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ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA
PRAZO
Sumário
I – A redação do n.º 1 do art. 1096.º do Código Civil, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de três anos de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao aludido prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.
AA intentou, no Balcão Nacional do Arrendamento, procedimento especial de despejo contra BB, com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
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A ré deduziu oposição, arguindo, por um lado, a verificação de excepção dilatória de ilegitimidade passiva, por não ter o procedimento sido instaurado contra o marido da mesma, igualmente residente no locado e, por outro lado, arguindo que o contrato de arrendamento em causa nos autos não se encontra caducado, encontrando-se antes em vigor até 04.03.2023, assim como invocou a ré o direito ao deferimento da desocupação do locado, por padecer a mesma e o seu marido de elevado grau de incapacidade (cfr. fls. 31).
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Apresentado o procedimento especial de despejo a distribuição no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., transmutando-se o mesmo na presente acção especial de despejo, foi proferido despacho a convidar a autora a apresentar nova petição inicial aperfeiçoada e, bem assim, a pronunciar-se quanto à matéria de excepção arguida pela ré (cfr. fls. 38 - ref.ª ...27).
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Nessa sequência, veio a autora arguir que a ré litiga de má-fé, porquanto aquando da celebração do contrato de arrendamento objecto dos autos referiu ser divorciada, mais alegando que carece do locado para habitação própria e do seu filho menor (cfr. fls. 42 - ref.ª ...60).
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Por despacho de 2/05/2022, foi a autora convidada a suprir a excepção dilatória de ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário passivo, com o chamamento à demanda do cônjuge da ré, convite esse ao qual a autora respondeu (cfr. fls. 52 e 53 v.º - ref.ª ...94).
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Admitido o chamamento à demanda do cônjuge da ré, foi o mesmo citado, nada tendo requerido nos autos (cfr. fls. 60 e 61 - ref.ª ...14).
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 66 e 67 - ref.ª ...60).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 68 a 72 - ref.ª ...64), nos termos da qual decidiu julgar a acção totalmente procedente e improcedente a oposição deduzida e, em consequência, declarou a caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando a ré e o chamado na entrega do locado à autora, livre e devoluto de pessoas e bens, indeferindo o pedido de deferimento da desocupação do locado formulado pela ré.
Mais decidiu absolver a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pela autora.
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Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a Ré (cfr. fls. 74 a 78 - ref.ª ...19), tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«A) A Apelante ocupa o arrendado desde 2014, por contrato que não foi denunciado. B) Esta questão foi invocada pela Apelante e não foi objeto de pronúncia pelo Tribunal a quo o que determina a nulidade da sentença. Cfr. art. 615º 1 d) do CPC. C) A douta sentença recorrida acolheu o entendimento de que o contrato de arrendamento celebrado em 04/03/20019, com prazo certo de um ano, se renovou por igual período de um ano e caducou. D) Afastou-se, assim, da opinião maioritária da jurisprudência e da doutrina, supra citadas, que defendem que a previsão da renovação automática do contrato tem um prazo mínimo imperativo de 3 anos. Cfr. art. 1096º-1 e 1097-3 do CC E) A Lei nº 13/2019 de 12/2 visou estabelecer um conjunto de medidas que privilegia a posição dos inquilinos, através do reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano. F) No arrendamento habitacional, o legislador tem atendido à função social desempenhada por estes contratos, tendo em atenção direitos constitucionalmente relevantes, máxime da habituação (art. 65º CRP), sendo esta a interpretação que converge com a ratio legis das normas citadas. G) Considerando que o contrato sub judice não foi denunciado pelas partes, renovou-se automaticamente em 05/03/2020 por um período imperativo de 3 anos, até 04/03/2023. H) A Apelada intentou o procedimento especial de despejo no Balcão Nacional do Arrendamento, em 10/11/2021, com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes. I) Todavia, importa reconhecer que o contrato se encontrava em vigor até 04/03/2023, o que conduz à improcedência do procedimento de despejo. J) A douta sentença violou as disposições legais citadas e deve ser revogada, como é de JUSTIÇA».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão (cfr. fls. 80 - ref.ª ...82).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
i) Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia - art. 615º, n.º 1, al. d), do CPC;
ii) Da errada interpretação do disposto no art. 1096º, n.º 1, do Código Civil, na redacção resultante da Lei n.º 13/2019, de 12/02.
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto
A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) Através de acordo escrito designado de “contrato de arrendamento para habitação a termo certo” celebrado entre a autora e a ré em 04 de Março de 2019, a autora declarou dar de arrendamento à ré, que por sua vez tomou de arrendamento àquela, a fracção autónoma designada pela letra ..., ... andar B, n.º ...79 do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16, para habitação própria, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 3 a 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) O acordo de arrendamento acima mencionado foi celebrado pelo prazo de 12 meses/1 ano, com início no dia 04 de Março de 2019.
3) Obrigando-se a ré, a título de renda, ao pagamento da quantia mensal de € 300,00, até ao dia 8 de cada mês.
4) Estipularam as partes no n.º 2 da cláusula terceira do acordo de arrendamento acima mencionado que “O presente contrato poderá renovar-se automaticamente no seu termo por um único período de um ano (1) caso nenhuma das partes se oponha à renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes”.
5) A autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção datada de 28 de Julho de 2021, interpelando-a para proceder à entrega do locado, invocando a caducidade do mesmo a 03.03.2021, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 7 e 7 – verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) A autora enviou à ré carta registada com aviso de recepção datada de 25 de Agosto de 2021, interpelando-a para proceder à entrega do locado, invocando a caducidade do mesmo a 03.03.2021, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 9 e 9 – verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) As cartas acima mencionadas em 5) e 6) não foram recebidas pela ré.
8) A ré e o chamado CC casaram entre si a 14.11.2019.
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B. E deu como não provados os seguintes factos:
a) A autora reside em casa arrendada.
b) A autora necessita do imóvel objecto do acordo de arrendamento mencionado em 1) para habitação própria e do seu filho menor, que com a mesma reside.
c) A ré e o chamado padecem de incapacidades de 88,44% e 91,33%.
d) A ré e o chamado auferem pensões de invalidez de € 357,99 e 329,15.
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V. Fundamentação de direito.
1. Nulidade da sentença recorrida (por omissão de pronúncia - art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC).
1.1. As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como vício de limites, a nulidade de sentença/decisão enunciada no citado normativo divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[1].
Esta causa de nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Doutrinária[2] e jurisprudencialmente[3] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)”[4].
Por outro lado, não há omissão de pronúncia sempre que a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada[5].
Em abono da invocada nulidade aduz a recorrente que ocupa o arrendado desde 2014, por contrato que não foi denunciado, sendo que essa questão foi por si invocada e não foi objeto de pronúncia pelo Tribunal “a quo”, o que determina a nulidade da sentença.
Pois bem, embora seja certo que a Ré tenha alegado que é arrendatária da fracção em causa por contrato de arrendamento habitacional celebrado em 5/03/2014, a verdade é que não retirou nenhuma consequência jurídica dessa alegação.
Por outro lado, ao nível da matéria de facto, a recorrente conformou-se com a que foi exarada no elenco dos factos provados e dos factos não provados. na medida em que não impugnou a decisão da matéria de facto da sentença recorrida.
Ora, ao assim agir processualmente, a apontada nulidade da sentença pode e deve considerar-se prejudicada, na medida em que a recorrente não questiona que o contrato objeto dos autos foi, de facto, celebrado em 4 de março de 2019 e com início nessa data, mostrando-se titulado no documento junto aos autos a fls. 3 a 4 (ponto 1 e 2 dos factos provados).
Acresce não se tratar de um caso em que a sentença se revele total ou parcialmente deficiente resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, impedindo o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.
Sendo assim a pretérita alegação deixa de ter relevância, posto que ambas as partes se conformaram com a delimitação fáctica feita pelo Tribunal “a quo”.
Termos em que, sem mais considerações, julga-se improcedente a invocada nulidade da sentença recorrida.
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2. Da errada interpretação do disposto no art. 1096º, n.º 1, do Código Civil.
Defende a apelante que a sentença violou o disposto no art. 1096.º, n.º 1, do Código Civil (CC), na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, posto que o contrato subscrito em 04/03/20019, com prazo certo de um ano, renovou-se automaticamente no final do seu termo, em 04/03/2020, pelo período mínimo de 3 anos, nos termos do citado preceito normativo.
Isto porque, uma vez prevista a renovação automática do contrato, esta será obrigatoriamente pelo mínimo imperativo de 3 anos e, não tendo a senhoria comunicado a oposição à renovação do contrato, a sua vigência deveria manter-se até 04/03/2023.
Não se encontra controvertido nos autos que as partes celebraram, em 4/03/2019, um contrato de arrendamento para habitação da Ré, pelo prazo de um ano e com início naquela data, tendo as partes estipulado que o “contrato poderá renovar-se automaticamente no seu termo por um único período de um ano (1) caso nenhuma das partes se oponha à renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes”.
Também não se encontra controvertido que a autora enviou à ré duas cartas registadas com aviso de recepção, datadas de 28/07/2021 e 25/08/2021, interpelando-a para proceder à entrega do locado, invocando a caducidade do contrato de arrendamento a 03.03.2021.
Estipula o art. 1080.º do CC que “as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”.
Sob a epígrafe “Renovação automática”, prescreve o n.º 1 do art. 1096.º do CC, na redação conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02:
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
O citado preceito legal, na redação antecedente dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, estipulava que, salvo estipulação em contrário, o contrato de arrendamento habitacional celebrado com prazo certo renovava-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração.
A respeito desta norma, aplicável a contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo, não existiam dúvidas de que, por um lado, às partes era permitido celebrar um contrato sem renovação automática, isto é, que previsse a caducidade do mesmo com o decurso do prazo estipulado. Por outro lado, não tendo as partes excluído o regime da renovação automática, podiam as mesmas estabelecer livremente os prazos aplicáveis a tais renovações (sem prejuízo do limite máximo de 30 anos previsto no art. 1025.º do CC).
A referida solução normativa era clara e de compreensão uniforme, o que promovia a segurança jurídica da legislação arrendatícia. Tal contexto veio a ser profundamente alterado com a entrada em vigor da já referida Lei n.º 13/2019, de 12/02, que tinha como desígnio introduzir "medidas destinada a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade".
Entre outras alterações relevantes, a indicada Lei n.º 13/2019 atribuiu uma nova redacção ao referido art. 1096.º, n.º 1, do CC, nos termos já antes enunciados.
A referida alteração não veio afectar a possibilidade de as partes afastarem o regime da renovação automática do contrato de arrendamento, tal como já permitido ao abrigo da redacção anterior. Porém, em relação ao regime aplicável ao prazo da renovação, quer na doutrina quer na jurisprudência prontamente surgiram posições divergentes quanto à real intenção do legislador. Essencialmente, a discussão centrou-se sobretudo em determinar se o legislador pretendeu instituir, quanto ao prazo da renovação, um regime de caráter imperativo ou, ao invés, de carácter meramente supletivo. Em suma, se o prazo de três anos de renovação referido na norma deve valer como prazo mínimo a observar na ausência de estipulação das partes ou, ao invés, se tal prazo mínimo de três anos é, na verdade, um prazo imperativo, que não pode ser afastado pela vontade das partes, quando estas não excluam expressamente a renovação automática do contrato. De acordo com este último entendimento, as partes têm o direito de estipular prazos de renovação diferentes do prazo inicial do contrato, desde que por prazo não inferior a três anos, que corresponde a um limiar mínimo obrigatório[6].
Atualmente, a jurisprudência segue, pelo menos, três interpretações diferentes em relação ao disposto no art. 1096.º, n.º 1, do CC: (i) a norma consagra um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos[7]; (ii) a norma estipula um prazo de renovação mínimo supletivo[8] (possibilitando que as partes convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto); ou que (iii) além de um prazo de renovação mínimo supletivo, a norma, quando interpretada em conjugação com o disposto no art. 1097.º, n.º 3, obriga ao decurso prévio de três anos de duração inicial antes da primeira renovação automática do contrato[9].
Estando cientes da natureza controversa da questão atinente ao período da renovação automática, entendemos ser de interpretar a alteração introduzida ao art. 1096.º, n.º 1, do CC como tendo natureza imperativa e não supletiva, conforme é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina já antes identificadas.
De acordo com essa interpretação o art. 1096.º do CC não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.
As razões subjacentes a tal entendimento – nos termos aduzidos no Ac. da RE de 25-01-2023 (relatora Maria Adelaide Domingos), in www.dgsi.pt. – assentam no seguinte:
«Não obstante o legislador ter estabelecido em prol da liberdade contratual a possibilidade de as partes excluírem a renovação, não o fazendo, agora em prol do princípio da estabilidade dos arrendamentos habitacionais, veio estabelecer um prazo mínimo de renovação, donde se pode concluir que o legislador teve como objetivo a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato. O invocado caráter supletivo do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil reporta-se apenas e tão só ao direito das partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, logo subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes. Ou seja, a liberdade de estipulação prevista no preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática. Assim, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior».
“No caso, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com o prazo de um ano, tendo-se renovado automaticamente por igual período, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos. No caso, o elemento teleológico (ratio legis), i.e., o fim visado pelo legislador e as soluções que visou constam da própria Lei n.º 13/2019, de 13-02, não se podendo ignorar que o mesmo refere que se visou uma uniformização do regime no que toca à duração dos contratos de arrendamento para habitação revelada na previsão do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil ao estipular: «A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...).», contrariando, de certo modo, a estipulação que permite a celebração desse tipo de contratos por um período mínimo de um ano (artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil)”.
Com efeito, que sentido teria o legislador introduzir a expressão “ou de três anos se esta for inferior” se não fosse para impedir que o prazo de renovação fosse inferior a 3 anos ?
É que se não tivesse esse propósito bastaria deixar tudo como estava: como se disse, a norma, na versão da Lei n.º 31/2012, de 14/08, permitia que num arrendamento com o prazo inicial de 1 ou 2 anos as partes tivessem liberdade para convencionar igual prazo de renovação ou que, na falta de disposição em contrário, a renovação se operasse automaticamente por períodos idênticos ao do prazo inicial[10].
Na interpretação do regime instituído pela Lei n.º 13/2019, relevam também as considerações tecidas por Maria Olinda Garcia no estudo intitulado “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019”[11], quando escreve:
«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência. Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9. Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos».
Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
Assim, considerando o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no art. 1096.º, n.º 1, do CC e que o contrato se renovou a 04/03/2020 pelo período de três anos, o novo termo ocorreu apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 04/03/2023.
Logo, as cartas enviadas pela autora à ré interpelando-a para proceder à entrega do locado, invocando a caducidade do mesmo a 03.03.2021, não são eficazes contra a Ré, posto que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida em 04/03/2020, o termo do contrato apenas ocorreria a 03/03/2023, pelo que o contrato se mantinha em vigor.
E assim sendo, divergindo do decidido na 1ª instância, tal comunicação foi ineficaz para produzir os efeitos pretendidos pela apelada: o de ver cessado o contrato em 03.03.2021.
Ademais, mesmo os arestos que pugnam pela supletividade do prazo de renovação – e que admitem que as partes possam convencionar períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos –, não deixam de ressalvar o regime previsto no n.º 3 do art. 1097º do CC, nos termos do qual:
“A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
Dele decorre que, prevendo-se a renovação do contrato, o prazo mínimo garantido da vigência do contrato é de três anos a contar da data da celebração do mesmo. Ou seja, o direito de o senhorio opor-se à renovação do contrato, quando seja prevista a renovação do contrato, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data de celebração do contrato.
Por esta via temos que o contrato de arrendamento objeto dos autos foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 4/03/2019 e termo em 3/03/2020, tendo-se operado a primeira renovação desse contrato a 4/03/2020.
Ora, por força da conjugação do disposto nos arts. 1096º, n.º 1, e 1097º, n.º 3, do CC, nele se prevendo a renovação automática do contrato, que veio a efectivar-se (a 4/03/2020), o contrato de arrendamento passou a ter um período de vigência mínimo de três anos a contar da sua celebração, ou seja, o contrato não poderia ser extinto por oposição à renovação antes de 3/03/2022.
Assim sendo, também segundo esta interpretação não poderia ter operado a caducidade do contrato de arrendamento, porquanto na data da suposta caducidade (03.03.2021) mantinha-se plenamente válido e eficaz, surtindo todos os seus efeitos e vinculando as partes à manutenção de todas as suas obrigações.
Procedem, pois, as conclusões de recurso, sendo de revogar a sentença recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas (quer da ação, quer da apelação) serão da responsabilidade da autora/recorrida.
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VI. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogam a sentença recorrida, absolvendo a ré do pedido.
Custas da acção e da apelação a cargo da autora/recorrida (art. 527º do CPC).
[1] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt. [2] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364. [3] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. [4] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 713. [5] Cfr. Ac. do STJ de 7/09/2020 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt. [6] Cfr. Rita Xavier de Brito e André Husgen, “O Prazo de renovação de contratos de arrendamento urbano para fins habitacionais”, Revista Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 61 (março) - Ano 2023, pp. 148 a 155, cuja exposição vimos seguindo de perto na explanação antecedente. [7] Cfr., entre outros, os Acs. da RE de 10.11.2022 (relatora Maria Adelaide Domingos), de 10.11.2022 (relatora Maria João Sousa e Faro), de 25-01-2023 (relatora Maria Adelaide Domingos); Ac. da RP de 04/05/2023 (relatora Isabel Silva); Acs. da RG de 08.04.2021 (Rosália Cunha) e de 11-02-2021 (relatora Raquel Tavares); in www.dgsi.pt.
Na doutrina, Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 10ª ed., Almedina, p. 178, Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março 2019, p. 11-12, em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pd, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 3ª ed., Quid Juris, p. 390, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues, In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303 e Estudos de Direito Privado, (2010-2020), AAFDL Editora, pp. 145 a 161 e Edgar Alexandre Martins Valente, Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32. [8] Cfr., entre outros, os Acs. da RL de 17.03.2022 (relator Nuno Lopes Ribeiro), e de 10.01.2023 (relator Luís Filipe Sousa), Ac. da RP de 23/03/2023 (relatora Isabel Ferreira), in www.dgsi.pt. [9] Cfr., Ac. do STJ de 17-01-2023 (Relator Pedro de Lima Gonçalves), in www.dgsi.pt. [10] Cfr., Ac. da RE de 10.11.2022 (relatora Maria João Sousa e Faro), in www.dgsi.pt. [11] Cfr., https://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf