programas europeus ou internos, assumir integralmente a propriedade, operação e manutenção das aeronaves de combate aos incêndios florestais, sem dependência directa de empresas particulares que actuassem neste âmbito, e que eram poucas;
- sendo, naturalmente, uma resolução que exigia estudos, ponderações e condições de diversa ordem e que, como tal, só se poderia avistar a médio prazo;
- logo após o concurso de 2012 ter sido considerado deserto por falta de apresentação de propostas, foi o arguido MM que determinou por parte do Ministro da Administração Interna um evidente posicionamento no sentido de falar sobre a matéria, de divulgar a oportunidade de um novo concurso, em revelar que as propostas seriam mais atractivas;
- neste âmbito, o Ministro da Administração Interna deu instruções claras para que se procedesse a um levantamento para aferição das razões por que o concurso de 2012 havia ficado deserto;
- as instruções emanadas na altura foram dirigidas a diversas entidades, nomeadamente à própria
– "EMA". que ficou oficialmente encarregada de consultar diversos operadores, de forma a identificar os aspectos que haviam impedido a respectiva participação no concurso;
- em Agosto de 2013, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2013 autorizou uma nova despesa para a realização dos mesmos contratos, tendo o arguido assumido a missão de tudo fazer para que este novo concurso não fosse novamente declarado deserto pelo mesmo motivo, ou seja, por falta de apresentação de propostas;
- ao Ministro da Administração Interna foram chegando as conclusões do referido levantamento, referente ao primeiro concurso, constatando o arguido MM que as mesmas se prendiam, sobretudo, com o facto de o objecto do negócio se apresentar pouco preciso e determinado, o que resultava na sua diminuta atractividade face aos encargos que se exigia terem que ser assumidos pelos adjudicatários;
- no mesmo sentido foram as conclusões da própria Força Aérea Portuguesa, que foi convocada pelo arguido MM para colaborar activamente, junto do Secretário de Estado da Administração Interna, na elaboração das peças do segundo concurso, através de uma criteriosa análise, de fundo, das peças do primeiro concurso, para que, a partir daí, se pudessem superar os factores do seu fracasso;
- Mais concretamente, veja-se a mensagem de correio electrónico elaborado pela Senhora Adjunta do Secretário de Estado da Administração Interna à altura, Senhora Dra. JF, que sintetizou uma reunião realizada com os elementos da Força Aérea, em 25 de Outubro de 2013, e no qual se destacam como principais comentários da Força Aérea:
"1. A Desvantagem comparativa substancial entre a (HP,SA) e terceiros resultante da assimetria de informação quanto ao estado das aeronaves na data de consignação das mesmas pelo Estado que se traduz num risco de difícil quantificação para terceiros na assumpção do Contrato objecto do Concurso.
Muito embora aos concorrentes seja disponibilizada a documentação relativa às aeronaves no momento do lançamento do Concurso (tal incluindo a informação quanto às acções de manutenção efectuadas), a previsão do estado em que estas se encontrarão à data de consignação das mesmas (i.e., depois de findo o Concurso e adjudicado o Contrato) revela-se particularmente difícil, senão mesmo impossível para um terceiro que não a (HP).
E isto em resultado, entre outros, por um lado, do tempo decorrido entre a data da última inserção de informação sobre as aeronaves na documentação concursal e a data de consignação das mesmas (v.g., seis meses), por outro, do desconhecimento de terceiros (que não a HP) das missões desempenhadas pelas aeronaves e do desgaste que tal lhes terá introduzido.
Atendendo a que as indisponibilidades das aeronaves são geradoras de penalidades, o desconhecimento do estado das aeronaves e das eventuais operações de manutenção que seja necessário efectuar à data de consignação das mesmas gera uma imprevisibilidade muito grande para os concorrentes quanto às penalidades que lhes serão – eventualmente – aplicadas, associando desta forma ao Contrato um risco financeiro muito relevante.
Este risco é minimizado para a entidade que, presentemente, desenvolve a manutenção das aeronaves, em resultado da assimetria de conhecimento quanto ao estado, a todo o momento, destas.
2. Desvantagem comparativa substancial entre a (HP) e terceiros no que diz respeito ao pessoal técnico.
De acordo com a FA os requisitos e habilitações exigidas, designadamente aos técnicos de manutenção do adjudicatário, não são susceptíveis de obtenção no tempo previsto no Caderno de Encargos (CE). Por outro lado, tais requisitos podem ser demasiado exigentes, na medida em que se encontram desenhados especificamente para os KAMOV do Estado português (não basta uma certificação em Kamov do modelo idêntico ao do Estado português antes das modificações introduzidas). Tal coloca mais uma vez a entidade que, presentemente, desenvolve a manutenção das aeronaves em posição de vantagem face a terceiros.
Propõe-se o redesenhar de tais requisitos com a colaboração do INAC, com vista a minimizar tal desvantagem comparativa.
3. Desvantagem comparativa substancial entre a (HP) e terceiros, por assimetria de informação, no que diz respeito à disponibilidade operacional exigida.
Também no que diz respeito à disponibilidade operacional exigida e associada a esta ao regime de penalidades por indisponibilidade, apontou a FA que a ausência de um histórico de indisponibilidade da frota nos últimos anos torna particularmente difícil a um terceiro, que não a (HP), aferir se o regime de disponibilidade e, bem assim, de penalidades por indisponibilidades, é muito exigente e, do ponto de vista financeiro, muito custoso. Torna-se difícil por isso, para um terceiro, aferir também aqui do risco que assumirá com o Contrato.
Propõe-se aqui, de forma a minimizar tal desvantagem comparativa, a disponibilização aos concorrentes de tal histórico de indisponibilidades.
4. Regime de penalidades
No que ao regime de penalidades diz respeito, propõe a FA a definição de um regime de aplicação mais simples, sem margem de discricionariedade para o Estado, de forma a reduzir a litigiosidade resultante do respectivo acionamento (o actual modelo prevê a aplicação de uma penalidade "a fixar em função da gravidade do incumprimento, até ao limite máximo de 1% do preço").
Assim, por exemplo, a introdução de uma tabela que faça variar a penalidade em função do tempo do incumprimento relevante";
- Face a este cenário, o que o Ministro da Administração Interna fez no segundo concurso foi, assim, proceder aos retoques necessários para que o concurso surgisse mais apelativo, o que fez tendo em conta as razões objectivas e técnicas que lhe tinham sido reportadas pelas várias entidades (Força Aérea Portuguesa, "EMA, Autoridade Nacional de Protecção Civil, Instituto Nacional Aviação Civil, entre outras que foram escutadas);
- no essencial, do primeiro para o segundo concurso (2012 e 2014, respectivamente) foram estas as alterações de maior significado:
a) Dilatação do prazo para certificação legal para manutenção das aeronaves, concretamente de quinze para trinta dias, em resultado de observação feita pelo Instituto Nacional Aviação Civil sobre a dificuldade de certificar uma nova entidade nos termos da legislação aeronáutica em vigor, em razão das especificidades das aeronaves Kamov;
b) Gestão de aeronavegabilidade, competência que deveria ficar a cargo do adjudicatário (que acumulava a manutenção com a própria operação), mantendo o Estado (através da Autoridade Nacional de Protecção Civil, em substituição da "EMA) poderes de supervisão;
c) Técnicos de manutenção: se antes se exigia que o Instituto Nacional Aviação Civil verificasse os requisitos mínimos destes técnicos no âmbito do processo de certificação do adjudicatário, passou a entender-se que a avaliação do Instituto Nacional Aviação Civil, de qualificação e certificação, dispensava a autonomização da certificação dos técnicos; o que, naturalmente, agilizou os procedimentos a cargo do Instituto Nacional Aviação Civil;
d) Socorro e emergência médica: passou a prever-se a possibilidade de substituição das aeronaves Kamov por outro tipo de aeronave para as missões de socorro e emergência médica, mediante prévia autorização da Autoridade Nacional de Protecção Civil, depois de verificada a capacidade operacional para aquelas missões;
e) Preço hora/voo, pois, embora mantendo-se o preço horário a pagar, reduziu-se o número de horas contratadas para a duração do contrato (que passou de cinco para quatro anos, de forma a que fosse o mesmo o prazo final dos contratos constituídos em diversos Lotes no concurso de 2012); e,
f) Penalidades: em algumas situações foi reduzida a margem de discricionariedade do Estado na aplicação de penalidades, bem como foi estabelecido o valor máximo daquelas.
- a realidade é que o arguido MM não enviou a mensagem de correio electrónico com a intenção de beneficiar o arguido JA ou qualquer empresa, mas apenas para que este, que se tinha disponibilizado a seu pedido para poder expor o assunto a um operador de aeronaves Kamov (como há poucos no mercado), ficasse com ideia do que se tratava no concurso;
- o arguido MM aproveitou o facto de o arguido JA conhecer o responsável da empresa em causa, a "F,SA.", mas se fosse outra qualquer empresa que aquele conhecesse, faria o mesmo;
- ou se fosse outra pessoa, para além do arguido JA, a mostrar-se receptivo a esta abordagem, também o faria;
- o que o arguido MM queria mesmo era divulgar o concurso e sensibilizar potenciais concorrentes – quaisquer concorrentes –, enfatizando que o novo concurso estava mais atractivo, embora mantendo a matriz do primeiro;
- sendo que o envio da mensagem de correio electrónico com o caderno de encargos se deveu ao facto de o arguido JA ter pedido alguma referência quanto ao que estava em causa, de forma a melhor poder abordar a questão com a empresa "F,SA.";
- o destino do caderno de encargos não era a própria "F,SA.";
- o CPI/01/ANPC/2014 foi um concurso público internacional que teve a montante uma divulgação bastante abrangente, como se viu, e que encontrou a jusante um júri independente constituído por representantes indicados pela Autoridade Nacional de Protecção Civil e pelo Instituto Nacional Aviação Civil, tendo sido presidido pelo Senhor Professor JCB, da Universidade Nova, especialista em Direito Administrativo e que havia já integrado o júri do primeiro concurso, realizado em 2012, então como primeiro vogal efectivo, a quem cabia também substituir o então Presidente do Júri, o Senhor Dr. ARG, designado pelo Procurador-Geral da República a solicitação do arguido MM..
Em face desta factualidade, não se pode afirmar que o comportamento do arguido integrou o elemento subjectivo do crime de prevaricação.
Na verdade, não se provou que, ao divulgar a terceiro o caderno de encargos de um concurso internacional ainda por abrir, o arguido MM tenha tido "intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém".
Ficou provado que o arguido MM agiu com intenção de salvaguarda do interesse público, para evitar que o concurso público ficasse de novo deserto e ficassem indisponíveis os helicópteros Kamov para o combate a incêndios.
Tendo em conta que os possíveis interessados na operação de helicópteros Kamov são poucos e, sendo a "F,SA." uma das empresas com capacidade de operar este tipo de aeronaves, seria natural que se tentasse que a mesma apresentasse uma proposta no concurso internacional.
E, por outro lado, atento o critério de adjudicação fixado (preço mais baixo) seria difícil beneficiar ou prejudicar alguém com a simples divulgação do caderno de encargos.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo subjectivo do crime de prevaricação relativo aos factos descritos no ponto F-4”.
Recorde-se que o Ministério Público conclui o seu recurso, no que respeita à aventada responsabilidade criminal deste arguido MM, nos seguintes termos:
“CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A NATUREZA DA ORDEM PARA CRIAÇÃO DE POSTO OLI
276.ª O Tribunal recorrido, para além de um vício de direito a que infra se fará referência desenvolvida, incorreu numa contradição insanável da fundamentação entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação de direito, ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP para a criação de um posto OLI na China, simultaneamente, como um acto de natureza política e como um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica do MAI sobre o SEF.
277.ª Existindo uma contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.), na qual se sufraga estar-se ante um acto político não sindicável judicialmente, e a fundamentação de facto, na parte em que se dá como assente que a referida ordem se integra nos poderes hierárquicos de direcção do arguido MM (cf. fls. 427), encontra-se, assim, o acórdão recorrido ferido do vício do artº 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.
278.ª Tendo o Acórdão recorrido, ao considerar tal acto como um acto político, para assim afastar a prática de crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político, atenta a margem de liberdade da actividade de natureza política do Governo, conforme melhor se desenvolverá infra, violado as disposições dos artºs 197º, 199º da CRP e artigo 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
ERRO DE DIREITO E CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO: O PAPEL DO OLI E SEU RELEVO NA EMISSÃO DE VISTOS ENQUANTO PASSO ESSENCIAL NO PROCEDIMENTO DE OBTENÇÃO DE ARI.
279.ª Incorre o Acórdão recorrido num erro de direito, fazendo uma interpretação errada do Regime ARI e da figura legal do OLI, vício de raciocínio jurídico que inquinou todo o juízo realizado quanto à matéria de facto atinente à intenção de instrumentalização de tal cargo para o cumprimento de fins lucrativos da actividade de AF e JA, conforme infra se vai referir.
280.ª Concluindo, na “motivação de direito” (a fls. 2252-2434 e a fls. 2266-2267,) após descrever o estatuto funcional de OLI, no qual inclui a atribuição de “possibilitar o tratamento mais célere de vistos” que «Desta forma, as atribuições do OLI enquadravam-se na perfeição nas necessidades detectadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e não nas necessidades dos arguidos AF e JA»..
281.ª Ora, quanto a tal juízo incorreu o Tribunal recorrido num erro de interpretação jurídica ao concluir que a figura de um OLI em nada servia os interesses dos arguidos em matéria de ARI., e, bem assim, o que ora se analisa, numa contradição insanável de fundamentação, porquanto a obtenção de ARI se encontra dependente da prévia obtenção de visto.
282.ª Assim, bastaria atentar no procedimento de tramitação ARI fixado por Despacho do Director Nacional do SEF n.º 62/DN/2012, de 03/12/2012, uma vez complementado, a partir de 01/07/2013, com a proposta do GADR para Manual Informático ARI (cf. fls. 291- 297 Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol.), para que o Tribunal recorrido com mediana facilidade e clareza houvesse de concluir que a obtenção de ARI pressupunha sempre a prévia obtenção de um Visto Schengen junto de um posto diplomático e consular português para entrada em Portugal nos casos de os requerentes não se encontrarem em território nacional.
283.ª Aliás, se dúvidas soçobrassem no espírito do Tribunal recorrido quanto à íntima conexão dos vistos e do ARI, a mera leitura da Proposta concreta para a criação do OLI na China - Doc. 2, Busca 31 – seria, de per se, bastante para colmatar tal dúvida, uma vez que na mesma se refere expressamente como justificação para a sua criação, entre outros aspectos, “poderem aportar um importante contributo na captação de investimento directo estrangeiro - um dos objectivos estratégicos consagrados no programa do XIX Governo Constitucional. Objectivo para o qual tem em muito contribuído o regime especial de concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) que tem vindo a dinamizar em conjunto com o MNE e a AICEP desde 2012, determinando a concessão do direito de residência a investidores oriundos de países terceiros.”, bem como, constituírem “uma mais-valia na prestação de apoio técnico permanente junto da Embaixada ao nível da emissão de vistos(…)”.
284.ª Razão pela qual, concluímos, ao desconsiderar a íntima conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI, se entende que o Acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos artºs 90.º A da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/2012, de 09/08. Relativo à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento; despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012 e Manual Informático ARI vigente no SEF desde Julho de 2013; artº 32º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
285.ª Entrando, outrossim, numa contradição insanável da fundamentação ao dar como provado, em simultâneo, o papel do OLI em matéria de vistos e ao considerar que a matéria dos vistos nada concerne à matéria dos ARI´s, e, assim, à actividade de angariação de clientela chinesa para tais títulos de residência levada a cabo conjuntamente pelos arguidos AF e JA com o beneplácito e suporte do arguido MM..
DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DA ORDEM DADA POR MM A MP NO SENTIDO DE REALIZAR UMA PROPOSTA DE NOMEAÇÃO DE OLI PARA A CHINA COMO UM ACTO POLÍTICO E NÃO COMO ACTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA E DA CONTRADIÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACORDÃO.
286.ª Segundo o entendimento do Tribunal recorrido, plasmado a fls. fls. 2369 e ss. do acórdão, a ordem comprovadamente dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de criação de um posto OLI era uma ordem de natureza política e, por isso, insusceptível de sindicância judicial atento o princípio da separação de poderes.
287.ª Ora, entre o Ministro da Administração Interna e o SEF intercede uma relação de dependência hierárquica (art. 1.º do DL n.º 252/2000, de 16 de Outubro, alterado pelo DL n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro), e não de tutela administrativa (a qual pressupõe a existência de duas entidades colectivas distintas, o que, no caso, não se verifica, sendo o SEF um serviço da administração directa do Estado).
288.ª A ordem verbal dada pelo Ministro MM ao Director Nacional do SEF no sentido de realizar uma proposta administrativa de criação de um posto OLI não é um acto político, mas sim um acto informal e verbal compreendido nos poderes administrativos de direcção do MAI sobre o SEF, nomeadamente enquadrável no artº 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
289.ª Tal ordem não exprime, nem em substância, nem em forma, qualquer opção sobre os interesses gerais da colectividade, antes se destinando a promover (na leitura do Ministério Público, ilegalmente, porque de forma não isenta e imparcial, mas refém de interesses de natureza particular) um procedimento administrativo, espoletando-o, de forma sub-reptícia, através da criação da aparência de espontaneidade de uma necessidade de cariz administrativo: nunca um Director Nacional do SEF poderia praticar, executando, um acto político, pelo que a ordem (informal) destinada à execução de tal comando não poderia jamais haver-se como acto político, ainda que, a final, caso viesse a ter acolhimento pelo MAI pudesse dar origem a uma opção de natureza política, nomeadamente a alteração das prioridades políticas quanto aos postos OLI então criados por despacho conjunto n.º 189/2005, então em vigor, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Ministro das Finanças e publicado no DR, II S, de 04/03/20005.
290.ª Ainda que pudesse pretender-se que a opção pela criação de um novo posto OLI, e a ordem do arguido dada para espoletar tal procedimento, se encontrasse inserida na «Reserva de administração não sindicável jurisprudencialmente», a qual, para lá do conceito estrito de actos políticos, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CPTA, integra uma zona da actividade fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais (designadamente administrativos), em tal zona, todavia, não são excluídos, nos termos do mesmo artº 3º, os poderes de cognição dos tribunais no que tange à vinculação da Administração por normas e princípios jurídicos.
291.ª Ou seja, ainda que a conveniência ou oportunidade da actuação da Administração, designadamente a conformidade ou não da sua actuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que a administração visa satisfazer com a sua actuação, se encontrem subtraídas à apreciação jurisdicional, já o mesmo não sucede quanto se detectar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, enunciados no n.º 2 do art. 266.º da CRP.
292.ª Ora, conforme a propósito da impugnação da matéria de facto se dirá, a “escolha” ou “opção” em causa, ao ser norteada pela necessidade de satisfação de interesses particulares de indivíduos ligados por interesses comuns negociais, violou exactamente o princípio matricial da prossecução do interesse público e da imparcialidade que devem nortear a actividade administrativa.
293.ª Ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP como um acto de natureza política, e não um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica, o Acórdão recorrido, violou as disposições dos artºs 197.º, 199.º da CRP e artigo 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
294.ª Sendo que, igualmente, quanto à mesma matéria, incorreu numa contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.) e a fundamentação de facto, na parte em se dá como assente a prática de acto integrado nos poderes hierárquicos de direcção do arguido MM (cf. fls. 427)”.
(…)
325.ª A referida análise da prova dos autos e sua recondução ao crime de prevaricação de titular de cargo político funda-se numa errónea compreensão do tipo de crime.
326.ª Uma correcta compreensão do tipo legal facilmente permitiria ao Tribunal concluir que se subsume à respectiva previsão a indiciada conduta de um Ministro que, postergando princípios gerais regentes de toda a actividade da administração pública, nomeadamente da prossecução do interesse público (cfr. Artigo 4.º do CPA) e da igualdade (artigo 5.º do CPA), pratica actos, mediante ordens e instruções dadas a um seu subordinado hierárquico, mediante as quais são dispensadas a uma empresa um tratamento excepcional e ilegal.
327.ª Bastando que essas ordens sejam proferidas para efeitos da condução do processo de forma ilegal ou contrária aos princípios de igualdade e imparcialidade que regem a actividade administrativa, sendo, assim, absolutamente espúrias as considerações acerca da competência decisória a atribuição dos vistos.
328.ª O SEF tinha competências próprias no seio do procedimento e foram estas que foram instrumentalizadas, conforme decorre da matéria dada como assente (relembrando o que acima se referiu quanto à manifesta contradição do acórdão no que respeita às ilegalidades praticadas).
329.ª Resumindo, e apenas de acordo com a matéria dada como assente pelo Acórdão recorrido: a avocação ilegal das competências dos Departamentos Regionais para a emissão do parecer; a emissão de pareceres positivos mediante uma lista nominativa de requerentes eivadas de erros e omissões e documentos sem validade; a tomada de iniciativa (sem impulso do particular) quanto à disponibilização de um conjunto de medidas de natureza excepcional e independentemente da alegação de dificuldades na obtenção de documentação obrigatória, designadamente a substituição do CRC por uma declaração de boa conduta; a aceitação de um seguro por um prazo inferior ao legal; a aposição de vinhetas de visto no aeroporto. (cf. Fls. 440-441; cf. 448-449, da matéria de facto provada)
330.º Relativamente a esta última medida (proposta por MP ainda que não concretizada), note-se (conforme decorre expressamente da posição escrita assumida pelo Embaixador JMC e citada no acórdão) que a mesma assume natureza excepcionalíssima, apenas prevista na lei para situações imprevistas, humanitárias e de interesse nacional (ex: crise de refugiados e desmantelamento total das instituições, situação que sucedeu, por exemplo, excepcionalmente para Estudantes Sírios), atentos os riscos securitários que comporta e, ainda, os custos para o erário público que da mesma decorrem potencialmente (monitorizações de embarque pelo SEF no aeroporto de partida; possibilidade de o Estado ter que suportar custos de repatriamento no caso de recusa de visto à chegada) (cf. 67.º, 68.º da Lei 23/2007, 41.º e 42.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03).
331.ª Conforme se referirá em sede de impugnação da matéria de facto, o referido tratamento dispensado à ILS, para além de ilegal, foi igualmente discriminatório ante outras empresas, ao contrário do afirmado no Acórdão.
332.ª Não é, assim, pressuposto do tipo de crime a prática de qualquer acto decisório, bastando a condução de processo contra direito, única conduta que foi imputada e dada como assente, sendo, assim, espúrias as considerações realizadas no Acórdão recorrido à entidade decisória.
333.ª Ora, apesar de inexistir prova directa do sentido concreto das ordens dadas pelo arguido MM ao arguido MP, a verdade é que tal conteúdo se extraí necessariamente das regras da experiência comum ante a restante prova directa produzida, por funcionamento das regras da prova indirecta, como também das mesmas resulta o elemento subjectivo do ilícito.
334.ª Ordens que, explicite-se, não foram dadas numa relação de tutela administrativa (como pretende o Acórdão recorrido), mas antes de hierarquia administrativa, ou seja, no âmbito das competências formais e legais do MAI sobre o SEF, no âmbito de poderes de direcção de natureza administrativa.
335.ª Todas as medidas que o arguido MP adoptou na condução do procedimento (quer as de 2013, quer as de 2014, após o encerramento da Embaixada), o foram após a intervenção de MM, intervenção que diríamos discreta, é certo, mas adequada causalmente à produção do efeito alcançado atenta a relação de hierarquia existente e a personalidade subserviente de MP evidenciada pela prova, nomeadamente pelas suas próprias declarações prestadas na fase de inquérito ao Ministério Público.
336.ª É que, relembramos, apesar de pouco aparatosa, não deixou de ser notada no seio do MNE. Lembrando a propósito, aquilo que, na data de 14 de Setembro de 2013, LGS, Director da Direcção de Vistos e Circulação de Pessoas da DGACCP, a propósito do pacote de medidas de excepção proposto por MP ao MNE, transmitiu à Embaixadora IP acerca de haver resultado da conversa com o SEF «claro o interesse político da parte da tutela do SEF em facilitar o negócio da ILS, não descartando algumas medidas muito excepcionais.» Facto dado como assente.
337.ª Considerando, ainda, o recorte legal do Crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político, não se descortina qual a pertinência das observações realizadas no Acórdão recorrido acerca de factos nunca imputados aos arguidos, nomeadamente acerca da prova do recebimento de vantagens, pois caso tal matéria estivesse sob discussão probatória estar-se-ia ante condutas corruptivas e não ante o crime imputado o qual não exige quaisquer contrapartidas.
338.ª Ora, o procedimento foi conduzido por MP, após intervenção hierárquica de MM, em moldes contra o direito, nomeadamente em moldes contrários às seguintes disposições legais: Artigos 67º e 68º da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigos 41º e 42º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, os quais fazem reconduzir a competência do SEF e MAI, respectivamente, para a emissão de vistos em postos de fronteiras a situações de natureza excepcional, imprevistas e de impossibilidade de solicitação de visto à entidade competente (artigo 67º), razões humanitárias ou de interesse nacional (artigo 68º); Artigo 52, n.º 1, al. f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigo 12º, n.º 1, al. e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do artigo 54º, n.º 2, da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias; Alínea c) do n.º 1 do artigo 12º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.; Artigos 19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11, os quais conferem competência às Direcções Regionais do SEF para as verificações de segurança, e não ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais que funciona junto da Direcção Nacional do SEF.
339.ª Se dúvidas houvesse quanto à leviandade dos procedimentos adoptados, e sua natureza excepcionalíssima, poderia o Tribunal recorrido ter sido alertado para o facto dado como provado que as «verificações de segurança» levadas a cabo pelo GADR, após o encerramento da Embaixada da Líbia, o foram com base numa «listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro» (cf. fls. 452 da matéria provada), isto, relembre-se, apesar de a Líbia ser considerado país de risco a nível internacional. (cf. anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.; ver também acerca da situação de insegurança da Líbia em 2013 e 2014 os Relatórios Anuais do Conselho de Segurança das NU, listas de sanções in https://www.un.org/sc/suborg/en/sanctions/1267/aq_sanctions_list; ou o site http://eeas.europa.eu/cfsp/sanctions/consol-list/index_en.htm).
339.ª Pelo que quanto à referida matéria, e atenta a factualidade dada como assente, deveria o Tribunal haver dado como provados os factos integradores do referido crime de prevaricação de titular de cargo político praticado em co-autoria por MM e MP, não o tendo feito por manifesto erro na apreciação dos factos e da prova, o que inquina o acórdão do vício do artº 410º, nº 2 , al. c).
(…)
360.ª Relativamente ao núcleo F3 (IVA-ILS), o Tribunal recorrido, para além da falta de fundamentação e de análise crítica da prova em que incorreu (conforme infra se referirá a propósito das nulidades do acórdão), fez uma notória apreciação errónea da prova, no cotejo com o tipo legal, e, ainda, uma errónea interpretação do tipo legal de Crime de Tráfico de Influência como acima, aliás, já se referiu quanto ao núcleo dos Vistos Líbios (F2).
361.ª Tais vícios decorrem, logo, ínsitos, naquilo a que o Tribunal chamou “ Motivação de Facto”, a fls. 963 e ss, na qual fez consignar o Tribunal que: “Relativamente à questão do processo de pedido de reembolso de IVA a tese da acusação/pronúncia assentava num comportamento do arguido MM que se provou não ser real. (…)Também neste caso a intervenção do arguido MM foi residual e inócua.”
362.ª E ainda que: «Todo o processo de reembolso do IVA foi resolvido de forma regular no interior dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira e sem intervenção de qualquer entidade terceira – toda a narrativa está baseada em prova documental, conjugada com os depoimentos das testemunhas ouvidas a esta matéria.»
363.ª Ora, tal conclusão denota, uma vez mais, uma errónea compreensão dos factos imputados e até dos factos dados como provados no cotejo com o recorte típico do crime de Tráfico de Influência relativamente ao qual já nos pronunciámos no ponto relativo aos Vistos Líbios.
364.ª Com efeito, nunca a tónica do crime poderia estar na actuação de MM, mas sim no acordo indiciariamente firmado entre PLC e JA, desta feita com vista ao exercício de influência junto da ATA, nomeadamente do SEAF a fim de que este, no exercício dos seus poderes hierárquicos sobre a AT (cf. Delegação de Competência da Ministra das Finanças - por Despacho nº 9783/2013, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 142, de 25/07/2013, quanto ao exercício dos poderes de direcção, substituição e revogação sobre a Autoridade Tributária, enquanto serviço que integra a administração directa do Estado sob a alçada do Ministério das Finanças) pudesse condicionar a decisão no âmbito do processo inspectivo em curso num sentido favorável aos interesses da ILS.
365.ª Ora, a descrição da conduta anómala e ilegal da ATA nesta matéria, não sendo, todavia, integrante do tipo de crime (a cujo preenchimento basta o acordo), ilumina (em termos de funcionamento da prova indirecta) o juízo indiciário que se impunha realizar acerca do conteúdo e escopo de tal acordo e sentido da intervenção dita «residual» e «inócua» de MM..
366.ª O que importava ao Tribunal recorrido apreciar era se teríamos como assente uma conduta de MM, subsequente à intervenção de JA, bem como, sequencial e causalmente, do SEAF e da ATA susceptível de permitir inferir logicamente tal acordo, seus termos e escopo, e a adesão ao mesmo.
367.ª Ora, no entendimento do Ministério Público, os factos dados como provados permitiam fazer essa inferência, sem margem para dúvidas razoáveis, sendo certo que inexiste, ao contrário do encetado fazer pelo Tribunal recorrido, um quadro indiciador contraditório que permita infirmar a tese da pronúncia à luz do funcionamento das regras da experiência feitas funcionar no nosso contexto cultural, social e institucional.
368.ª Com efeito, a contra-tese de que estaríamos apenas ante uma abertura da administração pública ao cidadão-contribuinte é, a todos os níveis, uma efabulação que nem num país do norte da Europa lograria convencer o Tribunal mais crédulo.
369.ª Perguntamos: qual é o Estado cujos Secretários de Estado determinam o acompanhamento informal (não plasmado em qualquer documentação oficial), a par e passo, o aconselhamento e a monitorização, por membro do seu gabinete, de um contribuinte e de um procedimento administrativo no qual o mesmo é interessado e que, aparentemente, decorreria sem entraves de maior? Se tal procedimento de atendimento e reuniões personalizadas eram tão comuns, porque precisou a ILS da intermediação de JA e de MM para promover tal encontro entre a sua estrutura empresarial e o SEAF? Mais, se um qualquer contribuinte for alvo de uma acção inspectiva na qual nada de anómalo aparentemente ocorra (a não ser a hipótese de uma divergência com a posição da AT) poderá ter reuniões com o SEAF e este determinará o seu «coaching» personalizado por um membro do seu gabinete, sugerindo procedimentos e actuações possíveis nas suas interacções com a Administração Fiscal, como se de um consultor fiscal se tratasse? Não haverá, porventura, em tal conduta um conflito de interesses com os interesses do próprio Estado? Se tal conduta não se justificar de um ponto de vista de discriminação positiva, não se estará perante uma violação dos princípios da igualdade e imparcialidade que, nos termos do CPA, devem pautar toda a conduta administrativa?
370.ª Estas perguntas, parece-nos, não assomaram, como deveriam, ao espírito do Tribunal recorrido e isto apesar de haver dado como assentes factos que as suscitariam a qualquer espírito atento.
371.ª Ora, quanto às vantagens recebidas por JA e oriundas de PLC contemporâneas do procedimento da ATA e da actuação de influência imputada aos arguidos JA e MM, as mesmas, obviamente, deveriam ter sido observadas pelo Tribunal recorrido no contexto da actuação deste e não desgarradas de outras considerações.
372.ª Aliás, uma das considerações contextuais que merecia ter sido realizada era a da prova enunciada no próprio acórdão e que não mereceu qualquer reflexão crítica, nesta sede, nomeadamente a análise à contabilidade das empresas de JA, a fim de perceber a falta de justificação contabilística de tais entradas de dinheiro, nem que fosse com um mero contrato formal que justificasse tais movimentações (como sucedeu com os Vistos e a JAG). (cf. Apenso DCIAP C2- Relatório DSIFAE, fls. 28/30 (ILS/JAG); fls. 33-39 (PARS; JAG; AGE))
373.ª Designadamente, deveriam tais movimentos ter sido observados à luz de uma indiciária reiteração de conduta, ante o que sucedeu com os Vistos da ILS, à luz de um padrão de comportamento anti-nornativo que, aliás, deveria ter sido analisado tendo por pano de fundo as parcerias negociais de JA e MM, às quais, como dissemos, o Tribunal recorrido pura e simplesmente, não dispensou um minuto de reflexão probatória conforme decorre patente no processo de fundamentação decisório respectivo a que infra se fará referência.
374.ª No que respeita a uma versão «simplex» do aparelho de Estado, nomeadamente ao nível da sua cúpula, a nossa leitura das regras da experiência comum, infelizmente para nós enquanto meros cidadãos e contribuintes, não podem estar mais nos antípodas da leitura feita pelo Tribunal recorrido: não é, de todo, comum ou normal (ainda que, em tese, desejável, não fosse a impossibilidade prática de uma tal conduta ser adoptada com observação de critérios de igualdade para todos os contribuintes) que um SEAF acompanhe e determine o acompanhamento do tipo daquele que foi disponibilizado à ILS por parte do «staff» do seu gabinete.
375.ª No que respeita à qualificação da actuação do SEAF e JT como uma conduta de mera «observação passiva» (e diríamos nós, candidamente, com que finalidade pública um assessor de gabinete observaria o normal desenrolar de um procedimento administrativo?), entendemos que os factos dados como assentes a fls. 454 e ss. do Acórdão recorrido estão longe de se subsumirem a tal passividade, apodando, assim, nesta sede, de manifestamente errónea tal conclusão do Tribunal recorrido.
376.ª Sendo contrárias à referida matéria de facto as conclusões realizadas pelo Tribunal, quanto à matéria em apreço, a fls. 2324, 2375 e 2400 da motivação de direito. Conclusões que estão longe de aderir a uma valoração correcta dos factos dados como assentes, integrando um erro notório na apreciação da prova e uma errónea compreensão do tipo de crime de tráfico de influência.
377.ª Desde logo, e quanto à compreensão do tipo legal de crime, se dirá que não teria que ficar provado o exercício efectivo de influência pelos arguidos JA e MM, o que haveria sim que haver por indagado (o que o Tribunal não fez) era antes se o arguido MM com a sua conduta prestou ou não auxílio essencial ao arguido JA, dando credibilidade à sua promessa de influência, a qual, desde que verificada, dispensa tipicamente a sua concretização.
378.ª Ora, este relacionamento entre ambos, e o papel que essa relação significava para PLC no contexto de tal possível acordo é que não foi apreciado criticamente pelo Tribunal recorrido.
379.ª Assim, os factos provados, demonstram à saciedade, uma expectativa de APM e de PLC no sentido de que “os parceiros de JA”, com quem reuniram, tivessem encetado uma qualquer actividade que resultasse numa decisão favorável à ILS no âmbito do procedimento. Uma actividade que passava não por uma solução de natureza técnica, mas uma “solução política”, para a qual tinham, aliás, que ganhar tempo a fim de alcançar os seus objectivos (reproduzindo as palavras dos próprios dadas como assentes na matéria de facto pelo acórdão recorrido).
380.ª Por outro lado, conforme acima dissemos, os actos pontuais e cirúrgicos de MM foram o bastante para criar a ponte com a cúpula hierárquica da entidade decisória, donde, inexistindo qualquer outra via de acesso à mesma, segundo regras de normalidade, não se poderia considerar tal comportamento de inócuo.
381.ª Cúpula que, da matéria assente (apesar de se não haverem dado como assentes todos os factos imputados na pronúncia), reuniu, aconselhou, analisou documentação remetida pela ILS, estabeleceu contactos vários com os técnicos da ATA, nomeadamente fazendo-se notar durante o decurso de uma acção inspectiva às instalações da contribuinte, mediante um telefonema efectuado por JT do qual foi dado conhecimento ao técnico.
382.ª Cúpula que, aliás, teve conhecimento de que um dado pedido de prorrogação de prazo feito pela contribuinte à AT foi realizado tendo por base uma inveracidade: a espera de um documento que já se encontrava na posse do contribuinte e cujo conteúdo e data recepção foi oportunamente transmitido a JT..
383.ª Estamos, assim, salvo o devido respeito, muito longe de um cenário de mera observação passiva de um procedimento administrativo a desenrolar-se em normalidade e liberdade de actuação técnica, como é a leitura do Tribunal recorrido.
384.ª Ao invés desse procedimento de normalidade, o que ficou provado foi antes um procedimento no qual a AT inverteu o curso de um processo decisório, o qual se encaminhava para considerar infundada a não cobrança de IVA e o pedido de reembolso efectuado pela ILS, com base numa declaração supostamente emitida pelas autoridades líbias relativamente à qual possuía vários elementos para suspeitar da respectiva falsidade, designadamente as características da mesma; a minuta encontrada nas instalações da contribuinte; a discrepância entre o pedido de prorrogação e a data da recepção da declaração; a falta de certificação, nos termos legais, da referida declaração.
385.ª Uma declaração que, para além do mais, conforme decorre dos factos que o Tribunal recorrido omitiu erroneamente apreciar e integrantes da ilicitude do procedimento da AT e respectiva decisão final (cf. fls. 1946 e ss.):
“Não continha os elementos mínimos exigidos na prática administrativa da Direcção de Serviços de Reembolso da Autoridade Tributária para a certificação de tal qualidade de sujeito passivo no âmbito do exercício do ónus da prova para efeitos de reembolso de IVA. ”Certificado este que, de acordo com orientações internas da Direcção de Serviços do IVA, para tal comprovação na falta de número de contribuinte ou de outros elementos obtidos das autoridades fiscais do país terceiro. “Não estando, assim, conforme à prática administrativa da Autoridade Tributária e às instruções quanto a tal matéria plasmadas pela Direcção de Serviços do IVA no Ofício Circulado n.º 30115, de 12/12/2009, (alínea c) parte III – Incidência Subjectiva), e ao disposto no artigo 18.º n.º 3, alínea a), do Regulamento de Execução n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de Março de 2011, que estabeleceu as medidas de aplicação da Directiva 2006/112/CE (Directiva IVA), para cujo teor é feita remissão pelo ofício circulado ”“Normativos e orientações cujo parecer solicitado à Direcção de Serviços do IVA, elaborado em 10 de Março e subscrito pelo Subdirector Geral do IVA MSP em 19 de Março, se havia limitado laconicamente a reproduzir.
Sendo o conteúdo e forma da referida declaração, uma vez aliados ao circunstancialismo em que decorreu o procedimento de inspecção externa levado a cabo pela Autoridade Tributária, bem como a própria conduta da contribuinte a arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª", de molde a justificar legítimas dúvidas quanto à sua autenticidade e validade enquanto meio de prova no ordenamento jurídico português.
Não estando, assim, face às dúvidas verificadas, tal documento devidamente legalizado à luz da ordem jurídica portuguesa atento o disposto nos artigos 364.º n.º 1 e 365.º n.º 2, do Código Civil e no artigo 440.º do Código de Processo Civil.
Uma vez que, tratando-se de alegado documento autêntico emitido por Estado não aderente à Convenção de Haia de 05 de Outubro de 1961 – Decreto-lei 48450, de 24 de Junho de 1968 – ratificada por Portugal conforme Aviso publicado em Diário do Governo de 28 de Fevereiro de 1968 (vulgo Convenção Apostilha), a respectiva legalização pressupor o reconhecimento da assinatura do funcionário estrangeiro por agente consular ou diplomático português, mediante aposição do selo branco. “
“Violando a lei o entendimento da Autoridade Tributária que, numa situação de dúvida fundada quanto à sua autenticidade, lhe reconheceu, no caso, valor probatório formal no âmbito do exercício do ónus da prova que, no caso, impendia sobre a contribuinte a arguida "ILS- Área da Saúde,Ld."..
“ Não tendo, quanto ao conteúdo de tal declaração, a equipa da Autoridade Tributária, ao contrário do procedimento usual, desenvolvido os esforços adequados a comprovar a veracidade da informação atestada”
386.ª Ora, ante tal juízo probatório que se impunha fazer, era irrelevante saber qual dos dois intermediários da ILS (APM, junto de um contacto na AT que lhe disponibilizou a decisão ainda antes de estar vertida no relatório final, e JA em parceria com MM junto do SEAF) efectivamente teriam logrado obter tal feito ilegal.
387.ª O crime de Tráfico de Influência é um crime de perigo abstracto, não exige, sequer, o exercício efectivo da actividade de influência acordada e, por maioria de razão, a decisão ilícita, logo também não, et pour cause, o nexo causal entre a actividade de influência e essa decisão ilícita.
388.ª O que importava indagar – o que o Tribunal recorrido não curou de fazer- era se a actuação provada era de molde a permitir inferir o acordo a que o Tribunal deveria ter chegado pelo uso correcto da prova indirecta, analisando os factos dos quais decorria, designadamente: o papel assinalado por PLC a JA e “parceiros”; as parcerias anteriores entre JA e MM, as quais dão enquadramento especial à referida conduta; o facto de este tipo de intervenção não ser um acto isolado, mas ser replicado no caso dos Vistos, configurando um padrão relacional entre JA e MM; os pagamentos contemporâneos do procedimento da AT e disponibilizados por PLC a JA; a forma como o próprio arguido JA enquadrou e qualificou o papel de MM na resolução “exclusiva” dos impasses administrativos da ILS no exercício da sua actividade; a natureza “sigilosa” da intervenção de MM, aquele que JA designa, em conversa com APM, como a“ terceira pessoa, cujo nome não pode dizer ao telefone”, secretismo que não quadra com o alegado contexto de transparência e proximidade da Administração.
389.ª Ora, com base numa concepção errada do crime de Tráfico de Influência, não curou o Tribunal recorrido de avaliar correctamente a prova e os factos por esta atestados, tendo, assim, salvo melhor opinião, incorrido num erro manifesto na avaliação da prova e numa interpretação errada do artº 335.º do Código Penal.
390.ª Sendo absolutamente espúrias à análise de tal crime as considerações realizadas no acórdão acerca do exercício ou não da influência e da sua aptidão ou não para dar azo ou causa à decisão ilícita verificada.
391.ª Quanto, mais uma vez, à intervenção “discreta” de MM veja-se, a propósito, a falta de valorização crítica pelo Tribunal recorrido dos factos assentes relativamente à prestação de contas feita por PN a MM e à prova da pronta comunicação do resultado obtido deste último a JA. Se tudo decorria no quadro de normalidade procedimental, o porquê deste prestar de contas do SEAF a terceiros que não a contribuinte ILS?
392.ª Razões, pelas quais, em suma, se entende que a matéria de facto assente, era de molde a permitir a inferência do acordo de tráfico, a adesão ao mesmo por MM, e os elementos subjectivos do tipo de 335º, nº 1 do CP, apenas não o tendo feito o Tribunal recorrido por erro notório na apreciação da prova e do direito pertinente à sua análise.
393.ª Devendo, assim, o Tribunal ter condenado os arguidos PLC, JA e MM pelos crimes de tráfico de influência imputados.
(…)
ERRO DE DIREITO: O PAPEL DO OLI E SEU RELEVO NA EMISSÃO DE VISTOS ENQUANTO PASSO ESSENCIAL NO PROCEDIMENTO DE OBTENÇÃO DE ARI.
677.ª Incorre o Acórdão recorrido, igualmente, na perspectiva do recorrente, num erro de direito, fazendo uma interpretação errada do Regime ARI e da figura legal do OLI, vício de raciocínio jurídico que inquinou o juízo realizado quanto à matéria de facto conforme infra se vai referir, a qual enferma de uma notória contradição com a matéria de direito.
678.ª Assim, naquilo a que chama de «motivação de direito», a fls. 2252-2434 e a fls. 2266-2267, refere o Tribunal recorrido que, cita-se:
“Ora, conforme decorre do estatuto o conteúdo funcional do OLI contempla as seguintes atribuições:
- Cooperar com as entidades nacionais e anfitriãs;
- Garantir a regulação do fluxo migratório;
- Prevenir a entrada de emigrantes em situação ilegal;
- Garantir o combate à imigração ilegal; e,
- Possibilitar o tratamento mais célere de vistos concedidos de acordo com a legislação portuguesa ou ao abrigo de acordos de imigração temporária.
Assim sendo, parece líquido que os OLI não têm atribuições em matéria de concessão de autorizações de residência para investimento. E, não se confunda a concessão de vistos (que são da competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros) com a concessão de autorizações de residência (da competência do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras). (fls. 2253)
Desta forma, as atribuições do OLI enquadravam-se na perfeição nas necessidades detectadas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e não nas necessidades dos arguidos AF e JA»..
679.ª Ora, quanto a tal juízo incorreu o Tribunal recorrido num erro de interpretação jurídica ao concluir que a figura de um OLI em nada servia os interesses dos arguidos.
680.ª Assim, bastaria atentar no procedimento de tramitação ARI fixado por Despacho do Director Nacional do SEF n.º 62/DN/2012, de 03/12/2012, uma vez complementado, a partir de 01/07/2013, com a proposta do GADR para Manual Informático ARI (cf. fls. 291- 297 Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol.), para que o Tribunal recorrido com mediana facilidade e clareza houvesse de concluir que a obtenção de ARI pressupunha sempre a prévia obtenção de um Visto Schengen junto de um posto diplomático e consular português para entrada em Portugal nos casos de os requerentes não se encontrarem em território nacional.
681.ª Ou seja, em circunstâncias normais não estaria o requerente ARI dispensado de se deslocar a Portugal e de entregar, directa e pessoalmente, o requerimento numa Direcção/Delegação Regional do SEF, nomeadamente para recolha de dados biométricos. Isto independentemente da inscrição ou pré-registo no Portal ARI (o qual podia ser efectuado a partir do estrangeiro). (cf. fls. 121 e 124, Ap. DCIAP-D, 2º Vol.; cf. fls. 291, Ap. DCIAP-D, 2º vol.; cf. fls. 67, 67-82Ap. DCIAP-D, 1º Vol.; cf. fls. 11 e ss. Ap. DCIAP-D, 2º vol. (IGAI - Processo de Auditoria Extraordinária PI-21/ 2014); cf. Lei nº 29/2012, de 09/08, pela qual foi introduzida alteração à Lei 23/2007, de 04/07, aditando o artº 90º-A relativa à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento, definindo os requisitos legais para a obtenção de ARI; cf. despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012; Manual Informático ARI).
682.ª Ora, atento o disposto no artigo 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF), o qual contempla a figura do OLI, o conteúdo funcional de cada posto OLI consta do despacho de nomeação (cf. artº 32º, nº 3), enquadrando-se sempre nas atribuições gerais de combate à imigração ilegal, designadamente: cooperar com as entidades nacionais e anfitriãs; garantir a regulação do fluxo migratório; prevenir a entrada em território nacional de imigrantes em situação ilegal; prevenção e detecção de documentação falsa; possibilitar o tratamento mais célere de vistos/situações de retorno; auxílio à investigação criminal no domínio da criminalidade transnacional organizada conexa com as migrações.
683.ª A tal propósito, se dúvidas soçobrassem no espírito do Tribunal recorrido quanto à íntima conexão dos vistos e dos ARI, a mera leitura da Proposta concreta para a criação do OLI na China - Doc. 2, Busca 31 – seria, de per se, bastante para colmatar tal dúvida, uma vez que na mesma se refere expressamente como justificação para a sua criação o «contributo de relevo na regulação dos fluxos migratórios na sua origem, com forte com ponente de trabalho técnico ao nível consular, na dinamização da troca de informações sobre imigração ilegal (trabalho em rede com outros OLI e com autoridades portuguesas relevantes), no estabelecimento e manutenção de contactos directos com as autoridades de imigração, fronteiras e asilo no país de acolhimento, com organizações internacionais que actuam no terreno nestas matérias, assim como com as companhias transportadoras. Facultam formação, nas áreas específicas de imigração, aos serviços congéneres, autoridades consulares e companhias transportadoras e prestam assistência no regresso de nacionais de países terceiros aos países de origem e/ou trânsito». A que acresceria, cita-se: «poderem aportar um importante contributo na captação de investimento directo estrangeiro - um dos objectivos estratégicos consagrados no programa do XIX Governo Constitucional. Objectivo para o qual tem em muito contribuído o regime especial de concessão de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) que tem vindo a dinamizar em conjunto com o MNE e a AICEP desde 2012, determinando a concessão do direito de residência a investidores oriundos de países terceiros. Bem como, constituírem «uma mais-valia na prestação de apoio técnico permanente junto da Embaixada ao nível da emissão de vistos, da comunicação de alertas aos Estados Membros sobre a utilização de documentos falsos, contrafeitos e/ou falsificados, bem como na identificação dos riscos migratórios, de tendências e das rotas da imigração ilegal e do tráfico de seres humanos com destino à União Europeia provenientes da China e seus países transfronteiriços, com o objectivo de reforçara segurança dos Estados Schengen».
684.ª Razão pela qual, concluímos, ao desconsiderar a íntima conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI, se entende que o Acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos artºs 90.º A da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei nº 29/2012, de 09/08. Relativo à Autorização de Residência para a Actividade de Investimento; despachos conjuntos nº 11820-A/2012, DE 04/09 E Nº 1661-A/2013, 28/01, MAI/MNE; Despacho do DN SEF nº 62/DN/2012, de 03/12/2012 e Manual Informático ARI vigente no SEF desde Julho de 2013; artº 32º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
ERRO DE DIREITO: DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO PELO TRIBUNAL DA ORDEM DADA POR MM A MP NO SENTIDO DE REALIZAR UMA PROPOSTA DE NOMEAÇÃO DE OLI PARA A CHINA COMO UM ACTO POLÍTICO E NÃO COMO ACTO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA.
685.ª A propósito da criação do posto OLI refere o Tribunal recorrido (cfr. fls. 2369 e ss, quanto ao arguido MM) que a factualidade apurada não suporta qualquer juízo de censura jurídico-penal, quer como autor, quer como co-autor de um crime de prevaricação de titular de cargo político. Fundamentando tal conclusão, refere-se na decisão, do ponto de vista da motivação jurídica, que:
«O processo de criação de um Oficial de Ligação para a Imigração tem a sua tramitação prevista na lei e, portanto, constitui um processo tipicamente administrativo.
No entanto, na base do início do processo estaria uma decisão que não poderá deixar de ser considerada como uma decisão política.
Decidir criar um posto de OLI em Pequim ou um posto de OLI em Islamabad implica a adopção de critérios políticos e instrumentalmente administrativos.
A vertente política fica fora da sindicância jurisdicional, em razão do princípio constitucional basilar do Estado de Direito na vertente da separação de poderes.
Tal implica que a decisão do Ministro da Administração Interna de dar início ao processo de criação de um posto de OLI é uma decisão política e como tal assunto fora da sindicância dos tribunais, mas já não a condução do processo, a qual, admite, tratando-se de matéria administrativa, estaria na alçada da sindicância judicial.
Ora o arguido ter-se-ia limitado a dar uma ordem ao arguido MP para que iniciasse o referido procedimento administrativo».
686.ª Ou seja, segundo o entendimento do Tribunal recorrido, a ordem comprovadamente dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de criação de um posto OLI era uma ordem de natureza política e, por isso, insusceptível de sindicância judicial atento o princípio da separação de poderes.
687.ª Ora, mais uma vez salvo o devido respeito pela referida opinião, à mesma não logramos aderir face ao quadro constitucional e legal vigente e aos factos em apreço. Vejamos:
688.ª Entre o Ministro da Administração Interna e o SEF intercede uma relação de dependência hierárquica (art. 1.º do DL n.º 252/2000, de 16 de Outubro, alterado pelo DL n.º 290-A/2001, de 17 de Novembro), e não de tutela administrativa (a qual pressupõe a existência de duas entidades colectivas distintas, o que, no caso, não se verifica, sendo o SEF um serviço da administração directa do Estado).
689.ª O Governo, do qual faz parte o Ministro da Administração Interna, é um dos órgãos de soberania (cfr. artigo 110.º da Constituição da República Portuguesa - CRP) e tem funções de condução da política geral do país e de órgão superior da administração pública (cfr. artigo 182.º da CRP), sendo responsável perante o Presidente da República e a perante a Assembleia da República (cfr. artigo 190.º da CRP). O Governo detém, assim, competências políticas (cfr. artigo 197. da CRP), legislativas (cfr. artigo 198.º da CRP) e administrativas (cfr. artigo 199.º da CRP).
690.ª Nos termos do artigo n.º 199.º da CRP, a competência administrativa do Governo compreende três funções: garantir a execução das leis; assegurar o funcionamento da Administração Pública; promover a satisfação das necessidades colectivas.
691.ª No âmbito da sua competência administrativa e enquanto órgão superior da administração pública, compete ao Governo dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma.
692.ª O Governo exerce, assim, o poder de direcção relativamente à administração directa, o poder de supervisão quanto à administração indirecta; e o poder de tutela (que se limita ao controlo da legalidade) quanto à administração autónoma.
693.ª A Administração Directa (cfr. n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro) é constituída pelos serviços (centrais e periféricos) que se encontram sujeitos ao poder de direcção dos membros do Governo, exercendo os serviços centrais a sua competência em todo o território nacional e os periféricos numa área territorial restrita.
694.ª O SEF inclui-se na administração Directa do Estado.
695.ª Cada Ministério dispõe de uma lei orgânica própria, onde são fixadas as respectivas atribuições e onde se identificam os serviços que integram a administração directa e a administração indirecta. Assim acontece com o MAI e o SEF.
696.ª De acordo com as lições do Prof. Freitas do Amaral, (cf. Curso de Direito Administrativo, 2ª Ed., VI, Coimbra, 1996, p. 632 e ss.) o poder hierárquico de natureza administrativa compreende três subpoderes: poder de direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar.
697.ª O poder de direcção consiste na faculdade de o superior dar ordens e instruções, apenas em matéria de serviço, ao subalterno. O poder de direcção não carece de consagração legal expressa, pois é inerente ao desempenho das funções de chefia. As manifestações deste poder esgotam-se no âmbito da relação hierárquica e não produzem efeitos jurídicos externos; o poder de supervisão consiste na faculdade do superior revogar ou suspender os actos administrativos praticados pelo seu subalterno, este poder pode ser exercido por iniciativa do superior ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo interessado; por fim, o poder disciplinar consiste na faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei, em consequência das infracções cometidas na função pública.
698.ª No que toca aos deveres do subalterno, um que diz directamente respeito à relação hierárquica, o dever de obediência. O dever de obediência consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e sob a forma legal (Artigo 3º/8 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas). Assim, é importante mencionar os três requisitos que este dever de obediência deve preencher: a) A ordem ou as instruções devem provir do legítimo superior hierárquico do subalterno em causa; b) A ordem ou as instruções deve apenas ser dada em matéria de serviço; c) A ordem ou as instruções devem sempre revestir a forma legalmente prescrita.
699.ª Não existindo, todavia, dever de obediência quando a ordem emane de quem não seja legítimo superior do subalterno em causa, quando uma ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno ou quando tenha sido dada verbalmente se a lei exigia que fosse escrita. O subalterno não tem, igualmente, dever de obediência se a ordem que lhe é dada estiver contida num acto nulo, de acordo com o Artigo 161º CPA. Cessa igualmente o dever de obediência quando o cumprimento da ordem ou instrução implique a prática de um crime (cf. artº 5º, nº 5 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas).
700.ª Por seu turno, com referia A. Queiró (cf. Teoria dos Actos do Governo, Coimbra Editora, 1948), a função politica do governo engloba «todos os actos concretos dos órgãos constitucionais, cuja competência e cujos limites estejam definidos na Constituição» e não em leis ordinárias.
701.ª O exercício da função política traduz-se em definir do interesse geral da colectividade e, por isso, que a mesma se concretiza na escolha das opções destinadas à preservação e melhoria do modelo económico e social por forma a assegurar a satisfação necessidades colectivas de segurança e de bem-estar das pessoas. (cf. Ac. STA de 04/07/2013, Pº 654/11)
702.ª Por ser assim é que só os órgãos superiores do Estado – maxime o Governo - podem exercer essa a função pois só eles têm legitimidade para definir, em termos gerais, os fins que a sociedade deve almejar, os meios que cabe utilizar para os alcançar e os caminhos que será necessário percorrer, legitimidade que encontra fundamento no sufrágio popular, isto é, na livre escolha dos cidadãos (Vd. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., vol. I, pg.s 8 a 10, S. Correia, Noções de Direito Administrativo pg.s 29/30 e F. Amaral Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg 45, e Acórdãos deste STA de 22/04/93 (rec. n.º 29.790), de 9/06/1994, (rec n.º 33.975), de 5/03/98 (rec. n.º 43.438) e de 9/05/2001 (rec. 28.775).).
703.ª De acordo com a jurisprudência do STA, do ponto de vista do conteúdo do acto político: “a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade” (cf. Ac. STA, 06/03/2007, Pº 1143/07), tratando-se de «uma actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras, à luz desses fins».
704.ª Conforme se refere num Ac. do Pleno STA, de 20/05/2010, «Várias podem ser as definições de “função política”. Para uns é a actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade política e a definição e a prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis (Prof. Marcelo Caetano, Manual, 10ª ed., 1º vol., pág. 8). Para outros corresponde à prática de actos que exprimem opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade, e que respeitam, de modo directo e imediato, às relações dentro do poder político e deste com outros poderes políticos (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 10). Segundo outros, traduz-se numa actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins (Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 30). Ainda para outros, o objecto da política são as grandes opções que o país enfrenta ao traçar os rumos do seu destino colectivo, a função legislativa corporiza as opções vencedoras e a função administrativa dá-lhes execução (Prof. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 1º, 2ª ed., págs. 48/49).”
705.ª Ora, salvo melhor opinião, e face ao que se vem de dizer, a ordem verbal dada pelo Ministro MM ao Director Nacional do SEF no sentido de realizar uma proposta administrativa de criação de um posto OLI, não configura um acto político, mas sim um acto informal e verbal compreendido nos poderes administrativos de direcção do MAI sobre o SEF, nomeadamente enquadrável no artº artigo 32.º do DL nº 290-A/2001, de 17/11 (Regime do Exercício de Funções e o Estatuto do Pessoal do SEF).
706.ª Tal ordem não exprime, nem em substância, nem em forma, qualquer opção sobre os interesses gerais da colectividade, antes se destinando a promover (na leitura do Ministério Público, ilegalmente, porque de forma não isenta e imparcial, mas refém de interesses de natureza particular) um procedimento administrativo, espoletando-o, de forma sub-reptícia, através da criação da aparência de espontaneidade de uma necessidade de cariz administrativo: nunca um Director Nacional do SEF poderia praticar, executando, um acto político, pelo que a ordem (informal) destinada à execução de tal comando não poderia jamais haver-se como acto político, ainda que, a final, caso viesse a ter acolhimento pelo MAI pudesse dar origem a uma opção de natureza política, nomeadamente a alteração das prioridades políticas quanto aos postos OLI então criados por despacho conjunto n.º 189/2005, então em vigor, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Ministro das Finanças e publicado no DR, II S, de 04/03/20005.
707.ª Tal ordem verbal, tal como exige o tipo de prevaricação de titular de cargo político, integra uma subversão dos poderes administrativos de direcção, dando início a um procedimento administrativo (“conduzindo-o” contra direito, conforme o elemento objectivo do tipo de prevaricação) em ordem a cumprir interesses de natureza privada, ficcionando uma necessidade num serviço público sem que quaisquer diligências fossem realizadas no seio do dito serviço para aquilatar da real necessidade. Relembre-se, a tal propósito, quanto à matéria de facto dada como provada, as dificuldades orçamentais verificadas e a circunstância das necessidades existentes ao nível da pressão consular com pedidos de vistos estarem a ser supridas com serviços externos para o efeito contratados, bem como a forma tabelar como a matéria foi tratada no seio do SEF e, bem assim, a não intervenção no procedimento do Secretário de Estado a quem se encontrava delegada a matéria OLI (cf. matéria provada a fls. 426 e ss., em especial 431, 432, 433).
708.ª Ainda que, por mera hipótese, pudesse pretender-se que a opção pela criação de um novo posto OLI, e a ordem do arguido dada para espoletar tal procedimento, se encontrasse inserida na chamada «Reserva de administração não sindicável jurisprudencialmente», a qual, para lá do conceito estrito de actos políticos, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CPTA, integra uma zona da actividade fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais (designadamente administrativos), em tal zona, todavia, não se encontram excluídos, nos termos do mesmo artº 3º do CPA, os poderes de cognição dos tribunais no que tange à vinculação da Administração por normas e princípios jurídicos.
709.ª Ou seja, ainda que a conveniência ou oportunidade da actuação, designadamente a conformidade ou não da sua actuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que a administração visa satisfazer com a sua actuação, se encontrem subtraídas à apreciação jurisdicional, já o mesmo não sucede quanto se detectar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, enunciados no n.º 2 do art. 266.º da CRP, como é o caso..
710.ª Ora, conforme a propósito da impugnação da matéria de facto se disse, a “escolha” ou “opção” em causa, ao ser norteada pela necessidade de satisfação de interesses particulares de indivíduos ligados por interesses comuns negociais e venais, violou exactamente o princípio matricial da prossecução do interesse público e da imparcialidade que devem nortear a actividade administrativa.
711.ª Tal leitura encontra-se em “consonância essencial com a opção constitucional, consubstanciada na adopção do princípio da separação e interdependência de poderes (art. 2.º da CRP), nos termos da qual cabe aos tribunais, tendo a lei como único elemento condicionante, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (arts. 202.º, n.º 2, e 203.º da CRP), cabendo à Administração, além do mais, a escolha das providências necessárias para o desenvolvimento económico e social e a satisfação das necessidades colectivas [art. 199.º, alínea g), da CRP], dentro dos limites traçados pela lei, entendida como bloco de legalidade aplicável.” (cf. Ac. STA, 06/03/2007, Pº 01143/06, Relator Jorge Sousa)
712.ª Assim, e em conclusão, pode “extrair-se do CPTA uma orientação genérica no sentido de que a margem de livre decisão administrativa se encontra submetida a um pleno controlo de juridicidade mas, também, a um mero controlo de juridicidade: tudo aquilo que, no iter conducente à decisão, seja juridicamente determinado ou juridicamente valorável constitui campo de controlo jurisdicional (…)». (cf. Ac. ASTA, 06/03/2007, Pº 01143/06, Relator Jorge Sousa)
713.ª Ao considerar a ordem dada pelo arguido MM ao arguido MP como um acto de natureza política, e não um acto de natureza administrativa integrado nos poderes de direcção hierárquica, o Acórdão recorrido, violou as disposições dos artºs 197.º, 199.º da CRP e artigo 32.º do 290-A/2001, de 17/11.
Sendo que, igualmente, como acima referido, e quanto à mesma matéria, incorreu numa contradição entre a fundamentação de direito (fls. 2369 e ss.) e a fundamentação de facto, na parte em que dá como assente a prática de tal acto como integrado nos poderes de direcção do arguido MM (cf. fls. 427)..
ERRO DE DIREITO QUANTO À MATÉRIA DOS VISTOS (F2): CRIME DE PREVARICAÇÃO E DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA
714.ª Na matéria atinente ao Núcleo ILS/Vistos (F2) o Tribunal recorrido faz uma notória apreciação errónea da prova produzida e uma análise jurídica errada dos tipos de crime de tráfico de influência de prevaricação de titular de cargo político, erro este que, quando ao crime de tráfico de influência, aliás, reiterou no Núcleo F3 (IVA), conforme decorre das considerações realizadas na «motivação de direito» que passaremos a analisar:
715.ª Para melhor enquadrar juridicamente a matéria atente o Venerando Tribunal nos aspectos do regime jurídico que enquadra a matéria e que (bem) foi considerado pelo Tribunal recorrido como componentes da pronúncia «insusceptíveis de prova» a fls. 1943 e ss.):
- A concessão dos vistos de estada temporária para tratamento médico pelos postos consulares portugueses está dependente de um parecer obrigatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (com natureza vinculativa, se negativo) que, para o efeito, realiza um conjunto de verificações prévias com vista a avaliar a existência de riscos migratórios nos termos do disposto nos artigos 53.º n.º 1 alínea a), n.º 5 e n.º 6, 54.º n.º 1 alíneas a) e b) da Lei n.º 23/2007, de 04/07 (diploma que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, bem como o estatuto de residente de longa duração), com as alterações da Lei n.º 29/2012, de 09/08, e no artigo 35.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03.
- A instrução dos respectivos pedidos (vistos E1 e E7) deve efectuar-se, em requerimento de modelo próprio, nos termos dos artigos 11.º, 12.º, 18.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, e das Portarias n.º 1563/2007, de 16 de Julho, n.º 760/2009, de 11 de Dezembro (meios de subsistência) e n.º 7/2008, de 03/01 (emolumentos consulares).
- Requerimento que, nos termos regulamentares, deverá ser instruído com os seguintes documentos: documento de viagem válido por mais três meses após a duração da estada prevista; duas fotografias; título de transporte que assegure o regresso; seguro de viagem válido que permita cobrir as despesas médicas necessárias com assistência médica urgente e eventual repatriamento; requerimento para consulta de registo criminal português pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; certificado de registo criminal do país de origem emitido por autoridade competente; comprovativo de condições de alojamento e meios de subsistência em território nacional; relatório médico; comprovativo de que se encontra assegurado o internamento/tratamento ambulatório em estabelecimento de saúde oficial português; comprovativo de laços de parentesco com familiares que acompanha.
- O referido procedimento legal de emissão de Vistos Nacionais de Estada Temporária, no caso de cidadãos líbios, nos termos legais, impunha o seguinte procedimento legal: apresentação presencial pelo interessado do pedido de emissão de visto no posto consular português em Trípoli, devidamente instruído com documentação legal exigível e sua análise nos serviços consulares; registo dos pedidos de vistos regularmente instruídos no sistema informático (RPV); encaminhamento informático do referido pedido para a Direcção de Serviços de Vistos da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas onde eram feitas as consultas obrigatórias aos parceiros e ao SIS; encaminhamento informático, via SIEV, para a Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras territorialmente competente (de acordo com o destino final do requerente) com vista à realização de análise em contexto local instrumental da emissão, no prazo de 20 dias, de parecer obrigatório favorável ou negativo, este último vinculativo. (quanto à competência das Direcções Regionais e da não competência do GADR v. Artigos 19.º-B (competência Gabinete de Apoio às Delegações Regionais) e 47.º n.º 1 alínea k) (competência dos Directores Regionais) da Lei Orgânica Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11.)
- A emissão do parecer de visto obrigatório por parte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras nos vistos de estada temporária pressupõe: a realização instrumental de verificações de segurança de risco migratório; a análise da documentação de instrução do pedido e análise da credibilidade dos motivos da estada; a verificação do registo criminal e medidas cautelares e, no caso de nacionalidade de risco, o que sucede com a nacionalidade líbia, a realização de consultas ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).
716.ª Ora, tendo em mente tal quadro legal e procedimental, refere-se no Acórdão ora recorrido, quanto ao Crime de Prevaricação de Titular de Cargo Político (imputado a MM em co-autoria com MP), Cf. Fls. 2272 que:
«É certo que estas decisões foram acompanhadas pela tutela, quer do Ministro da Administração Interna, o arguido MM, quer do Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Dr.R…M….
No entanto, não ficou demonstrado que, para além do acompanhamento tutelar, estes tenham tido intervenção no processo decisório».
Assim sendo, a intervenção do arguido JA junto do arguido MM limitou-se a chamar a atenção para um problema que afectava a actividade da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª". Actividade essa que, além da actividade lucrativa, objectivamente, pode ser considerada meritória atento a finalidade prosseguida e prestigiante para a imagem de Portugal e para o reconhecimento da qualidade dos serviços médicos prestados em território nacional.
Este contacto limitou-se a chamar a atenção do Ministro da Administração Interna de um problema que necessitava de uma decisão administrativa. É claro que o intuito do arguido JA ao fazer esta chamada de atenção era o de resolver o mesmo favoravelmente aos interesses da "ILS-Área da Saúde,Ldª"..
No entanto, não ficou demonstrado que tenha indicado a solução que preconizava para o problema, nem solicitado que o assunto fosse resolvido de forma favorável à arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª"..
Não ficou provado que o comportamento do arguido MM tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo amigo».
717.ª E, a fls. 2272 e 2273:
«Assim sendo, a intervenção do arguido JA junto do arguido MM limitou-se a chamar a atenção para um problema que afectava a actividade da arguida "ILS-Área da Saúde,Ld". Actividade essa que, além da actividade lucrativa, objectivamente, pode ser considerada meritória atento a finalidade prosseguida e prestigiante para a imagem de Portugal e para o reconhecimento da qualidade dos serviços médicos prestados em território nacional. Este contacto limitou-se a chamar a atenção do Ministro da Administração Interna de um problema que necessitava de uma decisão administrativa. É claro que o intuito do arguido JA ao fazer esta chamada de atenção era o de resolver o mesmo favoravelmente aos interesses da "ILS- Área da Saúde,Ldª". No entanto, não ficou demonstrado que tenha indicado a solução que preconizava para o problema, nem solicitado que o assunto fosse resolvido de forma favorável à arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª.". Não ficou provado que o comportamento do arguido MM tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo amigo.
Adoptou um comportamento que se poderá considerar adequado, tendo conhecimento de um problema que, afectava as áreas de actuação do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tratou de falar sobre o mesmo com o seu colega de Governo. E, em conjunto deixaram as entidades competentes que tutelavam resolver o problema.”
E que : “Não se poderá considerar objecto de censura penal o simples contacto dos particulares com os titulares dos órgãos decisores da administração pública, com a finalidade de pedir a solução de um problema. Tal conclusão terá de ser distinta se o contacto tiver o dom de determinar o sentido da decisão. O que não foi o caso. Reitere-se que a solução do problema foi apontado pela Embaixadora IP.
Desta forma, o problema da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª." foi resolvido sem que tenha existido prejuízo para a autonomia intencional do Estado. (…)
Não ficou demonstrado que o arguido MP tenha recebido alguma vantagem patrimonial ou não patrimonial como contrapartida do comportamento adoptado neste processo.»
(…)
De qualquer forma, entre os arguidos MP e MM não existiu nenhum pacto sceleris e, como tal, inexistiu qualquer actuação conjunta para a execução do facto típico.»
717.ª Concluindo, a Fls. 2372 in fine e ss., o Tribunal recorrido que factualidade apurada não sustenta a imputação ao arguido MM de um crime de prevaricação de titular de cargo político, porquanto: o arguido MM não teria tido qualquer intervenção no procedimento administrativo de concessão de vistos de permanência temporária para cidadãos líbios que se deslocaram a território nacional para tratamento médico, sendo a competência para emissão de vistos da competência do MNE, cabendo ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a emissão de um parecer de segurança, o qual é vinculativo no caso de parecer negativo; sendo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não tendo, todavia, o Ministro da Administração Interna quaisquer competências neste tipo de procedimento. Pelo que a tese da acusação nunca poderia, assim, subsumir-se ao crime de prevaricação, uma vez que este pressupõe uma conduta consciente de condução ou decisão contra direito num processo em que o agente haja tido intervenção no exercício das suas funções.
- E ainda que, conclui o Tribunal recorrido, fazendo eco da tese da defesa, “Ora, o arguido MM na qualidade de Ministro da Administração Interna não tinha competência legal para intervir na concessão de vistos de permanência temporária; o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem nesta matéria uma competência legal muito restrita, e sendo tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não o era pelo Ministro da Administração Interna.”
718.ª Pelo que, sem outras considerações, considerou o Tribunal que, quanto a MM (e, por extensão, MP) desabaria a tese da acusação/pronúncia.
- Referindo, de seguida, que o arguido se limitou a praticar, de acordo com a prova dada como assente, os seguintes actos: “Solicitou ao arguido MP que recebesse os representantes da "ILS- Área da Saúde,Ldª." para que fossem informados dos procedimentos a adoptar para a realização da operação de entrada dos doentes líbios em território nacional; Após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, o arguido MM providenciou que ocorresse novo contacto entre os arguidos MP e JA, numa altura em que aquele se encontrava no gozo de férias; Falou com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr.R…M…, no intervalo de uma reunião do conselho de Ministros, colocando-o a par da situação que se estava a passar com a vinda de cidadãos líbios para tratamento em Portugal – na sequência deste contacto o Dr.R…M… procedeu a averiguações junto dos serviços e comunicou ao seu colega o resultado dessas averiguações, as quais por sua vez o arguido MM remeteu para o arguido JA..
Ora, de acordo com o Tribunal recorrido, os factos dados como provados não permitem concluir que o arguido MM haja tido uma intervenção directa ou, sequer, remota, nas decisões que foram tomadas.” (cf. fls. 2439).
719.ª Ora, salvo melhor opinião, esta análise dos factos e do direito, quanto ao crime de Prevaricação de Titular de Cargo Politico peca, desde logo, por pouco conforme ao figurino legal. Vejamos:
Do Crime de Prevaricação:
720.ª O bem jurídico protegido com a incriminação da prevaricação em questão é a autonomia intencional do Estado, a realização das funções de Estado segundo o direito e no interesse do bem comum, sem ilegalidades, nem deliberado privilégio ou prejuízo de interesses particulares. Tem-se em vista “… a necessidade de assegurar aos cidadãos que qualquer serviço que envolva a prestação de uma actividade pública funciona de acordo com a lei, respeitando o ordenamento jurídico, com eficácia de actuação (...),” salvaguardando-se a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e na credibilidade destas.
721.ª A norma defende, em primeira linha, interesses colectivos, supra-individuais, pese embora a tutela normativa se estenda, mediatamente, aos interesses (privados) individuais, que possam ser afectados pela conduta delituosa e que aqui recolhem protecção reflexa.
722.ª Os elementos constitutivos da incriminação em causa são, ao nível do tipo-de ilícito objectivo: a titularidade de cargo político pelo agente; a condução ou decisão contra direito de um processo por parte do agente; o exercício defunções; ao nível do tipo de ilícito subjectivo: a vontade consciente do agente em assim proceder, com a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.
723.ª Anota-se, como o faz também Maria do Carmo Silva Dias (op. e loc. cit.), que, diversamente do crime de prevaricação comum previsto no art. 369.-, n.º 1 do CP, a incriminação em questão não contempla a forma mais simples de prevaricação, traduzida na simples actuação contra direito mesmo sem a intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.
724.ª Vem sendo entendido, de forma pacífica, que o conceito de direito a que a norma faz referência “ (...) abrange, em primeiro lugar, o conjunto das normas vigentes na ordem jurídica positiva, independentemente da sua origem ou modo de revelação (sc. fonte), tenham cunho material ou, antes, processual, natureza pública ou privada, de criação estadual ou não (v.g. convenções colectivas de trabalho). Abrangem-se, ainda, os princípios jurídicos não directa ou expressamente consignados em normas positivadas, mas que delas decorrem e gozam de força cogente (...).
725.ª Sobre o que configura a actuação contra direito, prevista na descrição típica, existe também consenso no sentido de que essa actuação pode traduzir-se na incorrecta interpretação e aplicação de normas jurídicas, de natureza substantiva ou adjectiva, ou na fixação de uma base factual falsa ou errónea para estribar a actuação do agente ou ainda na violação da margem de discricionariedade conferida pela norma em que a actuação se sustenta.
726.ª De acordo com Medina de Seiça, partindo de um critério de natureza objectiva, a actuação contra direito será, em essência, aquela que se mostrar em contradição com as normas jurídicas pertinentes, colocando a tónica distintiva (no eu respeita ás teorias subjectivas e puras teorias objectivas) nos fundamentos da actuação do agente, configurando actuação contra direito a que se funde em motivos contrários á ordem jurídica, nomeadamente no intuito de prejudicar ou favorecer alguém. Deste modo, pode suceder que a actuação, apesar de ter algum sustento no plano abstracto normativo (nomeadamente em pareceres jurídicos ou correntes interpretativas) seja, ainda assim, contra direito sempre que, em concreto, tenha tido fundamento em considerações estranhas à objectividade que se exige do agente no exercício das suas funções.
727.ª No que concerne ao tipo subjectivo, torna-se clara a exigência de dolo, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente” (cf. no mesmo sentido o Acórdão da Relação de Lx de 9/11/2011, que “Neste contexto, o agente deve: - Bem saber da sua qualidade (...); - Bem saber que a acção ou omissão em causa é cometida no exercício das funções inerentes àquela qualidade; - Bem saber que tal acção ou omissão é contrária ao direito; - Agir com o propósito de prejudicar ou beneficiar alguém. (...) o “alguém” de que se fala pode ser uma pluralidade de pessoas, singulares ou colectivas, desde que concretamente determinadas. (...) Dito de outro modo, o delito em causa tão-só sucede quando a atitude do agente é pautada pela intenção de favorecer ou prejudicar alguma ou algumas pessoas concretamente determinadas.” - in http://www.dgsi.pt.24)
728.ª Estamos, portanto, perante um crime específico próprio, de dano, e de resultado cortado (na medida em que para a sua consumação não se exige que o prejuízo ou benefício de uma pessoa tenham efectivamente ocorrido, bastando, bastando a existência a actuação contra direito imbuída do particular elemento intencional).
729.ª Relativamente às situações de comparticipação, importa referir que a qualidade especial exigida ao agente é comunicável aos comparticipantes que a não possuam, nos termos do artigo 28.º do Código Penal (como resulta claro da norma relativa à separação de processos do artigo 42.º).
730.ª Feita esta breve análise do tipo em questão, facilmente se depreende que se subsume à respectiva previsão a indiciada conduta de um Ministro que, postergando princípios gerais regentes de toda a actividade da administração pública, nomeadamente da prossecução do interesse público (cfr. Artigo 4.º do CPA) e da igualdade (artigo 5.º do CPA), pratica actos, mediante ordens e instruções dadas a um seu subordinado hierárquico, mediante as quais são dispensadas a uma empresa um tratamento excepcional e ilegal.
731.ª E bastará, reitera-se, que essas ordens sejam proferidas para efeitos da condução do processo de forma ilegal ou contrária aos princípios de igualdade e imparcialidade que regem a actividade administrativa, sendo, assim, absolutamente espúrias as considerações acerca da competência decisória a atribuição dos vistos.
732.ª Ora, o SEF tinha competências próprias no seio do procedimento e foram estas que foram instrumentalizadas, conforme decorre da matéria dada como assente (relembrando o que acima se referiu quanto à manifesta contradição do acórdão no que respeita às ilegalidades praticadas).
733.ª Resumindo, e apenas de acordo com a matéria dada como assente pelo Acórdão recorrido: a avocação ilegal das competências dos Departamentos Regionais para a emissão do parecer; a emissão de pareceres positivos mediante uma lista nominativa de requerentes eivadas de erros e omissões e documentos sem validade; a tomada de iniciativa (sem impulso do particular) quanto à disponibilização de um conjunto de medidas de natureza excepcional e independentemente da alegação de dificuldades na obtenção de documentação obrigatória, designadamente a substituição do CRC por uma declaração de boa conduta; a aceitação de um seguro por um prazo inferior ao legal; a aposição de vinhetas de visto no aeroporto.
734.ª Relativamente a esta última medida (proposta por MP ainda que não concretizada), note-se (conforme decorre expressamente da posição escrita assumida pelo Embaixador JMC e citada no acórdão) que a mesma assumiu natureza excepcionalíssima, apenas prevista na lei para situações imprevistas, humanitárias e de interesse nacional (ex: crise de refugiados e desmantelamento total das instituições, situação que sucedeu, por exemplo, excepcionalmente para Estudantes Sírios), atentos os riscos securitários que comporta e, ainda, os custos para o erário público que da mesma decorrem potencialmente (monitorizações de embarque pelo SEF no aeroporto de partida; possibilidade de o Estado ter que suportar custos de repatriamento no caso de recusa de visto à chegada) (cf. 67.º, 68.º da Lei 23/2007, 41.º e 42.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03).
735.ª Conforme se referiu em sede de impugnação da matéria de facto, o referido tratamento dispensado à ILS, para além de ilegal, foi igualmente discriminatório ante outras empresas, ao contrário do afirmado no Acórdão.
736.ª Não é, assim, pressuposto do tipo de crime a prática de qualquer acto decisório, bastando a condução de processo contra direito, única conduta que foi imputada e dada como provada, sendo, assim, espúrias as considerações realizadas no Acórdão recorrido à entidade decisória.
737.ª Ora, apesar de inexistir prova directa do sentido concreto das ordens dadas pelo arguido MM ao arguido MP, a verdade é que tal conteúdo se extraí necessariamente das regras da experiência comum ante a restante prova directa produzida, por funcionamento das regras da prova indirecta, como também das mesmas resulta o elemento subjectivo do ilícito.
738.ª Ordens que, explicite-se, não foram dadas numa relação de tutela administrativa (como pretende o Acórdão recorrido), mas antes de hierarquia administrativa, ou seja, no âmbito das competências formais e legais do MAI sobre o SEF, no âmbito de poderes de direcção de natureza administrativa.
739.ª Todas as medidas que o arguido MP adoptou na condução do procedimento (quer as de 2013, quer as de 2014, após o encerramento da Embaixada), o foram após a intervenção de MM, intervenção que diríamos discreta, é certo, mas adequada causalmente à produção do efeito alcançado atenta a relação de hierarquia existente e a personalidade subserviente de MP evidenciada pela prova, nomeadamente pelas suas próprias declarações prestadas na fase de inquérito ao Ministério Público.
740.ª É que, relembramos, apesar de pouco aparatosa, não deixou de ser notada no seio do MNE. Lembrando a propósito, aquilo que, na data de 14 de Setembro de 2013, LGS, Director da Direcção de Vistos e Circulação de Pessoas da DGACCP, a propósito do pacote de medidas de excepção proposto por MP ao MNE, transmitiu à Embaixadora IP acerca haver resultado da conversa com o SEF claro o interesse político da parte da tutela do SEF em facilitar o negócio da ILS, não descartando algumas medidas muito excepcionais.
741.ª Considerando, ainda, o recorte legal do crime de prevaricação de titular de cargo político, não se descortina qual a pertinência das observações realizadas no Acórdão recorrido acerca de factos nunca imputados aos arguidos, nomeadamente acerca da prova do recebimento de vantagens, pois caso tal matéria estivesse sob discussão probatória estar-se-ia ante condutas corruptivas e não ante o crime imputado o qual não exige quaisquer contrapartidas.
742.ª Ora, o procedimento foi conduzido por MP, após intervenção hierárquica de MM, em moldes contra o direito, nomeadamente em moldes contrários às seguintes disposições legais:
- Artigos 67º e 68º da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigos 41º e 42º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, os quais fazem reconduzir a competência do SEF e MAI, respectivamente, para a emissão de vistos em postos de fronteiras a situações de natureza excepcional, imprevistas e de impossibilidade de solicitação de visto à entidade competente (artigo 67º), razões humanitárias ou de interesse nacional (artigo 68º);
- Artigo 52, n.º 1, al. f) da Lei 23/2007, de 04/07, com a redacção introduzida pela Lei 29/2012, de 09/08, artigo 12º, n.º 1, al. e), do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5/11, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2013, de 18/03, que determina a obrigatoriedade da cobertura do seguro de viagem (saúde e repatriamento), a qual deve corresponder ao período de validade do visto, que, nos termos do artigo 54º, n.º 2, da Lei 23/2007, alterada pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, no caso dos vistos de estada temporária, é de 120 dias;
- Alínea c) do n.º 1 do artigo 12º do Regulamento n.º 2/2013, de 18/03, que estabelece a obrigatoriedade de instrução do pedido de visto com registo criminal emitido pela autoridade competente do país de nacionalidade do requerente ou do país em que este resida há mais de um ano.-
- Artigos 19º, al. b), a contrario sensu interpretado, e 47º, n.º 1, al. k), da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16/10, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 240/2012, de 06/11, os quais conferem competência às Direcções Regionais do SEF para as verificações de segurança, e não ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais que funciona junto da Direcção Nacional do SEF.
743.ª Se dúvidas houvesse quanto à leviandade dos procedimentos adoptados, e sua natureza excepcionalíssima, poderia o Tribunal recorrido ter sido alertado para o facto dado como provado que as «verificações de segurança» levadas a cabo pelo GADR, após o encerramento da Embaixada da Líbia, o foram com base numa «listagem nominativa de pacientes (nome e número de passaporte, em alguns casos contendo erros quanto a este último elemento), listagem disponibilizada a 27 de Agosto (e actualizada a 19 de Setembro) pela referida empresa com anotações manuscritas com referências a falta de originais de registos criminais, inexistência de registos criminais, documentos de identificação com prazo de validade ultrapassado, relatórios/diagnósticos médicos inexistentes, etc., verificações aquelas que vieram a ser executadas a partir de 27 de Agosto e terminadas, quanto ao primeiro grupo (21 doentes e 8 acompanhantes) em 8 de Setembro» (cf, fls. 452 da matéria provada), isto, relembre-se, apesar de a Líbia ser considerado país de risco a nível internacional. (cf. anexo 20, fls. 449, Ap. N1, 2º vol.; ver também acerca da situação de insegurança da Líbia em 2013 e 2014 os Relatórios Anuais do Conselho de Segurança das NU, listas de sanções in https://www.un.org/sc/suborg/en/sanctions/1267/aq_sanctions_list; ou o site http://eeas.europa.eu/cfsp/sanctions/consol-list/index_en.htm).
744.ª Violando, assim, o acórdão ora recorrido, no entendimento do Ministério Público, o referido artigo 11.º da Lei n.º 34/87 e o artigo 1.º do CP, ao adoptar uma interpretação do tipo legal em apreço que, ao arrepio da letra da lei, exclui do crime de prevaricação a mera actuação consciente contra direito, com a intenção de beneficiar alguém, de condução de processo, adoptando uma interpretação restritiva que propugna a exigência da adopção por parte do titular do cargo político de um acto decisório contra direito, impondo, ainda, que tal acto decisório seja adoptado no exercício de uma competência legal exclusiva.
745.ª Quanto ao Crime de Tráfico de Influência (imputado a JA, como vendedor, e a PLC, como comprador), refere-se no Acórdão recorrido a fls. 2394 e ss-:
«A troca de correspondência entre os arguidos PLC e JA e as referências a "pagamento de consultores, advisors internacionais e facilitadores" e "de facilitação na obtenção de vistos" pode suscitar dúvidas sobre qual a verdadeira vontade expressa no texto. Com efeito, não pode deixar de afirmar que em termos conceituais facilitador é sinónimo de dinamizador. E, se tivesse sido este o substantivo empregue com certeza não lhe seria dada nenhuma conotação negativa.”
(…)“ a 13 de Agosto de 2014, o arguido JA manifestou ao arguido PLC a sua disponibilidade para ajudar no processo, disponibilidade que lhe reiterou no dia 28 desse mês, relembrando o "compromisso" consigo firmado para "ajudar a resolver o problema". O arguido JA fez a proposta de ajudar a resolver o entrave à concessão de vistos, mas não ficou provada qual a resposta do arguido PLC.”..
746.ª Admitindo, depois, a possibilidade de ter sido aceite tal proposta, o Tribunal recorrido faz referência aos subsequentes contactos de JA com MM, para logo concluir que, apesar de tais contactos, «a influência com relevância jurídico-penal tem de ser exercida directamente sobre o decisor e não exercida sobre terceiro ou terceiros que, por sua vez, tenham capacidade de conseguiu influenciar o decisor» (fls. 2400)
747.ª Para logo concluir, ainda, que: «Desta forma, os factos provados não permitem concluir que a oferta do arguido JA foi para usar da sua influência para obter uma decisão favorável aos interesses do arguido PLC e da arguida "ILS- Área da Saúde,Ldª.".»
748.ª Tais asserções, salvo o devido respeito, não poderiam estar mais arredadas do recorte legal do crime de tráfico de influência. Com efeito:
749.ª No crime de tráfico de influência a tutela da autonomia intencional da administração é efectuada numa zona de antecâmara da própria função pública estatal, tratando-se de um crime comum, susceptível de ser praticado passivamente por não funcionário, tutelando um bem que, face à distância da efectiva lesão do bem «autonomia intencional do Estado», se aproxima mais - salvo o respeito devido pela opinião contrária- da honorabilidade, dignidade e respeitabilidade da função estatal, não estando a sua consumação dependente, sequer, de quaisquer démarches efectivas junto do decisor público.
750.ª Não obstante a sua inserção sistemática, autores há que, relativamente ao bem jurídico tutelado pelo crime de tráfico de influência, e, bem assim, à sua construção típica, pugnam por uma sua natureza de crime de perigo abstracto numa tutela antecipada da «autonomia intencional do estado» e não como um crime de dano para a honorabilidade da função estatal.
751.ª Independentemente da posição sufragada, releva é que a consumação do crime de tráfico se consuma independentemente de qualquer exercício efectivo de influência, bastando à sua consumação um pacto de venda de uma influência real ou suposta sobre um decisor público, e independentemente de essa influência se vir ou não a exercer, e a fortiori, se de forma directa ou indirecta (alias, quanto a esta questão da influência directa ou indirecta dir-se-á que “ ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”)
752.ª Ora, no caso, a matéria de facto a apreciar a fim de saber se subsumiria ao tipo de crime era, exactamente e tão só, a do acordo estabelecido entre JA e PLC, e quanto ao mesmo, como supra dissemos, reproduzindo aqui o já referido, fez o Tribunal recorrido no entendimento do recorrente uma apreciação probatória errónea ante os factos dados como assentes (mas também face à prova produzida e não valorada correctamente tendo em conta as regras da experiência comum).
753.ª Assim, a tal respeito, como já acima dissemos, ficou provado um acordo formal e um acordo informal, do qual, recorde-se, era objecto pagar aos facilitadores, bem como a realização efectiva de pagamentos no âmbito da execução de tal acordo.
754.ª Ficaram, outrossim provadas «démarches» de JA junto de MM a que se sucederam contactos deste com MP e a adopção por este de condutas de condução do procedimento desconformes à lei com vista à satisfação excepcional dos interesses comerciais da ILS.
755.ª Face ao regular funcionamento das regras da prova directa e da prova indirecta, e ao uso correcto da apreciação da prova, não se divisa, pois, fora do contexto de um erro notório na apreciação da prova, como não haver como provados os elementos objectivos e subjectivos do crime ante uma correcta interpretação do tipo legal pertinente.
756.ª Pelo que ao não considerar os factos provados como reconduzíveis ao crime de tráfico de influência, violou o Tribunal a disposição do artº 335.º do CP, bem como o artº 1º do CP, interpretando erroneamente e contra a letra da lei, tal preceito legal, pressupondo que a consumação do crime de tráfico exige, por um lado, o exercício efectivo de influência junto do decisor, e, ainda, que tal influência seja efectuada de forma directa, quando a lei não impõe, sequer, o efectivo exercício de influência, e, a fortiori, não distingue entre a natureza directa ou indirecta da influência prometida”.
Na sua resposta a este recurso do Ministério Público, o arguido MM defende-se com as seguintes conclusões:
110.a O Ministério Público intitula, a anteceder a dissertação, e desde logo nas Conclusões 677.a e ss. um alegado erro de direito do douto Acórdão Recorrido e no que importa quanto ao papel do OLI e seu relevo na emissão de vistos e isto enquanto passo essencial no procedimento de obtenção de ARI.
111.a Como se a nomeação do OLI fosse condição para a prática de actos no procedimento de obtenção de ARI.
112.a Contrariamente ao alegado a conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI não pode resultar das normas dos artigos 90°-A da n.° Lei 23/2007, na redação da Lei n.° 29/2012, e artigo 32.° do DL 290-A/2013 e Despachos citados, porque tais normas estatuem regimes e disciplinam procedimentos.
113.a E o Ministério Público não parte dos factos para afirmar o erro interpretativo, parte da norma para afirmar na sua aplicação o desvirtuamento do fim.
114.a Sendo que no caso os procedimentos em causa são particularmente exigentes, não obstante a separação — indiciadora de que em cada um destes procedimentos se analisam aspectos diferenciados do ponto de vista dos interesses públicos que interessa acautelar —, trata-se de procedimentos geridos por distintos órgãos e de responsabilidades partilhadas, mas de competências também elas diferenciadas.
115.a Donde que não é possível remediar a falta do elemento subjectivo do tipo com uma variável interpretativa de normas que se mostram cumpridas.
116.a Tanto assim é que o Acórdão Recorrido especifica as diferenças e o procedimento — cfr. fls. 1919.
117.a E, para que houvesse erro de julgamento (de direito), o Tribunal a quo teria de ter decidido em desconformidade com a norma aplicável, teria que ter-se socorrido de um quadro legal distinto e teria que ter escrito o que escreveu em desconformidade com o direito, decidindo contra lei expressa ou contra os factos apurados.
118.a Certo é que o Tribunal a quo não decidiu contra a Lei nem contra os factos assentes, o que fez, fez criteriosamente.
119.a Naturalmente que as soluções jurídicas podem ser distintas se outra for a questão de facto que as suporta, o que não acontece no caso, pelo que a decisão não errou na aplicação do direito, antes é o Ministério Público que omite o que de relevante nesta questão consta do Acórdão designadamente, entre outras, a fls. 705 e 1440.
120.a O Recorrido não é o dominus do procedimento administrativo e o que fez, não em sede de ARI, mas no procedimento de OLI, cabia num primeiro momento num domínio de decisão política de Ministro (avançar ou não com o OLI Pequim), sempre em defesa dos interesses nacionais e da cooperação internacional, e depois num diferente quadro administrativo, o qual se confirma na actualidade com o Despacho n.° 7554/2019, de 26 de Agosto, o que demonstra a realidade, a adequação, a exigência e a necessidade da proposta de nomeação de OLI para a China.
121.a O Ministério Público restringe a sua imputação recursiva a um raciocínio invertido, pretende numa imputação ao Recorrido, destituída de suporte factual, que este tenha determinado uma concreta ordem com base num interesse privado, quando é público e notório o sentido da decisão — a exigência de uma tal nomeação para acautelar o interesse público.
122.a Sendo que a interpretação normativa feita nos Despachos citados nos autos está, efetivamente, em consonância com os objectivos da lei: o legislador quis criar mecanismos simplificados sem atrasos no procedimento de concessão de ARI e legitimou os órgãos de decisão a tomar as medidas necessárias a esse efeito, no âmbito de um procedimento complexo.
123.a Alegando a violação dos princípios procedimentais, mas sem que o demonstre, seja em sede de normas de execução procedimental, seja em cumprimento de regimes especiais aplicados a situações de excepção.
124.a Assim como confunde a norma que habilita o Ministro da Administração Interna a fazer uma proposta que constitui um poder-dever que se inscreve nas competências dos Ministros, conforme consta do âmbito da norma do preceito contido no artigo 201.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual a violação de normas invocadas pelo Ministério Público não pode proceder por se circunscrever a matéria dos actos do Governo e não do membro do Governo.
125.a Acresce que tal integra actos que se inscrevem no âmbito da execução da política definida para o respectivo Ministério.
126.a O que configura uma manifestação de posição política, no quadro das competências do MAI, uma actuação política, no quadro do artigo 197.°, n.° 1, alínea j), da Constituição da República Portuguesa.
127.a Como dos Acórdãos supra citados, o acto de nomeação assume efectivamente natureza política, não se vislumbrando de que forma os mesmos possam assumir qualquer natureza mista (administrativa e política), pois trata-se do exercício de actos que visam executar e corporizar toda uma estratégia de política externa, que coenvolve critérios de oportunidade, excluídos da sindicância jurisdicional.
128.a De facto uma questão é uma escolha determinada por razões de política externa, outra por interesses privados e esta não é possível de integrar nas razões políticas, por estas serem o ponto de partida de uma razão de política e cooperação internacional.
129.a É que, em boa verdade, no direito são coisas bem distintas e que convocam a competência para a prática de actos e/ou a competência para a autorização dos mesmos e isso é elemento essencial e condição para se poder afirmar o domínio sobre o procedimento e a sua “condução”.
130.a Como resulta do Acórdão Recorrido (Núcleo F) está assente que o Recorrido não agiu contra o direito, não conduziu procedimento, nem beneficiou quem quer que fosse, atuou em consonância com as exigências do cargo e no exercício das suas competências em ordem a garantir os superiores interesses do Estado, designadamente no âmbito da cooperação internacional, não podendo deixar de se concluir que o Acórdão satisfaz materialmente as normas e princípios invocadas, sendo o Recorrente quem deles retira conclusões distintas e não suportadas no que alega.
131.a Como supra se deixou dito, o Recorrido não podia decidir o que quer que fosse num procedimento em que não tinha intervenção.
132.a O Recorrido era titular de cargo político, mas não era titular dos procedimentos em causa, pelo que a condução ou decisão contra direito desses concretos procedimentos, no exercício das suas funções de Ministro da Administração Interna, com a vontade consciente de assim proceder, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém, não existiu, nem era possível.
133.a Isto porque a actuação contra direito será, em essência, aquela que se mostrar em contradição com as normas jurídicas pertinentes (o que exclui as condutas que tiverem apoio em alguma das possíveis interpretações de tais normas), o que coloca a verdadeira tónica distintiva nos fundamentos da actuação do agente, configurando actuação contra direito a que se funde em motivos contrários à ordem jurídica, nomeadamente no intuito de prejudicar ou favorecer alguém.
134.a No que concerne ao tipo subjectivo, torna-se clara a exigência de dolo directo ou necessário, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente”. Lido o acórdão recorrido não é possível que dele retire qualquer dúvida quanto à afirmada inexistência do elemento subjectivo do tipo.
135.a Tal como vem demonstrado no douto Acórdão Recorrido, não ficou provado que o comportamento do Recorrido tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo Arguido JA, tendo adoptado um comportamento que se poderá considerar adequado, tendo conhecimento de um problema que afectava as áreas de actuação do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tratou de falar sobre o mesmo com o seu colega de Governo. E, em conjunto deixaram as entidades competentes que tutelavam resolver o problema.
136.a Sendo que a factualidade apurada não sustenta a imputação ao Recorrido de um crime de prevaricação de titular de cargo político, porquanto: o Recorrido não teria tido qualquer intervenção no procedimento administrativo de concessão de vistos de permanência temporária para cidadãos líbios que se deslocaram a território nacional para tratamento médico, uma vez não ser da sua competência o respectivo procedimento, não tendo adoptado uma conduta consciente de condução ou decisão contra direito porquanto não interveio no processo nem o mesmo convocava a sua intervenção no exercício das respectivas.
137.a O Acórdão Recorrido não violou as normas que se mostram invocadas, designadamente a norma contida no preceito constante do artigo 11.° da Lei n.° 34/87 e o artigo 1° do Código Penal, nem a interpretação que dela fez viola o âmbito da norma porquanto, decididamente, o Recorrido não actuou consciente contra direito, não actuou no procedimento, não actuou no exercício das suas funções com a intenção de beneficiar alguém.
138.a O mesmo sucedendo quanto ao alegado crime de tráfico de influência, completamente esvaziado na sua tipicidade, porque como bem refere o Tribunal Recorrido faz referência aos subsequentes contactos do Arguido JA com o Arguido MM, para concluir que, apesar de tais contactos, “a influência com relevância jurídico-penal tem de ser exercida directamente sobre o decisor e não exercida sobre terceiro ou terceiros que, por sua vez, tenham capacidade de conseguir influenciar o decisor” (cfr. fls. 2400).
139.a Concluindo-se, o Recorrido não praticou actos ilícitos típicos, razão pela qual foi — e bem — absolvido.
Apreciando.
Nesta dimensão do recurso do Ministério Público, respeitante à responsabilidade criminal do arguido MM são suscitadas três questões fundamentais a saber:
- qual o papel do assim designado OLI e seu relevo na emissão de vistos enquanto passo essencial no procedimento de obtenção de ARI (conclusões 677 a 684)?
- será que está mal qualificada pelo tribunal a quo a ordem dada por MM a MP no sentido de realizar uma proposta de nomeação de OLI para a China como um acto político e não como acto de natureza administrativa (conclusões 685 a 713); e
- encontra-se também mal apreciada a matéria jurídica quanto aos vistos (F2 e F3 IVA-ILS), no que respeita aos crimes de prevaricação e de tráfico de influência (conclusões 714 a 744 e 745 a 756)?
Aliás, em conexão com a apreciação da responsabilização criminal deste arguido encontra-se também o conhecimento já realizado por este mesmo tribunal de recurso, neste seu acórdão, da matéria relativa aos vícios decisórios da decisão recorrida, mais precisamente da aventada contradição na fundamentação.
Recorda-se o que aí expusemos, considerando aqui reproduzido.
Tivemos já ocasião de delinear a natureza e a estrutura incriminatória do crime de tráfico de influência, no ponto antecedente desta mesma fundamentação.
Por seu turno, o crime de prevaricação em causa, encontra-se consagrado nos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho e 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal.
Este crime tem como elementos objectivos do tipo: - condução ou decisão um processo por titular de cargo político em que intervenha no exercício das suas funções; - conscientemente contra direito.
E, como elemento subjectivo: - o dolo, excluindo a forma eventual em face da utilização da expressão “consciente” pela norma legal; e, - especial intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.
Para o cometimento do crime de prevaricação não é necessária a existência de prejuízo para a entidade adjudicante, mas que o agente, conscientemente, conduza – ou decida – contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.
Conforme escreveu Carmo Dias, “(…) estando em causa o exercício de funções administrativas do titular do cargo político é ainda a actividade da administração em geral que está em jogo, o que nos conduz à ideia de autonomia intencional do Estado (que deve ser defendida dos ataques que vêm de dentro) associada à realização da justiça, ainda que esta última aqui não seja identificada com a função judicial como sucede na sistematização da lei penal geral (a realização da justiça está aqui ligada a uma actividade para-judicial que, todavia, se deve reger pela fidelidade ao Direito, só assim podendo o titular de cargo político, no âmbito das suas competências, "realizar a justiça")" - in, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume I, p. 751).
Desta forma, na linha do explicitado, o crime de prevaricação é um crime específico próprio, em que o agente deve actuar no âmbito das suas funções.
A doutrina caracteriza o bem jurídico protegido nesta incriminação como a necessidade de assegurar aos cidadãos que qualquer serviço que envolva a prestação de uma actividade pública funciona de acordo com a lei, respeitando o ordenamento jurídico, sendo eficaz na sua actuação. É a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e a credibilidade destas, que desta forma também se salvaguardam, garantindo-se para o efeito a fidelidade à lei e ao direito no exercício de funções públicas.
Estando em causa o exercício de funções administrativas de titular de cargo político é ainda a actividade da administração em geral que está em jogo, o que nos conduz à ideia de autonomia intencional do Estado (que deve ser defendida dos ataques que vem de dentro) associada à realização da justiça, ainda que esta última aqui não seja identificada como função judicial como sucede na sistematização da lei penal geral (a realização da justiça está aqui ligada a uma actividade para-judicial que todavia, se deve reger pela fidelidade ao Direito, só assim podendo o titular do cargo político no âmbito das suas competências "realizar a justiça").
Administração pública que "visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos" (Artigo 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), estando os seus órgãos e agentes administrativos "subordinados à Constituição e à lei", devendo actuar, "no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios de igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé" (Artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).
Nesta perspectiva, o que se tutela é a necessidade de garantir a submissão à lei e aos princípios fundamentais do Direito do titular do cargo político que, por virtude do cargo que ocupa, tem a função de conduzir ou decidir processo que lhe está afecto. São, por isso, interesses (colectivos) supraindividuais que se protegem, independentemente de mediatamente também poderem vir a ser afectados interesses (privados) individuais e, nessa medida, estes poderem ser protegidos reflexamente" – assim, Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume I, p. 751). E, ainda, continuando na análise "a consumação do crime não depende da realização do resultado de "prejudicar ou beneficiar alguém" (esse resultado apenas tem de ser intencionalizado, funcionando como um elemento subjectivo adicional do dolo, com que o agente tem de actuar)" - in, Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes, ob. cit., pp. 752).
Assim sendo, o sujeito activo/agente, para além de titular de cargo político, terá de actuar no exercício das suas funções, o que neste caso significa que terá de estar investido de poderes decorrentes do cargo que ocupa, que lhe permitam conduzir o processo ou decidir sobre a matéria que nele se discute.
Relativamente, "as modalidades de acção consistem em o titular de cargo político "conduzir" ou "decidir" contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções. Para "conduzir" um processo é preciso ter o poder de o orientar, de lhe imprimir um determinado rumo, de acordo com o formalismo legal e "decidir" implica proferir uma decisão de fundo sobre a questão (administrativa) que é colocada" (Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes", volume I, p. 752).
Desta forma, "esta actuação contra direito, que merece censura penal, será distinta do erro procedimental ou do erro de interpretação ou do erro de direito. É preciso distinguir o que deve ser sancionado penalmente e o que merece apenas uma eventual sanção disciplinar ou que até pode ser sindicado ou impugnado, designadamente, por via de recurso administrativo. Uma decisão que assente numa possível (ainda que isolada) interpretação de norma jurídica aplicável ao caso tratado no processo, não deverá ser considerada contra direito se for "objectivamente defensável" e se nela não se surpreenderem "motivos contrários à Ordem Jurídica, designadamente, o intuito de favorecer ou prejudicar alguém ou a interferência de quaisquer outras "considerações estranhas à objectividade que qualquer caso exige" (também em Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes, ob. cit. pp. 752).
E, ainda, com interesse para o caso em apreço, "a punição da comparticipação entre agentes segue as regras gerais previstas no Código Penal. Como se trata de um crime específico, a questão da comunicabilidade aos comparticipantes (extraneus) da qualidade de agente (titular de cargo político, intraneus) é resolvido com recurso ao disposto no artigo 28.º do Código Penal" (assim, em Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes", volume I, pp. 752).
Importa referir, aqui, tal como se apreciou jurisprudencialmente no Ac. do STJ de 20/6/2012, processo n.º 36/10.3TREVR.S1, no que respeita ao crime comum de denegação de justiça e de prevaricação, que
“(…) no descortinar da actuação prevaricadora (…)deve-se usar de um crivo exigente, até porque, a ser diferente, ou seja, de todas as vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar (…)”, aqueles que “(…)incorressem num crime de prevaricação, estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder (…), a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria (…), a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração (…), com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do (…)” agente em causa pondo em causa a imagem da administração pública e os interesses de terceiro.
“(…)A actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva (…)”.
Nesta acepção, tomando também em linha de conta a tipologia atrás caracterizada do crime de tráfico de influência, iremos analisar em globo as diversas situações factuais (relativas aos segmentos da matéria de facto considerada provada em F-1, F-2, F-3 e F-4) como correspondência aos crimes mencionados na acusação/pronúncia: - crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alínea a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos em F-1); - crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-2); - crime de tráfico de influência, p. e p., pelo Artigo 335.º n.º 2 do Código Penal, em co-autoria com o arguido JA (factos descritos no ponto F-3); e, - crime de prevaricação, p. e p., pelos Artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d), ambos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos descritos no ponto F-4).
Assim, o Ministério Público invoca um alegado erro de direito no acórdão recorrido e no que importa quanto ao papel do OLI e seu relevo na emissão de vistos e isto enquanto passo essencial no procedimento de obtenção de ARI. Querendo com isto afirmar que o erro de direito assenta numa violação de lei, em ordem à obtenção do efeito pretendido. Isto porque o tribunal recorrido teria incorrido num erro de interpretação jurídica quando concluiu que a figura de um OLI em nada servia os interesses dos arguidos. E refere que para tal basta atentar no procedimento de tramitação ARI, visionando, numa conexão estreita o acto de nomeação de OLI, a obtenção de vistos Schengen e ARI, a base da actuação dos Arguidos.
Ora, cumpre de antemão referir que os interesses subjacentes à alegada norma violada não se confundem com os interesses do agente na condução dum procedimento complexo no qual intervêm órgãos distintos. Isto porque a nomeação do OLI nunca foi condição para a prática de actos no procedimento de obtenção de ARI.
Daí resultará que a criação do OLI na China é vista pelo Ministério Público como acto de clientela e não como o acto político que o acórdão de primeira instância refere. Entendendo que o acórdão recorrido faz errada interpretação do disposto no Artigo 90.° A, da Lei n.° 23/2007 (Artigo 90.°-A — Autorização de residência para atividade de investimento), que nos diz:
“1 - É concedida autorização de residência, para efeitos de exercício de uma atividade de investimento, aos nacionais de Estados terceiros que, cumulativamente:
a) Preencham os requisitos gerais estabelecidos no artigo 77°, com exceção da alínea a) do n° 1;
b) Sejam portadores de vistos Schengen válidos;
c) Regularizem a estada em Portugal dentro do prazo de 90 dias a contar da data da primeira entrada em território nacional;
d) Preencham os requisitos estabelecidos na alínea d) do artigo 3. °
2 - É renovada a autorização de residência por dois anos nos termos da presente lei, desde que se mantenham os requisitos previstos na alínea d) do artigo 3. °
3 - As condições para a aplicação do regime especial previsto no presente artigo, designadamente os requisitos quantitativos mínimos, os prazos mínimos de permanência e os meios de prova, são definidos por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros e da administração interna”.
Considerem-se, também assim, os Despachos conjuntos n.° 11820-A/2012, de 04.09, n.° 1661-A/2013, de 28.01, MAI/MNE, Despacho do DN SEF n.° 62/DN/2012, de 03.12.2012 e Manual Informático ARI vigente no SEF desde Julho de 2013; art. 32.° do DL 290-A/2001, de 17.11.
Ora, a íntima conexão entre a obtenção de vistos e o regime ARI não pode resultar das normas dos Artigos 90°-A da Lei n.° 23/2007, na redação da Lei n.° 29/2012, e 32.° do DL 290-A/2013 e Despachos citados, porque tais normas estatuem regimes e disciplinam procedimentos.
E a matéria de facto assente não consente a tese do Ministério Público do erro interpretativo e da respectiva divergência e menos ainda a letra da lei e dos despachos que criaram as formas da sua aplicação. Sendo que as normas interpretativas e de aplicação foram criadas não pelo recorrido, mas sim pelos órgãos com competência para tal.
Note-se que, e repete-se, no caso os procedimentos em causa são particularmente exigentes, não obstante a separação — indiciadora de que em cada um destes procedimentos se analisam aspetos diferenciados do ponto de vista dos interesses públicos que interessa acautelar — tratam-se de procedimentos geridos por distintos órgãos e de responsabilidades partilhadas, mas de competências também elas diferenciadas. Donde que não é possível remediar a falta do elemento subjectivo do tipo com uma variável interpretativa de normas que foram cumpridas.
Para chegar a tal conclusão teria que se considerar a acção do recorrido MM enquanto superior hierárquico para aferir se a sua conduta se afastou, ou não, do fim visado pelas indicadas normas, e, consequentemente, demonstrar o vício de desvio de poder, e este suportado nos motivos que conduziram à decisão tomada (seja quanto aos procedimentos de ARI — estes nos distintos períodos temporais e quanto à questão OLI).
Note-se como no acórdão recorrido se especificam essas diferenças.
“Ora, a Lei Orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras — que mantém a competência residual dos Directores Regionais para concessão e renovação das autorizações de residência (sem fazer qualquer distinção entre regime geral e especial) — deve ser corrigida com uma leitura articulada com a referida Lei de Estrangeiros, a qual, nas várias alterações que tem sofrido, tem vindo a especificar e redistribuir as competências para estes efeitos.
Os vários estádios de desenvolvimento do programa ARI que a acusação desconsidera.
Importa ter presente que, em termos de processos ARI, as concretas questões procedimentais não podem ser entendidas de uma forma unitária, como se, desde a implementação do programa, até à saída do arguido MP do cargo de Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tudo se tivesse passado da mesma forma.
Nesses termos — e ao contrário do que aconteceu —, deveria a tese acusatória ter tido em consideração a existência de vários momentos, cronologicamente distintos, onde os procedimentos, regras e prazos foram mudando.
Genericamente, no contexto ARI, pode falar-se em três fases, a saber:
Período compreendido entre Outubro de 2012 até inícios de 2013. Tratava-se de um período onde não havia, ainda, regras claras quanto ao procedimento, tendo o arguido MP, na qualidade de Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e na sequência das instruções políticas recebidas, emanado uma orientação genérica no sentido de serem estes processos urgentes e prioritários. Era o Departamento Operacional quem tinha competência para tramitar processos ARI, sendo que, após a sua extinção, em Dezembro de 2012, as suas competências foram incorporadas no Gabinete de Apoio às Direcções Regionais (GADR), tendo transitado para o Gabinete de Apoio às Direcções Regionais o único processo de ARI existente.
Período compreendido entre inícios de 2013 até Abril de 2014. Durante este período, houve um reforço de medidas de segurança, através de consultas prévias, não só às bases de dados da Interpol, mas também às do SIRP e Polícia Judiciária.
Período compreendido desde Abril de 2014 até Novembro de 2014. Observou-se uma uniformização de procedimentos, com a elaboração dos manuais de procedimento (administrativo e informático). A renovação das ARI passou a ser competência dos Directores Regionais (Agosto de 2014) porforma a descongestionar o trabalho do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais, o qual nesse verão começou a registar atrasos na instrução de processos ARI”.
E no que a fls. 1919 e ss. refere quanto ao procedimento:
“Do Regime Legal de Autorização de Residência para Actividade de Investimento.
A Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, aprovou o Regime Jurídico da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Português, bem como o Estatuto de Residente de Longa Duração.
Pela Lei n.° 29/2012, de 9 de Agosto, versão em vigor à data dos factos, foi introduzida a primeira alteração à Lei n.° 23/2007, de 4 de Julho, aditando, nomeadamente, o artigo 900-A, que, sob a epígrafe Autorização de residência para actividade de investimento, definiu os requisitos necessários para obtenção deste tipo de autorização de residência.
O regime especial de concessão e renovação de Autorização de Residência para Actividade de Investimento (ARI) permite que os cidadãos nacionais de Estados terceiros possam obter uma autorização de residência temporária para a actividade de investimento com a dispensa de visto de residência para entrar em território nacional.
Actividade de Investimento essa definida legalmente no artigo 30 alínea d), da Lei n.° 23/2007, de 4/07, com a redacção introduzida pela Lei n.° 29/2012, como qualquer actividade exercida, pessoalmente ou através de uma sociedade, que conduza, em regra, à concretização de, pelo menos, uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos:
. Transferência de capitais no montante igual ou superior a 1 milhão de euros;
. Criação de, pelo menos, 30 postos de trabalho (reduzidos para 10 pelo Despacho conjunto n.° 1661- A/2013, de 28/01/2013, dos Ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna);
. Aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros.
Os titulares de autorização de residência para o exercício de uma actividade de investimento (ARI) podem exercer o direito ao reagrupamento familiar, de acordo com o artigo 980 n.° 2, da Lei 23/2007, de 4/07.
Nos termos do n.° 3 do referido artigo 90°-A, as condições para a aplicação do referido regime especial, designadamente os requisitos quantitativos mínimos, os prazos mínimos de permanência e os meios de prova, foram definidos por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, o que sucedeu com os Despachos n.° 11820-A/2012, de 4 de Setembro, e n.0 1661-A/2013, de 28 de Janeiro, dos Ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna.
Em execução da previsão do Artigo 80.º do despacho n.° 11.820-A/2012 foi criado um Grupo de Acompanhamento do regime ARI, integrado pelo Director-geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e pelo presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, Grupo de Acompanhamento ao qual não foi conferida qualquer espécie de competência ou atribuição material em matéria de procedimento ARI e que, como decorre da própria nomenclatura, visava o acompanhamento da aplicação das disposições previstas no despacho que o criou.
Na prática administrativa, todavia, o referido Grupo de Acompanhamento foi condicionando, mediante soluções e interpretações aí concertadas, o próprio procedimento adoptado em tal matéria.
Assim, o despacho n.º 1661-A/2013, a pretexto da definição dos requisitos quantitativos mínimos, prazos mínimos de permanência e os meios de prova, alterou a redacção da alínea b), do n.º 1, do Artigo 3.º do despacho n.º 11.820-A/2012, e, assim, da própria Lei e, onde a Lei n.º 23/2007 dispunha criação de, pelo menos, 30 postos de trabalho, o despacho passou a dizer criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.
Nos termos do n.º 8 do Artigo 6.º do Despacho Conjunto dos Ministros do Estado e dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, n.º 11820-A/2012, publicado no Diário da República, 2.a Série, n.º 171, de 4 de Setembro de 2012, a competência para a concessão de ARI é do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Não obstante, à data, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16 de Outubro (que aprovou a estrutura orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), na redacção do Decreto-Lei, n.º 121/2008 de 11 de Junho, cuja alínea m), do n.º 1 do Artigo 47.º previa que a competência para a concessão e para a renovação das autorigações de residência era dos directores regionais.
Este diploma legal viu alterada a sua redacção por força do Decreto-Lei n.º 240/2012, de 6 de Novembro, que entrou em vigor a 1 de Dezembro de 2012, e manteve intacta a competência dos Directores Regionais para a concessão e a renovação das autorizações de residência.
Sendo o ARI uma autorização de residência, e não fazendo a lei distinção entre as várias espécies de autorizações de residência, na sequência do referido Despacho Conjunto foi, na prática, derrogada a lei, centralizando-se politico-administrativamente na pessoa do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a competência para a atribuição de ARI.
Por despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras n.º 62/DN/2012, de 03/12/2012, foi fixado o procedimento de tramitação dos pedidos de ARI, os quais aquele assinalou como prioritários e urgentes, reconhecendo competência às Direcções Regionais da área da residência do requerente para a respectiva tramitação, quer no caso de candidaturas on-line, quer no caso de candidaturas presenciais, reconhecendo a competência residual da Direcção Regional Lisboa Vale Tejo e Alentejo (DRLVTA), e determinando que, uma vez recepcionados, organizados, e informaticamente inseridos, os processos fossem remetidos para a Direcção Nacional para despacho.
Desde 1 de Julho de 2013 — data em que o Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras exarou o despacho de “Concordo” sobre uma proposta do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais (GADR) para o Manual Informático ARI e para o Manual de Procedimentos ARI — a instrução dos pedidos de ARI passou a ser realigada no Gabinete de Apoio às Direcções Regionais.
A esta data estava em vigor o já mencionado Decreto-Lei n.º 252/2000, de 16 de Outubro (que aprovou a estrutura orgânica do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), na redacção do Decreto-Lei n.º 240/2012, de 6 de Novembro, cujo Artigo 19.º-B apenas atribui competência ao Gabinete de Apoio às Direcções Regionais para a instrução dos pedidos de concessão do estatuto de igualdade de direitos e deveres, sendo que, relativamente aos pedidos de autorização de residência, apenas cometia ao GADR a incumbência de instruir e centralizar a informação e já não o processo.
No que respeita ao Reagrupamento Familiar do titular de ARI, o mesmo podia ser efectuado no momento de pedido de concessão de ARI ou numa fase posterior (Artigos 98.° a 108. ° da Lei n.0 23/2007, de 04/07), sendo o respectivo processo organizado e tramitado nos mesmos moldes do processo ARI.
Sendo a seguinte a documentação exigida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para instrução do requerimento de concessão do ARI:
. Passaporte ou outro documento de viagem válido;
. Comprovativo de entrada e permanência legal em território nacional;
. Comprovativo de seguro de saúde ou comprovativo de que o requerente se encontra abrangido pelo Serviço Nacional de Saúde;
. Requerimento para consulta do Registo Criminal Português pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
. Certificado do Registo Criminal do país de origem ou do país onde resida há mais de um ano, traduzido para língua portuguesa e certificado por representação diplomática ou consular portuguesa;
. Declaração sob Compromisso de Honra, pelo qual o requerente atesta que cumprirá os requisitos quantitativos e temporais mínimos da actividade de investimento em território nacional;
. Prova da situação contributiva regularizada mediante a apresentação de declaração negativa de dívida actualizada emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pela Segurança Social;
. Comprovativo de pagamento da taxa de análise do pedido de ARI;
Comprovativo do investimento consoante o tipo de investimento realizado;
. Declaração de uma instituição financeira autorizada ao exercício da sua actividade em território nacional atestando a transferência efectiva de capitais do exterior no montante igual ou superior a um milhão de euros, para a conta de que é o único ou o primeiro titular dos capitais, ou para a aquisição de acções ou quotas de sociedades e certidão de registo comercial actualizada que ateste a detenção de participação social;
. Apresentação de certidão actualizada da segurança social para comprovação da criação de pelo menos 10 postos de trabalho;
. Apresentação de título aquisitivo ou de promessa de compra de imóvel;
. Declaração de uma instituição financeira autorizada ao exercício da sua actividade em território nacional atestando a transferência efectiva de capitais do exterior para a sua aquisição ou para efectivação de sinal no valor igual ou superior a € 500.000,00 e certidão actualigada da conservatória do registo predial, da qual deve constar o respectivo registo, incluindo o do contrato-promessa.
De acordo com o referido procedimento-regra instituído, a obtenção de ARI pressupunha a prática sequencial dos seguintes actos:
. Inscrição ou Pré-registo no Portal ARI do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (que podia ser feita no estrangeiro) usando o endereço www.sef.pt e http://ari.sef.pt (caso o requerente se dirigisse inicialmente a uma Delegação Regional a inscrição seria efectuada nesse momento);
. Obtenção de visto Schengen junto de posto diplomático e consular português para entrada em Portugal no caso de o requerente ainda não se encontrar em território nacional;
. Deslocação a Portugal e entrega de requerimento de ARI, directa e pessoalmente, numa Direcção/Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
. Envio de todo o processo, do requerimento e de toda a documentação que suporta, para o Gabinete de Apoio às Direcções Regionais;
. Análise e instrução da candidatura pelo Gabinete de Apoio às Direcções Regionais, através da qual se procede: à verificação da existência da documentação necessária e, no caso negativo, ao convite do requerente para completar a candidatura; ao controlo e verificação de antecedentes dos candidatos a ARI (Consultas: SIISEF, SIS II, INTERPOL, desde Abril 2014, consulta ao Gabinete SIRENE, Polícia Judiária, Serviços de Informação da República Portuguesa (SIRP), DCIAP); à avaliação do preenchimento dos requisitos para pedido de ARI; à elaboração de proposta de decisão pelo instrutor do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais;
. Emissão de parecer pela coordenadora do Gabinete de Apoio às Direcções Regionais;
. Despacho de concessão do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
. Devolução para as Direcções/Delegações Regionais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras onde deu entrada o requerimento de ARI;
. Chamada dos cidadãos requerentes para recolha dos dados biométricos e pagamento da taxa de emissão;
. Transmissão dos dados biométricos recolhidos nas Direcções/Delegações Regionais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para o Gabinete de Sistemas de Informação através da remessa física de folha de gramagem ou remessa digital da recolha dos dados no quiosque, para controlo de qualidade e tratamento dos dados colhidos por registo de ordem de entrada dos mesmos;
. Transmissão dos dados à "Imprensa Nacional Casa da Moeda" para personalização do título ARI, o qual, segundo protocolo entre Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e a "Imprensa Nacional Casa da Moeda", era efectuado com ou sem pedido de urgência, devendo, neste último caso, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras pagar uma taxa de € 7,50 à "Imprensa Nacional Casa da Moeda", a qual não era repercutida, por falta de previsão legal, nas taxas a pagar pelo requerente;
. Emissão do título de residência com ou sem urgência;
. Remessa do título (por correio ou em mão, no caso de urgência) para a Direcção/Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras competente ou para a morada para o efeito indicada pelo requerente ou representante.
Não obstante tal procedimento-tipo, na prática das diversas Direcções/Delegações Regionais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foram pontualmente adoptados alguns procedimentos desviantes ao mesmo, designadamente a prática, não uniforme, de recolha de dados biométricos logo no momento inicial da entrega pelo Cidadão Estrangeiro da respectiva candidatura a fim de facultar ao Cidadão Estrangeiro uma única deslocação a território nacional no âmbito do procedimento respectivo.
O prazo legal para a decisão de concessão de ARI é de 60 dias, como decorre do n.° 1 do Artigo 82.° do Regime Jurídico da Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional (aprovado pela Lei n.0 23/2007 de 4 de Julho, com a redacção da Lei n.0 29/2012, de 9 de Agosto).
Tendo o Grupo de Acompanhamento ARI divulgado, publicamente, um compromisso político assumido pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, naquela sede, de apreciação da candidatura a ARI no prazo de 72 horas”.
Como se sabe, o vício de desvio de poder traduz-se na utilização de um poder jurídico discricionário por um motivo principalmente determinante que não coincida com o fim que o legislador teve em vista ao conferir tal poder.
No âmbito desse vício, ter-se-ia que ter comprovado os factos constitutivos do desvio de poder, demonstrando concretamente qual o fim ilícito prosseguido, diverso do fim legal.
Conforme ensinou Marcello Caetano, no seu Manual de Direito Administrativo, 10.ª Edição, I Vol., pág. 484, a propósito, do vício de desvio de poder:
“O fim a atingir pelo acto administrativo só pode descortinar-se através dos motivos reveladores no processo gracioso ou expressos na fundamentação. O que não quer dizer que fim e motivos se identifiquem, pois o fim destina-se dizer-nos para que se decidiu e os motivos justificam por que se decidiu. Deste modo, mesmo nos actos vinculados o conhecimento dos motivos tem a maior importância para se poder verificar se foi observada a lei na aplicação dos factos”.
O desvio de poder é um vício funcional, ou seja, decorre da preterição de requisitos de legalidade respeitantes ao fim e aos motivos dos atos administrativos. Teoricamente, poderia definir-se o desvio de poder como o vício dos atos administrativos que prosseguem outros fins que não o fim legal; contudo, o conteúdo do vício de desvio de poder, tal como isolado historicamente pela jurisprudência e pela doutrina, é muito mais restrito: há desvio de poder apenas quando o motivo principalmente determinante de um ato administrativo não visa a prossecução do fim legal. O desvio de poder pode assumir duas formas: o desvio de poder por motivo de interesse privado (ocorre quando o motivo principalmente determinante visa a prossecução de um interesse privado, material ou imaterial, do titular do órgão emissor do ato ou de outrem) e o desvio de poder por motivo de interesse público (ocorre quando o motivo principalmente determinante visa a prossecução de um fim que, apesar de não ser o fim legal, é ainda de interesse publico). O desvio de poder é um vício típico dos atos praticados ao abrigo de margem de livre decisão, pois nos atos administrativos vinculados os requisitos funcionais de legalidade são de reduzida, ou mesmo nula, importância (nestes atos, em principio, são irrelevantes os motivos e o fim real, desde que haja conformidade legal dos aspetos vinculados do ato). Apesar de mais facilmente objectiváveis que os fins (geralmente através da fundamentação e do contexto procedimental do ato), os motivos do ato administrativo também não são fáceis de apurar: as situações de desvio de poder, sobretudo doloso, são normalmente dissimuladas pelos seus responsáveis, designadamente através da ocultação dos verdeiros motivos na fundamentação do ato (para mais, durante muito tempo o Supremo Tribunal Administrativo considerou a confissão, que só muito raramente ocorrerá, como o único meio de prova admissível do desvio de poder).
O desvio de poder é, portanto, muito difícil de provar, o que explica que a sua teorização, especialmente em voga nos anos quarenta e cinquenta do século XX, assuma atualmente contornos secundários e seja em grande parte votada ao esquecimento. Além disso, a moderna construção do princípio da imparcialidade, muito mais objetiva e rigorosa que a clássica teoria do desvio de poder, permite atualmente ultrapassar algumas das suas limitações intrínsecas. Em todo o caso, existem alguns aspetos da teoria do desvio de poder que mereceriam maior tratamento (por exemplo, no que respeita às deliberações de órgãos colegiais, para as quais podem concorrer motivos em pluralidade tão grande quanto o número de membros que compõem o órgão).
Por seu turno, o conceito de violação de lei não abarca toda e qualquer violação da lei: com efeito, por definição, qualquer vício do ato administrativo implica uma violação da lei (no sentido amplo de bloco de legalidade). Há um critério positivo e um critério negativo de identificação do vício da violação de lei. O conteúdo essencial do vício de violação de lei respeita às ilegalidades objetivas materiais dos atos administrativos: o vício de violação de lei é, assim, aquele em que incorrem os atos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de facto, ao objeto e ao conteúdo. O vício de violação de lei é também doutrinalmente empregue para garantir o carater fechado da teoria dos vícios do ato administrativo: nestes termos, padecem de violação de lei os atos administrativos ilegais cuja ilegalidade não se possa reconduzir a qualquer dos outros vícios, tendo, portanto, este vício caráter residual.
Em face do predito, cumpria ao Ministério Público indagar da violação de lei suportado naqueles motivos / fundamentos do acto (aqui acto complexo, considerando o procedimento em causa) e não se escudando em pretensas vontades e ou interesses privados sobrepostos ao interesse público. Isto é, importava com a explanação do procedimento exigível à Autorização de Residência demonstrar a sua violação pelos actos praticados pelo recorrido, em violação das normas aplicáveis ou dos princípios que o regem.
Certo é que neste recurso o Ministério Público não elenca as razões contrárias que justifiquem o erro de direito em que assenta a sua conclusão, sendo que o que põe efectivamente em causa são as razões de convicção do julgador e não outras, ainda que se socorra das normas que colige à medida da interpretação que faz do caso, mas que não podem ser aplicadas no enquadramento criado. Assim, o mesmo recorrente socorre-se das normas legais que analisa na perspectiva da sua aplicação numa interpretação literal sem que considere tudo quanto o tribunal a quo decidiu com base na matéria de facto provada e no procedimento descrito. Alterando a perspectiva do procedimento nos termos além descritos e na sua adaptação à realidade posta aos Serviços, designadamente em sede de reuniões de coordenação procedimental e jurídica.
Ora, para que houvesse erro de julgamento (de direito) o tribunal a quo teria de ter decidido em desconformidade com a norma aplicável, teria que ter-se socorrido de um quadro legal distinto e teria que ter escrito o que escreveu em desconformidade com o direito, decidindo contra lei expressa ou contra os factos apurados.
Mas, o Tribunal a quo não decidiu contra a Lei nem contra os factos assentes, o que fez, criteriosamente, ofende a interpretação do Ministério Público no tocante a um procedimento complexo e de tramitação alterada em função das exigências postas pela satisfação do interesse público.
Visto o texto constante das conclusões relativas ao imputado erro percebe-se que o Ministério Público, aqui recorrente, não invoca a inobservância dos procedimentos fixados para a concessão de ARI. Isto é, não invoca uma invalidade administrativa e as suas consequências, no âmbito da violação de lei vista esta na essência da materialidade exigível, antes suporta a alegação na conjugação da norma constante do Artigo 32.º do DL n.º 290-A/2001, de 17/11, e da norma constante no Artigo 90.°-A da Lei n.° 23/2007, de 04.07 (na redação dada pela Lei n.° 29/2012) restringindo-a a uma concreto elemento normativo, para fazer crer que a violação da norma de procedimento reside na não verificação de um dos requisitos cumulativos exigidos pela norma — ser portador de visto Schengen válido.
E que este seria exigível, nos termos que descreve, mas que a norma nem na sua letra nem no seu espírito acolhe, nem os procedimentos de execução do regime ARI, como ficou evidenciado na citação supra. Naturalmente que as soluções jurídicas podem ser distintas se outra for a questão de facto que as suporta, o que não acontece no caso, pelo que a decisão não errou na aplicação do direito, ficando ainda por referir que de relevante nesta questão consta do acórdão designadamente, entre outras, a fls. 705 e 1440.
De facto, no enunciado do procedimento não se distingue a autoria dos actos praticados, a sua legalidade, nem de que forma um acto extra procedimental se não integra naquele procedimento complexo. E constata-se que o recorrido não alterou (nem o poderia fazer), mediante a prática de actos (quais) aquele procedimento que envolve a verificação por distintos serviços, em ordem a satisfação dos interesses de terceiros. Tanto que o Ministério Público não convoca a matéria de facto provada que o tribunal descreve a esse título e que demonstra inequivocamente a forma procedimental como as entidades envolvidas nas matérias procederam à verificação dos requisitos além exigidos.
Na verdade, atento o teor das normas que disciplinam o procedimento em causa, não existem dúvidas de que uma coisa é o regime referente à concessão de ARI, outra diferente, o regime aplicável à nomeação de OLIs.
Daí que o acórdão recorrido tenha decidido – e bem - no sentido que afirma e porque na realidade e em conformidade com o regime aplicável é isso que importa considerar.
O arguido MM não tinha o dominus do procedimento administrativo e o que fez, não em sede de ARI, mas no procedimento de OLI, cabia num primeiro momento num domínio de decisão política de Ministro (avançar ou não com o OLI Pequim), sempre em defesa dos interesses nacionais e da cooperação internacional, e depois num diferente quadro administrativo.
Prova disso é a realidade actual e que importa sublinhar. De facto, mediante o Despacho n.º 7554/2019, de 26 de agosto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério das Finanças e o Ministério da Administração Interna, renovaram aquele interesse político, na defesa dos interesses nacional e de cooperação internacional afectando um OLI à representação na Republica Popular da China.
Aí se refere que: “a colocação de oficiais de ligação de imigração nas missões diplomáticas portuguesas nos países de origem dos maiores fluxos migratórios para Portugal, se traduz desde logo numa maior proximidade com vista a introdução de fluxos de imigração regular e ordenada e no tratamento mais célere de vistos de acordo com a legislação portuguesa, a par de se constituir como um instrumento eficaz de combate à imigração ilegal, dificultando a ação das redes organizadas que a fomentam e exploram;
Considerando que é atribuição do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ao abrigo da alínea c) do n.0 2 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.0 252/2000, de 16 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.0 240/2012, de 6 de novembro, assegurar, no plano internacional e através de oficiais de ligação, os compromissos assumidos da cooperação internacional;
Considerando o artigo 32° do Decreto-Lei n° 290-A/2001, de 17 de novembro, que estabelece o regime jurídico da colocação de oficiais de ligação de imigração nas embaixadas, missões de representação e consulados de Portugal;
Considerando que a regulamentação do n° 5 do artigo 32° do Decreto-Lei n° 290-A/2001, de 17 de novembro, pelo Despacho Conjunto n° 594/2003, de 29 de abril, revisto pelo Despacho Conjunto n° 189/2005, de 15 de fevereiro, determina o número de oficiais de ligação de imigração a colocar junto das embaixadas, missões de representação e consulados e em anexo a sua distribuição;
Considerando a dinâmica dos fenómenos migratórios e a alteração profunda dos fluxos em termos de origem geográfica, verificadas desde 2005, a que correspondem novos desafios, na sequência de alterações legislativas em matéria de concessão de vistos e autorizações de residência que pretendem fomentar a imigração legal, diferentes modus operandi nas redes de imigração ilegal e ainda a previsível ocorrência do BREXIT, determina-se:
A alteração do anexo ao Despacho Conjunto n° 594/2003, de 29 de abril, revisto pelo Despacho Conjunto n° 189/2005, de 15 de fevereiro, que procedeu à afetação dos 8 (oito) oficiais de ligação de imigração”.
O que bem demonstra a realidade, a adequação, a exigência e a necessidade da proposta de nomeação de OLI para a China.
E, tal como consta decidido, a pretensão era antiga e visava salvaguardar o interesse nacional e que se confirma no tempo e na sua exigência.
Note-se a particularidade dos procedimentos em causa, atenta a separação — indiciadora de que em cada um destes procedimentos se analisam aspectos diferenciados do ponto de vista dos interesses públicos que interessa acautelar — e se tratarem de procedimentos geridos por distintos órgãos e de responsabilidades partilhadas, mas de competências também elas diferenciadas.
As exigências instrutórias indicadas pela lei foram consideradas nos despachos ministeriais e das Direções Gerais, enquanto soluções interpretativas desses requisitos atentas as circunstâncias das zonas geográficas de proveniência dos pedidos.
Nestes regimes procedimentais, como noutros, não é obrigatório que os procedimentos estejam integralmente concluídos antes de uma autorização ser concedida, importando antes que a instrução procedimental esteja completa.
Certo é que o Ministério Público não cuidou de, em cada procedimento, nos termos das normas que convoca, apontar as etapas daquele em que assenta a alegada violação de lei, sustentando-a, repete-se, no visto Schengen. Antes pretendeu que o aqui arguido MM foi determinado, na sua ordem, com base num interesse privado, quando é notório o sentido da decisão — a exigência de uma tal nomeação para acautelar o interesse público.
E é este interesse público que o tribunal a quo considerou verificado. Assim, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseou a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento da realidade, e nesse sentido os procedimentos foram vistos a esta luz e pelo crivo da lei, que não da mera interpretação que deles possa ser feita.
Sendo certo que a interpretação normativa feita nos despachos citados nos autos está, efetivamente, em consonância com os objetivos da lei: o legislador quis criar mecanismos simplificados sem atrasos no procedimento de concessão de ARI e legitimou os órgãos de decisão a tomar as medidas necessárias a esse efeito.
É essa a razão das soluções interpretativas e que faz todo o sentido tendo em conta o facto de estarmos perante um procedimento complexo.
Como já se disse a outro propósito, é pressuposto da responsabilidade do titular de cargo público que o acto do procedimento que sustenta a conduta ilícita imputada assim seja entendido pelo direito administrativo.
Isto porque os preceitos incriminadores pressupõem a violação dos deveres inerentes às funções o que só pode significar a necessidade de que também do ponto de vista da justiça administrativa o comportamento do agente tenha sido ilícito.
Sendo esta a única posição compatível com o princípio da unidade da ordem jurídica — princípio este com expressão no Artigo 31.º, n.º 1, do Código Penal — que tem o sentido
específico de nunca uma conduta poder ser ilícita para o direito penal se for lícita à face de qualquer outro ramo do direito.
No acórdão recorrido menciona-se e bem que os arguidos intervenientes nestes actos
defesas, fizeram constar o que a esse propósito explica o procedimento, sendo que tais actos foram devidamente verificados pela entidade tutelar que os julgou conformes.
Depois, o acórdão recorrido correlaciona a legislação aplicável e as normas internas de execução de procedimento e regime e retira daí, como não podia deixar de ser, a adequação das decisões nos procedimentos.
Também assim, porque a lei não pode ser desacompanhada das normas de procedimento dos respectivos serviços, porquanto os Despachos e as Normas de Procedimento são obrigatórios quanto à prática de actos.
Do mesmo modo, lido o acórdão percebe-se, sem qualquer erro interpretativo, que o visto Schengen poderia assumir particularidades distintas na sua obtenção em função do território emergente, tudo com assento no regime aplicável.
Esta temática procedimental é omitida pelo Ministério Público de forma deliberada, usando o discurso sobre a função política e os poderes da administração, para confundir o procedimento de ARI e as suas particularidades em sede de execução do procedimento.
E insiste-se nesta afirmação porquanto, em boa verdade, o Ministério Público deveria acautelar o alegado, designadamente quanto aos interesses a prosseguir com normas de execução criadas por quem para tal tinha legitimidade (como aliás reconhece) na obtenção dos vistos Schengen.
Já quanto à alegada violação dos princípios da prossecução do interesse público da igualdade e da imparcialidade, importa dizer que todo o regime legal regulador da actividade pública, tem em vista a prossecução do interesse público.
A máquina estadual, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público.
Por isso, poder-se-ia supor que qualquer falha no cumprimento do regime legal representaria, afinal, uma ofensa à prossecução do interesse público.
Todavia, quando se trata de aferir de um determinado procedimento num enquadramento de excepcionalidade há que fazer distinção mais fina, como fez o acórdão recorrido, não havendo, pois, nada que lhe possa ser apontado.
Já no que respeita ao princípio de imparcialidade vale apelar à sua matriz e ao que dispõe o Artigo 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa — “os órgãos e os agentes administrativos (...) devem actuar com justiça e imparcialidade no exercido das suas funções”.
Tendo este princípio a sua origem histórica na prática dos tribunais, veio a estender-se à actividade administrativa, implicando que a administração pública tome decisões determinadas exclusivamente pelo interesse público objectivamente tomado, não podendo sobre estas influir interesses alheios à função. Encontramos, aqui, uma ligação entre o princípio da imparcialidade e o princípio da prossecução do interesse público e o princípio da legalidade, na medida em que sendo o interesse público definido por lei e sendo esta o fundamento e o limite de toda a actuação administrativa, esta deve prossegui-lo, “considerando de forma objectiva todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adoptando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa. Mais uma vez se verifica, portanto, o primado do interesse público e da sua prossecução em toda a actividade administrativa.
Freitas do Amaral, no seu Direito Administrativo, Volume II, pp. 201, explica justamente que este princípio significa que “a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados”. E que este princípio comporta três corolários que se desdobram em três princípios: a) princípio da justiça “stricto sensu”, b) princípio da igualdade e c) princípio da proporcionalidade.
A imparcialidade constitui assim um limite interno à actividade discricionária da administração e visa alcançar uma actuação isenta, neutral, independente, sem favoritismo, nem privilégios ou perseguições.
Ora, estes princípios relevam autonomamente quando a lei confere à administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário.
Na verdade, se o acto for vinculado, a eventual injustiça resulta directamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade. E, quando estamos perante um poder vinculado ou discricionário? O poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei.
O poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como o mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere (assim, em Sérvulo Correia, em Noções de Direito Administrativo, 1982, pág. 230).
No caso, o Ministério Público pondera que o SEF tinha competências próprias no seio do procedimento (cfr. conclusão 732.º) e que estas foram instrumentalizadas, mas não demonstra como, isto é, serve-se do sentido das normas de execução procedimental criadas em concertação de serviços, subordinadamente à lei, em despachos e regimes especiais, para confundir as situações excepcionais que reclamavam soluções distintas e atuações imediatas, subvertendo a regra e a excepção. Confundindo, ainda, nessas relações, as competências próprias e delegadas. E omite os actos vinculados da administração, não usando para este efeito do mesmo princípio com que tratou a questão dos requisitos legais quanto a ARI.
Para além de considerar como erro de direito a qualificação como acto político da ordem dada pelo aqui arguido ao co-arguido MP, no sentido de realizar uma proposta de normação de OLI para a China, e não como acto de natureza administrativa — cfr. conclusões 685.° a 713.°.
Defende o Ministério Público que um tal acto é de natureza administrativa, pelo que terá constituído uma ordem verbal dada pelo arguido, ora recorrido, ao Diretor-Nacional do SEF, sendo um acto informal e verbal compreendido nos poderes administrativos de direcção do MAI sobre o SEF, nomeadamente enquadrável no Artigo 32.º do DL n.° 290-A/2001, de 17/11.
Todavia, há que considerar que o OLI - Oficial de Ligação de Imigração -, junto das embaixadas, missões de representação e consulados de Portugal, está regulado, como vem dito, na legislação referente ao Estatuto do Pessoal do SEF (Decreto-Lei n.° 290-A/2001, de 17 de Novembro — que estabelece a disciplina relativa à criação da figura do Oficial de Ligação de Imigração, à definição do respectivo conteúdo funcional e estatuto), sendo que um tal diploma determina que a nomeação é da competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros, por proposta do Ministro da Administração Interna e o seu conteúdo funcional é definido no despacho de nomeação, portanto caso a caso.
Assim, o que a norma habilita o Ministro da Administração Interna a fazer é uma proposta que constitui um poder-dever que se inscreve nas competências dos Ministros, conforme consta do âmbito da norma do preceito contido no Artigo 201.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual a violação de normas invocadas pelo Ministério Público não pode proceder por se circunscrever a matéria dos actos do Governo e não do membro do Governo.
Acresce que o mesmo integra actos que se inscrevem no âmbito da execução da política definida para o respectivo Ministério. O que configura uma manifestação de posição política, no quadro das competências do MAI, uma actuação política, no quadro do Artigo 197.°, n.° 1, alínea j), da Constituição da República Portuguesa.
Conforme decidido pelo Ac. do STA de 17/11/2016, processo n.º 01357/15, de 17/11/2016, "Perante actos de natureza exclusivamente política a sua prática não está sujeita ao cumprimento dos formalismos próprios do acto administrativo.
Assim, os atos políticos teriam enquanto característica específica o facto de serem praticados no exercício da função política, o que suscita a seguinte questão: Em que consiste, afinal, a função política?
Este conceito tem sido alvo das mais diversas concretizações na doutrina. Antes de mais, considera-se que a visão tripartida das funções do Estado em: função política – política stricto sensu e legislativa –, administrativa e jurisdicional se afigura como a mais acertada.
Tem sido considerado pacífico o entendimento segundo o qual, deve considerar-se que o exercício da função política se traduz em definir do interesse geral da colectividade [cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed, vol. I, pp. 8-10, Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pp. 29-30 e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, pp. 45, e Acórdãos do STA de 22/04/93 (rec. n.° 29.790), de 9/06/1994, (rec n.° 33.975), de 5/03/98 (rec. n.° 43.438), de 9/05/2001 (rec. 28.775), de 2/4/2009 (rec. n° 0195/08)] e de 4/7/2013, (rec. 0654/11).
Além disso, o argumento de que o referido elemento reside no facto de todos os atos politicos, enquanto expressão da função política, se reportam à tomada de decisões fundamentais e à prossecução dos interesses essenciais da comunidade, conta com limitações. Por vezes, a relação dos mesmos com a tomada de decisões fundamentais é tão ténue que a sua qualificação como político redunda num puro subjetivismo. Pelo que se conclui que, em certos casos, a qualificação enquanto ato político assenta num processo de exclusão de partes e não num processo interpretativo que tenha em conta os específicos traços identitários do ato.
Por último, cumpre dizer que este critério incentiva a declinação de competência por parte dos tribunais adminstrativos. Os mesmos tribunais, através de enunciados genéricos sobre o conceito de função política, concluem pelo caráter político do ato em análise e, consequentemente, constatam a sua isenção à jurisdição.
Como também é indiscutível que a função administrativa se reporta a um momento posterior, uma vez que se destina a aplicar as orientações gerais traçadas pela função política, revestindo, no essencial, natureza executiva e complementar.
A nomeação do OLI é praticada no âmbito da função política dada a relevância das funções no capítulo de imigração sendo que nela intervêm não um, mas sim dois titulares de órgão de soberania — Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministério da Administração Interna, acrescendo o facto de o acto de afectação requerer a intervenção adicional do Ministério das Finanças.
Como resulta da jurisprudência citada, o acto de nomeação assume efectivamente natureza política pura, não se vislumbrando de que forma, os mesmos possam assumir qualquer natureza mista (administrativa e política), pois trata-se do exercício de actos que visam executar e corporizar toda uma estratégia de política externa, que coenvolve critérios de oportunidade, excluídos da sindicância jurisdicional.
A nomeação obedece a critérios fixados em despacho, regendo-se por critérios de condução de política e estratégia do Governo e em concreto dos dois ministérios responsáveis por tal. A proposta do Recorrido nunca poderia configurar um acto administrativo tal qual ele é definido nos termos da Lei.
Pelo que nenhuma censura merece neste domínio a decisão recorrida.
Importa, pela relevância dos argumentos, revisitar o acórdão recorrido e citá-lo, no tocante ao Núcleo F:
“Em face da factualidade vertida em todo o núcleo F, é incontestável que apenas o arguido MM detinha, à data dos factos, a qualidade de membro do Governo prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.° da Lei n.º 34/87.
Neste contexto, o crime de prevaricação imputado ao arguido JA não se consumou, uma vez que o bem jurídico protegido pela incriminação não foi, em momento algum, violado.
Perante estes factos, não tendo sequer chegado a ser elaborada qualquer proposta de nomeação de um Oficial de Ligação de Imigração pelo Ministro da Administração Interna, é insustentável a verificação de qualquer crime de prevaricação na forma consumada”.
Assim sendo, não é possível concluir, com a segurança, clareza e objectividade exigidas pela lei, que estamos perante condução ou decisão de um processo que represente uma violação consciente, dolosa (dolo intencional ou necessário) de normas jurídicas expressas, pelo que necessariamente falecerá a imputação de um crime de prevaricação.
Por outra via, também não se demonstrou comprovado que os arguidos JA, AF, MM e MP tomaram a decisão conjunta de conduzir ou decidir contra direito um processo, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém e, em execução dessa decisão formada, actuaram de modo concertado, dividindo tarefas com vista àquele fim.
Na verdade, a factualidade não faz referência aos elementos essenciais da comparticipação criminosa, sob a forma de co-autoria, isto é, à existência de decisão conjunta e de execução conjunta. Caso se tenha como referência o momento da efectiva concretização do facto ilícito-típico (ou seja, a condução ou decisão de processo contra direito, necessariamente consistente na nomeação de um Oficial de Ligação de Imigração para Pequim), resulta então claro que os actos do arguido JA não atingem o limite temporal mínimo (ou inicial) de proximidade com o(s) facto(s) ilícito(s) típico(s) do(s) autor(es) para relevarem como conduta típica da co-autoria.
Efectivamente, a contribuição de cada co-autor, para integrar o (com)domínio do facto (domínio positivo parcial e domínio negativo total), tem que ocorrer após o início da tentativa e antes da consumação formal do crime, visto que só entre esses momentos é possível a participação directa na execução do facto.
Assim, o eventual desígnio interior do arguido MM teria pois surgido em momento necessariamente posterior à conversa com o arguido JA e teria levado à sua actuação "em finais de 2013", quando, alegadamente, "no exercício dos seus poderes hierárquicos de direção sobre o SEF, MM ordenou verbalmente a MP que formulasse uma proposta de nomeação de um OLI para a China", conduta que, quando muito, poderá ser considerada como o primeiro dos actos de execução.
Ora, ainda que a actuação do arguido JA consistisse, objectivamente, numa tarefa essencial à verificação do crime de crime de prevaricação, a sua conduta não consubstanciaria co-autoria, na medida em que o arguido JA não quis (ou representou mentalmente) tal factualidade.
Quando se trata de decisões que prevejam a intervenção de várias entidades públicas, a influência sobre apenas um dos autores da decisão é manifestamente insuficiente para a obtenção da decisão supostamente ilícita, seja para o próprio agente, seja para qualquer terceiro observador, pelo que não preenche o tipo penal, por faltar (objectiva e subjectivamente) a vinculação final da dádiva ou oferta.
Ora, tendo em conta a factualidade dos núcleos F-2. e F-3., os destinatários do abuso de influência a que alude a tipicidade objectiva não eram as pessoas de quem dependia — ou de quem dependia exclusivamente - a prática dos actos que se pretenderia influenciar.
Na verdade, as únicas decisões favoráveis (nos termos exigidos pelo tipo penal) concretamente tomadas in casu foram-no por o Embaixador JMC e pelos funcionários da Autoridade Tributária _______, pessoas que não se alega terem sido objecto do abuso de influência alegadamente traficado (e às quais não foi imputado qualquer ilícito criminal).
Tal como vimos em pontos antecedentes, é ainda necessário que o traficante se proponha a exercer a sua influência sobre o decisor de forma abusiva — não se confundindo com o lobbying, que é consensualmente lícito, em que assumidamente se visa fazer valer uma convicção junto do decisor público com toda a transparência.
Efectivamente, todas as entidades públicas têm relações pessoais (nomeadamente, relações conjugais, familiares ou de amizade) e sociais onde se encontram naturalmente expostas a tentativas de intercessão em benefício de terceiros. No contexto dessas relações, não faz sentido falar em abuso de influência, porque essas tentativas de intercessão são transparentes para o decisor e dele se espera, como de todos os outros decisores, que as neutralize.
Ora, qualquer verosimilhança entre estas imputações e o tráfico de influência pressuporia que as diligências a desenvolver pelo arguido JA junto dos arguidos MM e MP consubstanciassem o abuso de influência a que alude o tipo penal, em nenhum dos pontos nos núcleos F-2. e F-3. sequer se afirma que o arguido JA tivesse influência sobre qualquer uma das pessoas em causa.
Tal abuso de influência pressuporia uma situação de superioridade do arguido JA sobre o então Ministro da Administração Interna o arguido MM e sobre o então Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o arguido MP, coisa que não se demonstrou ter acontecido.
Sempre ainda se referirá que resulta da factualidade vertida no núcleo F-2. que o arguido JA manteve contactos directos com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e com a Direção Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas, a quem expôs pessoalmente o projecto empresarial desenvolvido com o Estado líbio.
Tal como bem salienta, neste ponto, o acórdão recorrido:
Ora, de acordo com esta tese, o arguido MM nunca poderia praticar o crime de prevaricação que lhe é imputado. Com efeito, esta incriminação censura penalmente o comportamento do titular de cargo político que "conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções".
Ora, o arguido MM na qualidade de Ministro da Administração Interna não tinha competência legal para intervir na concessão de vistos de permanência temporária; o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem nesta matéria uma competência legal muito restrita, e sendo tutelado pelo Ministério da Administração Interna, não o era pelo Ministro da Administração Interna.
Assim e sem necessidade de maiores desenvolvimentos desaba a tese da acusação/pronúncia neste tema.
Mas a acusação/pronúncia censura o comportamento do MM noutros aspectos.
Com efeito, na crónica factual deste tema probatório, ficou provado que o arguido MM solicitou ao arguido MP que recebesse os representantes da "ILS-Área da Saúde Ldª." para que fossem informados dos procedimentos a adoptar para a realização da operação de entrada dos doentes líbios em território nacional.
E, mais tarde, após o encerramento da Embaixada de Portugal na Líbia, o arguido MM providenciou que ocorresse novo contacto entre os arguidos MP e JA, numa altura em que aquele se encontrava no gozo de férias.
Depois o arguido MM falou com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. R…M…, no intervalo de uma reunião do conselho de Ministros, colocando-o a par da situação que se estava a passar com a vinda de cidadãos líbios para tratamento em Portugal – na sequência deste contacto o Dr.R…M… procedeu a averiguações junto dos serviços e comunicou ao seu colega o resultado dessas averiguações, as quais por sua vez o arguido MM remeteu para o arguido JA..
Dos factos provados não é possível sequer concluir que a intervenção do arguido MM em todo este processo teve uma influência directa ou remota nas decisões que foram tomadas.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de prevaricação relativo aos factos descritos no ponto F-2”.
Por outro lado, é inequívoco, em face da factualidade vertida no núcleo F-3., que a arguida “ILS-Área da Saúde, Ldª” manteve contactos directos com a Autoridade Tributária, no âmbito dos quais pretendeu demonstrar o acerto da posição defendida (exercício que diariamente é praticado pelos juristas).
Assim sendo, no caso concreto, os crimes de tráfico de influência imputados ao arguido JA ter-se-iam consumado com os supostos acordos entre este e o arguido PLC, no Verão de 2013 e “em data não apurada de inícios de 2014 mas anterior [a] 18 de Fevereiro”.
Contudo, no caso em apreço, o acordo (comparticipativo) entre os arguidos JA e MM, subjacente à imputada co-autoria, seria posterior à consumação do crime, que se teria dado com o acordo (de tráfico) entre os arguidos JA e PLC..
Com efeito, o acordo de tráfico teria sido firmado exclusivamente entre arguidos JA e PLC, tendo o arguido MM (em momento necessariamente posterior à celebração) ao acordo (já) firmado entre aqueles e mediante o qual se teria consumado o crime.
A intervenção posterior do arguido MM não integra uma situação de co-autoria sucessiva, já que o crime de tráfico de influência se consuma com a atribuição da vantagem e a acção típica esgota-se nesse momento (mesmo que se entendesse que a consumação material do crime de tráfico de influência se dá apenas com o efectivo abuso de influência sobre o decisor, a doutrina claramente dominante vai no sentido de admitir a co-autoria sucessiva somente até à consumação formal do delito).
Ora, soçobrando a co-autoria entre os arguidos JA e MM, necessariamente improcede a imputação de tráfico de influência, já que apenas o arguido MM deteria o "poder de influência política" sobre PN, ”a fim de alcançar uma decisão da AT, ainda que ilegal, favorável aos interesses privados da ILS", nos termos pretendidos pelo arguido PLC..
Também assim, no núcleo F-3. não se encontra neles qualquer referência à arguida "JAG,Lda.", pelo que não poderá evidentemente alicerçar-se em tais factos qualquer responsabilidade criminal da arguida "JAG,Lda.”..
Como salientamos anteriormente, ao nível do elemento subjectivo do tipo de crime a expressão conscientemente aponta para a exigência de dolo directo ou necessário, no que respeita à vontade de prejudicar ou beneficiar alguém.
Ora, no caso, não se demonstrou que o aqui arguido tenha actuado contra o direito, tenha conduzido procedimento, ou beneficiado quem quer que fosse.
Nesse sentido importa também afirmar que o Ministério Público omite os antecedentes do acto de nomeação, designadamente todos quantos foram necessários no contexto da assinalada pretensão de criação do lugar de OLI, omitindo o histórico do acto e da sua exigibilidade.
O acto político do aqui recorrido vale enquanto tal e como acto do titular do cargo político, no exercício da função e usando dos poderes que a mesma lhe confere, sendo irrelevantes os vícios da vontade de quem a emite, senão veja-se o decidido (cfr. fls. 2370 e ss.):
“Não obstante, analisada a factualidade apurada haverá que afirmar que a mesma não suporta um qualquer juízo de censura penal ao comportamento do MM quer se encare a sua participação como autor quer se encare como co-autor.
Desde logo, haverá que ponderar que a criação de um posto de Oficial de Ligação para a Emigração implica a decisão conjunta de três membros do Governo (Ministério da Administração Interna, Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministro das Finanças).
Não está em causa que o processo de criação de um Oficial de Ligação para a Imigração tem a sua tramitação prevista na lei e, portanto, constitui um processo tipicamente administrativo.
No entanto, na base do início do processo está uma decisão que não poderá deixar de ser considerada uma decisão política. Com efeito, decidir criar um posto de OLI em Pequim ou um posto de OLI em Islamabad implica a adopção de critérios políticos e instrumentalmente administrativos. Um posto OLI deve ter adesão às orientações políticas de externa e às orientações de política de segurança interna, embora, instrumentalmente, estas orientações tendencialmente propendem à resolução de questões administrativas.
Assim sendo, ter-se-á de aceitar neste tema a existência de uma fronteira ténue entre o político e o administrativo. E, a vertente política fica fora da sindicância jurisdicional, em razão do princípio constitucional basilar do Estado de Direito na vertente da separação de poderes.
Desde logo, tal implica que a decisão do Ministro da Administração Interna de dar início ao processo de criação de um posto de OLI é uma decisão política e como tal assunto fora da sindicância dos tribunais. (sublinhado nosso)
No entanto, a condução do processo em causa, a sua concreta tramitação é matéria eminentemente administrativa e, como tal, condutas passíveis de sindicância do tribunal criminal.
No processo de nomeação ou de criação de um lugar de OLI na China, o arguido MM, enquanto Ministro da Administração Interna limitou-se a pedir ao arguido MP, enquanto Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que desse início a um processo cuja decisão envolvia para além do Ministério da Administração Interna, mais dois Ministérios: o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério das Finanças.
E, ficou provado que a decisão do arguido MM em dar início a esse processo não esteve subjacente a satisfação de qualquer interesse privado, designadamente, o interesse remoto de constituição de uma Agência de Vistos Gold na China concebida pelos arguidos AF e JA — amigos do arguido MM — em termos no mínimo rudimentares, como aliás eles chegam a assumir em conversa.
Conforme já acima assinalado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, enquanto organismo público, sentia como necessária a criação de um posto de OLI na China.
Esta necessidade foi encarada como uma necessidade pelo arguido MM..
Ao pedir ao arguido MP que impulsionasse o processo em causa, o arguido MM pretender dar satisfação a esta necessidade e não a qualquer outra.
Com efeito, não existe demonstração que o arguido MM tenha aderido aos planos arguidos AF e JA..
Desta forma, sem necessidade de mais profundidade de análise, não estando preenchidos todos os elementos do tipo, o comportamento do arguido MM não poderá merecer a censura penal constante do crime de prevaricação referente aos factos descritos no Núcleo F-1”.
E ainda (cfr. fls. 2375):
“Dos factos provados não é possível sequer concluir que a intervenção do arguido MM em todo este processo teve uma influência directa ou remota nas decisões que foram tomadas.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de prevaricação relativo aos factos descritos no ponto F-2”.
E ainda (cfr. fls. 2378):
“Não ficou provado que tenha exercido qualquer influência sobre o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nem que este tenha de alguma forma exercido influência sobre os decisores da Autoridade Tributária a quem competiu decidir o pedido de reembolso do IVA.
Da análise dos factos provados ressalta que o que fundamentou a decisão de reembolso foi a junção de uma declaração (de acordo com a tradução portuguesa) datada de 15 de Abril de 2014 e assinada por G…S…, responsável do Ministério das Finanças, na data de 22 de Abril de 2014, atestando que, "no âmbito do que foi acordado entre a empresa ILS e o Ministério da Saúde Líbia (...) o Ministério da Saúde Líbio, no que diz respeito ao contrato de serviços médicos assinados entre as duas partes, atua como entidade económica, sujeita aos impostos líbios, apesar de não ter número de contribuinte registado".
E, os louros pela apresentação desta declaração cabem integralmente a APM, a TOC da arguida "ILS-Área da Saúde,Ldª", a qual acompanhou de perto o processo junto da Autoridade Tributária e discerniu qual o meio necessário para obter uma decisão favorável. E, este comportamento não envolveu qualquer abuso de "influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública ".
Não ficou provado que tenha exercido qualquer influência sobre o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, nem que este tenha de alguma forma exercido influência sobre os decisores da Autoridade Tributária a quem competiu decidir o pedido de reembolso do IVA.
Reitera-se o que acima se afirmou em relação à co-autoria.
Pelo que, se deverá concluir que o comportamento do arguido MM não integrou os elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime de tráfico de influência, em co-autoria com o arguido JA relativo aos factos descritos no ponto F-3”.
Considerando que o acórdão recorrido não padece dos vícios constantes do arrazoado, que o recorrido praticou actos de natureza política no exercício das suas funções, aquando da decisão de desencadear a proposta de nomeação do OLI Pequim, e que os arguidos respeitaram a subsequente tramitação legal que se impunha quanto a esta proposta, só se pode concluir que a matéria de facto assente não permitiria uma construção diversa daquela que aí consta.
Tal como avançámos, o crime de prevaricação impõe que o titular de cargo político, conscientemente, conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém.
Ora, tal como se afirmou o arguido aqui em causa não podia decidir o que quer que fosse num procedimento em que não tinha intervenção.
O recorrido era titular de cargo político, mas não era titular dos procedimentos em causa, pelo que a condução ou decisão contra direito desses concretos procedimentos, no exercício das suas funções de Ministro da Administração Interna, com a vontade consciente de assim proceder, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém, não existiu, nem era possível.
Depois, a actuação contra direito será, em essência, aquela que se mostrar em contradição com as normas jurídicas pertinentes (o que exclui as condutas que tiverem apoio em alguma das possíveis interpretações de tais normas), o que coloca a verdadeira tónica distintiva nos fundamentos da actuação do agente, configurando actuação contra direito a que se funde em motivos contrários à ordem jurídica, nomeadamente no intuito de prejudicar ou favorecer alguém.
No que concerne ao tipo subjectivo, torna-se clara a exigência de dolo directo ou necessário, em face da exigência típica resultante da expressão “conscientemente".
Inexistem aqui razões para formular um outro juízo daquele firmado no acórdão recorrido sobre este ponto. Quando é certo, como vem demonstrado nessa mesma decisão recorrida que não ficou provado que o comportamento do ora Recorrido tenha influenciado o sentido da decisão do problema que lhe foi anunciado pelo arguido JA, tendo adoptado um comportamento que se poderá considerar adequado, tendo conhecimento de um problema que afectava as áreas de actuação do Ministério da Administração Interna e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tratou de falar sobre o mesmo com o seu colega de Governo. E, em conjunto deixaram as entidades competentes que tutelavam resolver o problema.
Vem igualmente referido que não ficou demonstrado que entre os Arguidos MP e MM tenha existido uma actuação conjunta para a execução do facto típico.
E que a factualidade apurada não sustenta a imputação ao arguido MM de um crime de prevaricação de titular de cargo político, porquanto este arguido, ora recorrido, não teria tido qualquer intervenção no procedimento administrativo de concessão de vistos de permanência temporária para cidadãos líbios que se deslocaram a território nacional para tratamento médico, uma vez não ser da sua competência o respectivo procedimento, não tendo adoptado uma conduta consciente de condução ou decisão contra direito porquanto não interveio no processo nem o mesmo convocava a sua intervenção no exercício das respectivas funções.
Tal como referido pelo acórdão recorrido, o aqui arguido, na qualidade de Ministro da Administração Interna, não tinha competência legal para intervir na concessão de vistos de permanência temporária, pois é o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras quem tem nesta matéria uma competência legal muito restrita.
Não bastaria para a prevaricação a invocação genérica de que o aqui arguido actuou de forma ilegal, contrariando os princípios de igualdade e imparcialidade que regem a actividade administrativa, importava que se tivesse demonstrado que o poder de determinar a abertura do procedimento, o poder de o conduzir e o poder de o decidir lhe cabia, ou que o fez e de que forma.
Não basta afirmar a instrumentalização do processo, impõe-se ao aqui recorrente que demonstre como procedeu o arguido a essa instrumentalização, socorrendo-se de factos concretos, da matéria de facto provada, para a afirmar.
A decisão sobre um procedimento é um acto interno do órgão competente e, no caso, essa competência pertence ao SEF. O recorrido, como ficou demonstrado, não superintendia os vários serviços do SEF que dependiam de dirigentes diversos.
Como resulta da matéria de facto constante do acórdão nenhum acto contrário às funções foi praticado pelo Recorrido, menos ainda de forma consciente contra direito.
Como já se disse a instrução do procedimento nunca foi posta em causa, menos ainda a esfera de competências de cada um dos intervenientes na cadeia procedimental.
A descrição que o Ministério Público faz no seu recurso na conclusão 743.ª mais não é do que recorrer ao minus para afirmar o que não tem. O Ministério Público não pode imputar a insuficiências instrutórias erros de procedimento e leviandades. Uma coisa é o documento não existir, outra é a sua junção por mera cópia, ou até com prazo ultrapassado mas comprovadamente existente, outra ainda é o cumprimento de fases procedimentais em etapas distintas e em similitude com medidas já usadas.
Assim, contrariamente ao que o Ministério Público afirma, o acórdão aecorrido não violou o a norma contida no preceito constante do Artigo 11.° da Lei n.º 34/87 e o Artigo 1.° do Código Penal, nem a interpretação que dela fez viola o âmbito da norma porquanto, decididamente, o recorrido não actuou consciente contra direito, não actuou no procedimento, não actuou no exercício das suas funções com a intenção de beneficiar alguém.
O mesmo sucedendo quanto ao alegado crime de tráfico de influência, porque como bem refere o tribunal recorrido “a influência com relevância jurídico-penal tem de ser exercida directamente sobre o decisor e não exercida sobre terceiro ou terceiros que, por sua vez, tenham capacidade de conseguir influenciar o decisor” (fls. 2400).
Desta forma, os factos provados não permitem concluir que a oferta do arguido JA foi para usar da sua influência para obter uma decisão favorável aos interesses do arguido PLC e da arguida "ILS- Área da Saúde, Ldª”.
A factualidade dada como provada e descrita no ponto F-3 que na tese da acusação/pronúncia imputa ao arguido PLC a prática, em co-autoria com MM, de um crime de tráfico de influência não sustenta um tal juízo de censura penal.
Pelo que se considera improcedente este fundamento do recurso apresentado pelo Ministério Público, confirmando-se a fundamentação exposta pelo tribunal recorrido no que respeita à absolvição deste arguido MM de todos os crimes que lhe eram imputados.
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME
Pena principal
Considerações genéricas
28. No modelo de determinação judicial da medida da pena consagrado nos artigos 40º, 71º e 72º do nosso Código Penal, as finalidades de aplicação de uma pena decorrem primordialmente da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da preocupação em se atingir a reinserção do agente na comunidade, observando-se sempre que a culpa constitui o limite superior e inultrapassável da punição concreta. No acórdão de 19/06/2019, o Supremo Tribunal de Justiça assinalou que o termo “culpa” deve se aqui entendido, não no sentido estrito de elemento constitutivo da infracção, mas num sentido amplo, material, abrangente de todos os elementos do crime que nela se perspetivem e que podem ser tomados em conta para graduar a censura que por ela deva ser feita ao agente, aí incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso[330].
Assim, a partir da moldura abstracta, dever-se-á delinear uma “sub-moldura de prevenção” para o caso em análise, cujo limite superior condiz com o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos proporcional à gravidade do facto cometido, e cujo limite inferior se fixa na exacta medida correspondente às exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Por fim, entre os limites desta “sub-moldura” para o caso concreto, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente[331] .
Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos módulos de vinculação na escolha da medida da pena constantes do artigo 71.º do Código Penal, consignando os critérios susceptíveis de contribuírem, quer para determinar a medida adequada e necessária para alcançar a finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores e a gravidade do facto releva neste âmbito), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) e que ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente em sentido estrito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar ”(assim Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008, Souto Moura, cit. por Martins, A. Lourenço, Medida da Pena, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp 242, Anabela Miranda Rodrigues op. cit. pp 371).
Por imposição constitucional, as medidas penais, constituindo restrições aos direitos liberdades e garantias individuais, têm de ser adequadas e limitarem-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e têm de ser aplicadas ma medida proporcional à protecção de determinados direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. artigo 18.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
Com particular relevo, impõe-se ainda ter presente que na determinação judicial da medida da pena não é consentida a valoração de circunstâncias que façam já parte do tipo de crime (proibição de dupla valoração, cfr. artigo 29º nº 5 da CRP e artigo 72º, nº 2, do Código Penal).
Arguido AF:
29. No acórdão recorrido, o tribunal colectivo deliberou absolver o arguido AF da prática de,-
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos no núcleo B);
- um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 2 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
- um crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em autoria material (factos relacionados com o acordo firmado com EB, descritos no Núcleo C);
- um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 1 e 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com o arguido AS (factos relacionados com JS, descritos no Núcleo C);
- um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p., pelos artigos 16.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal (factos relacionados com BS descritos no Núcleo C);
- um crime de branqueamento de capitais, p. e p., pelo artigo 368.º-A n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo D).
- dois crimes de tráfico de influência, p. e p., nos termos do artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal (factos acima descritos sob o ponto E);
- um crime de prevaricação, p. e p., pelos artigos 11.º, 3.º n.º 1 alínea d) todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 28.º n.º 1, 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, em co-autoria com os arguidos MM do, JA e MP (factos descritos no núcleo F-1.).
E deliberou condenar o mesmo arguido AF A.1 – Condenar pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:
- um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B) na pena parcelar de 9 (nove) meses de prisão;
- um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87 (factos descritos sob o ponto E) na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, (factos acima descritos sob o ponto E) na pena parcelar de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico de penas o tribunal colectivo condenou este arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
O arguido foi ainda condenado na pena acessória de suspensão do exercício de funções públicas pelo prazo de três anos, ao abrigo do disposto no artigo 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código Penal.
Na parcial procedência do recurso que interpôs, será o arguido absolvido do cometimento do crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito pelos factos descritos sob o ponto E, e, na parcial procedência do recurso do Ministério Público, será o arguido condenado pelo cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva, previsto e punido., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, pelos factos descritos no núcleo B, mantendo-se em tudo mais o decidido em primeira instância quanto a este arguido.
O Ministério Público pretende a revogação parcial e alteração do decidido pelo tribunal colectivo nos seguintes termos, em síntese (transcrição):
757.ª Quanto à condenação do arguido AF pela prática de um crime de peculato p. e p. pelo art. 376.º do Código Penal (Factos descritos no Núcleo B), considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, entende-se que face à duração da utilização da viatura automóvel em tal actividade criminosa (quase dois anos), que a pena a ser aplicada nunca deverá ser inferior a dez meses de prisão.
758.ª Relativamente aos factos descritos no Núcleo E e aos crimes por cuja prática os arguidos AF e MA, considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, e, atentando-se na personalidade dos arguidos, no comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo nenhum deles verbalizado arrependimento, nas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas, e, ponderando na ilicitude global do facto, na culpa dos arguidos e nas exigências de prevenção requeridas no caso concreto e na medida da culpa dos arguidos, entendemos que a pena única a ser aplicada nunca deverá ser inferior a cinco anos de prisão.
765.ª Relativamente ao crime de corrupção passiva, p. e p., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo B) de cuja prática o arguido AF foi absolvido há que atender, neste particular, à matéria anteriormente desenvolvida nos pontos 3.3.2. 1. (poderes de direcção do arguido AF) e 6.1.1. (erro de direito), daí que, e por razões de economia e clareza da exposição, para aí remetemos e dando por reproduzidas todas as considerações.
770.ª Ora, considerando os factos dados como provados no Acórdão recorrido, e as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, e sendo elevadas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada, justifica-se, no caso em apreço, uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
771.ª Na determinação da medida concreta da pena, há que se ponderar, nomeadamente na ilicitude dos factos praticados pelo arguido e as suas consequências, que, no caso em apreço, assumem especial gravidade, bem como no grau da culpa, nas condições de vida do arguido - familiarmente e profissionalmente integrado, sem antecedentes criminais - na personalidade do arguido, o comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo este verbalizado arrependimento.
772.ª As necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
773.ª Assim, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do arguido e as exigências de prevenção requeridas no caso concreto e à medida da culpa do arguido, entendemos que a pena a ser aplicada nunca deverá ser inferior a cinco anos de prisão e, em cúmulo jurídico com as penas acima referidas, o arguido deve ser condenado numa pena única nunca inferior a sete anos de prisão.
O arguido invocou na resposta o seguinte (transcrição):
O Acórdão condenou o Recorrido, constatando que neste caso, o uso abusivo não se refere ao trabalho propriamente dito desenvolvido pelos funcionários em causa, mas ao uso dos equipamentos utilizados pelo secretariado do Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." no desenvolvimento das tarefas por ele solicitadas.
O Ministério Público lobriga uma justificação mais especiosa: está em causa o uso abusivo da viatura automóvel em tal atividade criminosa quase dois anos.
Lendo esta impressiva expressão, concluir-se-á que, ao longo de 24 meses, o Recorrido andou a utilizar o carro, diariamente, em atividades criminosas. O Recorrente não poupa nos sofismas nem na refração grotesca dos míseros factos provados neste setor.
Como já se referiu acerca da problemática dos poderes de direção, também aqui o Recorrido teve ocasião de expor o seu pensamento no recurso que interpôs. Mas agora temos de operar com a alegação do Recorrente, que se esgota no uso da viatura colocada à disposição do Recorrido. Eis o que se apurou na matéria de facto pertinente:
Resulta da matéria de facto dada como provada que essa utilização ocorreu entre 25.9.2013 e 11.9.2014, concretamente nas seguintes situações:
i. Data não concretamente apurada após 25.9.2013 e em hora também não concretamente apurada (ponto B.175);
ii.3.1.2014, 16h30 (ponto B.197);
iii.6.1.2014, 14h01 (ponto B.194);
iv.8.1.2014, aproximadamente às 14h52 (ponto B.201, referindo-se o ponto B.199 à hora aproximada);
v.14.2.2014, a hora não concretamente apurada (ponto B.482);
vi.20.2.2014, 15h37 (ponto B .209; de acordo com o ponto B.218, "no mesmo dia", em data não concretamente apurada, terá ocorrido outra deslocação);
vii.29.4.2014, aproximadamente às 17h00 (ponto B.222 referindo-se o ponto B.221 à hora aproximada);
viii.1.9.2014, a jantar na Embaixada da República Popular da China (ponto B.249) ix. 11.9.2014, "à hora do almoço" (ponto B.252);
Portanto:
O período acolhe-se ao espaço de um ano (de 25 de setembro de 2013 a 11 de setembro de 2014) e não de dois anos.
A verdade provoca uma ablação de um ano na contagem do Recorrente.
Dentro desse período de um ano a viatura foi utlizada indevidamente (sem conceder) por 9 vezes.
Pondo as coisas no são (e como são) teremos que, em alternativa a dois anos de continuada utilização abusiva (versão do Recorrente com a sua habitual banda larga), temos, afinal, uma brutal redução em baixa, seja no período infetado (um ano e não dois), seja na cadência insinuada. (9 dias em cerca de 350 dias)!
Mesmo a admitir-se, o que se não concede, que esta utilização da viatura incorporaria o elemento típico da incriminação, jamais se justificaria punir esta pontualíssima infração com a severidade de atingir quase metade do limite máximo previsto. A conduta do Recorrido teria sempre de ser tida como pontual (menos de uma vez em cada mês) e, por isso mesmo, incaracterística quanto à sua gravidade e nível ajustado de reprovação.
Naturalmente que se não aplicam regras de três simples.
Mas o que se faria, então, se, seguindo a ficção do Recorrente, o Recorrido tivesse, de facto, usado todos os dias, durante 2 anos, a viatura para fins alheios aos do seu destino? No caso, em face do disposto no artigo 70 do Código Penal, sempre seria apenas aplicável uma pena de multa, cominada, no caso concreto, com o limite máximo de 240 dias. Isto resulta do mais elementar bom senso, dispensando considerações adicionais. Talvez por isso o Recorrente não esgrima um único argumento em defesa da sua tese.
6.3.CRIME DE CORRUPÇÃO (NÚCLEO E)
No que toca à condenação pelo crime de corrupção no que aos factos constantes do núcleo E diz respeito, o Recorrido remete, na íntegra, para a motivação do seu recurso, que aqui dá por reproduzida, o que faz em nome do são princípio da economia processual, nada mais tendo a acrescentar.”
A moldura penal abstracta correspondente ao crime de corrupção passiva agravado, previsto e punido nos artigos 17º nº 1, 19º nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho, tem um mínimo de dois anos e oito meses de prisão e um máximo de dez anos e oito meses de prisão.
Com valor agravativo do juízo de censura, impõe-se notar a intensidade acrescida do grau de violação dos deveres de prossecução do interesse público, isenção e imparcialidade decorrentes do estatuto do alto cargo exercido, numa conduta que se desenrolou ao longo de um considerável período de tempo e, seguramente, com reflexão sobre os meios utilizados e os fins visados.
A extensão dos danos causados na confiança da comunidade na transparência, isenção e imparcialidade do comportamento oficial dos titulares de cargos públicos assume um relevo mediano quanto aos acontecimentos do núcleo E, mas uma gravidade acrescida nos eventos no núcleo B, pela extensão, natureza e complexidade dos factos envolvidos no acordo com Z e posteriormente corporizados, envolvendo mesmo a promessa de pagamento de vantagens de expressão económica.
Na conformação da gravidade do ilícito ter-se-á presente a menor eficácia dos meios utilizados e a mitigação das consequências dos actos ilícitos constantes do núcleo E : no concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos do IRN a que concorreu CF e no concurso da CRESAP em que foi oponente LGP o júri deliberou escolher outra pessoa e no concurso para secretário-geral do MAI, HM resolveu desistir.
Como já acima referido, os eventos da vida real em que se traduziu o mercadejar do cargo pelo arguido nos factos do Núcleo E são susceptíveis do preenchimento do elemento “vantagem patrimonial” de um crime da corrupção activa.
Assim, nos factores referentes à gravidade da execução do facto, há que ter em conta, com peso agravativo, que o arguido agiu sabendo que o acordo de reciprocidade envolvia necessariamente acto susceptível de se considerar como de corrupção activa, levando ao cometimento pela arguida MA de um crime de corrupção na forma passiva.
A corrupção constitui uma autêntica “praga” social, atingindo o direito dos cidadãos a um tratamento justo, equitativo e imparcial na actuação das funções públicas e administrativas, com efeitos particularmente nocivos no desenvolvimento económico, na justiça social e na confiança no regime democrático e constitucional.
Por isso, as exigências de prevenção geral positiva, relacionadas com a importância da tutela dos bens jurídicos e de protecção das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma jurídica violada, são muito intensas neste tipo de crime.
Como se pode ler no citado acórdão do STJ de 18-04-2013, proc. 180/05.9JACBR.C1.S1, Isabel Pais Martins, acessível in www.dgsi.pt ,
O crime de corrupção adquiriu uma fortíssima ressonância negativa na consciência comunitária disso dando um sinal claro a Lei n.º 32/2010, de 2 de Setembro (…)
A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa Administração Pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.
Nos crimes de corrupção (…), a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada reclama algum rigor punitivo, em razão, por um lado, dos “sentimentos difusos” do domínio da corrupção na vida pública que se instalaram na comunidade e, por outro lado, da acrescida “consciência” e exigência, por parte da comunidade, de que as funções públicas estejam ao serviço do “bem comum”.
O crime de peculato de uso previsto no artigo 376.º n.º 1 do Código Penal é punível com pena de prisão de pena de prisão de um mês a um ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias.
O grau de violação dos deveres do arguido na prossecução do interesse público revela-se significativo, tendo em conta que a afectação do uso dos veículos ocorreu para o desenvolvimento de actividade privada de natureza lucrativa.
Ainda assim, por outro lado, o juízo de censurabilidade da conduta revela-se mitigado pela menor intensidade do grau de afectação do património, bom andamento, legalidade e transparência da administração e da extensão dos danos causados decorrentes do uso indevido do veículo do Estado que, note-se, se verificou em alguns períodos limitados de tempo (nos termos acima expostos, a utilização da viatura ocorreu entre 25.9.2013 e 11.9.2014, nomeadamente em data não concretamente apurada após 25/9/2013 e em hora também não concretamente apurada, em 3/1/2014 (16h30), em 6/1/2014 (14h01), em 8/1/2014, aproximadamente às 14h52, em 20/2/2014 (15h37), em 29/4/2014, aproximadamente às 17h00, em 1/9/2014, (hora de jantar) e 11/9/2014, (à hora do almoço).
Como circunstâncias agravativas, com repercussões quer no plano da gravidade do ilícito, quer da culpabilidade, devemos considerar que se trata da utilização de um veículo automóvel por um funcionário titular de um alto cargo político e que a utilização ocorre para executar e facilitar a prática de um outro crime (a corrupção passiva).
As exigências de tutela do bem jurídico protegido pela incriminação, ou seja, da integridade do exercício pelo funcionário das funções públicas e do património do Estado, revelam-se muito significativas.
Circunstâncias comuns aos três crimes cometidos pelo arguido:
No mais, interessa reter os elementos favoráveis, referentes ao comportamento anterior ao facto e às condições pessoais e económicas.
Vem provado[332] que AF, licenciado em direito, exerceu a advocacia e desempenhou funções públicas desde 1989 até 2014.
Sabemos ainda que o arguido beneficia de apoio e solidariedade no círculo familiar. Vive numa situação económica deficitária. Não regista antecedentes criminais, sendo descrito como um homem inovador e empreendedor, profundamente empenhado nos projectos profissionais a que se dedicava e nunca perdendo uma visão humanista de apoio às pessoas.
Concluímos dos elementos disponíveis que as exigências de advertência e intimidação individual são moderadas.
Tendo em conta a gravidade concreta do crime destes autos, sabendo-se ainda que o arguido cometeu no mesmo espaço temporal um crime de corrupção passiva, forçoso se torna concluir que uma pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição para o crime de peculato de uso, impondo-se a necessidade de aplicação da pena de prisão para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas,
Haverá em seguida de proceder ao cúmulo jurídico, considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente (artigo 77º nº 1 e nº 2 do Código Penal). A determinação da dimensão da pena do concurso há-de resultar essencialmente de uma visão de conjunto dos factos, procurando alcançar uma valoração tão abrangente quanto possível da pessoa do arguido e do seu comportamento.
Na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura conjunta” : serão aqui úteis elementos referentes à conexão dos factos entre si e no circunstancialismo que os antecedeu e acompanhou, a partir da constatação de factores como sejam a diversidade dos bens jurídicos violados, a maior ou menor frequência e perduração no tempo da comissão dos crimes ou uma eventual “dependência” em relação a esses factos.
Em sede de considerações de prevenção geral, cumprirá valorar a perturbação da paz e segurança dos cidadãos, bem como as exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico que ressaltam do conjunto dos factos.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente por forma a corresponder a exigências de prevenção especial de socialização. Na avaliação da personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da socialização e inserção dos arguidos na comunidade, assumindo relevância a consideração dos antecedentes criminais.
Aplicando agora as considerações expostas no caso vertente:
Enquanto circunstâncias comuns, haverá que ter presente que os crimes em valoração nestes autos atingem bens jurídicos distintos, mas relacionados e os factos ocorreram em circunstâncias próximas no tempo .
Com efeito, os factos provados não evidenciam uma “tendência” para o crime, sendo possível configurar uma situação de “pluriocasionalidade”, limitada aos acontecimentos em apreço nestes autos.
Como já salientado, do universo dos factos cometidos decorrem particulares exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico, mas, por outro lado, ter-se-ão de valorar os benefícios decorrentes de um adequado enquadramento familiar e social.
Por último e apesar da gravidade do ilícito global, a pena conjunta, adequada à culpa e correspondendo às exigências de protecção dos bens jurídicos decorrente da apreciação global, há-de permitir uma desejável recuperação e absoluta reintegração social. Arguida MA:
30. No acórdão recorrido, o tribunal de primeira instância condenou a arguida pelo cometimento de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena parcelar de três anos e seis meses de prisão, pelo cometimento de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos artigos 18.º n.º 1 ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na pena parcelar de dois anos e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
A arguida foi ainda condenada na pena acessória de suspensão do exercício de funções públicas pelo prazo de 3 três anos, ao abrigo do disposto no artigo 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código Penal.
Nos termos acima expostos, será a mesma arguida absolvida do cometimento do crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito e cumpre apreciar os recursos da arguida e do Ministério Público quanto à pena aplicada ao crime de corrupção passiva.
O Ministério Público insurge-se com a medida da pena fixada pelo tribunal recorrido, invocando o seguinte (transcrição parcial das conclusões):
758.ª Relativamente aos factos descritos no Núcleo E e aos crimes por cuja prática os arguidos AF e MA, considerando os factos dados como provados, bem como a fundamentação jurídica e as considerações tecidas no Acórdão recorrido quanto à medida concreta da pena, e, atentando-se na personalidade dos arguidos, no comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo nenhum deles verbalizado arrependimento, nas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas, e, ponderando na ilicitude global do facto, na culpa dos arguidos e nas exigências de prevenção requeridas no caso concreto e na medida da culpa dos arguidos, entendemos que a pena única a ser aplicada nunca deverá ser inferior a cinco anos de prisão.
759.ª Ainda relativamente aos factos descritos no Núcleo E, sustenta-se no Acórdão recorrido, a fls. 2237 e seguintes que os factos integradores de tráfico de influência estão abarcados pela prática do crime de corrupção, intercedendo entre ambos os crimes uma relação de concurso aparente, designadamente uma relação de consumpção, e não uma relação de concurso efectivo, porquanto os dois crimes tutelariam o mesmo e único bem jurídico: a autonomia intencional do Estado.
760.ª Porém, e contrariamente ao entendimento plasmado a fls. 2237 do Acórdão recorrido, e face às razões tecidas anteriormente no corpo da motivação de recurso, verifica-se antes um concurso real de crimes e não meramente um concurso aparente, daí que os arguidos AF e MA devem também serem punidos pela prática, cada um deles, de dois crimes de tráfico de influência p. e p. pelo artigo 335.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (factos descritos no Núcleo E), sendo que, e vistas as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, devem ser condenados pela prática de cada um deles na pena de dois anos de prisão, aceitando-se que a arguida MA seja condenada na pena única de cinco anos de prisão (tendo em conta a totalidade das penas), suspensa na sua execução por idêntico período.
A arguida MA sustenta a pretensão nos seguintes termos, em apertada síntese, o seguinte (transcrição parcial das conclusões):
221.As penas parcelares aplicadas apresentam-se, pois como muito elevadas, nomeadamente a pena concreta do crime de corrupção activa para acto ilícito, tal como de resto a pena única, fixadas acima do ponto médio da moldura penal, não obstante todos os factos provados acima transcritos, designadamente, o exercício de funções públicas com reconhecido mérito e dedicação à causa pública ao longo de mais de 35 anos bem como a ausência de antecedentes criminais.
222.É certo que a imposição de tais penas assentou essencialmente em necessidades de prevenção geral positiva exigidas, que se consideraram serem muito elevadas.
223. Ora, não obstante, as consideradas necessidades de prevenção geral positiva assentes na gravidade dos factos e a consequente imposição de uma resposta contrafáctica capaz de repor a confiança dos cidadãos na vigência e efectividade da tutela penal, tais necessidades mostram-se diminuídas por menores exigências de prevenção especial que permitem e até impõem a aplicação de pena concreta mais abaixo das medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, que a medida de pena considerada pelo Tribunal a quo.
224.Com efeito, do ponto de vista da prevenção especial, são inúmeros os factores favoráveis à arguida, quer quanto ao exercício de funções públicas com elevado sentido de responsabilidade e dedicação à causa pública ao longo de 35 anos, quer a ausência de quaisquer antecedentes criminais, relevante face à idade da mesma, que ainda quanto à sua inserção familiar e social, quer quanto à sua conduta posterior aos factos, nomeadamente no âmbito das funções exercidas na Policia Judiciária desde Novembro de 2016, todos a caminharem no sentido da diminuição da penas concretas aplicadas, tal como da pena única.
A moldura penal abstracta correspondente ao crime cometido pela arguida tem um mínimo de dois anos de prisão e um máximo de oito anos de prisão.
O juízo de censurabilidade da conduta surge-nos agravado pela intensidade e persistência da conduta dolosa, seguramente com reflexão sobre os meios empregados e revelando um significativo desvio nos deveres decorrentes do estatuto do alto cargo exercido.
A extensão dos danos causados na confiança da comunidade na transparência, isenção e imparcialidade na realização dos concursos públicos assume um relevo mediano.
Na conformação da gravidade do ilícito ter-se-á ainda presente a menor eficácia dos meios utilizados e a mitigação nos resultados da conduta: o concurso para recrutamento do presidente do IRN IP ficou deserto, mas a escolha da Ministra da Justiça para provimento do cargo veio a recair no arguido AF, enquanto no concurso para provimento do cargo de vogal do IRN, apesar da promoção e favorecimento da candidatura de LGP, a ministra da Justiça nomeou uma outra pessoa para o cargo..
Como já acima referido, os eventos da vida real em que se traduziu o mercadejar do cargo pela arguida são susceptíveis do preenchimento do elemento “vantagem patrimonial” de um crime da corrupção activa.
Assim, nos factores referentes à execução do facto, há que ter em conta, com peso agravativo, que a arguida agiu sabendo que o acordo de reciprocidade envolvia necessariamente acto susceptível de se considerar como de corrupção activa, levando ao cometimento pelo arguido AF de um crime de corrupção na forma passiva.
Reafirmamos aqui que neste tipo de crime, as exigências de prevenção geral positiva, relacionadas com a importância da tutela dos bens jurídicos e de protecção das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma jurídica violada são muito intensas.
Entre as realidades mais visíveis, e porventura mais comuns, de comportamentos baseados na corrupção contam-se os comportamentos funcionais de natureza idêntica aos destes autos, reveladores de desrespeito pelo direito dos cidadãos a um procedimento de promoção e acesso a cargos públicos assente na igualdade de oportunidades e na equidade.
No que respeita aos factores relativos à conduta antecedente e à personalidade manifestada no facto, interessa reter os elementos muito favoráveis, referentes ao comportamento anterior ao facto e às condições pessoais da arguida.
Com efeito, diz-nos a matéria de facto provada[333] que a arguida MA, hoje com 65 anos de idade, desempenhou funções públicas ao longo dos mais de trinta e cinco anos até Novembro de 2014, com um grande sentido de responsabilidade, com pleno respeito e observância dos seus deveres funcionais e em prossecução do interesse público mantendo-se comprometida com a causa pública e com os princípios e valores inerentes às funções que desempenhouem todas as áreas de actuação e intervenção, nomeadamente no âmbito das funções de gestão e direcção superior da Administração Pública.
Pode por isso concluir-se que o comportamento a que se reportam os presentes autos terá sido um incidente isolado num concreto período da vida da arguida, a que não será estranha a relação de amizade com o arguido AF..
Ao mesmo tempo, interessa reter que a arguida MA beneficia de integral integração familiar e sofre hoje de graves problemas de saúde. Neste âmbito, mais se provou que a detenção e sujeição a prisão preventiva e subsequente OPHVE, bem como a inerente impossibilidade de acompanhamento e assistência à sua mãe e à sua filha, as medidas que atingiram o património familiar, a impossibilidade de trabalhar e a constante exposição mediática a que esteve (e continua) sujeita, tiverem e continuam a ter repercussões na vida da arguida, a vários níveis.
Assim sendo, consideramos que os elementos recolhidos da personalidade permitem antever uma possibilidade elevada de a arguida ser influenciada favoravelmente pela pena que vier a ser decretada.
Podemos por isso concluir que as exigências de advertência e intimidação individual são reduzidas.
Arguidos Z e ZB:
31. No acórdão recorrido, o tribunal colectivo absolveu o arguido Z e a arguida ZB da prática de um crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, da prática de um crime de tráfico de influência, p. e p., pelo artigo 335.º n.º 1 alínea a) do Código Penal e condenou o arguido Z e a arguida ZB pela prática em autoria material de um crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo artigo 335.º nº 2 do Código Penal, pelos factos descritos no núcleo B, na pena de cem dias de multa, à razão diária de quinze euros.
Pelos fundamentos acima expostos, na procedência do recurso do Ministério Público, devem os arguidos ser condenados pelo cometimento em co-autoria material, de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal e, por força de um concurso aparente, o comportamento destes mesmos arguidos não poderá ser punido a título de crime de tráfico de influência.
Neste âmbito, alegou o Ministério Público o seguinte (transcrição):
774.ª Relativamente ao crime de corrupção activa, p. e p., pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º, alínea b) do Código Penal, como autor material (factos descritos no Núcleo B) de cuja prática os arguidos Z e ZB foram absolvidos e como os factos em causa nesta imputação constituem o reverso do crime de corrupção passiva imputado ao arguido AF e se este arguido deve ser condenado pela prática do referido crime, é evidente que, face à matéria de facto dada como provada, é de concluir que a conduta dos arguidos Z e ZB integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção activa referente aos factos descritos no núcleo B.
775.ª Ora, considerando os factos dados como provados no Acórdão recorrido, e as disposições legais ínsitas nos artºs 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, e sendo elevadas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada, justifica-se, no caso em apreço, uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
776.ª Na determinação da medida concreta da pena, há que se ponderar, nomeadamente na ilicitude dos factos praticados pelos arguidos e as suas consequências, que, no caso em apreço, assumem especial gravidade, bem como no grau da culpa, nas condições de vida dos arguidos - familiarmente e profissionalmente integrado, sem antecedentes criminais - na personalidade dos arguidos, o comportamento anterior e posterior aos factos, não tendo estes verbalizado arrependimento.
777.ª As necessidades de prevenção geral positiva ou de integração – aquela que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação da validade da norma jurídica violada – que, no caso em apreço, são elevadas, justificando uma pena adequada a assegurar a confiança efectiva da comunidade na validade das normas jurídicas.
778.ª Assim, ponderada a ilicitude global do facto, a duração da actividade criminosa, a culpa dos arguidos e as exigências de prevenção requeridas no caso concreto e à medida da culpa do arguido, entendemos que a pena a ser aplicada, a cada um deles, nunca deverá ser inferior a quatro anos de prisão e, em cúmulo jurídico com as penas acima referidas, cada um dos arguidos deve ser condenado na pena única de cinco anos de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período com regime de prova e com a imposição, ao abrigo do disposto no art.º 51.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, de cada um deles pagar ao Estado a quantia de € 50.000,00.
Em resposta, os arguidos concluem que deve ser negado provimento ao recurso do Ministério Público.
A moldura penal abstracta correspondente ao crime de corrupção activa agravado cometido por cada um dos arguidos Z e ZB tem um mínimo de dois anos e oito meses de prisão e um máximo de seis anos e oito meses de prisão.
Com valor agravativo do juízo de censura, impõe-se assinalar que os arguidos revelaram significativa intensidade criminosa, ao longo de um considerável período de tempo e actuaram seguramente com reflexão sobre os meios utilizados e os fins visados.
A extensão dos danos causados na confiança da comunidade na transparência, isenção e imparcialidade do comportamento oficial dos titulares de cargos públicos assume uma gravidade acrescida considerando a natureza e complexidade dos factos envolvidos no acordo com o arguido AF e posteriormente concretizados.
Nos termos já expostos, a corrupção encontra-se disseminada na nossa sociedade, atingindo o direito dos cidadãos a um tratamento justo, equitativo e imparcial na actuação das funções públicas e administrativas, com efeitos particularmente nocivos no desenvolvimento económico, na justiça social e na confiança no regime democrático e constitucional.
Daí que as exigências de prevenção geral positiva, relacionadas com a importância da tutela dos bens jurídicos e de protecção das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma jurídica violada, se revelem aqui como particularmente intensas.
Justifica-se que a pena da arguida ZB seja ligeiramente inferior à do marido, pela menor intervenção directa nos factos.
No mais, interessa reter os elementos referentes ao regular comportamento anterior aos factos, desenvolvimento de actividade comercial em diversas áreas e perfeita inserção familiar dos arguidos, casados entre si há cerca de trinta anos.
Vem provado, além do mais que o arguido Z conheceu o arguido AF sensivelmente em 2007, em eventos da embaixada da China e com ele criou uma relação de amizade, a qual se entendeu a outros elementos das respectivas famílias e, bem assim, aos amigos de ambas as partes. O convívio regular com a sua família, numerosa em Portugal, terá sido sempre privilegiado, havendo uma união e entreajuda entre todos. O arguido Z é tido como uma referência, o líder familiar, por ser o mais velho da fratria, por ter alcançado um estatuto socioeconómico relevante, ter assumido um papel protector e apoiante da família, não só dos que cá já se encontravam quando o arguido Z chegou a Portugal, como dos elementos que foram chegando, formando todos uma comunidade coesa que se entreajuda e que se mostra solidária com o arguido Z na atual situação judicial.
Os rendimentos económicos do casal, pouco significativos, provêm hoje da loja de venda a retalho artigos chineses [334].
Concluímos dos elementos disponíveis que as exigências de advertência e intimidação individual são moderadas.
Uma vez verificado o pressuposto formal de que a prisão previamente determinada não seja superior a cinco anos, ter-se-á de ponderar a eventual aplicação da pena de suspensão de execução da prisão, ainda que sob a obrigação de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou sob regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal).
Para esse efeito, é necessário que o tribunal, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e sopesando em conjunto as circunstâncias do facto e da personalidade, atendendo às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, avalie se se revela viável a formulação de uma apreciação favorável relativamente ao comportamento futuro de cada um dos arguidos, no sentido de antecipar ou prever que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, o mesmo é dizer, para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, entendida aqui como perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.
O juízo de prognose necessário para eventual aplicação da suspensão de execução, depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva, sem nunca se perder de vista que a finalidade primordial consiste na protecção dos bens jurídicos.
Por isso se conclui que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não poderá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.
Neste âmbito, o tribunal deve um correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.
Trata-se, em todo o caso, de um poder vinculado, de uma injunção[335].
Na análise quanto ao efeito previsível da pena no comportamento futuro de cada um dos arguidos, consideramos que a inserção familiar, a adequada preparação escolar e profissional, a ausência de antecedentes criminais, as privações de liberdade já sofridas e o decurso de um período de cinco anos desde a prática dos factos, são factores muito relevantes e favoráveis na delimitação das exigências de prevenção especial do caso concreto.
Diante deste conjunto de circunstâncias, concluímos que a censura dos factos e a ameaça do cumprimento efectivo de prisão ainda satisfazem os sentimentos de elevada reprovação pela conduta global, bem como as exigências mínimas de prevenção geral positiva, justificando-se por isso a aplicação da pena de suspensão de execução de prisão, a cada um dos arguidos AF, MA, Z e ZB..
Medida das penas principais – síntese conclusiva
32. Sopesando os elementos expostos com relevo para a escolha e determinação das consequências jurídicas dos crimes cometidos, consideramos justo e equitativo fixar as penas concretas, enquanto reacção necessária, equitativa e adequada para as exigências de prevenção geral e especial, assim como consentidas pela culpa exteriorizada nos factos cometidos por cada um dos quatro arguidos, nos seguintes termos:
1 - Arguido AF:
a) Três anos e dez meses de prisão para o crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, pelos factos descritos no núcleo B;
b) Três anos e três meses de prisão para o crime de corrupção passiva , previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, peloss factos descritos sob o ponto E e,
c) Cinco meses de prisão para o crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B).
Procedendo a cúmulo jurídico nos termos do artigo 77º, nº 2, do Código Penal e numa moldura com um mínimo de três anos e dez meses de prisão e um máximo de sete anos e seis meses de prisão, entende-se justo e equitativo, pelos fundamentos acima indicados, fixar a pena conjunta em cinco anos de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo.
2- Arguida MA:
Três anos e cinco meses de prisão de execução suspensa por igual período de tempo pelo crime de corrupção passiva dos factos descritos sob o ponto E.
3- Arguido Z:
Três anos e cinco meses de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo pelo crime de corrupção activa em co-autoria material, dos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal;
4- Arguida ZB:
Três anos e três meses de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo pelo crime de corrupção activa em co-autoria material, dos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal.
Pena acessória de proibição do exercício de função
33. O tribunal colectivo condenou ainda os arguidos AF e MA na pena acessória de suspensão do exercício de funções[336] pelo período de três anos, com os seguintes fundamentos (transcrição):
Dispõe ao artigo 66.º do Código Penal sob a epígrafe "proibição do exercício de função", que:
"1 – O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou,
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
2– O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável às profissões ou actividades cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública.
3– Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
4– Cessa o disposto nos n.ºs 1 e 2 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de medida de segurança de interdição de actividade, nos termos do artigo 100.º.
5– Sempre que o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, for condenado pela prática de crime, o tribunal comunica a condenação à autoridade de que aquele depender".
O pedido de proibição do exercício de funções relativo aos arguidos AF e MA repousa na circunstância destes terem praticado os crimes enquanto funcionários públicos.
Tendo em conta que, de acordo com os factos provados, os arguidos AF e MA tiveram um comportamento em "flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes", designadamente, a gravidade da infracção dos deveres de transparência, isenção e imparcialidade.
Afigura-se adequado proibir os arguidos AF e MA do exercício de funções públicas pelo período de 3 anos, levando-se já em consideração o tempo já cumprido.
Os recorrentes AF e MA pugnam pela revogação da condenação em pena acessória, enquanto o Ministério Público, em resposta, sustenta a bondade do decidido, embora propondo que este TRL proceda a comunicação da alteração de qualificação jurídica.
Apreciando e decidindo:
O artigo 66º nº 1 do Código Penal estabelece que a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função depende da verificação de um pressuposto de natureza formal que consiste na condenação de titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, numa pena de três anos de prisão e de um pressuposto de natureza material referente ao circunstancialismos de facto, sendo necessário que o crime tenha sido cometido com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, revele indignidade no exercício do cargo, ou implique a perda da confiança necessária ao exercício da função.
Não existe unanimidade na doutrina e na jurisprudência quanto à questão de saber se pode ser aplicada a pena acessória de proibição do exercício de função a um arguido condenado em pena de prisão de execução suspensa:
Segundo Pinto de Albuquerque, a suspensão da execução da pena não obsta à aplicação da pena acessória[337] .
Na jurisprudência, seguiram este entendimento os acórdãos do TRP de 18-05-2011, proc. 191/06.7JAPRT.P1, Ricardo Costa e Silva e de 15-02-2019, proc. 176/09.1T3AVR.P1, Pedro Vaz Pato e do TRL de 12-04-2016, proc. n.º 619/12.7TABNV.E1.L1.5, Luís Gominho.
Em sentido inverso, decidiram os acórdãos do TRE de 19-12-2013 e do TRL de 21-02-2018, proc. 3499/12.9JFLSB.L1-3, 2ª parte, desta mesma formação de desembargadores, todos acessíveis in www.dgsi.pt .
Pode ler-se no citado acórdão do TRP de 15-02-2019 (transcrição) :
Como bem salienta o Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso, será até nas situações de pena de prisão suspensa na sua execução que a pena acessória em causa tem maior acuidade, pois a pena de prisão efetiva já acarreta, por si mesma, nos termos do artigo 67.º do mesmo Código, a suspensão do exercício de funções públicas durante o cumprimento dessa pena.
Por outro lado, não se nos afigura, ao contrário do que se sustenta no citado acórdão da Relação de Évora, que sejam contraditórias, nos seus pressupostos, a suspensão da execução da pena de prisão e a proibição do exercício da função. É pressuposto da suspensão de execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50,º, n.º 1, do Código Penal, um juízo de prognose favorável a respeito da prática de outros crimes no futuro. Poderá ser pressuposto da proibição do exercício da função o perigo de prática de futuros crimes nesse exercício (como se verificará na situação referida na acima citada alínea c) do n.º 1, do artigo 66.º do Código Penal), mas não necessariamente. Tal pena será também aplicada quando o facto for praticado com flagrante e grave abuso da função e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes (alínea a) do n.º 1 desse artigo 66.º) e quando o facto revelar indignidade no exercício do cargo (alínea b) do n.º 1 desse artigo 66.º). E podemos dizer que se verificam estas últimas situações no caso em apreço.
Também se impõe afirmar que os malefícios, na perspetiva da inserção social do condenado, que se pretendem evitar com a suspensão da execução da pena de prisão são substancialmente mais graves do que os que decorrem da pena acessória da proibição do exercício de função.
Apesar de inexistir consagração legal expressa, pode-se considerar como pacífica a doutrina que considera a pena de suspensão de execução da prisão como uma pena de substituição em sentido próprio, autónoma e distinta da pena de prisão de cumprimento efectivo em meio institucional[338].
Temos assim que hoje o quadro legal de penas de substituição para as pessoas singulares é constituído pela pena de multa de substituição (art.º 45.º), proibição do exercício de profissão, função ou actividade (art.º 46.º), suspensão da execução da pena de prisão (art.ºs 50.º a 57º), prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º) e a admoestação (art.º 60.º), em relação à multa.
Sabemos que a redacção actual da norma constante do artigo 66º do Código Penal resulta da revisão do Código Penal operada em 1995 com o Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março e teve origem numa Comissão de Revisão, presidida pelo Professor Figueiredo Dias[339].
Na reconstituição do pensamento legislativo sobre o segmento referente ao pressuposto de natureza formal da pena acessória de proibição do exercício de função, interessa notar com particular relevo o entendimento expresso pelo Professor Figueiredo Dias, ainda que a propósito da redacção anterior.
Prescrevia o artigo 66º nº 3 do Código Penal 1982 que a pena de demissão da função pública só pode ter lugar relativamente a crimes punidos com pena de prisão superior a 2 anos.
A este propósito, escreveu o Professor na obra publicada em 1993 (transcrição)[340]:
Sendo a acabada de expor a interpretação preferível do artigo 66º-3, torna-se claro que a aplicação da pena de demissão não é legalmente possível, logo por falta de requisitos formais, se a pena principal for a de prisão superior a 2 anos, mas a execução tiver sido suspensa: a suspensão de execução da prisão é uma pena autónoma (de substituição) e portanto diferente da pena de prisão (infra §494).
Logo acrescenta o Autor, como que antecipando a argumentação a que terá sido sensível o acórdão do TRP de 15-02-2019 (transcrição):
Assim se contraria, é certo, um princípio que a doutrina italiana considera tradicional em matéria de penas acessórias e a que chama princípio da indefectibilidade da pena; princípio, de resto, tão importante que não falta quem queira ver ali a verdadeira razão da existência de penas acessórias, através delas se compensando o “benefício” da suspensão de execução da prisão. Mas, de um ponto de vista politico-criminal, o efeito assim obtido é de repudiar: para “compensar o beneficio” da suspensão estão os deveres e regras de conduta que a podem condicionar (artigoº 49º), sendo para tal fim absolutamente inadequada a pena acessória de demissão.
Assim, suscitando-se a eventualidade de opção pela pena de suspensão da execução de prisão, se o facto revelar um flagrante e grave abuso da função ou manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes ou ainda quando o facto revelar indignidade no exercício do cargo, o tribunal pode impor o cumprimento de deveres e/ou o cumprimento de regras de conduta referentes ao exercício da profissão que se revelarem necessárias, adequadas e proporcionais, ao abrigo do disposto nos artigos 51º e 52º do Código Penal.
Afigura-se-nos que os argumentos de ordem histórica, sistemática e teleológica coincidem no entendimento seguro que a norma hoje constante do artigo 66º nº 1 do Código Penal deve ser interpretada no sentido de que a pena de suspensão de execução de prisão não preenche o pressuposto formal de aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função.
Uma vez que não se verifica uma condenação em pena de prisão efectiva, sendo os arguidos condenados em pena de substituição, de diferente natureza, a pena acessória de proibição de exercício de função não lhes pode ser aplicada.
Os recursos procedem nesta parte e o acórdão recorrido será revogado na parte em que condenou os arguidos AF e MA na pena acessória do art.º 66.º do Código Penal. Perde assim qualquer interesse a apreciação dos restantes fundamentos dos recursos dos arguidos neste âmbito.
Perda alargada de bens
34. O tribunal de primeira instância decidiu julgar o pedido de perda ampliada improcedente, por não provado e, consequentemente, os juízes do mesmo colectivo deliberaram:
- não declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 231.517,55 (duzentos e trinta e um mil quinhentos e dezassete euros e cinquenta e cinco cêntimos) e absolver o arguido AF de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarada perdida a favor do Estado a quantia de €512.673,24 (quinhentos e doze mil seiscentos e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) e absolver os arguidos Z e ZB de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €56.543,78 (cinquenta e seis mil quinhentos e quarenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e absolver o arguido MP de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 717.444,11 (setecentos e dezassete mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e onze cêntimos) e absolver o arguido JA de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €215.839,29 (duzentos e quinze mil oitocentos e trinta e nove euros e vinte e nove cêntimos) e absolver o arguido AS de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €239.682,81 (duzentos e trinta e nove mil seiscentos e oitenta e dois euros e oitenta e um cêntimos) e absolver o arguido PE de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €32.072,30 (trinta e dois mil e setenta e dois euros e trinta cêntimos) e absolver o arguido JG de pagar esse montante ao Estado Português;
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €21.801,06 (vinte e um mil oitocentos e um euros e seis cêntimos) e absolver o arguido PV pagar esse montante ao Estado Português; e
- não declarar perdida a favor do Estado a quantia de €746.417,05 (setecentos e quarenta e seis mil quatrocentos e dezassete euros e cinco cêntimos) e absolver a arguida MA de pagar esse montante ao Estado Português.
A fundamentação desta decisão de improcedência deste pedido de perda ampliada foi, em síntese, a seguinte (transcrição):
“Em face da subsunção jurídica efectuada os arguidos MP, JA, AS, PE, JG e PV, não cometeram nenhum crime.
Pelo que, os respectivos patrimónios não poderão ser alvo de declaração de perda.
Os arguidos AF, Z, ZB e MA cometeram crimes de catálogo: corrupção e tráfico de influência.
E, por outro lado, nos termos do artigo 7.º n.º 1 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro "presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito".
O critério acima enunciado parece poder enquadrar-se no critério legal.
No entanto, em primeiro lugar, haverá que adoptar grandes cautelas na fixação do património financeiro.
Com efeito, na análise das contas bancárias tituladas pelos arguidos haverá que expurgar todos os valores que não constituam uma "entrada fresca" de numerário. São assim de excluir, entre outros, os valores de transferências entre contas bancárias tituladas pelo arguido, valores provenientes de "cash advance" de cartões de crédito, valores provenientes de anulação de movimentos bancários.
Em segundo lugar, na perspectiva do rendimento lícito, aos rendimentos declarados perante a Autoridade Tributária ter-se-á de adicionar outros valores correspondentes a valores obtidos licitamente – inclusive, poder-se-á perspectivar ainda a dedução de valores que embora não obtidos licitamente, tenham sido obtido por via de comportamentos que não integrem a prática de um crime – e que não estão sujeitos a declaração de rendimentos.
Neste universo incluem-se, entre outros, os rendimentos que estão sujeito a taxa liberatória – como os rendimentos financeiros e os valores provenientes de jogos sociais do Estado –, os rendimentos isentos de imposto – como as pequenas doações.
Atenta a factualidade apurada, é de assumir que o trabalho elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Activos esteve longe da exactidão e da certeza exigíveis.
E, esta constatação é por demais evidente quando compaginada com a análise das contas bancária efectuadas pela "Unidade de Perícia Financeira e Contabilística" da Polícia Judiciária, conforme acima se observou.
O Ministério Público deduziu contra o arguido AF pedido de perda a favor do Estado do montante de € 231.517,55.
Analisadas as contas bancárias do arguido AF constata-se que no cômputo dos 5 anos e no conjunto das contas bancárias verificaram-se relevantes depósitos em dinheiro nos seguintes montantes:
- na conta 402……88 "CCAM" (V…T…D…), titulada por AF e AOF a quantia de € 17.820,00 (26/12/2011 e 28/12/2011) e de € 14.000,00 (14/01/2014), que perfaz o montante global de € 31.820,00;
- na conta 0567 ……… 30 "CGD", titulada por AF e AOF (autorizada) a quantia de € 11.100,00 (28/01/2010, 01/02/2010 e 26/08/2010), de € 28.500,00 (13/01/2012, 05/09/2012, 19/09/2012 e 05/12/2012) e de € 10.000,00 (13-01-2014), o que perfaz a quantia global de € 48.600,00.
Não ficou demonstrado que estas quantias tenham tido proveniência ilícita. Pelo contrário, o arguido AF demonstrou a proveniência de todas as importâncias entradas nas suas contas bancárias.
Quanto aos restantes depósitos em numerário nas contas bancárias tituladas pelo arguido AF não existe evidência de terem origem ilícita, na medida em que são pequenas quantias e enquadradas nas quantias recebidas como prendas de familiares.
Na conta 0567 ……… 30 "CGD" consta o montante de € 8500,00 (2013) proveniente da conta da filha do requerido AF e o montante de € 4062,50 (2013) proveniente do arguido JA..
Relativamente a estes montantes não ficou apurada qualquer licitude do respectivo recebimento.
Pelo que, o património do arguido AF não poderá ser alvo de qualquer declaração de perda.
*
O Ministério Público deduziu contra os arguidos Z e ZB um pedido de perda a favor do Estado no montante global de € 512.637,24.
Na acusação/pronúncia é imputada aos arguidos Z e ZB o recebimento de comissões pagas por requerentes de ARI no montante de global de €268.308,11.
De acordo com a análise das contas bancárias efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária foram consideradas com relevo os movimentos bancários efectuados na conta n.º 23…..35 do "Millennium BCP" no montante global de € 272.525,50.
Estes movimentos coincidem quase na integralidade com aqueles referidos na acusação-pronúncia.
Assim sendo, tendo em consideração que a análise efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária sobre as contas bancárias tituladas pelos arguidos Z e ZB fez ressaltar os movimentos efectuados na conta n.º 23…..35 do "Millennium BCP", considerando implicitamente os movimentos verificados nas outras contas bancárias compatíveis com a actividade comercial dos arguidos Z e ZB ao referir "os movimentos de entrada de valores resultam sobretudo de vendas cobradas através de terminais de pagamento automático, sendo que as saídas de valor consistem essencialmente em cheques pagos ao balcão".
No entanto, os arguidos Z e ZB demonstraram qual a proveniência e destino das quantias recebidas pelos requerentes de ARI.
Assim sendo, de acordo com a análise efectuado não existe incongruência no património dos arguidos Z e ZB..
Pelo que, o património dos arguidos Z e ZB não poderá ser alvo de qualquer declaração de perda.
O Ministério Público deduziu contra a arguida MA pedido de perda a favor do Estado do montante de € 746.417,05.
Em relação à arguida MA na conta n.º 0001…….00 "Caixa Geral de Depósitos" em que se encontra domiciliado o vencimento da requerida não existem movimentos injustificados.
Na verdade, as grandes entradas são compostas pelos rendimentos do trabalho e movimentos entre contas bancárias da arguida e do marido.
O remanescente constitui entradas identificadas, com excepção de depósitos em numerário no montante de € 3.500,00 ocorridos em 2010 e depósitos de valores de origem não identificada no montante global de 2.298,61 ocorridos entre 2010 e 2013.
No entanto, foi analisada uma multiplicidade de contas bancárias com movimentos financeiros de montante assinalável.
No entanto, foram dados como justificados os montantes que na tese do Ministério Público foram tratados como património incongruente.
Com efeito, a arguida MA demonstrou que o valor do património tido como incongruente pelo Ministério Público tem uma origem lícita justificada.
E, esta justificação emana do valor em questão ter origem na actividade económica do marido da arguida. No âmbito da qual foram angariados rendimentos que não foram declarados perante a Autoridade Tributária.
E, não o foram por, no entendimento da arguida e do marido, não estão sujeitos a declaração de rendimentos.
Se esses rendimentos devem ou não ser sujeitos a declaração perante a Autoridade Tributária é uma questão que não cabe dirimir neste processo criminal.
Nesta sede, releva determinar a origem dos valores financeiros.
Conforme acima se exprimiu, o âmbito do conceito de "rendimento lícito" não se reduz a rendimentos declarados perante a Autoridade Tributária.
Ora, no caso em análise, os valores financeiros têm uma origem determinada: a actividade económica do marido da requerida. E, não uma qualquer actividade criminosa.
Tanto mais que à arguida não é imputado o recebimento de qualquer quantia monetária.
Pelo que, o património da arguida MA não poderá ser alvo de qualquer declaração de perda”.
No seu recurso, o Ministério Público, argumenta com as seguintes conclusões sobre a improcedência total deste pedido de perda alargada de bens:
“779.ª Entende o recorrente, para além de tudo aquilo que já se disse em sede de recursos interpostos quanto às decisões de arresto decretados nos autos, que o Tribunal recorrido adoptou, em sede de perda alargada, uma interpretação que viola de forma clara o estatuído no artº 7º, nº 1, por referência ao art.º 1.º, n.º 1, al. f), ambos da «Lei n.º 5/2002, norma legal que determina que, em caso de condenação pela prática de um dos crimes de catálogo, se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
780.ª Ou seja, ao adoptar uma interpretação restritiva do preceito do art.º 7.º, nº 1, o Tribunal recorrido limita, ilegalmente, e ao arrepio da ratio e da norma, bem como da história do preceito, o funcionamento da presunção legal em que a mesma se consubstancia uma presunção iuris tantum que inverte o ónus da prova acera da proveniência lícita dos bens, afastando-a nos casos em que apesar de se verificar uma condenação por um dos crime de catálogo, e se haver liquidado património incongruente cuja perda foi regularmente requerida nos autos – como é o caso - o Ministério Público não haja descrito factos e realizado prova de que a actividade objecto de acusação e condenação haja dado origem a vantagens de natureza material, mas tão só a vantagens de natureza imaterial.
781.ª Veja-se, a propósito do arguido AF e da arguida MA, como o Tribunal recorrido faz recair sobre o Ministério Público o ónus da prova da licitude do património incongruente apurado, fazendo a dúvida gerada funcionar contra as pretensões do Estado e não contra os arguidos, afirmando, para mais, que não foram apurados ganhos com a prática. (cf. fls. 2424 e ss.; 2439 e ss. )
782.ª Com efeito, caso tais factos houvessem sido apurados (o nexo causal, directo ou indirecto, entre a actividade e uma dada vantagem material ou imaterial) não haveria necessidade de fazer uso da perda alargada, pois verificando-se um nexo causal da vantagem com o acto ilícito estaríamos no âmbito do funcionamento da perda clássica da vantagem ou do seu valor, no caso em que a primeira não fosse susceptível de ser apreendida em espécie (v. g. o caso das vantagens imateriais)
783.ª Ou seja, mesmo no caso de uma vantagem de natureza imaterial (ex: uma contratação por um dado período de tempo determinável), caso se conseguisse lógica e seguramente converter tal vantagem imaterial num valor patrimonial determinado (por exemplo, o valor pago pela contratação ilegal) seria hoje, face ao quadro legal vigente, viável proceder à perda directa ou clássica de tal valor face ao disposto nos artºs 110.º, n.º 1, al. b), e nº 4 do Código de Processo Penal.
784.ª Ou seja, o Tribunal recorrido confunde o instituto do confisco ampliado com o instituto do confisco clássico, o qual abarca os instrumentos, os produtos e as vantagens dos crimes, ou seja, os que se encontrem numa relação de causalidade com a prática do crime pelo qual se verificou a condenação, e já não o valor correspondente à liquidação do património incongruente o qual não carece de qualquer nexo causal com a actividade criminal.
785.ª Uma vez verificada a condenação por um dos crimes de catálogo, não incumbe ao julgador, a fim de ilidir a presunção ou afastar o seu funcionamento, dar como provado que a actividade ilícita não deu origem em qualquer vantagem patrimonial, com efeito a presunção legal opera sobre a origem ilícita do património, não recaindo sobre o Ministério Público, sequer, que faça prova de que, para além da actividade imputada e condenada o arguido haja nos cinco nos anterior desenvolvido qualquer outra actividade ilícita ou uma carreira criminosa.
786.ª Dada a autonomia da presunção ante os factos objectos da condenação (excepção feita à integração do catálogo legal o qual não pode ser alargado por uma integração analógica), o funcionamento da mesma também não depende de quaisquer juízos de proporcionalidade ou necessidade: ou seja, mesmo num caso em que a condenação pelo crime – pressuposto não se revele particularmente grave, atenta a pena concreta aplicada, não se encontra o juiz legitimado para afastar o funcionamento da presunção e o decretamento da perda do património incongruente, no caso de a presunção não ser ilidida.
787.ª No caso do “Confisco Alargado”, estamos, assim, ante aquilo a que tecnicamente se apoda de “non-conviction based confiscation”, dada a autonomia causal do confisco com a actividade ilícita apurada e objecto de condenação, bastando ao funcionamento da presunção (e confisco) a condenação por um dos crimes de catálogo e o apuramento de um património incongruente com o património lícito do arguido condenado. A presunção não permite, assim, até face à presunção de inocência constitucionalmente consagrada, apurar se o arguido cometeu um dado crime ou se encontra inserto numa carreira criminosa nos últimos cinco anos, em causa está apenas a origem do património do visado, que, em virtude de uma condenação e de uma incongruência patrimonial, se presume ilícito.
788.ª Tal matéria encontra-se intimamente relacionada com a questão da natureza do confisco, o qual, apesar de conexionado com a prática de crime, assume, para alguns autores, o que propugnamos, a natureza de uma reacção não penal, que procura lograr uma ordem patrimonial conforme ao direito, trata-se de uma consequência jurídica do crime sem pressuposição da prova da prova do facto e da culpa. (quanto às vários correntes dogmáticas relativas à natureza do confisco em processo penal, cf. Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues, in a “Recuperação de Activos na Criminalidade Económico-Financeira, Viagem pelas Idiossincrasias de um Regime de Perda de Bens em Expansão”, Ed. SMMP, p. 185 e ss.; Hélio Rigor Rodrigues, in “ O Novo Regime de Recuperação de Activos à Luz da Directiva 2014/42/EU e da Lei que a Transpôs, INCM, 2018, p. 39 e ss.)
789.ª Uma vez operada a presunção, incumbirá ao arguido ilidi-la, nos termos do art.º 9.º, podendo fazê-lo nas três modalidades aí especificadas, não sendo legalmente adequada à ilisão da presunção – por falta de previsão legal e inadequação à natureza da presunção - a alegação e prova de que a actividade pela qual foi condenado apenas lhe granjeou vantagens de natureza imaterial.
790.ª Ora, não tendo sido ilidida a presunção legal, deveria o Tribunal recorrido ter declarado perdido a favor do Estado os montantes cuja origem não ficou positivamente demonstrada de forma inequívoca, e não, como o fez, não decretar o arresto, em caso de dúvida acerca da origem, mormente por considerar que não foram imputados aos arguidos, como no caso da arguida MA, a percepção de vantagens materiais.
791.ª O não afastamento pelos arguidos da presunção legal resulta, aliás, evidenciado na matéria de facto dada como provada acerca de tal matéria, a fls. 2032 e seguintes do Acórdão recorrido, da qual não se lobriga em que factos e prova fez o Tribunal assentar a sua convicção quanto à origem de tais valores incongruentes detectados no património dos arguidos. Designada e especialmente, qual a concreta origem dos avultados depósitos em numerário (mais de 70.000€) verificados nas contas do arguido AF..
792.ª Omissão esta, em sede de pronúncia quanto à matéria de facto, que configura, igualmente, a nulidade do artº 379º, nº1, al. c) do CPP.
793.ª Pelo exposto, entende-se que ao assim decidir, o Tribunal recorrido violou a norma do art.º 7.º, nº 1, por referência ao art.º 1º, n.º 1, al. d) e f), ambos da Lei n.º 5/2002, norma legal que determina que, em caso de condenação pela prática de um dos crimes de catálogo, se presume constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, tendo excluído o funcionamento da presunção e a inversão de ónus de prova que acarreta no caso de dúvidas acerca da proveniência do património incongruente e, ainda, no caso de o crime de catálogo não ter gerado vantagens dadas como provadas. Devendo, assim, nesta parte, ser o acórdão revogado, e, confirmando-se as condenações dos arguidos e dado provimento ao presente recurso quanto à decisão de absolvição, ser declarado perdido a favor do Estado o valor da incongruência patrimonial liquidado nos autos”.
Responderam a esta matéria do recurso do Ministério Público os arguidos AF, Z, ZB e MA, defendendo a improcedência do recurso a manutenção da decisão de improcedência dos pedidos de perda ampliada de bens. Sendo que a arguida MA, na sua resposta a esta matéria, ainda suscita a intempestividade da liquidação de bens e da inerente perda ampliada de bens.
Cumpre apreciar destes fundamentos do recurso do Ministério Público, sendo que no seu pedido a este tribunal recurso se pede para apreciar se o tribunal recorrido, ao condenar pela prática de um dos crimes inserido no catálogo legal, deixou de aplicar a presunção que dita constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Esta matéria da perda “ampliada” ou “alargada” de bens entrecruza-se com as noções de “recuperação de ativos” e “confisco”. Vamos conceder a essas definições um sentido mais prático e apto a desempenhar a pretendida função na matéria aqui em apreço.
A noção de perda de bens ou confisco de que aqui tratamos está legal e convencionalmente definida em termos suficientemente amplos:
-“perda de bens” ou “confisco de bens” é a perda definitiva de bens por decisão de um tribunal ou outra autoridade competente – Art.º 2.º, alínea g), da Convenção da O.N.U. contra a Corrupção, conhecida por “Convenção de Mérida”; e -“perda” ou “confisco” será, pois, uma sanção ou medida decretada por um tribunal em consequência de um processo relativo a uma ou várias infrações penais, que conduz à privação definitiva de um bem a favor do Estado, portanto relativa à perda de produtos, instrumentos e bens (perda de valores, rendimentos, vantagens e recompensas) relacionados com o crime.
Quanto à “recuperação de ativos” ela pode ser definida enquanto atividade (administrativa e processual) tendente a identificar, apreender e confiscar, bem como a dar destino, aos bens e valores resultantes da prática (ou com ela relacionados) de um crime (ou crimes) de corrupção, de branqueamento de capitais, de tráfico de estupefacientes ou de igual gravidade, como o terrorismo ou a criminalidade organizada.
Isto é, encontram guarida nestas definições:
i) quer a modalidade tradicional de perda ou confisco (que ocorre relativamente aos benefícios resultantes de um crime cuja prática um tribunal der por provada);
ii) quer a modalidade de perda alargada ou confisco alargado (“extended forfeiture”, “non-conviction based confiscation”, “confiscation élargie”, “decomiso ampliado”, “erweiterte Verfall”, nas suas diversas terminologias comparadas), que ocorre relativamente aos benefícios ou ativos de uma conduta criminosa genérica, de toda uma conduta criminosa passada.
Sabe-se que a par do regime clássico da perda de bens que sobressai das codificações penais e processuais penais (Código Penal e Código de Processo Penal), ainda assim com diferenças que cumpre dissolver, se começa a evidenciar cada vez mais o seu alargamento e a sua desvinculação à própria condenação penal. Trata-se de um movimento global que acompanha a reforma das ordens jurídicas nacionais e é muito devedor da prática dos instrumentos internacionais que têm sido produzidos no âmbito do combate à corrupção, ao branqueamento de capitais e à criminalidade organizada.
Consultem-se sobre estas modalidades de perda de bens, sobre a sua natureza e sobre a sua caracterização comparada, Pedro Caeiro, "Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade reditícia (em especial, os procedimentos de confisco IN REM e a criminalização do enriquecimento "ilícito")" in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 21, no 2 (Abr-Jun 2011), pp. 277-292; Figueiredo Dias, 2005, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 628-638; José M. Damião da Cunha, “Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002”, Biblioteca de Investigação, 2017, Lisboa: Universidade Católica, pp. 19-41; Euclides Dâmaso Simões e José Luís F. Trindade, "Recuperação de Activos: da Perda alargada à Actio in Rem (Virtudes e defeitos de remédios fortes para patologias graves)" in Julgar Online 2009, pp. 2-10; Anna Maria Maugeri, “I modelli de sanzioni patrimoniale nel dirito comparato” in Relazione per l’incontro di studio sul tema: I património illeciti: strumenti investigativi e processual. Il coordinamento trai l processo penale e di prevenzione, organizzato dal CSM a Roma, nei giorni, 4-6 marzo 2009, disponível em http://www.progettoinnocenti.it/dati/2101documenti%20csm.pdf., pp. 9-119, e Katalin Ligeti e Michele Simonato, 2017, “Asset Recovery in the EU: Towards a Comprehensive Enforcement Model beyond Confiscation? An Introduction.”, in Katalin Ligeti e Michele Simonato (eds.) Chasing Criminal Money: Challenges and Perspectives on Asset Recovery in the EU, Oxford: Hart Publishing, pp. 1-22.
Os meios utilizados para esconder, ocultar e dissimular a origem criminosa dos proventos e lucros destas atividades ilícitas são muito sofisticados.
Na investigação criminal sempre se procurou identificar e localizar os instrumentos e produtos dos crimes. Mas quando se trata de procurar os proventos neste tipo de criminalidade, a investigação tradicional e os meios que esta utiliza não são suficientes. Os mecanismos investigatórios têm de acompanhar os fluxos financeiros necessariamente fluídos e ocultos, direcionados à identificação, localização e apreensão dos bens do suspeito. É necessário seguir o rasto do produto do crime.
Em primeiro lugar, porque a sua localização e conhecimento do caminho que seguiu é essencial para a prova do crime e, em segundo lugar, porque a sua localização pode permitir a apreensão e a futura declaração de perda a favor do Estado.
Esta investigação tem necessariamente de ser articulada com mecanismos de prevenção e deteção que são despoletados em diversas fases da intervenção reguladora e de supervisão de diversas entidades (maxime de cariz financeiro, como são as unidades de tratamento de informação financeira), num domínio de atuação colaborativa e de cumprimento de regras de conduta de compliance e de prevenção do risco.
A perda ou a recuperação dos bens provenientes das atividades criminosas (o confisco dos bens) serve basicamente três objetivos: a) o de acentuar os intuitos de prevenção geral e especial, através da demonstração de que o crime não rende benefícios;
b) o de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes, propiciando, pelo contrário, a sua aplicação na indemnização das vitimas, na reintegração do erário público e no apetrechamento das instituições de combate ao crime; e
c) o de reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado, resultantes do investimento de lucros ilícitos nas atividades empresariais.
O estabelecimento de regimes eficazes de apreensão e confisco ou perda de bens tem, por isso, sido uma constante, quer nos principais instrumentos internacionais produzidos no seio das Nações Unidas, quer nas mais recentes produções do direito das várias comunidades regionais (v.g. União Europeia, Conselho da Europa, União Económica e Monetária Oeste Africana (UEMOA), Comunidade Económica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO), Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), Mercosul) ou nas recomendações resultantes das agências e instituições internacionais mais influentes nestes domínios (v.g. Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)), grupo de natureza intergovernamental que é responsável por definir, a nível global, os padrões internacionais em matéria de prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo e à proliferação de armas de destruição massiva).
Poderá mesmo dizer-se que se vai firmando uma ideia de superação da prisão como fulcro da reação penal em favor de soluções que viabilizem o “asfiXmento económico” do agente do crime, isto é, que facilitem a apreensão dos bens, produtos e instrumentos da sua atividade criminosa, atual ou passada, e a sua perda ou confisco.
Veja-se, assim, que na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (conhecida como Convenção de Mérida), concluída em 31/10/2003, o seu Art.º 31.º dispõe que:
“1- Os Estados Partes deverão adotar, na medida em que o seu sistema jurídico interno o permita, as medidas que se revelem necessárias para permitir a perda:
a) Do produto das infraçõeses previstas na presente Convenção ou de bem cujo valor corresponda ao desse produto;
b) Dos bens, equipamentos e outros instrumentos utilizados ou destinados a ser utilizados na prática das infrações previstas na presente Convenção.
2 — Os Estados Partes deverão adotar as medidas que se revelem necessárias para permitir a identificação, a localização, o congelamento ou a apreensão dos bens referidos no n.o1 do presente artigo, para efeitos de eventual perda.
3 — Cada Estado Parte deverá adotar, em conformidade com o seu direito interno, as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para regulamentar a gestão por parte das autoridades competentes dos bens congelados, apreendidos ou declarados perdidos, previstos nos n.ºs 1 e 2 do presente artigo.
4 — Se o produto do crime tiver sido convertido, no todo ou em parte, noutros bens, estes últimos deverão ser objeto das medidas previstas no presente artigo, em substituição do referido produto.
5 — Se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens deverão, sem prejuízo das competências de congelamento ou apreensão, ser declarados perdidos até ao valor calculado do produto com que foram misturados.
6 — As receitas ou outros benefícios obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o produto tenha sido transformado ou convertido ou os bens com que tenha sido misturado podem ser objeto também das medidas previstas no presente artigo, da mesma forma e na mesma medida que o produto do crime.
7 — Para efeitos do presente artigo e do Art.º 55.º, cada Estado Parte deverá habilitar os seus tribunais ou outras autoridades competentes para ordenarem a apresentação ou a apreensão de documentos bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes não poderão invocar o sigilo bancário para se recusarem a aplicar as disposições do presente número.
8 — Os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração demonstre a proveniência licita do presumido produto do crime ou de outros bens que possam ser objeto de perda, na medida em que este requisito seja compatível com os princípios do seu direito interno e com a natureza do procedimento judicial ou outros.
9 — As disposições do presente artigo não deverão, em circunstância alguma ser interpretadas de modo a prejudicar os direitos de terceiros de boa fé.
10 — Nenhuma das disposições do presente artigo deverá prejudicar o principio segundo o qual as medidas nele previstas são de definidas e aplicadas em conformidade com o direito interno de cada Estado Parte e segundo as disposições deste direito”.
Assinale-se que tanto nesta como na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, concluída em Viena (conhecida como Convenção de Viena), em 20 de Dezembro de 1988, ou na Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional (conhecida como Convenção de Palermo), concluída em Nova Iorque, em 15 de Novembro de 2000, encontramos as seguintes recomendações adicionais:
— os Estados Partes deverão adotar as medidas necessárias para permitir a identificação, a localização, o congelamento ou a apreensão dos bens referidos para efeitos de eventual perda;
— se o produto do crime tiver sido convertido, total ou parcialmente, noutros bens, estes últimos podem ser objeto das mesmas medidas de apreensão e perda, em substituição do referido produto;
— se o produto do crime tiver sido misturado com bens adquiridos legalmente, estes bens poderão, sem prejuízo das competências de congelamento ou apreensão, ser declarados perdidos até ao valor calculado do produto com que foram misturados;
— as receitas ou outros benefícios obtidos com o produto do crime, os bens nos quais o produto tenha sido transformado ou convertido ou os bens com que tenha sido misturado podem ser objeto também das referidas medidas, da mesma forma e na mesma medida que o produto do crime; e
— os Estados Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração demonstre a proveniência licita do presumido produto do crime ou de outros bens que possam ser objeto de perda, na medida em que esta exigência esteja em conformidade com os princípios do seu direito interno e com a natureza do processo ou outros procedimentos judiciais.
Além do que, relativamente aos crimes de:
• tráfico de estupefacientes (Art.º 3.º, n.º 1, da Convenção de Viena);
• participação num grupo criminoso organizado, branqueamento de capitais, corrupção, criminalização da obstrução à justiça e todos os crimes puníveis com uma pena privativa de liberdade de máximo não inferior a 4 anos sempre que estas infrações sejam de natureza transnacional e envolvam um grupo criminoso organizado (Art.ºs 3.º, n.º 1, 5.º, 6.º, 8.º e 23.º, da Convenção de Palermo); e
• corrupção de agentes públicos nacionais, agentes públicos estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas, peculato, tráfico de influência, abuso de funções, enriquecimento ilícito, corrupção e peculato no sector privado, branqueamento do produto do crime, e obstrução à justiça (Art.ºs 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º da Convenção de Mérida);
os Estados Partes são convidados a adotar medidas:
— para permitir a perda dos instrumentos, dos produtos e do valor equivalente a esses produtos;
— para habilitar os tribunais e outras autoridades competentes para ordenar a apresentação dos registos bancários e outros elementos de prova a fim de facilitar a identificação, congelamento e determinação de perda de bens.
Nestas três Convenções também se estipula que as disposições normativas correspondentes não podem ser interpretadas em prejuízo dos direitos de terceiros de boa fé.
São também referências internacionais Conselho da Europa, onde merece realce a Convenção Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime, do Conselho da Europa, concluída em Estrasburgo, em 8 de Novembro de 1990.
Os Estados membros do Conselho da Europa e os restantes Estados signatários desta Convenção, considerando que a luta contra a criminalidade grave «exige o emprego de métodos modernos e eficazes a nível internacional» e «Convencidos de que um desses métodos consiste em privar o delinquente dos produtos do crime», entre outras medidas, constantes da aludida convenção, estabeleceram, no n.º 1 do Art.º 2.º que «Cada uma das Partes adota as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para lhe permitirem decretar a perda de instrumentos e produtos, ou bens cujo valor corresponda a esses produtos».
Ainda neste mesmo sentido, a Convenção do Conselho da Europa Relativa ao Branqueamento, Deteção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime e ao Financiamento do Terrorismo, concluída em Varsóvia, em 16 de Maio de 2005, sob a epígrafe «Medidas de Perda», dispõe no n.º 1 do seu Art.º 3.º que «Cada uma das Partes adotará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para poder decretar a perda de instrumentos, de bens branqueados e de produtos ou bens cujo valor corresponda a tais produtos», acrescentando ainda no n.º 4 que «Cada uma das Partes adotará as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para exigir, em caso de uma ou mais infrações graves, de acordo com a definição do seu direito interno, que o autor declare a origem dos seus bens suspeitos de constituírem produtos ou de outros bens passíveis de perda, na medida em que tal exigência seja compatível com os princípios do seu direito interno».
Também no âmbito do ordenamento jurídico da União Europeia se podem encontrar alguns instrumentos que apontam no mesmo sentido, particularmente desde o Tratado de Amesterdão e do Conselho Europeu de Amesterdão, de 16 e 17 de Junho de 1997, que adotou o primeiro Plano de Ação de luta contra a criminalidade organizada.
Posteriormente, e na mesma linha desta estratégia, a Decisão-Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de Junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, deteção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime (cfr., JO L 182, de 05.07.2001), e a Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (cfr., JO L 68, de 15.03.2005).
Ainda sobre esta matéria, a Decisão-Quadro 2006/783/JAI do Conselho, de 6 de Outubro de 2006, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às decisões de perda, vem novamente reiterar que «a principal motivação da criminalidade organizada é o lucro. Por conseguinte, para ser eficaz, qualquer tentativa de prevenir e combater essa criminalidade deverá centrar-se na deteção, congelamento, apreensão e perda dos produtos do crime. Não basta assegurar meramente o reconhecimento mútuo, na União Europeia, de medidas jurídicas temporárias, como o congelamento e a apreensão; um controlo eficaz da criminalidade económica exige também o reconhecimento mútuo das decisões de perda dos produtos do crime» (considerando 7), salientando, relativamente Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, que o objetivo da mesma «(...) consiste em assegurar que todos os Estados-Membros disponham de regras eficazes aplicáveis à perda dos produtos do crime, nomeadamente no que se refere ao ónus da prova relativamente à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada pela prática de uma infração relacionada com a criminalidade organizada» (considerando 8).
Mais recentemente, a Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime (cfr. JO L 127, de 29.04.2014), que entrou em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação (cfr. artigo 15.o da Diretiva), veio estabelecer «regras mínimas para o congelamento de bens tendo em vista a eventual perda subsequente e para a perda de produtos do crime» (cfr. Art.º 1.º), a adotar pelos Estados-Membros.
Passando agora para o domínio da soft law, as Recomendações do GAFI (Fevereiro de 2012), designadamente as respeitantes à perda de bens e medidas provisórias (4./R.3), à responsabilidade das autoridades de aplicação da lei e de investigação (30. e 31./R.27. e R.28), às estatísticas (33./R.32) e ao auxílio judiciário mútuo na vertente do congelamento de bens (38./R.38), que para além de recomendarem a adoção das medidas previstas nas convenções internacionais de referência acima citadas, também desenvolvem outras medidas à luz das necessidades integradas de uma realidade internacional que se globaliza cada vez mais. As recomendações n.ºs 4. e 38. são acompanhadas por um conjunto de boas práticas no que respeita à perda de bens e à recuperação de ativos, que incluiu um esquema prático para a concretização dessas medidas.
Ainda neste universo da soft law, assinale-se a Lei-Modelo sobre o Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo das Nações Unidas (2005), editada pelo United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em Dezembro de 2005, que procura estabelecer um esquema normativo indicativo que possa ser seguido, definindo um quadro mais harmonizado que possa desenvolver os princípios e as soluções avançadas nas recomendações internacionais.
Esta Lei-Modelo no seu título V, respeitante às medidas e procedimentos penais, destaca um capítulo I com dois preceitos sobre medidas provisórias e congelamento de fundos associados com o financiamento do terrorismo (Art.ºs 5.1.1 e 5.1.2), um capítulo III com três preceitos sobre o confisco de bens e direitos e a anulação de negócios (Art.ºs 5.3.1, 5.3.2 e 5.3.3), e um capítulo IV (opcional) respeitante à consagração de uma autoridade central de recuperação de ativos e administração de bens (Art.ºs 5.4.1 e 5.4.2).
Como resulta do acima transcrito, são frequentes, nestes instrumentos normativos de direito internacional, as referências à possibilidade de inversão do ónus da prova ou, pelo menos, de tornar menos rigorosas as disposições em matéria de ónus da prova, no que se refere à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada por determinados crimes relacionados com a criminalidade organizada, com a ressalva de tal tipo de medidas ser compatível com os princípios do seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais.
O regime geral típico de perda de objetos e vantagens, em Portugal, está legalmente definido nos Art.ºs 109.º a 111.º do Código Penal. O Art.º 109.º visa os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos; o 110.º regula a situação em que os objetos pertencem a terceiro; o 111.º dirige-se às recompensas dadas ou prometidas aos agentes de um facto ilícito típico, às coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie; às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
O Decreto-Lei n.º 15/93 (Lei de prevenção e combate ao tráfico de estupefacientes) tem um regime especial de perda de objetos e vantagens relacionados com os crimes previstos nesse diploma.
O Art.º 35.º deste último diploma estabelece que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos - n.º 1. As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas anexas são sempre declaradas perdidas a favor do Estado - n.º 2. O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto - n.º 3. Por seu turno, o seu Art.º 36.º visa já as coisas ou direitos relacionados com o facto. Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infração prevista nesse diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado - n.º l. São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa-fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem - n.º 2. Tal aplica-se aos direitos, objetos ou vantagens obtidos mediante transação ou troca com os direitos, objetos ou vantagens diretamente conseguidos por meio da infração. - n.º 3. Se a recompensa, os direitos, objetos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor - n.º 4. O n.º 5 pretende eliminar quaisquer dúvidas e declara expressamente que estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna. O Art.º 36.º-A acautela a possibilidade de defesa dos direitos de terceiros de boa-fé. O Art.º 37.º dirige-se aos bens transformados, convertidos ou misturados. Se as recompensas, objetos, direitos ou vantagens a que se refere o Art.º 36.º tiverem sido transformados ou convertidos em outros bens, são estes perdidos a favor do Estado em substituição daqueles - n.º 1. Se as recompensas, objetos, direitos ou vantagens a que se refere o Art.º 36.º tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, são estes perdidos a favor do Estado até ao valor estimado daqueles que foram misturados - n.º 2. O Art.º 38.º amplia o âmbito da perda, alargando-a aos juros, lucros e outros benefícios obtidos com os bens referidos nos Art.ºs 35.º a 37.º.
O legislador português, em consonância com medidas internacionais e combate à criminalidade organizada e de cariz económico e financeiro, ao lado da perda dos instrumentos e produtos do crime (Art.º 109.º do Código Penal) e da perda das suas vantagens (Art.º 111.º do mesmo diploma legal), criou um regime de perda ampliada ou alargada (Art.ºs 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), que abrange bens que o Ministério Público não tenha conseguido relacionar com um qualquer crime concreto.
Esta Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro que visou estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, criou, na verdade, um regime de perda ampliada (Art.ºs 7.º a 12.º), que é aplicável, apara além do mais, aos crimes de tráfico de estupefacientes, tráfico de precursores, branqueamento de capitais, corrupção e associação criminosa, para além de outros.
Segundo se prescreve no Art.º 1.º dessa lei (que estabelece o catálogo de crimes para aplicação do regime):
“1 - A presente lei estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de:
a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
b) Terrorismo, organizações terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo;
c) Tráfico de armas;
d) Tráfico de influência;
e) Recebimento indevido de vantagem;
f) Corrupção ativa e passiva, incluindo a praticada nos setores público e privado e no comércio internacional, bem como na atividade desportiva;
g) Peculato;
h) Participação económica em negócio;
i) Branqueamento de capitais;
j) Associação criminosa;
l) Pornografia infantil e lenocínio de menores;
m) Dano relativo a programas ou outros dados informáticos e a sabotagem informática, nos termos dos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e ainda o acesso ilegítimo a sistema informático, se tiver produzido um dos resultados previstos no n.º 4 do artigo 6.º daquela lei, for realizado com recurso a um dos instrumentos referidos ou integrar uma das condutas tipificadas no n.º 2 do mesmo artigo;
n) Tráfico de pessoas;
o) Contrafação de moeda e de títulos equiparados a moeda;
p) Lenocínio;
q) Contrabando;
r) Tráfico e viciação de veículos furtados.
2 - O disposto na presente lei só é aplicável aos crimes previstos nas alíneas p) a r) do número anterior se o crime for praticado de forma organizada.
3 - O disposto nos capítulos ii e iii é ainda aplicável aos demais crimes referidos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro.
4 - O disposto na secção ii do capítulo iv é ainda aplicável aos crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, quando não abrangidos pela alínea m) do n.º 1 do presente artigo.”
Estabelece-se no Art.º 7.º da mesma lei que, em caso de condenação pela prática de crime referido no Art.º 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (património incongruente).
Do que se trata, afinal, é da perda de um valor. O valor correspondente à diferença entre o valor do património total do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. É esse valor do património incongruente que se presume constituir vantagem de atividade criminosa e que, em caso de condenação pela prática de algum ou alguns dos crimes catalogados no Art.º 1.º daquele diploma legal, será declarado perdido a favor do Estado. Nos argumentos do próprio legislador: “pode acontecer … que se tratando de uma atividade continuada, não se prove no processo a conexão entre os factos criminosos e a totalidade dos respetivos proventos”, justificando-se a aplicação de um regime probatório menos exigente, construído com base na presunção da ilicitude do património desconforme. O que está em causa já não são apenas as vantagens diretamente resultantes da prática do crime, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue, de qualquer forma lícita, justificar.
Para efeitos da mesma lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens: a) que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no Art.º 111.º do Código Penal.
O Ministério Público liquida, na acusação ou, não sendo possível, até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado – Art.º 8.º.
Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar, por qualquer meio de prova válido em processo penal, a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do Art.º 7.º - Art.º 9.º.
Na sentença condenatória, o tribunal declara o valor que deve ser perdido a favor do Estado – Art.º 12.º, n.º 1.
Por isso, pode-se afirmar que o sistema legal português atual contempla: a) a perda clássica dos instrumenta/producta sceleris (Art.ºs 109.º e 110.º, do Código Penal); b) a perda clássica das vantagens do crime (Art.ºs 111.º e 112.º, do Código Penal); c) a perda alargada (Art.º 7.º e ss. da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), que consagra um sistema de confisco, nos termos do qual «se presume constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito (Art.º 7.º, n.º 1).
O nosso Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização concreta, sobre a constitucionalidade deste regime de perda ampliada, considerando-o conforme à Constituição porque concluiu não existir violação do princípio da presunção de inocência, nem do direito do arguido ao silêncio, nem à estrutura acusatória do processo penal. Assim, sucedeu nos acórdãos n.ºs 101/2015 e 392/2015. Deste último retiramos os seguintes excertos:
«[...] no regime previsto nas normas questionadas nos presentes autos que regulam o incidente de perda de bens enxertado no processo penal, a necessidade de o arguido carrear para o processo a prova de que a eventual incongruência do seu património tem uma justificação, demonstrando que os rendimentos que deram origem a tal património têm uma origem lícita, não coloca em causa a presunção de inocência que o mesmo beneficia quanto ao cometimento do crime que lhe é imputado naquele processo, nem de qualquer outro de onde possa ter resultado o enriquecimento. E também não inviabiliza o direito ao silêncio ao arguido, não se vislumbrando em que medida da demonstração da origem lícita de determinados rendimentos possa resultar uma autoincriminação relativamente ao ilícito penal que lhe é imputado nesse processo, e muito menos um desvio à estrutura acusatória do processo penal. Não se descortina, pois, que exista um perigo real daquela presunção, que opera num incidente de perda de bens tramitado no processo penal respeitante ao crime cuja condenação é pressuposto da aplicação desta medida, contaminar a produção de prova relativa à prática desse crime.
Por estas razões se conclui que a presunção legal estabelecida nos Art.ºs 7.º e 9.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, não viola o princípio da presunção de inocência, nem o direito do arguido ao silêncio, nem a estrutura acusatória do processo penal.»
«[...] o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.2 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Desde logo, como vimos, o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do Estado deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformidade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a presunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei 5/2002 de 11 de janeiro (artigo 9.º, n.º l, do mesmo diploma).»
Para além deste regime geral, tripartido, existem ainda diversas normas extravagantes que, não introduzem grandes alterações ao modelo, mas que procuram facilitar o confisco dos produtos e das vantagens do crime, mesmo em ambiente de cooperação internacional. Salientam-se, aqui, os seguintes diplomas: - ações encobertas - Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto; medidas de combate à corrupção - Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril; - emissão e execução de decisões de Apreensão de Bens ou Elementos de Prova na U. E. - Lei n.º 25/2009, de 05 de Junho; - emissão e execução de decisões de Perda Instrumentos, Produtos e Vantagens do Crime - Lei n.º 88/2009, de 31 de Agosto; - gabinete de recuperação de ativos - Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho; - medidas de combate à Corrupção e Criminalidade económica e financeira - Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro; - medidas de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo - Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto; - Núcleo de Assessoria Técnica (NAT), assessoria e consultadoria técnica ao Ministério Público em matéria económica, financeira, bancária, contabilística e de mercado de valores mobiliários - Lei n.º 1/97, de 16 de Janeiro; - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro; responsabilidade penal por Crimes de Corrupção no Comércio Internacional e na Atividade Privada - Lei n.º 20/2008, de 21 de Abril; - Resolução do Conselho de Ministros n.º 88/2015, de 6 de Outubro, que cria a Comissão de Coordenação das Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, em cumprimento da obrigação de cada Estado Membro designar à Comissão Europeia uma autoridade ou instituir um mecanismo para coordenar a resposta nacional relativa aos riscos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, nos termos da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/5/2015 ; e Decreto-lei n.º 166/98 de 25 de Junho, com o sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado (SCI) - DL n.º 166/98, de 25 de Junho.
Saliente-se, por último lugar, a entrada em vigor da Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, que transpôs a atrás identificada Diretiva 2014/42/UE, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, e alterou: a) a mencionada Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira; b) a Lei n.º 34/2009, de 14 de Julho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial; c) a Lei n.º 45/2011, de 24 de Junho, que cria, na dependência da Polícia Judiciária, o Gabinete de Recuperação de Ativos; d) o Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, que remodela o atual sistema de registo da propriedade automóvel; e) o Código Penal; f) o Código do Registo Predial; g) o Código do Registo Comercial; h) o Código de Processo Penal; i) o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras; j) a Lei geral tributária; e k) o Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho, que aprova a orgânica do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.
Essa lei procedeu, ainda, à criação de uma obrigação de recolha e de comunicação de dados estatísticos referentes à apreensão e à aplicação de medidas de garantia patrimonial em processo penal, bem como ao destino final que os bens por elas abrangidos tiveram, nomeadamente a restituição, o envio a autoridade de outro Estado em cumprimento de pedido de cooperação judiciária internacional ou a declaração de perda a favor do Estado.
Mas não deixa de ser complexa a cartografia da perda de bens e do confisco. Trata-se de um território de alguma instabilidade de definições e conceitos que decorre da importação de institutos e modelos legais dos sistemas de common law onde surgiram primeiro e onde foram mais desenvolvidas as medidas legais que temos vindo a caracterizar neste círculo alargado da prevenção e combate destes fenómenos criminais.
Seguimos de perto a explanação de José M. Damião da Cunha, “Perda de bens a favor do Estado”, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, CEJ, Coimbra Editora, 2004, págs. 121-164; de João Conde Correia, “Apreensão ou Arresto Preventivo dos Proventos do Crime” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 25, N.ºs 1 a 4 (Janeiro-Dezembro), 2015, pp. 505-543; de Hélio Rigor Rodrigues, 2018, “O Confisco das Vantagens do Crime: Entre os direitos dos homens e os deveres dos Estados. A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em matéria de confisco”, in Maria Raquel Desterro Pereira, Elina Lopes Cardoso e João Conde Correia (coords.) O Novo Regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42UE e da Lei que a Transpôs, Lisboa: Imprensa Nacional, pp. 45-57
Em geral, sobre as sanções patrimoniais no direito penal actual, consulte-se Anna Marie Maugeri, 2001, La Moderne Sanzioni Patrimoniali Tra Funzionalità e Garantismo, Milano: Giuffrè Editore, em especial pp. 503-538.
Assim, o conceito de “congelamento” que aparece assinalado em diversas convenções não será mais de que um conjunto variado de medidas, todas elas compatíveis com a noção alargada de apreensão e tendentes a salvaguardar os bens ou direitos, o que admite até a utilização do arresto preventivo.
Estas garantias processuais penais irão incidir (âmbito de aplicação) numa pluralidade de realidades: instrumentos e produtos do crime, vantagens diretas e indiretas (lucro, preço ou recompensa pela prática do crime, mas também incrementos patrimoniais, e valor sucedâneo das vantagens), para além do património incongruente.
Por seu turno, elas podem assumir alguma variedade quanto à sua forma e natureza instrumental (âmbito de previsão): apreensão, caução económica, arresto preventivo e arresto para perda alargada. E até podem ser acionadas cumulativamente num dado processo.
Assim, consultem-se os autores acima citados, e, ainda, Sofia dos Reis Rodrigues, “Dos Meios de Impugnação das Garantias Processuais Penais do Confisco”, in Maria Raquel Desterro Pereira, Elina Lopes Cardoso e João Conde Correia (coords.) O Novo Regime de Recuperação de Ativos à Luz da Diretiva 2014/42UE e da Lei que a Transpôs, Lisboa: Imprensa Nacional, pp. 265-292.
A apreensão, na sua definição ampla, tem vindo a ganhar uma dupla natureza, pois da sua constituição primeira como meio de obtenção da prova passou também a ser uma garantia patrimonial processual penal, isto é, uma garantia que se efetiva a perda dos bens ligados com o crime. A uma finalidade probatória acrescentou-se uma finalidade conservatória.
Esta “apreensão” em sentido amplo que pode até ser realizada por um Gabinete de Recuperação de Ativos, comporta na sua previsão a apreensão stricto sensu, o arresto preventivo e o arresto para efeitos de perda alargada.
O arresto para efeitos de perda alargada apenas deverá ter lugar nas referidas situações de património incongruente, em que se presume a existência de um ganho patrimonial proveniente da prática de um ilícito criminal quando se verifica um acréscimo patrimonial num dado período temporal (antes e depois da prática do facto criminal), portanto uma razoável desconformidade do património do agente criminoso com o rendimento lícito.
O que se pretende é que não se espere pela conclusão de uma investigação para se decidir proceder à apreensão dos proventos do crime, de outros bens de valor equivalente, de fundos ou bens com os quais o produto do crime tenha sido misturado. Portanto, ainda que provisoriamente, podem ser decididos o congelamento e a apreensão.
O eventual confisco ou perda do valor patrimonial incongruente, a final, não se pode confundir, como é óbvio, com a perda do equivalente do valor das recompensas e vantagens emergentes da prática de um qualquer crime em concreto.
O mencionado instituto da perda de bens a favor do Estado e liquidação previstas nos Art.ºs 7.º e 8.º, ambos da Lei 5/02, de 11-01, como sanção não penal que é, escapa, na sua determinação, a factores relacionados com o crime, designadamente a gravidade do ilícito, a gravidade da pena e o grau de participação do condenado, o respectivo procedimento é autónomo, iniciando-se por um acto autónomo (a liquidação), possuindo uma estrutura própria, pelo menos probatória, de índole radicalmente diversa da do processo principal.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência maioritárias têm sublinhado que a “perda alargada” ou confisco não constitui uma sanção penal, pois que a sua causa não é um facto típico, ilícito e culposo punível, mas sim um património incongruente acoplado a indícios da prática de certos crimes (a “actividade criminosa”); configura-se, assim, como uma medida de natureza não penal, mais ou menos aparentada às sanções administrativas ou medidas de segurança ou mesmo de cunho civil, na linha da opinião diversificada dos autores acima citados.
Alinhando com a posição de Damião Cunha que depois de referir a natureza do instituto de confisco nas ordens jurídicas estrangeiras – holandesa e italiana – afirma, peremptoriamente, que “a perda de bens e/ou confisco são actos (autoritários) de direito público e manifestações de um poder sancionador, senão mesmo punitivo, do Estado” – assim, José M. Damião da Cunha, “Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002”, ob. cit., pp. 19.
Tratando-se de uma manifestação sancionatória (sanção) que tem a sua origem, ou nasce, da presunção de uma actividade ilícita – extraída e estendida da acusação por um concreto e especifico tipo de ilícito, qualificado, ou tipificado, na lei (penal) como crime – haverá de concluir-se que, como se disse, a justificação (legal) do pedido de liquidação da quantia adveniente dessa actividade – que, naturalmente, não é por si mesma líquida – tem de radicar, ou basear-se, na indicação de uma factualidade – bens móveis e imóveis existentes na titularidade/património do arguido e familiares directos, dinheiro existente em contas bancárias, aplicações financeiras e outros valores que se presuma não poder ter sido adquiridos a não por meio de proventos advenientes de uma actividade ilícita (Art.º 7.º, n.º 1 e respectivas alíneas da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro) – que para além do facto ilícito imputado no processo, demonstre que o arguido obteve um património que não é condizente, paragonado, ou isonómico com a actividade (lícita) que lhe é conhecida e/ou com as declarações obrigatórias que tem de apresentar perante as autoridades competentes.
Incidente que assume, na sua especifica tramitação, uma feição ou contornos jurídico-processuais de índole administrativa – o que vale dizer civilista, já que o direito processual administrativo remete para o direito processual civil – incoa com o requerimento do Ministério Público – que deve ser notificado ao arguido – para ser julgado, a final, em audiência de discussão e julgamento com a causa principal, ou seja com o(s) crime(s) que hajam sido imputados ao arguido e pelos quais foi recebida a acusação.
Assim, José M. Damião da Cunha, “Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira - A Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro de 2002”, ob. cit., pp. 19-41.
Porque assim é, do ponto de vista procedimental, estamos perante dois processos distintos, autónomos, embora umbilicalmente ligados, desencadeados pelo mesmo facto, o indício da prática de um crime de catálogo, juntos numa mesma audiência. No processo criminal, ou seja, no processo principal enxerta-se um outro processo de natureza distinta; no primeiro debate-se questão penal, no segundo questão administrativa, ou seja, ao procedimento criminal junta-se questão incidental relativa à aplicação de sanção administrativa.
A decisão que ordena a perda alargada não é uma decisão condenatória, uma decisão que aplica uma pena ou uma medida de segurança.
Assim, nos Acs. do STJ de 25/2/2015, processo n.º 1653/12.2JAPRT.P1.S1, de 14/3/2018, processo n.º 22/08.2 JALRA.E1.S1., e de 11/9/2019, processo n.º 159/17.8JAPDL.L1.S1, este último disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/758006a288303c5380258472005144a7?OpenDocument.
Como surge evidente, mas não é assim tão reconhecido na realidade prática como devia ser, a aplicação destas previsões legais depende da efectivação de sistemas ponderados e eficazes, tanto processuais como institucionais, de perda de bens e recuperação de activos. A fim de que não fiquem postergadas as finalidades pretendidas pelas políticas criminais acima referidas.
A criação do clima imprescindível para assegurar que afinal o crime não compensa deve ser acompanhado, assim, pela disponibilização das respectivas condições institucionais e adjectivas (organizativas, operacionais e procedimentais).
Para combater a criminalidade grave, organizada ou complexa, o legislador considera que devem ser permitidos certos procedimentos, alguns deles não utilizados nas investigações da restante criminalidade. Por conseguinte, os serviços criminais devem dispor das capacidades necessárias para investigar e analisar as pistas das operações financeiras relacionadas com a actividade criminosa.
Mas convém não esquecer que a noção da lei processual penal, enquanto direito constitucional em acção, com as suas garantias processuais penais que radicam num balanceamento entre os direitos fundamentais aplicáveis e a eficácia da tutela penal, ainda faz mais sentido na sua integração e concretização prática (máxime nas suas dimensões de direito de propriedade e de via procedimental tal como consagradas no Art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e de salvaguarda dos bens de terceiros).
A criminalidade acima indicada também tem de ser tratada com os mecanismos da lei processual penal, só que com instrumentos de aquisição da prova mais expeditos e intrusivos e, por isso mesmo, mais exigentes nos seus pressupostos e na sua justificação. Esta referência à investigação e recolha de prova serve também para a garantia patrimonial que é servida pelos diversos meios de apreensão ou apropriação dos objectos, dos bens e dos direitos conexionados com a prática criminosa.
Do mesmo modo, os mecanismos de cooperação internacional deverão ser compatíveis com as exigências internacionais, mas também com os princípios da ordem jurídica nacional respectiva, designadamente no domínio do congelamento e perda de instrumentos e outros bens relacionados com o crime.
O estabelecimento de especiais órgãos a quem incumbe operacionalizar a investigação e a apreensão desses activos conexionados com a prática dos crimes referidos é também insistentemente recomendado, como se analisou anteriormente. Entidades que deverão estabelecer mecanismos de identificação, localização e apreensão de bens, produtos ou vantagens relacionados com crimes, a nível interno e internacional.
Deste modo, para decidir a liquidação, o tribunal deve ter em consideração toda a prova produzida no processo. A base de partida é o património do arguido, todo ele, pois o conceito é utilizado no mencionado Art.º 7.º numa perspectiva omnicompreensiva, de forma a abranger não só os bens de que o arguido seja formalmente titular (do direito de propriedade ou de outro direito real), mas também aqueles de que ele tenha o domínio de facto e de que seja beneficiário (i.e., os bens sobre os quais exerça os poderes próprios do proprietário), à data da constituição como arguido ou posteriormente.
Para este efeito, incluem-se, no património do arguido, os bens transferidos para terceiros de forma gratuita ou através de uma contraprestação simbólica nos cinco anos anteriores à constituição de arguido e os por ele recebidos no mesmo período.
Apurado o valor do património, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita, auferidos pelo arguido naquele período. Se desse confronto resultar um “valor incongruente”, não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, uma vez que, condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) de origem ilícita desse valor.
Para garantir a efectiva perda desse valor incongruente, pode o Ministério Público requerer ao juiz que decrete o arresto de bens do arguido.
Há que ter em consideração desde logo, esta presunção não serve para declarar a culpabilidade do arguido, mas apenas para calcular o montante que deverá ser confiscado. Depois, são garantidos os direitos de defesa, designadamente um processo judicial, com audiência pública e contraditória, a notificação prévia do seu objecto, a possibilidade de produção de provas documentais e orais e de consequente inversão da presunção.
Como se pode analisar da motivação de recurso do Ministério Público e das suas conclusões, o mesmo recorrente apenas se apoia no conteúdo das normas e no património arrestado dos arguidos para fundamentar o seu recurso neste âmbito. Não faz qualquer tipo de considerações e valorações das alegações e da prova realizadas pelas defesas dos arguidos neste âmbito da perda alargada de bens, designadamente daqueles que vieram a ser condenados no âmbito dos presentes autos, muito menos se insurge neste âmbito, especificadamente, quanto às conclusões a que o tribunal chegou, com referências aos meios de prova produzidos (documentos e testemunhas), designadamente sobre a elisão da presunção estabelecida no Art.º 7.° da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
Neste ponto, há que referir que a prova documental primeva dos autos se funda, naturalmente, no relatório técnico do Gabinete de Recuperação de Activos, mas também, depois, por um relatório que se lhe juntou, de análise bancária, produzida pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária constante do apenso AJ. Este último é contemporâneo do relatório do Gabinete de Recuperação de Activos. Certo, porém, que foi este último que foi integralmente transposto para o pedido de perda alargada sem que tenha sido sujeito a qualquer crítica.
O regime da perda alargada está focado no trabalho de identificação do valor da incongruência, que opera por referência à totalidade do património, por um lado, e ao rendimento lícito, por outro.
Assim, nos Acs. da RP de 23/5/2018, processo n.º 448/16.9T9VFR-T.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/138066d906163c92802582f7002de754?OpenDocument, e de 11/4/2019, processo n.º 2808/13.8TAVNG-E.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/2456aabcd2aea880802584070034cc93?OpenDocument.
E, aqui, este tribunal de recurso não deixa de acompanhar as críticas suscitadas pelas defesas dos vários arguidos e que ressalta desde logo no contraponto desse relatório do Gabinete de Recuperação de Activos com o mencionado relatório da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária.
O método utilizado pelo identificado Gabinete de Recuperação de Activos será adequado para a determinação do património incongruente de uma criminalidade convencional, designadamente, para as várias situações de blue collar crime - v. g., de tráfico de estupefacientes ou de armas ou de pessoas ou de veículos furtados, de lenocínio, de contrabando. Situações em que os agentes do crime vivem numa economia paralela à convencional e em que é imediata a separação entre património obtido licitamente e o património obtido ilicitamente.
Nos casos da criminalidade de colarinho branco, como aquelas que à partida se desenhavam nos autos, a determinação do património lícito do agente do crime terá de ser sujeito a um crivo mais fino, em virtude de existir uma confusão entre o património lícito e o património ilícito.
Assim sendo, a determinação dos rendimentos lícitos não poderá bastar-se com o cômputo daqueles declarados perante a Autoridade Tributária e na determinação do património financeiro deverá existir um esforço na eliminação de movimentos que possam empolar o resultado, designadamente, nos movimentos entre contas bancárias dos mesmos titulares.
Neste ponto, consulte-se, Jean-Pierre Brun, Larissa Gray, Clive Scott e Kevin M. Stephenson, 2011, Manual para la recuperación de activos: Una guía orientada a los profesionales, Stolen Asset Recovery Initiative, Washington: The World Bank / UNODC, disponível em https://elibrary.worldbank.org/doi/abs/10.1596/978-8-4155-0633-1.
É precisamente neste último aspecto que a análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária leva vantagem sobre o relatório do Gabinete de Recuperação de Activos. Pois, naquele é visível o esforço de identificação da origem dos movimentos, permitindo isolar as entradas de "dinheiro fresco" sem justificação.
Razão pela qual não foi dada relevância ao relatório do Gabinete de Recuperação de Activos, tendo sido aceite a análise efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária.
Tal como refere, neste ponto, o tribunal recorrido:
“A decisão de facto referente aos arguidos fundou-se na prova constante dos autos, designadamente, a prova documental dos autos de arresto – com especial relevo para o relatório de análise bancária da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária constante do apenso AJ –, os depoimentos das testemunhas arroladas por cada um deles.
Documental:
- o relatório de análise bancária da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária constante do apenso AJ trata-se de prova documental produzida por uma entidade especializada e, simultaneamente, autónoma em relação aos órgãos de polícia criminal.
O que lhe confere um carácter de especial credibilidade.
Trata-se de um meio de prova contemporâneo do relatório do Gabinete de Recuperação de Activos. E, este último foi integralmente transposto para o pedido de perda alargada sem que tenha sido sujeito a qualquer crítica.
Com efeito, o relatório do Gabinete de Recuperação de Activos não passa de um meio de prova documental sujeito à livre apreciação do tribunal.
Em termos valorativos, estão no mesmo nível a análise de contas bancárias efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária que o relatório do Gabinete de Recuperação de Activos.
Ora, o presente relatório do Gabinete de Recuperação de Activos é hermético, na medida em que apresenta resultados que não podem ser reconstruídos a partir dos dados nele contidos, ou seja, traduzem-se num apelo à fé do destinatário na bondade desses resultados.
Talvez o método utilizado pelo Gabinete de Recuperação de Activos seja adequado para a determinação do património incongruente de uma criminalidade convencional, designadamente, para as várias situações de "blue collar crime" v. g., de tráfico de estupefacientes ou de armas ou de pessoas ou de veículos furtados, de lenocínio, de contrabando. Situações em que os agentes do crime vivem numa economia paralela à convencional e em que é imediata a separação entre património obtido licitamente e o património obtido ilicitamente.
Nos casos da criminalidade de colarinho branco a determinação do património lícito do agente do crime terá de ser sujeito a um crivo mais fino, em virtude de existir uma confusão entre o património lícito e o património ilícito.
Assim sendo, a determinação dos rendimentos lícitos não poderá bastar-se com o cômputo daqueles declarados perante a Autoridade Tributária e na determinação do património financeiro deverá existir um esforço na eliminação de movimentos que possam empolar o resultado, designadamente, nos movimentos entre contas bancárias dos mesmos titulares.
É precisamente neste último aspecto que a análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária leva vantagem sobre o relatório do Gabinete de Recuperação de Activos. Pois, naquele é visível o esforço de identificação da origem dos movimentos, permitindo isolar as entradas de "dinheiro fresco" sem justificação.
Razão pela qual não foi dada relevância ao relatório do Gabinete de Recuperação de Activos, tendo sido aceite a análise efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária”.
Ressalta-se também, quanto a esta matéria em geral, o depoimento da testemunha MRM, especialista superior na Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária. Deste seu depoimento ressalta-se o seguinte:
“Fez a análise bancária das pessoas singulares intervenientes no processo.
A fronteira entre a Unidade de Perícia Financeira e Contabilística e o Gabinete de Recuperação de Activos é muito ténue.
O Gabinete de Recuperação de Activos faz parte da orgânica da Polícia Judiciária.
O Gabinete de Recuperação de Activos é composto por Inspectores. A Unidade de Perícia Financeira e Contabilística é considerada uma unidade de apoio à investigação e onde não há Inspectores.
Não recebeu relatórios nenhuns. Elaborou um relatório de análise bancária, com a análise bancária efectuada a todos os intervenientes processuais, pessoas singulares.
No caso em concreto, neste processo, houve uma equipa multidisciplinar a trabalhar, composta por várias pessoas de vários organismos, a Autoridade Tributária, a Unidade de Perícia Financeira e Contabilística, o Gabinete de Recuperação de Activos, para além da investigação que conduziu o processo.
Não recebeu nenhum relatório, recebeu os apensos bancários, os apensos com a informação bancária.
Todos os apensos contendo a informação bancária de todos os intervenientes processuais, pessoas singulares do processo, foram remetidos à Unidade de Perícia Financeira para fazer a análise de todas as contas bancárias particulares.
Conhece pessoalmente a Inspectora CM do Gabinete de Recuperação de Activos, autora do relatório da liquidação, partilharam informação, mas é diferente o fim dos trabalhos por ambas desenvolvidos. Embora, o elemento base, os documentos foram os mesmos, as análises bancárias foram efectuadas com base nos mesmos extractos bancários.
Dentro das competências técnicas do departamento da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística, não se insere a audição de pessoas, aliás, porque a Unidade de Perícia Financeira e Contabilística tem autonomia técnica e científica e, como tal, nem deve ouvir pessoas no âmbito do seu trabalho, só faz uma análise documental.
No seu trabalho, a colaboração dos outros colegas cingiu-se à introdução de dados do extracto bancário para quadros, para lhe possibilitar fazer a análise.
O termo "expurgar transferências bancárias" é referido no trabalho relacionado com o objectivo da análise bancária neste processo. O objectivo era identificar origens e destinos de fluxos financeiros registados nas contas bancárias e, sobretudo, dentro das entradas, o tipo de entradas que se registaram. Tendo em conta este objectivo, obviamente que seria sempre necessário expurgar transferências entre contas dos próprios titulares. Ou seja, no sentido de se identificar todas as entradas de dinheiro fresco que tivessem chegado à conta sem estar a correr o risco de haver duplicação. Daí, todas as transferências que pudessem ter origem noutras contas dos próprios titulares foram todas retiradas. É nesse sentido que o termo "expurgar transferências" foi utilizado.
As limitações desta análise derivam da documentação que lhes é fornecida.
A documentação resulta de pedidos feitos pela investigação – às vezes por própria sugestão da Unidade de Perícia Financeira –, no sentido de se identificarem origens e destinos de movimentos, pode não chegar a tempo ao processo.
Fez a análise com base na documentação que foi chegando ao processo e a documentação que chegou ao processo tinha a ver com todas as entradas bancárias ocorridas na conta. Se houve alguma falha, ou seja, se em algum momento houve um documento que não foi enviado, corre-se o risco de errar.
A documentação que foi trabalhada foi documentação que chegou ao processo até à data de conclusão do relatório.
O seu trabalho é independente. O Gabinete de Recuperação de Activos tem que determinar o valor incongruente, tem um fim. A Unidade de Perícia Financeira tem outro fim que em nada se relaciona com o do Gabinete de Recuperação de Activos. Há partilha de informação, porque a base documental é a mesma, mas o objectivo do trabalho é totalmente diferente. Em algumas situações, pode ser uma fronteira muito ténue, mas não trabalha para o Gabinete de Recuperação de Activos, nem o Gabinete de Recuperação de Activos trabalha para si.
Dentro das suas funções, neste processo em concreto, de elaborar a análise bancária, a determinação da origem e do destino foi feita com base nos documentos que lhe chegaram. Não houve tentativa de identificação de valores ilícitos que tivessem chegado à conta. Foi um trabalho objectivo no sentido de classificar entradas no caso de acordo com a sua natureza na conta.
O trabalho da Unidade de Perícia Financeira foi tentar identificar todo o dinheiro fresco – no caso de dinheiro fresco – que tivesse chegado à conta. Claro que se identificaram todos os outros valores que entraram na conta, no sentido de, pelo menos, se perceber que aquele dinheiro não constitui entrada de dinheiro fresco. Obviamente que mobilizações de depósitos a prazo, vendas de títulos na Bolsa, resgate de quaisquer aplicações financeiras nunca seriam consideradas nesta análise como entradas de dinheiro fresco.
Para si dinheiro fresco é todo aquele dinheiro que não tem origem nas contas do próprio titular.
Relativamente ao arguido PE na conta da Caixa Geral de Depósitos n.º 079……..00 foram identificadas entradas no montante de €359. 315,47. Dentro deste, não se conseguiu identificar a proveniência de 6 mil euros.
No caso em questão, nas contas do BANIF não foram consideradas as transferências bancárias. Do 3.2.1. até ao 3.2.8. nem estão realçadas transferências bancárias de origem não identificada. Ou seja, só se tiveram em consideração no caso depósitos em numerário – dinheiro fresco –, depósitos em moeda estrangeira – dinheiro fresco – e há aqui um cheque, mas é um cheque bancário de € 150.000,00, portanto, provavelmente até foi um cheque para adquirir uma habitação.
Nas contas do BANIF o dinheiro fresco que se considerou foram os depósitos em numerário e os depósitos em moeda estrangeira.
O estorno bancário não é considerado dinheiro fresco, obviamente. Nos quadros a identificação de um estorno não se destina a classificar como dinheiro fresco, mas é só para classificar a natureza daquela entrada, ou seja, não é considerado como sendo uma entrada exterior à esfera patrimonial do analisado.
O trabalho da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística e o da DSIFAE não tiveram por base os mesmos documentos. A Unidade de Perícia Financeira e Contabilística debruçou-se sobre as pessoas singulares e a DSIFAE sobre as pessoas colectivas. Ou seja, os extractos bancários de empresas foram analisados pela DSIFAE, uma vez que estava melhor documentada.
A articulação entre as várias entidades, no caso, foi a disponibilização dos elementos bancários que já tinham sido trabalhados. No caso, os apensos foram digitalizados e foram convertidos em Excel e houve a partilha dessa informação.
Em termos de análise propriamente dita, ou seja, análise no sentido de classificar, de tipificar, a análise foi feita em separado, porque os fins eram diferentes”.
Cumpre apontar, também, do mesmo modo, que não vamos encontrar na matéria considerada provada, qualquer especificação de valores das contrapartidas pecuniárias conexionadas com a prática dos ilícitos de corrupção a cujos crimes os arguidos condenados se encontram conexionados (a sua magnitude e quaisquer outras referências identificativas mínimas), e que pudessem iluminar de alguma forma a origem ou a movimentação dos inúmeros valores e quantias aqui em apreciação, sobretudo a partir do momento em que os diversos arguidos apresentam justificações aptas a elidir a presunção da má proveniência das importâncias incongruentes.
Para melhor análise da bondade destes fundamentos do recurso do Ministério Público, que também não circunscreve com a devida clareza, o objecto da sua pretensão recursória, com alusão à posição de cada um dos arguidos (apenas o faz quanto ao arguido principal), iremos considerar, agora, de forma autónoma, a posição dos vários arguidos.
- Quanto ao património ou à posição do arguido AF..
Este arguido, após conhecimento dos atinentes recursos por este tribunal da Relação, surge (pela confirmação parcial do acórdão de primeira instância e provimento de outros recursos) condenado pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:
- Um crime de peculato de uso, p. e p., pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal (factos descritos no núcleo B);
- Um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p., nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87 (factos descritos sob o ponto E); e
- Um crime de corrupção passiva, previsto e punido., pelos artigos 17.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e 202.º alínea b), 66.º n.º 1 alíneas a), b) e c) e 68.º do Código Penal, pelos factos descritos no núcleo B.
Quanto a este arguido e na vertente desta perda alargada de bens, o tribunal a quo teve em consideração os seguintes meios de prova:
Documental:
- Documentação bancária de fls. 1202-1482;
- Documentação emitida pela "Sociedade A… e C…V…M…,C.R.L." de fls. 1488;
- Documentação referente a produção de azeite de APF de fls. 1489-1500;
- Documentação referente a venda de vinho de fls. 1524-1534.
Testemunhal:
A testemunha BTM agente imobiliária na IA, Espanha, local onde o arguido AF é proprietário de dois imóveis, cujo arrendamento está a cargo da empresa explorada pela testemunha, a qual esclareceu os termos contratuais e a forma que utiliza para lhe entregar os montantes provenientes das rendas cobradas.
A testemunha APF, pai do arguido AF, esclareceu a actividade a que se dedica e as relações financeiras que mantém com o filho.
A testemunha MCO, sogro do arguido AF, esclareceu a questão das prendas que dá regularmente aos descendentes.
A testemunha MMM esclareceu as relações comerciais que mantém com o arguido AF no que respeita ao comércio de vinhos.
A testemunha RAD empregado bancário da agência de Oliveira do Hospital da "Caixa Geral de Depósitos" esclareceu as relações profissionais que manteve com o arguido AF.
A testemunha JAC motorista do "IRN – Instituto dos Registo e Notariado, I.P." esclareceu aspectos do comércio de vinhos e azeite mantido pelo arguido AF..
A testemunha NMV de genro do arguido AF esclareceu a ajuda que prestou ao sogro no comércio de vinhos.
A testemunha AOF mulher do arguido AF esclareceu a forma como se desenrola a economia do casal e como são utilizadas as contas bancárias, assim como, as prendas anuais que recebem.
A respeito do pedido de perda ampliada é de acolher a seguinte apreciação do tribunal recorrido:
“O Ministério Público deduziu contra o arguido AF pedido de perda a favor do Estado do montante de € 231.517,55.
Analisadas as contas bancárias do arguido AF constata-se que no cômputo dos 5 anos e no conjunto das contas bancárias verificaram-se relevantes depósitos em dinheiro nos seguintes montantes:
-Na conta 402……88 "CCAM" (V…T…D…), titulada por AF e AOF a quantia de € 17.820,00 (26/12/2011 e 28/12/2011) e de € 14.000,00 (14/01/2014), o que perfaz o montante global de € 31.820,00;
-Na conta 0567 ………30 "CGD", titulada por AF e AOF (autorizada) a quantia de € 11.100,00 (28/01/2010, 01/02/2010 e 26/08/2010), de € 28.500,00 (13/01/2012, 05/09/2012, 19/09/2012 e 05/12/2012) e de € 10.000,00 (13-01-2014), o que perfaz a quantia global de €48.600,00.
Não ficou demonstrado que estas quantias tenham tido proveniência ilícita. Pelo contrário, o arguido AF demonstrou a proveniência de todas as importâncias entradas nas suas contas bancárias.
Quanto aos restantes depósitos em numerário nas contas bancárias tituladas pelo arguido AF não existe evidência de terem origem ilícita, na medida em que são pequenas quantias e enquadradas nas quantias recebidas como prendas de familiares.
Na conta 0567 ……… 030 "CGD" consta o montante de € 8500,00 (2013) proveniente da conta da filha do requerido AF e o montante de € 4062,50 (2013) proveniente do arguido JA..
Relativamente a estes montantes não ficou apurada qualquer licitude do respectivo recebimento.
Pelo que, o património do arguido AF não poderá ser alvo de qualquer declaração de perda.”
Neste ponto, há que recusar a ideia que o tribunal recorrido tenha desaplicado a aludida presunção legal. Ao contrário do que o Ministério Público afirma na sua motivação, o tribunal a quo não fez incidir sobre o Ministério Público o ónus de demonstrar o carácter ilícito da proveniência de quaisquer quantias.
O que aconteceu, ao arrepio desta afirmação, foi que o mesmo arguido demonstrou a origem lícita dos depósitos que constituiriam a incongruência, tal qual como vem detalhado no acórdão, às vezes de forma expressa, outras de forma mais equívoca, mas que não admitem segunda interpretação.
Relativamente a alguns desses montantes o tribunal recorrido é bem claro: Não ficou demonstrado que estas quantias tenham tido proveniência ilícita. Pelo contrário, o arguido AF demonstrou a proveniência de todas as importâncias entradas nas suas contas bancárias.
Após ponderação da prova oferecida pelo recorrido, desde logo no incidente de arresto preventivo, mas também no decurso das audiências de julgamento, o tribunal a quo considerou justificadas, isto é, lícitas, todas as quantias parcelares que, uma vez agregadas, fariam o total da incongruência.
Daí ter referido que não se apurou origem ilícita, o que, tem como correspectivo, no caso concreto, a determinação da sua origem lícita e não o vazio probatório, capaz de accionar a dita presunção, como defende o Ministério Público. A sobrar daquelas que o tribunal recorrido apodou, expressamente, de lícitas, estão, por um lado pequenas quantias recebidas de familiares, mormente da filha deste arguido e de um amigo (ou conhecido) no caso JA..
Neste sentido, não obstante a condenação deste arguido, terá que concluir-se como fez o tribunal recorrido pela elisão da presunção do património incongruente liquidado pelo Ministério Público, confirmando-se a improcedência da perda alargada de bens quanto a este arguido.
- Quanto ao património ou à posição dos arguidos Z e ZB..
Após recurso e apreciação por este tribunal da Relação, sobreveio a condenação destes arguidos pelo cometimento em co-autoria material, de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelos Art.ºs 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal, em face dos factos que se encontram descritos no segmento B da matéria assente.
Na dimensão da perda alargada de bens, o tribunal a quo teve em consideração os seguintes meios de prova:
Documental:
- Extractos bancários da conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" de fls. 554-714;
- Comprovativo de transferência bancária de ZG de fls. 715;
- Pedido de emissão de cheque a favor da sociedade "PYRAM… –, Lda." de fls. 716;
- Requisição de transferência bancária de S… LU de fls. 717;
- Comprovativo de transferência bancária do "Instituto de Gestão Financeira" de fls. 718;
- Comprovativo de transferência bancária a favor de SP de fls. 719;
- Comprovativo de transferência bancária a favor da sociedade "Golden Vista Europe, Lda." de fls. 720;
- Comprovativo de transferência bancária da "Golden Vista Europe, Lda." de fls. 721;
- Comprovativo de transferência bancária da "Golden Vista Europe, Lda." de fls. 722;
- Comprovativo de transferência bancária a favor da "Hora do Descanso, Lda." de fls. 723;
- Comprovativo de transferência bancária a favor da "Formabsoluta, Lda." de fls. 724.
Analisados tais elementos, teremos de concluir como o tribunal recorrido, considerando provada a seguinte matéria de facto:
"Os arguidos Z e ZB utilizam as contas bancárias para fins pessoais e para fins profissionais.
As contas n.º 452……09 do "Millennium BCP", 0729…….00 da "CGD" e 28….35 do "BIC", bem como, a conta n.º 453……95 do "Millennium BCP", são contas destinadas única e exclusivamente à actividade comercial e empresarial desenvolvida pelos arguidos Z e ZB..
Durante o ano de 2010, foram feitas transferências da conta bancária n.º 452……09, do "Millennium BCP", para a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 2000,00.
Durante o ano de 2011, foram feitas da conta bancária n.º 452……09, do "Millennium BCP", para a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 8200,00.
Durante o ano de 2012, foram feitas transferências da conta bancária n.º 452……09, do "Millennium BCP", para a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 6250,00.
Durante o ano de 2013, foram feitas transferências da conta bancária n.º 452……09, do "Millennium BCP", para a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 1268,05.
Os arguidos Z e ZB têm nacionalidade chinesa, sendo o mandarim o seu principal idioma.
Durante o ano de 2010 foram efectuados depósitos na conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 80.300,00.
Durante o ano de 2011 foram efectuados depósitos na conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 49.600,00.
Durante o ano de 2012 foram efectuados depósitos na conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 149.250,00.
Durante o ano de 2013 foram efectuados depósitos na conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 57.912,80.
Durante o ano de 2014 foram efectuados depósitos na conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP" no montante de € 50.700,00.
No dia 5 de Julho de 2011 foi efectuada, da conta n.º454……56 titulada por ZG transferência bancária no valor de € 1.000,00 para a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP", titulada pelos arguidos Z e ZB..
No dia 2 de Outubro de 2014, foi efectuada, da conta n.º 454……12 titulada pela XZ, transferência bancária no valor de € 50.000,00 par a conta n.º 23…..35, do "Millennium BCP", titulada arguidos Z e ZB..
No dia 28 de Novembro de 2014, foi efectuada, da conta n.º 454…..956, titulada pelo S…LU, transferência bancária no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) para a conta n.º 23…..35, do Millennium BCP, titulada pelos arguidos Z e ZB..
Foi creditada na conta bancária n.º 23…..35, do "Millennium BCP", titulada pelos arguidos Z e ZB a quantia de € 7.500,00 pelo "Instituto de Gestão Financeira".
Foram creditadas as seguintes quantias, a título de liquidação de poupanças subscritas pelos arguidos Z e ZB, na conta bancária n.º 23…..35, do "Millennium BCP": € 2.493,99, € 7.782,23 e € 7.659,95".
A motivação da decisão do tribunal a quo, encontra-se fundamentada nos moldes acima expostos, designadamente com o deslinde entre os dois relatórios técnicos realizados (relatório do Gabinete de Recuperação de Activos e relatório de análise bancária da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária).
Com efeito, foi produzida prova documental bastante para justificar os rendimentos acima descritos e recebidos pelos aqui arguidos.
O Ministério Público, aqui recorrente, em sede de acusação, formulou o pedido da perda de € 512.637,24 a favor do Estado, por considerar, de forma aritmética, que se trataria de património ilícito.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, tal fixação não se resume a uma simples operação aritmética entre o declarado pelos arguidos à Autoridade Tributária e o património dos arguidos, não merecendo qualquer reparo a decisão recorrida.
Entendendo o tribunal recorrido que
“Com efeito, na análise das contas bancárias tituladas pelos arguidos haverá que expurgar todos os valores que não constituam uma "entrada fresca" de numerário. São assim de excluir, entre outros, os valores de transferências entre contas bancárias tituladas pelo arguido, valores provenientes de "cash advance" de cartões de crédito, valores provenientes de anulação de movimentos bancários.
Em segundo lugar, na perspectiva do rendimento lícito, aos rendimentos declarados perante a Autoridade Tributária ter-se-á de adicionar outros valores correspondentes a valores obtidos licitamente - inclusive, poder-se-á perspectivar ainda a dedução de valores que embora não obtidos licitamente, tenham sido obtidos por via de comportamentos que não integrem a prática de um crime - e que não estão sujeitos a declaração de rendimentos.
Neste universo incluem-se, entre outros, os rendimentos que estão sujeito a taxa liberatória - como os rendimentos financeiros e os valores provenientes de jogos sociais do Estado -, os rendimentos isentos de imposto - como as pequenas doações.
Atenta a factualidade apurada, é de assumir que o trabalho elaborado pelo Gabinete de Recuperação de Activos esteve longe da exactidão e da certeza exigíveis.
E, esta constatação é por demais evidente quando compaginada com a análise das contas bancária efectuadas pela "Unidade de Perícia Financeira e Contabilística" da Polícia Judiciária, conforme acima se observou. (...)
O Ministério Público deduziu contra os arguidos Z e ZB um pedido de perda a favor do Estado no montante global de € 512.637,24.
Na acusação/pronúncia é imputada aos arguidos Z e ZB o recebimento de comissões pagas por requerentes de ARI no montante de global de € 268.308,11.
De acordo com a análise das contas bancárias efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária foram consideradas com relevo os movimentos bancários efectuados na conta n.º 23…..35 do "Millennium BCP" no montante global de € 272.525,50.
Estes movimentos coincidem quase na integralidade com aqueles referidos na acusação-pronúncia.
Assim sendo, tendo em consideração que a análise efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária sobre as contas bancárias tituladas pelos arguidos Z e ZB fez ressaltar os movimentos efectuados na conta n.º 23…..35 do "Millennium BCP", considerando implicitamente os movimentos verificados nas outras contas bancárias compatíveis com a actividade comercial dos arguidos Z e ZB ao referir "os movimentos de entrada de valores resultam sobretudo de vendas cobradas através de terminais de pagamento automático, sendo que as saídas de valor consistem essencialmente em cheques pagos ao balcão".
No entanto, os arguidos Z e ZB demonstraram qual a proveniência e destino das quantias recebidas pelos requerentes de ARI.
Assim sendo, de acordo com a análise efectuado não existe incongruência no património dos arguidos Z e ZB, estando elidida a mencionada presunção legal.
Pelo que, o património dos arguidos Z e ZB não poderá ser alvo de qualquer declaração de perda, confirmando-se a improcedência desse pedido.
- Quanto ao património ou à posição do arguido MP..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo teve em consideração a seguinte prova para este incidente de liquidação:
Documental:
Documentação bancária de fls. 1270-1532, 1548-1556, 1567-1639, 1693-1809, 1830-1861, 1866-1895 e 2609-2615.
Documentação diversa referente a cópia de bilhetes entregues por ocasiões festivas de fls. 1558-1565.
Contrato promessa de partilha datado de 03/08/2010 celebrado entre VPC e SSC de fls. 1641-1645.
Escritura de divisão de coisa comum datado de 22/12/2010 celebrado entre VPC e SSC acompanhado de talão de depósito e cheque no montante de € 11.350,00 de fls. 1646-1650.
Escritura de compra e venda datada de 14/02/2006 celebrado entre APT, por um lado, e VPC e SSC, por outro lado, de fls. 1652-1691.
Acta do Condomínio da Quinta das … datada de 02/03/2013, de fls. 1811-1828.
A qual foi ainda conjugada com a análise à documentação bancária efectuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
A análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
. Quanto ao património ou à posição do arguido JA..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo teve em consideração a seguinte prova, quanto a este incidente de perda alargada de bens:
Documentação bancária, "JAG – Lda.", "PARS,S.A." de fls. 2016-2372, 2374-2448, 2450-2453.
Documentação da companhia de seguros "Vitória" de fls. 2373.
Documentação AT de fls. 2449.
Assim como, na análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária nos termos acima expostos.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
A análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição do arguido AS..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo, quanto a este incidente, teve em consideração os seguintes meios de prova:
Assento de casamento celebrado a 03/10/1998 entre o arguido AS e TPN com averbamento da dissolução por divórcio a 26/10/2016, de fls. 1562-1563.
Escritura de contrato de mútuo com hipoteca de 05/08/2011 de fls. 2565-2584.
Contrato promessa de compra e venda de 14/07/2012 celebrado pelo arguido AS e TPN como promitentes vendedores de fls. 2585-2586.
Escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca de 31/08/2012 celebrado pelo arguido AS como vendedor de fls. 2587-2592.
Documentação bancária de fls. 2593-2596 e 2603.
Documentação referente à participação do arguido AS em evento da "Comissão Europeia" de fls. 2597-2602.
Assim como, na análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária nos termos acima expostos.
Quanto à factualidade referente ao arguido AS e, concretamente, no que respeita aos depósitos em dinheiro efectuado na conta n.º 0310……800 da "Caixa Geral de Depósitos", haverá que referir que a alegação deste arguido é indiciariamente comprovada pela análise das contas bancárias efectuada pelo Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, constante do apenso AJ.
Com efeito, tendo em atenção os quadros constantes dos factos provados verifica-se que nesta conta bancária foram efectuados depósitos em dinheiro no montante de € 40.930,00 no ano de 2010 e de € 73.826,00 no ano de 2011.
Nesta conta no ano de 2011 consta uma transferência de crédito pessoal no montante de € 69.73,67.
Por outro lado, pelo lado das saídas constata-se a existência de pagamentos com cartão de crédito no montante de € 31.553,09 no ano de 2010 e de € 65.515,44 no ano de 2011.
Existe uma coincidência entre estes movimentos que faz crer indiciariamente na justificação adiantada pelo arguido.
A análise desta conta termina em 2011, porque "AS deixa de constar como autorizado na movimentação da mesma", isto permite entender indiciariamente a existência de uma separação entre a vida económica e financeira do arguido e de TPN, embora, com os elementos constantes deste procedimento não seja possível fixar o momento em que tal sucedeu.
E, posteriormente a 2011, não se voltam a verificar a existência destes depósitos.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
A análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição do arguido PE..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo, quanto a este incidente, teve em consideração os seguintes meios de prova:
Documento 1 – extractos conta "Caixa Geral de Depósitos" 0798……2800 de fls. 615-645.
Documento 2 – Extractos conta "Caixa Geral de Depósitos" 0798…..1800 de fls. 646-651.
Documento 3 – Extractos conta "BCP" 452…..697 de fls. 652-710.
Documento 4 – Extractos conta "Banif" 400…..306 de fls. 711-799.
Documento 5 – Extractos conta "Banif" 0003….508 de fls. 800-813.
Documento 6 – Extractos conta "Banif" 0003….480 de fls. 814-820.
Documento 7 – Extractos conta "Caixa Geral de Depósitos" 079…….600 de fls. 821-822.
Documento 8 – Caderneta da "Caixa Geral de Depósitos" Conta 079……8161 de fls. 823-824.
Documento 9 – Caderneta da "Caixa Geral de Depósitos" conta 079…….500 de fls. 825.
Documento 10 – Caderneta da "Caixa Geral de Depósitos" conta 079…….600 de fls. 826.
Documento 11 – Caderneta da "Caixa Geral de Depósitos" conta 079…….500 de fls. 827-829.
Documento 12 – Caderneta da "Caixa Geral de Depósitos" conta 079…….965 de fls. 830.
Documentos 13, 14 e 15 – Cadernetas da "Caixa Geral de Depósitos" das contas 079…….978, 079…….778 e 079…….378 de fls. 831-836.
Documento 16 – Extractos consta "BPI" 8-510….-…-001 de fls. 837.
Documento 17 – mensagem de correio electrónico relativo ao "Banif" Conta 870………710 de fls. 838.
Documento 18 – Constituição de conta a prazo em nome da mãe do arguido "Caixa Geral de Depósitos" 079.……033 de fls. 839.
Documento 19 – Escritura de compra do terreno para construção da moradia sita em Tábua datada de 28/09/1993 de fls. 840-843.
Documento 20 – Venda a JPC de parcela destacada do terreno que havia comprado em 1993 datada de 23/11/1995 de fls.844-847.
Documento 21 - Ficha de registo da moradia onde é possível verificar os créditos que o arguido foi realizando para a construção da moradia de fls. 848-850.
Em 1996, o arguido contraiu novo empréstimo (€ 40.000,00) à "Caixa Geral de Depósitos".
Em 1997, loteamento do terreno.
Em 2000, o arguido contraiu novo empréstimo no montante de € 50.000,00.
Em 2004, contraiu outro empréstimo de € 97.000,00.
E, em 2010, mais um de € 25.000,00.
Documento 22 – Alvará para ampliação da moradia de fls. 951-852.
Documento 23 – Projecto de ampliação da moradia datado de 16/10/2003, de fls. 853-857.
Documento 24 – Exemplo da ampliação levada a cabo por JMP de fls. 858.
Documento 25 – Exemplo de transferência de dinheiro para pagamento das obras datada de 26/11/2010, de fls. 859.
Documento 26 – Exemplo de factura relativa a obras (2010) de fls. 860.
Documento 27 – Empréstimo "Banif" Obras datado de 05/02/2004, de fls. 861-862.
Documento 28 – Venda de casa à então namorada do arguido (actual mulher) datada de 06/10/2000 de fls. 863-876.
Documento 29 – Empréstimo para obras no "BCP" de 26/10/2010, de fls. 877-884.
Documento 30 – Doação de parte de terreno ao pai do arguido de fls. 885-886.
Documento 31 – Compra de terreno rústico datada de 23/03/2010, de fls. 887-888.
Documento 32 – Compra do apartamento da Parede datada de 07/04/2003 de fls. 889-903.
Documento 33 – Hipoteca Parede datada de 07/04/2003 de fls.904-911.
Documento 34 – Registo apartamento da Parede de fls. 912-913.
Documento 35 – Situação de desemprego da mulher do arguido de fls. 914.
Documento 36 – Indemnização desemprego da mulher do arguido de fls. 915.
Documento 37 – Venda do apartamento sito na Parede datada de 03/01/2013, de fls. 916-923.
Documento 38 – Valor da dívida ao "Banif" quando da venda do apartamento da Parede ¬Resumo de fls. 924-926.
Documento 39 – Aquisição do imóvel T1 sito na Sé …, C…, datada de 15/02/2013, de fls. 927-930.
Documento 40 – Venda do imóvel T1 sito na Sé …, C…, datada de 25/08/2014. De fls. 931-934.
Documento 41 – Compra de Estúdio datada de 05/09/2014, de fls. 935-937.
Documento 42 – Venda do Estúdio datada de 21/08/2015, de fls. 938-939.
Documento 43 – Contrato de promessa e venda do Estúdio datado de 15/05/2015, de fls. 940-942.
Documento 44 – Comissão da imobiliária ERA na venda do Estúdio de fls. 943.
Documento 45 – Contrato de arrendamento do Estúdio e respectivos recibos de fls. 944-947.
Documento 46 – Recibo Competir de fls. 948.
Documento 47 - Resumo: demonstração que a importância de € 8.294,61 resulta da conta dólares, a qual provém de uma mera conversão de um saldo de conta bancária em euros para dólares de fls. 949.
Documento 48 – Despesas – Documento complementar ao Documento 16 que justifica alguns dos movimentos que ali constam.
Documento 49 – Cardozugest M avaria no computador datado de 20/07/2011 de fls. 951.
Documentos 50 e 51 – Hipoteca referente à casa da mãe do arguido datada de 29/11/2013, de fls. 952-970.
Documento 52 – UP Banif de fls. 971.
Assim como, na análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária nos termos acima expostos.
Assim como, depoimento das seguintes testemunhas:
ÂMA adquiriu um imóvel ao arguido.
CCD mãe do arguido que explicitou as razões do arguido figurar como titular nas suas contas bancárias.
PDE irmã do arguido que explicitou as razões do arguido figurar como titular nas suas contas bancárias.
JNE pai do arguido que explicitou as razões do arguido figurar como titular nas suas contas bancárias.
LRA conservador dos registos aposentado, amigo do arguido há mais de 30 anos, o qual com ele trabalhou na conservatória de Tábua.
LFV mulher do arguido esclareceu as razões da existência das contas bancárias e dos movimentos que efectuou entre contas bancárias.
MBC foi inquilino do arguido na casa da Parede.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
A análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição do arguido FGOS..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
Por seu turno, a análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição do arguido JG..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo, quanto a este incidente, teve em consideração os seguintes meios de prova:
Documentação bancária de fls. 1103-1183.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
Por seu turno, a análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição do arguido PV..
Este arguido foi absolvido de todos os crimes que lhe foram imputados.
O tribunal a quo, quanto a este incidente, teve em consideração os seguintes meios de prova:
Documento 1 – Extracto "FZ, Ldª ." de fls. 1915-1917.
Documento 2 – Quotas Condomínio de fls. 1918-1919.
Documento 3 – Recibo sinal de fls. 1920.
Documento 4 – Recibo Dez2014 de fls. 1921.
Documento 5 – Recibo Fev2014 de fls. 1922.
Documento 6 – Recibo Mar2014 de fls. 1923.
Documento 7 – Recibo Dez2011 de fls. 1924.
Documento 8 – Recibo Set2011 de fls. 1925.
Documento 9 – Recibo Out2011 de fls. 1926.
Documento 10 – Declaração de abonos IRS ano2011 de fls. 1926.
Documento 11 – Notificação de levantamento penhora de fls. 1927.
Documento 12 – Informação registo do veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX de fls. 1929.
Documento 13 – Extracto "BPI" de fls. 1930-1935.
Documento 14 – Nota de transferência de fls. 1936.
Documento 15 – Nota de transferência de fls. 1937.
Documento 16 – Factura de reparação de fls. 1938.
Documento 17 – Factura de honorários de fls. 1939.
Documento 18 – Esclarecimento AT de fls. 1940.
Documento 19 - Folha de abonos recibo de fls. 1941.
Documento 20 – mensagem de correio electrónico D…-FISCALIS de fls. 1942.
Documento 21 – Mestrado.pdf de fls. 1943-1947.
Documento 22 – Extracto conta "Caixa Geral de Depósitos" 200…….700 de fls. 1948-1957.
A análise efectuada pelo Gabinete de Recuperação de Activos, tal como acima se referiu, não considerou a determinação do património financeiro transferências entre contas tituladas pelo arguido, anulações, entre outras – e na determinação do rendimento lícito – ao aceitar acriticamente como rendimento lícito somente os valores declarados perante a Autoridade Tributário desconsiderou valores que licitamente obtidos não estão sujeitos a declaração fiscal, tais como, subsídios, ajudas de custo, reembolso de despesas, juros e rendimentos financeiros.
Por seu turno, a análise da Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária emana de uma entidade autónoma em relação à investigação – cuja isenção não suscita dúvidas – e cuja abordagem se afigura transparente.
Com efeito, esta análise apresenta a origem e destino dos movimentos bancários em causa; permitindo, assim, de uma forma simples e rápida localizar as entradas de dinheiro ex novo e que possam suscitar dúvidas sobre a sua licitude.
Pelo que se confirma a improcedência quanto a este arguido da perda alargada de bens.
- Quanto ao património ou à posição da arguida MA..
Nos presentes autos, após condenação pelo tribunal de primeira instância e parcial procedência de um recurso, sobreveio a condenação desta arguida pelo cometimento de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos Art.ºs 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (factos descritos sob o ponto E).
Na sua resposta ao recurso, esta arguida suscita a intempestividade da liquidação de bens e inerente pedido de perda ampliada, alegando que a mesma não foi apreciada pelo tribunal a quo.
No âmbito desta perda alargada de bens há que apreciar os seguintes meios de prova:
. Declaração sobre o valor do património e rendimentos dos titulares de cargos políticos e equiparados de fls. 524-531 apresentada pela arguida MA a 15/12/2011.
. Documentação bancária de fls. 2658, 2666-2668, 2672-2678, .
. Escritura de compra e venda datada de 16/12/2011 de fls. 2660-2664.
. Declaração de fls. 2665.
. Declaração de contabilista de fls. 2669-2671 e 2679.
. Extracto de conta de fls. 2680-2686.
Cumpre apreciar.
Ora, analisando em termos sintéticos a questão prévia da intempestividade suscitada pela aqui respondente, verifica-se facilmente que o tribunal a quo conheceu efectivamente da questão da tempestividade do incidente de liquidação, suscitada por esta arguida e também pelo arguido JA, nos seguintes moldes:
“Da intempestividade – e consequente inadmissibilidade – da liquidação deduzida.
Do processo não é possível extrair qualquer conclusão sobre uma intenção ilícita, malévola na conclusão do relatório do Gabinete de Recuperação de Activos, o qual terá estado na base da liquidação de bens para efeito de declaração de perda alargada.
Nada leva a crer que a investigação quis deliberada ou culposamente prejudicar os direitos de defesa dos arguidos e, para tal, protelou a conclusão do relatório em causa.
O que podemos ter como assente é a junção ao processo do relatório em data posterior à dedução de acusação.
Deste modo, não estando na posse de todos os elementos de prova para promover o incidente de liquidação de bens, o Ministério Público não poderia apresentar essa peça processual conjuntamente com a dedução de acusação.
Pelo que, ao fazer a apresentação antes do trigésimo dia anterior à data do despacho que designa dia para julgamento, fê-lo tempestivamente.
E, não se divisa ser este entendimento contra a Constituição da República Portuguesa, designadamente, o artigo 32.º n.º 1 e n.º 5.
E, os direitos de defesa dos arguidos não são lesados na medida em que é permitida a apresentação de defesa autónoma ao pedido de declaração de perda alargada.
Caso em que não poderá proceder a defesa dos requeridos.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefiro a requerida intempestividade – e consequente inadmissibilidade – da liquidação deduzida”.
Ora, não tendo qualquer dos arguidos em causa recorrido desta matéria, impedido se encontra este tribunal de recurso em conhecer desta aventada matéria.
Mesmo que assim não fosse, atenta a confirmação da improcedência desta liquidação da perda alargada, se consideraria inútil conhecer da aventada questão prévia.
Após ponderação da prova oferecida pela recorrida, desde logo no incidente de arresto preventivo, mas também no decurso das audiências de julgamento, o tribunal a quo considerou justificadas, isto é, lícitas, todas as quantias parcelares que, uma vez agregadas, fariam o total da incongruência.
Daí ter referido que não se apurou origem ilícita, o que, tem como correspectivo, no caso concreto, a determinação da sua origem lícita e não o vazio probatório, capaz de accionar a dita presunção, como defende o Ministério Público.
Neste sentido, não obstante a condenação desta arguida, terá que concluir-se como fez o tribunal recorrido pela elisão da presunção do património incongruente liquidado pelo Ministério Público, confirmando-se a improcedência da perda alargada de bens, também quanto a esta arguida.
****
E, assim, agora quanto a todos os arguidos, tal como acima se fundamenta, há que confirmar na sua globalidade a decisão do tribunal recorrido no que respeita a esta liquidação.
Pelo que se considera improcedente este fundamento do recurso apresentado pelo Ministério Público, confirmando-se a fundamentação exposta pelo tribunal recorrido no que respeita à absolvição destes arguidos do pedido de perda alargada de bens.
Inconstitucionalidades
35. Na parte final da motivação e posteriormente das conclusões, a arguida MA formula a arguição de um conjunto de onze inconstitucionalidades.
Salvo melhor entendimento, a imputação carece de um suporte argumentativo mínimo de concretização dos princípios constitucionais violados.
Consideramos que se mostra prejudicada a necessidade de aqui se tomar posição neste âmbito, uma vez que este Tribunal não perfilhou nenhuma das interpretações normativas cuja inconstitucionalidade a recorrente (aparentemente) suscita.
III – DISPOSITIVO
36. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1º- Em indeferir a reclamação para a conferência de arguição de irregularidades processuais na decisão singular de 26-02-2020, formulada por AF..
2º- Em indeferir a reclamação para a conferência de arguição de nulidades e irregularidades processuais na decisão singular de 26-02-2020, formulada pelos arguidos ILS,Ldª e PLC e confirmar o despacho liminar reclamando nos seus precisos termos.
3º- Em julgar improcedente o recurso interlocutório do Ministério Público interposto do despacho judicial de 18-03-2018 que indeferiu a arguição de nulidade de anterior despacho que tinha indeferido a reprodução em audiência das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito e de instrução.
4º- Em julgar improcedente o recurso interlocutório do Ministério Público interposto do despacho judicial de 19-03-2018 que indeferiu a arguição de nulidades de anterior despacho que tinha indeferido incidente de quebra de sigilo profissional.
5º- Em julgar improcedente o recurso interlocutório do Ministério Público interposto do despacho judicial de 15-05-2018 que admitiu a junção aos autos de exposições escritas após a realização das alegações orais.
6º- Em indeferir a arguição do Ministério Público de irregularidade processual por falta de assinatura da juíza adjunta do tribunal colectivo.
7º- Em julgar parcialmente procedentes o recurso do Ministério Público, o recurso do arguido AF e o recurso da arguida MA quanto ao acórdão final do tribunal de primeira instância e, em consequência, deliberam:
A)-Revogar e modificar parcialmente a decisão em matéria de facto nos termos acima expostos[341]:
B- Absolver o arguido AF do cometimento em autoria material de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, pelos factos acima descritos sob o ponto E.
C- Condenar o arguido AF pelo cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva, agravado pelo valor da vantagem prometida, previsto e punido nos artigos 17º nº 1, 19º nº 2 e nº 3 da Lei nº 34/87 de 16 de Julho, pelos factos descritos no núcleo B, em três anos e dez meses de prisão.
D- Condenar o arguido AF pelo cometimento em autoria material de um crime de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 376.º n.º 1 do Código Penal, pelos factos descritos no núcleo B, em cinco meses de prisão.
E- Condenar o arguido AF pelo cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, pelos factos acima descritos sob o ponto E, em três anos e três meses de prisão.
F- Condenar o arguido AF, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de cinco anos de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo.
G- Absolver a arguida MA do cometimento em autoria material de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos termos dos artigos 18.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87.
H- Condenar a arguida MA, pelo cometimento em autoria material de um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, previsto e punido nos artigos 17.º n.º 1, ex vi 3.º-A alíneas d), e), f), todos da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, pelos factos descritos sob o ponto E, na pena de três anos e cinco meses de prisão de execução suspensa por igual período de tempo.
I- Condenar o arguido Z, pelo cometimento em co-autoria material de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal pelos factos do Núcleo B, na pena de três anos e cinco meses de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo.
J- Absolver o arguido Z da prática, como autor material, de um crime de tráfico de influência, previsto e punido pelo artigo 335.º nº 2 do Código Penal pelos factos descritos no núcleo B.
L- Condenar a arguida ZB pelo cometimento, em co-autoria material, de um crime de corrupção activa previsto e punido nos artigos 18.º n.º 1, 19.º n.º 2 e n.º 3, 3.º-A alíneas d), e), f) da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, 202.º alínea b) do Código Penal na pena sw três anos e três meses de prisão de execução suspensa por idêntico período de tempo.
M- Revogar a condenação dos arguidos AF e MA em pena acessória de proibição do exercício de função.
N- Manter o decidido no acórdão recorrido quanto a tudo o mais.
Sem tributação (o artigo 513º do Código de Processo Penal dispõe que só há lugar ao pagamento de taxa de justiça pelo arguido quando ocorra decaimento total – o que não foi o caso - e a decisão e apreciação dos incidentes de reclamação para a conferência não seguiram processado autónomo).
Tribunal da Relação de Lisboa, 24 de Junho de 2020.
Texto elaborado e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
João Lee Ferreira
Nuno Coelho
_______________________________________________________ [1] O juiz relator e o juiz adjunto escrevem de acordo com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990. As transcrições serão efectuadas nos seus precisos termos, ou seja, respeitando a ortografia original. [2] De acordo com o exposto na página 956 do ACÓRDÃO, “na construção da narrativa do núcleo B foi essencial o estabelecimento de vários acordos, apenas se tendo demonstrado o acordo entre os arguidos AF, Z e ZB para aquele fazer uso da sua influência junto do arguido MP e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, assim como, na utilização dos meios materiais ao dispor no "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." com vista à prospeção imobiliária. Aqui a prova embora indireta preencheu todo o iter lógico, incluindo a conversa telefónica em que o arguido Z comunica ao arguido AF que tem guardados para ele € 5000,00 e este fica agradado com a promessa e, posteriormente, diz àquele que vai reparti-los com o arguido MP.” [3] Em declarações que prestou no dia 14-03-2017, sensivelmente ao minuto 00:36:29 a 00:37:09 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso, para onde se remete. [4] Declarações prestadas no dia 14-03-2017 das 14:41:58 a 16:14:10, sensivelmente ao minuto 00:45:39 a 00:56:26 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso, para onde se remete. [5] Conforme declarações que prestou no dia 14-03-2017 sensivelmente ao minuto 01:08:43 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso, para onde se remete. [6] Depoimento prestado no dia 14-03-2017, sensivelmente ao minuto 01:04:27 a 01:06:24 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso, para onde se remete. [7] FMN foi perentória ao descrever esta atitude do Recorrente como uma forma de estar dele. E frisou que sempre o conheceu assim. [8] Declarações prestadas em 13.11.2017 por AF, sensivelmente ao minuto 00:31:58 a 00:35:58 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [9]In M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 2014, anotação 5, pág. 1246. [10] De acordo com jurisprudência fixada, os casos especialmente previstos na lei são os casos em que, de modo especial, particularmente, com particular referência, a lei declara a punição da negligência e, portanto, não se mostrando prevista, de modo particular, na norma que estabelece o regime sancionatório, a punição por negligência das condutas tipificadas também na mesma norma, só é possível a sua punição a título de dolo. [11] Depoimento prestado no dia 20.03.2017, sensivelmente ao minuto 00:50:59 a 00:54:34 da gravação cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete.: [12] Depoimento prestado no dia 20.03.2017, sensivelmente ao minuto 00:07:38 da gravação. [13] Para além de se encontrar disponível em fonte aberta, a Portaria 547/2009 de 25.5. consta de fls. fls. 19289-19291 dos autos principais. [14] Página 399 do ACÓRDÃO. [15] Páginas 404 e 405 do ACÓRDÃO. [16] Prestadas no dia 23-01-2018 das 14:31:34 às 15:38:29 [17] Declarações prestadas no dia 23.01.2018, sensivelmente ao minuto 00:02:15 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [18] Secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça, à data dos factos. [19] Depoimento prestado em 28.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:08:29 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [20] Depoimento prestado em 28.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:04:36 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [21] Declarações prestadas em 13.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:28:47 a 00:31:30 da gravação, cfr transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [22] Sensivelmente ao minuto 00:31:10, da gravação do dia 14.11.2017. [23] Declarações prestadas em 23.01.2018, sensivelmente ao minuto 00:27:12 a 00:32:09 da gravação, cfr transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [24] Depoimento prestado 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:04:44 da gravação. [25] Depoimento prestado em 23.01.2018, sensivelmente ao minuto 00:04:36 da gravação. [26] Depoimento prestado em 12.09.2017, sensivelmente aos minutos 01:12:12 a 01:12:52 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [27] Declarações de 23.01.2017, sensivelmente ao minuto 00:24:57 da gravação. [28] Cfr. fls. 154 do relatório 1 do apenso P e fls. 309 do documento 1 da pasta 2 do apenso de busca 32. [29] Tal email consta de fls. 131 a 144 do relatório 1, Apenso P. [30] Declarações prestadas em 13.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:31:53 a 00:32:25 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [31] Depoimento de 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:04:44 da gravação. [32] Depoimento de 30.05.2017 sensivelmente ao minuto 00:20:04 a 00.20:30 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [33] Diretora de Serviços Humanos na Secretaria Geral do MJ e ex-perita da CRESAP indicada pelo MJ. [34] Depoimento de 22.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:24:52 da gravação. [35] Depoimento prestado a 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:06:57 da gravação. [36] Página 406 e 407 do ACÓRDÃO. [37] Cfr. páginas 408 a 412 do ACÓRDÃO. [38] AF facultou a password para a testemunha poder visualizar à distância o que o primeiro já teria escrito, desconhecendo se suas colegas teriam a password – cfr. minuto 00:11:07 do depoimento prestado no dia 26.06.2017. [39] Depoimento prestado em 20.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:07:59 a 00:08:39 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [40] Depoimento de 30.05.2017, sensivelmente ao minuto 00:26:02 da gravação. [41] Depoimento de 13.07.2017, sensivelmente ao minuto 00:37:12 da gravação. [42] Depoimento de 26.02.2017, sensivelmente ao minuto 00:04:32 da gravação. [43] Depoimento de 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:20:40 da gravação. [44] Depoimento de 14.03.2017, sensivelmente ao minuto 01:06:18 da gravação. [45] Depoimento de 22.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:20:08 da gravação. [46] Documento n.º 2 junto com a CONTESTAÇÃO de AF. [47] Depoimento de 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:09:37 da gravação. [48] Declarações de 23.01.2017, sensivelmente ao minuto 00:22:30 da gravação. [49] Declarações de 23.01.2017, sensivelmente ao minuto 00:14:04 a 00:15:45 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [50] Declarações de 23.01.2017, sensivelmente ao minuto 00:24:32 a 00:24:40 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [51] Depoimento de 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:20:40 da gravação. [52] Cfr. pontos E.45 a E.48 da matéria de facto provada da PRONÚNCIA (páginas 411e 412 do ACÓRDÃO). [53] Depoimento prestado em 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:11:37 da gravação. [54] Depoimento prestado em 22.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:22:27 da gravação. [55] Depoimento prestado em 14.03.2017, sensivelmente ao minuto 01:28:10 da gravação. [56] Depoimento prestado em 14.03.2017, sensivelmente ao minuto 01:50:09 da gravação. [57] Declarações prestadas em 14.11.2017, sensivelmente ao minuto 00:32:29 da gravação. [58] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:10:10 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [59] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:55:24 a 00:56:44 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [60] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00.29:00 da gravação. [61] Cfr. página 414 do ACÓRDÃO, “Em 1 de Fevereiro de 2014, a fim de melhor preparar a entrevista, colocando-se numa situação de vantagem concorrencial perante os restantes candidatos, o arguido AF solicitou à arguida MA que lhe facultasse o documento designado Perfil de Competências Comportamentais que fazia parte da documentação enviada pelo Ministério da Justiça à CReSAP para preparação do concurso, pedido a que a arguida MA, em violação dos deveres de isenção e sigilo a que estava obrigada, acedeu.” [62] Cfr. Apenso C, Volume II, fls. 644. [63] Que consta do Apenso de Busca 13, documento 7, fls. 16 a 17 verso. [64] Transcrição de escuta telefónica entre AF e JM que consta do Apenso C, Volume II, fls. 654 e 655. [65] Transcrição de escuta telefónica entre AF e JR que consta do Apenso C, Volume II, fls. 652 [66] Depoimento prestado em 20 de junho de 2017. [67] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:05:20 da gravação. [68] Sensivelmente ao minuto 00:07:41 da gravação. [69] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:01:43 a 00:02:48 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [70] Depoimento prestado em 22.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:06:54 da gravação. [71] Depoimento prestado em 22 de junho de 2017. [72] Depoimento prestado em 20.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:18:26 a 00:18:39 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [73] Cfr. Apenso C, volume II, fls. 697. [74] Declarações prestadas a 23.01.2017, sensivelmente ao minuto 01:01:13 da gravação. [75] 172.O arguido AF, informou-se acerca do andamento do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." junto de AFF. [76] 175.Considerando o apoio por parte da Secretária-Geral à candidata CF, o arguido AF consultou o Dr. JM, Vice-Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." e elemento do júri do concurso, tentando aferir acerca da escolha feita. [77] 176.O arguido AF apenas reportou ao Dr. JM o interesse preferencial da Secretária Geral do Ministério da Justiça. [78] Depoimento prestado a 30.05.2017, sensivelmente ao minuto 00:35:53 a 00:36:15 da gravação, cfr. transcrição feita da motivação do presente recurso para onde se remete. [79] Depoimento prestado a 30.05.2017, sensivelmente ao minuto 00:55:13 a 00:56:17 da gravação, cfr. transcrição feita da motivação do presente recurso para onde se remete. [80] Depoimento de 26.06.2017 [81] Depoimento de 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:19:46 da gravação. [82] Junta aos autos pelo requerimento de fls… [83] Cfr. página 508 do ACÓRDÃO. [84] Depoimento de HM, prestado em 26.06.2017, a instâncias de Rita Castanheira Neves, esta questão foi abordada, sensivelmente ao minuto 00:26:59 a 00:28:22 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete. [85] Depoimento prestado a 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:11:09 da gravação. [86] Despacho 8142-A/2013, de 21 de junho. [87] Cfr. página 423 do ACÓRDÃO. [88] Email que consta do Apenso P, Relatório 1, fls. 128. [89] Depoimento prestado em 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:10:40. [90] Cfr. página 425 do ACÓRDÃO. [91] Cfr. apenso C, volume II, fls. 476 e 477. [92] Depoimento prestado em 26.06.2017, sensivelmente ao minuto 00:25:29 a 00:26:00 da gravação, cfr. transcrição feita na motivação do presente recurso para onde se remete.
[93] Acórdão citado in M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte geral e especial com notas e comentários, Almedina, 2014, pág. 1247. [94] Recordamos que o ponto 3.1.1 do ACÓRDÃO (páginas 147 a 837) se refere à MATÉRIA DE FACTO PROVADA. [95] Página 166 do ACÓRDÃO. [96] Páginas 167 e 168 do ACÓRDÃO. [97] Página 184 do ACÓRDÃO. [98] Página 186 do ACÓRDÃO. [99] Página 190 do ACÓRDÃO. [100] Página 191 do ACÓRDÃO. [101] Páginas 191 e 192 do ACÓRDÃO. [102] Página 198 do ACÓRDÃO. [103] Páginas 204 e 205 do ACÓRDÃO. [104] Páginas 208 e 209 do ACÓRDÃO. [105] Matéria de facto provada onde se descreve que foram lavradas por Filomena Gaspar Rosa no SIR – Soluções Integradas de Registo em Lisboa, diversas escrituras públicas e emitidos no SIR, certidões e outros documentos. Tratam-se de atos que, na ótica do ACÓRDÃO, consubstanciam a tal “instrumentalização”, neste caso, dos serviços do Sistema Integrado de Registo (cfr. página 214 do ACÓRDÃO). [106] Página 239 do ACÓRDÃO. [107] Página 250 do ACÓRDÃO. [108] Página 252 do ACÓRDÃO. [109] Página 254 do ACÓRDÃO. [110] Página 256 do ACÓRDÃO. [111] Página 258 do ACÓRDÃO. [112] Página 259 do ACÓRDÃO. [113] Página 260 do ACÓRDÃO. [114] Página 261 do ACÓRDÃO. [115] Página 261 do ACÓRDÃO. [116] Página 262 do ACÓRDÃO. [117] Página 266 do ACÓRDÃO. [118] Página 271 do ACÓRDÃO. [119] Página 275 do ACÓRDÃO. [120] Página 275 do ACÓRDÃO. [121] Páginas 275 e 276 do ACÓRDÃO. [122] Página 284 do ACÓRDÃO. [123] Página 288 do ACÓRDÃO. [124] Página 290 do ACÓRDÃO. [125] Página 192 do ACÓRDÃO. [126] Página 196 do ACÓRDÃO. [127] Página 196 do ACÓRDÃO. [128] Página 197 do ACÓRDÃO. [129] Página 199 do ACÓRDÃO. [130] Páginas 200 e 201 do ACÓRDÃO. [131] Página 201 do ACÓRDÃO. [132] Página 207 do ACÓRDÃO. [133] Página 208 do ACÓRDÃO. [134] Página 250 do ACÓRDÃO. [135] Estatui o artigo 97, n.º 4 que “os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. [136] “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.” [137] “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. [138] Deste último normativo decorre, em suma, que a fundamentação da sentença penal é composta por dois grandes segmentos: i. Enumeração dos factos provados e não provados; ii. Exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.01.2011, processo n.º 1670/07.4TAFUN-A.L1-5. [139] Reforça, assim, o legislador, o dever de fundamentação relativamente à sentença penal, como garante da total transparência da decisão, no sentido da sua compreensibilidade, de modo a que os destinatários possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, baseados no apuramento objetivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito. Neste sentido António Henriques Gaspar e outros, CPP Comentado, Almedina, 2014, pp. 1168 e ss. [140] Direito consagrado no artigo 2 do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em vigor desde 1 de novembro de 1984. [141] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.11, processo n.º 1416/07, compete o Tribunal promover a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, a qual deve ser completa, ainda que concisa, contendo a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, bem como a análise crítica das mesmas, nomeadamente as razões pelas quais valorou as provas em determinado sentido, “exprimindo as razões por que umas são elegíveis e outras não”. [142] O legislador não reconhece dignidade penal a quanto se encontre abaixo do nível do valor apreciável. [143] Refere Conceição Ferreira da Cunha que “…o legislador pretendeu restringir o objeto do presente tipo legal face ao objeto do crime de peculato (cf. art. 375º 8 ss.) ao exigir que as coisas móveis sejam de valor apreciável, exemplificando com o caso dos veículos.” [144] Disponível através do seguinte link: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3c84c84d8b5aad7280257279004f15e7?OpenDocument [145] Conceição Ferreira da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Artigos 308 a 386, Coimbra Editora, 2001, página 707, § 3 do artigo 376. [146] Disponível no seguinte link: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/22238f460ec9d075802582510044853f?OpenDocument [147] Neste sentido, ainda que por referência ao n.º 2 do artigo 376 do Código Penal, verVictor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, páginas 1004 e 1005, que aqui transcrevemos, por facilidade: “A conduta típica atinente ao n.º 2 reconduz-se ao facto de o agente dar ao dinheiro público um destino público diverso daquele a que o mesmo estava afeto, sem justificativas «especiais razões de interesse público». Com estas, efetivamente, não se realiza o tipo em causa. E tais razões «são os motivos atinentes às necessidades ou bem estar da comunidade», impondo a lei que se trate de um motivo suficientemente importante (e premente) para, de facto, se justificar (tornar aceitável, necessário ou até imperioso) o desvio (…) ibidem, citando COSTA ANDRADE, 716). De resto, tudo indica que a lei quis estabelecer uma mais benévola, relativamente ao caso de desvio de dinheiro público para finalidades públicas, do que a atinente ao desvio para outras finalidades (v.g. particulares) (cfr. ibidem, 716/717, e, supra, 6).” [148] Cfr., informação "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." de fls. 19288-19294 – SIR – cópia apenso W, 2.º volume. [149] Para além de se encontrar disponível em fonte aberta, a Portaria 547/2009 de 25.5. consta de fls. fls. 19289-19291 dos autos principais. [150]in Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, anotação 13 ao artigo 376 do Código Penal, página 1001. [151]In Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, página 1003. Os autores citam, por sua vez “Leal-Henriques/Simas Santos, 708”. [152] Neste sentido, ainda que por referência ao n.º 2 do artigo 376 do Código Penal, verVictor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, páginas 1004 e 1005. [153] Neste sentido, ainda que por referência ao n.º 2 do artigo 376 do Código Penal, verVictor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette; Código Penal Anotado e Comentado, Legislação Conexa e Complementar, 2.ª Edição, Quid Juris Sociedade Editora; 2014, páginas 1004 e 1005. [154] Embora o seja cada vez menos no que à originalidade diz respeito neste tipo de casos [155] Sabe-se lá porquê, mas cfr. ponto E.7 da matéria de facto provada (página 399 do ACÓRDÃO) [156] Reconhecida na Página 954 do ACÓRDÃO e exuberantemente provada. [157] Cfr. Página 951 do ACÓRDÃO. [158] Cfr. Página 952 do ACÓRDÃO. [159] Cfr. Página 953 do ACÓRDÃO. [160] Abordado a partir da Página 961 do Acórdão, onde, por lapso, se refere o núcleo F. [161] Cfr. Página 961 do ACÓRDÃO. [162] Cfr. Página 961 do Acórdão. [163] Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/44f946ddee30661580257822004c4a49 Eis o excerto pertinente do Acórdão:
“De acordo com o art. 374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada.” [164] Cfr. Cfr. páginas 210 a 268 do presente Recurso. [165] Como bem expende o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 5.03.2018 (proc. n.º 193/12.4TABRG.G1), “por vezes, assomam entre nós umas conhecidas pulsões para vislumbrar a existência de crime em todo o lado, bem como para a expansão do direito penal, sugerindo o uso da sua “artilharia pesada” contra toda e qualquer conduta que atice alguma censura ético-social, seja esta de que tipo for. (…) não pode, adequadamente, enquadrar-se num ilícito típico, ainda que, formalmente, assim o pareça: só é considerável relevante para o direito penal a conduta socialmente danosa, que atinge o meio em que as pessoas vivem, ferindo em elevado grau o sentimento de justiça e o senso de adequação social de um povo, estando, pois, excluídas da incidência típica as condutas que, em determinado contexto histórico, são socialmente toleradas e praticadas pela sociedade, mesmo que, desrespeitando regras administrativas ou, p. ex., de âmbito civil, não sejam inteiramente normativas [166] Matéria da qual o ACORDÃO se ocupa a partir da página 2211. [167] Cfr. a PÁGINA 2227 do ACÓRDÃO. [168] Cfr. o artigo 30 n.º 1 do Código Penal. [169] Ver a este respeito Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais a Doutrina Geral do Crime, 2ª edição, página 978. [170] Sobre o princípio non bis in idem ver ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira na CRP Anotada, 1ª edição, Coimbra Editora, artigos 1 a 107, página 497. [171] Cfr. o artigo 1, n.º 1, do C.P. [172] Veja-se a motivação do presente recurso na parte das “Concretas provas que impõem decisão diversa”, designadamente, subtítulo “Sobre o circunstancialismo da abertura do procedimento concursal para provimento do cargo de Presidente do Conselho Diretivo do IRN”. [173] Designadamente, nos subtítulos relativos às concretas provas que impõe decisão diversa, “E-4 Do concurso para Chefe de Divisão do Departamento de Recursos Humanos e do Sector de Administração de Recursos Humanos do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." a que concorreu CF” e “E-6. Do concurso para Secretário-geral do Ministério da Administração Interna em que foi oponente HM” [174] Veja-se, relativamente a este ponto, a escuta telefónica havida entre o Recorrente e MA que consta de Apenso C, volume I, fls. 154, que se transcrevem:
AF: Falei com o JM a sobre quele concurso que ele é Presidente de Juri,
MA: Sim
AF: Aquilo que mandou, mensagem
MA: Sim,
AF: Da CF
MA: Lembro, sim
AF: Ahhh e aquilo ele não está pa aí virado, minimamente
MA: Não? Pronto paciência [175] Cfr. Depoimento de JM e AFF, expendidos na motivação. [176] Op. cit. pág. 665. [177] Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, página 664. [178] Veja-se a motivação das concretas provas que impõem decisão diversa, designadamente, a transcrição do Auto de Transcrição de Conversações ou Comunicações, que consta do Apenso de Investigações C, vol. I, fls. 148 a 150, bem como os depoimentos de JM e de AFF. [179] Cfr. página 508 do ACÓRDÃO. [180] Op. cit. página 127. [181] Op cit. páginas 127 e 128. [182] Página 2417 do ACÓRDÃO. [183] Neste sentido, Paulo de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCP, 2.º Ed.º, pág.ª 256: As penas acessórias são “uma consequência jurídica do crime aplicável ao agente imputável em cumulação com uma pena principal”, mas que revestem autonomia em relação a esta. Não um efeito da pena, nem uma sua consequência automática. [184] In Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado…, 2.ª edição atualizada, UCP, pág. 259. [185] In Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado…, 2.ª edição atualizada, UCP, pág. 259 e 260. [186] Página 2417 do ACÓRDÃO. [187] Artigos 1680 a 1693 da PRONÚNCIA. [188] Páginas 425 e seguintes do ACÓRDÃO. [189] Que cumpre transcrever:
127.À data dos factos descritos, a arguida MA era titular de alto cargo público no exercício das funções desempenhadas, quer enquanto Secretária-Geral do Ministério da Justiça, quer como Vogal Não Permanente da CReSAP.
128.O arguido AF, na qualidade de Presidente do Conselho Diretivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", era igualmente titular de alto cargo público.
129.Ambos os arguidos AF e MA sabiam que, por força dos cargos que respetivamente ocupavam, estavam obrigados a estritos deveres de isenção e imparcialidade.
130.Sabiam também que estavam sujeitos aos princípios gerais da prossecução do interesse público, da legalidade, da objetividade e da independência.
131.Não obstante, firmaram um acordo mediante o qual ambos aceitaram violar tais deveres em favor um do outro ou de terceiros por si escolhidos.
132.Ao atuarem pela forma descrita, solicitando por um lado, que o outro violasse os deveres funcionais em prol dos seus interesses privados e, aceitando, por outro lado, violar os seus próprios deveres do cargo após solicitação, os arguidos AF e MA transacionaram com os seus cargos, colocando os respetivos poderes funcionais ao serviço de interesses privados, manipulando o aparelho de Estado, em violação da autonomia e das exigências de legalidade, objetividade e independência do Estado de Direito.
133.A arguida MA ao atuar pela forma descrita no âmbito do acordo entre ambos, solicitando ao arguido AF que intercedesse junto do arguido MM, à data Ministro da Administração Interna, para que este beneficiasse HM, sabia que o mesmo estava numa situação privilegiada de amizade com aquele.
134.A arguida MA ao atuar pela forma descrita no âmbito do acordo entre ambos, solicitou ao arguido AF para exercer o seu poder institucional de influência no âmbito do concurso público a que era oponente CF, de forma a alcançar uma decisão que a beneficiasse por parte do júri do concurso.
135.Sabia também que o arguido AF poderia, efetivamente, aceder aos seus pedidos, como acedeu, e dessa forma obter uma decisão ilícita por violação dos princípios de isenção e imparcialidade.
136.O arguido AF, no âmbito do acordo firmado com a arguida MA, aceitou usar da sua influência sobre o arguido MM, contactando-o para o influenciar na respetiva escolha e desta forma obter de um decisor público uma decisão favorável aos interesses de um terceiro.
137.Do mesmo modo, o arguido AF, ao interceder junto do Dr. JM que este, enquanto presidente de júri, beneficiasse CF em detrimento de outro concorrente, queria obter dele uma decisão que sabia ser contrária aos respetivos deveres do cargo, nomeadamente o dever de isenção.
138.Sabiam ambos os arguidos que a sua atuação colocava em risco a autonomia intencional do Estado e o princípio da legalidade.
139.Ao atuar da forma descrita, violaram os arguidos AF e MA os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de imparcialidade, de zelo, de lealdade, (artigo 3.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 do Estatuto dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro e, atualmente, pelo artigo 73.º n.º 1 e n.º 2 alíneas a), b), c), e), g), n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 9 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, artigos 4.º e 34.º alíneas b) e c) do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro
140.As condutas adotadas pela arguida MA acima descritas integram um notório desvio funcional em proveito de interesses de natureza particular, atenta as especiais incumbências estatutárias da CReSAP, na prossecução de objetivos de meritocracia, transparência e igualdade no acesso ao exercício dos altos cargos públicos do Estado.
141.Das mesmas resultando uma quebra de confiança irremediável e a falta de condições pessoais da arguida para o exercício das funções públicas que lhe estavam cometidas no âmbito da CReSAP e no âmbito do seu cargo público de origem na Polícia Judiciária, bem como em quaisquer outros cargos públicos cujo exercício pressuponha a observância de especiais deveres de isenção, independência e sigilo. [190] Disponível em https://dre.pt/application/file/a/454884 [191] Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/D2E81ACA7C5349628025763500395146 [192] Fls. 22626 dos autos principais. [193] Bem sabemos que nos termos do disposto no artigo 66, n.º 3 do CP, “não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança”. [194] Nesse sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado…, 2.ª edição atualizada, UCP, pág. 260, e Acórdão da Relação do Porto, de 8.11.2000 e acórdão da Relação do Porto de 25.01.2005. [195]Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f3eb89bb61cb9633802579b50067ec00?OpenDocument [196] In acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.03.2015 (proc. n.º 767/11.0TACTB-A.C1), disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/b2f37b8d1d2e59a880257e1300520fe4?OpenDocument, “Daqui resulta que a eficácia da punição que se visa acautelar com a medida de coação prevista no artigo 199º, é a sanção acessória a que se reporta o art.º 66º do C. Penal ( neste sentido Ac. TRL de 28-09-2011 in www.dgsi.pt) .
Como, bem, refere o Ex.mo PGA, “o que se visa com a suspensão do exercício de função é proteger o cabal desempenho desta e não o contacto do funcionário com determinadas parcelas do seu exercício, mormente, no caso, o acesso a determinados processos, como decorre inclusivamente da pena de proibição de exercício, a que a suspensão anda associada, consignada no artº 66º nº1 do CPP, sendo que a situação se enquadra claramente na al. a) deste número”.” [197] O acórdão do tribunal colectivo foi proferido a 04-01-2019 e depositado a 14-01-2019, o processo deu entrada neste TRL em 28-11-2019 e foi distribuído no dia seguinte, a primeira conclusão ao relator, após o cumprimento do artigo 416º do Código de Processo Penal, é de 07-01-2020. [198] Na RLJ, 3860, pp. 332-352. [199] Artigo 107.º do Código Penal:
Renúncia ao decurso e prática de acto fora do prazo
1 - A pessoa em benefício da qual um prazo for estabelecido pode renunciar ao seu decurso, mediante requerimento endereçado à autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a qual o despacha em vinte e quatro horas. (…)
6 - Quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º e 315.º e nos n.os 1 e 3 do artigo 411.º, até ao limite máximo de 30 dias. [200] Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, 354 [201] Pontos 90 a 157, de fls. 42134 vº a 42141 v.º e tabelas 1 a 8 no anexo 1 de fls. 42292 v.º a 42319 v.º. [202] Importa ter presente o quadro limite dos poderes de cognição deste Tribunal da Relação, decorrente do disposto nos artigos 410º, 412º e 428º do Código de Processo Penal (CPP).
Seguimos o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no acórdão de 12 de Junho de 2008, processo nº 07P4375, Raul Borges, www.dgsi.pt:: “Atente-se contudo que a sindicância da matéria de facto pelos tribunais de segunda instância sofre quatro tipos de limitações: “desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação; - a jusante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. …”. (sublinhados nossos) [203] “5–No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação de recurso, que pretende ver debatidos.” (sublinhei). [204] “5–No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação de recurso, que pretende ver debatidos.” (sublinhei). [205]https://sicnoticias.pt/pais/2020-03-06-Presidente-do-Supremo-diz-que-suspeitas-de-viciacao-nos-sorteios-abalamconfianca-na-Justica [206]Jornal Expresso, nº 2471, de 07/03/2020, p. 18, também acessível em,- https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2471/pdf/expresso/expresso_18 [207] A indicação quanto a esta norma ter-se-á ficado a dever a lapso de escrita, entendendo-se a referência como tendo sido feita ao artigo 357º nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal. [208] Ao invés do que aconteceu na situação concreta objecto do citado acórdão do TRE de 07-10-2015. [209] Redacção da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º 97/2019, de 26 de Julho. [210] Acórdãos do STJ de 09-03-2006, Simas Santos proc. 06P461, de 19-11-2008, Santos Cabral, proc. 08P3776, de 21-01-2009, Santos Cabral, proc. 09P0111, de 27-10-2010, Pires da Graça, proc. 131/11.1YFLSB, de 15-12-2011 Raul Borges, proc. 17/09.0TELSB.L1.S1, de 09-02-2012, Oliveira Mendes proc. 131/11.1YFLSB e de 17-06-2015, João Silva Miguel, proc. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, de 29-05-2019, Raul Borges, proc. 9/15.0YGLSB.S2-B, todos acessíveis in www.dgsi.pt e Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, Almedina 2014, p. 1182 [211] Antunes Varela, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pp. 406-410 e Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 268. Na jurisprudência, entre outros, os Ac. do STJ de 24-09-2008 proc. 07S3793, Mário Pereira, de 21.10.2008, proc. 08A2016, Urbano Dias e de 07-05-2009, proc. 08S3441, Vasques Dinis, de 03-05-2000, citado no Ac. de 06-09-2017, proc. 4029/15.6TDLSB.L1.S1, Gabriel Catarino todos acessíveis em www.dgsi.pt [212] Ac. do TRG de 02-11-2015, proc 72/15.3GAFAF.G1, www.dgsi.pt [213] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 1994, p. 324 e p. 344, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7 ed., 2008, Rei dos Livros, pp. 71 e ss..Na jurisprudência, entre muitos outros, Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, Armindo Monteiro e Ac. do TRL de 05-07-2016, Proc. 662/13.9GDMFR.L1, Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt .. [214] Sérgio Gonçalves Poças, Quando o recurso incide sobre a decisão em matéria de facto, Revista Julgar nº 10, 2010, p. 29, acessível on line in http://julgar.pt/processo-penal-quando-o-recurso-incide-sobre-a-decisao-da-materia-de-facto/ Assim se decidiu no Ac. do TRL de 29-11-2016, proc. 18/14.6PFLRS.L1-5, Jorge Gonçalves. [215] Jorge de Figueiredo Dias, in «Direito Processual Penal», 1988-9, p. 60. [216]Ac. TRL de 23-11-2005, proc. 167/2005-3, Carlos Almeida. [217] A adução e esclarecimento do material de facto não pertence aqui exclusivamente às partes, mas em ultimo termo ao juiz: é sobre ele que recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente- sc, independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a julgamento, Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1981, p. 192. [218]Ac. STJ de 04-10-2006, proc. 2678/06,. Santos Cabral, acessível in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=23642&codarea=2, Ac TRL 05-11-2008, proc. 268/08.4GELSB.C1, Jorge Gonçalves. [219] Sérgio Gonçalves Poças, loc. cit. pp. 26-27. [220] [4] Erro em Direito penal, 2ª ed.,1999 p. 23. [221] Acórdãos do STJ de 13 Outubro 1999, processo 1002/98, Armando Leandro, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III/1999, de 12-03-2015, proc. 418/11.3GAACB.C1.S1, Oliveira Mendes e acórdão do TRL de 29-03-2011, proc. 288/09.1GBMTJ.L1-5, Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt. [222] A numeração dos factos ou “parágrafos” será a constante deste acórdão. [223] p. 416 do acórdão recorrido. [224] Na relação supra dos factos provados: pontos 70, 71 oferta de bilhetes, 416 jantar de 28/06/2013 e convite para casamento, 449 reunião no SEF, 414 referência a entrega de garrafas de vinho, 490 participação em cerimónia. [225] Cfr., apenso P, relatório 31
fls. 2-5 – com data de 25-Março-2008, troca de correio electrónico envolvendo JSG(BA,SA), dos arguidos MM e JA, relativo ao assunto "Estacionamento em Brasília - Carta enviada";
JSG informa o arguido MM, na sequência de conversa prévia que tiveram, de que enviou uma carta, cujo anexo junta – "Carta C-Companhia…." que parece ir ao encontro do que lhe havia sido dito pelo arguido MM. Refere ainda que logo que saiba alguma coisa, que o arguido MM o poderá contactar.
O arguido MM reencaminha o correio electrónico para o arguido JA.
A carta-anexo é remetida pela "BA,–S.A." à entidade "C- Brasília, Brasil), datada de 24-Março-2008, contendo a manifestação de interesse para a apresentação de projectos e estudos para a construção, implantação, sinalização, operação e manutenção de estacionamentos em Brasília.
fls. 21-23, Com data de 01-Abril-2008, o arguido JA envia correio electrónico ao arguido MM, contendo uma notícia publicada nesse mesmo dia no "Jornal de Brasília’" relacionada com o estado do estacionamento naquela cidade, referindo que a Cpretende construir estacionamentos através de PPP.
fls. 38, Com data de 17-Abril-2008, JSG (BA,SA), na sequência do correio electrónico referido e com o assunto "Estacionamento em Brasília – Urgente", envia correio electrónico ao arguido MM pedindo os contactos do arguido JA, a fim de organizar com o mesmo uma visita a Brasília, que prevê que ocorra na 1.ª semana de Maio.
O arguido MM reencaminha o correio electrónico para o arguido JA.
fls. 39-43, Com data de 18-Abril-2008, JSG (BA,SA) envia correio electrónico ao arguido JA, referindo que o arguido MM forneceu os contactos do arguido JA, pretendendo contactar com este por causa da oportunidade de negócio de estacionamento em Brasília. Pergunta ainda ao arguido JA sobre se este tem conhecimentos/contactos junto de diversas outras empresas brasileiras e uma espanhola, mencionadas no correio electrónico.
Com data de 28-Abril-2008, o arguido JA envia a JSG (BA,SA) um contacto em Brasília (George Stailos), que está à disposição de JSG, tendo já agendado uma reunião com a C.
Com data de 29-Abril-2008, o arguido JA envia a JSG (BA,SA) um correio electrónico o assunto "Visita a Codeplan", com informação do nome do Presidente da C, RR, o qual confirmou a reunião no dia 05 de Maio de 2008, na sede da empresa em Brasília. Quem dá essa informação ao arguido JA é LP.
JSG envia correio electrónico ao arguido JA com os contactos que já fez para a reunião.
fls. 44-47,
Com data de 14-Maio-2008, JSG (BA,SA) envia correio electrónico ao arguido JA, dando conta do correio electrónico que havia enviado a Georgios, na sequência da reunião que tiveram na C, tendo enviado uma carta ao Presidente da C, pedindo informação sobre quais os documentos que serão necessários para concretizar uma candidatura às PPP, na sequência de ter sido aceite a manifestação de interesse da BA,SA. [226] Apenso P, Relatório 26,
fls. 9-18;
Com data de 26-Outubro-2009, AG envia para os arguidos MM e JA correio electrónico com o assunto "FWD: Documentation solicitada".
Envia minuta de contrato (modelo de contrato de comissão entre a "FI e o Comissionista) que recebeu de RG (FI) e um documento relacionado com um concurso público internacional da REFER (deservagem química na rede ferroviária nacional).
fls. 46-51;
Com data de 15-Dezembro-2009, o arguido MM envia correio electrónico ao arguido JA contendo em anexo o contrato de prestação de serviços entre "FI" e a "JF –, Lda.".
O contrato não tem a data completa.
fls. 52;
Com data de 23-Dezembro-2009, o arguido JA reencaminha para o arguido MM e AG, correio electrónico que havia recebido de JN (FI), com o assunto "Contratos em que estamos interessados".
1 – Estabilização dos taludes da EN 222, e entre o Torrão e a ponte das Bateiras "Estradas de Portugal, S.A." (Direcção de estradas de Viseu) Preço Base = € 1.300.000,00 Prazo execução = 210 dias Data limite para entrega das propostas; 14 de Janeiro de 2010;
2 – Eixo Viário do Sistema Urbano do Vale – Largo da Feira (Alhastro) Câmara Municipal de Montemor-o-Velho Preço Base = € 800.000,00 Prazo execução = 270 dias Data limite para entrega das propostas: 21 de Janeiro de 2010.
fls. 145,
Com data de 29-Junho-2010, o arguido JA envia correio electrónico a ALF, com o assunto "Gestão Comercial".
No texto, o arguido JA pede a ALF que dê conhecimento ao pai dela (o arguido AF) do correio electrónico que o arguido JA reencaminha.
Trata-se de um correio electrónico de JN (FI), sinalizando ao arguido JA um "concurso importante", identificado como "PAR…EXP…, S.A." Manutenção e conservação de espaços verdes Cone n.º PGU.DMO.10.PC 85/RA.mhf Valor base € 5.000.000. [227] Cfr., busca 44, pasta 3, fls. 69. [228] Cfr., sessão 11573, fls. 624, sessão 12004, fls. 635; sessão 5573, fls. 502, sessão 74, fls. 6, sessão 1051, fls. 183, alvo AF, apenso C, fls. 375 apenso L – estas intercepções telefónicas expressam uma vontade do arguido AF de abraçar um projecto em Angola, aflorando ele em conversa a proposta de uma posição com uma retribuição mensal de € 10.000,00. No entanto, esta proposta nunca passou de uma vaga hipótese condicionada à adjudicação à "M, Lda." de um grande contrato estatal. De qualquer modo, esta proposta nunca foi condicionada à adopção de qualquer conduta do arguido AF como Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.", como permitir a ida de meios humanos a Angola para prestar acções de formação. Tal proposta era feita com base na competência e experiência do arguido AF. [229] Cfr., sessão 1043, sessão 1132 fls. 224, do, sessão 12004, fls. 635, sessão 3642, fls. 484, 5573, fls. 502, 11573, fls. 624 alvo AF; alvo AF, apenso C – o teor destas intercepções telefónicas está descontextuailizada. Sem dúvida que, em geral, o arguido AF demonstra uma grande avidez por dinheiro. No entanto, nunca revelou vontade de fazer negócios enquanto exercia funções públicas. O arguido AF sempre encarou os negócios em Angola como uma possibilidade de futuro fora do exercício das funções no "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.". Revelando indícios de frustração para o exercício do cargo de Presidente do Conselho Directivo do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.". [230] Cfr., fls. 329 do Apenso Z – o Seminário do Porto e a intercepção telefónica em que o arguido AF refere a expressão "arrebanhar por todo o lado e armazenar o tempo todo" esta separada no tempo por cerca de mais de quatro anos (22/12/2013), sendo certo que tal mensagem de correio electrónico foi recebida pelo arguido AF. [231] Cfr., fls. 92 verso e 93 anexo E 4.1, apenso Q – não é possível concluir que estes depósitos se devam aqueles recebimento, tanto mais que não existe evidência de ter sido paga alguma quantia ao arguido AF fora do âmbito daquela entregue nas instalações da arguida "LP – Lda.". [232] Cfr., sessão 138306 do alvo AF, apenso C, volume IV, fls. 1212 a 1215. [233] Cfr., sessão 139411, alvo AF, 1381, 139412, alvo AF fls. 1383. [234] Cfr., sessão 1127, alvo AF, fls. 214 e seguintes, apenso C. [235] Cfr., fls. 132, busca 45. [236] Cfr., sessão 1127, alvo AF, fls. 214 e seguintes, apenso C. [237] Cfr., sessão 1127, alvo AF, fls. 214 e seguintes, apenso C – desta conversa não é possível concluir que os arguidos estivessem a falar em comissões a receber da "Coimbra Editora, S.A.". [238] Cfr., apenso P, relatório 31, fls. 86-90 – paginação digital. [239] Cfr., fls. 104, apenso DCIAP-F1. [240] Cfr., fls. 207, documento de fls. 109-208 apenso DCIAP F1, 1.º volume; Apenso DCIAP-F1, 2.º volume, anexo 6. [241] Cfr., apenso P, relatório 27, fls. 106. [242] Cfr., apenso P, relatório 27, fls. 107-115, 113-121. [243] Cfr., apenso P, relatório Kamov, anexo ao relatório P, 31. [244] Simas Santos, Leal Henriques, op. cit., p. 77, Germano Marques da Silva, op. cit. p. 326, Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed., 2009, Univ. Católica, páginas 1094 e 1095, Ac. do STJ de 12-03-2015, proc. 40/11.4JAAVR.C2, Pires da Graça. [245] Germano Marques da Silva, op. cit., p. 318. Ac. do STJ de 07-02-2011, proc. 308/08.7ECLSB.S1, Maia Costa.
O seguinte trecho do Ac. do TRE de 20-02-2018, proc. 386/09.1TASLV.E2, António João Latas é bem elucidativo sobre a limitação para o próprio Tribunal da Relação: “O nº2 do art. 410º do CPP não permite ao tribunal de recurso reapreciar a prova produzida, ou seja, “ …reexaminar, repensar, emitir um juízo novo e autónomo, decidir em 2ª instância, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (…). O tribunal superior não pode, ao abrigo deste preceito, manifestar convicção diversa da do tribunal a quo face à globalidade do material probatório ao seu dispor mesmo quando a prova vier a ser registada (…). A lei faz depender o funcionamento dos mecanismos do art.º 410º de um requisito essencial: os vícios em causa só justificam o alargamento excepcional dos poderes de cognição do tribunal à questão de facto, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida.” – citado no Ac do TC, de 05.05.93, BMJ 427/121.”
[246] Declarações do arguido JA, em sede de 1.º interrogatório judicial, tendo em consideração a forma como foi efectuado o interrogatório dos arguidos, as declarações por eles prestadas não podem ser consideradas acriticamente, só relevando se forem suportados noutros meios de prova;
Ora as breves referências ao arguido AF não são suficientes para afirmar que este era o verdadeiro sócio e que acompanhava toda a actividade da empresa.
Ap. P, Relatório 26, fls. 1;
Com data de 15-Junho-2009, ALF envia correio electrónico para o arguido JA com proposta de vários nomes para a empresa, referindo que um dos nomes constantes na lista terá sido entendido pelo pai (arguido AF) como tendo sido sugerido pelo arguido JA.
fls. 2-7;
Com data de 18-Setembro-2009, o arguido JA envia correio electrónico para AG e os arguidos MM e AF, com o assunto "Espanha".
Envia em anexo informação sobre empresas espanholas, concretamente a empresa:
- "Medinves, S.L." (que actua nas áreas de construção, promoção imobiliária, projectos e obras, serviços de gestão, energia e meio ambiente), que actua em coordenação com as seguintes empresas:
- "Urinci, Slu." (consultora de engenharia, serviços de execução de obras civis e infra-estruturas);
- "Horcasa, S.A." (cimento pré-misturado e bombeio e serviço de obras);
- "Agrojardin Estepona, S.L." (projectos de paisagismo, movimentos de terras, etc.); e,
- "FI, S.L." (serviços de tratamento da vegetação com herbicidas, construção e manutenção de parques e jardins, etc.).
fls. 141-144;
Com data de 05-Abril-2010, ALF reencaminha correio electrónico ao arguido JA, com o assunto "LOGO JMF".
Num dos correio electrónico reencaminhados, datado de 27-Março-2010, a SB escreve no correio electrónico que envia a ALF "Junto envio o Logotipo que o Dr. AF solicitou".
fls. 145,
Com data de 29-Junho-2010, o arguido JA envia correio electrónico a ALF, com o assunto "Gestão Comercial".
No texto, o arguido JA pede a ALF que dê conhecimento ao pai dela (o arguido AF) do correio electrónico que o arguido JA reencaminha.
Trata-se de um correio electrónico de JN (FI), sinalizando ao arguido JA um "concurso importante", identificado como "PAR.-EXP., S.A." Manutenção e conservação de espaços verdes Cone n.º PGU.DMO.10.PC 85/RA.mhf Valor base € 5.000.000. [247] Cfr., apenso P, relatório 14, fls. 110;
Com data de 22 de Outubro de 2012, um correio electrónico do arguido JA e para o arguido AF, com o assunto "Concurso para a celebração de um acordo quadro para a CM do Porto".
O arguido JA escreve "Dr. AF, podemos fazer alguma coisa", reencaminhado um email que o arguido JA recebeu de JN (da FI), fazendo o ponto da situação do concurso, em que "a nossa proposta foi apresentada ontem e aguardamos agora o veredicto final que (...) amanhã falamos pessoalmente melhor sobre este concurso".
Trata-se do concurso para a celebração de um acordo quadro singular para a prestação de serviços de manutenção dos espaços verdes e arvoredo dos bairros municipais do Porto: CLPQI/l/12/DMC_Fase_Convite, 21-10-2012, valor € 2.800.000,00.
Este documento não demonstra qual a influência que o arguido AF pode ter na decisão deste concurso.
O mesmo se pode afirmar dos documentos que se seguem.
Estes documentos evidenciam que são transmitidas ao arguido JA informações sobre oportunidades de negócio para a empresa e identificação dos decisores. E esta transmissão de informação tem subjacente uma intencionalidade que não é completamente clara.
Pode evidenciar uma pretensão de influência ilícita para obtenção de uma posição de destaque nos concursos, mas não passa de um fraco indício de um comportamento não normativo. E, como tal insuficiente para demonstrar os factos em causa.
cf. Ap. P, Relatório 26,
fls. 147-149;
Com data de 09-Fevereiro-2011, JN (FI) envia ao arguido JA um correio electrónico contendo em anexo uma folha excel com listagem de diversos concursos públicos (diversas câmaras municipais; ANA; EP e EPAL);
fls.151;
Com data de 24-Fevereiro-2011, JN (FI) reencaminha para o arguido JA correio electrónico relacionados com marcação de reunião com o Dr. LD (ICNB), sobre controlo de vegetação. A reunião foi solicitada por JN a RP (MAOT).
fls. 152;
Com data de 25-Fevereiro-2011, JN envia correio electrónico a LD (ICNB), solicitando a marcação de uma reunião.
fls.154-155;
Com data de 12-Abril-2011, JN envia correio electrónico ao arguido JA, dando conhecimento de que a reunião com LD (ICNB) está agendada para o dia seguinte à tarde (13-Abril 2011).
Na mesma data, o arguido JA reencaminha a mensagem para ALF, mas escrevendo no texto do correio electrónico: "Dr. AF Para seu conhecimento. Um abraço. JA".
fls. 158,
Com data de 21-Setembro-2011, JN envia correio electrónico para o arguido JA com o assunto "Concurso para a Câmara Municipal de Lisboa (Acordo Quadro).
"Boa Tarde JA No seguimento do concurso da C.M. de Lisboa intitulado: "Concurso público n.º 31/DMSC/DA/2011 do Acordo Quadro para a Aquisição de Serviços de Manutenção e dos Trabalhos de Reabilitação de Espaços Verdes", em que vão ficar pré qualificadas 10 empresas para todos os trabalhos de manutenção e de requalificação na área metropolitana de Lisboa durante os próximos 4 anos;
O organograma funcional do dono de obra para este concurso é o seguinte: Vereador – JSF Direcção Municipal de Ambiente Urbano (DMAU) – Director Engenheiro ÂM… Departamento de Ambiente e espaços verdes – Chefe de Departamento de Arquitectura A…Ma (e também o presidente do júri para este concurso).
Os dois últimos (a negrito) são aqueles que, creio, terem uma influência capital no projecto de decisão.
Obrigado e um abraço JN. [248] Cfr., apenso P, relatório 31, fls. 86 a 90)
Sequência de correio electrónico, datados de 18-Maio-2012, nos termos dos quais um documento "scaneado" é enviado por AngM (FI) para JGB (FI), e deste para o arguido JA. O documento "scaneado" é, por sua vez, uma sequência de correio electrónico, de 11 e 15 de Maio-2012, em castelhano, o primeiro envolvendo LLD para Ang….M, no qual LLD envia um rascunho da conversa que ambos tiveram, para que Miguel acrescente alguma coisa e a transmita para "nouestra persona de Portugal (JA) ", para que se ocupe do assunto.
O assunto é relacionado com um contrato envolvendo 6 Kamovs pesados e 3 B3 ligeiros de Eurocopter, propriedade da "E,S.A.", no valor de 23 milhões de euros, sendo que o remetente de correio electrónico tece considerações sobre os critérios de avaliação do concurso (com marcador laranja assinalado).
No segundo correio electrónico, LLD escreve a JGB, esclarecendo que o contrato que lhes interessa é o primeiro refendo, de ligeiros, pois quanto ao resto a F,SA não tem meios disponíveis.
Encontra-se riscada a parte relativa aos helicópteros sanitários.
Embora este encadeamento de mensagens de correio electrónico mostre algum interesse da F,SA pela manutenção dos helicópteros, não existe conexão com o 2.º concurso internacional de manutenção e operação dos 6 helicópteros Kamov.
Tanto mais que a "F,SA" não se apresentou a nenhum dos concursos. [249] 1744. O arguido JA, com o conhecimento do arguido MM, desde pelo menos o ano de 2012 mantinha relações negociais com MAT (CEO do Grupo espanhol "F,SA", que integra as empresas "H", "F,C", "S,A", "C,S").
1745. Com efeito, em 18 de Maio de 2012, agentes e representantes da "FI,S.A." nomeadamente Ang…M e JGB, intermediaram contactos entre o arguido JA e MAT, CEO do grupo empresarial "F,SA", relativos à actividade de operação e manutenção de helicópteros Kamov . [250] Cfr., apenso P, relatório 31, p. 6)
Correio electrónico datado de 27-Março-2008, de PauloE… para o arguido JA (que o reencaminha para o arguido MM), dando conta de um potencial negócio ("se houver interesse temos como agilizar o negócio") relacionado com uma concessão de uma empresa de exploração de água e esgoto, num município do Rio de Janeiro, não identificado.
O teor deste documento refere a palavra "agilizar", mas é antecedida da expressão "se houver interesse". Assim, com base neste documento, é excessivo concluir que existiu alguma actividade de agilização neste negócio por parte dos arguidos JA e MM. [251] Cfr., fls. 264 a 267, 63 a 65, de 314 dos documentos anexos ao relatório 30, apenso P – esta documentação não demonstra nem sequer indiciariamente a intenção de constituir o arguido AF sócio desta empresa; as declarações do arguido PE apontam que esta reserva estava prevista para a cessão das quotas a um antigo colega dele, o que se mostra tão plausível como a cedência ao arguido AF, pelo que não existe prova suficiente para cimentar esta afirmação. [252] Cfr., fls. 44 e seguintes de 314 dos documentos anexos ao relatório 30, apenso P. [253] De EA para JG apenas com o seguinte texto - "Zé bom dia. Diz a isabel p confirmar a transf indicada pelo Paulo.
Temos a conta do AF?. Beijoca. ” (04-09-2012 / 11:19:56) (págs. 294-295 de 2540); [254] Apenso L, III, em PDF .p. 234 e 377/431 [255] 996. No dia 13 de Junho de 2013, , no fim da estadia, o arguido EB, entregou a CV um envelope, com o timbre da "M C.Lda.", com $ 5000,00, em numerário e um recibo de quitação, com o timbre da "MC,Lda." que esta assinou, com o descritivo Bolsa P/ Formadora Externa, por conta de despesas havidas .
997. Aquando da inquirição, CV procedeu à entrega, nos autos, do envelope que lhe foi dado pelo arguido EB, da quantia de $ 2500,00, metade da que lhe tinha sido dada pelo mesmo, por já ter gasto o restante e ainda de um recibo da "MC, Lda." .
998. Na mesma data, o arguido EB pediu-lhe que trouxesse outro envelope com o timbre da "MC, Lda.", com igual quantia no seu interior e que entregasse o mesmo ao arguido JG, ao que CV se recusou, alegando não ser um pombo-correio. [256] Existem duas conclusões com o nº 339. [257] Cfr., apenso DCIAP D1, 2.º volume, anexo 7, fls. 539, 845-852. [258] Cfr., fls. 420-424 do anexo 7, apenso DCIAP-F1, 2.º volume. [259] Cfr., anexo 4, apenso DCIAP-F1, 2.º volume; apenso DCIAP-F1, 2.º volume, anexo 7. [260] Cfr., sessão 424, 1162, 2331, 26587, 55243 alvo 62001060; sessões 20209, 20237, 20239, 20248 alvo 63125040; sessões 523, 561, 2328 alvo 66799040 (JM); fls. 420, apenso L, volume 1 – A4; fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1; reunião Câmara Municipal de Oeiras, fls. 614 do apenso L, volume 1, A4.; fls. 420 do apenso L, volume 1, A4; fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1.; fotografias constantes do telemóvel do arguido Z (da marca Apple iPhone 5 (A1429) _IMEI_013476004578594 Z– C1; fls. 18 a 22, volume 1, apenso L – estes meios de prova nada permitem concluir sobre a participação (nem sequer acompanhamento) do arguido MM nesta matéria da actividade dos arguidos AF e Z na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI. [261] Cfr., sessão 64 do alvo 65345040 (Z), apenso D, fls. 335; sessão de 09/05/2014 entre o arguido Ze n.º 8615229275999 (INI) no qual, fala de um LJ, e refere planos relativos à associação/clube de elite de empresários chineses e portugueses na China e partilha de lucros entre os arguidos JA, AF, Z e Ministro – de novo, estes meios de prova nada permitem concluir que o arguido MM tivesse alguma remota intenção de obter proventos da actividade na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI. [262] Cfr., sessão 26587 alvo 62001060 – esta conversa não demonstra o facto em causa. [263] Cfr., sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF); 15748, 20209 alvo 63125040 (Zhu); 1278, 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JM) – como acima foi referido, o arguido JA prestou um auxílio pontual na prospecção imobiliária, indicado a existência de alguns imóveis que poderiam ter interesse. [264] Cfr., sessões 2593, 2594, 2595, 2599 do alvo 62001060 – não existe nenhum meio de prova que demonstre indubitavelmente a existência de conversas entre os arguidos MP e JA sobre este assunto. Efectivamente, as intercepções telefónicas em causa consubstanciam conservas entre os arguidos AF e JA, os quais manifestam um desconhecimento das competências e funções de um OLI. Com efeito, tais funções não se contabilizam com as necessidades que os arguidos AF e JA revelam para desenvolver o projecto na China. [265] Cfr., sessão 2593 do alvo 62001060 – a vontade de agendar esse encontro é real, no entanto, a intenção é uma mera dedução, sem apoio probatório, da tese da acusação/pronúncia. Tanto mais, que a comunicação com o arguido XB não era fácil, nem tão pouco a comunicação com o arguido Z. [266] Cfr., sessões 3293 e 3220 do alvo 62001060 – estas intercepções telefónicas ocorreram em conversas entre os arguidos AF e Z, dada a capacidade do primeiro em empolar os relatos, não é crível que tenha sucedido aquilo que disse. [267] Cfr., sessão 54298, alvo 62001060 – desta intercepção telefónica não resulta o qual o teor da conversa que o arguido Z com M… de S…. [268] Cfr., apenso de busca 31 e documentos 1 e 2 respectivos – esta documentação não comprova os factos descritos. [269] Cfr., sessão 424, 1162, 2331, 26587, 55243 alvo 62001060; sessões 20209, 20237, 20239, 20248 alvo 63125040; sessões 523, 561, 2328 alvo 66799040 (JM); fls. 420, apenso L, volume 1 – A4; fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1; reunião Câmara Municipal de Oeiras, fls. 614 do apenso L, volume 1, A4.; fls. 420 do apenso L, volume 1, A4; fls. 14, 15 e 16 do apenso L, volume 1, C1.; fotografias constantes do telemóvel do arguido Z (da marca Apple iPhone 5 (A1429) _IMEI_013476004578594 Z– C1; fls. 18 a 22, volume 1, apenso L – estes meios de prova nada permitem concluir sobre a participação (nem sequer acompanhamento) do arguido MM nesta matéria da actividade dos arguidos AF e Z na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI. [270] Cfr., sessão 64 do alvo 65345040 (Z), apenso D, fls. 335; sessão de 09/05/2014 entre o arguido Z e n.º 8615229275999 (INI) no qual, fala de um LJ, e refere planos relativos à associação/clube de elite de empresários chineses e portugueses na China e partilha de lucros entre os arguidos JA, AF, Z e Ministro – de novo, estes meios de prova nada permitem concluir que o arguido MM tivesse alguma remota intenção de obter proventos da actividade na área imobiliária instrumental da obtenção de ARI. [271] Cfr., sessão 26587 alvo 62001060 – esta conversa não demonstra o facto em causa. [272] Cfr., sessões 333, 380, 424, 470, 1227, 2331, 55243, 96497, 104419, 104421, 104430, 139560 alvo 62001060 (AF); 15748, 20209 alvo 63125040 (Z); 1278, 2331, 2563, 2694, 2881, 2904, 2911, 3101 alvo 66799040 (JM) – como acima foi referido, o arguido JA prestou um auxílio pontual na prospecção imobiliária, indicado a existência de alguns imóveis que poderiam ter interesse. [273] Com interesse neste âmbito, as conversações constantes no Apenso C, I, em PDF p. 34, 66, 82, 261, 321.
Na conclusão 561º do recurso do Ministério Público existe um lapso: a sessão relevante não tem o nº 34101 mas sim 3101 (no apenso F a p. 258 do PDF). O Recorrente indica como elemento probatório o “relatório” ou síntese do agente da PJ. Nessa conversa não se encontra a palavra “jantar”: O segmento em apreço é o seguinte: “JG: segunda, aaa, mais duas questões. A primeira é, o, o, o há algum comentário daquele nosso encontro, não?
AF: aaa, sim, gostaram muito. Gostou muito.
JG: foi? Foi? Ok, Ok.
AF: sim, o nosso anfitrião gostou muito.
JG: tá bem, atão.” [274] Cfr., sessões 2593, 2594, 2595, 2599 do alvo 62001060 – não existe nenhum meio de prova que demonstre indubitavelmente a existência de conversas entre os arguidos MP e JA sobre este assunto. Efectivamente, as intercepções telefónicas em causa consubstanciam conservas entre os arguidos AF e JA, os quais manifestam um desconhecimento das competências e funções de um OLI. Com efeito, tais funções não se contabilizam com as necessidades que os arguidos AF e JA revelam para desenvolver o projecto na China. [275] Uma vez mais o Ministério Público não cumpriu o ónus de especificação do artigo 412, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal, omitindo a indicação da localização dos segmentos das conversas interceptadas. As conversações referidas genericamente encontram-se no Apenso C, I, p. 366-374; 375-377, 378-380 e 384-387 (PDF). [276] Cfr., sessão 2593 do alvo 62001060 – a vontade de agendar esse encontro é real, no entanto, a intenção é uma mera dedução, sem apoio probatório, da tese da acusação/pronúncia. Tanto mais, que a comunicação com o arguido XB não era fácil, nem tão pouco a comunicação com o arguido Z. [277] Cfr., sessões 3293 e 3220 do alvo 62001060 – estas intercepções telefónicas ocorreram em conversas entre os arguidos AF e Z, dada a capacidade do primeiro em empolar os relatos, não é crível que tenha sucedido aquilo que disse. [278] Apenso C, II, p. 74-77 e 78-85. [279] Que o Recorrente indica erradamente como constando a fls. 991 do acórdão recorrido. Corresponde ao § 1766 da pronúncia. [280] Cfr., fls. 134, apenso O; cfr., correio electrónico JA/MP fls. 16, relatório 13, apenso P – esta documentação não comprova os factos descritos. [281] Cfr., fls. 134, apenso O; correio electrónico arguidos JA/MP fls. 16, relatório 13, apenso P. [282] Cfr., correio electrónico arguido MP/JMC, fls. 17 a 21 relatório 13, apenso P; fls. 55 e 56, 58-60 documento 18, busca 65 – esta documentação não comprova os factos descritos. [283] Cfr., fls. 4-5, 6-7 relatório 24, apenso P; apenso N1, 1.º volume, fls. 58-59 – desta documentação não resulta que esta entidade tenha requerido a concessão de visto por prazo inferior a 120 dias. [284] Cfr., fls. 4, fls. 14, fls. 21 apenso N1, 1.º volume – esta documentação não comprova os factos descritos. [285] Cfr., fls. 224-225; 320-332 relatório 13, apenso P – esta documentação não comprova os factos descritos. [286] Cfr., fls. 102, 105, fls. 107-109, 118-119 documento 17, pasta 1, busca 65; informação de fls. 3,5-6; fls. 24, ponto 3 e fls. 51-52 do apenso N1 – esta documentação não suporta esta realidade. [287] Cfr., fls. 107, 108-109, 118-119 documento 17, pasta 1, busca 65 – esta documentação não suporta esta realidade. [288] Cfr., sessão 2268, 2341 2290 alvo 66799040; apenso L, volume I, relatório MP, fls. 43. [289] Cfr., Ap. P, relatório 32, fls. 78, 79-82. [290] Cfr., fls. 37/37 verso, apenso O; sessão 2533, alvo 66799040 – esta intercepção telefónica refere-se a conversa havida entre o arguido JA e NP, em que, como resulta do conjunto de intercepções telefónicas do primeiro, este pretende chamar a si o reconhecimento de ter sido ele a resolver as questões sobre o assunto dos doentes líbios e do IVA, questões que se resolvem pela mera acção dos agentes administrativos envolvidos. Sendo contudo real o contacto havido entre os Ministros da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros. [291] Cfr., fls. 5-6, documento 20, pasta 1, busca 65 – DGACCP; apenso P, relatório 32, fls. 69-70, 71. [292]Cfr., fls. 5-6, documento 20, pasta 1, busca 65 – DGACCP; documento 6, busca 76, MNE. [293] Cfr., correio electrónico NP de fls. 32/36, apenso O; correio electrónico ACR (Ministério dos Negócios Estrangeiros)/NP (arguida "ILS – Área da Saúde, Lda.") fls. 27v/28 apenso O; fls. 21, documento 18, Busca 65 – esta documentação não revela tal insuficiência. [294] Cfr., correio electrónico de NP/DrªP… a fls. 40, apenso O; correio electrónicode J…S… (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) para I…S… (arguida "ILS – Área da Saúde, Lda."), fls. 30, apenso O; correio electrónico de ACR (Ministério dos Negócios Estrangeiros) para o Dr. NP (arguida "ILS – Área da Saúde, Lda."), C/C LGS (Ministério dos Negócios Estrangeiros) e L…P… (Ministério dos Negócios Estrangeiros), de fls. 27-28, apenso O; fls. 753-783, 784-786, 791-817, 842-869, 870-895, fls. 896-900, 906-912, 1058-1055 relatório 13, apenso P; sessão 2532, 2533, 2568, 2574, 3104, 3212, 3221, 6516 alvo 66799040; apenso L, Relatório MP, fls. 40; fls. 751, 753-783, fls. 913 a 934; listagem de fls. 919 a 932, 936-957, 958-1055, 1058-1055 relatório 13, apenso P. [295] § 1846 a 1848 da pronúncia. [296] Cfr., fls. 742-750 relatório 13, apenso P – paginação suporte digital; fls. 2, documento 20, busca 65 – DGACCP; apenso P, relatório 32, fls. 41-42, 45-46, 59-60, 61-64, 65-68 – paginação suporte digital. [297] Cfr., apenso P, relatório 32, fls. 43-44, 73-74 – esta documentação não demonstra o facto em causa. [298] Cfr., fls. 422, anexo 16, apenso N1, 2.º volume – esta documentação não comprova os factos descritos. [299] O Recorrente AF procede a sistematização da matéria de facto de p. 9 a 210 da motivação, nos autos de fls. 40808 v.º a 40909. [300] Uma parte das considerações que se seguem são mera transcrição ou repetição de outras anteriormente inseridas pelo mesmo relator em acórdãos em que se suscitaram questões de idêntica natureza, como aconteceu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2012, no processo 679/06.0GDTVD.L1-3 e de 21-02-2018 no processo 3499/12.9JFLSB.L1, este da mesma formação de desembargadores do presente acórdão, acessíveis in www.dgsi.pt.
Neste âmbito, seguimos de muito perto o entendimento exposto nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2007, Armindo Monteiro, proc. 07P4588, de 12-03-2009, Santos Cabral proc. 09P0395, de 06-10-2010, Henriques Gaspar, proc. 936/08.JAPRT, de 07-04-2011, Santos Cabral proc 936/08.0JAPRT.S1, de 09-02-2012, Armindo Monteiro, proc. 1/09.3FAHRT.L1.S1, de 09-02-2012, Santos Cabral, proc. 233/08.1PBGDM.P3.S1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-01-2009, Carlos Almeida, proc. 10693/08, 3ª secçãoe do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-05-2005, Oliveira Mendes, proc. 1056/05, todos acessíveis in www.dgsi.pt , bem como no estudo “Prova Indiciária e Novas Formas de Criminalidade”do Juiz Conselheiro Santos Cabral, acessível in www.stj.pt;
Na doutrina, Germano Marques da Silva, “Curso”, II, Lisboa, Verbo, 1993, p 82, Patrícia Silva Pereira, Prova Indiciária no Âmbito do Processo Penal, Coimbra, Almedina, 2016, Juan Antonio Rosas Castaneda, “Algunas consideraciones sobre la teoría de la prueba indiciaria en el proceso penal y los derechos fundamentales del imputado”, in http://www.porticolegal.com/pa_articulo.php?ref=285, acedido em 18/06/2012, ALCOY, Francisco Pastor, “Prueba de indicios, credibilidad del acusado Y presunción de Inocência, Tirant lo Blanch, Valencia, 2003, BATTAGLIO, Silvia, “Indizio” e Prova Indiziaria” nel Processo Penale”, Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano, Giufrèditore, Ano XXXVIII, 1995, p 375. TONINI, Paolo, “Manuale di Procedura Penale”, 11ª ed. Giuffré Editore, Milano, 2010, pp 216 e “La Prova Penale”, 4ª ed. Cedam, Pádua, 2000, pp. 32ª 43, MITTERMAIER, “Tratado dela Prueba en Materia Criminal”, Madrid, Hijos de Réus Editores, 6ª edição, p 366 e p 387. Sobre prova indirecta e a presunção de inocência, nas considerações relativas aos indícios, à inferência ou à fundamentação, veja-se José Santos Cabral, em “Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade”, em Revista Julgar n.º 17, pp. 27-33, e Patrícia Silva Pereira, em Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal. Admissibilidade e Valoração, 2017, Coimbra: Almedina, pp. 128-167. [301] In “Sumários de Processo Criminal” (1967-1968), Coimbra, 1968, pp 47-48, citado por Mendes, Paulo de Sousa, “A Prova Penal e as Regras da Experiência”, Estudos em Homenagem ao Professor Figueiredo Dias, III, Coimbra, 2010, pp 997-1011. [302]http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/059811d67125087480257b170051cffe?OpenDocument . [303]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f411f67fb81de38a8025759900459f97?OpenDocument. [304] Segundo se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, acessível in www.tribunalconstitucional.pt, publicado no Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16, posteriormente citado no acórdão 521/2018,,
“ (…) na prova por utilização de presunção judicial, a qual pode sempre ser infirmada por contraprova, na passagem do facto conhecido para a prova do facto desconhecido, intervêm juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais que permitem fundadamente afirmar, segundo as regras da normalidade, que determinado facto, que não está diretamente provado é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio in dubio pro reo. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.” [305]https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html . [306]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6f6c44ee86a0619e80257b5200365d84?OpenDocument. [307] Descritos nos parágrafos 73 a 867 do elenco dos factos provados deste acórdão. [308] Idem, 868 a 1323. [309] O Recorrente refere-se ao artigo 5º do Decreto-Lei nº 148/2012 de 12/7. [310] Almeida Costa – Sobre o Crime de Corrupção, Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1987, pp 81-102 e Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pp. 661. [311] Cláudia Cruz Santos, A Corrupção de Agentes Públicos em Portugal: Reflexões a Partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência, in A Corrupção, Coimbra Editora, 2009, p. 109. [312]Cláudia Cruz Santos, A Corrupção, Coimbra Editora, Coimbra 2009, p.110 e 111, Almeida Costa, Comentário Conimbricense, III, Coimbra Editora, 2001, p. 662, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, Lisboa, Universidade Católica pp.882.
Na jurisprudência, por todos, o acórdão do TRC de 01-10-2008, proc. 247/94.7JAAVR.C1, Fernando Ventura, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2008:247.94.7JAAVR.C1.8E/ com o seguinte sumário, que seguimos de muito perto:
I. – O crime de corrupção passiva, tal como se encontra recortada na norma incriminadora, configura-se como um crime de dano, na medida em que consubstancia lesão da autonomia intencional do Estado.
II. - A consumação do crime de corrupção passiva ocorre no momento do conhecimento da solicitação de vantagem (ou promessa) pelo agente integrado no conceito jurídico-penal relevante pelo destinatário ou da sua aceitação, quando a iniciativa pertence a terceiro. Isto, independentemente da concretização de vantagem patrimonial ou não patrimonial ou da realização da conduta ilícita mercadejada, circunstâncias que não constituem elementos essenciais do crime de corrupção.
III. – Assim o funcionário ou titular de cargo político que solicita ou aceita a promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para a prática de acto ilícito comete o crime de corrupção mesmo que nada receba ou não execute a tarefa antijurídica acordada. [313] Almeida Costa, 1987, pp 97-98, Manuel Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Vol. II, 3.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, p. 1616, citado no acórdão do Tribunal Constitucional 90/2019, acessível in www.tribunalconstitucional.pt. [314] Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, III, Coimbra Editora, 2001, pp 654-676.
No mesmo sentido, Carmo Dias, Comentário das Leis Penais Extravagantes, I, Universidade Católica, 2010, pp 786-799, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª ed., p. 985. Acórdãos do STJ de 18/04/2013, proc. 180/05.9JACBR.C1.S1, Isabel Pais Martins e de 21/03/2018, proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Oliveira Mendes, acórdão do TRL de 22-04-2010, proc. 263/06.8JFLSB.L1-9, Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt . [315] Deliberação nº 627/2013, datada de 30 de Novembro de 2012, publicada no DR, 2ª série, de 27 de fevereiro de 2013. [316] Referimo-nos a todos os factos que o acórdão recorrido nomeia como actividade de instrumentalização de meios humanos e materiais no âmbito das respectivas atribuições funcionais públicas, em prol dos interesses do arguido Z.
Da instrumentalização dos funcionários do "Instituto dos Registos e do Notariado, I.P." (conservadoras e secretárias) e que acima se encontram descritos entre os factos 329 e 405. [317] Na transcrição acima constante deste acórdão são os factos 1350 a 1502. [318] Factos 1439 a 1449. [319] Factos 1450 a 1462. [320] Factos 1463 a 1487. [321] Factos 1358 a 1438. [322] Crime de corrupção passiva
Acto contrário aos deveres do cargo prometido à co-arguida MA: actos ilícitos no concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF , com o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM.
Vantagem não patrimonial aceite pelo arguido AF : partilha de informações privilegiadas da arguida MA sobre os procedimentos concursais da CRESAP, como se verificou no concurso para o cargo de presidente do IRN IP ou, também, no já referido concurso para vogal do IRN de LGP.
Crime de corrupção activa
Vantagem não patrimonial prometida e acordada com a arguida MA : actos ilícitos no concurso para chefe de divisão de departamento de recursos humanos a que concorreu CF, com o concurso da CRESAP em que foi oponente LGP ou com o concurso para secretário-geral do MAI em que foi oponente HM
Acto contrário aos deveres do cargo prometido pela arguida MA: partilha de informações privilegiadas da arguida MA sobre os procedimentos concursais da CRESAP, como se verificou no concurso para o cargo de presidente do IRN IP ou, também, no já referido concurso para vogal do IRN de LGP . [323] Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra,: Coimbra Editora, 2007, pp. 977-991. [324] Figueiredo Dias, op. cit, p.990. [325] Na transcrição acima constante deste acórdão são os factos 1350 a 1502. [326] Factos 1439 a 1449. [327] Factos 1450 a 1462. [328] Factos 1463 a 1487. [329] Seguiremos o texto dos factos provados 112 a 126. [330] Acórdão do STJ de 19/06/2019, proc. 319/14.3 GCVRL.G1, Mário Belo Morgado, citando Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1971, Livraria Almedina, p. 320 s., Cavaleiro Ferreira, Direito Penal, 1982, p. 419, e Anabela Rodrigues, A determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, 1995, Coimbra Editora., pp. 120 - 121. Em sentido contrário, Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias,., pp. 216 – 219. [331] Jorge de Figueiredo Dias As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pp. 213 e segs, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, pp 65 a 111, , Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, pp 545 a 576 Jescheck, HH Tratado, Parte General , II, pp 1189 a 1199.
Na jurisprudência, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2009, in www.dgsi.pt com o seguinte sumário «A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar» – cf. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e segs. II - O critério e as circunstâncias do art. 71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente. III - As exigências de prevenção geral são determinantes de primeira referência na fixação da medida da pena, face à necessidade de reafirmação da validade das normas, defendendo o ordenamento jurídico e assegurando segurança à comunidade, para que esta sinta confiança e protecção pela norma, apesar de violada. IV - Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.
Dito de outro modo, “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04 - 3.ª, Rel. Antunes Grancho in ASTJ, n.º 83 e http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/stj_busca_processo.php?buscaprocesso=1636/04&seccao=3 ) [332] Factos 6 a 8 e 4050 a 4072 [333] Factos 19 a 32 e 3596 a 3634. [334] Factos 4073 a 4152. [335] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, 1993, pag. 332 e 333 , Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena in Jornadas, CEJ, II, Lisboa 1998, pag. 48, Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade e a escolha da Pena RPCC I 1991, nº 2, 243. Na jurisprudência, por todos, o Acórdão do S.T.J. de 13-12-2007, rel. Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt com o seguinte sumário : “Na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art. 71.º do CP) a partir da ideia de que uma orientação de prevenção – e essa é a da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente uma orientação de prevenção – agora geral, no seu grau mínimo – a única que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. Neste contexto, a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. E prevalência a dois níveis diferentes: - o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração; [336] A referência ao normativo constante do artigo 66º do Código Penal e o teor de pp 2416-2417 leva-nos a entender que no dispositivo do acórdão se quereria escrever proibição do exercício de funções públicas, pelo que a utilização da expressão “suspensão” do exercício de funções públicas a pp 2429 e 2434 se terá ficado a dever a lapso de escrita, que agora se rectifica. [337] Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado, 2ª edição, UCP, p 259. [338] Sobre a natureza e autonomia da pena de suspensão de execução da prisão perante a pena de prisão Figueiredo Dias, Consequências, pp 329, 330, 337-341, Hans-Henrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, Bosch, Barcelona, 1981 p. 1152-1153, embora referindo não ser a doutrina dominante na Alemanha.
Na jurisprudência, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 13/2016, de 7 de Julho e jurisprudência aí citada, publicado no D.R. I de 07-10-2016 e acessível in www.dgsi.pt. [339] A discussão na Comissão de Revisão do teor deste artigo ocorreu nas 8ª, 16ª e 41ª sessões, a 29 de Maio e 21 de Setembro de 1989 e a 22 de Outubro de 1990, cfr. “Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Rei dos Livros, 1993, pp 65, 158 e 473, respectivamente. Com a revisão de 1995 a pena acessória de demissão deu lugar a uma pena acessória de proibição de funções. [340] Figueiredo Dias, Consequências, pp 167 §210. [341] - (…)